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ANO 3 - N° 15 - AFROBRAS / UNIPALMARES

Todos pela Educação!




Entrevista Especial Ministra Matilde Ribeiro........................................................................... 8

Agenda Cultural .................................................................................... 56

Capa Todos Pela Educação............................................................................... 10

Responsabilidade Social Fundação Bradesco . ............................................................................... 58 Instituto Coca-Cola .............................................................................. 60

Na Zumbi Ex-ministro Paulo Renato.............................................................................. Afrobras e Unipalmares na mídia.................................................................... Conhecimento em qualquer tempo............................................................... Alfabetização de deficientes visuais................................................................. A Cor da cultura e Embarque à Leitura......................................................... Unipalmares no Tribunal de Justiça de São Paulo..........................................

Empreendedorismo Luiza Helena dos Santos . ...................................................................... 62

18 19 20 22 24 25

Perfil Moisés da Rocha .................................................................................... 63 Homenagem Moacir Santos ....................................................................................... 64

Mercado de Trabalho ABN Amro: mais 50 trainees Executivos Jr. da Unipalmares.................... 26 Carlos Faccine: O Profissional competitivo: Razão, emoções e sentimentos na gestão ......................................................................... 28 Artigo Dinama Makiyama....................................................................... 30

Plural Rubens Barbosa . ................................................................................... 66 Rafael Rodrigues da Silva ..................................................................... 68 Negros em Foco Edgar De Decca ................................................................................... 70

Cidadania Artigo Miguel Jorge . ................................................................ 32 Artigo Marcio Cypriano . ........................................................... 34 Artigo Paulo Skaf ......................................................................... 36 Artigo José Sarney ........................................................................ 38 Artigo Fernando Tadeu Perez ....................................................... 40 Artigo Laura Laganá .................................................................... 42 Artigo Maria Célia Malaquias ....................................................... 44 Artigo Fabio Barbosa .................................................................... 46 Artigo Padre Toninho .................................................................. 48

Troféu Seminário Diversidade Racial e Ações Afirmativas .................................. 72 Almoço de lançamento na Coca-Cola Brasil ........................................... 74 Eleições Negros eleitos ........................................................................................ 96 Palavra do Presidente Todos pela educação . ............................................................................. 98

Cultura Quilombo de Ivaporunduva . ....................................................... 50 Artigo Elias de Souza Junior . ....................................................... 52 Artigo Maurício Pestana . ............................................................. 54

ndice

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Afirmativa Plural é uma publicação da Afrobras - Sociedade Afro Brasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural e da Universidade Zumbi dos Palmares - Faculdade de Administração, com periodicidade bimestral. Ano 3, Número 13 – Rua Washington Luiz, 236 – 3º andar - Luz – São Paulo /SP - Brasil - CEP 01033-010 –Tel. (55 -11) 3228-1824. Conselho Editorial: José Vicente, Ruth Lopes, Raquel Lopes, Francisca Rodrigues, Cristina Jorge, Nanci Valadares de Carvalho, Francisco Canindé Pegado do Nascimento, Jarbas Vargas Nascimento, Humberto Adami, Felice Cardinali, Sônia Guimarães. Direção Editorial e de Redação: Jornalista Francisca Rodrigues (MTb. 14.845 Redação e Publicidade: Maximagemmidia Assessoria em Comunicação (mim@ maximagemmidia.com.br) - Tel. (11) 3229-9554. Redação: Zulmira Felicio (zulmira.felicio@globo.com - Mtb.11.316), Demetrius Trindade (demetrius@afrobras.org.br - Mtb.30.177) – Daniela Beilch (danielab@ afrobras.org.br), Grace Ellen Rufino (grace@afrobras.org.br), Júlia Ramos (estagiária) Fotografia: J.C.Santos, Cíntia Sanchez, Miro Ferreira e divulgação. Colaboradores: Rodrigo Massi (agendacultural@afrobras.org.br), Maurício Pestana (pestana@mauriciopestana.com.br) e Rosenildo Gomes Ferreira (rosenildoferreira@revistadinheiro.com.br). Editoração eletrônica: Studio Flexmaster (studioflex@uol.com.br) CTP e Impressão: Vox Editora A revista Afirmativa Plural é uma publicação da Afrobras/Unipalmares. A Editora não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos e matérias assinadas. A reprodução desta revista no todo ou em parte só será permitida com autorização expressa da Editora e com citação da fonte.


Todos pela Educação! Após 500 anos de descobrimento e uma educação sem qualidade para todos os seus cidadãos, o Brasil e grande parte dos brasileiros parecem acordar para o fato de que “Sem Educação não há Liberdade”, lema da Afrobras defendido em seus dez anos de vida. Em setembro, às vésperas do Dia da Independência, dezenas de empresários, executivos, representantes de Organizações NãoGovernamentais, entidades civis e governos, se reuniram para dar o grito pela Educação. Em plena campanha eleitoral, praticamente todos os candidatos levantaram essa bandeira. Agora, na reta final de uma eleição para presidente do Brasil,

melhoria de grande parcela da população brasileira, os negros, que construíram esse país com seu sangue e suor e pagam seus impostos como qualquer cidadão, mas que ainda estão excluídos dos bens produzidos por ele. Dentro das comemorações da Semana da Consciência Negra, e pelo segundo ano consecutivo, a Afrobras e a Unipalmares realizam o Seminário Diversidade Racial Corporativa e Ações Afirmativas, que ocorrerá no Itaú Cultural e tem como temas principais a Educação – desde o básico ao ensino superior – e o Mercado de Trabalho, trazendo “cases” dos projetos de parceria entre a Unipalmares e diversas empresas

esperamos que o vencedor mantenha essa preocupação em seu governo e que realmente adote medidas fortes e sérias para uma educação inclusiva para todos, e não apenas para uma elite. Estamos chegando ao mês de novembro, época em que relembramos a morte de Zumbi dos Palmares, nosso herói nacional. Em 20 de Novembro, grande parte da comunidade negra e daqueles que trabalham pela inclusão do afrodescendente em todos os segmentos da sociedade brasileira, se unem para celebrar o Dia de Zumbi. Nós, da Afrobras, como fazemos nos últimos seis anos, realizaremos a entrega do Troféu Raça Negra, um reconhecimento do trabalho de artistas negros e personalidades de todas as cores que trabalham pela

que estão fazendo o seu trabalho de responsabilidade social, buscando formar e incluir afrodescendentes no mercado de trabalho. Nesta edição, trazemos a opinião de autoridades e artistas sobre o papel e a situação real do negro no Brasil. Mas como fazemos sempre, procuramos mostrar também o progresso alcançado, ainda que em pequena escala, mas um progresso na situação da nossa raça. Mostramos também que negro é lindo, capaz. Mostramos que nós podemos, basta nos dar oportunidade. Boa leitura! Francisca Rodrigues Editora Executiva




“P

entrevista especial

osicionamos-nos

afirmativamente” Por: Zulmira Felício Da Redação

Diz a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em entrevista exclusiva: o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, no ensino fundamental e médio, provocou a edição de livros didáticos, formação de milhares de professores e debates, num processo jamais visto na história da educação do País.

Afirmativa - Como a Ministra analisa as iniciativas de inclusão de afrodescendentes ao ensino superior? Matilde Ribeiro - O governo brasileiro tem oportunizado, desde o ano passado, o ingresso ao ensino superior de afrodescendentes, indígenas e estudantes da rede pública através do ProUni – Programa Universidade para Todos. Mais de 203 mil jovens com esse perfil, destes 63 mil afrodescendentes, tiveram a oportunidade de mudar seu destino, fruto de um condicionamento social de exclusão da universidade. Estão presentes em diferentes cursos de graduação, espalhados em todo o país, revertendo uma triste realidade que conduzia a juventude somente ao mercado de trabalho ou à informalidade. Quando conseguiram burlar essa barreira, enfrentavam uma série de adversidades para arcar com

as despesas de estudo. O ProUni é um programa extremamente bem-sucedido, o qual assegura ao universitário a tranqüilidade financeira de se preparar para uma carreira sem o assombroso fantasma de exclusão por falta de dinheiro para bancar as mensalidades, restando ainda a possibilidade de investimento em livros e cursos de aprimoramento durante a graduação. Entre as instituições públicas de ensino superior, contabilizamos a adesão de 30 universidades ao sistema de reserva de cotas, mesmo antes da aprovação do projeto de lei 73/1999, que tramita no Congresso. Temos hoje travado um debate nacional sobre a relevância e eficácia desse sistema e nos posicionamos afirmativamente. Compreendemos que o ingresso e o desenvolvimento de programas que possibilitem a permanência desses jovens nas universidades

são estratégias fundamentais para reverter às disparidades entre os dois Brasis, o negro e o branco, atestado por pesquisas e indicadores sociais como o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU (Organização das Nações Unidas). Ao destinar caminhos para o ingresso e a permanência de afrodescendentes e indígenas, o Estado brasileiro também estará equilibrando as contas com o passado escravista e expropriador das identidades desses grupos étnico-raciais. Estaremos todos, negros, indígenas e brancos, ingressando numa nova era de respeito e comprometimento com o desenvolvimento econômico e social para todas as pessoas. Afirmativa - Para alguns, as cotas têm caráter discriminatório, o que a Ministra tem a dizer a esse respeito?


Matilde Ribeiro

Matilde Ribeiro - Trata-se de uma discriminação positiva, em que são destinadas ações específicas para propiciar uma equiparação entre os grupos étnicoraciais. Se de um lado tivemos o contingente negro destituído de acesso aos bens e serviços do Estado e alvo de discriminação do privado, outros grupos foram submetidos a um tratamento privilegiado e com acesso a todos os campos fechados aos negros. Não queremos punir aqueles que sempre estiveram incluídos e sim ampliar a rede para incorporação de sujeitos fundamentais para o desenvolvimento do país.

Afirmativa – É cada vez mais polêmica a discussão em torno do Estatuto da Igualdade Racial, que aguarda votação desde 1998. Qual a sua opinião? Matilde Ribeiro - O Estatuto da Igualdade Racial é um instrumento ramos, assim como os documentos gerados desde a criação da Seppir, como a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial e Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, dispositivos determinantes para o enfrentamento do racismo e superação das desigualdades raciais no Brasil. A polêmica acerca do Estatu-

to da Igualdade Racial, apesar de transparecer, num primeiro momento, como desagregadora é uma oportunidade de reflexão de grupos e setores sociais que se fizeram ausentes em outros momentos. Temos, assim, um cenário interessante para reavivar a memória nacional sobre a contribuição dos negros para a formação do Brasil, sua realidade e perspectivas futuras como algo de interesse de toda a sociedade, criando também visibilidade para aqueles que preferiam ficar no anonimato a discutir a questão racial no país.


S

capa

em Educação não há Liberdade!

Autoridades e empresários dos mais diferentes segmentos reuniram-se no Museu do Ipiranga, em São Paulo, no último dia 6 setembro, para o lançamento do projeto Compromisso Todos pela Educação. Esse projeto é uma consagração do lema defendido pela Afrobras – Sociedade Afro

Jorge Gerdau durante solenidade

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Brasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural- desde a sua criação há quase dez anos e que culminou na criação da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, onde cerca de 90% do seu corpo discente são oriundos da escola pública: “Sem Educação não há Liberdade”.

O programa educacional Compromisso Todos pela Educação, composto de cinco metas, deverá ser alcançado até o bicentenário da Independência do Brasil, em 2022. A data foi escolhida para comemorar a verdadeira independência, somente obtida através da educação, ou seja,


Museu do Ipiranga serviu de palco para o encontro

um país só poderá ser considerado independente se suas crianças e jovens tiverem igual acesso ao ensino de qualidade. Hoje, escola para todos ainda não significa educação para todos. Cada um de nós deve fazer sua parte – de forma integrada e sinérgica. O programa que reúne mais de 100 entidades – a Afrobras e Unipalmares somam-se a elas, além de empresários, educadores e representantes dos governos federal, estadual e municipal, desde setembro de 2005, passaram a discutir caminhos e alternativas para a efetivação do direito à educação pública de qualidade no Brasil. Um dos objetivos do projeto Compromisso Todos pela Educação prevê aumento de 42,8% no financia-

São cinco as metas a serem alcançadas: • todas as crianças e os jovens de 4 a 17 anos deverão estar na escola; • toda criança de 8 anos saberá ler e escrever; • todo aluno aprenderá o que é apropriado para sua série; • todos os alunos vão concluir o Ensino Fundamental e o Médio; • o investimento na educação básica será garantido e bem gerido. mento público para o ensino básico no País. O movimento visa a elevar os investimentos em educação básica de 3% para 5% do PIB (Produto Interno Bruto) a partir de 2011. Atualmente, fora da escola somam

mais de 800 mil crianças brasileiras (de 7 a 14 anos) e dois milhões de jovens (de 15 a 17 anos). Enquanto que a escolaridade média no Brasil é de 4,9 anos, na Argentina é de 8,8 e na Costa Rica de 6,1 anos.

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capa

Auroridades, empresários, educadores, estudantes, artistas participantes do evento

Não existe democracia sólida sem igualdade de oportunidades, argumentou o empresário Jorge Gerdau, um dos idealizadores do compromisso. As coordenadoras do movimento Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna, e Ana Maria Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, defenderam o engajamento de toda a sociedade em torno do ideal de melhoria da educação. Para Milú Vilella, “foi dado o pontapé inicial para um proje-

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to que pode mudar o país. Se as metas estabelecidas no ‘Compromisso Todos Pela Educação’ forem permanentemente atingidas, como resultado dos esforços dos três setores da sociedade, a expectativa é que, já em 2010, o Brasil seja reconhecido no mundo não apenas pela excelência do seu futebol, mas pela melhoria da qualidade de sua educação”. Na oportunidade, o ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que

pela primeira vez o governo e a sociedade civil trabalham juntos em prol de um ensino de qualidade. Além disso, destacou que governo federal prevê a criação de uma lei de incentivo à educação nos mesmos moldes da Lei Rouanet. Dentro do trabalho de inclusão desenvolvido pela Afrobras, a ONG, em parceria com órgãos públicos e privados, realiza múltiplas atividades na área de educação e capacitação profissional:


capa

Curso Pré-Vestibular

Em parceria com o Objetivo Promove cursos preparatórios aos vestibulares para pessoas de baixa renda. Desde 2003, quando o projeto foi iniciado, já passaram pelas salas de aula aproximadamente 2000 alunos no curso preparatório ao processo vestibular de instituições públicas e privadas.

Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos: Em parceria com MEC alfabetiza, desde 2004, somando nesse período quase 6.000 jovens e adultos na cidade de São Paulo.

Projeto Mais Negros nas Universidades: Em parceria com universidades privadas, mais de 600

jovens negros receberam bolsas para cursar o ensino superior; 70% já estão formados ou em fase de conclusão de curso.

Alunas do Projeto Brasil Alfabetizado

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capa

Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares: Criada pela portaria nº 3.591, de 13/12/02,

do Ministério da Educação, e inaugurada em 21/11/03. Em 2007 já forma sua primeira turma. As aulas tiveram início em fevereiro de 2004. Hoje, com 1000 alunos, trata-se da primeira faculdade idealizada por negros, tendo como foco a cultura, a produção e a difusão dos valores da cidadania e, em especial, o respeito à diversidade e à equalização de oportunidades sociais (83,7% dos alunos e 40% dos professores são afrodescendentes).

Capacitação educacional em Inglês: Em parceria com a escola de idiomas Alumni e o Consulado Americano, desde 2001 já atendeu mais de 100 bolsistas, além de oferecer cursos aos 1.000 alunos da Unipalmares desde o primeiro ano.

Orquestra e Coral do Projeto Guri Pólo Unipalmares

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capa

Estagiários da Unipalmares em instituições finaceiras

Projeto Guri - Pólo Unipalmares: Em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo oferece a 150 crianças e jovens carentes, conhecimentos musicais e culturais, através dos cursos de orquestra e coral.

Portal: Trabalha a Educação através da infor-

mação. Com notícias informações sobre o negro, artigos e entrevistas de autoridades e personalidades sobre qualquer tema contemporâneo ou que envolva o negro, história do movimento no Brasil, debates, agência de notícias, colunistas de renome, clipping com o que saiu na imprensa do Brasil e do mundo sobre o movimento, educação, mercado de trabalho etc.

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na Zumbi

José Vicente e Paulo Renato

Ex-ministro da Educação visita

a Unipalmares No final do mês passado, o ex-ministro da Educação, Paulo Renato voltou à Unipalmares, e proferiu uma palestra aos alunos da instituição e aos alunos do projeto Brasil Alfabetizado. O reitor da Unipalmares, José Vicente, lembrou que o ex-ministro é o principal responsável pela existência da Unipalmares, uma vez que foi na sua gestão que foi autorizada sua operacionalização. “Coloquei esforço no projeto e não imaginei que a Unipalmares tivesse este sucesso. 18

Esta universidade mostrou ser diferente, com um currículo direcionado para o mercado de trabalho. É com grande alegria que volto aqui”, afirmou Paulo Renato. Durante a palestra, o ex-ministro contextualizou o sistema educacional no Brasil tanto no ensino básico, quanto no técnico e superior. Além disso, destacou que um dos desafios da educação é tornar o ensino superior acessível do ponto de vista do financiamento dos alunos.


na Zumbi

AFROBRAS E UNIPALMARES SÃO NOTÍCIA NO EXTERIOR A repercussão do sucesso no trabalho social desenvolvido pela Afrobras e a Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, tornou-se pauta internacional nos principais veículos mundiais de comunicação: BCC News, The New York Times e TV Belga. A jornalista Esmeralda Labye Laguna, da TV Belga esteve na universidade para gravar imagens dos mil alunos em atividade. A reportagem incluiu entrevistas com os estudantes e professores, que falaram sobre os grandes resultados já obtidos nos três anos de existência da primeira universidade para afrodescendentes da América Latina e as expectativas de futuro em relação ao projeto. Pela BBC, o jornalista Robert Plum-

mer e pelo The New York Times, Larry Rother, também visitaram as dependências da Unipalmares, entrevistaram o presidente da Afrobras e reitor da Zumbi, José Vicente, e destacaram em suas matérias o grande trabalho das instituições na inclusão pelas portas da educação.

NYT na integra: http://afrobras.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=282&Itemid=2 BBC na integra: http://afrobras.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=281&Itemid=2

José Vicente e Esmeralda Labye Laguna. da TV Belga

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C

na Zumbi

onhecimento

Para a família e os amigos eles são considerados um exemplo a ser seguido. Entre os tem força de vontade. Mas para os 18 alunos com faixa etária entre 50 e 60 anos da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, mais que espelho ou qualquer incentivo, eles são os seus próprios sonhos sendo realizados, graças à

a qualquer tempo Por: Daniela Beilich Da Redação garra que possuem, aliada à oportunidade concedida pela Unipalmares. Homens e mulheres, que não se importaram com o tempo afastados das salas de aula, voltaram a ocupar os lugares destinados aos estudantes e batalham para superar os obstáculos do dia-a-dia de um aluno. Maria Bernadete Bernardo, 54 anos,

Ariovaldo Barbosa, Ricardo Francisco, José Tadeu, Neuza Mariano, Maria Bernadete e Maria José de Souza

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diz que em sua vida “mudou tudo”. Ela afirma que a faculdade, onde ingressou no início deste ano, permitiu-lhe entender e se relacionar melhor com coisas que vão além do conhecimento obtido através das disciplinas do curso. “A minha visão de vida, o meu relacionamento com as pessoas, a facilidade de entender


Sebastião de Souza e Ladislau Souza

coisas que no passado eu considerava difícil”. No campo profissional, a situação também “é outra”. Com o ingresso na Unipalmares, Maria Bernadete foi promovida do setor de triagem de correspondência à assistente do departamento de RH dos Correios, onde trabalha há 20 anos. “Agora, além de um salário melhor, tenho também a possibilidade de lidar com pessoas de outro nível.” O desempenho dos alunos com idade acima de 50 anos é tão bom quanto o dos universitários mais jovens, o que mostra que a idade de fato não é um obstáculo para o sucesso dos estudantes, segundo os professores. O aluno Ariovaldo Barbosa é representante autônomo e já havia ingressado em uma outra universidade, mas não teve possibilidade de concluir o curso. Com 56 anos e cursando o 6° semestre da Unipalmares, o universitário, assim como Maria Bernadete, enxerga a possibilidade de obter uma ascensão na carreira: “Trabalho com vendas na área química e vi no curso de administração oferecido pela Zumbi uma oportunidade para complementar o meu conhecimento,

ter uma visão geral e maior sobre o mercado. No geral, as pessoas apóiam o meu esforço, também porque é um incentivo que tenho dado aos mais novos, para que eles também busquem seus objetivos”, completa Ariovaldo. “O trabalho de inclusão social da Unipalmares é excelente nesse sentido, poiso preço é justo e favorece àqueles que não possum um salário alto”, afirma o aluno Francisco José dos Santos, de 53 anos. O estudante diz que, à exceção da experiência de vida que ele possui em relação à maioria dos colegas de classe, a idade em nada o diferencia dos demais: “Estudo com eles como se eu tivesse 20 anos” Aluna do 6° semestre, aos 52 anos, Neuza Regina Cezar Mariano é uma das grandes beneficiadas pelos trabalhos da Unipalmares e da Afrobras. Através do projeto Mais Negros nas Universidades, desen-

volvido pela Afrobras, ela viu seu esposo e seu filho obterem a graduação superior. “Foi uma conquista muito grande para toda a nossa família. Daqui a um ano estarei formada, graças às oportunidades dadas”. Neuza destaca ainda uma outra grande conquista obtida somente através do ingresso na Unipalmares: uma vaga de estágio. “Geralmente só os mais jovens conseguem estágios, por isso tenho ainda mais motivos para comemorar e um incentivo maior para seguir em frente em busca dos meus objetivos”, completa. A diretora da Unipalmares, Profª. Cristina Jorge, diz que considera esses alunos o exemplo vivo do lema ‘Sem educação não há liberdade’: “Eles vêm no estudo uma possibilidade de independência e autonomia, que é o que esperamos para todos os nossos estudantes quando formados”.

