A CASA em revista Ed.4

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A CASA FOTO ARTE



A CASA EM REVISTA - ed.4


Capa Margens da Transição Angela Rolim


Editorial

A CASA em revista é uma publicação virtual de artes visuais com ênfase na fotografia contemporânea. Nasce dentro

do isolamento social necessário para evitar o coronavírus.

Inicialmente voltada para artistas que participam de projetos, encontros ou cursos A CASA, busca dar visibilidade em

tempos de pandemia para a emergente produção destes artistas, também servir de portfólio e ajudar a colocar novos

nomes e trabalhos em circulação dentro do sistema de arte. Além de ensaios fotográficos e trabalhos relacionados à

imagem, cada edição terá uma entrevista com um artista convidado, que apresentará também um ensaio, projeto ou

produção de sua autoria, escolhido e selecionado por ele mesmo.

Nesta quarta edição, fomos buscar um dos artistas mais respeitado no país, viajamos até Belém do Pará para encontrar a obra de Guy Veloso e trazer pra vocês. A cena artística do pará é uma das mais potentes do pais, e temos

a alegria de ter em nossas paginas um dos mais atuantes e respeitável artista paraense.


Portrait de la jeune fille en feu Ana Clara Rodrigues

Um breve ensaio que representa a transição das sensações diante de um sonho, êxtase, inebriamento. Essa inexplicável metamorfose dos sonhos pode levar todos nós a lugares incríveis, desejáveis ou não, muitas vezes existentes somente nesse território do onírico.







Assim eram os dias Ana Pose

Até agora não sei se foi o estado febril, a doença ou o isolamento que distorceu minha visão e me fez ver a vida sem filtros, sem lentes, só com o sensor e a luz. Assim eram os dias, eles se repetiam indefinidamente, monotonamente fiquei a observar esses dias.











Margens da Transição

Angela Rolim

A natureza cria uma membrana porosa que nos mostra vários infinitos. De tempo. De espaço. De profundidade. De horizontes. Nesses infinitos estão nossos murmúrios, lamentações e margens de transição. Não lembro onde li mas acho que foi em Plínio O Velho: “As árvores foram os primeiros templos dos deuses.” Vale também lembrar uma das citações mais importantes, que ajuda muito o olhar artístico, e com certeza é dele: “In vino veritas.







Meu quarto Fernanda Lima

Mais de 40 dias preferindo meu quarto. Vendo cor onde nĂŁo tem e falta de cor onde tem tanta. Meu melhor lugar da casa e hoje do mundo, meu cantinho me ensinou um melhor jeito de viver no silĂŞncio, no isolamento. Depois de alguns dias percebi o quanto minha parede falava comigo e antes eu nĂŁo conseguia escutar.











Jogo de Bola Gabriella massa

A bola usada para destacar, como um visor e como o próprio olho, é uma amplificação de uma imagem tradicional. Interferir no ato fotográfico ora com o globo, ora com a mão que o segura e posiciona, ou as duas coisas simultaneamente. Se fixam numa imagem e também se assemelham

aos

brinquedos mágicos que encontram- se em muitos lugares que vamos de férias. Estas têm água e purpurina dentro para serem agitadas, enquanto a fotografia é outra lembrança que representa o foco, a aproximação com algo mais distante e menos visível aos observadores.









O que Doeu, Hoje é Dormente Marcio Menasce

Na série “O que doeu, hoje é dormente”, parto de um quase absoluto esvaziamento do ser, de um estado de espírito dilacerado. Desse ponto, inicio o processo de reconstrução de minha identidade. Um “Eu” que se reestabelece, não apenas a partir da interioridade, mas das relações que o conformam. Tomando o “eu”, como um mosaico de traços das pessoas que amamos ao longo da vida, volto minha câmera para mim mesmo e para minha companheira. Com a ajuda dela e da fotografia, venho dia a dia me reconstruindo, lutando contra a melancolia de perdas que sequer consigo ainda nomear e dimensionar.











VestĂ­gios Orafful

Estamos aqui. Mas aonde estamos? Um corte na mesmice do cotidiano de uma pessoa mediana. Acordo e vejo tudo igual...







Fotografia de Quarto e Sala Sonia Rummert

A série Fotografias de Quarto e Sala foi iniciada com o registro de imagens de um apartamento na cidade de Lisboa, no inverno de 2012. Térreo, de fundos, com luminosidade precária, muitas vezes se apresentava opressivo. Onde a gênese dessa opressão? Na terra estrangeira? Na arquitetura? Em mim? Desde então, várias imagens de outros espaços, similares na perspectiva opressiva, soturna, mas igualmente marcadas pela presença de alguma luminosidade rebelde e vital, ampliaram a série. Hoje, a reconheço como um fragmento biográfico.









