A CASA em revista ED. Seis

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A CASA FOTO ARTE



A CASA EM REVISTA - ed.6


Capa TranscendĂŞncia Jaci Rabelo


Editorial

A CASA em revista é uma publicação virtual de artes visuais com ênfase na fotografia contemporânea. Nasce dentro

do isolamento social necessário para evitar o coronavírus.

Inicialmente voltada para artistas que participam de projetos, encontros ou cursos A CASA, busca dar visibilidade em

tempos de pandemia para a emergente produção destes artistas, também servir de portfólio e ajudar a colocar novos

nomes e trabalhos em circulação dentro do sistema de arte. Além de ensaios fotográficos e trabalhos relacionados à

imagem, cada edição terá uma entrevista com um artista convidado, que apresentará também um ensaio, projeto ou

produção de sua autoria, escolhido e selecionado por ele mesmo.

Venha conhecer a fotografia periférica e premiadíssima de

Luiz Baltar, sim ele é nosso convidado dessa sexta edição. Baltar é aquele exemplo a ser seguido, enche os amigos de

alegria e orgulho e alimenta a esperança de jovens artistas

afirmando que sempre é possível respeito e visibilidade se você acreditar,

estudar e se preparar. Entrevista ótima.


Via “Retrato” Barbara Sczesny

A Avenida Brasil é a via mais importante do Rio de Janeiro, via percorrida diariamente por milhares de trabalhadores até o centro da cidade. Via que também conduz turistas ansiosos por conhecer a famosa Cidade Maravilhosa. Via que abriga tantos e tantos miseráveis sob estruturas de obras inacabadas. Via maltratada. Via atual “retrato” da Cidade do Rio de Janeiro. Via em transformação? Via...











Um Rendilhar da Condição Humana Izabel Lucas

A contingência imposta pelo confinamento forçado, vem nos levando a um olhar mais profundo sobre nós mesmos, sobre os limites, expressos ou não, do sujeito social e do individual que reside em cada um. Neste contexto, o conjunto de fotografias aqui reunidas, explora a potência das subjetividades artísticas que com este processo igualmente podem ser tocadas. Fruto da provocação de uma peça de teatro, na qual a personagem principal encara sem rodeios um diálogo com este processo e seus conflitos pessoais, a obra explora memórias, dores e prazeres, para produzir um trajeto imagético luxuriante e indagador. Embora se utilizando da densidade da renda como elo visual e mnemônico de seus sonhos, as fotografias são capazes, em contraste, de tocar o outro extremo compositivo, navegando pelo minimalismo com o mesmo fervor. Reflexões pessoais do isolamento dão lastro e adensam as cenas, levando-nos a um mergulho visual no qual a tecedura emaranhada da condição humana, hoje tão ancorada na diversidade de redes, surpreendentemente é o que reveste o lugar tantas vezes inacessível da individualidade. O ensaio é um convite a perceber que estes limites nem sempre serão claros, embora possam ser constantemente acompanhados de uma beleza singular e de um silêncio eloquente.







Transcendência Jaci Rabelo

Transcendência é uma humilde releitura do brilhante trabalho de Claudia Andujar e sua incansável luta pelos Yanomami. “Somos habitantes da floresta (...). Antigamente, éramos realmente muitos e nossas casas eram muito grandes. Depois, muitos dos nossos morreram quando chegaram esses forasteiros com suas fumaças de epidemia e suas espingardas (...). Às vezes até tememos que os brancos queiram acabar conosco. Porém, a despeito de tudo isso, depois de chorar muito e de pôr as cinzas de nossos mortos em esquecimento, podemos ainda viver felizes. Sabemos que os mortos vão se juntar aos fantasmas de nossos antepassados nas costas do céu, onde a caça é abundante e as festas não acabam. Por isso, apesar de todos esses lutos e prantos, nossos pensamentos acabam se acalmando (...). Recomeçamos a rir com nossos filhos, a cantar em nossas festas reahu e a fazer dançar os nossos espíritos xapiri. Sabemos que eles permanecem ao nosso lado na floresta e continuam mantendo o céu no lugar” Trecho do livro “A queda do céu Palavras de um xamã yanomami” Davi Kopenawa e Bruce Albert









Magnificiência Laura Mancini Percebo a natureza, ora sutil, ora magnífica. Suas cores às vezes me chegam tímidas, às vezes pujantes. Mas é quando surge o vermelho, em meio à rica paleta dessa diversidade, que busco, de maneira quase irresistível, as minhas lentes, para me apoderar dessa exuberância, como se corresse o risco de perder uma ultima chance. Os clicks não param e essa cor imperial passa a refletir e dominar tudo que chega a minha câmera. Sigo numa pressa sem limites, deixando o magenta cobrir tudo o que meus olhos veem. É a magnificência do vermelho. Minha câmera descansa. O vermelho, esse, segue se espalhando tudo que me cerca.











