ENSAIOS INTERDISCIPLINARES: O ROMPIMENTO DE BARRAGEM DE REJEITOS SOBRE A BACIA DO RIO DOCE E O DESAS

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ENSAIOS INTERDISCIPLINARES: O ROMPIMENTO DE BARRAGEM DE REJEITOS SOBRE A BACIA DO RIO DOCE E O DESASTRE MARIANA


CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VALFREDO DE ANDRADE AGUIAR FILHO Coordenador de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 28.151.313/0001-60 Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO CIENTÍFICO Adilson Rodrigues Pires Alessandra Correia Lima Macedo Franca Alexandre Coutinho Pagliarini André Karam Trindade Arali da Silva Oliveira Bartira Macedo de Miranda Santos Belinda Pereira da Cunha Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Chirlaine Cristine Gonçalves Cleide Calgaro Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira Constantino Cronemberger Mendes Dyego da Costa Santos Elionora Cardoso Emanuel Neto Alves de Oliveira Fabiana Faxina Francisco de Assis Cardoso Almeida Gisela Maria Bester Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra Ignacio Berdugo Gómez de la Torre Jaime José da Silveira Barros Neto Javier Valls Prieto José Ernesto Pimentel Filho Juliana Gomes de Brito Ludmilla Albuquerque Douttes Araújo Lusia Pereira Ribeiro Marcelo Alves Pereira Eufrásio Marcelo Weick Pogliese Marcílio Toscano Franca Filho Niédja Marizze César Alves


Olard Hasani Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha Raymundo Juliano Rego Feitosa Ricardo MaurĂ­cio Freire Soares Sanchita Bhattacharya Talden Queiroz Farias Valfredo de Andrade Aguiar Filho Vincenzo Carbone


BELINDA PEREIRA DA CUNHA

ENSAIOS INTERDISCIPLINARES: O ROMPIMENTO DE BARRAGEM DE REJEITOS SOBRE A BACIA DO RIO DOCE E O DESASTRE MARIANA

1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB CAMPINA GRANDE – PB


©Copyright 2018 by

Organização do Livro BELINDA PEREIRA DA CUNHA Capa Ana Caroline Brustolin Kummer Crédito fotográfico Jussara Regina Branco Editoração LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diagramação LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores. Data de fechamento da edição: 04-04-2018

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)

C972e

Cunha, Belinda Pereira da. Ensaios Interdisciplinares: O rompimento de bagagem de rejeitos sobre a bacia do Rio Doce e o desastre Mariana. 1ed. / Organizadores, Belinda Pereira da Cunha. – Campina Grande: AREPB, 2018. 139 f.123 : il. color. ISBN 978-85-67494-28-9 1. Direito Ambiental. 2. Dano Ambiental. .3. Gestão Ambiental. 4. Políticas Públicas. 5. Desastre Mariana. I. Cunha, Belinda Pereira da. II. Ensaios Interdisciplinares: O rompimento de bagagem de rejeitos sobre a bacia do Rio Doce e o desastre Mariana.

CDU 504

Ficha Catalográfica Elaborada pela Direção Geral da Revista Eletrônica A Barriguda - AREPB

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.


O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Científica e selo editorial “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito. A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar a perspectiva científica e participativa do ensino jurídico, promovendo a interdisciplinaridade, valorizando os contextos locais, a criatividade e as possibilidades culturais. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem à atitude ética, criativa e propositiva dos futuros profissionais. Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar novo paradigma de pesquisa e ensino do Direito se motivaram para construir projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como periódico científico, editora e centro de pesquisa. Nosso

sincero

reconhecimento

e

agradecimento

a

todos

que

contribuíram para a consolidação de A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.


SUMÁRIO PREFÁCIO 8 JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA

I. INTRODUÇÃO 11 BELINDA PEREIRA DA CUNHA

II. CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA A PARTIR DA “CRISE NOVA RACIONALIDADE 14

AMBIENTAL” OU UMA

JOSÉ IRIVALDO ALVES OLIVEIRA SILVA

III. NATUREZA JURÍDICA, SENTIDO E ALCANCE DO DANO AMBIENTAL: O CASO MARIANA É DESASTRE? 23 RUAN DIDIER BRUZACA

IV. DESCARTE DE RESÍDUOS DECORRENTES DA ATIVIDADE MINERADORA 34 THEO BRASILINO

V. GESTÃO

AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA AVALIAÇÃO DA POLTICA DE

MINERAÇÃO 37

ANA PAULA DOS SANTOS DE MELO

VI. RESPONSABILIDADE

CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS POR DANO AMBIENTAL

DIANTE DO DESRESPEITO À LEGISLAÇÃO FEDERAL 46

EDDLA KARINA GOMES PEREIRA

VII. RESPONSABILIDADE 52

PENAL NO CASO DO DESASTRE DA BARRAGEM DE MARIANA

WELISON ARAÚJO SILVEIRA

VIII. O

PAPEL DO ESTADO DE MINAS GERAIS NA FISCALIZAÇÃO DA ATIVIDADE

MINERADORA 59

ALEX TAVEIRA DOS SANTOS

IX. CONSIDERAÇÕES

SOBRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL DIANTE DO

DESASTRE DE MARIANA 63

DALILA ARAÚJO DE SANTANA

X. BUEN VIVIR, OS DIREITOS PACHAMAMA E A AÇÃO POPULAR DO RIO DOCE 67 ANA CAROLINE BRUSTOLIN KUMMER E GRAZIELLA BECK KRONLAND PINTO