Foto Joyce Nabiรงa


Artista Convidado

Guy Veloso


Entrevista A CASA: Bem vindo A CASA em revista Guy Veloso, gostaríamos de começar esse papo perguntando como você começou essa maravilhosa carreira? GUY VELOSO: Obrigado pelo convite. Curto muito a galera da CASA. Aos 17 anos entrei para Direito e logo notei que teria que fazer algo como, digamos,válvula de escape ao formalismo do curso. Então aos 18 fiz aulas básicas de fotografia com o paulistano Fernando Del Pretti. Daí não parei mais, mesmo em algumas épocas de minha vida tendo trabalhado paralelamente como redator publicitário, escritor e servidor público (pedi exoneração para me dedicar integralmente à arte há uns 7 anos). Lembrei agora algo curioso: aos 14 fui ao Rock In Rio I e levei uma Olimpus Trip. Olhando as fotos do show do Queen, consigo notar uma certa semelhança na composição dos planos. Louco isso, né? A CASA: A sua fotografia tem forte carga documental, mas carregado de subjetividade e poética. Com isso você transita dentro do documento fotográfico até a fotografia expandida e contemporânea. Como é pra


você essa condição de estar presente e de forma respeitável nesses dois territórios? GUY VELOSO: Tenho um envolvimento visceral com o ato de fotografar e as pessoas que ali aparecem. Há, sim, uma preocupação documental que envolve muita pesquisa. Porém, hoje em dia deixo que a estética a supere. Assimilo erros técnicos (como, por exemplo, um slide com dupla exposição não intencional) e faço experimentações. No meu novo livro, “Penitentes”, isto ficou latente. A CASA: Sua participação na Bienal de São Paulo foi um momento inesquecível. Conta um pouco como foi essa experiência, desde o convite até ver as obras expostas nas paredes. GUY VELOSO: Foi um marco na carreira. E também no campo de vista pessoal. Estava muito em dúvida sobre seguir na fotografia. Era um momento de perdas e incertezas. Aí, em certa noite de abril de 2010, um pouco antes de dormir fui dar uma olhada no Orkut (lembram dele?), aproveitando para também acessar email. Encontrei mensagem dos curadores Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos perguntando “você gostaria de participar da 29ª Bienal?”. A resposta não poderia ser mais óbvia, né? Fiz um recorte de 50 fotos e mandei para a curadora Rosely Nakagawa que me deu apoio na seleção. Ela foi cortando e sugerindo acréscimos e diálogos até chegar a


16 imagens. Seis dias antes da abertura, nós penduramos os quadros na parede a mim destinada no segundo andar. Só que no dia seguinte, fui convocado ao gabinete da curadoria para uma reunião. Moacir dos Anjos falou que teria que retirar meus quadros montados no dia anterior e os realocar no 3º andar. Além disso, como o espaço seria menor, tive que cortar 4 fotos. A curadoria achou que o segundo andar não comportava imagens tão fortes. Fui uma imensa frustração ter que desmontar as 16 e remontar apenas 12. Vocês podem imaginar, não é? Porém, no dia da abertura, entendi o que os curadores fizeram: no terceiro andar, as fotos tiveram um ganho pela força dos outros trabalhos vizinhos. Tenho uma gratidão eterna por Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos. A CASA: Penitentes é um trabalho de quase duas décadas de pesquisa e tomadas de imagens. Você pode falar um pouco desse trabalho? Como você conseguiu passar essa ideia e aura do espiritual, do sagrado? GUY VELOSO: Penitentes são organizações laicas, espontâneos, místicas, muitas delas de caráter secreto, que em certas épocas do ano saem à noite em procissão orando pelas almas “perdidas”. A maior parte usa indumentárias especiais que cobrem suas identidades com


mantos e capuzes. Em alguns casos, há a prática de autoflagelação. Foram 17 anos ininterruptos de viagens; a cada ano passava de 30 a 50 dias em campo. Já a pesquisa – algo que gosto muito de fazer – durava praticamente o ano todo. Consegui provar a existência desta tradição nas 5 regiões do Brasil. Somando a isso, mais um ano para editar o livro. Penitentes foi meu projeto mais longo até hoje. A aura mística não sei explicar. Será que desenvolvi um estilo com este viés? Pode ser. De qualquer forma, acho que meu envolvimento em termos pessoais com a religiosidade me faz muito próximo do que fotografo. Isto, sim, estou certo de que influencia minha fotografia. A CASA: Esse seu livro por sinal esta lindíssimo. Como foi escolher o que colocar, o que deixar de fora, e como foi passar para a publicação um trabalho tão forte e tão abrangente? GUY VELOSO: Obrigado! A Rosely Nakagawa já era a curadora do projeto mesmo antes de ganharmos a bolsa Rumos do Itaú Cultural, estando familiarizada com o tema. Logo na primeira reunião, decidimos vários pontos conceituais: usar apenas fotos em cores; não mostrar os rituais de autoflagelação de forma explícita (apenas uma sugestão de violência que é comum em outros trabalhos meus como o Círio de