Invisível

Nayhd Barros Como tocar o invisível? Os olhos, as mãos tentam explicitar o que jamais se coloca, e o invisível escapa entre a abertura dos dedos, as nuances de luz e sombra, o registro da câmera e o abrir e fechar dos olhos, escondendo-se no infinito das respostas que nunca acharemos. O que nos resta são nossas mãos, olhares e coração, que, titubeantes, ainda são capazes de encontrar o infinito nos gestos de ternura.







Pele Que Habito Ricardo Mesquitta

A série “Pele onde habito”, parte do projeto fotográfico “corpos em auto retrato”, explora através da “fotografia interpretada” uma relação autoerótica onde a pele constitui-se de campo de negociação para a expansão das fronteiras entre o belo e o feio, entre o desejo e o estranhamento. Com a barganha em curso, torna-se perceptível que na ausência de adornos de vergonha e idealizações, o corpo, mesmo em gestos perenes revela a beleza de seus sulcos, seus vincos, suas dobras. Camadas desobedientes performam no dispositivo soma um terreno tenro aos afetos outros, um convite ao encontro profundo consigo mesmo, reconectando junções, num epinício ao amor narcísico fustigado e transfigurado em mal-estar em nossa sociedade de relações fluidas e espetaculares.









Daqui onde estou, no meio da rua, debaixo da chuva fina Tete Silva De tudo, de tudo mesmo, e me refiro às brigas matinais que me servias como café da manhã, ao ardor com que te entregavas a qualquer estupidez domingueira só pra ter o prazer de me alijar desses joguinhos infantis dizendo que eu nada entenderia daquilo, às noites em que permanecíamos calados como dois cactos em frente ao televisor sintonizado no teu maldito canal preferido, aos beijinhos hipócritas que me davas o dia inteiro e à mãozinha boba que sem mais nem menos enfiavas entre as minhas pernas nos momentos mais constrangedores dizendo em meu ouvido que teu tesão por mim era irrefreável, aos casinhos sem importância que deixei passar como se fossem mariposas espalhafatosas, então, de tudo, de tudo mesmo, só um detalhe ainda me perturba, agora que abandonei nossa casa, agora que te enviei à merda dourada com os louros todos que te cabem por ter transformado nossa vida em um inferno, enfim, de tudo, de tudo mesmo, só me preocupo com a cama desfeita, veja só, só a cama eu acho que deveria ter arrumado, todo resto que se foda, nossa vida em comum que se foda, teus livros, teus modos de lorde, que tudo se foda, tudo, menos a nossa cama, só ela me parece ter alguma importância daqui onde estou, no meio da rua, debaixo da chuva fina, submergindo, do silêncio da rua, preciso, preciso.









Onde Eu Queria Estar Thiago Diniz

A série onde eu queria estar explora a banalidade do cotidiano durante a quarentena, onde o tempo se instaura num ritmo próprio parecendo se arrastar. Através de situações corriqueiras, busquei refletir sobre o direito a estar em quarentena, onde quem está em casa reclama do tédio, enquanto quem precisa sair de casa, não vê a hora de poder voltar, devido a iminência de contaminação e a possível morte. Quem está? Quem não está? Algumas imagens não deixam dúvidas. Ou não. E você, onde queria estar?












Artista Convidado

Luiz Baltar Anomia


Entrevista A CASA: Obrigado Baltar por ter aceito estar aqui em nossas páginas, gostaria de começar perguntando como surgiu esse seu interesse por fotografia, principalmente por essa sua fotografia híbrida, expandida, deslocada? LUIZ BALTAR: No começo a fotografia era para mim uma forma de ativismo político, de contribuir, de alguma forma, com as lutas dos movimentos sociais. Com o tempo fui constituindo um acervo de imagens sobre as disputas que se davam na cidade do Rio de Janeiro, registrando diferentes lutas e resistências por direitos, assim fui entrando nos territórios e pude também acompanhar o cotidiano dos moradores das favelas e periferias. Diversas situações que seriam esquecidas se não tivessem câmeras registrando. Desse compromisso inicial de constituir uma memória que pudesse ser compartilhada, veio o entendimento que eu não era um observador estrangeiro, estava juntando um material que era também sobre a minha história. A necessidade de traduzir visualmente o que eu