Francisco dos Santos, Carlos Eduardo Martins, Cleide Aparecida e Liberaci Soares

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A

na Zumbi

descoberta na

ponta dos dedos

É possível descobrir o mundo mesmo sem enxergá-lo. É o que provam os oito alunos do projeto Brasil Alfabetizado para deficientes visuais da Afrobras/Unipalmares, que iniciaram suas atividades há pouco mais de um mês. Trata-se da primeira turma de alfabetização especial da instituição, e é parte do projeto de inclusão social desenvolvido pela Afrobras em parceria com o MEC, que em quase dois anos de programa já alfabetizou mais de 5.500 pessoas. Para os alunos, que por conta da deficiência visual não tiveram a chance de freqüentar a escola regular, a oportunidade propiciada pela Afrobras é a maior conquista que eles já alcançaram. Atuantes no mercado de trabalho, a maioria como ambulantes na região central de São Paulo, esperam, através da alfabetização, minimizar as limitações que possuem pela ausência da visão.

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Yvani Umbelino de Paula, aluna do Brasil alfabetizado para deficientes visuias


na Zumbi

Turma de alunos durante aula

Toda a estrutura de ensino é realizada através do método braile, código tátil de leitura e escrita universalmente adotado. A professora Vânia Jorge, que aprendeu o braile há aproximadamente 35 anos e desde então leciona voluntariamente, explica que “a diferença é que eles lêem com as pontas dos dedos. É fácil para o cérebro assimilar os códigos, mas os dedos também necessitam decorá-los”. Por esta razão, o aluno precisa ser ensinado individualmente, seguindo a evolução de sua percepção.” Para a aluna Yvani Umbelino de Paula, no entanto, nenhuma dificuldade supera a satisfação de, mesmo aos 60 anos, poder aprender a ler e a escrever. “Quando eu era nova procurei instituições que lecionassem o braile, mas como eu sempre trabalhei e me locomovi

sozinha, alegavam que pessoas com maiores dificuldades é que ganhariam as vagas. Aí o tempo foi passando, eu fui adiando, mas nunca desisti. Acompanhava os noticiários e sempre que ouvia que uma pessoa com 60, 70 anos, terminava a faculdade, se formava em Medicina, eu pensava: Um dia eu também vou conseguir, e agora eu estou aqui no começo da minha caminhada, muito feliz em poder realizar esse sonho.” Deficiente desde o nascimento, Yvani, se diverte com a possibilidade de, através do braile, transmitir novos conhecimentos a seus netos: “Os pequenininhos estão sempre à minha volta, me pedem para eu ensinar o que eu já aprendi. Ainda sei muito pouco, mas já prometi que assim que eu estiver melhor transmitirei a eles tudo o que me for possível.”

Além de ler e escrever, Yvani e os demais alunos terão, durante o curso oferecido pelo Brasil Alfabetizado da Afrobras, também a possibilidade de inclusão digital, com computadores especialmente preparados para atendê-los. A professora Vânia Jorge valoriza a consciência da instituição na realização desse trabalho: “Antes, somente o Laramara e a Fundação Dorina Nowill, instituições criadas e que trabalham para deficientes visuais, mantinham esse trabalho, por isso a Afrobras/Unipalmares realizam um feito inédito, sendo a primeira fora dessa linha a realizar um trabalho dessa grandeza. Eu, como professora, e principalmente os alunos, só temos a agradecer e torcer para que essa iniciativa sirva de exemplo para que outras instituições abracem essa causa.”

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na Zumbi

A Cor da Cultura e Unipalmares realizam capacitação de professores Mais de 400 professores da rede municipal de ensino participaram, no mês de agosto, na sede da Unipalmares, da segunda parte do curso de capacitação para a inclusão da História da Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas. Na primeira parte do curso os professores foram capacitados através das oficinas temáticas e diversas atividades. Nesta segunda etapa, os professores compartilharam as suas experiências realizadas em sala de aula, explica a coordenadora pedagógica do projeto, Azoilda Trindade.

O projeto A Cor da Cultura é uma parceria do Canal Futura, Fundação Roberto Marinho e Ministério da Educação e dentre outros. Atualmente, mais de quatro mil professores já foram capacitados, em

sete estados brasileiros. “Este projeto é interdisciplinar, pois é importante abordar a questão étnica racial em todas as áreas do conhecimento”, destaca a coordenadora pedagógica do projeto.

Secretaria da Cultura inaugura sala de leitura

A Unipalmares, em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, inaugurou o projeto Sala de Leitura na Universidade, parte do programa “São Paulo: um Estado de Leitores”, com a presença de José Luiz Goldfarb, representando o secretário de Cultura. O projeto inclui também a capacitação de monitores para atuar na sala de leitura e a doação de livros para a composição do acervo. Além da direção da Unipalmares compareceram o presidente de honra da Afrobras, Thobias da Vai-Vai, Raquel Miro dos Santos, coordenadora de parte das associações participantes do projeto Brasil Alfabetizado da Afrobras/Unipalmares e o escritor Henrique Flory, representante da editora Arte e Ciência, que doou alguns livros à biblioteca. O evento contou com as apresentações dos grupos de dança Núcleo D.A.N.Ç.A.R., formado por alunos da Unipalmares e Companhia de Moçambique Família Feliciano, da Secretaria de Cultura do Estado — ambos mostrando ritmos da cultura afro e assistidos.

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TJ

na Zumbi

abre as portas à Unipalmares

Como marco na história do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e da Unipalmares, um grupo de alunos da universidade esteve, no último dia 12 de setembro, em visita ao órgão máximo do poder judiciário estadual. É a primeira vez que o TJ abre suas portasparaestudantesdeAdministração. Antes, somente graduandos de Direito haviam sido prestigiados com essa oportunidade, o que ressalta o prestígio do trabalho realizado pela Unipalmares perante o órgão. Os estudantes foram especialmente recepcionados pelo Desembargador Celso Limongi, atual presidente do Tribunal, que proferiu uma palestra aos alunos sobre o papel do poder judiciário em estabelecer a ordem e a democracia na sociedade e enfatizou a importância dos estudantes como cidadãos, em buscar a eqüidade de direitos, para a construção de uma sociedade mais justa. O desembargador ressaltou ainda o significado de permitir aos estudantes o acesso ao sistema judiciário, e a integração da sociedade através de iniciativas como a da Unipalmares: É alentadora a iniciativa da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares em promover conhecimento além das salas de aula e preparar os seus estudantes para atuarem não só como profissionais, mas para que eles se

José Vicente, Desembargador Celso Limongi e alunos

tornem cidadãos conscientes de seu papel, no meio em que vivem.” Os alunos também foram agraciados com uma visita ao museu do TJ e ao gabinete do presidente, que fez questão de acompanhá-los durante toda a visita e esclareceu todas as dúvidas dos estudantes em relação ao órgão e o poder judiciário em geral. O aluno Paulo César Coelho Barreto,

presente ao evento, mostrou-se muito satisfeito com a oportunidade da visita: “É esclarecedor, pois conhecemos quem aplica as leis e pudemos entender de que maneira elas são aplicadas. Essa visita nos permitiu a partir de agora avaliarmos de uma outra maneira, mais esclarecida, as questões que envolvem o poder público e a sociedade.”

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mercado de trabalho

ABN Amro:

mais 50 trainees Executivo Jr. da

Unipalmares

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mercado de trabalho

Mais um forte parceiro se une efeti-

dente do Banco Real ABN AMRO,

cursos complementares oferecidos

vamente ao projeto de Trainees Exe-

ao participar da cerimônia de boas-

pelo Banco Real.

cutivos Jr. da Unipalmares. Desta

vindas aos estagiários no banco.

“Este trabalho contribuirá para o

vez é o Banco Real ABN Amro. O

O Programa de Estágio em Executi-

meu crescimento social e profissio-

programa é voltado inicialmente aos

vo Jr. tem a duração de dois anos e

nal”, analisa o estagiário Jorge Maria-

afrodescendentes e conta com a par-

15% da carga horária do estágio será

no, estudante do segundo semestre

ticipação de 50 alunos da Unipalma-

destinada à capacitação dos universi-

de Administração Geral da Unipal-

res, sendo que 46 deles foram con-

tários, com aulas ministradas em sala

mares. “A Unipalmares nos mostra

tratados especialmente para o início

e através de estudo on-line, a distân-

uma visão muito importante, pois

do programa e quatro já estagiavam

cia. Dentro desta grade complemen-

temos que estudar para obtermos

no banco. “Acho fantástico o traba-

tar, é oferecido o curso de Executivo

uma formação acadêmica e, assim,

lho da Unipalmares, pois realmente

Jr. pela Escola de Administração de

ingressar no mercado de trabalho.

dá oportunidade para que as pessoas

Empresas de São Paulo da Fundação

Fico muito feliz pela oportunidade

possam trabalhar de forma direcio-

Getúlio Vargas (EAESP), com mais

que o banco e a Unipalmares nos

nada”, destaca Fábio Barbosa, presi-

de 300 horas de duração, além de

deram”, diz Renata.

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mercado de trabalho

O profissional

competitivo: Razão, emoções e sentimentos na gestão

Carlos Faccina

O que as ciências emergentes do comportamento e da mente humanas – a genética, a sociobiologia, a psicologia cognitiva e a neurociência – têm a dizer para os estudiosos e praticantes da arte da gestão empresarial? Quais serão os atributos do profissional de sucesso na economia do século XXI? Que tipo de empresa será capaz de atrair e manter esses profissionais em seus quadros? E por que a responsabilidade social vem se tornando não mera opção, mas uma condição de sobrevivência para as empresas no ambiente cada vez mais competitivo e exigente do mundo globalizado?

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As respostas para estas e outras perguntas estão no livro O profissional competitivo: razões, emoções e sentimentos na gestão, escrito por Carlos Faccina, Comendador da Afrobras, que soma uma carreira acadêmica de 30 anos como professor universitário, e 23 anos de jornada de crescimento na Nestlé do Brasil até chegar a ocupar a direção de Recursos Humanos (2003), e atualmente Assuntos Corporativos. Preside a Fundação Nestlé de Cultura desde 1995 e apóia o desenvolvimento de projetos e atividades educacionais, culturais e de natureza social. Com uma vasta experiência e muita história para contar, o autor reflete na obra a rigidez dos modelos atuais de Educação Gerencial e os seus reflexos para a total aplicabilidade dos conceitos em todas decisões corporativas. A questão colocada é se os modelos são suficientes ou é necessário que outros elementos possam colaborar para tornar a Educação Gerencial um instrumento decisivo capaz de proporcionar realização humana. Em O Profissional Competitivo, Faccina busca abrir novos horizontes e possibilidades para os modelos convencionais de educação gerencial e gestão de negócios. O trabalho se desenvolve em duas frentes. A primeira está no campo da filosofia e a sua enorme relevância para as ciências e a prática da gestão empresarial. A segunda linha remete às ciências da mente e comportamento humanos. A pergunta central é: o que os resultados científicos gerados pelo vigoroso programa de pesquisa em áreas como genética, sociobiologia, psicologia cognitiva e neurociência podem oferecer àqueles que se preocupam com a educação do profissional do futuro e a arte da gestão empresarial?


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D

mercado de trabalho

iversidade: o grande desafio

O Brasil possui a segunda maior população afrodescendente do mundo, depois da Nigéria. Esta denominação, inclusive, foi criada há alguns para tornar visível a presença e os direitos civis de pretos e pardos. Mesmo com a evolução econômica, política e cultural do Brasil, infelizmente ainda é possível presenciar preconceitos e discriminações com a raça negra. Vemos isso claramente em diferentes momentos do ciclo de vida do indivíduo, desde a infância, passando pelo acesso à educação, à infra-estrutura urbana e cristalizando-se no mercado de trabalho. Para muitos, a cor da pele tem ligação direta com a competência do profissional. O Instituto Ethos e o Ibope Opinião publicaram no relatório Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas de 2005 que estamos muito longe de uma real valorização da diversidade étnico-racial no mundo do trabalho. A participação negra

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dos profissionais de RH Por: Dinamar Makiyama, diretora comercial da Gelre mmakiyama@gelre.com.br nos quadros executivos das empresas fica no exíguo 1,8% enquanto que no nível gerencial a presença é de 9%. No Brasil, observamos três tipos de discriminação que o afrodescendente sofre no mundo corporativo. O primeiro diz respeito às dificuldades de se obter uma vaga para as funções mais bem remuneradas e valorizadas, ou seja, a discriminação ocupacional. O segundo discorre sobre as diferenças salariais no exercício das mesmas funções exercidas por brancos. E o terceiro é a preocupação que as companhias têm com relação à imagem por ser construída de uma empresa com grande efetivo composto por afrodescendentes. Este conjunto é um acordo tácito e silencioso que veta o acesso do afrodescendente ao mercado de trabalho, de acordo com Hélio Santos, diretor-presidente do Instituto Brasileiro da Diversidade. Há bem pouco tempo, os profissionais de RH de multinacionais insta-

ladas no Brasil ignoravam os programas de inclusão de diversidade utilizados em suas matrizes, partindo da crença de que o Brasil é o paraíso da democracia racial. Esta crença é a comprovação de que desconhecemos nossa própria realidade, o que torna esta falta de consciência o grande vilão da Inclusão do afrodescendente no mercado de trabalho. Aliado a isso está a cômoda visão de que a situação do afrodescendente no Brasil é responsabilidade apenas da pobreza e da postura dos indivíduos que não têm “competência” para melhorar de vida. Infelizmente, o inconsciente coletivo acredita que a competência e o sucesso estão intrinsecamente ligados ao modelo idealizado do profissional do sexo masculino, branco, magro, heterossexual, saudável, entre 25 e 35 anos, com ausência de sotaque nordestino, faculdade de primeira linha. Reforça este pensamento por meio da busca por este profissional


mercado de trabalho

para ocupar cargos em suas organizações. E se incluem neste modelo, não somente os afrodescendentes, mas todos aqueles que compõem a diversidade, competindo dentro desta perversa desvantagem. A conscientização de que esta situação é real e precisa ser discutida é o primeiro passo para seguir o caminho que devemos trilhar para mudar este cenário. O RH das empresas tem papel importante neste trabalho promovendo, por meio de ações afirmativas, a inclusão da diversidade em suas equipes e reconhecendo competências como um conjunto de conhecimentos e habilidades. Este trabalho só pode ser realizado se fizermos uma reflexão e reconhecermos que nossas organizações não estão abertas às diferenças, desenvolvendo mecanismos institucionalizados que têm como conseqüência criar desvantagens para todos os que não pertencem ao modelo idealizado pela sociedade. Não incluindo as pessoas de determinadas etnias, religiões, descendências e características físicas, teremos, se é que já não temos, não somente equipes homogêneas à frente dos nossos negócios, como também incapazes de avaliar um panorama de negócios que inclui, sim, a diversidade e a constante e saudável mudança no ambiente de trabalho. É imprescindível sairmos de uma zona de conforto e assumirmos responsabilidade neste movimento. As classes excluídas devem ter condições de participar de forma igual na sociedade com direito ao acesso

Dinamar Makiyama

a uma boa educação, à cultura e a possibilidades de sair da marginalização. É preciso parar de replicar o discurso de que não os colocamos em nossos quadros de colaboradores porque os ‘excluídos’ não estão preparados para ocupar as nossas vagas e que não é nossa responsabilidade desenvolver também este profissional tão carente de oportunidades.

O processo de recrutamento e seleção merece ser revisto. Afinal, não desenvolver as competências de afrodescendentes e deixando de inseri-los na classe produtiva, continuamos a alimentar o circulo vicioso da não geração de renda e não crescimento da economia, comprometendo o projeto de construção de um país democrático e com oportunidades iguais para todos.

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cidadania

A doença do

classismo Por: Miguel Jorge, jornalista, vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos do Banco Santander Banespa

O esporte, sobretudo o futebol, talvez seja uma das últimas trincheiras dos que lutam para provar o óbvio: somos uma sociedade na qual brancos, negros, mulatos, cafusos, mamelucos, escurinhos, caboclos, pardos etc., convivem sem preconceitos raciais, negando a idéia de que no racismo é que se assenta o Brasil injusto. Sustentar a teoria de que negro pobre, notadamente no esporte, mas também em qualquer atividade, nunca obterá sucesso. Será tentar tampar o sol com a peneira, tal a quantidade de meninos que, egressos de famílias miseráveis, vencem as estruturas econômicas e se afirmam como expoentes do esporte. Do mesmo modo, a economia, em si mesma, não é culpada pelo racismo – no futebol, por exemplo, não se conhece maior prova de integração do que a dos jovens pobres que chegam aos clubes vindos de várias regiões, só com o dinheiro do ônibus, tangidos pela justa ambição de buscar um lugar ao sol. No Brasil, futebol, vôlei, basquete etc., além das modalidades individuais, mostram que não há racismo no esporte brasileiro, pelo menos, no sentido existente na Europa, onde atletas negros são hostilizados pelas torcidas – há odiosa divisão de

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classes que as estatísticas escondem. Jogando futebol em estádios, campos de terra ou terrenos baldios, gente de todas as classes, todas as cores se irmanam, com iguais oportunidades de conquistar seu espaço, como mostraram Leônidas da Silva, o Diamante Negro, Fausto, a Maravilha Negra, Domingos da Guia, o Divino Mestre, e, claro, Edson Arantes do Nascimento, Pelé, o Atleta do Século. Mas estamos falando das exceções, e não da regra – no futebol profissional, o Brasil tem cerca de cinco mil jogadores, dos quais somente vinte ou trinta, brancos e negros, são ricos, graças a seus ganhos ou a contratos na Europa. A esmagadora maioria tem um traço comum: a pobreza que, mais que a habilidade com a bola, os relega à classe dos perdedores, dos que sucumbiram ao abandono ou dos que não aproveitaram a chance de ascender socialmente, ganhando dinheiro. Não nos ocorre, por exemplo, que um afro-brasileiro tivesse sido campeão mundial ou olímpico de natação, não porque natação seja esporte de elite econômica branca, mas sim porque é uma modalidade esportiva praticada no Brasil só por uma classe social – o Brasil é um país de classes.

