Editorial porTeresaGuerra
Nesta edição da revista Cont@rt são apresentados contos inéditos, inspirados em quadros escolhidos pelos alunos Foram selecionadas pinturas de Vincent Van Gogh, José Malhoa, Orlando Teruz, Eugene Delacroix, Grant Wood e Frida Kahlo.
A iniciativa foi aplicada na disciplina de Português, numa oficina de escrita criativa, a alunos do décimo segundo ano. A atividade desenvolvida surge na sequência do estudo do conto.
Todas as histórias apresentadas são produto da criatividade e originalidade dos discentes. A professora limitou-se a realizar a correção linguística.
A iniciativa revelou-se muito interessante, motivadora e cativante para os alunos, pois tiveram oportunidade de escrever histórias, evidenciando a sua sensibilidade e desafiando a sua capacidade imaginativa.
Esperemos que os textos sejam do vosso agrado.
Boa leitura!
A ÚLTIMA CEIA
Inspirado na obra "The Potato Eaters", Vicent Van Gogh (1853-1890) por Ana
Rita SardinhaEram cinco horas da manhã quando Vicente, um camponês de feições vincadas que morava nas mediações da Áustria e da Hungria, ouviu o canto vigoroso dos galos que despertou os seus olhos de cristal azul. Levantou-se cuidadosamente, para não acordar a mulher e a filha, e vestiu apressadamente, devido ao frio que lhe gelava as veias, umas calças de pano castanhas muito finas. O dia de trabalho duro que tinha pela frente não lhe abandonava o pensamento e, enquanto meditava nesse assunto, pegou no casaco que se encontrava mais perto, calçou as únicas botas que tinha, de uma cor encarnada já gasta pelo trabalho e abandonou a sua humilde casa de madeira.
Desceu as escadas cautelosamente, devido aos degraus que já faltavam, para ir à arrecadação ao encontro dos utensílios de madeira e das mais variadas sementes para as suas plantações. Colocou umas luvas de pele, com uma mão levantou a enxada até ao ombro e com a outra pegou num balde de tinta cujo conteúdo eram sementes de batatas. Eram precisamente batatas o que o camponês ia semear naquele dia frio do mês mais curto do ano. Já o camponês se encontrava nas suas plantações, quando ouviu uma voz ensurdecedora vinda do seu lar. Era a sua filha, Gabriela, muito irrequieta e de uma certa rebeldia que a mãe considerava própria da idade. Se ela já estava acordada, então já estavam também os seus pais, Tomás e Catarina, e a sua mulher, Alice. Sem que o tempo desse por isso, já era uma da tarde e, como acontecia todos os dias, o camponês das feições vincadas foi chamado para se deliciar com o almoço.
Porém, quando este levou a sua mão enrugada e suja de terra ao garfo, surgiu um barulho cada vez mais audível das patas de, não um, nem dois, mas
de três cavalos que se aproximavam do seu casebre a um ritmo assustador. Vicente, que era um homem calmo, simples e pachorrento, ficou surpreendentemente alarmado pela abrupta mudança de ambiente. Nunca antes tinha experienciado tal situação naquele lugar remoto.
- Mas que raio... - disse confuso. Contudo, antes que este pudesse concluir a frase já os cavalos brancos estavam parados inquietantemente à porta da sua casa, e ouviu-se o truz-truz de uma batida ansiosa na madeira da habitação.
- Abre! Estás à espera de quê!
- Valha-nos Deus!... -Bradou Tomás. O velhinho era um homem muito religioso e ficou logo em sobressalto. Em setenta anos que o idoso da boina ali morara, nunca tal coisa lhe tinha sucedido.
Prudentemente, o camponês abriu a porta e imediatamente um rapaz ofegante que não deveria ter mais do que os seus trinta anos exclamou:
- Guerra! Vem aí a guerra! Protejam-se, encontrem um local seguro ou ponham-se a milhas deste inferno. Amanhã à noite vão começar os ataques e aí será tarde de mais!
Ouviu-se o riscar de uma folha que um dos rapazes trazia; confirmação que esta família já estava informada do que iria acontecer em breve.
- Desculpe? Então, mas o senhor vem aqui à minha casa a gritar que nem um louco que vai haver uma guerra? Está à espera de que eu acredite em si? Com que provas? Vá enganar outro! Isto realmente...- Articulou o camponês num tom de desaprovação.
- É verdade! Zurück zum verdammten Radio, dieser Idiot glaubt nicht! -
exclamou o homem para o seu parceiro que começou a vasculhar apressadamente dentro da sua mochila, até encontrar uma caixa preta com botões.
Enquanto a família fitava em estado de choque o rádio, pois era um instrumento recentemente inventado, com o qual nunca tinham tido contacto, o rapaz pegou na antena do mesmo e começou a tentar apanhar um canal, inclinando ora para um lado ora para o outro, à procura do mais ínfimo sinal
de rádio, até que finalmente começou a ouvir-se uma voz quase impercetível, mas que ainda assim deu para entender as seguintes palavras: “A Áustria invade a Hungria, o presidente húngaro já decretou a lei marcial e está neste momento a tomar as devidas precauções. É altamente recomendável que as pessoas que vivem na fronteira a sul que abandonem imediatamente as suas casas. Pessoas que vivam na fronteira a norte devem abandonar as suas casas num prazo máximo de 24 horas”.
E, sem mais nem menos, os três rapazes montaram novamente os animais e abandonaram a casa sem dizerem uma única palavra. O silêncio foi instaurado entre os membros da família, sendo apenas interrompido pela filha do camponês que começou a chorar incessantemente.
- É mesmo verdade? - Perguntou a velhinha. Porém, esta não precisou de resposta, todos sabiam que era praticamente impossível criar uma notícia falsa e transmitir a mesma naquele objeto.
Foi então que o camponês começou a dar voltas à mesa da cozinha, falando consigo mesmo e parando apenas para coçar a cabeça, como quem está a pensar em algo inédito. Após trinta longos minutos concluiu:
- Amanhã de madrugada partiremos. No aparelho falante disseram que as pessoas que vivem a norte têm até 24h para deixarem as suas casas, vamos fazer as nossas mochilas com comida e as roupas essenciais e partiremos sem demora.
Quando parou de falar fez um gesto com a boca como quem não acredita no que disse e depois de trinta segundos retomou novamente:
- Vou preparar os cavalos e iremos de carroça até à estação de comboios mais próxima, depois seguiremos para Bratislava onde estaremos em segurança. O que irá acontecer depois só Deus sabe. Depois logo vemos isso, o mais importante é chegar à estação cedo para conseguirmos entrar no comboio.
A filha do camponês chorava agora compulsivamente, parando apenas para limpar as lágrimas ao vestido branco, já farrusco, que a avó lhe fizera
com tanto carinho, enquanto a mãe, que tinha uma touca branca que cobria parcialmente os seus olhos de carvão, a tentava acalmar, dizendo-lhe palavras
reconfortantes, como, “Vai ficar tudo bem” ou “Não nos vamos separar”, que nem a própria acreditava. Ainda assim, a menina do vestido comprido não era burra, sabia perfeitamente como funcionavam as guerras, já tinha lido sobre isso nos livros da escola e raramente ficava sempre tudo bem, como dizia a mãe. Durante a tarde, ninguém proferiu uma única palavra, nem mesmo a velhinha, que possuía um nariz grande aquilino e que sempre fora muito faladora. A única pessoa que abria a boca para falar era a criança e era só para fazer questões que não tinham resposta possível. Esta já não brincava nem sorria como de manhã.
