Adriana Maria Nagalli de Oliveira

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Refrações da tolerância e da intolerância no mundo contemporâneo
Refrações da tolerância e da intolerância no mundo contemporâneo
O espelho partido: refrações da tolerância e da intolerância no mundo contemporâneo
© 2025 Adriana Maria Nagalli de Oliveira
Editora Edgard Blücher Ltda.
série academia de psicanálise
Coordenadora Marina F. R. Ribeiro
Publisher Edgard Blücher
Editor Eduardo Blücher
Coordenador editorial Rafael Fulanetti
Coordenadora de produção Ana Cristina Garcia
Produção editorial Andressa Lira
Preparação de texto Ariana Corrêa
Diagramação Thaís Pereira
Revisão de texto Cristine Sakô
Capa Departamento de produção
Imagem da capa Patricia Fontoura Vidal
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil
Tel.: 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br
Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 6. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, julho de 2021.
É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora.
Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Heytor Diniz Teixeira, CRB-8/10570
Oliveira, Adriana Maria Nagalli de O espelho partido: refrações da tolerância e da intolerância no mundo contemporâneo / Adriana Maria Nagalli de Oliveira. – São Paulo : Blucher, 2025.
112 p. – (Série Academia de Psicanálise / coord. Marina F. R. Ribeiro)
Bibliografia
ISBN 978-85-212-2674-1 (Impresso)
ISBN 978-85-212-2675-8 (Eletrônico - Epub)
ISBN 978-85-212-2672-7 (Eletrônico - PDF)
1. Psicanálise. 2. Psicanálise e sociedade. 3. Refrações. 4. Intolerância. 5. Clínica psicanalítica. I. Título. II. Série. III. Ribeiro, Marina F. R.
CDU 159.964.2
Índice para catálogo sistemático: 1. Psicanálise
CDU 159.964.2
Vera Lamanno-Adamo
1. As múltiplas faces da intolerância 17
2. Raízes profundas: intolerância psíquica e barbárie 27
3. A marca do tempo: contribuições culturais 39
4. Espelhos da intolerância
5. Intolerância/tolerância, maldade/bondade 81
6. Estudo clínico: a complexidade da tolerância e intolerância na era contemporânea
7. Conclusão 109
Você, intolerante? Esta pergunta pode parecer simples, mas as respostas revelam as complexas camadas de uma sociedade frequentemente ofuscada pela intolerância. Esse véu turva nossa visão coletiva, impregnando-se nas raízes das mais variadas interações humanas e desafiando a ideia de coexistência pacífica. Num mundo cada vez mais interconectado, refletir sobre a intolerância é crucial.
Este fenômeno não apenas degrada o tecido social, mas também obstrui o desenvolvimento de relações harmoniosas entre diferentes grupos e indivíduos, em escala tanto local quanto global.
A intolerância é frequentemente percebida apenas como um desconforto ou aversão a diferenças, mas sua verdadeira natureza é bem mais profunda. Manifesta-se em múltiplos níveis, impactando tanto as interações sociais quanto pessoais, e é caracterizada pela recusa em aceitar e respeitar o mais que humano em nós. Essa dinâmica pode emergir tanto em atitudes sutis quanto em ações explicitamente discriminatórias, servindo como tanto origem quanto consequência de preconceitos e discriminações.
Mas, afinal, o que é intolerância?
A intolerância, fenômeno complexo e multifacetado, tem sido explorada por diversos pensadores de maneiras que ilustram sua profundidade e suas ramificações. Vamos entender melhor como alguns autores conceituam e contextualizam a intolerância.
Neste capítulo, serão exploradas as origens profundas da intolerância, mergulhando tanto nas suas raízes psicológicas quanto nos eventos históricos que moldaram as interações sociais atuais.
A intolerância, um espectro que vai além do desconforto diante do diferente, é uma força disruptiva que se entrelaça, muitas vezes, com conceitos de civilização e barbárie.