Racismo sempre houve e continuará havendo em todas as sociedades, inclusive no Brasil miscigênico, apesar do conceito de raça, e pior ainda, de supremacia racial, já ter desaparecido, segundo os estudos científicos mais avançados – e é um crime que devia envergonhar qualquer país civilizado. Um dos episódios mais impressionantes que marcaram a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, durante a administração John Kennedy, nos anos 60, aconteceu no Mississipi: uma criança negra foi retirada às pressas de uma piscina pública, para não “contaminar a água”, conforme uma autoridade local. Isso, sim, é racismo, do mesmo modo que seria prova incontestável de racismo negar emprego ou trabalho a um afro-brasileiro devido à cor da sua pele, sem considerar os requisitos fundamentais de capacitação profissional, aptidão psicológica e outros atributos. Pode ser até uma análise simplista, mas o que parece restringir as chances de um negro integrar a elite de um esporte como a natação talvez seja sua condição social resultante da pobreza, embora nem sempre o fator racial esteja na base dessa grave questão. O que há por trás disso é a impossi-


cidadania

bilidade de ele pagar a mensalidade de um clube, para freqüentar uma piscina e pagar um treinador, já que os Estados não lhe dão os meios necessários para isso, nem investem em programas de incentivo à prática de esporte – exceto o futebol, naturalmente. Mas há situações distintas, como a que presenciei quando, jornalista, e a trabalho, constatei que a entrada de um repórter – branco, diga-se – no quadro social de um clube aristocrático paulistano fora vetado porque, mesmo tendo recursos para pagar a mensalidade, exercia o cargo de repórter de polícia. Quando perguntaram ao presidente da Federação Inglesa de Futebol, sir Stanley Ross, por que os ingleses, que inventaram o esporte, não jogavam futebol com o mesmo talento dos brasileiros, ele deu respostas irônicas. Primeiro porque, mais do que

Miguel Jorge

os brancos, “os afro-brasileiros nasceram para jogar futebol e ninguém faz isso melhor que eles, e segundo, porque teríamos que nos subdesenvolver muito, economicamente, para fazer isso com a mesma desenvoltura de Pelé e Garrincha.“ Claro que há exceções, mas elas nada têm a ver com o racismo de que os estrangeiros, em geral, nos acusam. Um exemplo é o jovem negro Tiger Woods, o genial golfista americano que, ao lado dos brancos Jack Niklaus e Lee Trevino, este um ex-carregador de tacos, se tornou uma lenda viva nesse seleto esporte de ricos. De fato, o Brasil só existe como potência esportiva – e dentro dele, o futebol, como fenômeno social e político – porque brancos, mulatos, pardos etc. jogam juntos em ferozes disputas, do mesmo modo como lutaram para formar uma democracia multirracial homogênea e soberana.

No entanto, a tendência de pseudoestudiosos e estatísticos, para nos apresentarem como um país racista, bicolor (brancos e negros, com os brancos oprimindo os negros), só serve para confundir mal informados, cultores de uma teoria só, leitores unilaterais e adeptos de esdrúxulas políticas raciais. Ao abordar no seu recente livro “Não somos racistas” (Editora Nova Fronteira), baseado em artigos para o jornal O Globo, o jornalista e cientista social Ali Kamel desmistifica as estatísticas oficiais que revelam ser o Brasil um país de racistas. Positivamente, racistas nunca fomos, e o esporte talvez seja a área que mais desmente essa pecha odiosa, mas há outros segmentos que mostram que uma das piores formas de discriminação racial é a péssima qualidade da educação brasileira, com afro-brasileiros e brancos se amontoando nas salas de aula. Um país no qual o ensino superior é gratuito, no qual poucos jovens chegam à universidade e no qual “as crianças jogam bola das oito às seis horas da tarde”, como disse o jogador Thierry Henry, da seleção francesa de futebol, não deveria ter um ensino tão ruim. Segundo o IBGE, apenas 33% dos alunos do ensino fundamental e médio das escolas privadas brasileiras que declararam sua etnia afirmaram serem negros, o que incluiria – equivocadamente, pois raças não existem – a classificação “preta” e “parda”. O Brasil precisa, sim, lutar com todas as forças contra o resto da ignorância e da fome que ainda o devoram, pois a sua própria realidade de país tropical, miscigênico, que tanto fascina os estudiosos, anula pela base qualquer inclinação a preconceitos raciais. E, para prevenir o racismo, nada melhor que boas escolas.

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Um cidadania

desafio e um

compromisso.

Para todos Por: Márcio Artur Laurelli Cypriano, Presidente do Bradesco e da Febraban.

O Brasil ingressou no século XXI com uma agenda clara de compromissos e desafios. O grande desafio é a retomada do desenvolvimento econômico de forma sustentada, que beneficie esta e as futuras gerações. E o grande compromisso é que este novo ciclo de desenvolvimento econômico

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se associe a uma redução drástica das desigualdades sociais. Não há dúvida, existe consenso a respeito destes pontos. É preciso resgatar, nesse processo, as dívidas acumuladas para com imensas parcelas da população que ficaram à margem do crescimento econômico ocorrido no pas-

sado. E isso se faz com a criação de oportunidades de acesso à educação e empregos de qualidade para todos os cidadãos, pois desenvolvimento e inclusão social andam de mãos juntas. Sem distribuição justa da riqueza produzida, o crescimento econômico não se sustenta ao longo do tempo.


cidadania

Esta é uma questão que diz respeito, de maneira direta, à comunidade afro-brasileira. Por todos os estudos e estatísticas, sabemos que os afrobrasileiros constituem um segmento de enorme importância em todos os aspectos da vida brasileira, do econômico ao cultural. E é preciso que essa importância se expresse no mercado de trabalho, em termos de remuneração, oportunidades de emprego e de evolução profissional. O Dia Nacional da Consciência Negra é um momento adequado para reiterar que precisamos construir um roteiro de ações práticas que tenha a capacidade de transformar o cenário atual, de forma gradativa. Esta é uma tarefa de toda a sociedade – governo, empresas, cada um dos cidadãos. Instituições como a Afrobras e a Universidade Cidadania Zumbi dos Palmares têm sido fundamentais para dar foco a essa questão. As empresas podem dar expressiva contribuição. Os empresários brasileiros responderam de forma rápida a uma nova exigência da economia moderna, que é a da responsabilidade socioambiental. Este novo ambiente exige das empresas, sejam pequenas organizações ou grandes corporações, políticas claras de não discriminação e de respeito à diversidade. É um passo importante. No Bradesco temos normas firmes a esse respeito. A política de respeito à diversidade faz parte de nossa cultura corporativa, é um valor inscrito em nossos documentos, e se expressa, na prática, em sistemas que democratizam o treinamento e a di-

Márcio Cypriano

fusão de conhecimentos. A isto se soma uma política de Recursos Humanos em que o mérito de cada um é o critério central para a ascensão hierárquica. Destaco nossa parceria com a Universidade Cidadania Zumbi dos Palmares. Por meio dela, temos treinado jovens estudantes, que tomam con-

tato com as complexidades do mercado bancário. Ganham, assim, uma experiência de grande importância para o seu futuro profissional. Políticas concretas de respeito à diversidade e ações que criem possibilidades profissionais para os afro-brasileiros são um instrumento efetivo de transformação da realidade.

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Paradigma cidadania

da democracia Por: Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)

Bertold Brecht, grande dramaturgo alemão, escreveu um dos diálogos mais instigantes da história do teatro. Um personagem diz ao outro: “Infeliz do país que não tem heróis”. O interlocutor responde: “Não, infeliz do país que precisa de heróis”. Reflexões sobre esta polêmica questão são oportunas num Brasil que ainda não foi capaz de suprir todos os seus filhos, ou pelo menos a maioria da população, com a essência sagrada do exercício pleno da cidadania.

A realidade mostra que somos nação que continua precisando de heróis, inclusive os trabalhadores e empresários anônimos, que, numa conjuntura de política

“infeliz do país que precisa de heróis”

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adversa de juros, câmbio, crédito, impostos, burocracia e legislação, mantêm viva e razoavelmente competitiva a nossa economia.

Desconhecidos ou proeminentes, são muitos os brasileiros que se mobilizaram ao longo de nossa história em prol da paz, da justiça social, da igualdade de direitos e do desenvolvimento. São pessoas que evidenciam nossa capacidade, como povo e Nação, de superar obstáculos, vencer dificuldades e avançar na solução de nossos problemas. Um desses personagens maiúsculos é Zumbi dos Palmares, cuja morte, em 20 de novembro de 1695, marca, com muita pertinência, o Dia Nacional da Consciência Negra, justamente


cidadania

integrado ao calendário oficial do País, inclusive no escolar. O seu exemplo de coragem cívica, determinação e estoicismo é consentâneo com os anseios de desenvolvimento socioeconômico, distribuição de renda e plena igualdade de direitos entre todos os brasileiros. Nesse sentido, os desafios ainda são muitos. Um deles remete de modo direto à luta de Zumbi, pois é inegável que a população negra emergiu da Lei Áurea, há 118 anos, em condições de profunda desigualdade. Vítima do flagelo abominável da escravidão, excluída de todos os direitos civis, da educação formal e do respeito moral à sua cidadania, inseriu-se no quotidiano e no mercado de trabalho com nítida desvantagem em relação aos habitantes não privados da liberdade. Avanços importantes ocorreram, mas ainda há muito a ser feito. O aspecto mais positivo na busca da igualdade plena de direitos e deveres em termos práticos — considerando que, no tocante à legislação, essa conquista já foi consagrada pela Constituição de 88 — refere-se à sólida base de relacionamento harmonioso entre as etnias que compõem a população de 190 milhões de pessoas de nosso país. A convivência pacífica e a interação ampla de raças, religiões e ideologias no âmbito de nossa sociedade são um trunfo na luta pelo de-

Paulo Skaf

senvolvimento e um inegável diferencial competitivo no mundo contemporâneo. O Brasil precisa, com urgência, promover fabuloso processo de inclusão social, principalmente por meio da multiplicação de empregos, pois salário e renda são os mais eficazes e dignos meios de acesso aos benefícios da economia e às prerrogativas da cidadania. As lições de casa do desenvolvimento passam pela democratiza-

ção de oportunidades no ensino, melhor e mais amplo atendimento na área da saúde, aguda redução do déficit habitacional e, sobretudo, o ingresso do Brasil num duradouro círculo virtuoso de crescimento. O Dia Nacional da Consciência Negra suscita oportunidade para que a Nação mobilize-se em torno dessas metas, convertendo justiça, na mais ampla acepção, em um visível e respeitado paradigma de sua democracia. 37


A

cidadania

inda a Ação

Afirmativa

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por José Sarney, Senador (PMDB-AP)

Há 7 anos, em 1999, apresentei o primeiro projeto de lei que trata da utilização da política de cotas para garantir o acesso da população afrodescendente à universidade e aos empregos públicos, passo fundamental para começarmos o resgate da dívida do Brasil com o seu passado. A reação da mídia e de parte da elite, preconceituosa, continua num debate que ignora até mesmo as experiências muito bem sucedidas em várias universidades. Um empresário, no começo deste ano, sustentou a tese de que toda a violência social no Rio de Janeiro é conseqüência de se ter acabado a escravidão muito cedo e sem a indenização aos proprietários. É espantoso que uma tese tão absurda ainda possa ser levantada. Quando se lançou a campanha pelo abolicionismo,

livres todos os escravos chegados ao Brasil. Esta ilegalidade explícita não dispensava o conhecimento de que, desde o descobrimento, nenhuma lei autorizava a escravidão no Brasil. A importância do ato de 13 de maio de 1888 é de ter formalizado, de maneira simples, a ilegalidade a que eram submetidos os africanos e seus descendentes que haviam construído o Brasil. Nabuco, em “O Abolicionismo”, respondia diretamente à questão de porque não esperar mais para fazer a abolição. “Vinte anos mais de escravidão, é a morte do país.” Sobre o efeito na lavoura, demonstrava que a experiência americana provava o contrário, e é disto mesmo que se convencerá Antonio Prado ao tomar a iniciativa da emancipação entre os grandes proprietários de São Paulo.

Nabuco mostrou que àquele tempo, na década de 1870, as pessoas tidas como escravas estavam sob um estatuto de ilegalidade explícita, pois a lei de 7 de novembro de 1831 tornava

O movimento abolicionista conseguira convencer todas as camadas da população e, com todas as classes, avançava município a município, quarteirão a quarteirão.

O problema do negro brasileiro sempre esteve no sentimento da minha alma. Presidente da República, instituí, no centenário da Abolição, há dezoito anos, a Fundação Palmares, destinada a dar um suporte institucional às reivindicações e tomar a iniciativa da mobilização da sociedade. Em 1989, sancionei a lei 7.716, que define os crimes de racismo. O projeto de cotas que apresentei foi aprovado no Senado Federal e amplamente debatido, e dele partiu a implantação de quotas nas universidades federais. O problema da discriminação racial é histórico e suas raízes estão na escravidão e no preconceito. Acredito ser o Brasil uma democracia racial que convive com enormes preconceitos. E se não temos a segregação racial explícita, existe a discriminação encoberta, mascarada, escondida, até mesmo inconsciente. Se é verdade que a exclusão dos negros e da comunidade negra coincide em grande parte com a dos pobres, elas não podem ser


cidadania

José Sarney

confundidas. Os negros, entre os pobres, são os mais pobres; entre os que não conseguem o acesso à educação, a maioria; entre os doentes, os mais graves.

A luta pela reparação da injustiça secular ainda levará muito tempo para se concluir. A ação afirmativa é um passo de um longo caminho. Alcançar a liberdade é alcançar a igualdade, é rea-

lizar e viver a plenitude da fraternidade. A ascensão social do negro é um dos grandes desafios deste país. Enquanto o negro não tiver o espaço que merece, o Brasil não será um país justo.

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E

cidadania

ducação

para inclusão

No dia 20 de novembro, temos uma importante data a comemorar, o Dia Nacional da Consciência Negra. Esta data deve, também, ser um dia de reflexão para todos que assistimos, ao longo da história, a uma série de injustiças cometidas contra uma população que mostra sua força de sobrevivência e superação através dos esportes, da dança, da música. Infelizmente, o Brasil, segunda maior população negra do mundo, ainda não pode se orgulhar de ter os negros plenamente incluídos e com igual acesso à educação e ao mercado de trabalho. Alguns dos problemas mais evidentes: cerca de 70% da população mais pobre do país é negra, a quantidade de negros em cargos de gestão é muito baixa, as dificuldades no ingresso à universidade são grandes. O paradoxo que vivemos é que a maior parte dos universitários pobres estudam em universidades particulares e pagam mensalidades, enquanto nas universidades públicas, a maioria dos alunos per-

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Por: Fernando Tadeu Perez, vice-presidente de Recursos Humanos do Banco Itaú

tence a famílias de alta renda. A grande discrepância, contudo, é muito anterior à formação universitária, passando pela formação de base. Se a educação fundamental e de ensino médio oferecidas nos colégios públicos e particulares fosse semelhante, os alunos teriam condições de competir com igualdade pelas vagas existentes nas melhores universidades. O mercado de trabalho tem se mostrado cada vez mais competitivo e exigente com todos os profissionais,

independentemente de sua raça. Quanto mais alto o cargo almejado, maiores as exigências e responsabilidades a ele ligados. O caminho é o investimento em qualificação e educação formal, que criam oportunidades de acesso ao mercado e possibilidade de encarreiramento. Por meio do movimento de responsabilidade social empresarial, o tema da valorização da diversidade tem estado cada vez mais presente no mundo dos negócios. A sociedade espera e cobra que as empresas façam sua

“O mercado de trabalho tem se mostrado cada vez mais competitivo e exigente com todos os profissionais, independentemente de sua raça”


cidadania

parte, contribuindo com o processo de participação da comunidade. Esse movimento, por sua vez, é a tentativa de responder aos desafios mundiais no campo do desenvolvimento sustentável, o que envolve a busca de prosperidade considerando as questões econômicas, sociais e ambientais conjuntamente. Por conta deste contexto o Itaú criou o Programa de Diversidade Corporativa, que tem como objetivos a justa competitividade diante das diferenças, a heterogeneidade dentro da organização e a implantação de políticas e projetos de valorização e promoção da diversidade. Uma das importantes iniciativas do Itaú é o Programa de Capacitação de Afrodescendentes, que oferece estágio de três anos a universitários afrodescendentes, que contam com uma completa grade de treinamento em parceria com a Unicamp. Além disto, as consultorias de recrutamento e seleção – parceiras da empresa –, são orientadas a oferecer oportunidades iguais a todos os candidatos e, desta forma, a participação de negros no quadro de colaboradores da organização vem crescendo de forma significativa nos últimos anos. O que talvez ainda não esteja claro para quem pratica algum tipo de discriminação é que as conseqüências geradas são terríveis para toda a sociedade, produzem miséria e violência. As empresas já não podem mais delegar apenas aos governos a tarefa de melhorar os indicadores sociais, mesmo porque a sua participação como empregadoras, contratantes

de serviços ou geradoras de produtos e serviços com impacto social relevante, está cada vez mais evidente. O mercado é parte do problema assim como da solução. Participar da

resolução dos problemas que as relações atuais geram é importante para as próprias empresas porque um negócio sustentável só é possível numa sociedade também sustentável.

Fernando Perez

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C

cidadania

ontribuição

De alguns anos para cá, nossa sociedade está tentando encarar um problema que atinge quase metade da população: os 45% de cidadãos negros e pardos (dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, 2000). Começamos a ver uma reação ao preocupante diagnóstico feito pelo sociólogo Florestan Fernandes, de que “o brasileiro tem preconceito de ter preconceito”. Assumimos a existência de uma discriminação velada e despertamos para a necessidade de combater a desigualdade racial. Ainda timidamente, mas indicando um avanço sem precedentes na história do país, as questões relativas à diversidade étnica foram colocadas na ordem do dia, as reivindicações dos movimentos sociais chegaram às ruas, criaram-se fóruns de debate públicos e o movimento negro ganhou atenção de parlamentares e de governantes. Foram promulgadas leis que coíbem e punem o racismo, a mídia passou a abrigar campanhas socioeducativas antidiscriminatórias.

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para uma luta

secular

Por: Laura Laganá, diretora - superintendente do Centro Paula Souza É inadmissível que a renda média dos brasileiros brancos seja 97,7% superior à renda média dos brasileiros afrodescendentes, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2004). Além disso, os negros também sofrem maior impacto do desempre-

“o brasileiro tem preconceito de ter preconceito” go, têm menos acesso à educação e maior presença nas estatísticas de violência. Um quadro como esse, delineado a partir de graves problemas estruturais, só poderá ser alterado significativamente com políticas públicas sustentadas.

Pela experiência de mais de 30 anos ministrando ensino público gratuito e de qualidade, o Centro Paula Souza comprova essa constatação. Historicamente, tanto em nossas escolas técnicas como em nossas faculdades de tecnologia, prevalecem alunos oriundos das camadas sociais menos favorecidas – conseqüentemente, onde há maior concentração de afrodescendentes. Hoje, 67,4% dos nossos alunos das escolas técnicas têm renda familiar de até 5 salários mínimos; 20,32% dos alunos das Fatecs são afrodescendentes. Desta forma, podemos afirmar que, por tradição, nossa instituição já cumpre o papel de garantir a esses jovens o direito ao conhecimento e a galgar melhores oportunidades na vida. Acreditamos que, para além do universo acadêmico, os afrodescendentes devem dispor de igualdade também no mundo do trabalho. Mesmo com esse perfil, o Centro Paula Souza reforçou sua vocação de inclusão, criando, em 2006, o


cidadania

Sistema de Pontuação Acrescida, que concede bônus de 3% aos candidatos afrodescendentes, 10% aos estudantes da rede pública (onde há alto percentual de negros e par-

dos) e permite ao aluno acumular as duas situações, chegando a um bônus de 13%. Essa é a nossa contribuição para uma luta secular, que começa a apresentar um horizonte mais justo,

mas ainda exige vigilância e ousadia para identificar oportunidades com o objetivo de reverter uma cultura racista sedimentada ao longo de tanto tempo.

Laura Laganá

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cidadania

Ser negro no século XXI: perspectivas de

melhores dias Por: Maria Célia Malaquias, psicóloga-psicodramatista-mestre em Psicologia Social, coordenadora do NAP- Unipalmares (mcmalaquias@uol.com.br) A questão da população negra no Brasil do século XXI nos remete a muitas perguntas, reflexões e tentativas de algumas respostas. Em geral temos muitas perguntas a fazer – e talvez algumas respostas, embora saibamos que não existem verdades e certezas absolutas, pois sempre é possível aprendermos mais a cada dia. Tentamos contribuir compartilhando nossa maneira de ser, de estar e de pensar sobre a realidade que nos cerca. Nossas reflexões partem de um olhar sobre a atualidade, alicerçada de uma história que ainda está em processo de construção e reconstrução. Trata-se da transição de um ser visto e tratado como mercadoria para um ser visto e tratado como pessoa, como cidadão. Os diversos segmentos da sociedade buscam se ajustar aos novos paradigmas. Constatamos a presença de novos dialogantes, novos interlocutores em diferentes espaços da sociedade. Esforços na revisão de conceitos e tentativas de desfazer-se de mitos. Por exemplo, o mito da democracia racial no Brasil, que acom-

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panhou gerações, e foi eficaz por negar que existia conflito entre negros e brancos. Tal argumentação torna-se cada vez mais frágil, pela constatação que o conflito existe, sutil, velado, não-declarado. Entendemos que se desfazer dos mitos é uma maneira de encarar a realidade que nos cerca, que sofre as ações do tempo que se faz presente. Somos chamados a dar a nossa contribuição no aquie-agora, onde todos somos co-responsáveis. Nossa concepção de ser humano parte da perspectiva de que somos dotados de uma potência ancestral que nos viabiliza avançar apesar dos obstáculos, das barreiras visíveis e invisíveis. Nossas lutas tanto do passado, como da atualidade, possibilitam identificar, reconhecer os “Zumbis” e “Dandaras” que permeiam as relações de parceria nesta caminhada de construção, a partir do lugar em que estamos inseridos, desde as nossas famílias, escola, trabalho.