XI. GALERIA DE FOTOS 103


TÉCIO LINS E SILVA

REFERÊNCIAS 114


PREFÁCIO

Fui honrado com o convite formulado pela Professora Doutora Belinda Pereira da Cunha para prefaciar a obra coletiva Ensaios Interdisciplinares: O rompimento de barragens de rejeitos sobre a bacia do Rio Doce e o desastre de Mariana. O que se observa no conceito de desastre – tema central da obra, é que ele tem como diretiva aspectos qualitativos e quantitativos, além de englobar tanto os eventos naturais quanto os antrópicos. No Brasil, o conceito de desastre pode ser entendido como o “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável, causando

danos

humanos,

materiais,

econômicos

ou

ambientais

e

consequentes prejuízos econômicos e sociais”, conforme dispõe o Decreto n. 7.257 de 2010 e pela instrução normativa n. 2 de 2016 do Ministério da Integração. Os temas abordados ao longo da obra: O papel regulador e fiscalizador do Estado; o sentido e o alcance do dano ambiental; o conceito de desenvolvimento sustentável; o descarte de resíduos da mineração; os impactos ambientais na ecologia e das comunidades biológicas, fauna e flora; a questão da responsabilidade pelos danos ambientais, em suas várias vertentes; as políticas publicas de mineração; a crise ambiental; a educação ambiental e os direitos da mãe-terra, compõem um mosaico de estudos interdisciplinares que dão a exata dimensão dos problemas enfrentados pelos investigadores, colocando em evidência a degradação ambiental, os problemas sociais, econômicos e culturais. Os desastres ambientais voltam aos noticiários diariamente, de uma forma extremamente cruel, pois ao que parece, os poderes constituídos envolvidos em sórdidas transações deixam sem respostas questões de suma importância, seja para o meio ambiente, seja para as populações atingidas e politicamente frágeis, diante da invisibilidade de suas demandas. ~8~


A Ordem Econômica - incluído por evidente a atividade mineradora, é fundada na valorização do trabalho humano, na livre iniciativa e tem por fim obrigatório, assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social e, dentre os príncípios retores, destaca-se a defesa do meio ambiente. Assim, a atividade mineradora ao se apropriar da riqueza nacional tem - por obrigatório (repito), voltar os olhos para a justiça social e para a dignidade da pessoa humana, no sentido de propiciar o desenvolvimento em consonância com os fundamentos e com os objetivos da república, elencados nos artigos 1º e 2º da Constituição Federal. Os estudos sobre o desenvolvimento socioeconômico, nas sociedades contemporâneas,

entendem

que

este

engloba

o

trinômio

produção/tecnologia/consumo, e que terá impactos diretos sobre o meio ambiente, além de considerar que o desenvolvimento também está relacionado a fatores culturais e políticos da sociedade, e que são importantes no reconhecimento (ou não) do meio ambiente. Como consequência dessa maneira de pensar o desenvolvimento, anexa-se a ele o termo sustentável, tendo em vista a dimensão ambiental, sociopolítica e econômica, além do uso da melhor tecnologia, formando, portanto, o triângulo da sustentabilidade, representado nas três dimensões que compõem o desenvolvimento sustentável (desenvolvimento social, preservação e conservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico) e os resultados das interações desses elementos (justiça socio-ambiental e desenvolvimento sustentável). De um modo geral, quando se estudam os problemas sociais advindos dos desastres, como aconteceu em Mariana, constata-se que as sociedades mais pobres e vulneráveis têm maior probabilidade de impactos negativos, o que possibilita a formação de uma espiral crescente de risco, vulnerabilidade e pobreza. Os problemas públicos – decorrentes do rompimento da barragem de rejeitos apontam que a realidade social não vai bem e que a Administração Pública deve ter consciência de que há falhas na capacidade políticoadministrativa e que necessita de uma intervenção pública para identificá-los e solucioná-los. Mas, não é essa a nossa realidade. Os textos que pontificam a presente obra demonstram, sob varias matizes, as questões que atormentam o ~9~


investigador e deixam no limbo a população atingida, ignorada pelos sistemas de proteção e a espera interminável pelas politicas públicas visando a recomposição do patrimônio ambiental destruído. Para finalizar, trascrevo um trecho da obra que retrata todo o sofrimento das comunidades atingidas, da flora e da fauna que derramam “o pranto e a súplica do Rio Doce que amarga as dores da contaminação de suas águas e da destruição de sua vida pela lama de minérios”. Portanto, os temas tratados nessa obra são suficientes para demonstrar a sua atualidade e a importância dos estudos. Rendo as minhas homenagens a professora Belinda e aos demais coautores pela importante e corajosa contribuição acadêmica.

JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA PROFESSOR DE DIREITO ADMINISTRATIVO COORDENADOR DO CURSO DE DIREITO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DA

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP

~ 10 ~


1 INTRODUÇÃO

BELINDA PEREIRA DA CUNHA

A compreensão do sentido e a criação de estratégias para fomentar um desenvolvimento mais sustentável vêm se deparando com dificuldades progressivas, sobretudo diante da construção social da ideia de que as necessidades humanas são inesgotáveis. Os bens ambien-tais, nesse contexto, estão em constante vulnerabilidade, especialmente diante de construção de grandes obras, tais como as decorrentes da atividade mineradora, que impacta nos recursos naturais renováveis e não renováveis. O Estado de Minas Gerais, historicamente caracterizado pelas suas substanciais reser-vas mineratórias, foi palco, na tarde de 5 de novembro de 2015, do rompimento da barragem de rejeitos da extração de minério de ferro de Fundão. Localizada na bacia do Rio Doce, no subdistrito de Bento Rodrigues, barragem que fica a 35 km do centro do municí-pio de Mariana. Este desastre ambiental ocorreu quando a Samarco Mineração S.A. controlava ~ 11 ~


