Notícia Crime Golfinhos de Laguna

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) PROCURADOR(A) FEDERAL MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DE SANTA CATARINA – MPF/SC PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM TUBARÃO

DO

ACAPRA – ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE PROTEÇÃO AOS ANIMAIS, entidade sem fins lucrativos inscrita sob o CNPJ com sede em Avenida Hercílio Luz, 599, sala 602, 10º andar, bairro Centro, em Florianópolis/SC, neste ato representada conforme seus Estatuto Social e Ata de Eleição da Diretoria por sua Presidente, a Sra. Heliete Marly Filomeno Leal, brasileira, promotora de justiça aposentada do MPSC, residente e domiciliada na cidade de Florianópolis vem, respeitosamente e por intermédio das procuradoras signatárias, apresentar

NOTÍCIA CRIME em face de MUNICÍPIO DE LAGUNA/SC, pessoa jurídica de direito público com sede administrativa na Rua Voluntário Carpes, 155 – Centro, Laguna, CEP n. 88790-000, em Laguna – SC, representado pelo Sr. Prefeito Mauro Vargas Candemil; INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio), COORDENAÇÃO REGIONAL (CR9), localizada na Rodovia Maurício Sirotsky Sobrinho, s/n°, km 02, Jurerê – Florianópolis/SC, CEP 88.053-700 e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA) Superintendência do IBAMA, em Santa Catarina, localizada Avenida Mauro Ramos, nº 1.113, Centro Caixa Postal 660 88020301 Florianópolis – SC, telefone: (48) 3212-3300, diante da omissão dos entes públicos nominados em atuar de forma eficiente para a preservação da integridade física e psíquica dos indivíduos da espécie TURSIOPS TRUNCATUS (GOLFINHOS NARIZ-DEGARRAFA) conhecidos como BOTOS PESCADORES, população residente no Município de Laguna responsável pela pesca cooperativa com os pescadores artesanais de Laguna, caracterizando, em tese, as condutas delituosas previstas no art. 32 da Lei 9.605/98, violação ao art. 37 e 225, §1º, VII da Constituição Federal, pelos seguintes fatos e fundamentos de direito que passa a expor: 1


I – DOS DENUNCIADOS A Denunciante entende caracterizado, em tese, o crime ambiental de maus tratos e ato de abuso (art. 32, Lei 9.605/98) contra os Botos Pescadores e sua cultura proveniente da ineficiência (má administração) dos Denunciados ao longo de anos, pela não observação do princípio da eficiência na implementação de ações de preservação e defesa desses indivíduos nãohumanos acarretando a violação ao art. 225, §1º, VII da Constituição Federal 1. Conforme ficará demonstrado, a conduta dos Denunciados, violadora de direitos desses indivíduos não-humanos, é institucional em decorrência do agir ineficiente que permite a constância das fontes de molestamento e morte que os vitimam há anos, a ponto de colocar esta população em alerta de extinção, conforme pesquisadores. Há recursos financeiros (nacional e internacional) e humanos, há ciência e tecnologia, e, mais, há o interesse legítimo desses indivíduos nãohumanos, sujeitos de uma vida, se manterem vivos em seu habitat. A comunidade nacional e mundial de pesquisadores pontuam esta população como rara, por conta do comportamento (pesca cooperativa com seres humanos) que se repete em apenas outras três populações no planeta, e, ainda, objeto de estudos científicos.

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O caput do art. 225 menciona expressamente o Poder Público como sujeito da obrigação constitucional de defender e preservar o meio ambiente nos seguintes termos: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A expressão “preservar” empregada no art. 225 evidentemente não tem o mesmo significado que “defender”, já que a lei, em especial a Constituição, não contém palavras inúteis. A palavra “defender” está empregada no sentido de garantir o meio ambiente, protegê-lo. É uma obrigação positiva, um agir para evitar o dano ambiental. Para o Poder Público, significa a imposição de implantar políticas e ações públicas de fiscalização e controle das atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente. A palavra “preservar”, por outro lado, implica na proibição de praticar condutas lesivas ao meio ambiente. É uma vedação, uma obrigação negativa. Significa igualmente para o Poder Público, representado pelas pessoas jurídicas de direito público, e para a comunidade, representada pelas pessoas físicas e jurídicas privadas, que todas as suas condutas deverão ser pautadas pela obrigação de não lesar o meio ambiente. ARAÚJO, Luis Eduardo Marrocos in A Responsabilidade Penal do Estado por condutas lesivas ao meio ambiente, disponível em: http://www.escolamp.org.br/arquivos/Artigo_Responsabilidade %20Penal.pdf. (grifo nosso)

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Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RMS 39.173/BA afirmou a desnecessidade de dupla imputação concomitante à pessoa jurídica e física em crime ambiental, vejamos: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIME AMBIENTAL: DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO CONCOMITANTE À PESSOA FÍSICA E À PESSOA JURÍDICA. 1. Conforme orientação da 1ª Turma do STF, "O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação." (RE 548181, Relatora Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 6/8/2013, acórdão eletrônico DJe-213, divulg. 29/10/2014, public. 30/10/2014). 2. Tem-se, assim, que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes desta Corte. 3. A personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução. 4. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RMS 39.173/BA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 13/08/2015) (grifo nosso) Conforme o § 3º do art. 225 da Constituição Federal: “§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” Além da responsabilidade penal, sobressai a civil que obriga a reparação do dano ambiental e/ou a indenização. No caso, o dano mais grave é de natureza irreversível, contabilizado nas muitas mortes catalogadas ao longo dos anos, com o registro dos óbitos de “Mandala”, “Eletrônico”, 3


“Zariguim”, “Cabide”, “Índio”, “Pirulito”, “Andorinha”, “Estrelinha”, “Andorinha”, “Taxi” e “Tufão”, assim identificados pelos pescadores artesanais que mantinham uma relação sócio-afetiva com estes indivíduos não-humanos, da qual também se beneficiavam economicamente na prática da pesca cooperativa. Além da violação à esfera individual e coletiva da população em questão, protegida constitucionalmente pelo reconhecimento de serem sujeitosde-uma-vida e sujeitos-de-direitos, a conduta ineficiente dos Denunciados também viola o direito fundamental humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao comprometer a função ecológica da espécie em questão no ecossistema marinho e lagunar. Assim sendo, o que se pretende com a presente Notícia-Crime é a salvaguarda da vida dos Botos Pescadores e de sua cultura, por meio da atuação desta r. Procuradoria da República na apuração dos fatos e a responsabilização civil e penal dos Denunciados, pessoas jurídicas de direito público, na esteira da teoria da prevenção positiva dos delitos 2.

I – DOS FATOS QUE ENSEJAM A APRESENTAÇÃO DA PRESENTE DENÚNCIA: das sucessivas mortes de golfinhos nariz-de-garrafa em decorrência da ineficácia protetiva dos Denunciados Golfinhos são animais impressionantemente inteligentes. Além de possuírem uma capacidade cognitiva superior à da maioria dos demais mamíferos, apresentam comportamentos específicos, peculiares a sua espécie, que lhe conferem um modus de vida social próprio e único. Não é por menos que, em 2013, a partir da Declaração dos Direitos dos Cetáceos, passaram a exibir o status de “pessoas não humanas” na Índia3. 2

Na perspectiva da prevenção geral positiva, as penas aplicáveis às pessoas jurídicas públicas têm por finalidade manter estáveis as expectativas da sociedade acerca da validade e vigência das normas penais, obtendo com isso a inibição de práticas delitivas, efeito que se fortalece com a percepção de que a lei penal impõe-se a todos, inclusive ao próprio Estado. Sob a perspectiva da prevenção especial positiva, as penas dirigidas às pessoas jurídicas públicas têm por finalidade obter a alteração do modo de atuação das entidades condenadas por meio de pressões democráticas resultantes da repercussão da condenação da entidade pública no meio social. Cientes dos desvios praticados por determinada entidade pública, os cidadãos podem exigir dos governantes as ações necessárias à correção dos rumos da entidade estatal, prevenindo assim a prática de novos delitos. 3

Notícia veiculada no sítio eletrônico da Agência de Notícias dos Direitos Animais – ANDA, em 25/10/2013: https://www.anda.jor.br/2013/10/golfinhos-passam-considerados-nao-humanas-

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Laguna, por apresentar uma população de golfinhos da espécie tursiops truncatus (também conhecidos como golfinhos nariz-de-garrafa), é uma cidade privilegiada. Lá, encontra-se uma população especial destes cetáceos, muito amados pela comunidade local, em função de seu comportamento (quase) exclusivo: os animais auxiliam os pescadores na pesca local e artesanal lá desenvolvida. Estes seres não-humanos são tão especiais que já foram, em inúmeras oportunidades, foco de notícias 4, reportagens e matérias televisivas para redes de comunicação internacionais 5, em virtude de sua inteligência, capacidade de comunicação entre si e com os pescadores. O auxílio que dão à comunidade, a beleza de sua natureza e a raridade de seu comportamento, os fazem ganhar os holofotes mundiais. Ocorre que, infelizmente, há alguns anos, percebe-se o molestamento contínuo e violento na vida destes animais e as notícias que tem assolado os veículos de comunicação dão conta das inúmeras mortes e violações à integridade física e psíquica dos golfinhos, com reiterados alertas sobre a possibilidade de que esta comunidade se deteriore até a sua total extinção. Abaixo destacam-se algumas6 notícias veiculadas entre os anos de 2017 e 2018 para demonstrar as informações acima lastreadas: india/ 4 A título ilustrativo, seguem alguns links para consulta de notícias e informações enaltecendo a especialidade dos golfinhos residentes de Laguna, também denominados “botos de Laguna”: http://www.destinomundoafora.com.br/2017/07/pesca-artesanal-com-ajuda-dos-botosem-laguna.html https://gerry.jusbrasil.com.br/noticias/159465112/botos-de-laguna-a-taiji-brasileira http://tvbrasil.ebc.com.br/etnodoc/episodio/o-boto-e-o-homem http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/nossa-terra/2013/noticia/2013/11/botos-ajudampescadores-na-captura-de-peixes-em-laguna-sul-de-sc.html 5 Reportagem gravada pela BBC Internacional em Laguna, mostrando a pesca cooperativa entre os golfinhos e os pescadores locais: http://www.santacatarina24horas.com/editorias/noticias-gerais/14745-bbc-grava-programahuman-planet-sobre-os-botos-em-laguna.html 6