Todos trabalharam arduamente para fazer as malas com tudo o que era essencial para a viagem e mantimentos para alguns dias fora de casa, se bem que todos sabiam que iriam ser bem mais que alguns dias ou que poderiam até mesmo nunca regressar.
O candeeiro a óleo já estava aceso há algumas horas, quando o relógio na parede tocou as oito badaladas, alertando a família de que já eram horas de jantar. Um rio de lágrimas corria pela face da mulher enquanto esta servia os cinco pratos sobre a mesa retangular de madeira com as batatas cozidas, carinhosamente colhidas pelo camponês de temperamento sereno e bucólico. Não sabiam qual seria a próxima vez que comeriam algo tão saboroso e natural, vindo das entranhas da terra cuidadosamente preparada para receber as sementes. Comeram como se não houvesse amanhã, porque de facto poderia não haver, e só depois de duas horas, que mais pareceram dois dias, é que o velhinho da boina ao xadrez se levantou e insistiu que todos deveriam ir descansar para se prepararem para acordar de madrugada.
na obra
AQUILO QUE NÃO ME DÁS
A manhã aparentava estar tranquila, demasiado, estranhava Vera Maria. A jovem mulher vislumbrou mais uma vez a sua esbelta figura ao espelho, parecendo insatisfeita deu meia-volta e respirou fundo.
- Se a mãezinha estivesse aqui comigo não estaria tão torto…-murmurou ajeitando o cinto vermelho que abraçava o seu corpo.
A rapariga de vinte e três anos encolheu os ombros e agarrou no chapéu de palha que ficava à saída de sua casa. O ar matinal bateu-lhe de frente e por momentos quis voltar para trás e desistir.
- Que disparates tens tu na cabeça, Vera Maria! – falou para si, tentando acalmar a tempestade que se instalava na sua cabeça e também o vestido corde-rosa que teimava em fugir-lhe dos joelhos. A rapariga já era ansiosa por natureza e custava-lhe imenso controlar-se, mas estava mais irrequieta nesse dia.
Quando sentia mais aperto no coração, escondia-se das pessoas, pois acreditava que a achariam doida ou incapaz. Mas não era algo natural? Era normal sentir-se nervosa, especialmente hoje…hoje seria especial. No entanto, também o dissera nos outros dias e todos eles foram uma desilusão.
Alguém no seu perfeito juízo já teria desistido de esperar, porque estaria uma jovem e bonita mulher, com uma vida pela frente, à espera de um homem?Homens há muitos, mas decentes contam-se pelos dedos da mão! O que teria “tal ser” de tão especial para a cativar?
Ninguém sabia. As amigas não percebiam e tentavam a todo o custo o seu afastamento daquele sexo masculino. As coisas nunca iriam funcionar, lá no fundo ela sabia-o, só não gostava de o dizer, por ser teimosa.
- Porque estás tu com ele? Ele é dez anos mais velho que tu, casado com dois
Inspirado
"Praia das Maças", José Malhoa (1855-1933) por In~es Freire
filhos! Por acaso não entendes o quão errada a vossa aproximação é? Tu és só uma menina, não estragues a tua vida dessa maneira! - Era algo que escutava das pessoas. Isso, e os pedidos para tentar conhecer outros rapazes.
- Mas não há outro como ele…. - Respondia com tristeza.
Quando ia na rua, bem que ouvia os sussurros e os olhares de desdém que sentia.
Estranhava-os porque só poucas pessoas o sabiam, era suposto ser um segredo, mas é como dizem: as portas têm ouvidos e algumas pessoas não são de confiança. Sentia-se tão triste e sozinha que acreditava que os cães rafeiros fugiam dela.
- Mas tem que ser hoje. – Reforçou.
Fez o seu caminho tranquilamente até ao sítio do costume, um pequeno café junto à sua praia favorita, a Praia das Maçãs.
A praia de Sintra era o seu verdadeiro abrigo. Era ela que a recebia de “braços-abertos” nos dias piores, eram as ondas que a acalmavam e fora lá também que conhecera João Tomás, o médico de trinta e três anos de idade que vivia em Guimarães.
Passeava pelo areal quando se deparou com o homem mais velho deitado na areia de fato e gravata. Achou-o tão peculiar que quis observá-lo mais de perto, e a verdade é que não saiu do seu pensamento nunca mais. Já ele…a vida de João Tomás era mais complicada que a cabeça de Vera Maria. No entanto o encontro dos dois fora tão inesperado que só podia ser coisa do destino.
O homem de barbas e olhos azuis ficou perdidamente apaixonado quando lhe pós os olhos em cima e quis fugir com ela, para longe, muito longe. Algo impossível, dissera-lhe Vera na altura.
Vera Maria adorava ouvi-lo falar e também ela ficara rapidamente apaixonada por ele.
As coisas fluíam naturalmente entre os dois, encaixavam como duas peças de puzzle e foi com ele que Vera Maria trocou os seus mais sinceros sorrisos.
Estava tão feliz com as palavras bonitas que recebia por parte do médico que não se importava com nada mais.
Só eles os dois. Ele e Vera Maria, ela e João Tomás.
Tantas promessas feitas, tantos carinhos trocados…
Mal sabia ela na altura que seria mais uma desilusão na sua vida.
João Tomás era casado e era pai de dois garotos pequenos. Vera Maria, ao saber, tivera um desgosto tão grande que nunca mais o quis ver. Passaram semanas sem lhe responder às infinitas cartas; quis cortar relações, mas nunca o concretizava. O elo entre os dois era tão forte e intenso que, por mais que o tentasse esquecer, não conseguia. Por estar tão presa ao homem aceitou encontrar-se com ele para se resolverem.
Dito, mas nada feito. O médico nunca chegava a aparecer, mas ela não parava de ir ao local que tinham combinado.
Todas as semanas lá estava Vera Maria sentada à mesa do café à espera daquilo que nunca vinha. Iludida e manipulada por alguém que não a merecia. Quantas vezes se perguntou, valeria a pena? Estaria a fazer a coisa certa?
Porquê continuar a ir?
Talvez fosse simplesmente a ideia de imaginar que alguém estaria lá para ela, à sua espera, que lhe aquecia o seu coração de certa forma.
Subiu as longas e íngremes escadas, desviando os caracóis rebeldes que lhe tapavam o rosto rosado e sardento. Custava-lhe ainda mais por estar de salto alto, mas sabia tão bem no fim! Que bonito lugar era aquele! As flores brancas “pintavam” o espaço, dando-lhe um ar acolhedor e as cadeiras e mesas, apesar de velhas, combinavam lindamente com o lugar.
- Bom dia menina, é o de sempre?- Por favor? – respondeu ao dono do estabelecimento que lhe sorria, como sempre fazia.
Com a cadeira ligeiramente inclinada ficou sossegada a olhar para o mar e sentiu-se bem. O mar pelo menos nunca a iria abandonar ou atraiçoar. O
máximo que podia fazer ela levá-la e, se assim fosse, iria feliz, morreria feliz.
