CLASSE #2

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as digam publicamente o que fizeram e assumam os crimes contra a humanidade que praticaram. Então, essa fala do Lula, como sempre, é uma fala em nome de uma pseudo-governabilidade, que é o que se vem falando desde o primeiro governo dele. Quando a gente fala de questões como a da abertura dos arquivos, a gente percebe que não há vontade política. E por quê? Porque as forças que apoiaram a Ditadura continuam presentes no cenário político apoiando os diferentes governos civis. Classe – Qual a diferença entre indenização e reparação? Quem já conseguiu receber a reparação do governo? Cecília – Indenização para nós é apenas indenizar financeiramente, o que, embora seja um direito, é pouco, muito pouco. A ONU usa o termo reparação como um processo onde primeiro se investiga o que aconteceu, responsabiliza e repara os atingidos com a colocação de que isso não volte a acontecer. Então, estamos muito longe de um processo reparatório. A reparação financeira é o final desse processo, é quando o Estado assume sua responsabilidade com o que fez. Isso não foi feito no Brasil até hoje. O que vem sendo feito no Brasil é o que chamamos de “cala a boca”. É pagar para esquecer o que aconteceu quando a gente sabe que nenhum dinheiro paga o que as pessoas sofreram, o que os familiares dos desaparecidos, por exemplo, sofrem até hoje. Tem mãe que ainda acha que o filho vai voltar. Mães que não mudam de telefone nem de endereço achando que os filhos podem estar por aí com alguma amnésia e que vão aparecer. Quando a gente inaugurou, há alguns anos, ruas com nomes de companheiros mortos e desaparecidos, alguns familiares não quiseram ir porque ver o nome

dos filhos em uma placa de rua era confirmar sua morte. A figura do desaparecido, criada pela ditadura brasileira e exportada para outras ditaduras latino-americanas, é uma coisa perversa porque tortura até hoje. A própria Ditadura caçoava dos familiares dizendo: “de repente, não desapareceu, está morando em um país comunista! Abandonou a família!” É uma perversidade sem tamanho. Classe - Só as pessoas mais conhecidas recebem? Cecília – Só as que aparecem mais. Veja bem, a reparação financeira é um direito, mas acho que os critérios tinham de ser mais transparentes. Ela deve ser o final do processo e não como esse grande “cala boca” que a caracteriza hoje no Brasil. Acho que umas mil pessoas já receberam. Eu mesma fui presa, torturada, perdi meu emprego, fui anistiada e até hoje não recebi nada. Não é por acaso que algumas pessoas mais conhecidas, escritores e jornalistas, recebam as reparações, às quais, repito, essas pessoas têm direito. Mas, lamentavelmente, essas pessoas quando recebem o dinheiro não lembram que sua história precisa ser contada. O Estado brasileiro, além de reparar financeiramente, precisa contar o que aconteceu. Ele precisa apontar os crimes cometidos em nome da Segurança Nacional. O triste é que companheiros que recebem as reparações não lembrem de falar isso, de contar o que foi o sofrimento e essa história desse sofrimento. Os critérios devem ser transparentes e publicizados porque, do contrário, a direita e a grande mídia adoram fazer isso, fica aquela coisa de “vejam as indenizações milionárias!”, que é uma forma de se jogar uma cortina de fumaça em cima do que efetivamente

CLASSE – Revista da Associação dos Docentes da UFF – OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO/2008

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