Jornal da ABI 394 - Encarte

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SAUDADES

Jornalismo e a cidadania perdem um combatente P OR M ÁRIO A UGUSTO J AKOBSKIND E A LCYR C AVALCANTI

O jornalismo e a cidadania brasileira perderam um autêntico combatente, o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Maurício Azêdo, falecido no dia 25 de outubro, exatamente 38 anos depois do assassinato de Vladimir Herzog pela máquina repressiva da ditadura civilmilitar que assolou o País a partir de abril de 1964. Azêdo se foi, mas fica o seu legado de sempre, o de combater o bom combate. Em 1962 foi um dos líderes da greve dos jornalistas que reivindicavam salários dignos, negados pelo patronato, apesar dos lucros exorbitantes. Eram outros tempos, mas nem por isso deixava de se posicionar, sempre por uma causa justa. Em plena ditadura, em 1968, uma das mais violentas ações do gênero, que se repetem nos dias atuais sob o comando do Governador Sérgio Cabral, a PM invadiu a antiga Faculdade de Medicina, na Praia Vermelha, e fez mais de 500 prisões de estudantes de vários cursos que realizavam uma plenária, colocando todos os presos dentro do então campo do Botafogo, na Rua General Severiano. Essa violência gerou a maior passeata daquela época. Maurício Azedo, rubronegro apaixonado, foi o autor, no extinto Jornal dos Sports, da seguinte manchete sobre a passeata que respondia à violência policial: “100 mil vão às ruas pelo Botafogo”. A única manchete política em toda a história do Jornal dos Sports.

Preso e torturado pela ditadura, o jornalista seguiu em sua luta na defesa dos valores democráticos e socialistas, fundamentais para um Brasil mais justo e sem autoritarismos de qualquer espécie. Eleito vereador pelo PDT, Maurício continuou servindo de exemplo não se dobrando a pressões e enfrentando o poder das oligarquias quando presidiu a Câmara dos Vereadores do Rio. Na Associação Brasileira de Imprensa, desde sempre se alinhava com jornalistas, como Barbosa Lima Sobrinho, entre outros, que combatiam a ditadura e todo o tipo de censura imposta pelos detentores eventuais do poder. Eleito Presidente da entidade em 2004, Maurício sempre abriu as portas da ABI para os setores que se mobilizam na defesa de um Brasil mais justo, mais igualitário. Os auditórios do 7º e 9º andar consolidaram-se como os espaços mais democráticos da cidade do Rio de Janeiro. Sob a direção de Maurício Azêdo, a ABI defendeu galhardamente a liberdade de imprensa e de expressão, bem como se engajou ao lado dos movimentos da sociedade brasileira defensoras da democratização dos meios de comunicação e da defesa incondicional dos Direitos Humanos, que têm sido frequentemente desrespeitados em nome de uma pretensa segurança. Na entrada de nosso prédio encontrava-se uma grande faixa com os dizeres “Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura”. O recado foi retirado numa recente madrugada, sem terem sido

identificados seus autores. Poucos dias antes também tinha sido retirada uma faixa informativa sobre a presidência, a direção e os conselheiros eleitos em abril de 2013. Ficou também a dúvida sobre os autores do ato desesperado e digno de uma época de exceção, incompatível com nossos dias. Nos últimos meses de vida, passou a enfrentar uma oposição sectária de grupos inconformados com o fato de a ABI estar na vanguarda da luta por uma mídia realmente democrática e ampliada para os setores sociais que não têm vez e voz na mídia tradicional, além da defesa das manifestações populares legítimas que têm ocorrido em todo o Brasil. Associados vinculados a setores midiáticos tradicionais, sob alegações das mais variadas, questionaram até mesmo a eleição legítima realizada no último mês de abril e que deu a vitória à chapa Prudente de Morais, encabeçada por Maurício. Com a saúde debilitada, nas últimas semanas vivia sob permanente estado de tensão, o que agravou o problema cardíaco que acabou levando-o a um desenlace fatal. Os defensores de valores opostos aos que Azêdo representava chegaram até a ingressar na justiça com alegações, sem o mínimo fundamento, colocando em dúvida uma eleição feita dentro das regras da entidade através de seu Estatuto. No dia 21 de outubro, portanto quatro dias antes da morte do jornalista, uma audiência na Justiça, que dava seguimento ao processo