- Que tranquilo está o mar hoje, senhor Fernando. – Comentou com o homem
de meia idade que lhe colocou a chávena de chá na mesa.
- Está pois, menina. Deve vir coisa boa aí! – colocou o pano da louça ao ombro encostando o corpo entroncado aos postes que seguravam o espaço.
- Acha?
- Acho. A natureza não erra e eu também não. – Piscou-lhe o olho deixando-a sozinha.
Vera Maria sorriu vendo o velho afastar-se e parou os seus olhos nos dois homens que jogavam às cartas entretidos e alheios à rapariga.
“Pelo menos têm alguém”, pensou com seus botões.
Queria que as coisas fossem tão simples como o barulho das ondas a bater nas rochas o é; queria ter paixão por coisas simples, mas os problemas perseguiam-na e não a deixavam viver.
Desde a doença da mãe, as coisas nunca mais se endireitaram, ela era o seu pilar, o seu porto de abrigo até ficar doente.
Sentia-se culpada pelo seu adoecimento repentino. Sabia que as coisas teriam sido diferentes se a mãe não tivesse tomado conhecimento da relação que mantinha com aquele homem. Ideia também alimentada pela irmã mais velha que a proibiu de ver a progenitora, dizendo-lhe que a mãe tinha apanhado um choque tão grande que a sua cabeça não estava em condições. Mais uma vez Vera Maria caira nas conversas dos outros e seguira as instruções da irmã, deixando de ver a mãe.
- Este lugar está vazio? Posso sentar-me aqui e apreciar a sua companhia? –ouviu dizer estas palavras e levou uma mão ao peito, tal o susto que apanhou.
– Não me diga que sou assim tão feio para a assustar? - Mais uma vez silêncio. Ela mal podia acreditar naquilo que os seus olhos castanhos viam: João Tomás mesmo à sua frente, em carne e osso.
- Vou acreditar que o silêncio é um sim.
O homem contornou a cadeira onde ela estava, no caminho deu-lhe um beijo no ombro, que estava ligeiramente descoberto, e sentou-se à sua frente.
- Sou eu mesmo, Vera Maria. - Assegurou ele, agarrando-lhe na mão esquerda.
- Não acho que esteja a ver bem. - Falou por fim, escondendo o rosto que estava demasiado corado.
- Estás a ver bem, sim. – Respondeu-lhe ele com simplicidade, levantando a mão para chamar a atenção do senhor Fernando - Eu disse-te que vinha, não te disse?
- Disseste, mas não foste específico. Pensei que gozavas comigo, é por isso mesmo que creio que os meus olhos me pregam uma partida. Não é possível…
Ele simplesmente riu, deixando-a mais confusa, mas nada batia a expressão do homem do café que fora completamente apanhado de surpresa. Esperava tudo menos ver a rapariga acompanhada.
- Agora percebo o motivo de aqui gostares de estar.
- Estive aqui na semana passada também. - Revirou os olhos, atitude que não abalou o homem.
- Seguramente estivesse. Mas não, isto aqui é tão…
- Bonito, eu sei. – Interrompeu-o.
- No entanto não é tanto como tu. Novamente o silencio apoderou-se dos lábios de Vera Maria que agora escondia as faces no chapéu de palha, respirando fundo dez vezes como a mãe lhe havia ensinado. O ar despreocupado do homem só tornava a situação pior, e ela acreditava que ele não tinha noção do quão irritante estava a ser. Que atrevimento!
O motivo das suas noites mal dormidas ali estava calmamente a beber café, enquanto a observava pelo canto do olho.
Vera Maria costumava calar-se, evitava discussões, tinha medo de desiludir as pessoas. Vera Maria era muitas coisas, corajosa não era uma delas… Porém, naquele momento ela não pensou demasiado, talvez se fosse arrepender mais tarde, mas ela precisava de saber o porquê de ele ali estar, porquê agora?
- O que estás a fazer aqui realmente, João Tomás?
- Estou aqui para te ver, Vera Maria. Qual seria o outro motivo?
- O tom de voz continuava intacto. Não queria perder a praia.
- Não quero que mudes de assunto, por favor. Quero que sejas sincero. –Voltou a interrompê-lo, deixando-o confuso. - O que queres de mim, João Tomás?
Demorou a responder enquanto fitava a bela jovem e todos os traços que desenhavam o seu fino rosto.
- De ti quero tudo. – Foi breve.
- Sabes que não te posso dar tudo. Não me deixes mal, mais uma vez. – Sentiu a visão ficar embaçada. - Já chega o que aconteceu. Foi imprudente o que fizemos e prometemos.
- Sei de tudo isso, foi por isso que não vim ter contigo mais cedo. Precisava de resolver as coisas comigo para depois resolvê-las contigo.
- Como podes estar seguro de que vamos resolver as coisas?
- Porque eu sei o que quero. Eu quero ficar contigo, Vera Maria.
- Para com isso, João Tomás, tu tens uma mulher. O que disse ela? O que fizemos foi horrível e altamente desleal, João Tomás.
- Não nos culpemos pelo fracasso que era a minha relação com a minha exmulher. – Vera Maria arregalou os olhos. - Os sentimentos não podem ser culpados.
- Mas podiam ter sido evitados! Não sei como era a tua relação com a senhora mas ela não merecia! Mentiste-lhe a ela e a mim. Porque o fizeste?
- Não te sei dizer, mas asseguro-te que o voltaria a fazer. Talvez de maneira diferente, mas não mudava a nossa história. Tu achas que fui um erro na tua vida? A ruiva abanou a cabeça, sentindo as lágrimas invadirem-lhe os olhos.
- Por favor não quero que chores, meu amor. Levou as mãos a ambos os lados da sua face encostando a sua testa à dela.
- O que fizemos foi imperdoável, eu não fui educada desta maneira, João Tomás. Tu não imaginas o julgamento de que tenho sido alvo.
- Então vamos fugir, Vera Maria. Vamos sair de Portugal, só tu e eu. – Pediu-lhe num sussurro.
- Pára com isso, João Tomás! Sabes que nunca daríamos certo. Tu já tens uma vida feita, filhos, um consultório, estás melhor sem mim.
- Nem tu acreditas naquilo que dizes. - Mostrou-se surpreendido.
- Então porque é que me pediste que esperasse e me mandaste todas aquelas cartas e nunca apareceste? Brincaste comigo uma vez, não quero que volte a acontecer.
- Precisava de me resolver, Vera Maria! - Elevou o tom de voz. - Tudo aquilo que tivemos foi muito importante não quero que acabe aqui. Quero recomeçar de zero contigo, fazer tudo bem desta vez.
A rapariga negou com a cabeça, não acreditando naquilo que os seus ouvidos ouviam.
- Tudo aquilo que tivemos foi real, mas terminou no dia em que mentiste e traíste a tua companheira. Não foste verdadeiro comigo porque seria tudo diferente agora? - Levantou-se bruscamente do lugar, sendo seguida pelo homem que num ápice se pós a seu lado. Preparava-se para sair dali, mas o homem agarrou-a pelo pulso e selou os seus lábios nos dela. A atitude surpreendeu-a, mas logo correspondeu.
- Porquê, perguntas tu? - Fez uma pausa, desviando os cabelos que ocultavam o rosto da mulher de que tanto gostava e sussurrou: - Porque eu só existo contigo.