A ampliação do diálogo entre as pessoas comprometidas com o coletivo que une e transforma em prol de cidadãos que acreditam e querem investir na vida. Na vida que escolhemos viver. Não existe um único modelo a ser seguido, mas faz-se necessário que possamos identificar, perceber o que nos faz sentido, com que nos identificamos, qual é o nosso jeito de ser e de estar na vida, e nos autorizarmos a sermos nós mesmos. Neste sentido, nossas reflexões apontam que ser negro no século XXI é sermos nós mesmos, de posse de nossas singularidades e multiplicidades, próprias da espécie humana, imbuídos do desejo e perspectivas de contribuirmos para a conquista de melhores dias para todos nós.


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V

cidadania

alorizar a

diversidade

para promover

o desenvolvimento

sustentável

Por: Fabio C. Barbosa, Presidente do Banco ABN Amro

A partir do conceito de sustentabilidade, que traz embutido o desafio de tornarmos o mundo viável para as gerações atuais e futuras, procuramos estabelecer relações de qualidade com todos os nossos públicos estratégicos. É dentro deste desafio de construir relações de qualidade no cotidiano dos negócios que implementamos nosso programa de diversidade e inclusão. Valorizar a diversidade implica em estabelecer um diálogo permanente

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com as chamadas minorias. Uma observação mais minuciosa revela que, em pleno século XXI, ainda falta espaço para mulheres, negros, pessoas com deficiência, jovens, idosos, homossexuais. Investir na diferença representa uma chance única de ir além, enxergando o mundo com o qual nos relacionamos por uma perspectiva diferente. Diante de razões históricas e persistentes, que mantêm a situação como está, não basta dizer não ao preconceito, mas agir efetivamente em prol

da mudança. Não se pode apenas trabalhar pela equidade no ponto de vista material se ela não vier acompanhada das vantagens no campo simbólico e cultural. Um simples termo colocado no lugar certo, do jeito certo, significa muito para milhões de pessoas que desejam ser tratadas com respeito na sociedade. Há algo em comum nesta situação de desvantagem e vulnerabilidade: a dificuldade de quem não faz parte das chamadas minorias de reconhecer o problema. É difícil reconhecermos


qualidade em quem é diferente ou em reconhecer a diferença como uma qualidade. Por isso a valorização da diversidade envolve a todos, porque precisamos aprender a nos relacionar melhor, em todos os níveis. Crenças ou ideologias profundamente arraigadas na cultura de um povo não mudam de uma hora para outra, apesar do desejo de muitos.

A alternativa é apostar em ações afirmativas, centradas na educação inclusiva, que promovam sensibilização permanente, engajamento e muita comunicação para tentar inverter esse panorama, a fim de fazer com que nossa sociedade se reconheça na pluralidade. Melhorar a qualidade das relações é uma forma de trabalhar pelo desen-

volvimento sustentável, porque é nesse encontro de diferenças e semelhanças que podemos fazer algo pelo presente e pelo futuro. Estamos aprendendo ainda e sempre mais, a cada momento e a cada novo passo, porque queremos fazer parte do time que encontra no cotidiano e na simplicidade o caminho e, com isso, realizar grandes transformações.

Fabio C. Barbosa

Fabio C. Barbosa 47


I

cidadania

nclusão

e visibilidade Por: Antônio Aparecido da Silva (Padre Toninho), sacerdote católico, doutor em Teologia, assessor da Pastoral Afro-Brasileira (CNBB), presidente do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia. E-mail: atabaque@atabaque.org.br

A invisibilidade do homem negro e da mulher negra em grandes setores da sociedade brasileira, foi e continua sendo uma das grandes denúncias do Movimento Negro. A ausência completa ou muito reduzida de representantes da etnia afro, sobretudo em posições qualificadas das várias instituições e, particularmente no mercado de trabalho, justifica o profetismo das denúncias. Um olhar atento, seguido de uma reflexão bastante óbvia por parte de lúcidos estudiosos, mostrou que na verdade, mais que ausência, trata-se de uma prática sistemática cujo objetivo é a invisibilidade do componente afro na sociedade brasileira. Tarefa aparentemente impossível uma vez que aqui no Brasil o afro não é apenas um detalhe,

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“Existe negro no Brasil?” mas integra a nossa identidade como nação. Infelizmente, este intento, embora falso, conseguiu grandes êxitos. Só para ilustrar, ainda na década de 70, quando fui morar na Itália para realizar estudos de pós-graduação, muitas pessoas ficavam admiradas quando perguntavam de qual país

africano eu era, e eu dizia ser brasileiro. A indagação acompanhada de grande surpresa era quase sempre a mesma: “Existe negro no Brasil?” Eu brincando respondia: Existem pelo menos dois, eu e o Pelé. Após a descontração era sempre necessário fazer uma pequena explanação sobre a realidade afro-brasileira permitindo aos interlocutores uma compreensão que superasse uma visão reduzida do negro brasileiro ligado a alguns esportes, sobretudo ao futebol, e à mulher negra como mero ingrediente de um carnaval descontextualizado. A invisibilidade do negro e da negra na sociedade brasileira é, na verdade, conseqüência de todo um processo, que, embora existindo desde


cidadania

pretensa varredura dos elementos afro da sociedade brasileira. Efetivamente, verdadeira eugenia. As ações antinegro impetradas após a abolição, não atingiram apenas as dimensões simbólicas cunhando estereótipos contra formas religiosas e expressões culturais de origem afro, mas adquiriram proporções reais, sobretudo no que diz respeito ao mercado de trabalho. Na verdade, devido às proporções assumidas, a marginalização do negro do mercado de trabalho e, conseqüentemente da sociedade de classe como demonstrou Florestan Fernandes em sua obra “A integração do Negro na Sociedade de Classes”, caracterizou mais que uma prática de invisibilidade, gerou um verdadeiro processo de exclusão que constitui o eixo das denúncias e reivindicações do Movimento Negro. Os legítimos anseios da população negra no Brasil, reivindicados sobretudo através de políticas concretas de ações afirmativas, pleiteiam portanto, uma visibilidade que seja de fato expressão de inclusão. Ter espa-

Padre Toninho

os tempos da escravidão, tornou-se mais expressivo a partir da abolição, em 1888. No Brasil colonial, entre as tantas contradições, uma delas estava no fato de que por um lado os senhores se ufanavam do número de escravos que possuíam, uma vez que isto demonstrava o seu poderio, a sua riqueza. Na apreciação de vários estudiosos da época, o escravo era a

moeda corrente. Inclusive, por motivações de mercado, foi contemplado em lei o leilão de escravos. Por outro lado, a sociedade colonial abominava a visibilidade do negro delimitando o seu espaço, restringindo-o à senzala. Entretanto, com o advento da abolição a invisibilidade do negro tornouse um dos pontos fulcrais da ideologia do branqueamento, ou seja, uma

ço decente nas diversas mídias é um direito que assiste também à comunidade negra, mas é preciso que ela seja incluída em todas as dimensões da sociedade. Inclusão e visibilidade constituem um binômio inseparável nas reivindicações da população negra secularmente invisibilizada e excluída. É preciso adquirir e aumentar a consciência de que o Brasil só será de fato um país democrático quando as oportunidades forem realmente iguais para todas as pessoas que compõem a variedade do seu rosto.

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E

cidadania

ncontro de

gerações

A resistência e a sobrevivência dos negros trazidos do Continente Africano, para serem escravos durante o Período Colonial no Brasil, podem ser conhecidas não só através das obras literárias ou das aulas de História. Cinqüenta estudantes da Unipalmares visitaram a Comunidade Quilombola de Ivaporunduva, situada próxima ao rio Ribeira do Iguape (no Vale do Ribeira/SP). Foram várias as formas de resistência dos negros ao regime escravista. Entre elas, a formação quilombos, destaca o sociólogo Clóvis Mouro, em sua obra Os Quilombos e a Rebelião Negra. Para chegar ao quilombo, os estudantes tiveram de atravessar o rio Ribeira do Iguape de barco e posteriormente seguiram uma trilha a pé. Foram recebidos pelos líderes comunitários Paulo Pupo e Denildo Rodrigues, na Igreja Nossa Senhora do Rosário, para informá-los sobre a comunidade nos aspectos históricos, sociais e culturais. Segundo Denildo Rodrigues, a

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Por : Grace Rufino Da Redação

igreja foi construída pelos escravos no século XVIII com o material de taipa. Atualmente, a comunidade é composta por 350 quilombolas distribuídos em 80 famílias. Esta visita foi organizada pelo professor de História Econômica e Cultural do Negro no Brasil, da Unipalmares, Elias de Souza Júnior, que destaca: “Foi um momento único. Pude per-

ceber através dos comentários dos alunos que as discussões teóricas em cima da historiografia relacionadas à questão do negro como um agente ativo e protagonista de sua própria história, foram aprendidas. Além disto, este evento foi carregado de simbolismos, onde pudemos fazer uma imersão na história da luta e da resistência do povo negro no Brasil.”


A beleza da natureza está exposta na Comunidade de Ivaporunduva, como as árvores, as folhas, as plantações, os pássaros e até a visualização do rio Ribeira do Iguape. As casas são de pau-a-pique e algumas famílias preparam as suas refeições no fogão à lenha. Ao mesmo tempo, existem casas que possuem geladeiras, fogões elétricos e antenas parabólicas. O novo e o antigo misturam-se, pois próxima à igreja há um Telecentro, onde todos podem interagir com o mundo através da troca de e-mails e acessar a internet. Os estudantes almoçaram feijoada, preparada pelas quilombolas Rosana de Alcântara e Nair dos Santos, que residem na comunidade há 40 anos. Após a refeição, todos puderam conhecer as plantações de palmito, banana, o viveiro de mudas e o cemitério, construído há 300 anos. “A banana que plantamos é orgânica, pois não utilizamos agrotóxi-

cos. Além de ser muito boa para a alimentação, da casca produzimos o artesanato, como bolsas e outros artigos. Ainda encontramos dificuldades para a comercialização de nossos produtos”, destaca Denildo e explica: “existem interesses de empresas privadas construírem barragens nesta região. Aqui nós vivemos e não sobrevivemos, pois deixamos as portas e as janelas abertas. Quando vamos a cidade, não sabemos se retornaremos ou não. O quilombola Odair de Moraes mora na comunidade há 55 anos e ressalta que as mulheres hoje preferem cuidar dos trabalhos domésticos a trabalhar na roça, junto com os homens. A estudante Fernanda Cerino disse que se sente feliz por conhecer mais de perto uma parte da cultura negra brasileira. “Gostei da visita. Nunca tinha visitado um quilombo e estas informações contribuíram para que eu pudesse conhecer mais a cultura afro-brasileira”, observa. Nos momentos finais da visita, os alunos puderam ouvir um poema declamado por Denildo Rodrigues, que retrata a luta da população negra.

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A

cultura

lunos da Unipalmares conhecem suas

raízes no quilombo

No último dia 24 de junho, dia de São João, um grupo de 45 alunos do terceiro semestre, dois professores da Unipalmares (prof. João Caetano e este autor), mais a jornalista desta revista, Grace Rufino, partimos da Unipalmares em direção ao Vale do Rio Ribeira em uma experiência pioneira para a nossa instituição. Estávamos indo ao encontro de uma comunidade quilombola. A expectativa era grande, pois para a maioria de nós, brasileiros, na aurora do século XXI, a idéia da existência de quilombos é muito vaga e quase um anacronismo, pois no imaginário popular os quilombos fazem parte da passado escravocrata e que com o fim oficial do regime em 1888, não haveria mais motivos para a manutenção dos mesmos. Mas para a surpresa de muitos dos participantes deste evento, encontramos uma comunidade organizada, articulada politicamente, com lideranças conhecidas e reconhecida no Brasil e no exterior. Esta viagem estava carregada de simbolismos, tanto para nós visitantes, quanto para a comunidade que nos recebeu, pois fomos o primeiro grupo de estudantes negros a visitar o quilombo e mais, vestindo uma camiseta do maior líder quilombola,

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Por: Prof. Elias de Souza Jr., professor da Unipalmares (elias@unipalmares.org.br) Zumbi dos Palmares, ícone da nossa instituição. Depois de caminharmos dentro do bananal, já em terra quilombola, avistamos no alto de uma colina a secular Ivaporunduva, às margens do rio Ribeira e a Igreja Nossa Senhora do Rosário, imponente como se fosse e foi o bastião da resistência espiritual e material daquele povo. Atravessamos o rio por uma lancha e chegamos na margem oposta. Fomos então recepcionados calorosamente pelas lideranças representadas por Paulo Pupo e por Denildo. Neste momento, fomos informados que a festa de São João fora adiada, pois parte da comunidade estava na cidade próxima de Eldorado, juntamente com outras lideranças quilombolas para uma audiência pública com os representantes das empresas energéticas, onde o assunto era a construção ou não de barragens na região, fato que, se consumado, inundaria as terras quilombolas 15 metros acima da torre da Igreja do Rosário, construída em 1791. Para nós, visitantes, este momento passou a ser visto não apenas como um instante festivo de encontro e de reencontro com a história viva dos afrodescendentes, como também uma oportunidade única de imersão

no processo dinâmico da história vivida, sem retoques, sem simulacros, construída a partir das ações humanas. Ao longo daquele dia, nossos guias nos mostraram um pouco das práticas cotidianas daquela gente, que insiste em tratar a terra com carinho e respeito, sendo na agricultura orgânica, na construção de suas próprias casas de pau-a-pique e no trato com os seus pares. Presenciamos muitas famílias unidas em torno de suas atividades corriqueiras, sempre ao lado de seus filhos, nesta comunidade de 350 pessoas, uma igreja e cinco botecos, e não foi presenciada nenhuma discussão, nem ao menos alguém levantar a voz com outra pessoa. Percebemos os diferentes ritmos de tempo, o gestual e códigos do local onde estávamos entrando. Após o almoço, uma feijoada terroir, com produtos orgânicos, o grupo se aproximou mais das pessoas da comunidade para sentir melhor aquela experiência inédita para a maioria. Por exemplo, o professor João Caetano que conversou com alguns anciãos em busca de traços fonéticos que remetessem à tradição oral em língua Banto, uma das heranças legadas dos africanos. A jornalista Grace Rufino buscou incessantemente as melhores tomadas para o cameraman,


as melhores entrevistas e o melhor foco para as suas fotos, mas sem entender direito como aquela comunidade de quase 300 anos não possuía documentos escritos sobre a sua própria história. E eu, como historiador, preocupado com os tempos, as permanências e os desaparecimentos da memória coletiva daquela gente, percebi em algumas cenas a essência do lugar onde estávamos pisando: em Ivaporunduva a terra é coletiva, os dois telefones e os dois computadores são comunitários, a luta pela permanência na terra é, como sempre foi, uma luta de todos os pertencentes daquela comunidade. E assim o dia se foi. Deixamos o Vale do Rio Ribeira de volta para São Paulo, mas diferentes de como havíamos chegado em Ivaporunduva.

Sobre o conceito de quilombo O artigo 68 da Constituição Brasileira de 1988 reconheceu finalmente a propriedade definitiva das terras ocupadas por comunidades quilombolas, além de reconhecê-los como agentes formadores da nossa sociedade. No artigo 215, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” Cabe ao Estado legislar e regulamentar, mas cabe à sociedade civil organizada criar condições para que as manifestações mais genuínas de nossa cultura não caiam no esquecimento. É na valorização, na imersão e até no consumo de produtos culturais que ajudaremos a fazer a manutenção das nossas tradições culturais e modos de vida. A Unipalmares, criada para se cons-

tituir num espaço acadêmico privilegiado para a questão da inclusão social através da educação, está cumprindo seu papel, além de poder ser considerada um “quilombo urbano”, herdeiro legítimo dos quilombos, das Casas de Angu e Zungu que existiam em São Paulo na segunda metade do século XIX, por se tratar de uma instituição que privilegia o resgate do legado cultural dos afrodescendentes na cultura brasileira, tem um papel muito significativo neste momento em que o país está olhando com mais interesse para as tradições populares geradas ao longo dos nossos 500 anos de formação histórica. A visita ao quilombo de Ivaporunduva, pela Unipalmares, pode ser considerada uma demonstração da força, da resistência, da luta e da vitória da grande parcela da população brasileira, que ficou alijada do processo histórico oficial, mas que contribuiu e contribui significativamente para a construção do nosso país. Nas palavras do dr. Belisário dos Santos Júnior este conceito fica evidenciado: “Os quilombos, mais que redutos de escravos, representavam muitas vezes verdadeiros Estados, com organização, trabalho, governo, história.” Portanto, ratifico a importância da realização de projetos como este para a contribuição e consolidação

da Unipalmares como um local de pesquisa e produção acadêmica. Ivaporunduva, em Tupi, significa ”rio de muitos frutos”; esta região incrustada entre os estados de São Paulo e Paraná, solo das antigas tribos do tronco lingüístico tupi, é atualmente território de pelo menos 20 comunidades quilombolas onde, há quase três séculos, habitam esta região. As Terras de Preto ou dos Caipiras Negros, na fala do pesquisador Renato da Silva Queiroz, são parte significativa da história da luta pela posse da terra e da dignidade humana da grande parcela negra de que é composta a sociedade brasileira. Os bons frutos de Ivaporunduva são os filhos da terra e suas ações assertivas em prol de uma sociedade mais digna para todos.

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O poeta cultura

reinventou o 20 de Novembro Por: Maurício Pestana, cartunista e publicitário (www.mauriciopestana.com.br) A resistência política e cultural do negro no Brasil e no mundo sempre contou com a participação fundamental de artistas e poetas. Vários foram os momentos em que o talento, a sensibilidade e a visão profunda desses intelectuais reinventaram o nosso futuro. O maior exemplo contemporâneo desta contribuição vem de Angola, talvez o único país do mundo em que a luta contra o colonialismo teve em seu comando um poeta. Os soldados angolanos, mais do que com armas, eram abastecidos por poemas, do comandante-poeta Agostinho Neto. A história do negro no Brasil contou com vários exemplos: Cruz e Souza, Lima Barreto, Arnaldo Xavier, Paulo Colina entre outros, famosos e anônimos que contribuíram e emprestaram sua arte, suas idéias e seus livros para alimentar aquilo que temos de mais precioso: a alma. Incompreendidos em vida, por vezes só reconhecidos após a morte, esses artistas escreveram em muitos momentos os caminhos da nossa luta, dos nossos destinos. Rompendo essa máxima de reconhecimento póstumo, quero homenagear aqui o poeta e amigo, ainda vivo, que reescreveu o 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra em nossas mentes e corações. Poucos sabem, num Brasil tão sem memória, que o 20 de Novembro e a reverência a Zumbi dos Palmares começou da insistência do poeta gaú-

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cho Oliveira Silveira, que, em uma inquietação típica dos poetas, resolveu reinventar a real história do negro no Brasil. Em seu depoimento na cidade de Porto Alegre ele nos conta: “Estávamos em 1971. Reuníamosnos e falávamos muito a respeito do 13 de maio, do fato desta data não ter um significado maior para a comunidade. A partir desta constatação comecei a procurar outras datas que fossem mais significativas para o movimento. Comecei a estudar a fundo a história do negro e constatei que a passagem mais marcante era o Quilombo dos Palmares. Como não havia datas do início do quilombo, tampouco do nascimento de seus líderes, optei pelo 20 de novembro. Colhi esta informação numa publicação dedicada a Zumbi, que dava esta data como a de seu assassinato, em 1665. Não me sentindo seguro com a fonte, resolvi pesquisar um pouco mais, como forma de garantia. Mais adiante, no livro ‘Quilombo dos Palmares’, de Edson Carneiro, a data se repetia. Considerei esta fonte segura, pela importância do autor. Além disso, tive acesso a um livro português que transcrevia cartas da época, numa delas era relatada a morte de Zumbi, em 20 de novembro de 1665. A partir de então colocamos em ação nossas propostas. Batizamos o grupo de Palmares e registramos seu estatuto, em julho. No dia 20 de novembro do mesmo ano (1971), evocamos pela primeira vez

o ‘Dia Nacional da Consciência Negra’, na sede do Clube Marcílio Dias, aqui em Porto Alegre. ” Muitos anos se passaram após esta primeira celebração; outros atores entraram em cena para os ideais de Palmares se tornarem realidade: políticos, professores, artistas, intelectuais, trabalhadores, enfim, o conjunto da sociedade brasileira abraçou Zumbi dos Palmares como o primeiro herói renascido do povo. Toda sua história nesses 35 anos tem sido uma ação de baixo para cima; é o primeiro herói brasileiro que tem seu feriado exigido por iniciativas populares, começando em algumas cidades, depois estados, e ainda não oficializado nacionalmente, porém um verdadeiro herói com cara e espírito brasileiro. Mais que o exemplo de vida, resistência e história, o ressurgimento de Zumbi dos Palmares, há 35 anos das mãos de um poeta, nos dá um outro profundo e pouco lembrado exemplo: o de que a luta também é feita de Pão e Poesia!


