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O Arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, escreveu esta carta em defesa de Roberto, que estava sendo julgado, para sensibilizar os auditores da Marinha, onde corria o processo: “um simples gesto de solidariedade”.

O selo de qualidade usado nas fitas VHS da empresa.

Porque, pasmem, naquele tempo não tinha satélite, não tinha nada. A informação ia de avião, entendeu? Então, a Globo Vídeo foi montada para isso, era quase uma dependência da TV Globo, para gravar os programas da emissora e enviá-los para as afiliadas. E isso correu o Brasil inteiro. JORNAL DA ABI – E VOCÊ JÁ ESTAVA NA GLOBO VÍDEO NESSA ÉPOCA?

Roberto Mendes – Já, eu cheguei na Globo Vídeo com 15 dias de criação. Ela foi criada em 1981, exatamente em junho daquele ano. Eu cheguei em julho, para ser Gerente de Comercialização. Porque com o desenho de fazer cópias para as afiliadas, de repente, apareceu alguém que disse o seguinte: “Puxa, pode-se fazer outras coisas. Pode-se usar a programação da Globo para outras coisas”. As coisas que apareceram rapidamente foram, primeiro: programação para navios, não só os navios da Fronape (Frota Nacional de Petroleiros) que eram importantes como clientes, como os da Vale do Rio Doce e da Marinha Mercante em geral, todo mundo precisava de lazer a bordo. O lazer que existia nas empresas mais ricas era de filme de 16 milímetros. Assim como o satélite tornou o cassete absolutamente obsoleto, o cassete fez o mesmo com o filme antigo. Então, esse mercado foi se ampliando brutalmente. Até uma coisa que eu acho incrível que a gente fez naquele tempo, que existia a intenção da Vale do Rio Doce ainda lá na mineração. A Vale queria pôr diversão no grande sítio de mineração de Carajás, no Maranhão, para aquele mundo de gente que morava lá, uma quantidade enorme de operários. Então, eu bolei uma coisa que chamava “antena assíncrona”, quer dizer, eles iam ter uma tv no ar. Que as pessoas tinham aparelhos de televisão em casa, no refeitório e tal mas, em casa, tudo era emitido por uma antena assíncrona: passava a programação da Globo com uma semana de delay (atraso). Aí apareceu um grande problema que era o do noticiário. Porque não adianta passar noticiário uma semana depois, né? Aí eu fui para a TV Liberal, em Belém, e consegui um acordo. Tinha um aviãozinho da Vale que ia todos os dias pra lá. Resultado: a gente fez um acordo com a TV Liberal, pôs lá um funcionário da Globo Vídeo com um gravador que gravava o Jornal Nacional da noite e o enviava às 10 horas da manhã pra lá, num aviãozinho que chegava ao meio-dia. Meio-dia, na hora do almoço, no refeitório, passava o Jornal Nacional da noite anterior. O JN era o mais importante, é claro, mas passávamos todos os jornalísticos da casa. JORNAL DA ABI – VOCÊ ESTÁ FALANDO DOS ANOS...?

Roberto Mendes – Por volta de 1984. Não existia satélite! Se a gente imaginasse que ia chegar um satélite, esse negócio seria um absurdo! Mas o satélite chegou depois de 1989.

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Jornal da ABI 370 Setembro de 2011

tou uma estrutura ótima. A fama da Igreja naquele tempo era que tinha o corpo à direita e a cabeça à esquerda. Isso virou nos anos 1970, para ter uma cabeça à direita, quando o corpo era de esquerda. Os padres todos que foram formados naquela época eram muito avançados, progressistas. Mas a direção passou para a direita. Essa experiência em alfabetização de adultos na ditadura era um risco permanente. Você tinha que tomar uma posição de vanguarda, pois alfabetizar era vanguarda. A ditadura não queria isso. Depois do Meb (Movimento de Educação de Base), já no início dos anos 1970, a ditadura criou o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), com uma enorme mobilização, para fazer esse negócio que a Igreja fazia – que era mais conscientização e alfabetização, do que somente alfabetização.