DESTINO
Inspirado na obra "Caféterras bij nacht (Place du Forum), Vicent Van Gogh (1853-1890) por Manuel Silva
A manhã aparentava estar tranquila, demasiado, estranhava Vera Maria. A jovem mulher vislumbrou mais uma vez a sua esbelta figura ao espelho, parecendo insatisfeita deu meia-volta e respirou fundo.
- Se a mãezinha estivesse aqui comigo não estaria tão torto…-murmurou ajeitando o cinto vermelho que abraçava o seu corpo.
A rapariga de vinte e três anos encolheu os ombros e agarrou no chapéu de palha que ficava à saída de sua casa. O ar matinal bateu-lhe de frente e por momentos quis voltar para trás e desistir.
-Que disparates tens tu na cabeça, Vera Maria! – falou para si, tentando acalmar a tempestade que se instalava na sua cabeça e também o vestido corde-rosa que teimava em fugir-lhe dos joelhos. A rapariga já era ansiosa por natureza e custava-lhe imenso controlar-se, mas estava mais irrequieta nesse dia.
Quando sentia mais aperto no coração, escondia-se das pessoas, pois acreditava que a achariam doida ou incapaz. Mas não era algo natural? Era normal sentir-se nervosa, especialmente hoje…hoje seria especial. No entanto, também o dissera nos outros dias e todos eles foram uma desilusão.
Alguém no seu perfeito juízo já teria desistido de esperar, porque estaria uma jovem e bonita mulher, com uma vida pela frente, à espera de um homem?Homens há muitos, mas decentes contam-se pelos dedos da mão! O que teria “tal ser” de tão especial para a cativar?
Ninguém sabia. As amigas não percebiam e tentavam a todo o custo o seu afastamento daquele sexo masculino. As coisas nunca iriam funcionar, lá no fundo ela sabia-o, só não gostava de o dizer, por ser teimosa.
Caféterras bij nacht (Place du Forum) (Vicent Van Gogh, 1853-1890)
Créditos:The Kröller-Müller Museum, Otterlo.
- Porque estás tu com ele? Ele é dez anos mais velho que tu, casado com dois filhos! Por acaso não entendes o quão errada a vossa aproximação é? Tu és só
uma menina, não estragues a tua vida dessa maneira! - Era algo que escutava das pessoas. Isso, e os pedidos para tentar conhecer outros rapazes.
- Mas não há outro como ele…. - Respondia com tristeza. Quando ia na rua, bem que ouvia os sussurros e os olhares de desdém que sentia.
Estranhava-os porque só poucas pessoas o sabiam, era suposto ser um segredo, mas é como dizem: as portas têm ouvidos e algumas pessoas não são de confiança. Sentia-se tão triste e sozinha que acreditava que os cães rafeiros fugiam dela.
- Mas tem que ser hoje. – Reforçou.
Fez o seu caminho tranquilamente até ao sítio do costume, um pequeno café junto à sua praia favorita, a Praia das Maçãs.
A praia de Sintra era o seu verdadeiro abrigo. Era ela que a recebia de “braços-abertos” nos dias piores, eram as ondas que a acalmavam e fora lá também que conhecera João Tomás, o médico de trinta e três anos de idade que vivia em Guimarães.
Passeava pelo areal quando se deparou com o homem mais velho deitado na areia de fato e gravata. Achou-o tão peculiar que quis observá-lo mais de perto, e a verdade é que não saiu do seu pensamento nunca mais. Já ele…a vida de João Tomás era mais complicada que a cabeça de Vera Maria. No entanto o encontro dos dois fora tão inesperado que só podia ser coisa do destino.
O homem de barbas e olhos azuis ficou perdidamente apaixonado quando lhe pós os olhos em cima e quis fugir com ela, para longe, muito longe. Algo impossível, dissera-lhe Vera na altura.
Vera Maria adorava ouvi-lo falar e também ela ficara rapidamente apaixonada por ele.
As coisas fluíam naturalmente entre os dois, encaixavam como duas peças
de puzzle e foi com ele que Vera Maria trocou os seus mais sinceros sorrisos.
Estava tão feliz com as palavras bonitas que recebia por parte do médico que não se importava com nada mais.
Só eles os dois. Ele e Vera Maria, ela e João Tomás
Tantas promessas feitas, tantos carinhos trocados… Mal sabia ela na altura que seria mais uma desilusão na sua vida.
João Tomás era casado e era pai de dois garotos pequenos. Vera Maria, ao saber, tivera um desgosto tão grande que nunca mais o quis ver. Passaram semanas sem lhe responder às infinitas cartas; quis cortar relações, mas nunca o concretizava. O elo entre os dois era tão forte e intenso que, por mais que o tentasse esquecer, não conseguia. Por estar tão presa ao homem aceitou encontrar-se com ele para se resolverem.
Dito, mas nada feito. O médico nunca chegava a aparecer, mas ela não parava de ir ao local que tinham combinado.
Todas as semanas lá estava Vera Maria sentada à mesa do café à espera daquilo que nunca vinha. Iludida e manipulada por alguém que não a merecia.
Quantas vezes se perguntou, valeria a pena? Estaria a fazer a coisa certa? Porquê continuar a ir?
Talvez fosse simplesmente a ideia de imaginar que alguém estaria lá para ela, à sua espera, que lhe aquecia o seu coração de certa forma.
Subiu as longas e íngremes escadas, desviando os caracóis rebeldes que lhe tapavam o rosto rosado e sardento. Custava-lhe ainda mais por estar de salto alto, mas sabia tão bem no fim! Que bonito lugar era aquele! As flores brancas “pintavam” o espaço, dando-lhe um ar acolhedor e as cadeiras e mesas, apesar de velhas, combinavam lindamente com o lugar.
- Bom dia menina, é o de sempre?- Por favor? – respondeu ao dono do estabelecimento que lhe sorria, como sempre fazia.
Com a cadeira ligeiramente inclinada ficou sossegada a olhar para o mar e sentiu-se bem. O mar pelo menos nunca a iria abandonar ou atraiçoar.
O máximo que podia fazer ela levá-la e, se assim fosse, iria feliz, morreria feliz.
- Que tranquilo está o mar hoje, senhor Fernando. – Comentou com o homem de meia idade que lhe colocou a chávena de chá na mesa.
- Está pois, menina. Deve vir coisa boa aí! – colocou o pano da louça ao ombro encostando o corpo entroncado aos postes que seguravam o espaço.
- Acha?
- Acho. A natureza não erra e eu também não. – Piscou-lhe o olho deixando-a sozinha.
Vera Maria sorriu vendo o velho afastar-se e parou os seus olhos nos dois homens que jogavam às cartas entretidos e alheios à rapariga.
“Pelo menos têm alguém”, pensou com seus botões.
Queria que as coisas fossem tão simples como o barulho das ondas a bater nas rochas o é; queria ter paixão por coisas simples, mas os problemas perseguiam-na e não a deixavam viver.
Desde a doença da mãe, as coisas nunca mais se endireitaram, ela era o seu pilar, o seu porto de abrigo até ficar doente.