a exploração econômica da atividade, em decorrência de uma parceria realizada entre a Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton. O caráter difuso dos reflexos do desastre ocorrido é incalculável, tanto do ponto de vista social, como ambiental e humano. Este episódio, ora tratado como acidente, ora percebido como negligência do explorador da atividade e do poder público, tem suscitado importan-tes reflexões: o que se entende por um acidente ambiental? Qual o papel do Estado na preven-ção e repressão destas catástrofes? As políticas públicas brasileiras têm sido suficientes para minimizar as consequências das intervenções humanas na exploração dos bens ambientais? A complexidade da gestão pública das políticas ambientais revela, no caso em análise, a desarticulação e a negligência do Estado no monitoramento da exploração de determinadas atividades econômicas. Adicionalmente, percebe-se que as empresas envolvidas na extração do minério de ferro assumiu o risco de produzir este evento danoso, na medido em que deixou de fazer manutenções periódicas na estrutura da barragem, ou o fez de modo ineficiente. Assim, são nítidas as responsabilidades civil e penal tanto da empresa exploradora, como do poder público, em nível estadual e federal. As irreparáveis consequências do rompimento da barragem de Fundão, porém, ficam mais evidentes quando se observam as limitações ambientais para o reestabelecimento dos ecossistemas impactados. Não obstante as dificuldades é imprescindível maximizar as tenta-tivas de recomposição dos cenários naturais, sociais, biológicos de todo curso do Rio Doce afetado, tanto pelo ineditismo de algumas espécies, quanto por se trata de um bem difuso de interesse internacional. O pretende artigo foi elaborado a partir do curso de Direito Ambiental ministrado no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal da Paraíba. Ocorrido em novembro de 2015, o curso foi inflamado pelo impacto global decor-rente do desastre ambiental ocorrido na bacia do Rio Doce. Na ocasião, biólogos, sociólogos, educadores/as, advogadas/os, realizaram debates e seminários, os quais resultaram em questi-onamentos que serão suscitados neste escrito, com a necessária interdisciplinariedade que deve orientar a temática ambiental, a fim ~ 12 ~


de contribuir para uma crítica científica sobre todas as faces de uma ocorrência ambiental sem precedentes no Brasil. Com fundamentação teórica na obra de Enrique Leff, notadamente a partir da preten-são de discutirmos a necessidade de construção de uma racionalidade ambiental alternativa à predominante tradicionalmente, no afã de propor novos paradigmas para a humanidade. Este artigo constitui-se, do ponto de vista metodológico, numa pesquisa bibliográfia e predominan-temente qualitativa. Recorreu-se à técnica de análise de dados sistemática, tendo em vista que o estudo analisa o desastre de Fundão a partir de várias áreas de conhecimento, tentando fazer uma análise global dos reflexos do desastre. Inicialmente, trata-se da necessidade de desenvolvimento de novas dinâmicas sociais em relação à convivência com os bens ambientais para, em seguida, se tratar da problematiza-ção do conceito de desenvolvimento sustentável. A partir de então se analisará a natureza ju-rídica do desastre de Mariana (MG), visando se analisar se, de fato, se trata de um acidente ambiental. Serão discutidos os impactos deste evento na flora e fauna, observando, posterior-mente as regras impostas para a política de descarte de resíduos sólidos. Por fim, serão anali-sadas a responsabilida civil e penal pelo desastre, bem como importantes medidas de educação ambiental a serem adotadas para se evidar a reincidência deste tipo de episódio.

~ 13 ~


2 CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA A PARTIR DA “CRISE AMBIENTAL” OU UMA NOVA RACIONALIDADE

JOSÉ IRIVALDO ALVES OLIVEIRA SILVA

Como resposta aos acontecimentos naturais, aliados às intervenções humanas, fora instituída uma política ambiental que, em verdade, vem sendo forjada global e localmente pelos diversos estados-nação (Leis, 1999; Waldman, 1992; Martins, 2006). Tal situação nos demonstra a necessidade de entendermos a dinâmica, por exemplo,

das estratégias públicas de

conservação da natureza, a partir do fundamento da imperiosidade de construção contextos de mairo segurança ambiental. ~ 14 ~


Segundo Waldman (1992, p. 64), “o confronto com as contradições socio-ambientais que vivemos, necessariamente pressupõe confronto com a ordem social que as originaram”. As relações modernas dos seres humanos com o meio ambiente, assim, têm evidenciado (especialmente a partir da Revolução Industrial, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX, dada a maximização da produção) a necessidade de se confrontar os paradigmas predominantes na sociedade, a fim de que se observe se realmente há a intenção de arcar com os ônus ambientais decorrentes das práticas que estamos adotando. Esta revisão de padrões de conduta envolve o esforço de vários atores sociais, como também da institucionalização de políticas educativas às repressões de ordem jurídica. O Estado, como o propulsor da formulação das políticas ambientais, é o maior responsável pela gestão dos recursos naturais, inclusive balizando a atuação da iniciativa privada. Não obstante se observe o “crescimento da importância da esfera institucional do meio ambiente entre os anos 1970 e o final do século XX (...)” (Lopes, 2006, p.36), especialmente no que diz respeito à avaliação das políticas públicas ambientais, há uma robusta deficiencia do Estado Brasileiro. Nesse sentido, diante do nosso robusto sistema legislativo ambiental, na verdade, ao que nos parece, não há um “esvaziamento” do papel do Estado, mas, talvez, uma ineficiência diante dos instrumentos prescritos nas normas vigentes, dada a desarticulação e a assistematização das políticas públicas formalmente instituídas. Assim, embora progressivamente se reconheça progressivamente o valor inato do meio ambiente (Martins, 2006), uma vez que durante muito tempo os recursos naturais foram dados como infinitos (Leis, 1999) ou tratados como produtos à disposição humana, a ineficácia pública, acrescida do ainda pequeno envolvimento da sociedade têm trazido danos irreparáveis a vários ecossistemas. Entretanto, o poder econômico ainda exerce impactos extremamente fortes no planejamento e na implementação de políticas ambientais substanciais, principalmente diante do esvaziamento da noção de desenvolvimento sustentável, que teve seu conceito apresentado no relatório Brundtland, posto que em nome deste tipo desenvolvimento muitas violações têm sido cometidas. Segundo este documento, podemos preservar a natureza mantendo o desenvolvimento econômico num patamar “aceitável”, articulando ~ 15 ~