Nazaré); dar ênfase à narrativa estética e em detrimento dos nuances históricos, geográficos e antropológicos do tema. Sobre o último item, para suprir a carência de dados sobre os penitentes colhidos nestes 17 anos, fiz um blog (projetopenitentes.wordpress. com) com entrevistas em vídeo e outros dados para pesquisadores. Uma forma de complementar o livro. A tudo veio somar toda a equipe montada, em especial Isabel Santana Terron (coordenação editorial e coautora do desenho gráfico), Gilherme Ghisoni da Silva (texto), Fatinha Silva (produção) e Beatriz Matuck (coautoria desenho gráfico). A CASA: A cena da fotografia do Pará é muito intensa, mas distante do dito centro econômico e cultural do país. Como que essa fotografia mesmo bem distanciada, ainda assim mantem grande força e visibilidade? GUY VELOSO: Segundo meu querido professor Afonso Medeiros, está aí o segredo! Belém estar na periferia das artes nacionais faz com que haja menos contaminação exterior.


A CASA: Quais suas influências? Quem te marca ou te inspira, seja na fotografia ou em outras formas de manifestação cultural? GUY VELOSO: Desde criança meus pais me levavam à exposições e museus, tendo também acesso à revistas e livros de arte. Tanto em Belém quanto no Rio de Janeiro, onde morava meus avós, e eu passava temporadas anuais. Aos 8 anos, inclusive, me levaram para assistir os desfiles das escolas de samba, algo que me marcou muito, iniciando aí uma paixão pela Portela que trago até hoje, fotografando e, eventualmente, desfilando – fui campeão do carnaval em 2017. Creio ser a pintura a maior das influências – Brueguel, Rembrandt, Rubens, Turner, Van Gogh, Bacon, Pollock, Matisse, Georg Baselitz, Philip Guston (que descobri recentemente), Thiago Martins de Melo, por exemplo. Tem os poetas Pessoa, Borges e Renato Russo. Da fotografia, além dos clássicos, os contemporâneos Rio Branco, Luiz Braga, Elza Lima, Graciela Iturbide, Flor Garduño entre muitos outros. A CASA: Como é sua relação com o mundo das artes visuais, você tem galeria te representando e como é sua relação com o mercado de arte?


GUY VELOSO: Há uma Galeria de Belém, Kamara Kó, que me representa com algumas imagens pontuais. Tenho convites para representação nacional, mas sigo indeciso (coisa de libriano). Agendamento de mentorias, cursos e vendas são feitas diretamente comigo. Vale lembrar que copiei a ideia do André Cypriano e parte do valor das obras são encaminhados aos fotografados. Nada mais justo!

A CASA: Para quem se interessar, e podemos garantir que é muito bom ter contato com a obra e trajetória de Guy Veloso, seguem informes sobre seu livro recem lançado: Penitentes – dos ritos de sangue à fascinação do fim do mundo. 224 páginas com 97 fotografias e 3 textos. Impresso na gráfica Ipsis. 24x30cm. Editora Tempo dImagem. Para baixar gratuitamente e/ou adquirir a obra: www.guyveloso.com



SOBRE GUY VELOSO: Nasceu (1969) e trabalha em Belém-PA. Participou da 29ª Bienal de São Paulo/2010 e da 4th Biennial of the Americas, Denver-EEUU /2017. Foi curador-geral de fotografia brasileira contemporânea na 23ª Bienal Europalia, Bruxelas-Bélgica/2011. Compõe os acervos da Essex Collection of Art from Latin America, Colchester-Inglaterra; Centro Português de Fotografia, Porto-Portugal; Abarca Family Collection, Denver-EEUU, Coleção Joaquim Paiva/MAM-Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; MAR-Museu de Arte do Rio; MAM-Museu de Arte Moderna de São Paulo e MASP-Museu de Arte de São Paulo. Possui um dos maiores bancos de fotografias, vídeos e objetos etnográficos coletados no assunto “religiosidade popular brasileira”.













Artistas

Ana Clara Rodrigues Ana Pose Angela Rolim Fernanda Lima Gabriella Massa Marcio Menasce Orafful

Artista

Convidado

Sonia Rummert

Guy Veloso


Conselho Editorial Greice Rosa Marcio Menasce Marco Antonio Portela

Projeto Grรกfico Bruno Almeida


acasafotoarte.com


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