Sentia-se culpada pelo seu adoecimento repentino. Sabia que as coisas teriam sido diferentes se a mãe não tivesse tomado conhecimento da relação que mantinha com aquele homem. Ideia também alimentada pela irmã mais velha que a proibiu de ver a progenitora, dizendo-lhe que a mãe tinha apanhado um choque tão grande que a sua cabeça não estava em condições. Mais uma vez Vera Maria caira nas conversas dos outros e seguira as instruções da irmã, deixando de ver a mãe.
- Este lugar está vazio? Posso sentar-me aqui e apreciar a sua companhia? –ouviu dizer estas palavras e levou uma mão ao peito, tal o susto que apanhou.
– Não me diga que sou assim tão feio para a assustar? - Mais uma vez silêncio. Ela mal podia acreditar naquilo que os seus olhos castanhos viam:
João Tomás mesmo à sua frente, em carne e osso.
- Vou acreditar que o silêncio é um sim.
O homem contornou a cadeira onde ela estava, no caminho deu-lhe um beijo no ombro, que estava ligeiramente descoberto, e sentou-se à sua frente.
- Sou eu mesmo, Vera Maria. - Assegurou ele, agarrando-lhe na mão esquerda.
- Não acho que esteja a ver bem. - Falou por fim, escondendo o rosto que estava demasiado corado.
- Estás a ver bem, sim. – Respondeu-lhe ele com simplicidade, levantando a mão para chamar a atenção do senhor Fernando - Eu disse-te que vinha, não te disse?
- Disseste, mas não foste específico. Pensei que gozavas comigo, é por isso mesmo que creio que os meus olhos me pregam uma partida. Não é
possível…
Ele simplesmente riu, deixando-a mais confusa, mas nada batia a expressão do homem do café que fora completamente apanhado de surpresa. Esperava tudo menos ver a rapariga acompanhada.
- Agora percebo o motivo de aqui gostares de estar.
- Estive aqui na semana passada também. - Revirou os olhos, atitude que não abalou o homem.
- Seguramente estivesse. Mas não, isto aqui é tão…
- Bonito, eu sei. – Interrompeu-o.
- No entanto não é tanto como tu.
Novamente o silencio apoderou-se dos lábios de Vera Maria que agora escondia as faces no chapéu de palha, respirando fundo dez vezes como a mãe lhe havia ensinado. O ar despreocupado do homem só tornava a situação pior, e ela acreditava que ele não tinha noção do quão irritante estava a ser. Que atrevimento!
O motivo das suas noites mal dormidas ali estava calmamente a beber café, enquanto a observava pelo canto do olho.
Vera Maria costumava calar-se, evitava discussões, tinha medo de desiludir as pessoas. Vera Maria era muitas coisas, corajosa não era uma delas… Porém,
naquele momento ela não pensou demasiado, talvez se fosse arrepender mais tarde, mas ela precisava de saber o porquê de ele ali estar, porquê agora?
- O que estás a fazer aqui realmente, João Tomás?
- Estou aqui para te ver, Vera Maria. Qual seria o outro motivo? - O tom de voz continuava intacto. Não queria perder a praia.
- Não quero que mudes de assunto, por favor. Quero que sejas sincero. –Voltou a interrompê-lo, deixando-o confuso. - O que queres de mim, João Tomás?
Demorou a responder enquanto fitava a bela jovem e todos os traços que desenhavam o seu fino rosto.
- De ti quero tudo. – Foi breve.
- Sabes que não te posso dar tudo. Não me deixes mal, mais uma vez. – Sentiu a visão ficar embaçada. - Já chega o que aconteceu. Foi imprudente o que fizemos e prometemos.
- Sei de tudo isso, foi por isso que não vim ter contigo mais cedo. Precisava de resolver as coisas comigo para depois resolvê-las contigo.
- Como podes estar seguro de que vamos resolver as coisas?
- Porque eu sei o que quero. Eu quero ficar contigo, Vera Maria.
- Para com isso, João Tomás, tu tens uma mulher. O que disse ela? O que fizemos foi horrível e altamente desleal, João Tomás.
- Não nos culpemos pelo fracasso que era a minha relação com a minha exmulher. – Vera Maria arregalou os olhos. - Os sentimentos não podem ser culpados.
- Mas podiam ter sido evitados! Não sei como era a tua relação com a senhora mas ela não merecia! Mentiste-lhe a ela e a mim. Porque o fizeste?
- Não te sei dizer, mas asseguro-te que o voltaria a fazer. Talvez de maneira diferente, mas não mudava a nossa história. Tu achas que fui um erro na tua vida?
A ruiva abanou a cabeça, sentindo as lágrimas invadirem-lhe os olhos.
- Por favor não quero que chores, meu amor. Levou as mãos a ambos os lados da sua face encostando a sua testa à dela.
- O que fizemos foi imperdoável, eu não fui educada desta maneira, João Tomás. Tu não imaginas o julgamento de que tenho sido alvo.
- Então vamos fugir, Vera Maria. Vamos sair de Portugal, só tu e eu. – Pediu-lhe num sussurro.
- Pára com isso, João Tomás! Sabes que nunca daríamos certo. Tu já tens uma vida feita, filhos, um consultório, estás melhor sem mim.
- Nem tu acreditas naquilo que dizes. - Mostrou-se surpreendido.
- Então porque é que me pediste que esperasse e me mandaste todas aquelas cartas e nunca apareceste? Brincaste comigo uma vez, não quero que volte a acontecer.
- Precisava de me resolver, Vera Maria! - Elevou o tom de voz. - Tudo aquilo que tivemos foi muito importante não quero que acabe aqui. Quero recomeçar de zero contigo, fazer tudo bem desta vez. A rapariga negou com a cabeça, não acreditando naquilo que os seus ouvidos ouviam.
- Tudo aquilo que tivemos foi real, mas terminou no dia em que mentiste e traíste a tua companheira. Não foste verdadeiro comigo porque seria tudo diferente agora? - Levantou-se bruscamente do lugar, sendo seguida pelo homem que num ápice se pós a seu lado. Preparava-se para sair dali, mas o homem agarrou-a pelo pulso e selou os seus lábios nos dela. A atitude surpreendeu-a, mas logo correspondeu.
- Porquê, perguntas tu? - Fez uma pausa, desviando os cabelos que ocultavam o rosto da mulher de que tanto gostava e sussurrou: - Porque eu só existo contigo.
DO DESCAMPADO PARA O MUNDO
O sol não tarda põe-se, a lua vai-se revelando no horizonte e os rapazes continuam no seu jogo voraz. Aquilo é tudo para eles, é o seu sonho, é o que os move, é o que lhes traz alegria. Divertem-se como nunca, em pleno séc. XXI, apenas com uma bola de futebol.
Sandro é um rapaz de 14 anos, baixo, de cor escura, com olhos castanhos, que vive em Kimana, uma terra no sudeste de África. Vive com os seus pais numa pequena casa, sem eletricidade, como quase todas naquela zona. Não há muitas habitações, por isso aproveita o grande descampado ali à volta para jogar com os seus amigos à bola. Todas as tardes, esteja chuva ou sol, lá iam eles buscar uns paus para fazerem as balizas e divertirem-se a tarde inteira.
Acordava sempre por volta das sete da manhã e ia ajudar o seu pai no comércio local, para tentarem arranjar uns trocos para por comida na mesa.