minimamente a convivência entre o capital e a necessidade de preservação dos recursos naturais (LEIS, 1999). Segundo tal perspectiva, os bens ambientais até podem ser convertidos em recursos, desde que dentro de limites razoáveis, posto que, dentro da lógica da ecologia política, os recursos não são dados, mas construídos (Paulson, Gezon e Watts, 2004). A sustentabilidade, então, modernamente, não é “mais uma questão de manter e aperfeiçoar os atuais recursos ambientais; trata-se agora de criar recursos” (Fernandes, 2003, p. 63). Como contraposição a esta perspectiva, é importante aumentar a criação de áreas de conservação ambiental, propiciando áreas de imexíveis de conservação, em prol das gerações vindouras (Alier, 2007). Nesse processo de entendimento das problemáticas ambientais como um questão global, Leff (2006) nos leva a pensar na construção de outra racionalidade,

inclusive

para

o

saber

científico,

que

ele

denomina

“racionalidade ambiental”. Segundo o autor, trata-se de considerar a pluridimensão dos processos ambientais, já que o natural, o social e o econômico, são partes de um mesmo sistema. Assim, dispõe que: (...) a necessidade de interiorizar um saber ambiental emergente no corpo das ciências naturais e sociais, para construir um conhecimento capaz de integrar a multicausalidade e as relações de interdependências dos processos da ordem natural e social que determinam, condicionam e afetam as mudanças socioambientais, assim como para construir uma racionalidade produtiva fundada nos princípios do desenvolvimento sustentável (Leff, 2006, p. 239).

Propõe-se, pois, o investimento em um desenvolvimento calcado na coexistência de múltiplos valores sócioeconômicos, mas que considere a relevância dos bens ambientais. Ao propor um novo modelo de racionalidade, Leff (2006) acaba contestar as muralhas da racionalidade em que se funda a modernidade e, portanto, suscita a reanálise não só das lógicas econômicas predominantes, mas de todos os parâmetros socialmente dominantes, inclusive da ordem jurídica e o poder do Estado. A configuração de uma crise ambiental sem precedentes, decorrente de séculos de um gradiosa exploração de recursos naturais, acarretou o fomento de reflexões acerca do projeto desenvolvimentista proposto pelo capitalismo. Talvez a face mais nítida da falha dos princípios que orientam os padrões ~ 16 ~


civilizatórios

da

modernidade

é

a

percepção

de

que

a

exploração

desproporcional do meio ambiente instituiu um prazo de vida útil do próprio modelo, uma vez que a sustentabilidade dos recursos naturais é essencial para a própria existência humana. Nesse sentido, Leff (2006, p. 223) entende que: A degradação ecológica é a marca de uma crise de civilização, de uma modernidade fundada na racionalidade econômica e científica como valores supremos do projeto civilizatório da humanidade, que tem negado a natureza como fonte de riqueza, suporte de significações sociais e raiz da co-evolução ecológico-natural.

Nesse contexto moderno de injustiça ambiental, o desafio de superar a crise ambiental tem gerado propostas de variadas vertentes. Para os neoliberais, deve-se superar o tensionamento bem posto formado entre a proteção da natureza e conservação do padrão de desenvolvimento vigente no mundo. O caminho, nesse sentido, seria entender que a natureza não admite fronteiras, isto é, ela ultrapassa o limite geográfico dos países: o que haveria é um confronto entre a natureza da globalização e a globalização da natureza (Porto-Gonçalves, 2006). A concepção da globalização, como um processo de mundialização da economia, trouxe como consectário a democratização da degradação ambiental. Como tentativa política para remediar os danos a que deu causa, recorreu-se à proposta de ecologizar a economia, como um passo inicial para tratar os dilemas ambientais - concepção neoliberal de tentativa de salvar o mercado. Há, contudo, que se analisar em que medida podemos perceber eficácia nas políticas ambientais que visam atribuir valores à natureza, seja mediante normas regulatórias do mercado em relação à agenda ambiental ou instrumentos econômicos (auxílios financeiros, como os subsídios; contas verdes; o fundo amazônico; imposto verde; indicadores de sustentabilidade, etc)? Na perspectiva de Porto-Gonçalves (2006), há propostas que resultam na formação de um ecologismo ingênuo, e de outra banda a formação de movimentos ecologistas mais radicais. Segundo o autor, o ecologismo ingênuo, mesmo que bem intencionado, é manipulado por uma mídia que propõe medidas paliativas de proteção à natureza, convidando, por exemplo, a cuidarmos do lixo ou de espécies ameaçadas, tendo cada um que fazer a sua ~ 17 ~


