UM DISCO DEBAIXO D’OLHO
AO LONGE JÁ SE OUVIA SOPA DE PEDR A
Editora Turbina
Não se trata de uma novidade, daquelas acabadas de chegar às prateleiras das lojas de discos ou aos escaparates da internet, mas mal estaremos quando só dermos atenção demorada àquilo que é novo. Ao Longe Já Se Ouvia é um disco para saborear com calma, como um bom vinho ou um queijo de cura cuidada. O sabor começa na embalagem, uma caixa de madeira, com tampa deslizante e o nome do grupo gravado. Lá dentro, o disco propriamente dito e um conjunto de reproduções fotográficas que têm, no verso, as letras das canções. Esta descrição não é desnecessária, porque com as harmonias vocais da primeira faixa, percebe-se imediatamente que estamos num domínio onde o saber fazer é pedra de toque, o gesto mais importante do que a aparência, a entrega um movimento essencial. Sopa de Pedra são dez mulheres que cruzam as vozes num percurso pelo
cancioneiro tradicional português, com uma ou outra passagem por composições mais recentes (como “Ró da Graça”, de Capagrilos, “Serra da Lapa”, de José Afonso, ou “Bate Bate”, de Amélia Muge). A polifonia vocal define o disco, com as vozes a fazerem o grosso do trabalho. O resultado, pode apelidar-se de belíssimo, sem medo de abusar do superlativo. Aquilo que chamamos de tradição surge, aqui, numa actualidade que confirma a permanente relação dos nossos gestos com a respiração imparável do mundo. Nem os versos das velhas cantigas se perderam na bruma do tempo, nem a nossa acelerada modernidade pode prescindir de saber de onde vem. E nesse respirar que não é anacrónico, e que tem no presente a consciência do tempo, dos lugares e das pessoas, a polifonia desta Sopa de Pedra é um oxigénio precioso. SFC