Para mais informações veiculadas nos canais de comunicação sobre as mortes dos botos pescadores: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/boto-e-encontrado-morto-no-rio-tubaraoem-laguna.ghtml https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/em-ato-contra-pesca-com-redesclandestinas-em-laguna-botos-agradecem-com-saltos-veja-fotos.ghtml http://olharanimal.org/boto-pescador-morreu-afogado-em-apetrecho-de-pesca-emlaguna-sc/ https://www.anda.jor.br/2018/01/boto-pescador-e-encontrado-morto-em-laguna-sc/ https://notisul.com.br/geral/30575/area-de-protecao-aos-botos-de-laguna-e-reivindicada

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NOTÍCIA VEICULADA 13/10/2017:

NO

DIÁRIO

CATARINENSE,

EM

Mais um golfinho da espécie Tursiops truncatus, conhecida por boto da tainha ou boto pescador, foi encontrado morto nesta quinta-feira em Laguna, no Sul do Estado. A fêmea com idade entre 2 e 3 anos é o quinto indivíduo da espécie recolhido sem vida este ano pelos pesquisadores da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Ela ficou emalhada em uma rede na foz do Rio Tubarão, e a necropsia apontou afogamento e edemas subcutâneos causados pelo equipamento de pesca. [...] Para o professor de Engenharia de Pesca e Biologia Marinha Pedro Volkmer de Castilho, pesquisador do comportamento dos botos, é preciso agir rápido. A média de botos monitorados é entre 48 e 52 na região, porém além das cinco mortes já confirmadas este ano, mais dois animais estão desaparecidos há pelo menos dois meses. Isso significa que o número de mortes já ultrapassou os 10% ao ano, índice que pode levar à extinção da espécie dentro de uma década, se nada for feito. — A gente passa a entrar em uma fase de inviabilidade populacional, entrando em vias de extinção. Se não fizer nada, em dez anos a população estará extinta. Esse cenário de ontem nos preocupa mais, pois nos outros casos eram machos, adultos, velhos, dessa vez é uma fêmea jovem, nem em idade reprodutiva estava ainda, não teve nem chance de procriar, isso preocupa — explica o pesquisador. Segundo ele, a luz amarela de alerta já foi acessa no início do ano, quando houve a confirmação de três mortes. Chegando a cinco, o alerta já é vermelho, explica. Para ele, a suspensão das atividades com rede de pesca na área de vida do boto seria uma das ações imediatas a serem tomadas, até que se encontre outro modelo. Ele lembra que Laguna foi denominada a Capital Nacional dos Botos Pescadores no ano passado, e que a espécie precisa ser preservada. (Fonte: http://dc.clicrbs.com.br/sc/estilo-de-vida/noticia/2017/10/quintamorte-de-boto-pescador-no-ano-em-santa-catarina-acende-alertaentre-pesquisadores-9947692.html) – grifos nossos.

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Foto: Ronaldo Amboni / Divulgação / Divulgação NOTÍCIA VEICULADA NO DIÁRIO CATARINENSE, EM 16/11/2017: Pesquisadores da Udesc que monitoram a espécie tursiops truncatus no complexo lagunar afirmam que, hoje, existem entre 48 e 50 animais na região. O índice de mortes em 2017, assim como no ano passado, chegou à taxa de 10% e acendeu o alerta. Se nada for feito, a população de botos pode ser dizimada em 10 anos, o que traria perdas não somente para o meio ambiente, mas para quem depende da pesca com o boto para sobreviver. – A espécie existe em outros lugares do Brasil e do mundo, então não vai se extinguir. Mas a atividade da população de Laguna e as espécies concentradas na cidade podem acabar – alerta o professor de Engenharia de Pesca e Biologia Marinha, Pedro Volkmer de Castilho. (Fonte: http://dc.clicrbs.com.br/sc/estilo-devida/noticia/2017/11/botos-simbolo-de-laguna-correm-risco-deextincao-10011679.html) – grifos nossos.

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NOTÍCIA VEICULADA NO JORNAL NOTICOM, EM 10/05/2018: Um filhote de boto pescador foi encontrado morto na manhã desta quinta-feira (10), no rio Tubarão, na região de Campos Verdes, em Laguna. A Polícia Militar Ambiental (PMA) recolheu o animal e levou para Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), onde a necropsia foi realizada. A causa da morte foi afogamento, causada por emalhado em rede de pesca. Os policiais foram acionados por pescadores, que levaram o corpo até a sede da PMA. A suspeita é que o boto tinha entre um a dois anos de idade, de acordo com o professor da Udesc, e membro do Projeto de Monitoramentos de Praia (PMP), Pedro Castilho. “Há a iminência de que essa espécie (Tursiops truncatus) esteja em estado crítico, correndo o risco de desaparecer do nosso complexo”, revelou o sargento da PMA, Robson Vieira. Além da perda ambiental, quem sobrevive da pesca ficaria sem sustento. Ao ficarem presos nas redes ilegais, principalmente na saída do rio, eles não conseguem mais subir até a superfície da água para respirar e morrem afogados. Há uma preocupação em torno desse tipo de fatalidade, principalmente nesta época do ano onde a pesca da tainha aumenta. (Fonte: http://noticom.com.br/2018/05/10/filhote-de-boto-morre-afogado-porrede-de-pesca-em-laguna/) – grifos nossos.

Golfinho encontrado morto em 10/05/2018, em Laguna. 8


NOTÍCIA VEICULADA NO JORNAL ND ONLINE, EM 04/07/2018: [...] Esta semana, um dos botos pescadores morreu emaranhado em uma rede de pesca colocada indevidamente no rio. Ele era conhecido como Tufão. “Cada boto tem um nome na lagoa. Aqui nós temos o Scooby, Caropa, Borracha, a Bota do Rio”, conta o pescador Ricardo dos Santos. “É uma notícia triste. Cada vez que a gente perde um botinho, a gente perde um ente da gente”, garante. As redes de pesca clandestinas são responsáveis pela maioria das mortes de boto este ano. Elas impedem que este animais, que têm respiração pulmonar, possam retornar à superfície para encontrar o ar. Desde 2017, oito botos já morreram em Santa Catarina. Em pelo menos cinco casos, a morte foi provocada por redes clandestinas. A PMA já aprendeu várias redes pela região, mas a fiscalização não é suficiente. “O nosso efetivo é reduzido e antigo, e, assim como todo o Estado, está passando por uma dificuldade muito grande”, garante o policial militar ambiental Robson Vieira. (Fonte: https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/mesmo-com-esforcosda-policia-ambiental-pesca-clandestina-ameaca-botos-no-litoral-desc) – grifos nossos.

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Um dos botos pescadores mortos, em Laguna - Elvis Palma/Reprodução/RICTV Link para reportagem virtual: https://youtu.be/6HuYQn5bVZs Registre-se, neste contexto, que entre fevereiro de 2016 e março de 2018, é possível verificar-se no Sistema SIMBA – responsável pelo registro de informações relativas ao Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos – um total de 35 golfinhos nariz-de-garrafa necropsiados 7, sem que os pesquisadores possam precisar se trata-se da população de golfinhos residentes de Laguna (comunidade botos pescadores) ou golfinhos oceânicos. Isso, sem contabilizar-se as mortes anteriores ao início da formalização destes registros e, ainda, os golfinhos que foram vitimados após maio deste ano cujas autópsias ainda não constam nos registros formais do referido sistema. Gize-se, portanto, que está-se diante de situação calamitosa, sendo plenamente conhecida pelos entes públicos Denunciados há muitas décadas. As sucessivas mortes por interação antrópica impingidas aos golfinhos não revolta somente a população local e os pescadores que dependem diretamente da pesca para sobreviver e que contam com o auxílio destes animais para tanto, mas também a comunidade em geral que vê, dia após dia, estes especiais seres aproximarem-se de seu fim por falta de planejamento e ação governamental. Isso porque, verbas e pesquisas sobram no Denunciado ICMBio, haja vista, por exemplo, o projeto Plano de Ação para proteção de pequenos cetáceos! Em notícia veiculada no sítio eletrônico da Prefeitura Municipal de Laguna , em 05/07/2018, diversos alertas técnicos são levantados por profissionais especializados acerca dos riscos a que estão expostos os “botos pescadores de Laguna”. Abaixo, a título elucidativo, extraem-se alguns excertos do que restou noticiado: 8

[...] Conforme dados do Projeto Boto Pescador estima-se que nasceram em 2018 e 2017 cerca de 10 botos. As mortalidades acompanham o número de nascimentos. Isso vai equilibrando o tamanho da população. “É claro 7 8

Tabela em anexo. A notícia pode ser lida na íntegra em: http://www.laguna.sc.gov.br/noticias/index/ver/codMapaItem/16507/codNoticia/499590

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que a gente não sabe até quando isso vai se equilibrar, porque temos o problema da mortalidade de animais machos reprodutores adultos. Isso causa uma preocupação séria”, reforça o biólogo, professor do campus em Laguna da Universidade do Estado de Santa Catarinade – UDESC e coordenador do Instituto Ambiental Boto Flipper, Arnaldo Russo. Pesquisadores do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina comprovaram a inexistência de genes de botos de outros lugares nos botos de Laguna, ou seja, os botos machos daqui reproduzem-se com fêmeas dos outros locais, mas os botos fêmeas de Laguna não reproduzem com machos dos outros locais. “Entendendo um pouco essa dinâmica, fica evidente que mortalidades de indivíduos adultos e ativos sexualmente tendem a colocar em cheque a continuidade da população, além de aumentar as taxas de cruzamento interno (endogamia), podendo afetar o equilíbrio da população”, destaca Russo. Pedro Castilho compartilha a preocupação com a morte em certas faixas etárias e outros fatores que podem acelerar a morte destes animais. “Verificamos que a mortalidade acidental por redes de pesca sempre existiu, mas agora conseguimos detectar com maior precisão (as pessoas se comunicam mais rapidamente). O que me preocupa é a mortalidade em faixas etária basais (animais jovens não reprodutivos) promovendo um hiato no futuro da população e potencializando redução na diversidade genética. Outro aspecto é que as necropsias têm nos mostrado que os animais estão com outras patologias, infecções, que indicam alguma deficiência imunológica ou uma batalha constante contra agentes infeciosos”, afirma. A captura acidental em redes de emalhe tem se mostrado, nos últimos anos, uma das principais causas, que agregadas a outras tão importantes, 11


podem resultar no desequilíbrio populacional e um possível risco de extinção nos próximos 50 anos, de acordo com o pesquisador e professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Jorge Daura. (grifos nossos).