parte. Entende, assim, que nesse ambiente de injustiça ambiental a parte de cada indivíduo é igual - como se todos fossem a soma das partes, cada qual igual à outra. Das propostas mais aceitas para a superação da crise ambiental que enfrentamos, pode-se verificar que aquelas que privilegiam os interesses econômicos ainda são mais admitidas ou aceitas, especialmente nas discussões que reúnem países desenvolvidos ou em desenvolvimento, como a de Copenhagen em 2009 – que findou sem uma diretriz concreta acerca das emissões de CO2. Tratar a questão ambiental como uma problemática de ordem econômico-financeira, desconsidera o claro sentido ético, filosófico, jurídico, sociológico e político envolvido, o que nos faz desviar de uma proposta mais coesa de enfrentamento do tema: a de que precisamos nos ater às soluções de cunho prático, técnico, para resolver os graves problemas de poluição, desmatamento, de erosão, entre outros. Entretanto,

a

construção

de

um

suposto

novo

paradigma

de

desenvolvimento encontra resistências, as quais remontam à própria dinâmica ou

processos

de

construção

das

relações

intersubjetivas

modernas,

principalmente quando acordamos para o fato de que junto ao processo de modernização

sempre

uma

perspectiva

de

padronização

de

comportamentos a partir de uma hierarquia de valores estabelecida por quem concetra poder econômico. Para verificarmos a dificuldade de construir esse novo modelo que mudaria radicalmente o caminho tomado pela humanidade, Warren Dean (1996) se remonta ao processo de exploração da mata atlântica brasileira, a qual ficou reduzida a menos de 10% da original. A ciência também foi manipulada por pressupostos político-liberais que respaldaram a autonomia das partes em detrimento da relação do todo na formação de um sistemamundo, conforme comenta Wallerstein (1999). A visão de um meio ambiente conectado com o todo talvez já seja reação à fragilidade de alguns de recursos ambientais vislumbrada atualmente. Porto-Gonçalves (2006, p. 25) resume os efeitos desse processo de globalização em relação ao meio ambiente vinculando-o a uma racionalidade econômica: ~ 18 ~


(...) o processo de globalização traz em si mesmo a globalização da exploração da natureza com proveitos e rejeitos distribuídos desigualmente. Vê-se, também, que junto com o processo de globalização há, ao mesmo tempo, a dominação da natureza e a dominação de alguns homens sobre outros homens, da cultura européia sobre outras culturas e povos, e dos homens sobre as mulheres por todo o lado. Não faltaram argumentos de que essa dominação se dava por razões naturais, na medida em que certas raças seriam

naturalmente

inferiores.

A

modernidade

européia

inventou

a

colonialidade e a racialidade (base da escravidão moderna) e, assim, essa tríade – modernidade-colonialidade-racialidade – continua atravessando, até hoje, as práticas sociais e de poder. Se fizermos um recorte na histórica podemos pensar a globalização da natureza como modelo de exploração que imperava desde o início das grandes navegações até hoje, passando por um período de implantação da colonização, pólvora, invenção da máquina a vapor, modelo fordista de produção, o taylorismo, a cibernética, enfim, todos os processos que auxiliam direta ou indiretamente na produção. Sendo assim, de forma didática, poderíamos dizer que o processo de modernidade no mundo até os dias de hoje estaria dividido em quatro fases: a primeira seria aquela permeada pelo colonialismo e a implantação da moderna colonialidade; a segunda, com o capitalismo fossilista e o imperialismo; a terceira seria o capitalismo de estado fossilista fordista; e a quarta fase, a globalização neoliberal. Porém, é importante afirmar que as três fases iniciais subsistem na quarta fase com as suas características primordiais, o caráter colonialista, imperialista, baseada nos combustíveis fósseis e na produção fordista. No entanto, poderíamos acrescentar a financeirização dos mercados e a própria dinâmica territorial que, muitas vezes, não é analisada como um elemento de tensão entre sociedade e natureza, talvez porque a ilusão monetária nos leve a perder de vista essa dimensão (Porto-Gonçalves, 2006). A categoria do território pode nos levar a perceber as relações de poder existentes, com a inscrição da sociedade da natureza, bem como as relações sociais presentes. Talvez pudéssemos conceder maior importância à questão ambiental, a qual ganharia maior consistência, quando analisada a partir do território, das territorialidades e dos processos de territorialização. ~ 19 ~


Nessa ordem, David Harvey (2009) entende que é uma tarefa no mínimo difícil prever os resultados do entrelaçamento da lógica capitalista e territorial, em virtude de uma alta complexidade e da contradição, e a ordenação espaçotemporal como um elemento importante para a compreensão da mobilidade do capital e da atuação do Estado pelo território, com vistas à acumulação capitalista e à acumulação do poder político. Ainda nessa esteira, esse processo de ordenação espaço-temporal materializa a atuação desigual e combinada do capital e do poder político, por meio da mediação das estruturas e dos poderes financeiros e institucionais – reforça a tese da existência de produção econômica do espaço (formação de assimetrias espaciais). Talvez o capital possa alterar o espaço e as formas de espacialidades, gerando desigualdades entre os territórios, também a partir do interesse ambiental, não de preservá-lo, mas de explorá-lo, hoje ou num futuro, não esquecendo que podemos contemplar um contra-movimento, por exemplo, com a formação de unidades de conservação ou áreas protegidas por interesses econômicos.

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3 NATUREZA JURÍDICA, SENTIDO E ALCANCE DO DANO AMBIENTAL: O CASO MARIANA É DESASTRE?

