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O ESCAFANDRO E A BORBOLETA

OEscafandro e a Borboleta foi o único livro escrito por Jean-Dominique Bauby, o editor-chefe da revista francesa de moda ELLE. O texto descreve a sua experiência depois de ter acordado, numa cama de hospital, 20 dias após um AVC que o mergulhou para sempre no seu escafandro, um dos termos que Bauby apelida (não tão carinhosamente) o coma profundo ao qual estaria preso para o resto da sua vida. O autor tinha sido diagnosticado com locked-in syndrome: a sua mente estava intacta, mas perdera virtualmente todo o controlo do seu corpo, exceto o movimento da pálpebra esquerda.

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Através de 28 curtos episódios, pedaços soltos da sua memória, Bauby descreve-nos detalhadamente a sua perspetiva. De reflexões acerca do glamour da sua antiga vida ao simples prazer de poder tomar um banho ou ouvir a voz distante dos seus filhos, estas histórias contêm muita verdade e dureza, mas também ironia em doses saudáveis de cinismo. As suas memórias são de incrível valor. Um relato poderoso, que nos mostra a brilhante dignidade de uma alma danificada na recusa em desaparecer, sem mais nem menos, sem antes poder despedir-se do mundo enquanto pessoa e não apenas como doente.

Embora seja percetível o desamparo na sua escrita aquando do confinamento a uma cadeira de rodas desconhecida (tal como um escafandro que se fecha e não volta a abrir), Bauby mostra-nos a pluralidade da condição humana e a força do espírito presente em cada um de nós, apesar da incapacidade e do desespero. O autor decide então ser uma borboleta, livre, bela e despreocupada, deambulando a sua alma pelos corredores do hospital e atravessando as tarefas rotineiras dos seus cuidados com um humor eloquente.

A própria composição do texto foi um feito extraordinário em si. Incapaz de escrever ou falar,

Bauby compôs cada capítulo mentalmente, letra por letra. Uma copista recitou depois meticulosamente um alfabeto ordenado por frequência até que Bauby escolhesse uma letra, piscando o olho uma vez, para significar “sim”. Por fim, num último ato heróico de vontade, Bauby sobreviveu apenas o tempo suficiente para ver suas memórias publicadas, na primavera de 1997. Morreu dois dias depois.

Deixo, para concluir, as últimas ponderações do autor, depois de ter revisto toda a sua obra. Um manifesto de esperança para ele, mas também para nós, futuros médicos, para que nunca deixemos de procurar o voo leve de uma borboleta, para nós e para os nossos doentes:

Existirão neste cosmos chaves para abrir o meu escafandro? Uma linha de metro sem estações? Uma moeda suficientemente forte para resgatar a minha liberdade? É preciso continuar a procurar. É o que vou fazer.

Maria João Matos

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