Tufão: boto pescador morto por afogamento, preso numa rede de emalhe, próximo à desembocadura do rio Tubarão, no Complexo Lagunar. O sofrimento que vem sendo imposto a estes seres não-humanos sencientes é imensurável. Além dos constantes riscos de emalhe em redes ilegais de pesca espalhadas em locais indevidos – o que impõe dor, desespero, infecções decorrentes dos ferimentos sofridos 9 e, em muitos casos, uma morte lenta e cruel, estes animais têm sido vítimas de perturbações decorrentes de embarcações que transitam em locais onde fixam sua residência (lanchas e jet skis), doenças que tem sua raiz no nível de insalubridade e de poluição da água em que vivem, provadas pelo despejo de esgoto doméstico, industrial e resíduos de plantações de arroz ilegalmente depositados nos rios, e redes de 9

Sobre boto pescador encontrado morto em 21/01/2018: “O professor de Engenharia de Pesca e Biologia Marinha da Udesc, Pedro Volkmer de Castilho, informa que este é o terceiro animal encontrado no ano. Até o momento, somente um deles foi identificado como pertencente ao grupo que reside em Laguna, e morreu por infecção generalizada causada por lesões de uma rede que ficou presa ao corpo do animal por algum tempo.” (Fonte: http://dc.clicrbs.com.br/sc/estilo-de-vida/noticia/2018/01/boto-pescador-e-encontrado-morto-emlaguna-no-sul-do-estado-10124350.html).

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pesca ilegais. Fatidicamente, tudo isso converge para o rio Tubarão, localizado no habitat dos golfinhos. Todos estes “problemas” são de PLENO e INAFASTÁVEL conhecimento de TODOS os órgãos público Denunciados há muito tempo. Estes molestamentos vem se perpetuando há anos e já foram, inclusive, objeto de lide judicial ajuizada pelo Instituto Sea Sheperd em 2013 (processo n. 5002675-25.2013.4.04.7216) ainda em curso, em fase de apelação. Os órgãos públicos sempre estiveram cientificados acerca de tais violações e de todo o prejuízo ambiental passível de ocorrência, com as contínuas mortes que vem se perpetuando ao longo dos anos. Porém, salvo melhor juízo, não se observam medidas protetivas eficazes que, de fato, garantam a proteção CONSTITUCIONAL e LEGALMENTE prevista a estes seres não-humanos. Pelo contrário! O que se vê, dia após dia, são estes animais perecendo, sofrendo com moléstias que comprometem a sua incolumidade física e psíquica, e padecendo com mortes NÃO NATURAIS, cruéis e absurdas! E estas, destaca-se, tem como causa principal atos humanos que violam prerrogativas básicas destes seres e decorrem, principalmente, da ineficácia de atuação dos Denunciados na tutela da fauna local. Diante deste triste contexto, a Denunciante maneja a presente NOTICIA-CRIME no intento de assegurar a proteção devida à população de golfinhos residente em Laguna, mediante o chamamento dos órgãos públicos Denunciados à ação. Deste modo, nas próximas linhas elucidar-se-ão as razões que motivam a denunciação dos órgãos públicos nominados e, por fim, demonstrar-se-ão as razões de Direito que respaldam os fatos apresentados e motivam a implementação prática do Princípio da Eficiência, naquilo que tange à fiscalização e ações de preservação e manejo da população de indivíduos não-humanos em apreço.

II – DAS RAZÕES QUE RESPALDAM A PRESENTE DENÚNCIA EM FACE DOS ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS: da legitimidade para responderem à presente notitia criminis, ante a não-observação do Princípio da Eficiência O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um pressuposto básico para a garantia da vida em nosso Planeta, constitucionalmente previsto e que se consubstancia em um direito difuso pertencente a toda a coletividade. Todos os seres humanos e não-humanos 13


detém este direito. Viver em um meio ambiente saudável, equilibrado e sustentável é uma prerrogativa inafastável e que, em virtude disso, deve ser garantida pelo Poder Público. A Constituição Federal dispõe em seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, que incumbe ao Poder Público o resguardo e a tutela da fauna e da flora, sendo “vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” É justamente neste ponto que reside a necessidade de apresentação da presente notícia-crime: a ineficácia protetiva dos órgãos públicos somada às inúmeras violações que vem sendo perpetuadas em face dos golfinhos de Laguna, afrontam as previsões constitucionais em apreço. A poluição tem tornado o habitat destes animais nocivos a sua integridade física – o que também caracteriza o desequilíbrio ambiental e de riscos aos humanos e demais espécies; as contínuas mortes por causas NÃO NATURAIS e causadas diretamente por atos ILÍCITOS frouxamente combatidos tem impingido sofrimento aos animais e colocado em risco à manutenção da espécie, há anos. As violações ao comando constitucional, portanto, são cristalinas. Há que se dizer, por oportuno, que as legislações infraconstitucionais também se prestam a tutelar a fauna brasileira, vedando tratamento cruel, a imposição de sofrimento, o ferimento da dignidade dos animais e a sujeição das espécies à extinção. O dever de proteção e de preservação incumbe a todos. Porém, é dos Denunciados o dever de colocar em prática medidas fiscalizatórias e preservacionistas que garantam a eficácia das normas previstas no ordenamento jurídico. De nada adianta um vasto conjunto normativo em prol destes animais se, na prática, nada de eficiente se efetiva em sua defesa. Neste contexto, chamar à responsabilidade os Denunciados, que possuem o dever original de TUTELAR esta comunidade de seres nãohumanos, é medida imperiosa para que se alcance a eficácia dos instrumentos jurídicos que já subsistem. Em primeiro lugar, há que indicar a necessidade de que a PREFEITURA MUNICIPAL DE LAGUNA atue de forma mais eficiente na proteção dos golfinhos e na implementação dos meios normativos já 14


preconizados em seu aparato jurídico. A população local, o turismo do Município, os pescadores tradicionais e, principalmente, os animais clamam por esta tutela! O Denunciado Município de Laguna confirma a sua posição de responsável pela integridade dos Botos Pescadores, haja vista a criação e promulgação de inúmeras previsões legais demonstram que o tema da necessidade de preservação SEMPRE foi objeto de discussão e de celeuma no seio municipal. Veja-se, abaixo, as leis que já coexistem no ordenamento jurídico municipal em favor dos animais em voga – a despeito das demais previsões legislativas em âmbito ESTADUAL e FEDERAL: - Lei Municipal n° 817 de 12 de dezembro de 2001: proíbe o uso de de Jet ski para práticas de atividades aquáticas esportivas ou recreativas, na área compreendida entre a boca da barra e o atracadouro do sistema de balsas de travessia na lagoa Santo Antônio dos Anjos, é proibido o uso. Apesar disso, é comum observar-se o trânsito irregular destes veículos em locais que são habitat natural desta comunidade de golfinhos. - Lei Municipal nº 1.998, de 18 de junho de 2018: Dispõe sobre a proteção da população de Tursiops truncatus (Boto Pescador) residente do município de Laguna, através da proibição de tipos de artes de pesca consideradas nocivas a espécie. Apesar desta novel legislação, casos de animais mortos emalhados em redes de pesca continuam se perpetuando. Em que pese a lei ter sido oficialmente sancionada em 18/08/2018, recentemente (em 01/07/2018), mais um caso de morte por emalhamento em rede ilegal de pesca restou noticiado:

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Um boto ameaçado de extinção foi encontrado morto neste domingo, 1º, à noite. O animal estava no Rio Tubarão, em Laguna, e a suspeita é de que o golfinho, conhecido como ‘Tufão’, teria ficado preso em rede de pesca clandestina e, por isso, morreu afogado. Ele foi encontrado já sem vida por um pescador, que acionou a Polícia Militar Ambiental. Por ter respiração pulmonar, diferentemente do sistema de respiração imersa dos peixes, o animal precisa subir até a superfície para pegar o ar atmosférico regularmente, no entanto, a rede de pesca enrolada no corpo pode ter atrapalhado o movimento do boto. Ontem, 02, à noite, na Câmara de Vereadores de Laguna, pescadores, moradores e ambientalistas fizeram uma manifestação pacífica devido à morte de mais um boto por possível uso de rede de pesca clandestina. O grau de afogamento nos animais marinhos de respiração pulmonar, assim como nos humanos, muda conforme o tempo e com a quantidade de água aspirada. O corpo foi levado para o laboratório da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), na Cidade Juliana. Na instituição foi feita uma necropsia para apontar as causas da fatalidade. Esta é a terceira morte de boto pescador registrada neste ano no município. Em 2017, foram cinco. O boto tinha entre 6 e 8 anos, media 2,86 metros e 300 quilos. (Fonte: https://www.difusoralaguna.com.br/2018/07/03/mortes-de-botospopulacao-pede-um-basta/)

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Além do Município de Laguna, o Denunciado Instituto Chico Mendes para Preservação da Biodiversidade - ICMBio também necessita ser chamado à responsabilidade, a fim de implementar ações eficientes, e não apenas siga apresentando desculpas para a sociedade pelas falhas no cumprimento de suas funções fiscalizatórias e preservacionistas, no que tange à referida comunidade. Como se sabe, dentre as atribuições do Denunciado ICMBio está a de executar ações da política nacional de unidades de conservação, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União; e, fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental, conforme a Lei 11.516/ 2007 (art. 1º, I e III). Assim, além de sua obrigação funcional de proteger a fauna residente e em trânsito na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, assumiu o encargo de implementar três instrumentos da Política Nacional da Biodiversidade voltados para a conservação e recuperação de espécies ameaçadas de extinção, através da Portaria Conjunta do Ministério do Meio Ambiente e do ICMBio nº 316/2009, como se vê: Art. 1º Aplicar os seguintes instrumentos de implementação da Política Nacional da Biodiversidade voltados para a conservação e recuperação de espécies ameaçadas de extinção: I - Listas Nacionais Oficiais de Espécies Ameaçadas de Extinção, com a finalidade de reconhecer as espécies ameaçadas de extinção no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva brasileira, para efeitos de restrição de uso, priorização de ações de conservação e recuperação de populações; II - Livros Vermelhos das Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção, contendo, entre outros, a caracterização, distribuição geográfica, estado de conservação e principais fatores de ameaça à conservação das espécies integrantes das Listas Nacionais Oficiais de Espécies ameaçadas de Extinção; III - Planos de Ação Nacionais para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção, elaborados com a finalidade de definir ações in situ e ex situ para conservação e recuperação de espécies ameaçadas; 17