RUAN DIDIER BRUZACA

A tomada de consciência das questões envolvendo o meio ambiente não está alheia aos processos sociais de construção. Consequentemente, o reconhecimento jurídico dos danos ao meio ambiente também não são dados, mas sim construídos. As causas que levaram ao desastre em Mariana são de salutar

importância

para

a

caracterização

do

dano

e

posterior

responsabilização dos envolvidos. Entretanto, antes do rompimento da

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barragem, o caso Mariana pode ser reconhecido enquanto desastre desde a gênese das atividades minerárias na região. Os problemas envolvendo barragens no Brasil são históricos e marcados por desiguais distribuições de riscos e danos, acarretando em verdadeira situação de injustiça ambiental. Este termo, segundo Acselrad, Mello e Bezerra (2009, p. 9), é usado para designar o fenômeno de imposição desproporcional de riscos ambientais às populações desprovidas de recursos financeiros, políticos e de informação. As populações atingidas, geralmente social, econômica e politicamente frágeis, são não raro invisibilizadas, sendo a situação socioambiental agravada pelo esquecimento e invisibilização de suas demandas. Neste sentido, Hannigan (2006, p. 119) destaca que os problemas ambientais são uma construção, cuja relevância é dada em razão da validação de argumentos por autoridade cientifica, atenção da mídia, dramatização do problema, incentivos econômicos etc. Os holofotes da comunidade internacional e da nação somente se voltaram ao ocorrido em Mariana após o desastre, tendo em vista os graves (e visíveis) impactos causados ao meio ambiente e à sociedade, cujos prejuízos são incalculáveis. Anteriormente, os aspectos envolvendo a barragem – ou as barragens em todo o Brasil – pouco eram pautados na mídia ou tratado na ordem do dia. Não é difícil enquadrar a população atingida diariamente por barragens enquanto oprimidos, descritos por Walter Benjamin e esquecidos pela história de doutrina “progressista”, segundo a qual existe sempre enquanto norma “a evolução das sociedades no sentido de mais democracia, liberdade e paz”, sendo a opressão, a barbárie e a violência é exceção (LÖWY, 2005, p. 83). O caso de Mariana não remete à exceção, à ruptura com a normalidade, mas sim à continuidade de violações à natureza e ao ser humano, pois traduz o modelo de desenvolvimento vigente na realidade brasileira. Destarte, Leff (2007, p. 111) atenta que a questão ambiental é uma problemática social, gerada por um conjunto de processos sociais, que envolvem formas de apropriação da natureza e transformações tecnológicas, fundadas em uma racionalidade econômica que resulta em destruição ecológica e degradação socioambiental. ~ 22 ~


No contexto brasileiro, um dos atores sociais que atuam face a situações de injustiça ambiental é o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), que questiona o padrão de desenvolvimento de desigual distribuição de riqueza e apropriação e controle dos recursos naturais (VAINER, s/a, p. 21). Em especial, o movimento tem destacado e rememorando os aspectos do caso de Mariana, contribuindo para a continuidade da mobilização no que diz respeito ao caso, considerando-o como uma “tragédia anunciada” (MAB, 2016). O caráter de “tragédia anunciada” pode ser associado à análise do contexto em que a barragem do Fundão está associada. O rompimento desta deve ser contextualizado no “megaciclo das commodities” dos anos 2000, no qual as importações de minérios tiveram aumento de 630%, caracterizando o Brasil como grande dependente do setor mínero-exportador – aqui, a Samarco é ícone do modelo, consistindo em um complexo mina-minerodutopelotizadora-porto (PoEMAS, 2015, p. 15). Entretanto, o caráter cíclico das commodities influencia na ocorrência do rompimento de barragens, pois resulta na celeridade do licenciamento ambiental, resultando em inadequações do projeto e avaliações incompletas; na intensificação da produção e redução dos custos; e no endividamento das firmas e contratação de serviços de menor qualidade – a barragem do Fundão, que entra em operação em 2008 no ápice dos preços do minério de ferro, sofreu influência para ter um célere e precário licenciamento ambiental e, visando o aumento da produtividade, resultou em negligências e acidentes de trabalho (PoEMAS, 2015, p. 15-16). Neste compasso, casos como os de Mariana acontecem diariamente, com visibilidade e proporções diferentes, mas decorrentes do modelo de desenvolvimento. Não obstante, face ao desastre, é necessário apresentar respostas jurídicas aos impactos causados ao meio ambiente pelo rompimento da barragem em Mariana que, enquanto dano ambiental, torna-se passível de responsabilidade civil, penal e administrativa. Segundo Sirvinskas (2010, p. 260), o dano ambiental “é toda agressão contra o meio ambiente causado por atividade econômica potencialmente poluidora, por ato comissivo praticado por qualquer pessoa ou por omissão voluntária decorrente de negligência”. Consiste, outrossim, na lesão intolerável causada por ação humana ao meio ambiente, de forma direta (ao macrobem ~ 23 ~


de interesse da coletividade) e/ou indireta (a terceiros, decorrente de interesses individualizados afetados pelo dano ao macrobem) (LEITE, AYALA, 2010, p. 102). Não se pode concordar com a afirmação de que os danos provocados em Mariana decorreram não de ação humana, mas de consequência da natureza ou de fatos que caracterizem uma possível excludente de ilicitude1. Trata-se, conforme destacado, de consequências da insuficiência do licenciamento ambiental e da insegurança das atividades desenvolvidas. A responsabilidade pelo dano relaciona-se com dois princípios do direito ambiental. Primeiro, o princípio da responsabilização, segundo o qual para haver preservação e conservação ambiental é necessário a responsabilizar os causadores de danos e da maneira mais ampla possível (MIRRA, 1996, p. 118) – o que envolve a tríplice reponsabilidade (civil, administrativa e penal). Segundo, o princípio do poluidor-pagador, determinando que “devem existir outros mecanismos que visem à responsabilização dos danos, pois quem degrada o ambiente tem de responder e pagar por sua lesão ou ameaça” (LEITE, 2008, p. 182). Restando caracterizado o dano ambiental no caso de Mariana, as pessoas físicas e jurídicas envolvidas deverão ser responsabilizadas nas três esferas, como as empresas Vale, Samarco e BHP Billinton, bem como técnicos da empresa, o Estado2 e, quiçá, servidores públicos. Diante da complexidade do dano, certamente é possível pensar na responsabilidade administrativa e penal,

mas,

diante

das

ações

propostas,

dar-se-á

enfoque

à

responsabilidade civil.