pensava e sentia como morador dessa cidade foi ganhando corpo quando passei a fotografar o meu caminho casa x trabalho, que atravessava a cidade de Norte a Sul. Paisagens em mutação. Tapumes cercando o que poderia ser ao mesmo tempo construções em andamento, demolições ou estruturas abandonadas, sobreposição de camadas. E tinha também o que eu vivia nesse período: utopia e revolta que acompanhava explodindo nas ruas, desejo de derrubar a velha política para dar espaço ao novo. Democracia direta nas assembleias dos espaços públicos ocupados. Aldeia Maracanã, Vila Autódromo, o acampamento na rua do Cabral e na Cinelândia... A fotografia como documento, para mim, não seria suficiente para representar toda essa mistura e atravessamentos. A CASA: Você faz parte de uma geração de fotógrafos vindo da periferia, como foi sua formação e como foram surgindo oportunidades de inserção nesse mercado e território tão concorrido? Conte um pouco das dificuldades que um fotógrafo de periferia enfrenta para conseguir adentrar a bolha da carioca do sistema de arte. LUIZ BALTAR: Eu conheci os fotógrafos formados pelo Ripper na Maré em 2008, a gente se esbarrava constantemente fotografando festas populares e protestos. Em 2009 começou o processo de seleção para uma nova turma da Escola de Fotógrafos Populares (EFP), eu fui convidado para entrar nesse processo, mas a horário e a duração do curso, 5 horas diárias de aula durante 8 meses, não era


compatível com o meu trabalho, decidi esperar pela próxima turma, que só foi formada três anos depois, em 2012, e que infelizmente foi a última turma de fotógrafos populares. Eu acredito que não exista no mundo uma experiência igual, da comunidade fotográfica abraçar um projeto. A EFP era uma imersão total, tinha muita energia, paixão e companheirismo envolvidos. Mas apesar de todo talento inquestionável dos fotógrafos formados e da importância do banco de imagens que estava sendo formado para disputar o imaginário sobre os territórios populares, a importância dessa experiência foi mais política. O meio da fotografia ainda é muito elitista e fechado, isso pode ser facilmente constatado pela quase ausência de convites para a participação dos fotógrafos populares em Festivais. Posso estar enganado, mais até onde sei o FestFoto de Porto Alegre foi o único festival que levou a EFP para ser apresentada como convidada e o Foto Rio também, nos encontros de Inclusão. A fotografia feita na periferia é também, como outras manifestações culturais, uma atividade de resistência e de afirmação, como dizem Nós por Nós, feita por dentro para exaltar os seus.


A CASA: Fala sobre a emoção de ser vencedor de dois grandes editais nacionais de fotografia, passando a frente de tanta gente com mais bagagem, rodagem e visibilidade? LUIZ BALTAR: Como estava dizendo, felizmente ganhei esses prêmios fora do Rio de Janeiro e assim portas, que nunca se abririam, foram escancaradas para mim. O mais importante, além dos prêmios em dinheiro, foi a certeza que havia espaço para as minhas experimentações estéticas e para as histórias que me proponho contar. Recebi o troféu Conrado Wessel, em uma cerimônia de gala com direito a jantar no restaurante Fasano, na mesa com os grandes nomes da fotografia. Mas nunca fiquei deslumbrado com isso, porque a minha vivência continuou sendo estar nas favelas, fotografando as ocupações militares e a repressão da PM aos protestos de rua. Dias depois de ganhar o prêmio, encontrei o Severino Silva cobrindo a mesma pauta, o abraço apertado e os parabéns sinceros que recebi foram, de verdade, um reconhecimento igualmente significativo. Tenho consciência que a minha trajetória inspira muitos fotógrafos de periferia, essa também é minha militância, fortalecer a fotografia popular.