JORNAL DA ABI – ISSO TUDO ERA FEITO EM FITA DE VÍDEO VHS?

Roberto Mendes – Tudo em VHS. O programa com o Banco do Brasil começou com U-Matic, e com a Fronape também. E para as Embaixadas do Brasil no exterior, também com UMatic. Mas depois passou tudo para VHS. E já naquele tempo eu brigava. Assim que cheguei na Globo Vídeo, eu já era contra a idéia que os militares tiveram, de instituir um sistema de cor de transmissão de tv exclusivo para o Brasil, que era o Pal-M. “Não, isso aqui é para emissão. Nós vamos fazer em NTSC!”, disse. Porque não havia como ajeitar o Pal-M. Ele era muito desajustado. Você tinha o master, gravava aquilo, e um saía com cor e o outro não. Era muito complicado! Então, tudo tinha que ser NTSC, porque era um padrão mais regular e dava para enviar para o exterior da forma correta. JORNAL DA ABI – NESSA ÉPOCA JÁ EXISTIA

JORNAL DA ABI – A IGREJA FORMAVA VALORES, E O OUTRO ERA MAIS TECNICISTA...

ALGUMA EMPRESA DE VÍDEO?

Roberto Mendes – Não, muito pouca coisa, nada de homevideo. JORNAL DA ABI – OU SEJA, FOI VOCÊ QUEM NTSC CONTRA O PAL-M? E ACABOU VIRANDO O PADRÃO DO MERCADO DE VÍDEO.

COMEÇOU A BRIGA PELO

Roberto Mendes – É o padrão do homevideo brasileiro. Eu fui o culpado. (risos) Porque era absurdo! Você não imagina, no início já do homevídeo, quando apareceu esse problema com as empresas que puseram

tinha contato uma vez por mês. Na verdade, era muito mais para apresentação de contas, e tal, e para conversar sobre coisas menores. E ele sempre deu conselhos ótimos. Quando a gente precisava de apoio, ele sempre deu. Às vezes, eu ficava achando esquisito, porque todo mundo pensava que um empresário desse tipo, capitalista enorme... (pen-

rias pessoas no mercado, e ninguém queria. Então o Doutor Marcelo falou: ‘Vamos fazer a prata da casa’. O Doutor Marcelo organizou uma votação lá, e todo mundo votou em mim. O meu candidato era o José Renato. Eu votei nele! E eu muito preocupado, porque na verdade tinha um passado de luta contra a ditadura...

“A experiência em alfabetização de adultos na ditadura era um risco permanente. Você tinha que tomar uma posição de vanguarda, pois alfabetizar era vanguarda.” coisas no mercado. Às vezes pirata. E, às vezes, nem tão pirata assim, mas eles tinham um enorme problema com o Pal-M. Eu disse assim: “Eu não vou ter esse problema. Eu vou usar NTSC e pronto”. A Anatel foi à Globo com advogado, mas a Anatel só regula a transmissão! A Rede Globo não pode transmitir em NTSC, claro, mas a Globo Vídeo pode gravar! Porque não é transmissão, é gravação. Gravamos e o consumidor leva pra casa... JORNAL DA ABI – ISSO É UM DIFERENCIAL.

Roberto Mendes – Você não pode imaginar! Ninguém hoje dá esse valor, porque o VHS nem existe mais. Eu estava no meio daquilo tudo. Foi uma briga! Isso a gente discutiu. Eu, o Renato Azevedo. E conseguimos a aprovação da Globo... O Doutor João Roberto entendeu a questão e falou: “podem ir em frente!”. E assim foi feito. JORNAL DA ABI – O CONTATO FOI COM O JOÃO ROBERTO?

Roberto Mendes – Com os dois, o Roberto Irineu também. Com o Doutor Roberto Marinho a gente

sativo). Olha, dos oito anos que eu trabalhei na Globo Vídeo, nunca o Doutor Roberto pegou um tostão do lucro. Sempre aceitou a nossa proposta de reinvestir tudo, entendeu? E estava dando lucro. Crescendo, crescendo, crescendo... E, a cada vez, ele dizia ‘Reinvista, reinvista, reinvista’. Nunca tive que, no final do ano – e eu era procurador do Doutor Roberto – pagar a ele o que era devido ao empresário. Ele mandava reinvestir. JORNAL DA ABI – E COMO VOCÊ ASSUMIU ESSA MISSÃO?