1

Sobre a admissão da causa de excludente do nexo causal em relação à responsabilidade objetivo, há divergências. O posicionamento majoritário nega a possibilidade, tendo em vista a aplicação da teoria objetiva calcada no risco integral (SILVA, 2012, p. 575-576). 2 A exemplo, tramita a Ação Civil Pública nº 0023863-07.2016.4.01.3800, com o Estado figurando no polo passivo: AGERH (Agência Estadual de Recursos Hídricos) o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o IEMA (Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), a ANA (Agência Nacional de Águas), o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), o IPHAN (Instituto Nacional do Patrimônio Histíorico e Artístico Nacional), o ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade) e a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social), o IEF (Instituto Estadual de Florestas), a FEAM (Fundação Estadual de Meio Ambiente), o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas), o IEPHAMG (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico) e o Estado do Espirito Santo, de Minas Gerais e a União. ~ 24 ~


A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva (art. 14, § 1º, Lei 6.938/1981; art. 225, §§ 2º e 3º, CF/1988), tendo como pressuposto “atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, impondose ao empreendedor a obrigação de prevenir tais riscos (princípio da prevenção) e de internalizá-los em seu processo produtivo (princípio do poluidor-pagador)”, o dano ou risco de dano, e o nexo de causalidade entre atividade e resultado (STEIGLEDER, 2004, p. 195-196). Neste compasso, a título de explanação a respeito dos aspectos da responsabilidade pelo dano ambiental, em pesquisa processual realizada no sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em sede de primeiro grau, existem após o ano de ocorrência do desastre em Mariana, 21 processos envolvendo a BHP Billiton Brasil LTDA. Destes, 5 são Ações Civis Públicas3 com assunto dano ambiental ou indenização por dano ambiental, e 12 são ações do procedimento ordinário com assunto dano ambiental, indenização por dano ambiental, indenização por dano moral (BRASIL, 2016a). Isto demonstra os aspectos autônomos e pessoais do dano ambiental. Enquanto no primeiro caso observa-se a preponderância do meio ambiente enquanto realidade autônoma, no segundo observa-se o prejuízo individual, individual homogêneo, coletivo stricto sensu e difuso (BENJAMIN, 1998, p. 133-134). Por conseguinte, a sua classificação quanto a sua extensão, pode ser patrimonial ambiental, relativa à restituição, recuperação ou indenização do bem ambiental, ou extrapatrimonial ou moral ambiental, remetendo à dor ou sensação equivalente, bem como todo prejuízo não patrimonial ao indivíduo, social ou meio ambiente; quanto aos atingidos, pode afetar o interesse da coletividade ou o interesse do particular (LEITE, 2010, p. 94-95). O caso de Mariana, conforme observado no supracitado levantamento de ações judiciais envolvendo a responsabilidade civil da empresa BHP Billiton Brasil LTDA, remete todas as referidas espécies de dano ambiental (autônomo e antropocêntrico; patrimonial e extrapatrimonial; individual e coletivo). Por fim, há ainda que se considerar que as funções da responsabilidade civil são: a) preventiva, buscando meios eficazes evitar o dano, ou seja, 3

Processos nº 0069758-61.2015.4.01.3400, nº 0023863-07.2016.4.01.3800, nº 000728481.2016.4.01.3800, nº 0010263-16.2016.4.01.3800 e nº 0010264-98.2016.4.01.3800, com assunto dano ambiental ou indenização por dano ambiental, tramitando na Justiça Federal de Minas Gerais. ~ 25 ~


determinando que quem cria o perigo é responsável por ele; b) reparadora, buscando reconstituir e/ou indenizar os prejuízos ocorridos (MACHADO, 2010, p. 365-366). Quanto à função reparadora, para alcançar a reparação integral do bem, deve-se buscar a restauração in situ ou restauração natura, por meio da recuperação dos bens naturais afetados; compensação ecológica lato sensu (dano extrapatrimonial ou imaterial), que poderá ser substituição por equivalente in situ: preferencialmente no local do dano, utilizando-se outra espécie, substituição por equivalente em outro local: quando não é possível no local original ou indenização pecuniária (LEITE, LIMA, FERREIRA, 2005, p. 335-339). Com isso, antes que haja um efetivo retorno ao estado quo ante ao dano ambiental no caso do rompimento da barragem de Mariana é necessário atentar a medidas e mecanismos que possibilitem a restauração in natura, antes de se valer única a exclusivamente de medidas indenizatórias. Na Ação Civil Pública 0069758-61.2015.4.01.3400, que tramita na 12ª Vara Federal de Minas Gerais, em sede liminar, decidiu-se pela promoção do estancamento do vazamento; pela realização de estudos para evitar o lançamento de lama no sistema de lagoas do Rio Doce; pela realização de depósito de 2 bilhões de reais para execução de plano de recuperação integral; pela indisponibilidade de licença de exploração de lavra; pela apresentação de plano global de recuperação socioambiental da Bacia do Rio Doce e da população atingida (BRASIL, 2016b). Indubitavelmente o caso de Mariana remete a danos ambientais de imensa complexidade, que afeta o ser humano e a natureza em diversos âmbitos. Neste sentido, é necessário problematizar as formas de reparar o dano, como no âmbito da responsabilidade civil. Antes mesmo, a mudança de racionalidade salutar para superar tal questão ambiental, auxiliando em termos de prevenção e precaução, na medida em que se reconhece que a injustiça ambiental e os danos são anteriores ao rompimento da barragem, em decorrência do modelo produtivo e desenvolvimento adotado.