-Hoje foi fraco, filho- disse o pai referindo-se ao negócio- vou comprar comida para ti e para a tua mãe e eu fico sem comer.
-Eu dou-te um pouco do meu, não quero que fiques sem comer- respondeu.
-Não! Come tu que tu estás em crescimento.
Era difícil para ele ver a família nestas condições, mal tinham comer à refeição.
-Pai, um dia vou-vos tirar daqui e não vos vai faltar nada, acredita em mim!
Nessa noite, não conseguiu dormir. Ficara a pensar no que disse e a ver vídeos de jogadas dos seus jogadores preferidos. Tinha esse grande sonho: ser jogador de futebol. Imaginava-se nos grandes palcos da Europa a receber vários prémios e, sobretudo, a orgulhar a sua família.
O Sandro era um rapaz muito trabalhador, ajudava os pais no que era
Inspirado na obra "Futebol", Orlando Teruz (1902-1984) por Martim Santos
preciso e nunca pedia nada em troca, exceto uma bola de futebol. Era a sua melhor amiga. Passava horas e horas a jogar, a tentar ser melhor que ontem porque só assim é que podia chegar longe. Chamava os amigos e lá iam eles; alguns descalços outros com umas sapatilhas velhas, mas sempre com um sorriso na cara, a fazerem o que mais gostavam. Chegava a casa todo sujo e com feridas pelo corpo e ouvia sempre a sua mãe.
-Olha como é que tu estás! Vai já tomar um banho!
Lá ia ele todo contrariado ao rio pois tinham de poupar a água de casa. Ele não gostava muito de tomar banho.
Tinha um tio em Barcelona, chamado Taylor e estabelecia contacto com ele, sempre tinham sido muito próximos desde pequenos e era ele que o motivava a seguir o seu sonho.
Certo dia Taylor ligou-lhe:
-Olá, Sandro como estás? Tenho uma grande notícia.
-Então tio? - perguntou curioso
-O Barcelona está a fazer treinos abertos, para descobrirem novos talentos e acho que seria uma mais valia tu vires, pode ser que até fiques lá.
-Isso é excelente! Quando é que são?
-Daqui a um mês.
-Tenho tempo de preparar-me. Vou já começar!
E assim foi. Com grande entusiasmo, o rapaz passou noites e dias a treinar para estar o melhor possível. Era uma oportunidade única, não a queria desperdiçar.
O canto do galo soou, a luz do sol entrou pela brecha da janela e incomodou Sandro que acordou e percebeu que tinha chegado o grande momento. Nunca se tinha levantado tão depressa da cama. Chegava também o momento mais difícil, a despedida.
-Pai e mãe, eu vou, e só volto quando for para vos tirar desta miséria. Adoro-vos - disse ele já com lágrimas nos olhos.
-Vai, meu filho, segue o teu sonho e não desistas, estamos a torcer por ti! Com um abraço emocionante, Sandro despediu-se dos pais e seguiu
viagem para Barcelona.
Ao chegar, ficou boquiaberto, nunca vira tal coisa. Os edifícios, as estradas, as casas, os carros… era um modo novo para ele. Tudo brilhava para os olhos dele, era um sonho estar ali.
Na chegada ao campo, começou a sentir o nervosismo dentro dele e tinha medo que isso o afetasse.
Infelizmente assim foi… o treino correu-lhe mal e não quiseram ficar com ele. Ficou destroçado, chorou ao pé do seu tio por algum tempo e perguntavase porque é que tinha de ter corrido mal.
-Já passou, Sandro, agora é seguir para a frente. Aproveitas que estás aqui e vais a outros clubes. Vamos, não desistas.
Esta mensagem do tio acalmou-o, fê-lo acreditar que ainda era possível.
Um, dois, três… quatro clubes por onde passou e não o quiseram. Quanto mais tempo passava, mais angustiado ele ficava. Só havia mais um clube ali da zona, não podia falhar mais. Ou o aceitavam e passava ali a viver e a jogar num clube profissional ou voltava para casa com um sentimento de dever falhado. Felizmente a vida ajuda quem é humilde e trabalhador e o Sandro conseguiu.
- Estou orgulhoso de ti, puto, o céu é o limite agora - disse o tio orgulhoso
E assim foi… daí para a frente foi sempre a subir até chegar às maiores competições da Europa.
O seu sonho tinha sido realizado. Do descampado para a liga espanhola, o miúdo triunfou. Conseguiu o que sempre sonhara, ser jogador. Mais tarde, depois de juntar algum dinheiro, tirou os seus pais do beco em que estavam e arranjou-lhes uma casa perto dele. Teve alguns momentos em que esteve para desistir, mas o seu tio acreditara nele e nunca o deixou ir a baixo. É sempre bom termos pessoas ao nosso lado que nos ajudem.
GUERRA E AMOR
Inspirado na obra "La Liberté guidant le peuple", Eugène Delacroix (1798-1863) por Henrique Laia
Durante a Segunda Guerra Mundial, um jovem soldado chamado Jacob, que lutava pelo exército aliado, havia sido enviado para a França para ajudar a libertar a cidade de Paris sob o domínio nazista. Jacob era alto, moreno e de olhos castanhos. Para além disso era corajoso e dedicado, mas também era assombrado pela lembrança dos seus amigos que haviam sido mortos em batalha.
Numa noite fria de dezembro, enquanto estava em patrulha, Jacob deparou-se com uma jovem francesa chamada Isabelle. Ela estava escondida num beco, frio e escuro, tão escuro como aqueles dias de nevoeiro, a tremer de medo. Jacob ficou comovido com a situação e decidiu ajudá-la. Ao aproximar-se dela, ficou irradiado pela sua incrível e delicada beleza.
-Está tudo bem? O que aconteceu? Precisa de ajuda?
-Quem? Quem é você? Veio para me levar não foi? Saia daqui!
-Eu? Nunca faria isso, eu sou um soldado aliado estou aqui para a ajudar!
-Não é um soldado nazi?
-Acha? Nunca na vida! Eu estou aqui para a ajudar.
Isabelle decide então contar o porquê de estar tão assustada:
-Eu sou uma prisioneira dos nazistas. Consegui escapar há uns dias atrás e desde então não falo com estranhos e tento evitar espaços públicos muito movimentados.
Foi aí que ele descobriu que ela era uma resistente que havia sido capturada pelos nazistas e estava a ser perseguida por eles.
Jacob levou-a para um esconderijo seguro, onde ela se juntou a outros
membros da resistência. Juntos, eles planearam um ataque contra os nazistas em Paris.
Jacob, apesar de ter outros compromissos como soldado, uniu-se à resistência e lutou ao lado de Isabelle para libertar a cidade. Passaram semanas, se não meses, de preparação para o grande dia, graças à experiência de jacob e ao grande número de membros da resistência estes foram capazes de formar um grande exército repleto de armas e outros equipamentos, não os mais avançados, mas os necessários para poderem ter de volta a sua amada cidade.
Entretanto, a relação entre Jacob e Isabelle tinha ficado mais forte e tornaram-se quase inseparáveis. Victor, o líder da resistência, apesar do seu aspeto autoritário, pede a Jacob que comande as tropas pois ele tinha contribuído imenso para as questões táticas da batalha.
-Fico muito agradecido pelo reconhecimento e pelo cargo que me está a dar, mas vou ter de educadamente rejeitar, Victor.