aberto contra a eleição da Prudente de Morais, teve de ser adiada para o próximo dia 18 de novembro, porque Azêdo não pôde comparecer em função dos problemas de saúde. O processo, acreditamos, deve ser extinto. Mas deixou suas conseqüências, e seqüelas de extrema gravidade, em sua saúde debilitada. Os corvos, fazendo reviver políticos de um passado que esperamos esteja definitivamente sepultado, estão na tentativa de tomar de assalto uma entidade que caminha para 105 anos de uma existência de lutas para transformá-la em um leito passivo e afastado da defesa dos valores que Maurício sempre defendeu.. Nós todos, companheiros e camaradas de Azêdo temos a obrigação de defender e manter o seu legado, respeitando sua última vontade, qual uma carta-testamento em que ele manifestou o desejo de reunir as forças verdadeiramente democráticas na defesa contra os grupos que desejam destruir as conquistas arduamente obtidas através de muito sangue, e muitas lágrimas, para a construção de um Brasil melhor, de um mundo melhor, mais justo e mais igualitário. Finalizamos com um trecho de seu último texto, em que ele nos conclama “a retomar o papel que nos cabe na luta em defesa do povo de nossos países”. Maurício estará sempre presente em nossos corações, em nossas mentes. MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND é Presidente da Comissão de Liberdade de Expressão e Direitos Humanos da ABI. ALCYR CAVALCANTI é Diretor de Jornalismo da ABI

Maurício Azêdo, um exemplo que ficou P OR P EREIRA DA S ILVA

A coluna rende homenagem a esse homem singular, um bravo e valente guerreiro da palavra e das ações humanas que, destemido, exerceu o bom combate, colocando em risco a própria vida nos anos negros da ditadura militar. Mesmo naqueles terríveis anos de luta fratricida, Maurício Azêdo foi um mensageiro da paz. Jamais deixou um amigo na beira do caminho e sempre esteve ao lado da Justiça, tentando salvar os injustiçados, a qualquer hora do dia e da noite. À frente da ABI, sucedendo gloriosamente inigualáveis nomes e bastiões das liberdades democráticas, como Barbosa Lima Sobrinho, cujos legados honrou com imensa sabedoria ao trabalhar pelo resgate da imagem da instituição ABI perante à sociedade e aos gover-

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nos democráticos que passaram a conduzir os destinos da Nação brasileira depois dos anos negros que tingiram de sangue o chão da nossa pátria querida. Como seus antecessores de saudosa memória, não se descuidou da defesa do imperioso direito dos jornalistas exercerem a profissão com liberdade, com senso crítico e ética profissional. E foi além disso: trabalhou incansavelmente para recuperar as finanças da ABI com interlocução com deputados, senadores e representantes dos governos federal, estadual e a Prefeitura do Rio. Foi assim que Maurício Azedo, ao partir, deixou a ABI financeiramente saneada, inclusive com reserva nos cofres e nos bancos. Quem assumir o seu posto terá obrigatoriamente que dar continuidade ao seu trabalho. Paralelamente, procurou pôr em práti-

JORNAL DA ABI 394 • ESPECIAL MAURÍCIO AZÊDO • OUTUBRO DE 2013

ca um plano, um não, vários, para trazer de volta ao seio da ABI velhos e novos companheiros que haviam dela se afastado. Um deles foi a reforma estrutural do Edifício Herbert Moses, por dentro e por fora. Sua primeira obra foi a reestruturação da menina dos seus olhos, a Biblioteca Bastos Tigre, memória histórica da imprensa brasileira, e um dos mais importantes espaços culturais da cidade, dando acesso em seu rico acervo aos pesquisadores, professores e estudantes de Comunicação do País. Maurício ainda tinha muito por fazer, mas fez outra coisa muito importante na área da cultura, da história e da comunicação. O exemplo tão importante quanto ao da Bastos Tigre foi a reformulação do Jornal da ABI, que ganhou um formato inovador, tecnicamente muito próximo da perfeição, com páginas de entrevistas com

velhos companheiros, pessoas que fizeram história no campo jornalístico, seja no impresso, seja na televisão, e matérias relevantes de grande interesse sócio-cultural e político. O site da ABI, na internet, é outro exemplo de sua marca gestora. Querido Azêdo, sua passagem pela vida foi marcante, inclusive na política, como Vereador e Prefeito interino do Rio de Janeiro, e no Tribunal de Contas do Município. Seu nome jamais será esquecido por nós que o queremos tanto bem. Não sendo eu ateu, nem agnóstico, mas respeitoso com todos aqueles que sabem defender, sem maniqueísmo, suas ideologias e credo, digo: descanse em paz ao lado do Senhor. PEREIRA DA SILVA (Pereirinha), matéria publicada no Jornal de Hoje – Nova Iguaçu


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