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cultura

Agenda Cultural O melhor da programação em artes e cultura Por: Rodrigo Massi (agendacultural@afrobras.org.br)

“Grande Sertão: Veredas”

Música

Com curadoria de Bia Lessa, a mostra homenageia os 50 anos de publicação do livro “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa. Onde: Museu da Língua Portuguesa. Estação da Luz – Praça da Luz, 01. Mais informações no site:www.museudalinguaportuguesa.org.br. Entrada gratuita aos sábados. Quando: por tempo indeterminado.

Galerias de Arte ao Ar Livre Muros, pilares de viaduto e paredes de prédios públicos grafitados. Trata-se do projeto Galerias de Arte ao Ar Livre, que tem a função de promover o diálogo entre o Poder Púbico e os movimentos jovens da cidade. A ação é integrada por duzentos artistas que irão produzir em trinta e uma regiões da cidade de São Paulo. Mais informações: (11) 3113-9730 com Bárbara de Paula. Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura de São Paulo. Quando: até janeiro de 2007.

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Rei do Blues em São Paulo O lendário guitarrista B. B. King faz duas apresentações em São Paulo em sua última turnê internacional. B.B. King no Brasil. “The Farewell Tour”. Onde: Bourbon Street, dia 30 de novembro, e Via Funchal no dia 2 de dezembro de 2006. Bourbon Street. Rua dos Chanés, 127 - Moema. Informações: (11) 5095-6100 ou pelo site: www.bourbonstreet.com.br. Via Funchal (11) 3089-6999.

Cursos História da arte brasileira no acervo da Pinacoteca do Estado Dia 11 de novembro. Palestrante: Cristina Tejo. Obra: Cinzas, 2001, de Pazé (canudos plásticos e caixa de acrílico). Dia 25 de novembro. Palestrante: Moacir dos Anjos, Sem título, 2003, de Marepe (aquarela e nanquim sobre papel). Onde: Auditório da Pinacoteca do Estado 140 lugares). Praça da Luz, 2. Gratuito. Mais informações: (11) 3229-9844.


cultura

Artes visuais “Reflexões Visuais de Gilberto Salvador” A mostra “Reflexões Visuais de Gilberto Salvador”, com curadoria do próprio artista, reúne cerca de 35 obras tridimensionais. A exposição é uma grande oportunidade para apreciar a produção artística voltada para a escultura, aspecto menos conhecido da produção de Gilberto Salvador. Onde: Galeria de Arte do Sesi. Av. Paulista, 1313. Quando: De 19 de setembro a 29 de outubro de 2006. Entrada gratuita. Mais informações: 11 3146-7406/7405 ou pelo site www.sesisp.org.br/centrocultural.

Cultura Afro Em comemoração ao mês da consciência negra, a Unipalmares realiza, sob coordenação e curadoria de Tom Ruthz, a Semana Afro Arte II, evento que contará com atividades como feira de artesanato, exposição de artes, desfiles de moda e artes plásticas, shows e um concurso que elegerá a garota Unipalmares 2006. Onde: Unipalmares. Rua Washington Luiz, 236 - Luz. Quando: de 06 a 11 de dezembro de 2006 , das 18 às 19h. Mais informações: semanafroarte@yahoo.com.br

Instituto do Imaginário do Povo Brasileiro Lançado oficialmente no dia 21 de setembro, por ocasião da inauguração da exposição “Pinturas de Afrânio Pessoa”, o Instituto do Imaginário do Povo Brasileiro. Onde: Estação São Paulo. Rua Ferreira de Araújo, 625. Mais informações: (11) 38137253 ou www.galeriaestacao.com.br.

27° Bienal de

São Paulo Com curadoria-geral de Lisette Lagnado, a 27ª edição da Bienal de São Paulo trabalhará com o tema “Como Viver Juntos”. Onde: Fundação Bienal de São Paulo. Parque do Ibirapuera. Portão 03. Informações: (11) 5574-5922. Quando: De 4 de outubro a 17 de dezembro de 2006.

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responsabilidade social

Fundação

Bradesco completa 50 anos Alunos do ensino infantil, Jardim Conceição, periferia de Osasco

A Organização Bradesco, maior banco privado brasileiro em ativos, está entre as pioneiras da responsabilidade social empresarial no Brasil. Confirmando essa tradição, sua principal atividade, a Fundação Bradesco, comemora 58

50 anos de trabalho neste mês de novembro. Nesse período, a Fundação Bradesco tornou-se o principal provedor de ensino gratuito privado do País e representa um dos maiores investimentos mundiais em projetos de responsabili-

dade social empresarial. A verba, em 2005, superou os R$ 160 milhões. Atualmente, abre as portas de suas 40 escolas localizadas em todos os estados brasileiros, inclusive o Distrito Federal, para diversos cursos regulares e com-


responsabilidade social

Escola Fundação Bradesco, Cidade de Deus, Osasco - SP.

plementares. Em 2005, 108 mil alunos, entre crianças, jovens e adultos estavam matriculadas na Fundação. Os cursos regulares, infantil, fundamental e ensino médio prevêem fornecimento gratuito de alimentação, uniforme, material escolar e assistência médica e odontológica, o que é importante, pois as escolas da Fundação estão instaladas em regiões periféricas, com grande concentração de população de baixa renda. O trabalho da Fundação tem ou-

tros desdobramentos para elevar o conhecimento das pessoas que habitam as regiões onde há escolas. Ela administra, desde março de 2004, cursos de informática de alto nível para jovens de todo o País por meio dos Centros de Inclusão Digital (CIDs). “Há, atualmente, 43 CIDs. Também desenvolvemos cursos de informática para deficientes visuais, um projeto no qual fomos pioneiros. Lançado em 1998, o curso já atendeu a 6.500 pessoas. Além disso, a Fundação oferece

mais de 150 cursos profissionalizantes básicos e técnicos para pais de alunos e adultos”, informa Márcio Cypriano, presidente do Bradesco. “Nesses quase 50 anos de vida, a Fundação já formou quase 600 mil pessoas. Todas elas se tornaram novas referências de cidadania para as comunidades onde vivem. Forma e serão fatores de transformação social. Temos grande orgulho desse trabalho”, ressalta o executivo. 59


Uno cidadão responsabilidade social

ma aposta Por: Demetrius Trindade Da Redação

Pensar e agir localmente. É pensando assim que a Coca-Cola norteia e atua em uma série de iniciativas visando o desenvolvimento social e cultural das comunidades nas quais age. É assim que também cumpre seu papel de empresa socialmente responsável, comprometida com o presente e o futuro do Brasil. Em 1999, ao criar o Instituto Coca-Cola para a Educação, a empresa consolidou sua intenção de atuar para a melhoria da educação no Brasil. Hoje, o Instituto Coca-Cola Brasil, mantido pela Divisão Brasil da Coca-Cola, implementa os programas sociais desenvolvidos pela empresa no País. Ernesto J. Silva, presidente da Coca-Cola Femsa no Brasil, falou com exclusividade à Afirmativa Plural. Afirmativa - Como funciona e atua a Coca-Cola na questão da responsabilidade social? Ernesto J. Silva - Nós trabalhamos em parceria com a dona das marcas, que é a Coca-Cola Co. e com o Instituto Coca-Cola, mas também trabalhamos internamente com o nosso próprio departamento de responsabilidade social. Atuamos em qua-

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tro áreas principais: família, cultura, educação e ecologia e cidadania. Afirmativa - Como funcionam os projetos e quais são as áreas atendidas? Ernesto J. Silva - Atuamos muito em cidadania, que é focada na comunidade. A importância de fazer cumprir todas as regras e leis. Nós estamos procurando cada vez mais passar para todos os participantes da indústria para que tenham esta responsabilidade, não só social, mas cidadã. Na área da família, temos um programa muito completo de responsabilidade e desenvolvimento social, na qual trabalhamos com as famílias de nossos funcionários. Assim, temos uma ligação muito forte entre família, funcionários e empresa. Isso desenvolve um elo muito sólido, no qual as famílias acabam conhecendo a empresa onde seus parentes trabalham e o que fazem para a sociedade. Nós trabalhamos muito em parcerias com outras instituições relacionadas com o cuidado da ecologia e dos ecossistemas. Temos uma parceria com o SOS Mata Atlântica, para recuperamos florestas. O proje-

to Florestas do Futuro Água Crystal, por exemplo, nos últimos meses efetuou o plantio de 15 mil mudas de espécies diferentes de Mata Atlântica. Estamos tentando reconstituir a mata em toda a bacia do rio Tietê e vamos acrescentando o número de mudas para colaborar no reflorestamento da Mata Atlântica. Afirmativa - E a Coca-Cola aposta em projetos ligados à educação? Ernesto J. Silva - Em educação temos o programa de valorização do jovem, onde baixamos a taxa de evasão escolar, com um programa que trouxemos dos Estados Unidos, e que está sendo incorporado em escolas do município de São Paulo. Temos também um programa, com o governo estadual, que é o PET Programa de Educação do Trabalho, no qual recrutamos jovens de 16 a 24 anos, de baixa renda, e preparamos, com aulas e seminários para o mercado de trabalho. Alguns deles, inclusive, acabam ficando na empresa como estagiários. O projeto nos enche de orgulho, uma vez que muitos deles já conseguiram emprego em empresas muito boas.


Ernesto J. Silva

Afirmativa - O senhor destacaria um programa que a Coca-Cola trata com mais carinho, ou melhor dizendo, que é diferente de todos os outros programas da empresa? Ernesto J. Silva - Nós temos um programa muito interessante que é o Dia da Família. Neste programa nós focamos, buscamos integrar e fortalecer a família. Desta forma conseguimos bons cidadãos e uma sociedade integrada e unida. Por exemplo, a cada primeiro domingo de dezembro de cada ano, desenvolvemos uma reunião de famílias, em diferentes lugares. No último ano, conseguimos reunir mais de 100 mil pessoas no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, e tivemos uma apresentação da Or-

questra Jazz Sinfônica de São Paulo e da cantora Gal Costa. Agora estamos organizando, já para este ano, eventos em diversas partes do Brasil. Estas iniciativas sempre envolvem a Companhia e seus parceiros. Afirmativa - O senhor acha que o governo tem realizado um bom trabalho na área social ou faz somente ações isoladas. E o que está sendo realizado é suficiente ou deveria se empenhar mais? Ernesto J. Silva - Na área de responsabilidade social nunca é suficiente. Eu acho que o governo está fazendo uma coisa muito criativa, porque usa parcerias com empresas que também têm a preocupação pela questão social.

Então, ele aproveita estes recursos e estas empresas encontram caminhos para poder ajudar o desenvolvimento das comunidades onde atuam e, neste caso, no Brasil. Afirmativa - Vamos supor que o senhor tem uma verba extra de R$ 10 milhões para investir em responsabilidade social. Qual a área que investiria? Ernesto J. Silva - Educação. Educação é a pedra fundamental para o desenvolvimento dos povos e porque a educação começa com as crianças e isso começa com a família. É uma sinergia, pois, dando educação para todos os membros da família, teremos uma comunidade forte. É a base da sociedade que é a base do país.

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A

empreendedorismo

rtesã capilar em cartaz na Unipalmares

Por: Júlia Ramos Da Redação

O sonho de carreira era na área de humanas. Nascida na periferia de São Paulo, Luiza Helena dos Santos formou-se em enfermagem pelo Senac e atuou na área durante nove anos. Por ironia do destino, sua vida tomou outro rumo. Hoje, consagrada cabeleireira, faz parceria com a Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, em São Paulo para gerir o Centro de Estética. Hospedada no Hotel Nacional do Rio de Janeiro para acompanhar um congresso de enfermagem, no ano de 1975 conheceu o Ballet de Senegal, da África Ocidental. Encantada pela beleza dos cabelos das bailarinas angolanas, decidiu conhecer a arte. “Os cabelos das angolanas me fascinaram e então fui atrás para saber como eram feitos, de que material. Descobri que eram tranças feitas com fios de telefone”. Com sua mãe, Maria Oliveira dos Santos, e dois dos sete irmãos – Newton Rubens dos Santos e Paulo Roberto dos Santos –, começou a aprender a arte de trançar cabelos afros a partir de materiais enviados pelas bailarinas angolanas que conheceu durante o evento. Envolvida e fascinada pela novidade, Luiza decidiu abandonar a profissão de enfermeira e seguir carreira de cabeleireira.

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De início, “levava cerca de doze horas para fazer uma trança, utilizando barbantes tingidos”. Para se inteirar na profissão, fez o curso Marcel (chapinha para cabelos afros) e químicas em geral. “Quando aperfeiçoei o trabalho nas tranças, em São Paulo, atendia as mulatas que se apresentavam na boate Oba, Oba”, de Oswaldo Sargentelli, relata. Desde então sua carreira deslanchou. Na boate, onde muitos artistas se apresentavam, Luiza começou a formar sua carteira de clientes. Conquistou durante sua trajetória clientes como

Alcione, Hélio de La Peña, Mílton Nascimento e Rosa Marya Collin, sua primeira cliente do mundo artístico. Batizada pela cantora Alcione de “artesã capilar”. Atualmente possui dois salões de beleza, o L.Chevoux cabeleireiros, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Para se dedicar ao salão que lançará na Unipalmares, passará o ponto do Rio de Janeiro. “Na Unipalmares daremos aulas para formar e capacitar profissionais, atenderemos os alunos e também o público em geral com nossa equipe de profissionais. Será uma bela parceria.”


perfil

No

ar, O Samba Pede Passagem! No ar: “Ôôôô... Samba Pede Passagem!”. Você já deve ter ouvido esta vinheta no rádio, há mais de 30 anos, na voz do radialista Moisés da Rocha, no programa O Samba Pede Passagem. Moisés nasceu em Ourinhos, interior de São Paulo. No decorrer de sua trajetória, realizou várias atividades: “fui bancário e voluntário do 14º Contingente do Batalhão de Suez, representando o Exército Brasileiro que, junto com os demais países, formamos as Forças de Emergência das Nações Unidas no Oriente Médio, no período de dezembro de 1963 até março de 1965.” Mas a atividade que destaca o seu trabalho é a de radialista, que teve início na Rádio Cometa, em 1967. “Trabalhei por cinco anos nessa rádio”, destaca Moisés, um dos primeiros radialistas negros no Brasil.

Moisés da Rocha

“Nos anos 50 as rádios não contratavam os negros devido a uma visão preconceituosa. Agora, nesta nova geração, temos indivíduos estudando em universidades e isto contribui para que as pessoas não tenham mais esta mentalidade”, diz Moisés da Rocha. Ao longo da carreira, trabalhou em várias emissoras de rádio e televisão, tanto na cidade de São Paulo quanto no Rio de Janeiro. “Praticamente, trabalhei em todas as funções: produtor, rádio-ator, locutor comercial e dublador. Surgiu a oportunidade de ingressar na recém-inaugurada rádio da Universidade de São Paulo/USP”, relembra Moisés, que trabalha nessa rádio até hoje e lá apresentava o programa O Samba Pede Passagem. “Fui para a Rádio USP

como produtor dos programas musicais, e o programa O Samba Pede Passagem teve início em 1978”, disse o radialista. Além do trabalho na Rádio USPFM, ele apresenta o programa O Samba Pede Passagem, na Rádio Capital. O radialista explica que a expressão o “Samba Pede Passagem” é antiga e foi criada por um diretor teatral que escreveu uma peça, posteriormente censurada, mas ressalta que esta vinheta significa resistência, pois o samba sempre foi discriminado como tudo que refere ao afrodescendente. Atualmente, Moisés também participa do Coral Resistência Negra. ”Este coral é ecumênico em prol da paz e luta contra qualquer forma de preconceito na sociedade”, finalizou.

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oacir MSantos: homenagem

adeus ao mestre dos maestros Falecido aos 80 anos, no último 6 de agosto, em Los Angeles (Califórnia, EUA), apenas um mês após ter sido indicado, por unanimidade, como o grande homenageado no Prêmio Shell de Música 2006, pelo “Conjunto da Obra”, o brasileiro saxofonista, compositor, arranjador, professor, maestro e ícone Moacir Santos Filho, deixa para a música brasileira e mundial um exemplo de originalidade e talento, ao casar, com sofisticação e estilo próprio incontestável, o suíngue negro à bossa nova. Contrariando a realidade da infância pobre de um menino negro e órfão no sertão nordestino, Moacir Santos não permitiu que os percalços influenciassem seu destino. Aos 11 anos, autodidata, o futuro “mestre dos maestros” ingressou na banda da cidade de Flores do Pajeú, interior de Pernambuco, tocando clarinete. Aos 14, também saxofone e trompete, entre outros instrumentos que, “de brincadeira” - como ele costumava dizer, aprendeu a dominar.

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O talento do multiinstrumentista era cada vez maior. Em 1943, Moacir Santos já integrava a Rádio Clube de Recife e cinco anos mais tarde desembarcava no Rio de Janeiro, cidade onde trabalhou na gafieira “Clube Brasil Danças”, por 18 anos. Foi também no Rio que se tornou professor; no seu rol de alunos, talentos como Baden Powell, Sérgio Mendes, Paulo Moura (também saxofonista), João Donato, Roberto Menescal, Dori Caymmi, a cantora Nara Leão e o percussionista Airto Moreira. Conhecido no Brasil, tendo sido, no início da década de 60, também arranjador e maestro da Rádio Nacional e diretor da orquestra da TV Record, em 1965 gravou seu primeiro disco, intitulado “Coisas”. Em 67, após compor a trilha sonora do filme americano “Amor no Pacífico”, o maestro foi convidado a ir aos Estados Unidos, onde fixou residência. Lá atuou como professor, mas seu talento foi logo descoberto por Horace Silver, renomado jazzman

americano. A partir daí, a carreira de Moacir Santos partiu para a ascensão que o tornaria ícone nos Estados Unidos. Em 1972 lançou seu primeiro disco em solo americano, “Maestro”, que recebeu uma indicação ao Grammy e lhe rendeu outros dois álbuns: “Saudade” (1974) e “Carnival of the Spirits” (1975). Há dez anos foi condecorado pelo então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, com a Comenda da Ordem do Rio Branco, mas o regaste de sua música no país ocorreu somente em 2001, quando Airto Moreira e Zé Nogueira produziram “Ouro Negro”, CD duplo que reuniu arranjos originais de Moacir Santos interpretados em orquestra, com as participações de Gilberto Gil, Mílton Nascimento e Djavan, entre outros. Santos também participou do disco, cantando, já que em 1997 sofrera o primeiro derrame cerebral, que o impediu de continuar tocando e compondo. João Bosco, grande nome da músi-


homenagem

Folha Imagem: Adriano Zehbrahuskas

ca popular brasileira e que também participou de “Ouro Negro”, tinha em Santos “o grande maestro da música afro-brasileira”. Santos era muito comparado a Pixinguinha por seus inovadores arranjos e timbres. Embora tenha sido influenciado, como aluno de Hans Joachim Koell-

reutter e Radamés Gnattalli na juventude, Moacir Santos nunca deixou de lado a africanidade em suas composições. O ministro da Cultura, Gilberto Gil, expressou sua admiração em relação ao músico: “Por ele o Brasil foi de todos os santos. Por ele o ne-

gro foi ouro e expressão. Por ele fomos tanto mais do que somos. Salve Moacir de todos os Santos”. Vinícius de Morais, parceiro de Moacir, já em 1962 prestava uma homenagem ao maestro, em Samba da Bênção: “Maestro Moacir Santos, que não és um só, mas tantos.”

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plural

Irã x EUA por: Rubens Barbosa, consultor, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha

O mundo vive hoje em crescente estado de insegurança e incerteza pela multiplicação de focos de tensão e de conflitos localizados: terrorismo, proliferação de armas de destruição em massa, Iraque, Líbano, Israel, Palestina, Coréia do Norte, Irã, Estados falidos (Sudão e Haiti). De todos os “hot spots”, talvez o Irã seja o mais delicado, pelas imprevisíveis conseqüências do agravamento da crise atual com os EUA. A firme decisão do governo do Irã de manter seu programa nuclear e levar adiante atividades de enriquecimento e reprocessamento de urânio, o que, na prática, daria ao Teerã o domínio do ciclo nuclear e a capacidade de produzir bombas nucleares, foi contestada pelos EUA, com base na violação do Tratado de Não-Proliferação (TNP) e na ameaça à segurança da região. Com o apoio dos membros permanentes do Conselho de Segurança, abriram-se negociações com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e com a ONU. Depois de sucessivas rodadas de negociações, foi estabelecido pela ONU um prazo, que expirou em 31 de agosto, para o Irã suspender o enriquecimento e o reprocessamento.