-Jacob... porque é que não queres comandar as tropas? O mérito foi todo teu, não existe pessoa melhor para o cargo sem seres tu.
-Não posso aceitar, porque quero lutar ao lado de Isabelle, de forma a garantir que não lhe acontece nada.
Era o dia da batalha, Jacob e Isabelle encontraram-se num ponto de encontro secreto. Eles lutaram lado a lado, superando todos os obstáculos que os nazistas colocaram nos seus caminhos: armadilhas para ursos, minas, bombas de gás. Jacob e Isabelle foram feridos. Tudo se tinha tornado ainda mais difícil, mas não foi por isso que estes desistiram.
Finalmente, a cidade foi libertada e os nazistas foram derrotados, Jacob e Isabelle abraçaram-se, ambos aliviados e gratos pelo que tinham acabado de conseguir. Eles olharam-se nos olhos e, pela primeira vez, perceberam a atração que havia entre eles. Isabelle corou e desviou o olhar, enquanto Jacob sorriu.
-Acho que temos muito a agradecer um ao outro. Isabelle riu-se, apesar da dor que sentia.
-Acho que sim. Obrigada por me teres salvo naquele dia, Jacob.
- Foi um prazer lutar ao teu lado, Isabelle. Tu és uma verdadeira heroína da resistência.
-Não sou uma heroína, apenas fiz o que precisava de ser feito.
Ambos foram para um lugar seguro para receber atendimento médico.
Enquanto ela se recuperava, eles conversavam e compartilhavam histórias sobre as suas vidas e experiências vividas, já que até ali tudo o que interessara era a guerra.
Quando Isabelle estava pronta para partir, Jacob ofereceu-se para acompanhá-la na sua jornada para encontrar outros membros da resistência. Ele sabia que seria perigoso, mas queria estar ao lado dela. Isabelle concordou e juntos partiram numa missão para ajudar a libertar outras partes da França.
Enquanto lutavam juntos, Jacob e Isabelle ficaram cada vez mais próximos. Eles compartilharam as suas esperanças e sonhos, e falaram sobre o que gostariam de fazer quando a guerra acabasse. Jacob confessou os seus medos e Isabelle encorajou-o, dizendo que ele era um grande herói e que estava a fazer a diferença.
Finalmente, a guerra acabou e eles voltaram para Paris, onde se casaram, num belo dia de verão, numa cerimónia simples e restrita a apenas alguns familiares e companheiros de guerra. Jacob tornou-se um homem de negócios bem-sucedido e Isabelle trabalhou como assistente social, pois era o que a fazia feliz, ajudar os outros. Tiveram filhos e netos, e passaram o resto das suas vidas juntos, lembrando-se das batalhas que lutaram e das vidas que mudaram. Eles sempre se lembraram de como se conheceram, numa noite escura num beco de Paris, foi aí que os seus caminhos se cruzaram e as suas vidas mudaram para sempre.
O PEQUENO AFONSO
Inspirado na obra "American Gothic", Grant Wood (1891-1942) por Carolina Rato
Afonso Coimbra, um ser madrugador, acorda geralmente por volta das cinco e meia da manhã para poder ver o nascer do sol. Gosta de acordar cedo desde que era um menininho, dizia que tudo era melhor aquela hora. Sempre fora como é, um homem sossegado, apenas preocupado com as suas coisas.
Enquanto crescia, Afonso fora habituado a tratar da quinta com os pais. Ele não gostava muito de cuidar dos animais e das culturas, mas era uma forma de se aproximar dos seus introvertidos progenitores. Por um lado, o pequeno Afonso entendia o porquê de eles serem tão distantes, mas, por outro, ele era só uma criança e precisava da atenção e do carinho dos pais.
Todos os dias, quando Afonso ia para escola a pé, refletia sobre o assunto. Então chegou a uma conclusão: a única forma de sustento deles era a quinta e queriam garantir que ele tivesse comida em cima da mesa cada vez que ele precisasse e quatro paredes a que pudesse chamar de sua casa.
Tudo o resto, na vida de Afonso, era bastante normal para Canhas. Todos os dias ia para a escola, brincava com os seus amigos, voltava para casa e ia ajudar os pais. Até que, num dia bem chuvoso, Afonso regressa a casa e não encontra os seus pais – Onde estão eles? – perguntou cada vez mais encolhido a pensar no pior. Imediatamente correu para casa da sua amiga Rosa, que vivia apenas com a mãe porque o pai morrera quando ela ainda era bebé.
Bateu à porta e quem abriu foi a D. Lídia, mãe de Rosa.
– Afonso, que agradável surpresa! – Disse a mãe da Rosa, ao ver o Afonso. Mas ele não respondeu com a mesma felicidade e entusiasmo.
– Olá, D. Lídia, preciso da sua ajuda, de toda a ajuda que conseguir!
– Meus Deus, Afonso, estás a deixar-me preocupada. Por favor, entra e
American Gothic (Grant Wood, 1891-1942)
Créditos: Friends of American Art Collection, Chicago.
conta-me o que aconteceu.
– Não há tempo D. Lídia, por favor, temos de ser rápidos. - Responde o Afonso debaixo da chuva, completamente encharcado.
– Estás na minha casa, eu é que mando e, para além disso, não vai adiantar de nada fazer as coisas à pressa. Começa por contar o que aconteceu.
A casa de Rosa era pequena, mas aconchegante e acolhedora, com um charme único que atrai os olhares de quem passa por ela. O seu interior simples, com uma sala limitada, mas bem iluminada, com paredes brancas e um pequeno sofá confortável. A cozinha, apesar de estreita, era bem equipada e funcional, com uma mesa de jantar que acomodava quatro pessoas.
Afonso entrou e sentiu-se à vontade, até chorou, ao contar o sucedido. Este tipo de situações não era nada comum na aldeia, porque a cidade ficava muito distante e, normalmente, para as deslocações à cidade ia uma camioneta com todos os homens, que regressava antes de anoitecer. Então a D. Lídia convidou-o para ficar com elas e aguardar. De seguida sentou-se na mesinha da cozinha, pegou numa folha e numa caneta e começou a escrever.
Senhor e Senhora Coimbra, o vosso filho chegou aqui em casa a contar que vocês desapareceram, o que não é normal para a nossa aldeia, informo-vos que o Afonso está em minha casa (Beco São João nº2) até voltarem.
D. Lídia Simões
Esta carta foi posta por debaixo da porta dos Coimbra.
Mas passaram-se semanas que se transformaram em meses e mais tarde anos e a Senhora e o Senhor Coimbra nunca mais entraram em contacto com o filho ou com a D. Lídia, tendo sido dados como desaparecidos pela polícia.
Rosa foi uma verdadeira amiga para o Afonso durante este período muito difícil, o que fez com que a amizade entre eles crescesse e se tornasse algo mais. Afonso começou por reparar na beleza exterior de Rosa: os seus cabelos
loiros, brilhantes que caiam sobre os ombros estreitos, olhos azuis profundos que brilhavam com vivacidade e curiosidade, as suas bochechas rosadas e o sorriso radiante que iluminava e encantava Afonso. Já Rosa começou por reparar como o Afonso era encantador, tudo nele brilhava e a encantava cada vez mais. Ela não sabia se era por ele ser um homem alto que a protegia e lhe mostrava segurança, quando ela sabia que a vida dele estava a desmoronarse.