Conforme o inciso III, o Denunciado ICMBio tem o dever de implementar Planos de Ação Nacionais para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção, obrigação também prevista no art. 3º da mesma Portaria: Art. 3º: Caberá ao Instituto Chico Mendes a coordenação da atualização das Listas Nacionais Oficiais das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção e a coordenação da elaboração, publicação e implementação dos Planos Nacionais para a Conservação de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção. Conforme se observa, de maneira geral, o Denunciado ICMBio tem como principais escopos, não só elaborar listas e realizar o mapeamento de espécies ameaçadas de extinção, mas também, implementar PLANOS NACIONAIS PARA CONSERVAÇÃO destas espécies, bem como de outras que constituam a fauna nacional. Com isso, em 2010, através da Portaria nº 86 do ICMBio foram aprovados: o Plano de Ação Nacional para a Conservação de Mamíferos Aquáticos – Pequenos Cetáceos/PAN Pequenos Cetáceos (art. 1º). Iniciado em 2010, o PAN Pequenos Cetáceos tem como objetivo reduzir o impacto antrópico e ampliar o conhecimento sobre pequenos cetáceos no Brasil nos próximos cinco anos, sendo composto por 07 sete metas e 107 ações. Ora, se as principais ameaças para a preservação de espécies tem sido implementadas pela ação humana, nada mais coerente de que se estabeleçam medidas de conservação e, principalmente, de fiscalização, para estas ações negativas sejam fulminadas ou, pelo menos, minimizadas. É justamente aí que reside um dos precípuos objetivos deste plano: reduzir o impacto antrópico sobre esta espécie de golfinhos.

No PAN de Pequenos Cetáceos (anexo à presente Notícia-Crime) à página 63 encontra-se uma tabela com as ameaças sofridas mundialmente pelas espécies de pequenos cetáceos registrados em águas jurisdicionais brasileiras, e para a espécie que ora se pretende a proteção estão relacionadas: captura intencional, captura incidental, sobrepesca dos recursos comuns, aumentos do tráfego de embarcações (alteração do comportamento dos animais) e poluição química. Observa-se, ainda, o que refere o

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mencionado documento (pág. 30), no que tange às sobreditas ameaças à espécie tursiops truncatus: A mortalidade incidental em artes de pesca pode ser uma ameaça para as populações costeiras. No norte do Rio Grande do Sul, entre 1991 e 2001, ocorreram 42 encalhes da espécie e há indícios de que ela venha sendo incidentalmente capturada (MORENO et al.,2001). Para o litoral sul do mesmo estado, foram registrados 17 animais mortos em 2003, sendo que mais de 50% apresentava indícios de interação com a pesca (FRUET et al., 2004). Para esta mesma população, análises de viabilidade populacional que consideravam o esforço pesqueiro sobre os golfinhos indicaram altas probabilidades de declínio no tamanho da população (FRUET et al., 2008). Capturas incidentais em redes de espera têm sido registradas também em outros estados, como Santa Catarina (BARRETO et al., 2005) e Rio de Janeiro (DI BENEDITTO & RAMOS, 2001). Há registros de capturas incidentais da espécie em atividades de pesca industrial, ainda que em pequena escala (SICILIANO, 1994; ZERBINI & KOTAS, 1998). A crescente degradação do ambiente costeiro constitui outro fator preocupante para a sua conservação. Metais pesados, em alguns casos em concentrações elevadas, foram detectados em tecidos de exemplares no Atlântico Sul Ocidental (MARCOVECCHIO et al., 1990; MORENO et al., 1984). Por outro lado, ao analisar um exemplar de T. truncatus da região de Itanhaém, São Paulo, YOGUI (2002) encontrou valores de PCBs menores do que os observados em T. truncatus de regiões altamente industrializadas, como Europa, Japão e Hong Kong. O tráfego de embarcações e a exploração excessiva de recursos marinhos importantes na dieta da espécie constituem outras ameaças potenciais à sua conservação. (grifos nossos)

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Indaga-se, dessas 7 metas e 107 ações, em termos práticos, onde veri fica-se a sua eficiência uma vez que a população dos Golfinhos de Laguna segue sendo vítima dos mesmos fatores que originaram a necessidade deste plano? Registre-se, ainda que sobrevenha eventual ilação de que não possui envergadura de ação sobre as diversas localidades em que encontrados os golfinhos mortos, tal não merece ser acolhida. A obrigação do órgão em apreço vincula-se às espécies que estejam, independentemente do local, sofrendo violações e molestamentos. Ora, se a função precípua do órgão é a PRESERVAÇÃO das espécies aquáticas – estejam ou não já ameaçadas de extinção -, não há como assumir que meras e inexpressivas questões geográficas sirvam de fundamento para a escusa do órgão de agir em prol dos animais em comento. Tal compreensão iria de encontro ao próprio escopo do PAN Pequenos Cetáceos, em sua apresentação inicial (p. 7), que aduz o seguinte: Uma das atribuições do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade é fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade, conforme estabelecido na Lei nº 11.516/2007. Neste sentido, o Plano de Ação Nacional para Conservação dos Mamíferos Aquáticos – Pequenos Cetáceos, constitui-se na conclusão do ciclo virtuoso de conservação proposto pelo Grupo de Trabalho Especial de Mamíferos Aquáticos – GTEMA, com base nas ações e recomendações estabelecidas nas versões anteriores do Plano de Ação para Mamíferos Aquáticos (2005). O Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Pequenos Cetáceos relaciona as espécies submetidas à maior pressão antrópica com as ações prioritárias para sua conservação. A diversidade de espécies abordadas e a complexidade dos ambientes utilizados demonstra uma inovação no processo de planejamento estratégico do Instituto Chico Mendes. O Plano propõe duas frentes de trabalho: o aumento do conhecimento sobre as espécies deficientes de dados e o desenvolvimento de ações de conservação 20


efetivas para salvaguardar as espécies com ameaças iminentes. Portanto, este Plano pode ser utilizado como referência, integrando-se às agendas ambientais de todos os órgãos competentes, universidades e organizações não-governamentais. (grifos nossos) Por fim, a título de ilustração, colacionam-se os termos da decisão exarada no bojo do processo n. 5002675-25.2013.4.04.7216 (Evento n. 20), em que restou reconhecida em definitivo – e pelos mesmos fundamentos que ora se alçam para o manejo do presente instrumento -, acerca de sua responsabilidade sobre a área de sobrevivência dos golfinhos: Entretanto, colhe-se da exordial que o objeto da lide compreende as áreas do Município de Laguna, Lagoa Mirim, Lagoa do Imaruí, Lagoa Santo Antônio dos Anjos e foz do Rio Tubarão, habitadas por golfinhos da espécie Tursiops Truncatus. Na petição do evento 9, o próprio ICMBio demonstrou que a APA da Baleia Franca compreende parte do litoral do Município de Laguna, inclusive o local de encontro das águas da Lagoa de Santo Antônio e do Rio Tubarão com o oceano, sabidamente habitado por golfinhos da espécie Tursiops Truncatus. Assim, não há como afastar, neste momento processual, a responsabilidade do ICMBio pela fiscalização de parte da área objeto da lide. (sem grifos no original) O cabimento da presente denúncia em face do ICMBio, portanto, é absolutamente adequada.

Por fim, no que se refere ao Denunciado IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, tem-se que sua função primordial – que é a de tutelar o meio ambiente como um todo -, por si só, já lhe imputa responsabilidade por todos os fatos e ocorrências que esteja molestando fauna e flora. Os golfinhos nariz-de-garrafa, como demonstrado, tem sofrido violações constantes de seus direitos, em especial no que toca a um ambiente ecologicamente equilibrado. E, SMJ, este é um direito que cabe a todos, enquanto coletividade. Não só aos seres humanos, mas também, aos se res não humanos. 21


Como se sabe, o referido meio ambiente ecologicamente equilibrado é protegido pelo art. 225 da CRFB/88, e sua proteção é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme art. 23, VI e VII, da CRFB/88. Cabe a cada uma destas esferas de governo, nos termos da lei e do interesse preponderante, fiscalizar, licenciar e, em havendo necessidade, autuar, com o objetivo de promover a proteção do meio ambiente e combater a poluição, bem como preservar a floresta, a fauna e a flora, remetendo a fixação das normas de cooperação para o âmbito normativo de Leis Complementares. (TRF4, AC 5005058-29.2010.404.7200, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, D.E. 25/09/2013). Neste contexto, é interessante ressaltar que, a Lei 7.735/89 criou o IBAMA prevendo em seu art. 2º, II: Art. 2º É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de: (...) II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente,referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorizaçãode uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramentoe controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; (grifo nosso) Em outras palavras, o que se tem é que cabe ao IBAMA a fiscalização dos bens naturais, dando eficácia às Políticas Ambientais e Planos de Proteção ao Meio Ambiente. Tutelar o meio ambiente em TODA a sua INTEGRALIDADE, através de medidas fiscalizatórias que coíbam práticas que coloquem em risco, não só as espécies animais, como também os seres humanos de forma indireta, é função inerente do órgão em apreço. Observe-se que, a questão urgente que está impactando drasticamente os Golfinhos é o uso de redes de pesca ilegais na região, cujas regras estabelecidas pela União – Ministério da Pesca estão sendo flagrantemente violadas, uma vez que lhe cabe na competência constitucional regulamentada pela Lei Complementar nº 140/2011 o controle ambiental da pesca em âm22


bito nacional ou regional (art. 7º, XXII). Inúmeros animais – que não só os golfinhos nariz-de-garrafa -, tem sido vitimados há anos na região!

Zariguim,, boto pescador fêmea morta em rede ilegal no Rio Tubarão, em 2014. Na foto, o pescador artesanal chora a morte de sua amiga e compa nheira na pesca cooperativa.

Imagem de rede ilegal capturada em ação do Instituto Sea Shepherd Brasil no rio Tubarão, 2014. As redes são disposta de uma margem à outra do rio, presas ao fundo por pedras e na superfície com boias e garrafas pets.