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Os EUA insistem na aplicação de sanções, mas a Rússia e a China não deverão apoiá-las. Na tentativa de evitar a escalada da crise, a União Européia solicitou conversações adicionais com Teerã, deixando Washington isolado. Dificilmente, porém, as sanções da ONU ou a suspensão de algumas negociações comerciais com a Europa e o Japão poderão convencer Teerã a suspender o processo de enriquecimento de urânio. A maior e mais imediata preocupação do Irã é sustar um ataque militar contra as instalações nucleares por parte dos EUA ou de Israel e evitar que o Conselho de Segurança decida impor sanções. Com uma visão de longo prazo, o Irã apresenta-se como uma potência regional e como o grande fornecedor de petróleo na Ásia. A liderança civil e religiosa iraniana tem enfatizado o direito inalienável de desenvolver o programa nuclear. Com isso busca reforçar sua própria legitimidade, estimular o sentimento nacionalista e mostrar o grau de desenvolvimento industrial e tecnológico. O programa visa também a ser percebido como uma opção de dissuasão contra adversários nucleares, como EUA e Israel.

A crescente influência iraniana, sobretudo no Iraque e no Líbano, despertou preocupação nas capitais árabes de maioria sunita. A retórica anti-Israel, que objetiva ganhar respaldo para o Irã entre a opinião publica árabe, preocupa Tel-Aviv e, por conseguinte, Washington. Indo além do Oriente Médio, o Irã coloca-se como um campeão das nações em desenvolvimento e construiu fortes laços com a Índia, a China e a Venezuela. Tendo em mente o precedente aberto no TNP pelos EUA ao reconhecer a Índia como potência nuclear, apoiando-a técnica e politicamente, o Irã recusou aceitar qualquer precondição para iniciar conversações sobre a suspensão de seu programa nuclear. Apesar de tudo isso, Teerã tem procurado evitar uma confrontação militar com Israel ou os EUA e permanecer dentro dos limites do TNP, apesar das repetidas ameaças de se retirar do regime de não-proliferação. Do lado norte-americano, posições igualmente fundamentalistas, apoiadas por grupos ultraconservadores (neocons), têm prevalecido e a retórica oficial está se tornado cada vez mais agressiva em relação ao Irã,


plural

Rubens Barbosa

reiteradamente chamado de “eixo do mal”. Ao anunciar, em março, a atualização de sua Estratégia de Segurança Nacional, reiterando a política de ataques preventivos e prevendo “confrontação” com o Irã, caso os esforços diplomáticos não convençam o país a abrir mão do programa nuclear, Bush adotou linguagem mais dura do que a utilizada em setembro de 2002 em relação ao Iraque. Mais recentemente, no início de setembro, ao divulgar a nova Estratégia Nacional para combater o terrorismo, Bush elevou o tom, referindo-se aos fascistas islâmicos e comparando a ameaça dos líderes

iranianos com o perigo representado pelos terroristas da rede Al-Qaeda. Os EUA não tolerarão essa situação, afirmou Bush. O Congresso divulgou relatório afirmando que o Irã está enriquecendo urânio em porcentagem necessária para produzir a bomba, o que levou a AIEA a denunciar o trabalho como equivocado e com informações falsas. Na percepção do atual governo de Washington, a luta entre Israel - fortemente apoiado pelos EUA – e o Hezbollah – respaldado pelo Irã - é uma guerra indireta entre os EUA e o regime teocrático de Teerã, visto por Bush como a ameaça mais

séria à estabilidade na região e aos interesses estratégicos dos EUA. Diante das dificuldades políticas, Washington deverá desenvolver uma dupla estratégia: continuar as conversas, por intermédio da Europa, e gradualmente aumentar o peso das sanções, como a proibição de viagens para a liderança iraniana, o congelamento de bens no exterior e as restrições financeiras aos bancos iranianos. Não parece possível um ataque preventivo norte-americano nem uma tentativa de mudar o regime iraniano, como ocorreu no Iraque, dado o atual engajamento militar dos EUA em mais de um cenário de guerra. A possibilidade de um ataque cirúrgico às instalações nucleares iranianas, como fez Israel em 1985 no Iraque, contudo, está sendo discutida abertamente em Washington. Embora sendo altamente improvável que todas as instalações (algumas subterrâneas) sejam destruídas na hipótese de um ataque, as conseqüências militares, políticas, econômicas certamente são imprevisíveis. “Nunca descarte no Irã a opção mais irracional, pois a escolhida pode ser ela”, ouvi de um diplomata. Caso se fortaleça a percepção de que o programa nuclear iraniano levará à construção de artefato nuclear, ameaçando concretamente Israel, os EUA não hesitarão em atacar com mísseis de alta precisão as instalações nucleares no Irã, apesar de vozes moderadas ou realistas verem um eventual ataque preventivo como um ato contrário aos interesses maiores dos EUA.

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A

plural

intolerância

religiosa:

em nome de Deus

ou das doutrinas? Prof. dr. Rafael Rodrigues da Silva é professor de Introdução ao Pensamento Teológico do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP

Não é de hoje que muitos grupos religiosos praticam violência e se matam uns aos outros em nome de seus fundamentos religiosos. Fundamentalismo e intolerância religiosa são os maiores espinhos na história das grandes tradições religiosas. Estes, em determinados momentos da história são encobertos e noutros, aparecem com força e reacendem disputas que não favorecem o diálogo e a aceitação da prática e experiência do outro. É o que podemos perceber nos acontecimentos das últimas semanas ao redor do discurso do Papa Bento XVI em Ratisbona. Na perspectiva de respeitar as diferentes tradições religiosas e de favorecer o diálogo interreligioso, o exemplo apresentado por Bento XVI para explicar que a religião não está unida à violência, e sim à razão, não soou

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“a fé é o fruto da alma, não do corpo. Quem quiser conduzir alguém à fé precisa falar bem e argumentar corretamente ao invés de usar a violência e a ameaça”

bem e reacendeu conflitos e polêmicas. As palavras do Papa não seriam mal compreendidas se se começasse por uma autocrítica e destacasse exemplos da violência praticada pela cristandade medieval (fixando-se assim no ambiente histórico do qual partiu o seu exemplo). A condenação de muitas vidas à morte nas fogueiras da Inquisição é a representação de uma religião da violência ou da razão? Vale dizer que as ações de violência praticadas pelas religiões em nome de seus fundamentalismos, de suas intolerâncias e verdades arrogantes revelam as marcas do medo e das hostilidades numa competição sem fim. Karen Armstrong afirma que a luta travada em nome de Deus constituiu uma tentativa de preencher o vazio existente no âmago de uma sociedade baseada no raciona-


Prof. dr. Rafael Rodrigues da Silva

lismo científico (Em nome de Deus. O Fundamentalismo no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo). Nesta direção, o discurso de Bento XVI tenta apresentar a Igreja Católica como uma religião da razão e, por isso, não se caracteriza como uma religiosidade violenta e fanática. Ao afirmar que “a fé é o fruto da alma, não do corpo. Quem quiser conduzir alguém à fé precisa falar bem e argumentar corretamente ao invés de usar a violência e a ameaça”, e que “não atuar segundo a razão é contrário à natureza de Deus”, o Papa apresenta um discurso conven-

cido de que o catolicismo ocidental é superior à religiosidade mulçumana (caracterizada como fanática e violenta). Tomando uma palavra de Paul Ricoeur (“nós somos todos pecadores, mas desigualmente culpados”) diria que antes de se desculpar perante os mulçumanos que não compreenderam as suas palavras, o Papa e seus assessores deveriam quebrar os sentimentos arrogantes de superioridade e daí não só perceber, bem como analisar que no interior da própria Igreja existem muitos grupos e movimentos fanáticos e que praticam outras formas de violência.

Este acontecimento tem de provocar em âmbito mundial uma postura e comportamento macroecumênico, que produza paulatinamente o conhecimento da experiência e prática religiosa e cultural dos outros e daí resulte a construção de um mundo assentado no diálogo e na comunhão. Também deve produzir no dinamismo das religiões (Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo e outras) uma autocrítica de seus erros e a busca de confirmar os seus acertos nos trilhos da fraternidade, da libertação, da solidariedade e da justiça. Assim, cada religião com o seu jeito, com seus ensinamentos, com suas doutrinas, com suas práxis e com os seus fiéis estarão, ao mesmo tempo, revelando o sagrado e sua mística e, dando um passo decisivo para um mundo melhor (sem violência, sem injustiças, sem mortes de inocentes e sem intransigências e radicalismos). Urge para que o Cristianismo cresça em credibilidade frente às outras religiões, proclamar a necessidade da reconciliação e do perdão; bem como urge para que o Islamismo cresça em credibilidade ponderar sobre as dimensões e os resultados da prática de grupos radicais em seu interior e formule novos rumos éticos que levem à aceitação do outro. Que o desejo de liberdade e vida pregadas por Moisés, Jesus, Maomé, Buda e outros grandes profetas e líderes seja a saída e a transformação num mundo dilacerado pelos ódios e pelas injustiças.

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Tao negativo negros em foco

rabalho do negro

é associado

A discriminação no Brasil ocorre simplesmente pelo fato de que quando se superou a escravidão, associouse a atividade do trabalho como algo de cunho negativo. Isto é, o trabalho que se desenvolveu no Brasil era escravo, portanto, tinha que ser objeto do escárnio e de total negação. Só que o trabalho escravo associou-se a trabalho de negro. A razão do racismo no Brasil origina-se pelo fato de que o trabalho positivo, o trabalho cujo perfil é visto de maneira positiva, é o trabalho de branco, pois o que foi desenvolvido pelo negro associou-se ao negativo. Este foi um dos principais pontos abordados e explicados pelo Professor Doutor Edgar Salvadori de Decca, Pós-Doutor em História pela Univerdade de Munique e PróReitor de Graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no programa Negros em Foco, da Afrobras/Unipalmares todos os domingos no canal 14 UHF RBI/TV Mix para todo o Brasil], apresentado por José Vicente, presidente da Afrobras e reitor da Unipalmares. De Decca é autor, entre outras obras, do livro “1930: O silêncio dos Vencidos”, editora Brasiliense.

Negros em Foco: Então o senhor está dizendo que discriminação e racismo não foram em razão da pessoa, do indivíduo negro, mas, sim, da representação do que significava o negro? De Decca: Exatamente, o racismo

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é oriundo não do significado da pessoa, mas daquilo que ela representa, do que é negativo, do que deve ser esquecido, como Rui Barbosa fez: “queimem-se os arquivos da escravidão”. Com isso, nós esquecemos que houve escravidão no Brasil e se fizermos os negros desaparecerem da nossa sociedade como são as políticas de branqueamento, então esquecemos tudo, expia-se essa culpa e apaga-se essa memória do passado que tem, no trabalho negro, essa negatividade. Quer dizer, o trabalho branco não, ele dignifica, é honesto, é positivo, por isso o imigrante é visto com esses olhos tão positivos. NF: O Brasil continua fazendo vistas grossas ao problema do negro, com a sua invisibilidade em todos os postos da sociedade. Nosso país pode continuar cometendo esse verdadeiro crime contra esta parte da sua população?

De Decca: Acho que não. Uma das maiores distorções que existem do ponto de vista do quadro geral da sociedade brasileira é justamente esse processo de exclusão de uma população que foi praticamente a que constitui a base de nossa sociedade desde a época da colônia, ou seja, o trabalhador negro foi o responsável por grandes índices de produtividade colonial que tornou o Brasil, inclusive, competitivo no cenário internacional, como foi o caso do açúcar e do café. A população negra brasilei-

ra, no momento da constituição da sociedade de classe, se viu excluída, e o mais grave é que essa exclusão perdura até os dias atuais. NF: Como assim? De Decca: Veja bem, na sociedade colonial, a despeito da escravidão, que é abominável e inadmissível, a população negra é parte do sistema, porque ela [a população] é um trabalhador dessa sociedade que se compõe no período colonial, seja no leito do trabalho escravo ou na casa grande. O que ocorre no mundo do trabalho livre no Brasil é que o negro foi excluído. A nossa responsabilidade enquanto mais de um século em que a República está instalada, é que nós não tivemos ainda, de fato, políticas de inclusão e ações afirmativas que coloquem a população negra com as mesmas oportunidades que outros contingentes populacionais tiveram. NF: Por que outras etnias tiveram oportunidades e o negro não? De Decca: Os outros povos e etnias foram integrados no mercado de trabalho, o que tornou viável a sua ascensão como foram, por exemplo, os italianos, sírio-libaneses, japoneses, coreanos etc. Mas a população que oriunda da escravidão, até hoje se vê marginalizada. NF: Se naquela época [da Abolição] houvesse um desejo sincero


e honesto de transformar o espaço em democrático, em interação de todos, o correto seria após a libertação incluir os negros e dar educação? De Decca: Exatamente, dar educação e incluí-las nos novos trabalhos e novos postos profissionais. Só assim o Brasil seria uma sociedade muito mais justa e mais equilibrada. Mas preferiu-se deixar o negro de lado e é por isso que o negro se estigmatiza, por isso que a imagem do crime, da contravenção sempre se associa à figura do negro. NF: Mas por que? Se os imigrantes também vieram para trabalhar... De Decca: Mas o trabalho livre e assalariado, o trabalho que você contrata é um trabalho de igual para igual, é nobre. O trabalho escravo é aquele que você explora a pessoa ao limite, porque você é dono dela. Então isso é indigno e as elites brancas, que fizeram a República e instituíram o trabalho livre no Brasil, queriam se livrar desse estigma. E como se faz isso? Livrando-se de uma população, não de um conceito. NF: Estamos no terceiro milênio e os dados e estatísticas não são muito diferentes... De Decca: Não são, pois continuamos com a mesma mentalidade e acho que a sociedade brasileira tem que conviver com uma realidade e não pode fazer cortina de fumaça de um preconceito que está inerente à formação da nossa cultura moderna e é a modernidade que institui isso, ou seja, que a positividade do trabalho está ligada à camada branca da sociedade, por isso a razão de os trabalhos mais dignos, mais competitivos, as profissões mais disputadas serem sempre da elite branca. É por esse motivo que a nossa história sofre de um processo de enorme exclusão com uma população. Não é a exclusão da pobreza, é uma exclusão étnica,

Edgar Salvadori De Decca

porque na figura do negro associouse à degradação do trabalho. NF: O senhor está dizendo que o Brasil ainda está cindido em dois, o dos brancos, que estão em todos os postos de prestígio, e o Brasil de todos os demais, inclusive o do negro, que está na base da pirâmide. Onde tem que se buscar o caminho para o equilíbrio, professor? De Decca: eu acho que a responsabilidade do Estado nacional é a responsabilidade da inclusão, evidentemente que a inclusão social no Brasil não se faz só com a universidade, mas é uma responsabilidade e o conteúdo ético do Estado brasileiro. NF: Mas quem pensa o país, quem faz o desenho da nação é a classe da intelectualidade que está na universidade... De Decca: Pressionada, hoje, por

um eco e um grito e pressões sociais bastante fortes e extremamente positivas. E acho positiva que uma universidade da importância da Unicamp, que detém 6% da produção científica da América Latina, tenha sido a primeira instituição pública do estado de São Paulo a adotar um programa de inclusão social, porque só uma universidade desse porte, que tenha esse grau de excelência, diferencia de todo o resto. E a razão disso é que tínhamos a enorme convicção de que essa população incluída teria condições de apresentar resultados acadêmicos muito bons e extremamente satisfatórios. Por isso que a Unicamp hoje já tem padrão de inclusão étnica da população de afrodescendente na ordem de 15% dos ingressantes da universidade. O total de autodeclarados afrodescendentes e que se beneficiaram do programa soma 300 nesse último ano, e aqueles que não precisaram desses bônus são 230. O que dá um total de 430 estudantes afrodescendentes em 2.980 vagas.

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troféu

Diversidade

é tema do

II Seminário

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Dentro das comemorações da Semana da Consciência Negra, e pelo segundo ano consecutivo, a Afrobras e a Unipalmares – Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, realizam o II Seminário Diversidade Racial Corporativa e Ações Afirmativas. Este ano o evento será no Itaú Cultural e tem como temas principais a Educação – desde o básico ao ensino superior – e o Mercado de Trabalho. “A idéia é debatermos junto com os administradores, profissionais de recursos humanos e estudantes, além de outras áreas de interesses afins vinculados com a gestão da diversidade e/ou inclusão, as iniciativas que estão sendo realizadas, implantadas e desenvolvidas pelos setores público e privado”, enfatiza José Vicente, reitor da Unipalmares. O II Seminário Diversidade Racial Corporativa e Ações Afirmativas trará especialistas e profissionais renomados em suas áreas, com suas respectivas experiências, com o objetivo de debater e expor suas idéias. “Serão apresentados os projetos já em desenvolvimento em algumas empresas para a inclusão de afrodescendentes no mercado de trabalho em parceria com a Unipalmares, além de se debater as necessidades e metas a serem alcançadas na educação básica e fundamental”, informa José Vicente.


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troféu

Fotos: Marcio Roberto

Troféu Raça Negra

2006 começou a festa! A temperatura estava amena na capital do Rio de Janeiro, mesmo durante a segunda-feira chuvosa de 25 de setembro, dia escolhido para lançamento do Oscar da comunidade negra – o Troféu Raça Negra 2006. Um dia atípico para muitos dos presentes à cerimônia que tiveram a oportunidade de assistir ao show do compositor e cantor Altay Veloso, acompanhado de Jorge Aragão, com Netinho e Simoninha, encerrando o evento. A sede da Coca-Cola Brasil (RJ) foi o palco para a apresentação institucional do prêmio, suas categorias (ator/atriz, cantor/cantora, sambista, grupo musical, esportista, humor,

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homenagens póstumas e destaque especial), e divulgação oficial do site www.trofeuracanegra.com.br, através do qual a população poderá votar. A Coca-Cola Brasil é uma das empresas que confere apoio ao

Altay Veloso

Troféu Raça Negra que ocorrerá em 19 de novembro, na Sala São Paulo (SP), com a participação de quase 100 artistas e demais personalidades, empresários e autoridades que trabalham pela visibilidade e inclu-

Da Gama e Sérgio Loroza


troféu

são do negro na sociedade. Outras empresas, órgãos e instituições conferem apoio à iniciativa, como: Ministério da Cultura, Fundação Roberto Marinho, Governo do Estado de São Paulo, Sesc/Senac, Canal Futura, Consulado dos Estados Unidos, Fundação Cultural Palmares, programa Negros em Foco e revista Afirmativa Plural, entre outros. A Petrobras é a patrocinadora master do evento, que conta também com o patrocínio, até o momento, do Banco Itaú, Coca-Cola Brasil, Bradesco, Safra, Unibanco, ABN Amro Bank e da Camisaria Colombo. “Mais que parceiros, o sentimento é de amizade”, fez questão de enfatizar Ruth Lopes, vice-presidente executiva da Afrobras, durante sua explanação, referindo-se aos patrocínios e apoios que a entidade tem recebido. “O único caminho para o desenvolvimento do afrodescendente é a educação e cada um de vocês tem contribuído para isso”. Nesse sentido, exemplificou a participação dos presentes reunidos à mesa principal dos trabalhos naquela tarde. Além de Ruth Lopes, compôs a mesa principal Marco Simões, diretor de Comunicação da Coca-Cola Brasil; José Vicente, presidente do Conselho de Fundadores da Afrobras; Luis Carlos do Nascimento, diretor de Patrocínio da Petrobrás; Zulu Araújo, Fundação Palmares – MIC; Wilson Simoninha, cantor e diretor musical do Troféu; e Vera de Sá, representando Alcione e Emílio Santiago, cantores e produtores do show que irão abrilhantar o Troféu Raça Negra 2006. “A convivência de um ano e meio com a Afrobras tem sido uma fon-

Antônio Pompeu

Valquíria Ribeiro

Neuza Maria, Toni Garrido e Francisca Rodrigues

Adriana Bombom e Jorge Aragão

Isabel Fillardis, Wilson Simoninha, Sandra de Sá e Janaína Lince

Da Gama e Dudu Nobre

Adriana Bombom e Sheron Menezes

José Vicente com Bira Presidente e Ubirany

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troféu

Netinho e Janaína Lince Maria Ceiça e Daúde

Neguinho da Beija-Flor

José vicente e Chica Xavier

Neilda

Wison Simoninha e Zulmira Felício

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Marco Simões, Coca-Cola Brasil

te de aprendizado para ajudarmos as pessoas que fazem esse País. Temos necessidades específicas e precisamos criar soluções para elas. Admiro a Afrobras pela capacidade de trazer soluções para as nossas necessidades”, disse Marco Simões. Em meio a um universo de quase duas mil instituições de ensino superior, a Unipalmares é a única da história brasileira que pertence à comunidade negra. “Com 1000 alunos – a primeira universidade idealizada por negros – tem como foco a cultura, a produção e a difusão dos valores da cidadania e, em especial, o respeito à diversidade e à equalização de oportunidades sociais (83,7% dos alunos e 40% dos professores são afrodescendentes)”, lembrou José Vicente, destacando, também, os cerca de 300 alunos que estão como trainees em instituições financeiras, “e parte deste sucesso resultado do apoio de todos vocês, artístas.” “Damos valor às diversidades raciais brasileiras. A participação da Petrobras é importante para todos os segmentos da nossa sociedade, não só para os negros. Na parte cultural, a dimensão da empresa está em todas as partes do País, não somente no trecho Rio-São Paulo. O projeto do livro de fotografias Quilombolas serve de referência”, exemplificou Luís Carlos do Nascimento. “Nesse aspecto, a Petrobras é uma companhia totalmente aberta, fato com o qual me identifico”, reforçou. “Conheço a Afrobras há anos e estou junto para trabalhar em prol do Troféu. Eu, no meu escritório, juntamente com a Afrobras, estamos produzindo o evento. Este ano, Alcione e Emílio Santiago vão realizar


troféu

o show, mais uma vez, acreditando no sucesso. Eles abraçaram o prêmio logo no primeiro contato”, lembrou Vera de Sá, representando a cantora Alcione, no evento de lançamento. A Coca-Cola Brasil ofereceu um almoço, motivo a mais de confraternização entre parceiros e amigos. Na ocasião, a atriz Chica Xavier, ao lado do marido Clementino Kelé, foi homenageada com uma placa alusiva aos 50 anos de carreira.