Mais cedo ou mais tarde eles acabariam por se aperceber que o que sentiam um pelo outro já não era só uma amizade e começariam a namorar.
O mais difícil seria esconder da D. Lídia. Como iria ela reagir? Afinal eles eram como irmãos.
Mas, quando Afonso fez dezoito anos, eles tomaram a decisão de revelarem os seus sentimentos.
– D. Lídia, tenho uma coisa para lhe contar – disse o Afonso com uma voz um pouco trémula.
– Ai menino, lá estas tu a querer assustar-me, diz logo!
– Então é que eu e a Rosa, pronto, nós namoramos e já faz algum tempo.
– AhAhAhAh! – Grita a D. Lídia – É o dia mais feliz da minha vida! Graças a Deus, um bom homem para cuidar da minha menina, um homem com valores.
Afonso e Rosa não estavam à espera desta reação e ficaram muito felizes. D. Lídia começou a planear o casamento dos dois.
Passados sete meses, a Rosa fez os tão esperados dezoito anos, e com esta idade finalmente podia casar-se com o amor da sua vida.
Depois do casamento eles mudaram-se para a antiga casa do Afonso. Ao voltar para a casa onde seus pais o abandonaram anos atrás, Afonso sentiu uma mistura de emoções. A tristeza e a mágoa pela falta de cuidado que recebeu de seus pais contrastavam com a alegria de finalmente ter encontrado um lar para ele e a sua esposa. Mesmo que o passado não
pudesse ser mudado, ele decidiu construir um futuro feliz num lugar que um dia lhe trouxera dor. Com a sua amada ao seu lado, o homem encontrou a paz
e a segurança que lhe foram negadas na infância. E, embora tenha havido muitas dificuldades na sua jornada, ele finalmente percebeu que a verdadeira família não é necessariamente com quem compartilhamos o mesmo sangue, mas aqueles que nos amam e nos apoiam incondicionalmente.
Las dos Fridas (Frida Kahlo Calderón, 1907-1954)
Créditos: Museo de Arte Moderno, Cidade do México.
UMA VIAGEM BANAL E UMA AMIZADE ESPECIAL
Inspirado na obra "Las dos Fridas", Frida Kahlo (1907-1954) por Matilde Alves
Maurícia Manuela Almeida era uma jovem que acabava de fazer 18 anos. De estatura média, tinha um rosto fino, cabelo castanho-escuro e olhos também castanhos onde era demonstrada a sua alegria profunda. De traje tehuana, camisola azul e amarela e uma saia verde, representava o México, o país onde Maurícia nascera, colorido, com cores vivas e pele morena.
Vivia em Guadalajara, uma aldeia com poucas pessoas, onde toda a gente se conhecia, ajudando-se mutuamente. Por outro lado, era uma terra muito pouco desenvolvida, com baixas condições relacionadas com a qualidade de vida da população, a economia financeira e industrial. Ela crescera numa família pobre, estando habituada a viver com pouco e a ouvir muitas discussões dos familiares em relação ao dinheiro, que tinha de ser poupado e não gasto em lazer.
A mãe, Cláudia, uma pessoa calma, depois de ter várias longas conversas com o pai e com o irmão mais de velho de Maurícia, decidiu numa tarde contar uma novidade à filha:
- Filha, chega num instante à cozinha, precisamos de conversar.
Maurícia desce as escadas em direção à cozinha, puxa uma cadeira, pega na sua saia para não arrastar no chão, senta-se e diz:
- Diga, mãe, o que precisa?
Cláudia parece assustada, não sabendo muito bem por onde começar a falar sobre o assunto.
- Sabes as dificuldades que passamos aqui na aldeia e como está toda
esta situação e, depois de conversar com o pai e com o teu irmão, chegámos à conclusão de que o melhor para todos nós seria ir embora. Viajaremos ainda esta semana para a Europa, vamos começar a viver em Portugal, Lisboa, onde mora a tua tia Alice.
Maurícia recebe esta notícia de uma forma desagradável. Como poderia deixar os seus amigos, o namorado, a escola, os vizinhos e a aldeia onde crescera? Mas, de certa forma sabia que isto iria ser uma mudança na vida dos quatro, todos teriam de abdicar.
Na manhã seguinte, era mais um dia, com uma rotina monótona. Levantou-se, preparou-se, comeu e seguiu o caminho habitual. Apesar de ser algo repetitivo, Maurícia não se importava, pois gostava muito de ir para a escola. Mas, neste dia sentia algo fora do comum, quase como se fosse um vazio. Sabia que era por causa do que a mãe lhe tinha dito. Este seria um dos últimos dias dela naquele sítio. Passaram-se mais três dias assim, a única coisa que tinha que fazer de modo diferente era ajudar a arrumar todas as coisas.
- Finalmente chegou o dia! – disse o irmão.
- Não sei como consegues estar tão entusiasmado para esta viagem –respondeu Maurícia num tom triste.
- Meninos, chega de conversas e vamos partir, ainda temos um longo caminho a percorrer – interrompeu o pai.
Estava um dia ensolarado quando embarcam no avião que os levaria até ao destino, Lisboa. Maurícia passou a viagem toda sem falar, com um ar melancólico. Já os pais e o irmão estavam animados com a viagem, ansiosos para conhecer um novo país. Assim que descolaram, sentiram a emoção e a felicidade de que poderiam finalmente ter uma vida melhor.
Enquanto subiam cada vez mais alto, Maurícia olhava pela janela e via as nuvens brancas espalhadas pelo céu azul. O coração dela enchia-se de tristeza, ao relembrar-se de todas as memórias de Guadalajara.
No avião, conheceu uma menina que se chamava Mariana, que também
estava a caminho de Lisboa. Durante o voo, começaram a conversar e perceberam rapidamente que tinham muito em comum. Contaram histórias, interesses e sonhos. Parecia que já se conheciam há anos. Partilhavam do mesmo vazio e da mesma tristeza. Ao verificarem que o avião se aproximava do destino, trocaram o número de telemóvel e prometeram manter-se em contacto.
Nas semanas seguintes, conversaram regularmente. Contavam tudo o que se passava e sentiam uma à outra. Apoiavam-se sempre nos momentos difíceis, mas também celebravam juntas as conquistas e alegrias de ambas, tendo sempre uma forte conexão.
Mas essa ligação ia além das emoções e experiências. Elas compartilhavam uma compreensão mútua, uma sintonia que poucas pessoas conseguiriam entender. Não precisavam de palavras para saber o que a outra estava a pensar ou sentir, o que muitas das vezes permitia que se apoiassem mutuamente, mesmo estando fisicamente distantes.
Maurícia e Mariana decidiram encontrar-se novamente, desta vez num sítio intermédio, que ficava entre as suas novas casas. Passaram alguns dias maravilhosos juntas, explorando a cidade e criando memórias recentes. Foram o pilar uma da outra naqueles dias que supostamente iriam ser de grande tristeza.
Assim, tornaram-se amigas muito próximas, visitando-se sempre que possível. O encontro casual num avião deu origem a uma amizade profunda e duradora, prova de que as conexões mais improváveis podem florescer em algo especial.