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Algo precisa ser feito! E cabe, sim, ao Poder Público – identificado nas pessoas jurídicas indicadas – assumir uma postura proativa e eficiente na defesa e na preservação dos golfinhos de Laguna. Diante disso, chamar os Denunciados à responsabilidade consubstancia-se no atendimento de um clamor ambiental, social, cultural e, principalmente, de defesa destes animais que não podem mais ser subjugados à ineficácia do Estado em garantir-lhes aquilo que a própria Constituição Federal já estipulou como norma!

III – DA URGÊNCIA NA PROPOSITURA DE MEDIDAS QUE CONFIRAM EFICÁCIA AOS INSTRUMENTOS PROTETIVOS EXISTENTES: da importância da população de golfinhos vilipendiada e do não atendimento do Princípio da Eficiência na tutela da fauna pelos Denunciados A urgência de tomada de medidas eficazes na tutela dos golfinhos de Laguna, como demonstrado, se faz premente. Preservar a natureza, a fauna local, a cultura e o bem-estar desses seres não-humanos, mamíferos e sencientes residentes em Laguna é comando de natureza constitucional, uma vez que o seres atingidos são sujeitos-de-direitos, cuja existência, inclusive, é de interesse comum de todos os indivíduos, humanos e não-humanos que dependem da função ecológica e social desta população. Diante disso, voltar os olhos para a realidade que vem se delineando na região é medida que se impõe para assegurar a perpetuação da espécie. Veja bem, D. Procurador, está-se diante de situações de molestamentos contínuos, que vem se perpetrando ao longo de décadas, a despeito do pleno e inequívoco conhecimento dos Denunciados a quem incumbem o dever de proteção dos animais. A fiscalização existente é insuficiente, não garante a mínima dignidade desta população de botospescadores que, dia após dia, vem perecendo de forma cruel e não natural. Golfinhos são animais extremamente inteligentes e sensíveis. Desenvolvem, de forma única, sistemas internos de comunicação e identificação, passam seus conhecimentos e comportamentos de uma geração para outra, além de aprenderem comportamentos através do convívio e da observação com outros animais10. Tratam-se, pois, de animais sencientes, 10

Os comportamentos de pesca cooperativa são transmitidos de mãe para o filhote (transmissão intraespecífica) e também são aprendidos por animais de outros grupos que passam a fazer parte da população residente em Laguna (coaprendizagem interespecífica),

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dignos de proteção e resguardo e que possuem o direito a uma vida digna, em um ambiente ecologicamente equilibrado e seguro. Contudo, não é esta a realidade vivenciada pelos golfinhos e pela comunidade local, em especial, os pescadores que dependem do auxílio dos botos-pescadores para sua sobrevivência. Inúmeras mortes vem sendo amplamente noticiadas e uma breve consulta no Sistema de Monitoramento da Praias da Bacia de Santos – SIMBA 11, já permite verificar a quantidade de animais mortos entre os anos de 2016 e 2018 e os INÚMEROS INDÍCIOS DE INTERAÇÃO ANTRÓPICA12 com embarcações e redes de pesca que tem vitimado estes animais. Algo precisa ser feito de forma urgente. Além da obrigação constitucional e legal que incumbe aos órgãos Denunciados de proteger a espécie, elidindo todo e qualquer ato ilícito humano que venha a impingir sofrimento ou a morte destes animais, há que se ressaltar a importância que os botos-pescadores detém perante a comunidade local de Laguna. Os golfinhos nariz-de-garrafa que praticam a pesca cooperativa na região, por exemplo, tem sido objeto de estudos científicos diversos ao longo dos anos, os quais têm demonstrado a relevância destes animais para manutenção da pesca local, da subsistência dos pequenos pescadores e para o turismo da cidade. Observe-se, neste contexto, o trecho extraído do artigo 13 publicado na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, relativa a estudos publicizados entre janeiro e abril de 2018, intitulado “Botos bons, peixes e pescadores: sobre a pesca conjunta em Laguna (Santa Catarina, Brasil)”:

conforme indicado no artigo científico “Botos bons, peixes e pescadores: sobre a pesca conjunta em Laguna (Santa Catarina, Brasil)”. 11 Para análise das necropsias realizadas pela UDESC e pela ONG R3 Animais, basta consultar o link: https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/. 12 Somente a partir de 2016 os laudos anatomopatológicos relativos às mortes de golfinhos residentes em Laguna passaram a ser formalmente registrados no sistema SIMBA e validados por profissionais habilitados na realização das autópsias. Porém, as mortes decorrentes de interações antrópicas (poluição, redes de pesca ilegais e trânsito de embarcações irregulares) vem ocorrendo desde meados de 2012, conforme exaustivamente demonstrado no feito n. 5002675-25.2013.4.04.7216, manejado pelo Instituto Sea Sheperd em 2013. 13 Acesso em: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901x.v0i69p205-225. Autoria: Brisa Catão - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil). Gabriel Coutinho Barbosa - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Florianópolis, SC, Brasil).

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Um dia típico de inverno na Tesoura É inverno e a água está fria ou gelada. Perfilados com a água na altura da cintura ou do peito, com as tarrafas enroladas e suspensas nas mãos, os pescadores aguardam um sinal. Ventos fortes, chuvas, variações de temperatura e incidência solar atravessam a estação, tornando indispensáveis o uso de certos acessórios, sobretudo do macacão impermeável com botas de borracha acopladas, que possibilitam aos pescadores permanecer na água por longos períodos. Embora os golfinhos visitem a Tesoura diversas vezes em um único dia, as jornadas e a espera dos pescadores podem ser extenuantes. Fora d’água, outros homens limpam e vendem peixes, fazem e reparam as tarrafas, esperando a vez de fazer a vaga, que são as posições dentro d’água, ocupadas por ordem de chegada. Quando os botos aparecem, em grupos, duplas ou sozinhos, o ritmo local muda. A atmosfera de espera e descontração torna-se ligeiramente apreensiva. Sempre em movimento, entre mergulhos e reaparições intermitentes, os botos submergem, desaparecem nas águas turvas do canal e voltam a emergir adiante. Os pescadores acompanham os botos, procurando antever onde eles ressurgirão a cada vez. Da areia e da linha d’água, seguimos seus deslocamentos observando as nadadeiras dorsais e os borrifos d’água lançados pelos orifícios respiratórios. Todos se engajam atentamente no lance, cujo desfecho nunca é completamente previsto. Debaixo d’água, as tainhas refugiam-se em meio às pedras no fundo e nas laterais do canal. A conduta mais comum é os botos as aguardarem, mantendo-se discretamente perto dos alagados (aglomerações de pedras submersas), cheirando peixe, boiando, disfarçando, de barriga para cima. Quando as tainhas deixam as pedras, inicia-se o cerco. Um ou mais botos passam a afugentar os peixes em direção aos pescadores. Quando o cardume encontra-se ao alcance de alguma tarrafa, o boto ou a bota executa um movimento característico para mostrar peixe aos pescadores. 26


É o momento tão esperado, quando os homens devem arremessar suas redes. O primeiro a fazê-lo é aquele na vaga em frente à sinalização do animal. Em seguida, é a vez daqueles que estão imediatamente ao seu lado lançarem as tarrafas de fora ou do recurso. Cada sinalização de um golfinho desencadeia uma sequência de movimentos quase coreografados de torções de troncos e estiramentos de braços para arremesso das tarrafas. Após um lanço bem-sucedido, o pescador arrasta cuidadosamente a sua rede até a faixa de areia. Sozinho ou com a ajuda de um parceiro, ele retira a tarrafa da água e começa a despescar, desprendendo os peixes da malha, conferindo a quantidade e a qualidade das tainhas capturadas. O boto que mostrou o cardume pode continuar por ali trabalhando ou ir embora lagoa adentro ou mar afora. Algum tempo depois, outros chegarão e a captura recomeçará. A conexão existente entre os botos-pescadores e os seres humanos é induvidosa. O trabalho conjunto, as peculiaridades da comunicação estabelecida entre seres humanos e não-humanos é inquestionável. A necessidade de se proteger a espécie, evitar a sua provável e futura extinção e ressalvá-la de toda a interferência humana molestadora, além de um dever, já alçou o patamar de clamor público14. Não fossem tão importantes enquanto seres vivos e para os interesses locais15, não se estaria diante de tantos instrumentos jurídicos que 14

Veja-se a reportagem publicada no site G1 Notícias, em 08/07/2018, na qual noticiou-se que em ato realizado pela população local em face da morte de mais um boto-pescador em 01/07/2018, até mesmo os animais realizaram aparição, endossando a importância de uma tutela efetiva e imediata a ser implementada na região. 15 Conclusões do estudo intitulado “Etnobiologia dos botos (Tursiops truncatus) e a pesca cooperativa em Laguna, Santa Catarina”, de autoria de Débora Peterson, Natalia Hanazaki e Paulo César Simões-Lopes, na Universidade Federal de Santa Catarina, indicam que: “A comunidade de pescadores artesanais de Laguna, que participa da pesca cooperativa, mostrou um conhecimento apurado sobre a ecologia de T. truncatus, sendo que a presença do animal foi muito valorizada na região. Os pescadores defendem que a espécie deve ser preservada, entretanto ocorre uma maior afinidade com os indivíduos da população que participam da pesca cooperativa, os quais inclusive recebem nomes. O envolvimento da comunidade de pescadores de Laguna na pesca cooperativa poderia estar também ao monitoramento dos animais e das atividades de pesca, gerando dados sobre animais encalhados e/ou emalhados, contribuindo assim para conservação dos cetáceos e outros

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lhes conferem grandeza à nível nacional, estadual e municipal e que refletem a urgência na tomada de medidas práticas efetivas em seu resguardo e preservação: - Lei 13.818 de 20 de julho de 2016, a qual confere o título de Capital Nacional dos Botos (Golfinhos) Pescadores à cidade de Laguna, no Estado de Santa Catarina. - Lei n. 17.084, de 12 de janeiro de 2017, a qual institui o Dia Estadual da Preservação do Boto Pescador, a ser comemorado todo dia 25 de maio no Estado de Santa Catarina. - Lei n. 1.998, de 18 de junho de 2018 16, a qual dispõe sobre a proteção da população de Tursiops truncatus (Boto Pescador) residente do município de Laguna, através da proibição de tipos de artes de pesca consideradas nocivas a espécie.