Segundo o historiador Arnold J. Toynbee (1987), em seu trabalho Um estudo da história, a civilização é o “progresso da capacidade de um estado ou sociedade em gerir sua própria vida política, econômica, religiosa e social de maneira cada vez mais autônoma, complexa e coesivamente”, ou seja, a civilização é frequentemente entendida como um estado de organização social complexa que se caracteriza por um assentamento permanente em cidades, uma divisão elaborada de trabalho e estruturas institucionais de governança. O conceito também abrange o desenvolvimento de formas sofisticadas de comunicação escrita, arte, arquitetura e sistemas normativos que regulam a vida social e política.
Já o filósofo Walter Benjamin (1940/2020), nas suas Teses sobre o conceito de história, diz que “não há registro de civilização que não seja ao mesmo tempo um documento de barbárie”. Benjamin argumenta que toda construção cultural da civilização, por mais sofisticada que seja, carrega em si traços de opressão e destruição, uma
Nos capítulos anteriores, houve um mergulho nas origens da intolerância, examinando como esse fenômeno complexo se infiltra nas estruturas sociais e psíquicas. Entendeu-se que a intolerância transcende a simples aversão ao “outro”, pois está profundamente enraizada em processos históricos e psicológicos. Foi visto como a intolerância é uma força disruptiva que pode ser amplificada pelo medo e pelo desconhecimento, muitas vezes alimentando-se das estruturas de poder e das dinâmicas sociais que moldam as interações humanas. Essa compreensão é fundamental para desvendar a complexidade dos preconceitos que permeiam diferentes sociedades.
Foram exploradas as raízes psíquicas da intolerância, desde o “narcisismo das pequenas diferenças” de Freud (1918/1976) até as primeiras formações da mente discutidas por Wilfred Bion. Essas análises forneceram uma visão profunda de como o medo e a rejeição do “outro” podem ser resultados de processos internos que formam uma identidade rígida, protegida por um escudo de fanatismo. A intolerância é, portanto, uma combinação intrincada de fatores pessoais e coletivos, que frequentemente resulta em exclusão e violência.
Além disso, foi possível compreender como as manifestações da intolerância podem ser influenciadas por grandes eventos históricos e culturais, como o colonialismo e o nazismo. Houve a análise de como ideologias de superioridade racial e étnica, associadas a
A intolerância é uma sombra persistente que permeia diversas esferas sociais, manifestando-se de formas tão variadas quanto devastadoras. Desde os pequenos gestos de desdém até atos de violência explícita, suas raízes encontram terreno fértil em preconceitos enraizados e em uma profunda falta de empatia e compreensão.
A intolerância não apenas afeta as vítimas diretamente, mas também corrói a coesão social, criando divisões e perpetuando ciclos de exclusão e discriminação. Neste capítulo, vamos explorar como a intolerância se revela em diferentes contextos, ilustrando seu impacto não só na vida individual, mas também no tecido social como um todo.
Uma das faces mais visíveis da intolerância é o racismo. Com raízes históricas profundas, o racismo se manifesta de maneira estrutural e cotidiana, influenciando políticas, práticas sociais e relações interpessoais. A discriminação racial não é apenas um vestígio do passado, mas uma realidade atual que se reflete nas desigualdades de oportunidades, nos preconceitos institucionais e nas interações diárias. Explorar as diversas camadas do racismo é essencial para entender como essa forma de intolerância continua a impactar profundamente a vida de muitas pessoas e a perpetuar desigualdades sistêmicas.
A origem histórica do racismo pode ser rastreada até tempos muito anteriores à colonização europeia. Na Antiguidade, culturas
O que realmente significa ser bom ou mau? Não há uma resposta absoluta. Por isso, vamos explorar a complexidade das noções de bondade e maldade e como elas se entrelaçam com a intolerância e a tolerância.
A dialética entre maldade e bondade na formação
A natureza humana é um campo fértil para a coexistência de maldade e bondade, conceitos que têm sido discutidos por filósofos, psicólogos e estudiosos ao longo dos séculos. Mas, afinal, o que é bondade? E o que é maldade? Será possível categorizar as pessoas em boas ou más de maneira definitiva ou esses atributos são mais fluidos e dependentes do contexto e das circunstâncias em que nos encontramos?