Roberto Mendes – Como disse, eu cheguei à Globo Vídeo em 1981, como Gerente Comercial, para fazer esse upgrade a partir daquela fatiazinha de mercado que era gravar para as afiliadas. Já em 1982, passei para Diretor Comercial, até que o cargo de Superintendente ficou vago. E aí, coordenado pelo Doutor Marcelo Garcia, que vinha a ser pediatra dos ‘meninos’, como ele chamava os filhos do Doutor Roberto, porque ele era amigo do Doutor Roberto, começou a procurar alguém para a vaga. Procurou vá-

JORNAL DA ABI – VOCÊ ESTAVA LIGADO À IGREJA, A TRABALHOS SOCIAIS...

Roberto Mendes – Eu era ligado à Igreja progressista: Dom Hélder Câmara, Dom José Távora, Dom José Maria Pires, que eram figuras excepcionais na Igreja. JORNAL DA ABI – CONHECIA ALGUM DOS PADRES QUE FORAM TORTURADOS E MORTOS, AMIGOS DE DOM

HELDER?

Roberto Mendes – Vários. E outros amigos, que eram de Ação Católica, que foram torturados e morreram nessa luta. Pois bem, eu tinha esse passado. Eu trabalhava com alfabetização de adultos via rádio. Fazia programas de rádio de alfabetização de adultos. JORNAL DA ABI – EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA NOS PRIMÓRDIOS?

Roberto Mendes – Isso, no início dos anos 1960. A idéia de Dom Hélder era buscar recursos católicos, na Alemanha, Caritas, essas entidades todas, para financiar emissoras de rádio para as dioceses, e as dioceses se equiparem para fazer alfabetização de adultos. Com isso, ele mon-

Roberto Mendes – E o Mobral era, como toda coisa estatal, uma cartilha única. E era mais na superestrutura, um enorme campo de corrupção e dinheiro. O Mobral tinha um orçamento entre 30 e 50 vezes maior que o do Meb, sem dúvida. Aí tinha aquilo que todo mundo sabe: os afilhados, os amigos, e tudo mais... JORNAL DA ABI – E O BARULHO TODO QUE FOI FEITO EM CIMA, COMO UM PROGRAMA REDENTOR.

Roberto Mendes – E que ia salvar todo mundo. Pois bem, com esse meu passado, e depois as perseguições e tudo, estive preso, tive processos, fui exilado. JORNAL DA ABI – MAS NO CAMPO POLÍTICO VOCÊ TEVE ALGUMA ATUAÇÃO, VOCÊ ERA FILIADO A ALGUM PARTIDO?

Roberto Mendes – De origem, eu era filiado a um partido quase católico, que era a Ação Popular. E logo depois, já em 1969, quando a Ação Popular se dividiu e foi ser o PCdoB e o PCBR, saí completamente, porque eu não era da luta armada. Não achava que a luta armada era um caminho, inclusive porque, numa conversa com o Ferreira Gullar, que foi ótimo, ele dizia: “Não tem um negócio que a gente possa escrever, não? Porque dar tiro, eu não sei. Se eu for dar tiro, eu vou perder. Se eu puder só continuar escrevendo, não seria melhor?”. Pois bem, eu fui nessa linha. Eu quero fazer uma oposição contra a ditadura, mas uma oposição nos sindicatos, nas escolas... JORNAL DA ABI – UMA OPOSIÇÃO INTELECTUAL?

Roberto Mendes – Eu não vou me armar para sair numa guerra que eu vou perder! Eu não concordava. Aí, eu participei de um movimento que era o MPL, o Movimento Popular de Libertação, que não era nada de guerrilha e nada de luta armada. Era, na verdade, uma atividade paralela às ações de educação que a gente fazia na Igreja.


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