Não está-se afirmando que inexista qualquer fiscalização. Em verdade, a Polícia Militar Ambiental é o órgão que mais tem atuado na defesa destes animais, com o apoio da população local, que tem constantemente se irresignado contra os molestamentos contínuos que vem acometendo os golfinhos. Porém, sozinhos, os policiais ambientais não tem condições de implementar uma fiscalização ampla e efetiva na tutela da fauna marinha. É imprescindível, para tanto, a atuação conjunta e eficiente dos órgãos Denunciados. Ocorre que esta base de apoio fiscalizatório – da Prefeitura Municipal, do IBAMA e do ICMBio – tem sido insuficiente. A despeito dos instrumentos existentes, da legislação específica acerca da proteção devida a estes animais e das previsões constitucionais que impõem aos sobreditos órgãos o INAFASTÁVEL DEVER DE TUTELA E DE FISCALIZAÇÃO do local em que fixaram sua residência, as mortes por atos ilícitos e conhecidos por todos têm sido rotina para estes animais. recursos biológicos.” 16

Notícia veiculada em: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/lariane-cagnini/prefeito-delaguna-sanciona-lei-que-aumenta-protecao-a-botos-pescadores.

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A título de exemplo da falta de vontade administrativa de cumprir as próprias obrigações funcionais, até hoje o Denunciado ICMBio não possui uma embarcação própria para fiscalizar o litoral que abriga duas unidades de conservação federais com espécies ameaçadas de extinção! As mortes dos golfinhos de Laguna não são naturais, decorrentes do envelhecimento ou de eventuais moléstias que acometam a espécie. São mortes dolorosas, cruéis, quem violentam animais de todas as idades, comprometendo a perpetuação da espécie pescadora residente em Laguna. Estes animais têm sido vítimas constantes de embarcações – principalmente, jet-skis - que NÃO DEVERIAM transitar livremente nos locais em que residem os botos. A perturbação sonora e os riscos concretos e contínuos de choques e molestamentos são incontestes. As imagens abaixo foram colacionadas da petição que inaugura o já referido processo movido em 2013 pelo Sea Sheperd e dão conta da veracidade das informações lastreadas17:

Trânsito de veículo com jet-ski em área proibida, em setembro de 2013. 17

Para mais imagens e informações, consultar autos n. 5002675-25.2013.4.04.7216.

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O mesmo Jet-ski em alta velocidade em local proibido, setembro/2013.

Área proibida para o trânsito de jet-ski. Notar a presença do golfinho próximo ao veículo aquático. 30


Os danos causados pelo trânsito desordenado de jet-skis na região em que residem os golfinhos são inúmeros e já foram comprovados em estudo científico, conforme noticiado em 17/05/2013 (há cinco anos!) no jornal virtual Sulinfoco18: Pesquisadores americanos apontam algumas conseqüências causadas por embarcações para pequenos cetáceos, como: diminuição da distância entre indivíduos, mudança de direção, aumento da velocidade de nado e aumento de intervalo respiratório. O efeito acumulativo desta exposição já levou, por exemplo, ao abandono de áreas de alimentação por indivíduos de uma população da Floria, nos Estados Unidos. Na Carolina do Sul, também no mesmo país, comprovou-se uma influência dramática no comportamento de botos quando da aproximação de Jet skis. Patrick Souza aponta que a velocidade e imprevisibilidade dos Jet skis durante as manobras são fundamentais na mudança de comportamento dos botos: “quanto mais imprevisível o movimento e mais variante a velocidade, maior o impacto. Quanto mais rasa a água e a presença de filhotes também. Essa é uma característica dos Jet skis, que realizam manobras imprevisíveis e em alta velocidade”. É comum ver filhotes de botos com suas mães na região dos Molhes e o relatório revela que as fêmeas com filhotes são mais suscetíveis que outros grupos. O barulho também prejudica o animal em detectar sinais biológicos do ambiente, como presas e predadores. A conclusão do estudo mostra que o uso de Jet ski apresenta alto potencial de impacto para estes animais, principalmente por causa dos movimentos bruscos e velocidade variada, gerando aumento no risco de colisões, aumento nas intensidades sonoras e na amplitude de freqüência, resultando no aumento do distúrbio sonoro com efeitos no comportamento 18

Disponível para consulta em causado-por-jet-skis-nos-botos/.

https://www.sulinfoco.com.br/estudo-comprova-impacto-

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como abandono de área e estresse, que indiretamente pode levar à morte. Uma pesquisa feita pelo professor de engenharia de pesca da Udesc e doutor em ciências biológicas, Fábio Daura, em conjunto com outros pesquisadores, revela um dado alarmante sobre a extinção destes botos: “Devido ao pequeno tamanho populacional e seu aparente grau de isolamento, os botos tem alta probabilidade de extinção (acima de 90%) num intervalo de cem anos”. O relatório finaliza evidenciando a incompatibilidade da prática de manobras de Jet skis nas áreas de alta densidade dos botos, considerando a pequena população de botos residentes na área, sua concentração no canal de ligação das lagoas com o mar, o valor da ‘pesca com auxílio dos botos’ e a constante presença de filhotes na área, o que indica ser este um importante local para reprodução da espécie. (grifos nossos) Não bastassem estas violações realizadas em plena luz do dia - e que são de conhecimento geral de todos os órgãos Denunciados há muito tempo -, a população local de golfinhos ainda perece com grave doença de pele (lobomicose), a qual é decorrente das condições das águas em que vivem. Quanto mais poluída e insalubre, maior a incidência da moléstia nos animais, que passam a sofrer de angústias psíquicas e abalos em sua imunidade física quando manifestam a doença. A título exemplificativo – uma vez que inúmeros animais têm sido avistados com lesões de pele na região - veja-se que, em consulta ao Sistema Simba é possível verificar laudo anatomopatológico de um indivíduo encontrado morto na Praia do Moçambique, cuja gravidade da doença impressiona. Abaixo, seguem algumas imagens extraídas do Laudo Necroscópico do indivíduo 044509 (https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/11239):

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Este laudo necroscópico foi realizado em 25/03/2017 pela ONG R3 Animal, sendo impressionante a quantidade e a severidade das lesões encontradas no indivíduo. Em que pese acreditar-se que as lesões por lobomicose não causem diretamente a morte destes animais, elas são bastante sugestivas do que pode estar acontecendo. As lesões de pele normalmente são de origem fúngica ou viral, decorrente de distúrbios imunológicos potencializados por agentes poluentes. Ou seja, se o ambiente – como um todo - está impróprio, a saúde destes seres fica totalmente comprometida. Se está impróprio para os golfinhos, certamente que para os humanos e demais animais aquáticos também o está. E, salvo melhor juízo, entende-se que tais fatos violam os preceitos constitucionais de meio ambiente ecologicamente equilibrado à coletividade em geral, havendo afronta inequívoca aos comandos constitucionais albergados no caput de seu artigo 225. Por fim, não se podem olvidar as inúmeras mortes ocasionadas pelos emalhes em redes ilegais de pesca espalhadas em locais proibidos, perigosos, em desrespeito total ao habitat natural dos golfinhos. Os animais, desavisados, ficam presos em redes espalhadas irregularmente e sofrem uma morte lenta e dolorosa, morrem por afogamento da mesma forma que nós humanos quando presos em redes de pesca. Inúmeros animais têm

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padecido desta forma, morrendo afogados e molestados, sofrendo sem que qualquer oportunidade de defesa ou salvação lhe seja ofertada. Certamente, casos de tal espectro violam outro importante comando constitucional que diz respeito à não sujeição dos animais à práticas de crueldade: Art. 225/CF: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (grifos nossos). Animais morrendo afogados enredados em redes ilegais de pesca, sem qualquer possibilidade de defesa, sofrendo com moléstias oriundas da parca qualidade da água em que vivem e sendo desafiados diariamente por embarcações que invadem o seu território, causando não só sofrimento psicológico e físico, mas também os sujeitando a lesões e choques fatais, por certo, enquadra-se integralmente no conceito de crueldade enunciado pela Carta Magna. Tem-se, pois, que expor estes animais a molestamentos de natureza antropogênica, que vilipendiam não somente a sua integridade física e psíquica, mas também causam prejuízos de cunho, ambiental, cultural, social e econômico não é algo que possa ser minimizado. Os golfinhos de Laguna, assim como outros cetáceos da região, têm sofrido dia após dia as ações maliciosas e criminosas que, em muitos casos, são tratadas com menor importância pelo Poder Público! Ora, se o problema é tão antigo e tão conhecido pelos Denunciados, por quais razões não aprimoram suas técnicas de fiscalização e de atuação em prol da defesa destes seres? Não há mais tempo para um dia ter a estrutura para um dia proteger esta espécie, é inaceitável a má gestão administrativa em matéria ambiental, ela compromete o nosso único e maior bem: a vida! das presentes e futuras gerações. 35


Veja-se que, segundo levantamento necroscópico realizado entre fevereiro de 2016 e maio de 2018, pelo menos, 08 19 (oito) animais foram vítimas de mortes causadas, presuntivamente, por ação antropogênica. Isso, sem mencionar aqueles que já foram vitimados entre maio e outubro do corrente ano, e cujos laudos ainda não foram disponibilizados no sistema SIMBA. Estes animais foram vítimas de afogamento, morrendo asfixiados e enredados em redes de pesca QUE NÃO DEVERIAM ou PODERIAM estar estendidas nos locais em que habitam os golfinhos.

Exame externo Lesão de contato prolongado com cabo de aproximadamente 1cm de espessura circundando o animal no dorso em frente a nadadeira dorsal. Presença de fios de nylon aderidos na porção anterior de nadadeiras peitorais causando uma reação granulomatosa crônica. Lesão de amputação já cicatrizada na porção posterior de nadadeiras peitorais. Presença de algas aderidas nos fios de nylon nas nadadeiras peitorais. Presença de epibionte aderido em nadadeira peitoral direita, porção anterior, face dorsal. 19

https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/17456 https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/17456 https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/15390 https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/12800 https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/12800 https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/9874 https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/3798

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Fonte: https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/17456

Exame externo: Lesões caudas por forte interação com rede de pesca em várias regiões do corpo do animal (região caudal circundando toda a cauda

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passando na altura do ânus, região da cabeça e melão passando pelos olhos bilateral causando hematoma evidente) Fonte: https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/15390

Exame externo: Apresenta artefato de pesca (rede) enredado nas nadadeiras peitorais, desprendimento cutâneo, lacerações lineares esparsas pelo corpo; Escoriações lineares por todo o corpo Fonte: https://segurogis.petrobras.com.br/simba/web/sistema/pmp/1/necropsy/9874

Além dos golfinhos nariz-de-garrafa, como mencionado, outros animais perecem emaranhados nestas redes de pesca, tais como as toninhas20, também habitantes das águas de Laguna. Inúmeras tem sido vitimadas e sofrido esta mesma morte cruel ao longo dos anos. Em notícia veiculada em 16/06/2014, já se alertava sobre as constantes mortes destes animais, como se demonstra no trecho extraído da reportagem veiculada no site “Engeplus” e colacionado abaixo: Eles vivem distantes dos olhos, mas existem. Sim, e são lembrados somente quando aparecem mortos na praia. É como tem vivido uma espécie de golfinho que habita a região costeira de Laguna. A 20

Reportagem completa em: http://www.engeplus.com.br/noticia/geral/2014/golfinho-especieesta-ameacada-de-extincao-em-laguna.