Elisa Lucinda

Zulú Araújo

Show na tarde de segunda-feira O compositor e cantor Altay Veloso, assim como muitos dos presentes, não escondia a emoção naquela tarde, principalmente por ser indicado ao prêmio em homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra, na categoria Homenagem Especial. “Sinto-me feliz, honrado e emocionado por ser homenageado, inclusive, pela minha própria raça. E isso me leva a ter maior responsabilidade. A primeira vez que entrei na Unipalmares, chorei ao ver nossos meninos com acesso à escola. Nada é mais importante do que a educação.”

Luis Nascimento, Petrobras

Luiz Carlos Da Vila

Célia Domingues Romeu Evaristo

Nilcemar Cartola

Neuza Borges

Vera de Sá

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troféu

Alcione &

Emílio: anfitriões do espetáculo musical do Troféu Raça negra 2006.

Com a produção musical do cantor e compositor Simoninha e Solange Nazaré, a atração contará também com Gilberto Gil, Alexandre Pires, Paula Lima e Margareth Menezes, entre outros.

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nião, U troféu

o grande lance

Sandra de Sá vive um momento feliz em sua vida, tanto pelo novo CD Africanatividade – que será lançado no final deste ano ou início de 2007 – como também pela situação atual que vive o afrodescendente brasileiro. ”Uma maior conscientização da vida, de quem realmente somos, das nossas necessidades. E, até mesmo, dos nossos complexos muito pior do que o racismo do branco.” Reivindicar, fazer o que precisa ser feito, exigir, reconhecer os direitos e deveres, respeitar o semelhante. Estes são parâmetros da cantora para uma vida melhor. “Quando unidos, temos grande força, tanto para a auto-estima como para o bem, a paz, as afirmações. Os que lutam por si só, escondem-se atrás da submissão, precisam deixar de serem vítimas... Vamos pra vida”, alerta.

“Estou junto com qualquer movimento em prol da raça”

“A partir da nossa tomada de consciência, o grande lance será a união. Haverá escola, universidade, uma vida normal sem essas preocupações“. A tomada de consciência é a mudança principal, a transformação das coisas e das ações com maior intensidade e melhor qualidade. É através da conscientização que hoje se discutem as cotas, o mercado de trabalho... Estou junto com qualquer movimento em prol da raça. No ano passado, participei da direção do show [do Troféu Raça Negra]”, diz a cantora Sandra de Sá. “Naquela festa foi lindo ver os crioulos bem vestidos, cheirosos, talentosos por dentro e por fora. Pena ocorrer uma única vez por ano. É pouco, precisamos nos encontrar mais, agir mais.”

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troféu

O negro

pela poesia do compositor

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O sambista e compositor Luíz Carlos Da Vila é um dos

Kizomba levou às lágrimas uma Marquês de Sapucaí

homens que, através de seu talento, melhor se comunica

lotada e se transformou em mito. Beth Carvalho, Simone,

com a sua raça. São dele algumas das canções eleitas pelos

Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, entre outros, também

grandes nomes do samba e da música afro-brasileira em

eternizaram os versos do compositor em seus discos.

geral, os maiores hinos do povo negro.

Entretanto Da Vila lamenta que sua música não tenha

“Nas Veias do Brasil” e “Kizomba: A Festa da Raça”, esta

o poder de eliminar as dores sofridas diariamente pela

última, composta em parceria com Martinho da Vila e que

desigualdade em relação aos afrodescedentes, sofrimento

rendeu à escola de samba Vila Isabel o primeiro lugar no

que ele classifica como “dor do navio negreiro e do

carnaval de 1988 — são exemplos das obras de arte negra

pelourinho”. Para ele, a repressão à discriminação racial é

brasileira produzidas pelo artista. “As comunidades negras

um incêndio que precisa ser ateado no Brasil: “O povo não

locais citam esses sambas como se fossem a história deles,

se deu conta que o preconceito é uma das grandes causas

e isso me faz muito feliz, pois sei que contribuo de alguma

de atraso no progresso no País. Mas vamos continuar

forma para a afirmação e valorização da minha gente.”

lutando para transformar a ignorância em cinzas”.


troféu

Os papéis dos personagens negros na TV Nas telas da novela e do cinema, a atriz Maria Ceiça interpretou diversos personagens, inclusive aqueles que retratavam a questão racial. Segundo a atriz, a televisão pode contribuir para a auto-estima ao contratar atores negros para atuarem fora do estereótipo de empregadas domésticas e bandidos. “Uma das minhas personagens, a Márcia, da novela Por Amor, que enfrentou preconceitos raciais que foram exibidos na mesma, virou pauta nacional.Tive a oportunidade de ouvir depoimentos de mulheres que passaram pelo mesmo problema da personagem. Outra personagem que interpretei foi a Marília, na novela Prova de Amor, que era membro de uma família miscigenada, uma família brasileira, pois a vida dessa personagem não guiava na questão racial, mas como uma pessoa comum”, diz Maria Ceiça.

“No filme As Filhas do Vento, os personagens negros são colocados como brasileiros comuns, pois os dramas mostram o negro na situação de brasileiro que chora e ri. Mas também discutem a questão racial”, analisa a atriz.

“Busco falar através da música” O artista Léo Maia seguiu a mesma carreira de seu pai, o cantor e compositor Tim Maia, que gravou mais de 16 álbuns. Para o cantor e compositor é muito importante homenagear Zumbi dos Palmares. “A raça negra foi maltratada como a história mostra. Zumbi, o líder negro, lutou pela libertação de todos os escravos e representa todos os negros que lutaram por este ideal”, diz ele. Segundo Léo, através da música é expresso seu pensamento sem falar mal de alguém. Por exemplo, a música Tenha Fé, de sua autoria: “Eu tinha tantos planos... E lutar contra pequenos ou grandes tiranos... Tenha fé....”. Segundo ele, seu pai foi um grande exemplo para a sua vida. “Ele lutou por muitas coisas e principalmente para que os negros fossem respeitados, pois não admitia que o negro fosse maltratado devido à cor da pele. Ele foi o primeiro negro a construir sua gravadora e editora”, lembra.

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troféu

Levantando a bandeira da

cor “Há dois anos eu falo em cotas nos meus shows”

Quando compôs “Zé do Caroço”, Leci Brandão pode até não ter notado, mas escrevia sobre ela mesma, com mudança de gênero. A cantora, assim como o seu personagem, “bota a boca no mundo e faz um discurso profundo”, pelo bem de sua “favela”, de seu povo, sua cultura, sua identidade. Militante ativista da causa negra, Leci faz do palco também palanque para convocar o seu público, negro ou não, a aderir à luta por igualdade de condições entre as raças. “Há dois anos eu falo em cotas nos meus shows. Se não existem políticas públicas que permitam aos negros ocupar os espaços que lhes são devidos, que seja então por meio das cotas.

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Sabemos que a educação e a informação são os únicos caminhos para a conquista definitiva da nossa independência e liberdade”. Ela é favorável ainda que as cotas sejam aplicadas também no mercado de trabalho e setores públicos. Para a sambista, outro ponto bastante importante é colocar a questão do negro em pauta e não permitir que ela seja esquecida. “A sociedade elitista já sabe que não pode fazer nada sem ouvir e tratar as questões raciais... Aos poucos estamos nos inserindo nos diversos espaços; ainda temos uma presença tímida, mas a comunidade começa a exigir ser atendida por um gerente de banco negro, ter a sua cor na publicidade do produto que consome”, completa.


troféu

É

preciso

haver igualdade Há mais de 18 anos, o ator Aloísio Ferreira Gomes é mais conhecido pelo seu personagem Canarinho no programa A Praça É Nossa, do SBT. Em 1956, trabalhou na Praça da Alegria O humorista Canarinho atuou com o personagem escravo Janico, na novela Paixão Proibida, de Janet Clair. Essa novela resgatou a memória do período da escravidão no Brasil. “É muito importante adquirir conhecimento da nossa história que é muito curta e cheia de desenhos. Bonitas são as vitórias a duras penas do negro; é bom que todos saibam”, diz Canarinho. Segundo o humorista, todas as pessoas têm que estudar, ler, aprender e se educar. Isto é um movimento cultural e não tem fim.

“Sempre ouço eu adoro você e seu trabalho, de brancos, negros, velhos e crianças. É importante o artista ouvir isto, pois está polarizando o respeito, a amizade e o amor. Independente de ser como cantor, compositor, produtor, em qualquer situação cultural de princípios, felicidades e bem-estar.” Para o humorista, Zumbi dos Palmares foi um marco na história Universal, pois lutou em prol da igualdade. “Um dia as pessoas olharão negro doutor, sem que seja algo estranho, mas como natural”, observa ele.

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“I

troféu

sto aqui, ô, ô... é um pouquinho de

Brasil, iá, iá...”

Foto: Ito Cornelsen

A história da ginástica olímpica mundial divide-se em duas partes: antes e depois de Daiane dos Santos. A pequena gaúcha, de apenas 23 anos, conquistou o Brasil e todo o mundo com o seu talento, equilíbrio e brasilidade. Na última olimpíada de Atenas, em 2004, o ginásio onde foram disputadas as provas da final de ginástica olímpica, se rendeu aos encantos da atleta que foi ovacionada pelo público presente. Na final da olimpíada, Daiane levou o quinto lugar, mas, aos olhos de seu país, a campeã mun-

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dial no solo, em Anaheim/2003, ouro no solo nas etapas da Copa do Mundo de Stuttgart (Alemanha/2003), Lyon (França/2003), Cottbus (Alemanha/2004) e Rio de Janeiro (Brasil/2004), medalha de prata no salto sobre o cavalo e de bronze por equipes nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg/1999 e bronze por equipes nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo/2003, se tornou mais um motivo de orgulho para a sua nação, e um exemplo, principalmente para todos os seus irmãos de cor. Única negra em um esporte considerado “para brancos”, Daiane fez história quando ocupou o lugar mais alto do pódio pela primeira vez: “Levei a bandeira do meu país e de minha raça ao topo, quando ganhei o mundial. Mostrei, como representante do meu povo brasileiro e negro, que se eu pude chegar lá, qualquer um pode, porque capacidade nós temos de sobra. Foi a maior emoção da minha vida e um momento onde melhor pude representar tudo o que eu sinto em relação à consciência de ser negra, com toda a garra, a força de vontade e a beleza que nós, negros, possuímos, porque ser negro é lindo!” O samba, uma das maiores manifestações da cultura negra brasileira, também tem lugar garantido na trajetória de sucesso que a atleta vem traçando no esporte. “O samba é a nossa cara porque é alegria e, apesar das dificuldades, continuamos um povo sempre alegre, batalhador e feliz”, diz a ginasta. E foi ao som de “Brasileirinho” que Daiane realizou o “duplo twist carpado”, acrobacia nunca antes executada por um ginasta e que ganhou, em homenagem a ela, o nome de “Dos Santos” pela Federação Internacional de Ginástica. Atualmente é na melodia de “Sandálias de Prata”, de Ary Barroso, que Daiane dos Santos exterioriza toda a delicadeza, perfeição e magnitude da “pequenagrande-negra-brasileira” notável.


troféu

Samba: Negritude, talento e espiritualidade

“A energia e a sensibilidade do negro foram unidas e nós, abençoados pelos Orixás.” Com batucada própria, o grupo exalta a negritude do Rio de Janeiro e de todo o Brasil, seja no preto velho ou no bom malandro, naquele que vive uma luta diária, ou no que fala de amor. A força da raça negra representada através do partido alto ou do samba dolente, faz do Fundo de Quintal o maior grupo de samba de todos os tempos, além de, ao longo de 27 anos de absoluto respeito e sucesso, ter sido berço de talentos como Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, entre outros. Não se tem notícia de qualquer outro grupo na história da música afro-brasileira que tenha rendido tantos frutos e conquistado tamanho reconhecimento quanto o FDQ. Na atual formação, além de Bira Presidente, estão

A história do Fundo de Quintal (FDQ), bem como a do

também o irmão Ubirany, Sereno, Ademir, Mário Sérgio

Cacique de Ramos, além da magnitude do samba, traz

e Ronaldinho. Todos cientes da contribuição que o

em sua essência a religiosidade trazida pelos ancestrais

grupo vem dando à cultura negra brasileira, mas certos

africanos através da umbanda. Bira, um dos fundadores

de que ainda há muito a ser feito para que o negro,

do FDQ e do Cacique de Ramos, acredita que o sucesso de

através da sua força, da sua cultura, seja reconhecido

tantos nomes da antiga e nova geração do samba deve-se à

como merece ser. Ubirany afirma: “Temos sempre

espiritualidade resultante de pai sambista do Estácio e das

um objetivo a alcançar e à medida que conseguimos, a

rodas de samba de João da Baiana, Donga e Candeia — e

vitória nos serve como apoio para ultrapassarmos cada

de mãe, filha de Mãe Menininha do Gantuá.

vez mais as barreiras que nos são impostas.”

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troféu

“Engatinhamos na inclusão”

“Engatinhamos quando o assunto é inclusão. Embora, tenhamos conquistado algumas vitórias, o negro, ainda, não é considerado um cidadão de primeira classe. Por outro lado, acho que o Brasil ainda alisa muito o cabelo até porque a maioria das pessoas quer ser aceita. No meu trabalho, os meus personagens nunca alisam os cabelos. Por que não podemos ser uma estrela de cabelos crespos?”, questiona Elisa Lucinda, jornalista, poetisa, atriz e cantora. Em cartaz com a peça “Parem de falar mal da rotina”, com a qual pretende viajar pelo Brasil e Portugal, Elisa Lucinda também está trabalhando em um filme para o próximo ano, e na novela da TV Globo, Páginas da Vida. Não participa de nenhum movimento negro até porque crê que tal iniciativa faz parte do seu trabalho, da sua escola de poesias, da literatura e do seu teatro. A escritora há muito conquistou um espaço de respeito. “É bacana essa movimentação de base (referindo-se ao evento da Afrobras), onde as pessoas se encontram e organizam a nossa luta. Isso para mim já é uma militância.”

Uma nova batalha para uma nova vitória

Para Redelen Melo dos Santos, se Martin Luther King fosse vivo, a questão da discriminação talvez não estivesse tão longe de ser superada. Aos 30 anos, considerado um dos maiores nomes do atletismo atual na modalidade de 110m com barreiras, ele sabe que, por sua raça, teve de pular muitos outros obstáculos além daqueles que exigem sua profissão para, com o seu trabalho, conseguir ser respeitado e reconhecido.

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O corredor, que foi promessa de medalha na última olimpíada de Atenas, em 2004, foi tirado da disputa às vésperas da competição por causa de uma contusão, afirma possuir em suas veias a força e batalha de seus antepassados, acredita que essa coragem é também responsável pelo seu sucesso e que a garra do negro merece ser celebrada a cada dia. “Tentamos passar por cima e mostramos a cada dia que possuímos a mesma capacidade que os demais”. Mesmo tendo conhecido países do mundo todo onde ele competiu, Redelen afirma não há emoção maior do que estar em uma competição, representando o Brasil, país que ele considera o mais belo, principalmente pela força do seu povo, da sua cor. E os resultados indicam que o atleta leva em sua bagagem a garra característica do negro brasileiro, pois é grandioso o número de títulos e medalhas que vem conquistando, prova de que a raça negra é vencedora e plenamente capaz de trazer conquistas e promover a alegria à gente sofrida. Por razões como essa é que o talentoso atleta não tolera o preconceito: “A diminuição do negro é uma falta total de respeito não só para com o negro, mas com o ser humano, pois estamos falando de pessoas que merecem e vão exigir que lhes sejam dados os mesmos direitos, a mesma atenção. O povo negro, através do esporte, da música, ou de qualquer outra profissão, mostra que a igualdade só não existe para aqueles que insistem em não enxergá-la.”


troféu

“Me apoiei

na desigualdade,

para me fazer igual”

Quando aos 11 anos, decidiu ser ator, Déo Garcez tinha absoluta certeza de que as dificuldades existiriam e foi exatamente nelas em que se agarrou, para alcançar seu objetivo. “Me apoiei na desigualdade, para me fazer igual.” Hoje, com 25 anos de carreira, o ator comemora seu último papel em novela na TV Record, onde interpretou um juiz de direito, como mais um degrau alcançado, já que dificilmente negros atuam em papéis de maior representatividade social. “Ainda que sejamos um país mestiço, estamos longe de conseguir um percentual justo. A mídia não retrata, em termo de quantidade, a verdadeira face do Brasil.” Apaixonado pelo que faz, Déo pretende seguir o exemplo de grandes nomes como Mílton Gonçalves, Neuza Borges e Ruth de Souza, que com garra e muito talento se consagraram, conquistando o respeito e credibilidade que permitiram oportunidades para a nova geração de atores negros, da qual ele faz parte. Inclusive, é em Ruth de Souza que o ator possui o seu ícone de consciência negra. “Ela mostrou que é capaz e lutou bravamente contra o preconceito, deixou a sua força e o seu testemunho.” Para o ator, a realidade da discriminação racial se explica de duas formas: desumanidade ou desconhecimento — mas crê que através do seu trabalho pode contribuir para a conscientização das raças e reversão desse quadro.

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troféu

É importante ter referência para alcançar

seus

objetivos A atriz Valquíria Ribeiro interpretou a mãe da escrava Isaura, na rede Record de TV, cujo período relembra a escravidão no Brasil. “Fiz papéis marcantes como a mãe da escrava Isaura, e as pessoas lembram muito dela. Essa personagem morreu no tronco e muitos se chocaram com isto”, observa a atriz, e destaca: “Se continuar de braços cruzados, morreremos no tronco. E esta morte é deixar de fazer por onde, pelo próximo, mas é importante manter a luz acesa 24 horas”. Outro aspecto que a atriz considera essencial para o desenvolvimento do ser humano é ter referências. “E para tudo na vida temos que ter referência. É triste que as pessoas lembrem apenas de Zumbi dos Palmares no dia 20 de Novembro. Ele trabalhou todos os dias de sua vida em prol do seu ideal, assim como Martin Luther King.”

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Para Jéssica Sodré, o estímulo para o início de sua carreira foi a atriz Ruth de Souza. “Ela foi uma das pioneiras na TV. Não fosse por ela, talvez eu não teria estímulo para ser o que sou.” Para a atriz, o Troféu Raça Negra é um dos melhores prêmios na classe artística e permite refletir com relação a todas as idéias preestabelecidas que o negro não vende, não estimula o consumo.