A CASA: Quais foram suas grandes influências, quem ou o que te inspira a produzir suas obras? LUIZ BALTAR: Eu não tenho vergonha de dizer que, até alguns anos atrás, as únicas referências que tinha eram fotojornalistas e fotógrafos documentais, entre eles Ripper e Sebastião Salgado no topo do altar. Não conhecia fotógrafos fora desse circuito. O trabalho autoral que comecei a desenvolver com Fluxos nasceu da minha formação estética/ visual nos ateliês de gravura. Quando tive coragem de mostrar o que vinha fazendo como pesquisa de linguagem, não conhecia trabalhos semelhantes em fotografia. Ao ler a primeira vez o termo fotografia expandida, comecei a procurar literatura para entender se o que fazia tinha alguma relação. As referências que fui encontrando na fotografia contemporânea vieram menos como inspiração e mais como um conforto em saber que não estava sozinho. A CASA: Qual a sua relação com o mercado de arte? Você tem galeria? Como sua fotografia circula? LUIZ BALTAR: Eu não tenho galeria, teoricamente tive por quase dois


anos, mas foi uma relação que nunca se concretizou, acabou sem nunca ter sido. Aconteceram situações muito chatas onde percebi o desconforto da galeria comigo. Quem me representa e sempre foi uma grande parceira é a Marcia Mello. Conheço a Marcia antes de ganhar os Prêmios FotoRio, Brasil Fotografia e Conrado Wessel. Ela coordenou com o Milton Guran uma especialização em Arte e Mercado que fizemos na Maré. Foi uma das primeiras pessoas para quem mostrei o Fluxos logo no início. Ela uma especialista em fotografia do século XIX, mas se encantou com o meu trabalho, me dizia que tinha muito de pictorialismo nas minhas imagens, uma ponte com o início da história da fotografia, antes da ditadura do real, isso foi um grande incentivo. Ela me fez vários convites, apresentou meu trabalho para diversos críticos, tudo isso antes de ganhar os prêmios com minhas paisagens construídas. Quando ela fechou a galeria que tinha, me convidou para conversar sobre seus novos projetos profissionais e disse que queria me representar, fui incluído no grupo de fotógrafos que ela passou a representar, todos com trajetórias consolidadas.


Fazer o meu trabalho circular não é fácil e exige muito esforço. Acompanhar e inscrever em editais e ter sempre um projeto para submeter. Foram poucas propostas para trabalhos comissionados e os convites para expor que recebo quase sempre são sem nenhuma ajuda. Teve um mês em 2019 que estava com trabalhos expostos ao mesmo tempo em Sobral/CE, em Arles na França, no Museu de Arte do Rio (MAR), no Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF) e no Hélio Oitica, mas apenas um deles tive verba para produção. A CASA: Quais fotógrafos ou grupos de fotógrafos que produzem na periferia você destacaria para serem estudados e apreciados? LUIZ BALTAR: São muitos coletivos e fotógrafos. Quando viajo para fora do Rio faço questão de procurar contato com quem está nesse movimento da fotografia como ativismo. Em 2018 estive no Ceará e pude conhecer um movimento chamado de Perigrafia, que articula os coletivos e fotógrafos para uma ação organizada. Em Sobral fizemos um encontro de dois dias de trocas e conversas. São muitos nomes para citar, mas preciso destacar dois talentos que me inspiram muito, não só pela qualidade do trabalho, mas principalmente pelo envolvimento com suas comunidades: Léo Lima, do Jacarezinho, que trabalha com


uma pedagogia que ele chama de cinema brincante em um projeto chamado Cafuné na Laje, e Thaís Alvarenga, que tem um trabalho todo construído na Vila Kennedy. A CASA: Qual conselho você daria a jovens artistas que desejam atingir o mesmo sucesso, respeito e admiração dos seus pares assim como você conseguiu? LUIZ BALTAR: No que depende apenas do próprio trabalho, é acreditar no retorno que o tempo traz. Não ter pressa e não procurar por atalhos. Todo o tempo dedicado em aprofundar um tema ou uma pesquisa retorna como diferencial. Ter prazer no fazer e refletir sobre os processos que vão sendo construídos. Pesquisar, experimentar e produzir muito. Além disso, como fotografia se dá nos encontros, é preciso ter muito cuidado com a própria prática, que seja sempre ética e respeitosa.














Artistas

Barbara Sczesny Izabel Lucas Jaci Rabelo Laura Mancini Nayhd Barros Ricardo Mesquita Tete Silva

Artista

Convidado

Thiago Diniz

Luiz Baltar


Conselho Editorial Greice Rosa Marcio Menasce Marco Antonio Portela

Projeto Grรกfico Bruno Almeida


acasafotoarte.com


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