Maquiavel (1513/2016), em sua obra O Príncipe, oferece uma visão pragmática e, muitas vezes, controversa da natureza humana. Ele sugere que as ações humanas são guiadas tanto por virtudes quanto por necessidades de sobrevivência, propondo que a moralidade não é um absoluto, mas sim uma construção adaptativa. Maquiavel argumenta que a distinção entre bondade e maldade é uma questão de perspectiva e contexto, já que ações consideradas virtuosas em uma situação podem ser vistas como cruéis em outra. Ele enfatiza que os
A intolerância, conforme observado até aqui, não é um fenômeno simples. Ela emerge de sombras que nem sempre são fáceis de identificar: medos, inseguranças e cicatrizes que as pessoas carregam ao longo da vida. Traumas, tanto individuais quanto coletivos, tendem a se manifestar em comportamentos que, à primeira vista, parecem incompreensíveis, mas que, sob uma lente mais empática, revelam camadas de dor e defesa.
Ao longo das páginas, caminhou-se por uma linha tênue que separa a bondade da maldade, refletindo sobre como esses extremos se entrelaçam em ações cotidianas.
Neste capítulo, o espaço estará aberto para se olhar mais de perto o que esses conceitos revelam quando aplicados em situações clínicas. A empatia, tão discutida até aqui, ganha novas nuances quando confrontada com o peso do sofrimento e da violência interior que muitos carregam. E é justamente nesses momentos em que está mais vulnerável que o ser humano se mostra em sua total complexidade.
Para ilustrar algumas situações, serão trazidas aqui algumas vinhetas clínicas, não apenas para examinar como essas dinâmicas operam, mas revelar o impacto que ambientes de estresse e medo têm sobre o comportamento humano. Situações que desafiam a moral,
Diante de um espelho partido, o reflexo não é apenas fragmentado: ele é plural. Cada pedaço oferece uma perspectiva distinta, um recorte de uma totalidade que jamais se refaz completamente.
Talvez essa seja a imagem mais fiel da convivência humana em um mundo no qual a intolerância, em suas múltiplas formas, insiste em nos dividir e confrontar. Refletir sobre esses pedaços é tanto um convite à compreensão quanto uma jornada incerta pelos territórios de nossa própria humanidade.
Ao longo deste livro, foram investigadas as raízes da intolerância –suas manifestações históricas, psicológicas e culturais. Explorados como o medo do outro, a busca por identidade e as dinâmicas de poder moldam a incapacidade de aceitar o diferente.
Por isso, este capítulo final não é uma síntese, nem uma conclusão definitiva. Ele é, antes, um último fragmento, uma tentativa de olhar para os estilhaços e perguntar: o que se aprendeu ao encarar o espelho partido?
A multiplicidade das perspectivas
Se há algo que emerge do estudo da intolerância, é a compreensão de que ela raramente é um fenômeno isolado.
A intolerância, na verdade, pode ser entendida como um tecido emaranhado, composto por fios históricos, sociais e emocionais. Em
Ao longo da leitura desta obra, entendi por que implico com assertivas como “fulano de tal é uma pessoa muito humana”, “o hospital oferece tratamento humanizado”, entre tantas outras que equacionam a natureza sapiens a um alto grau de respeito à dignidade alheia. A autora nos instiga a considerar nossa atávica propensão à intolerância. Antes mesmo de conhecer alguém (tarefa sempre nublada e incompleta), tendemos a idealizar ou… depreciar. Triunfamos sobre a alteridade que nos aflige, num ímpeto defensivo, atribuindo-lhe faltas e excessos. Irrompemos neste mundo tão precariamente e aqui vivemos sedentos de amor, por isso mesmo constituindo a espécie mais afeita a dogmatismos, a fanatismos, a racismos e a todas as formas de ataque às diferenças. Odiamos o que frustra nossas ânsias narcísicas. Nunca perderá a importância um livro como este, que ilumina as feições da hostilidade, essa força psíquica destrutiva, às vezes sorrateira, e profundamente humana.
Carolina Scoz