“A

troféu

exceção

há de ser regra”

Netinho de Paula sabe que em um país onde a desigualdade e discriminação racial são parte do cotidiano da grande maioria dos afro-brasileiros, ele é considerado um vencedor. Entretanto, afirma que não lhe agrada ser visto como “a exceção das exceções: Não quero servir de exemplo, mas sim ver a minha história transformada em via de regra da minha gente.” O menino negro criado na periferia de Carapicuíba (Grande SP) que se tornou idealizador e presidente da TV da Gente, primeira emissora de televisão do Brasil concebida, direcionada e dirigida por negros, afirma que apesar do déficit, a mídia, principalmente no mercado publicitário, começa a entender a importância em se comunicar com o público negro, mas que ainda é pouco quando se trata da maioria da população brasileira. Ele considera qualquer iniciativa que vise a inclusão do

Quando o assunto é preconceito, Netinho é categórico:

negro válida, mas lamenta que seja preciso criar leis para

“Qualquer forma de diminuição do outro representa o

garantir a igualdade de direitos entre as pessoas. “Seria ma-

mais alto grau da ignorância daquele que diminui”. Como

ravilhoso se conseguíssemos resolver essas questões sem

resposta, ele utiliza os versos de Wilson Simonal, em Tri-

obrigatoriedade ou cotas, mas, como não é possível, temos

buto a Martin Luther King: “Cada negro que for, mais um

que nos unir a favor, para que finalmente consigamos co-

negro virá... luta negra de mais é lutar pela paz, luta negra

lher algum fruto”, afirma.

demais para sermos iguais.”

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D

troféu

iscriminação:

“cartas na mesa, sem hipocrisia”

Sua primeira interpretação no cinema foi a de um jovem negro que sofria o preconceito racial, em “Seja o que Deus Quiser”. Apesar da triste realidade do personagem, que reproduziu as angústias da discriminação já vividas por muitos afrodescendentes brasileiros, Rocco Pitanga considera a importância do papel, por ter sido uma oportunidade, dentre as poucas que se têm, de promover a discussão em torno do tema. “Vivemos um preconceito velado e somente pelo diálogo é possível sairmos da mesmice e estabelecermos novos caminhos na luta pela igualdade de direitos”. O ator, que se posiciona a favor de ações afirmativas, questões que nos últimos tempos têm ocupado considerável espaço nos grandes centros de discussões do país, acredita que o radicalismo é importante para que se consiga uma mudança efetiva na atual situação de desigualdade entre as raças: “Essa discussão tinha que acontecer e que essa seja uma oportunidade para que as cartas sejam colocadas na mesa sem hipocrisia, porque discriminação é um tipo de coisa que uma sociedade evoluída, como se diz a nossa, não pode mais tolerar”. Para Rocco, a história de determinação, luta dos seus pais, avós, e todos aqueles que o antecederam, serve de combustível para que ele, como fruto da raça, dê continuidade. “A vida é uma soma e a agregação das raças alimenta cada vez o ser humano, tornando-o intelectualmente e culturalmente preparado para construir uma sociedade que caminhe de mãos dadas, sem diferenças, com igualdade.”

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Vivemos um preconceito velado e somente pelo diálogo é possível sairmos da mesmice e estabelecermos novos caminhos na luta pela igualdade de direitos


troféu

Tomando vulto

Há três anos, a atriz Isabel Fillardis fundou a ONG “Doe seu Lixo” que, através de reciclagem, gera emprego e renda para população menos favorecida. Conta com 500 cooperados e recebeu, recentemente, o certificado de Tecnologia Social, outorgado pela Fundação Banco do Brasil e Unesco. “Por conta da história do meu filho (que nasceu com uma deficiência), há quatro meses, fundamos a ONG “Força do Bem”, visando criar o primeiro cadastro nacional das pessoas com deficiência. Já temos mais de 20 mil cadastrados. Esse cadastro vai detectar o real número de deficientes e a prática de políticas de Estado. Por ser específico, o nosso banco de dados irá conferir o nível socioeconômico e escolaridade das pessoas. A partir daí, as empresas e os órgãos públicos vão poder encontrar e ajudar essas pessoas: mães que não conseguem dar o medicamento para seus filhos e até mesmo que desconhecem a doença,” exemplificou. Mesmo sendo um trabalho amplo e complexo, a ONG Força do Bem está tomando vulto. Foram convidados

pelo governo federal para representar a Semana de Valorização do Deficiente no Senado, em novembro. “Estaremos onde as leis são discutidas, vamos lutar por elas e fazer muito barulho”, disse

Isabel Fillardis comentando que irá levar consigo a bateria da escola de samba Império Serrano, cujo tema do carnaval 2007 será trabalhar pelas diferenças.

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troféu

O Angolano

representa uma etnia, um continente e uma classe O humorista Romeu Evaristo é mais conhecido pelo personagem “Angolano”, do programa Zorra Total, da Rede Globo. Eu criei o personagem Angolano no aeroporto de Luanda (Angola) e fui para lá fazer um show, em 1985. O Angolano fala a língua portuguesa, também falada no Timor Leste e na ilha de Cabo Verde. Ele é o primeiro personagem do continente africano”, diz Evaristo. Segundo o humorista, seu personagem nunca foi matéria de capa das revistas e jornais, embora “ele represente uma etnia, um continente e uma classe”.

Para ele, a auto-estima da raça negra é exercitada através da homenagem a um dos grandes nomes da Raça Negra, que é Zumbi dos Palmares. Romeu afirma ser favorável ao sistema de cotas. “Os pais formados saberão educar os seus filhos melhor, pois isto é uma reparação em relação à inclusão dos afrodescendentes”.

Para o cantor e compositor Jair Oliveira, o 20 de Novembro deveria ser lembrado todos os dias. “Esse dia é importante para comemorar as conquistas que já obtivemos nos últimos tempos, como a quebra de preconceitos. Esta batalha não está vencida e temos visto ações importantes contra o racismo e a discriminação.” Segundo Jair, a música tem um papel importante. “Dentro da música, luto para que desapareça qualquer tipo de pensamento e atitude preconceituosa, como na letra de Simples Desejo: Eu só quero que um dia termine bem.... Esta música transmite paz e alegria”, diz ele, e resgata outra música com o nome Eu também tive um sonho, cuja letra é: Eu também tive um sonho...... Numa roda de samba/Martin Luther King tocava pandeiro...

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Ike Levy/Divulgação

“Eu só quero que um dia termine bem”

Sobre o Troféu Raça Negra, o cantor diz que ele “premia pessoas que são ativas nesta batalha contra o preconceito e dentro da comunidade negra, além de reconhecer o trabalho das pessoas e batalhar contra as diferenças sociais. O respeito é o maior troféu e a raça negra tem um papel grande de reconhecer o trabalho dessas pessoas que lutam por isso”, finaliza.


troféu

Da Vila, do Brasil, do negro!

Martinho da Vila é também Martinho das Kizombas, dos Quilombos, e de qualquer negro que, como ele, carregue na alma o valor de seu povo. Cria de Vila Isabel e ícone da MPB, o cantor leva o Brasil mundo afora, toda a força e sensibilidade das matrizes africanas através de sua música. Para ele, arte é o mais precioso dos bens que a raça negra possui. “Toda e qualquer manifestação cultural da nossa raça é importante e merece ser exaltada”. E o cantor cumpre com excelência sua missão: é dele a obra de criação do Grupo Kizomba, formado com o objetivo de promover a integração da população negra com a Mãe-África, através das culturas de seus filhos, espalhados por todas as partes do mundo. Além de Martinho, Mílton Gonçalves e Benedita da Silva, dentre outros grandes representantes da consciência negra brasileira, integraram o grupo, que teve sua origem a partir do evento “Canto Livre de Angola”, realizado pelo próprio sambista em 1983 e que, pela primeira vez na história, trouxe Angola ao Brasil. Kizomba, que durante 14 anos foi responsável pelos diversos Encontros Internacionais de Arte Negra – promovendo a participação, além do Brasil e Angola, de mais 30 países, como África do Sul, Nigéria, Estados

Unidos e Moçambique – consagrou o manemolente sambista da Vila Isabel, o maior embaixador da raça negra brasileira no continente africano. E por aqui não é diferente: ao longo de seus 68 anos, Martinho coleciona momentos pessoais que, para ele, seja na condição de ícone da música popular brasileira ou como cidadão Martinho José Ferreira, trazem na essência o verdadeiro valor de se pertencer à raça negra. Ele enumera o ato de concepção, junto com o maestro Leonardo Bruno, do Concerto Negro — apresentado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro; o evento antiaparthaid que coordenou na Praça da Sé; o videoclipe Axé, uma saudação de final de ano para TV em 1988; a realização do Canto Livre de Angola e “Kizomba – A festa da Raça” carnaval da Vila Isabel em 1988, como alguns dos grandes marcos da consciência negra nacional. Além disso, o cantor mantém na cidade fluminense de Duas Barras, onde nasceu, o Instituto Cultural Martinho da Vila, instituição que promove a 150 jovens a inclusão social e resgate de cidadania, através de oficinas música, artesanato e alfabetização. Sobre a discriminação enfrentada pelo povo negro, opta por não falar: “Prefiro agir”. Ele é a favor das

cotas em todos os segmentos da sociedade, mas considera um erro ter começado pelas universidades. Diz também que apesar de ser clara a discriminação do negro na mídia, felizmente, novos espaços vêm sendo conquistados. Aos olhos do compositor e parceiro em “Kizomba”, Luiz Carlos, “também da Vila”, Martinho é considerado Zumbi dos Palmares do nosso tempo. Coincidentemente, é em Zumbi que um dos nossos maiores exemplos de alegria e militância negra, possui sua grande referência: “Zumbi dos Palmares é, sem dúvida, o maior exemplo.Todos os ícones dos vários segmentos do Movimento Negro se inspiraram nele”, declara. “Tem a força da Cultura, Tem a arte e a bravura, e um bom jogo de cintura, faz valer seus ideais... Nossa sede é nossa sede, de que o Aparthaid se destrua, vem a Lua de Luanda, para iluminar a rua.” Kizomba

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troféu

“A minha bandeira é universal” Rosa Marya Collin, cantora e atriz, a personagem Balbina, da Novela Sinhá Moça, da Rede Globo, considera a atual condição do negro muito ruim, assim como a do ser humano de um modo geral. Acrescenta-se para o negro, mais um agravante: a diferença da pele. “Será preciso muito tempo para mudar essa situação; nem os nossos netos vão viver nessa época. Uma mudança comportamental leva anos. Mudar depende de cada um de nós, devemos partir para a autovalorização, inclusive, do semelhante. Nesse aspecto, ainda somos muito infantis, temos que crescer. Tudo isso é reflexo do passado, até porque sempre existiram brigas de raças: se os negros africanos não tivessem orientado os brancos para entrar nas matas, os

próprios negros não seriam escravizados. Nós falamos mal do negro bem-sucedido, não nos damos força, tentamos nos diminuir, derrotar e tentar derrotar o outro. Também somos culpados pelos políticos corruptos, pois de uma maneira ou de outra também agimos mal. O ser humano quando chega ao poder é só um grão no meio de tanta coisa ruim. Precisamos nos tornar íntegros em palavras e atos”, sentenciou. Segundo a artista, o negro tem que ser forte, não permitir que o problema social seja visto de modo individualista, mas dentro de um contexto planetário. ”A raça não é unida. A família do negro é o mundo. Quem tem a responsabilidade de educar, precisa dar uma direção certa às crianças, independentemente da educação oferecida pelo professor, pelo governo....” Rosa Marya Collin faz questão de tomar parte de instituições voltadas ao programas humanitários. “Sempre atuo com alegria e amor. A minha bandeira não é política, nem de raça, é universal.”

Afro Reggae

Pelo fim da escravatura José Junior é um negro que não permitiu que sua vida fosse engolida pela exclusão e preconceito. Idealizador, coordenador e produtor musical da banda Afro Reggae, uma das ramificações da ONG de mesmo nome e da qual é também fundador, Junior fez da cultura negra, principalmente através da música, um instrumento para minimizar a discriminação e dar voz ao negro, que também é maioria no elenco da população pobre do país. Para ele, tudo o que o Brasil tem de mais valioso é conceito, referência e fruto da comunidade negra, mas lamenta que todos desfrutem e lucrem com a riqueza do negro, menos o próprio: “À exceção do HipHop, que ainda consegue se manter imune, tudo mais ‘eles’ sugam da tecnologia e conhecimento do negro. A escravidão é velada, mas está aí, a abolição foi decretada há quase 120 anos, mas a exploração não acabou.” A receita do Afro Reggae, no entanto, vem dando certo e cada vez é maior o sucesso da banda que procura, através

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de suas músicas, fazer-se ouvir a voz e anseios de seu povo, sua cor, pregando principalmente a paz e a igualdade entre os seres. Junior acredita que só a garra do negro é capaz de promover a união que conseguirá derrubar as barreiras da exclusão social e do racismo. “Consciência negra é enxergar o outro como irmão e unir-se a ele. Não dá mais para tolerar ver hutus matando tutsis.”


2006

TROFÉU RAÇA NEGRA

A Afrobras - Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sócio-Cultural, realiza no dia 19 de novembro de 2006, durante a Semana da Consciência Negra, a entrega do Troféu Raça Negra 2006, na Sala São Paulo. A Comissão Organizadora do Evento escolheu várias personalidades e dividiu em oito categorias que concorrem ao voto popular. Participe.

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ATRIZ Elisa Lucinda Thalma de Freitas Camila Pitanga Isabel Fillardis Sheron Menezes Maria Ceiça Walquiria Ribeiro Solange Couto Adriana Lessa Jéssica Sodré Janaina Lince Edyr Duque

ATOR Sérgio Menezes Maurício Gonçalves Rocco Pitanga Jonathan Haagensen Flávio Bauraqui Ronnie Marruda Nil Marcondes Creo Kellab Deo Garcês Luciano Quirino Aílton Graça Nelson Xavier

SAMBISTA Leci Brandão Dudu Nobre Jorge Aragão Ivone Lara Luiz Carlos da Vila Arlindo Cruz Zeca Pagodinho Beth Carvalho Leandro Sapucaí Martinho da Vila Mauro Diniz Nelson Sargento

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CANTOR Milton Nascimento Seu Jorge Jair Oliveira Jorge Vercilo Jorge Benjor Paulinho da Viola Alexandre Pires Léo Maia Luiz Melodia Carlinhos Brown Jair Rodrigues Gilberto Gil Max de Castro Toni Garrido

CANTORA Paula Lima Luciana Mello Sandra de Sá Juliana Diniz Vanessa da Mata Margareth Menezes Rosa Maria Virgínia Daúde Negra Li Martinália

AGRUPO MUSICAL 1Araketu Revelação Cidade Negra Quinteto em Branco e Preto O Rappa Fundo de Quintal Afro Regaee Batacotô Exaltasamba Negritude Jr.

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ESPORTISTAS Daiane dos Santos (Atletismo) Jadel Gregório (Atletismo) Redelen dos Santos (Atletismo) Leandrinho (Basquete - NBA) Mineiro (Futebol - São Paulo) Carlos Alberto (Futebol - Corinthians) Grafite (Futebol - Le Mans) Zé Roberto (Futebol - Santos)

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HUMOR Hélio de La Peña Romeu Evaristo Zezé Barbosa Luis Miranda Canarinho Jacaré Sergio Loroza

Para participar, envie esta ficha pelo correio, para o seguinte endereço: REVISTA AFIRMATIVA A/C. Troféu Raça Negra - Rua Washington Luís, 236 - Luz – São Paulo – SP - CEP. 01033-010 95


P

eleições

oucos

deputados

negros foram eleitos

Vicentinho (PT/SP)

96

Nas últimas eleições houve uma grande troca de representantes do povo, sobretudo no âmbito federal, no qual 48% dos deputados não foram reeleitos. Para a comunidade negra de São Paulo, os resultados foram decepcionantes, tanto para deputado federal, quanto para estadual. Poucos representantes afrodescendentes foram eleitos e praticamente nenhum foi reeleito, como no caso da Assembléia Legislativa com o deputado Tiãozinho (PT) e Nivaldo Santana (PC do B). Em São Paulo, mais de 3 milhões de pessoas são afrodescendentes e esta parcela da população, mais uma vez, não estará representada no local do poder, no local das decisões que dizem respeito a todos os cidadãos, incluindo os negros.


eleições

Mas por que a população negra não votou no negro? Para o deputado federal Vicente Paulo da Silva (PT), o Vicentinho, “ainda falta um pouco de consciência de raça do nosso povo. Evidentemente, nós não queremos criar nenhum partido do povo negro e nenhum candidato somente do povo negro. O que nós queremos é que os parlamentares da comunidade negra sejam eleitos para que a composição seja parecida com o Brasil, apenas isso”, analisa o candidato vencedor dessas eleições. Vicentinho lembra que até a gestão passada ele era o único deputado negro. Agora teremos dois, a deputada federal eleita Janete Pietá. “É preciso que tenhamos muito mais. Diante deste aspecto é que consideramos que falta esta consciência; nós temos que eleger os nossos semelhantes, mais próximos possíveis”, enfatiza Vicentinho. O deputado Nivaldo Santana, ao analisar a sua derrota, disse que cada candidatura tem uma explicação própria. “Acho relevante a votação do movimento negro organizado, porém está muito disperso. Agora, também é prematuro fazer uma análise sobre o movimento negro neste momento, mas acredito ser necessário que ele se fortaleça e estabeleça uma estratégia eleitoral mais eficiente.” Para o candidato a deputado estadual por São Paulo, Sirineu Barbosa (PSDB), um dos principais problemas de campanhas eleito-

Janete Pietá (PT/SP)

rais do negro é a pouca estrutura financeira. “O poder econômico imperou muito, os afrodescendentes não têm uma estrutura financeira para competir em condições de igualdade com os demais candidatos”, destaca. “Na minha campanha faltou mais estrutura na divulgação, além disto é preciso que a comunidade negra tenha mais conscientização política da importância da representação de afrodescendentes.” Para Vicentinho, o fator econômico é importante. “É claro que a questão do apoio financeiro e a falta de estrutura têm um peso decisivo. Para mim a estrutura é fundamental para um bom trabalho”, diz o deputado.

Primeira deputada federal negra por São Paulo São Paulo terá a sua primeira mulher negra representando o estado na Câmara Federal: Janete Pietá (PT), eleita pelo município de Guarulhos. “Esta é uma grande responsabilidade e compromisso que tenho de assumir com os meus irmãos. E o mais importante é que sempre tive a preocupação com os cidadãos mais excluídos”, diz Pietá, acrescentando que ainda não havia parado para pensar na questão da derrota dos candidatos afrodescendentes de São Paulo. Na Câmara já esteve a primeira deputada federal negra, Benedita da Silva (PT), pelo estado do Rio de Janeiro. 97


palavra do presidente

Todos pela

Educação Por: José Vicente, presidente da Afrobras e reitor da Unipalmares

“Não existe democracia sólida sem igualdade de oportunidades” Jorge Gerdau

A verificação lapidar cunhada pela lente de um extremado brasileiro, afeito ao manuseio das variáveis indispensáveis para o desenvolvimento e progresso do indivíduo, sociedade e nação, obrigatoriamente haverá de encontrar ressonância em todos os foros do país. Apresentada como um grito de guerra coletivo, está moldando o chamamento de todos os brasileiros por uma cruzada em prol da educação, ao mesmo tempo em que torna evidente no seu íntimo, o descaso e impropriedade do tratamento dispensado à educação brasileira em todos os tempos que, de tão eloqüente, dispensa gráficos e estatísticas para confirmar sua notoriedade. Não se pretende apontar culpa nem culpados, não se pretende condenar algozes nem vitimar inocentes. O que se pretende, isso sim, é formalizar em alto e bom som que, se quisermos futuro para o Brasil, se

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quisermos perspectivas para os brasileiros e se quisermos honrar os ideários dos que sonharam e traçaram e os marcos para a construção da grande nação, devemos todos arregaçar as mangas e trabalhar prioritária e decisivamente pela educação, de qualidade, inclusiva e de responsabilidade de todos. Uma educação que permita alcançarmos a independência partida. Uma educação que permita concluir a República inacabada, uma educação que seja a base do engrandecimento espiritual, pessoal e comunitário de todos os indivíduos, e que, justamente por isso, permita ser uma educação de alcance e usufruto de todos os brasileiros. Educação para combater as desigualdades, educação para respeitar as diferenças e promover a pluralidade. Educação para destruir o preconceito, extirpar a discriminação racial e promover a diversidade.

Educação cuja qualidade permita a todos se colocarem perante a vida em igualdade de condições. Educação em que a história e a contribuição de todos os povos na construção nacional sejam tratadas com respeito e retratadas em cada banco e livro escolar. Educação, em que todos os constituintes da vida nacional sejam da mesma forma constituintes ativos dos espaços de formação, produção e administração intelectual. Educação em que cada um dos brasileiros possa ver no espelho da escola o espelho da representação social e da realidade nacional. Por essa educação igualizadora e humanizadora que garante a democracia, por essa educação libertária que coloca em evidência o indivíduo como parte integrante da rede social, por essa educação que irá assegurar a verdadeira independência do nosso país e de todos os brasileiros, sejamos todos pela educação.


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