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espécie Toninha (Pontoporia blainviller) é considerada, atualmente, o mamífero marinho mais ameaçado do Atlântico Sul Ocidental. Há ainda um dado mais alarmante: é a única espécie de pequeno cetáceo ameaçada de extinção no Brasil, segundo a Lista Oficial das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. Habitam a região costeira do Espírito Santo até a Argentina. 27 mortes - Laguna sedia uma extensão do Projeto Toninhas, através da Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc) que cuida do seu monitoramento e preservação. De acordo com o coordenador do projeto na cidade e professor do curso de Engenharia de Pesca, Pedro Volkemer de Castilho, de 2012 pra cá, foi registrada a morte de 27 animais, entre Garopaba e Jaguaruna. “Isso representa a média de uma carcaça por mês. Ainda que as pesquisas indiquem que somente 10% das carcaças chegam à praia”, destaca Castilho. Causas da morte - As causas são variáveis, mas os registros das mortes em Laguna mostram que a captura acidental em redes de pesca são mais recorrentes. Na baía da Babitonga (Norte do Estado), por exemplo, região específica onde vivem somente 55 indivíduos, a causa tem sido a captura acidental e poluição. “Eles não saem daquele espaço, ficando mais vulneráveis, é um caso bem atípico. Em virtude da urbanização, poluição aquática e o desenvolvimento portuário o projeto teve origem lá”, explica o professor. A maior preocupação é porque 70% dos animais são fêmeas. “Isso gera um impacto direto na taxa reprodutiva”, salienta o pesquisador. Elas têm apenas um filhote a cada um ou dois anos, com gestação que dura até cerca de 12 meses.

Em julho de 2017, mais uma notícia veiculando mortes de toninhas, cujos corpos foram encontrados com petrechos de pesca emaranhados:

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[...] Conforme populares, uma das toninhas tinha um pedaço de rede de pesca na boca. Neste ano, já foram encontrados dois botos mortos, um em Laguna e um em Imbituba, além de uma tartaruga marinha. Fonte: https://www.difusoralaguna.com.br/2017/07/26/toninhas-saoencontradas-mortas-em-praias-de-laguna/ Ainda, de modo a ilustrar a ineficiência com a qual é tratada a situação destes e de outros cetáceos, segue, abaixo, notícia veiculada em 09/08/2018 no Jornal Notícias do Dia, a respeito da morte de filhote de Baleia Franca – espécie em perigo de extinção -, que tem as águas de Santa Catarina como berçário ecológico. O animal foi encontrado morto no dia 08/08/2018, com ferimentos compatíveis com interação antrópica:

Filhote de baleia franca, nascido nesta temporada, encontrado encalhadoe já sem vida na noite de quarta-feira (08/08) na Praia do Gi, em Laguna. Conforme o professor Pedro Castilho, o animal media 6,35m de comprimento, era uma fêmea e possuía um "rasgo" na pele, cujas características foram analisadas para identificação da causa da morte. Notícia disponibilizada em: https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/filhotede-baleia-franca-e-encontrado-encalhado-e-morto-em-praia-de-laguna

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A situação é crítica. A despeito da existência de legislação e de previsões normativas específicas21 – que buscam efetivar a tutela dos animais residentes de Laguna e região -, as medidas de fiscalização existentes NÃO SÃO SUFICIENTES para assegurar a proteção e a preservação das espécies. As violações aos direitos destes animais – e dos seres humanos – são notórias. As ações realizadas não tem evitado as sucessivas mortes que tem ocorrido. O meio ambiente está em desequilíbrio e a coibição dos ilícitos perpetuados em face destes seres não se mostra eficiente. A população – e os animais, obviamente – precisam ser protegidos. O clamor pelo resguardo da vida dos golfinhos, pela preservação da peculiar espécie que habita as águas de Laguna, pela manutenção do patrimônio histórico-cultural envolvido na relação homem-boto e pela proteção do meio ambiente como um todo é medida urgente e que tem sido, inclusive, objeto de manifestações populares no Município, como mobilização neste ano pela morte de Tufão:

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As principais leis e normas brasileiras de proteção aos cetáceos são: a Lei 7643/87, que proíbe a caça e o molestamento de cetáceos em águas brasileiras; a Lei 9605/98 (Lei dos Crimes Ambientais); o Decreto 6.514/2008, o qual em seu artigo 30 descreve o molestamento de cetáceos como infração ambiental com previsão de multa que pode ser duplicada, acaso a prática da infração ocorra em unidade de conservação; e, por fim, a Portaria IBAMA n. 117/1996, que descreve as práticas consideradas molestamento intencional de cetáceos.

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Fonte: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/em-ato-contra-pesca-comredes-clandestinas-em-laguna-botos-agradecem-com-saltos-veja-fotos.ghtm

Não se pode mais ignorar o fato de que o plano de ação de preservação que incluiu o aparato fiscalizatório até então praticado NÃO É SUFICIENTE para, de forma, eficiente impedir as fontes conhecidas de molestamento e morte. A ação dos Denunciados NÃO É COMBATIVA e EFICIENTE. Irregularidades são rotineiras. Ações práticas de fiscalização por parte dos Denunciados são dispersas e não alcançam o objetivo esperado de preservação. A impunidade impera na região e, em virtude disso, vidas inocentes têm sido ceifadas ano após ano. A título exemplificativo, colaciona-se abaixo Acórdão do Tribunal Regional da 4ª Região, em cujo feito o IBAMA – um dos principais órgãos responsáveis pela fiscalização e pela tutela dos animais aqui apontados – foi condenado em virtude da OMISSÃO perpetuada em face de animais que vinham sofrendo sucessivos maus-tratos em um circo: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MAUSTRATOS AOS ANIMAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO. CONDENAÇÃO. MEDIDAS COMPLEMENTARES E ALTERNATIVAS NECESSÁRIAS AO FIEL CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. 1. A responsabilidade civil do Estado por omissão, aplica-se a teoria da falta do serviço, exigindo-se comprovação de que o serviço não funcionou, funcionou mal ou funcionou em atraso. 2. Se o IBAMA, autarquia à qual incumbe a fiscalização ambiental e que tinha o dever de agir e impedir a perpetração dos maus-tratos, demorou cerca de dois meses para agir, mesmo diante dos fatos que demonstravam o tratamento cruel dispensado aos animais, a omissão restou demonstrada. 3. Não há falar em sentença extra petita quando há pedido expresso da divulgação, por um ano, de um texto no início de todos os espetáculos do Circo. 4. O quantum fixado (R$ 50.000,00) a título de indenização pelos maus tratos mostra-se adequado à gravidade da conduta praticada e ao número de animais que sofreram 42


com conduta irregular do Circo. 5. Não se configura o julgamento extra petita, quando a decisão, ao acolher o pedido formulado na inicial, especifica medidas complementares e alternativas necessárias ao fiel cumprimento da sentença. (TRF4, APELREEX 500371857.2013.4.04.7002, QUARTA TURMA, Relatora LORACI FLORES DE LIMA, juntado aos autos em 25/02/2015). (sem grifos no original) Respeitadas a proporcionalidade e as peculiaridades de cada uma das situações, o que se intenta ilustrar, D. Procurador(a), é que a ineficácia do aparato público para fiscalização, proteção e preservação destas espécies é gritante e, induvidosamente, tem sido indiretamente responsável pela perpetuação de maus-tratos e de morte a estes animais. Ora, se a quem incumbe o dever de fulminar práticas violadoras e ilícitas em face de animais tão sensíveis e complexos quanto os golfinhos, a quem a sociedade poderá recorrer? O certo é que na urgência atual não podemos mais aceitar umfaz-de-conta, pois o molestamento é real, a morte é real, e a extinção é real! Além do direito animal à vida, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao tratamento sem crueldade, em um mundo no qual não há mais condições ambientais para o surgimento de novas espécies animais, diante de nossa condição de superpredadores dos recursos naturais, preservar as existentes se torna uma questão de sobrevivência global, temos um papel enquanto humanidade neste Planeta. A ação combativa e protetiva dos Denunciados deve ser EFICAZ. Medidas paliativas não resolvem ou minimizam o problema que vem ocorrendo na região. A omissão e a ineficácia administrativa certamente levam a um mesmo resultado e este, SMJ, nunca é benéfico aos mais fragilizados e vulneráveis. As capacidades financeiras, os vieses burocráticos e as limitações materiais NÃO servem de justificativa para uma atuação insuficiente na defesa do meio ambiente (fauna e flora). E este argumento, inclusive, foi firmemente desmontado no bojo da ação supramencionada (processo n. 500371857.2013.4.04.7002), como se vê do excerto extraído:

