Revista AFM Brasil - Edição especial 2020

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OS HOMENS DO OESTE

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oramos na pequena vila de Kewa, uma das quase trinta vilas que formam a grande tribo Gogodala, no interior de Papua-Nova Guiné. O nome da tribo, que também batiza o povo e a língua local, é a junção das palavras “Gogo”, que significa homem, e “Dala”, que significa oeste. Os “Homens do Oeste” (Gogodala) são humildes e batalhadores, com histórias repletas de fatos interessantes. Muitos destes fatos estão fortemente ligados a suas crenças animistas. O animismo consiste basicamente em cultuar a força da natureza. Em outras palavras, esse conjunto de crenças pode ser classificado sintaticamente como um tipo de espiritismo da natureza. Nessa fé, as pessoas acreditam que em tudo na natureza existe algum tipo de espírito atuante, que interage com os demais espíritos e com os seres humanos. Não é diferente com o povo gogodala. Para entendermos suas crenças, é necessário entendermos um pouquinho sobre sua história. Papua é, ainda nos dias de hoje, um país relativamente primitivo, se compararmos com o nosso modelo de mundo ocidental. São poucos os lugares com acesso a internet e telefone. Praticamente não existe cobertura televisionada e os meios de comunicação também são raros por aqui. O país todo tem aspectos tribais herdados por antigas gerações, e este é exatamente meu ponto: se hoje em dia, 2020 a plenos pulmões, o país ainda é extremamente tribal, você consegue imaginar como era há 50 ou 100 anos atrás? Sim, há pouquíssimo tempo, toda a nação ainda era um aglomerado de comunidades intocáveis pelo homem branco. Um bom exemplo disso é o fato de que o canibalismo só se tornou crime por aqui em 1975. Foi nesse contexto, que os primeiros missionários encontraram os gogodalas. Quando chegaram aqui, o povo ainda tinha outro nome, que talvez você já tenha ouvido falar, os Headhunters (caçadores de cabeças). Moravam em casas enormes,

como as antigas cabanas dos Tupinambás do Brasil, onde morava toda a vila. Ali, viviam juntas cerca de 100 famílias, com as seguintes divisões: primeiro pavimento, para mulheres crianças e animais; segundo pavimento, para os homens. A poligamia era comum e a antropofagia (canibalismo) era a alimentação diária. Acreditavam que comendo da carne dos inimigos, tomariam para si os seus poderes e, arrancando suas cabeças, colocando em exposição com lanças, manteriam seus espíritos afastados. Eles também tinham sua própria história da criação. Um dia não existia nada, somente um pássaro voando no vazio. Esse pássaro encontrou uma bolha, a estourou, e de dentro dessa bolha saiu o planeta Terra. Acreditavam ainda em seres chamados de ancestrais, que surgiram no momento desta criação e permanecem na floresta como espíritos. A história para a criação do sol, por exemplo. Dizem que o sol era baixinho, perto da terra, logo acima de suas cabeças e por isso sua pele é escura. Um dia, no entanto, um dos ancestrais, que era muito alto e tinha de andar curvado para não bater a cabeça no sol, pegou um bambu bem alto e colocou o sol acima do céu.

FUNDINDO ANTIGAS COM AS NOVAS

CRENÇAS

Com a chegada e instalação dos missionários aqui, eles abandonaram por completo o canibalismo e a violência contra outras tribos, mas algumas raízes permanecem intactas. Ouvimos algumas histórias de adventistas locais que oram antes de fazerem alguma mandinga ou oferenda para os ancestrais, na hora da pesca ou quando querem encontrar algum objeto perdido na floresta. É dos ancestrais também a raiz dos clãs gogogala. Aqui, um clã é mais importante do que a família de sangue. Quando chegamos, fomos adotados pelos dois maiores clãs locais e recebemos

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