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Logo, resta claro que a autarquia agiu tardiamente, já que as condições em que os animais se encontravam eram as mesmas desde a data da primeira denúncia (07/03/2008). Mesmo com o Circo possuindo um histórico de maustratos e claros sinais de manejo incorreto dos animais, o IBAMA demorou praticamente dois meses para tomar providências, o que, sem sombra de dúvidas, caracteriza omissão por parte da autarquia. Alegar que não havia veterinário disponível para verificar "in loco" eventuais maus tratos apenas demonstra a precariedade da atuação da autarquia ambiental e não justifica sua omissão, mas sim caracteriza-a. O que se observa disso tudo é o claro conflito entre dois princípios basilares, que regem a gestão da coisa pública: se de um lado, subsiste a independência administrativa, com a eventual ilação acerca do Princípio da Reserva do Possível, de outro, há que se sobrelevar o Princípio da Eficiência da Administração Pública. A coisa pública deve ser gerida de forma equilibrada e de acordo com as possibilidades do Estado. Porém, esta gestão deve cristalizar a boa administração pública e, com a devida vênia a entendimentos contrários, não é o que se vivencia no cenário explanado. A gestão dos recursos naturais e, principalmente, a tutela da fauna e da flora, devem atender aos comandos constitucionais e infraconstitucionais que predispõem acerca da preservação das espécies, da coibição de crimes contra animais, da inviolabilidade da integridade física e psíquica dos indivíduos não-humanos – como decorrência da proibição da crueldade -, dentre outras. Em todas estas frentes, o Poder Público – na figura das autoridades a quem delega as funções – tem o DEVER de atuar de forma eficiente e satisfatória. Se assim não o for, não se está diante de uma boa administração e, consequentemente, há expresso descumprimento do que pressupõe o sobredito princípio insculpido no caput do artigo 37 da Constituição Federal. Outra não é a compreensão de Hely Lopes Meirelles (2002) sobre o tema: [...] o que se impõe a todo o agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento profissional. É o mais moderno princípio da função 44


administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros, [..] o dever da eficiência corresponde ao dever da boa administração. O supramencionado doutrinador defende ainda a ideia de que “o que se impõe a todo o agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento profissional”. Acrescenta, por oportuno, a legalidade dos atos do administrador não é o único aspecto que deve ser seguido, mas sim, que para um serviço público de qualidade, este deve se atentar aos resultados positivos que dele se intenta extrair. Em outras palavras, Meirelles (2002) aduz que o serviço público – em atendimento às obrigações legais que são impostas ao administrador – deve ser oferecido à sociedade de forma qualitativa, com alcance efetivo sobre aquilo a que se propõe.

Ora, no caso em apreço, o que deve ser oferecido pelos órgãos públicos Denunciados é serviços de prevenção, fiscalização e de preservação EFICAZES (EFICIENTES), que apresentem resultados práticos reais no que tange à salvaguarda dos animais molestados. Planos concretos de fiscalização e combate às ilicitudes, atuação mais incisiva no combate às ilegalidades e métodos mais exitosos de tutela do meio ambiente devem ser feitos de forma QUALITATIVA, e não meramente de maneira quantitativa e esparsa, ineficiente ou mesmo inócua. Celso Antônio Bandeira de Melo (1999, p. 92) também coaduna seu pensamento nesta vertente, indicando que sua importância deve ser observada sob o manto da legalidade, uma vez que a eficiência no agir do Estado decorre diretamente de um dever administrativo e legal: Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas obvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais suma 45


suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração. É justamente neste ponto que reside a urgência de que as medidas fiscalizatórias e de preservação destes animais sejam implementadas de forma PRÁTICA e EFICAZ, uma vez que a insuficiência de sua atuação no zelo da fauna residente de Laguna afronta os preceitos de uma boa e escorreita administração. Agir em concordância com os princípios dispostos na Carta Magna faz parte da atividade administrativa. Zelar em prol da melhor qualidade na prestação dos serviços que lhes são inerentes é ponto crucial para o alcance de uma administração satisfatória e eficiente. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005, p. 84), em sua obra de Direito Administrativo, já carreava a ideia de que o Princípio da Eficiência deve ser norteador das condutas do gestor público: O princípio da eficiência (...) pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a administração pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. No caso em apreço, a sobreposição do Princípio da Eficiência, como gênero do Princípio da Boa Administração, em face das questões relativas ao Princípio da Reserva do Possível, é medida imperativa. Isso porque, a manutenção de tal inobservância poderá culminar em danos imensuráveis, não só à peculiar espécie residente na localidade, como também à comunidade local e à sociedade como um todo. A eventual extinção de espécie tão incomum de golfinhos, certamente, traduzir-se-á em perda ambiental de natureza irreparável. A comunidade local sofrerá as consequências, os pescadores sentirão na pele o prejuízo cultural e econômico que a pesca colaborativa lhes traz. O dano 46


ambiental, de cunho coletivo, será imensurável; assim como também será o desequilíbrio ecológico perpetrado. Agir contra essa catástrofe é algo que vai além do necessário. É moral e legalmente obrigatório, uma responsabilidade para com as futuras gerações! E este munus incumbe aos Denunciados, que não podem esquivarse de tais responsabilidades e obrigações sob o manto da fragilidade econômico-financeira ou, eventualmente, da alegação de suposta violação do Princípio da Separação de Poderes. Não há violação alguma. O que há, isso sim, é um clamor coletivo para que o Poder Público AJA em prol destes animais e da coletividade, de forma EFICIENTE e EFICAZ! Não é mais possível calar-se diante de tantos molestamentos e de tamanho prejuízo ecológico! O direito à vida e a dignidade destes animais precisam ser respeitados. Este é o intuito da presente Notitia Criminis: dar voz àqueles que não podem clamar por si mesmos e que dependem de ações concretas para que possam desfrutar da vida que lhes é garantida pela Constituição Federal e pelo direito natural à vida. Por derradeiro, o Denunciado ICMBio provou recentemente que é possível atuar ultrapassando todas as “dificuldades” do próprio órgão ao ir além de uma sentença que o condenou a elaborar um Plano de Fiscalização, apresentando um Plano de Normatização, Fiscalização e Monitoramento para garantir, de qualquer forma, a volta da atividade de turismo de observação de baleias embarcado na região da APA da Baleia Franca. E, o que mais chama atenção, é que Denunciado ICMBio além de aceitar a condenação, ele mesmo ingressou com o cumprimento de sentença, colocando de lado a “quebra” da separação de poderes (argumento utilizado como negativa de qualquer ingerência do Poder Judiciário no Poder Executivo). No referido Plano há a previsão, inclusive, de contratação de monitores para estarem presentes em todos os passeios! Nesta realidade, sobressai além da responsabilidade civil pela suspensão das fontes que ensejam os danos ambientais suportados pelos Golfinhos de Laguna e sociedade, a responsabilização penal das pessoas jurídicas Denunciadas que há anos atuam de forma ineficiente levando seres sencientes a uma existência indigna e cruel e ao risco concreto de extinção de uma população de seres não-humanos rara no 47


Planeta. Será que tais circunstâncias não pesam no agir público de órgãos ambientais da mesma forma que uma atividade econômica (turismo de observação de baleias embarcado)? Que, para piorar a situação, causa molestamento comprovado às baleias franca (espécie em perigo de extinção). “Crescer é uma característica da natureza. Mas, precisamos que esse crescimento seja limitado. Alguns sistemas precisam parar de crescer para que outros floresçam, em um ciclo de geração e regeneração, como em uma floresta. Mas, essa auto-regulação não virá do atual sistema econômico, e sim dos governos, que só vão trilhar esse caminho se forem pressionados pela sociedade.” (Fritjof Capra -

congresso CICLOS no Centro SEBRAE de

Sustentabilidade, 2015) As violações – e violências – contra os animais não-humanos ocorrem às claras, dia após dia. Não é possível que o Poder Público mantenhase em estado de ineficiência, ignorando o sofrimento e as mortes que ocorrem no litoral catarinense: “Na tarde do dia 24 de setembro, a Associação R3 Animal recebeu um acionamento através do Projeto Tamar informando que havia um “golfinho” vivo encalhado na praia da Barra da Lagoa. Uma equipe do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) foi encaminhada imediatamente até o local indicado e encontrou uma toninha (Pontoporia blainvillei) já sem vida. O animal foi trazido para o Centro de Pesquisa, Reabilitação e Despetrolização de Animais Marinhos (CePRAM) onde passou por necropsia. Trata-se de uma fêmea juvenil, com cerca de 25 Kg, e 1,37 metros de comprimento. “A congestão dos órgãos indica a causa da morte como asfixia por afogamento”, explica a médica veterinária e coordenadora do PMP-BS em Florianópolis, Cristiane Kolesnikovas. Marcas na região caudal sugerem que o animal teve interação com redes de pesca.

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A toninha é a espécie de golfinho mais ameaçada no Atlântico Sul Ocidental e a única espécie de pequeno cetáceo ameaçada de extinção no Brasil.” (grifos nossos)22.

No dia 1/10, cinco tartarugas verdes foram encontradas mortas na Praia do Sol, em Laguna, emalhadas em rede de pesca. Segundo o PMP-BS, esse é o segundo caso de emalhe de tartarugas registrados em praias da região neste ano. No início de julho, seis tartarugas da mesma espécie foram resgatadas vivas em rede de pesca ‘fantasma” na Praia do porto, em Imbituba. 23 Aceitar esta realidade é inadmissível. Atuar pela real proteção da fauna e flora de forma eficiente não é uma opção ou benesse das instituições e entes públicos, é um dever fundamental!

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Disponível em: Acessado em: 03/10.

https://www.facebook.com/267069747797/posts/10156375218862798/.

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Disponível em: https://www.noticiasinfoco.com.br/artigo/cinco-tartarugas-sao-encontradasmortas-em-rede-de-pesca. Acessado em 03/10/2018.

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IV - DOS PEDIDOS Ante o exposto, considerando-se a ineficiência reiterada dos Denunciados, pessoas jurídicas de direito público, em planejar e executar medidas de defesa e preservação de indivíduos não-humanos sencientes, protegidos constitucionalmente, residentes no município de Laguna/SC, da espécie tursiops truncatus, conhecidos como Botos Pescadores por auxiliarem pescadores artesanais da região, mantendo fortes laços afetivos e econômicos com a comunidade, e que há anos são vítimas de lesões, molestamento e morte ante a inobservância do Princípio da Eficiência, do direito animal ao tratamento sem crueldade, do direito humano e não-humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e da coibição de práticas que levem à extinção espécies da fauna, caracteriza, em tese, o crime de maus tratos e ato de abuso previstos no art. 32 da Lei 9.605/98, assim a ACAPRA – Associação Catarinense de Proteção aos Animais requer, respeitosamente, a Vossa Excelência o recebimento da presente Notícia Crime, com a abertura de inquérito penal e civil, e, em sendo caracterizada a conduta antijurídica dos Denunciados que sejam instauradas as competentes ações penal e civil para a responsabilização e restauração da ordem jurídica violada. Nestes termos pede deferimento, Laguna/SC, 09 de novembro de 2018

RENATA FORTES OAB/RS 46.468

TATIÉLE CARDOSO MONTEIRO Assessora Jurídica

DANIELLE DELL ANTÔNIO Estagiária de Direito 50


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