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4 DESCARTE DE RESÍDUOS DECORRENTES DA ATIVIDADE MINERADORA

THEO BRASILINO

No art. 3º, da Lei n° 12.305/2010 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos – LPNRS) define-se, entre outros pontos, o conceito de destinação final ambientalmente adequada, bem como a própria definição de resíduo sólido. Faz valer, portanto, que o material, substância, objeto ou bem descartado por atividades humanas, nos estados gasoso, líquido, sólido e semissólido e que sejam inviáveis de serem lançadas em corpos d’água ou na rede pública de esgotos, ou exijam soluções técnicas ou economicamente inviáveis de ~ 27 ~


tratamento, necessite - em face da possibilidade de gerar danos ou riscos ambientais, à saúde pública e à segurança - passar por processos de destinação adequada (reutilização, reciclagem, compostagem, aproveitamento energético, entre outras), além de ter que ser admitida por órgãos competentes do SISNAMA, do SNVS e do SUASA, observando normas operacionais específicas, as quais têm que estar em conformidade com o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou com o plano de gerenciamento de resíduos sólidos da região. Devido ao enorme potencial de gerar conflitos socioambientais, a implantação de empreendimentos de mineração em uma localidade deve ser feita com muito cuidado, sendo imprescindível de acompanhamento depois da realização do projeto, para que sejam constantes as ações de mitigação ambiental e de redução de riscos, decorrentes principalmente dos resíduos tóxicos gerados por essas atividades. Assim sendo, de acordo com Lozano (2006), em decorrência do alto grau de toxicidade e presença de partículas dissolvidas e em suspensão, metais pesados e reagentes produzidos pelo processo de beneficiamento do minério, o local de disposição final dos resíduos, chamado de barragem de rejeitos, representa uma área de risco de desastre ambiental, fazendo com que a construção da mesma, desde a escolha da localização até o fechamento, deve seguir normas ambientais, critérios econômicos, geotécnicos, estruturais, sociais e de segurança e risco, visando minimizar os impactos decorrentes desta atividade. Passos (2009) ressalta ainda que, para o caso da barragem de rejeitos, além da grande possibilidade de gerar impactos ambientais causados devido ao enorme volumes de rejeitos, as estruturas de contenção são muito grandes e sujeitas à ruptura, fazendo com que o controle e projeto adequados sejam fundamentais à segurança das barragens, do entorno e das populações vizinhas às obras. No dia 5 de Novembro de 2015, a barragem de rejeitos de Fundão, da Mineradora Samarco, cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP, se rompeu, proporcionando uma enxurrada de lama que acabou afetando a população do distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, região ~ 28 ~


central de Minas Gerais pertencente ao Quadrilátero Ferrífero, região que possui municípios que mais produzem ferro no Brasil. De acordo com dados presentes no site da Mineradora Samarco (2015a; 2015b), apesar do prejuízo por causa das famílias atingidas pelo desastre, de acordo com as análises dos sedimentos do Rio Doce, feitas pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), não houve aumento na presença de metais pesados na água e nos sedimentos em relação aos dados coletados em 2010, fazendo com que o material sedimentado não apresentasse perigo ao meio ambiente, enquanto que análises realizadas pela SGS Gesol Laboratórios, confirmou que o material coletado do rejeito (em Bento Rodrigues, Monsenhor Horta, Pedras, Barretos e Barra Longa) não oferece perigo para as pessoas e ao meio ambiente, e que, apesar de ser constatada a presença de ferro e manganês acima dos valores de referência, segundo parâmetros da ABNT 10004:2004, estes valores ainda encontram-se abaixo de níveis perigosos. A ONU, por sua vez, informa que, ao contrário da empresa, as 20 milhões de toneladas de rejeitos de minério de ferro lançados com a ruptura das barragens, continham metais pesados tóxicos e outros produtos tóxicos, informando ainda que as providências tomadas pela empresa para evitar os danos seriam insuficientes (BOL NOTICIAS, 2015). De acordo com Lozano (2006) e Passos (2009), as variáveis consideradas pela empresa tanto para determinar a melhor opção de local para se instalar uma barragem de rejeitos como para viabilizar aspectos de segurança da mesma , seguem, quase que sempre, análises com vistas a priorizar aspectos econômicos em detrimento da segurança, fazendo com que as buscas por alternativas de disposição de rejeitos de forma econômica e segura deve ser entendida como uma das prioridades para a empresa aliar redução de custos com possíveis prejuízos com multas, indenizações, etc, em se tratando de evitar que ocorra um acidente. Em seu artigo 47, da LPNRS, informa que, à exceção dos resíduos de mineração, qualquer outro rejeito não pode ser lançado, in natura, à céu aberto. Entretanto, no artigo 3°, da mesma lei, informa que para que haja uma disposição final ambientalmente adequada, a disposição final deve evitar danos ou riscos à saúde pública e a segurança, além de minimizar impactos ambientais diversos. ~ 29 ~


Observa-se, portanto, que, para o acidente que ocorreu em Mariana, deve ser aplicada a lei de crimes ambientais, a Lei nº 9.605/1998, já que a mesma se enquadra dentro dos ditames do artigo 54 da referida lei, fazendo valer um caso de poluição ambiental, já que provocou mortandade de pessoas, de animais e a destruição significativa da flora.

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5 GESTÃO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA AVALIAÇÃO DA POLÍTICA DE MINERAÇÃO

ANA PAULA DOS SANTOS DE MELO

O grande aumento da população humana e da sua demanda no uso de recursos naturais vem ocasionando diversos problemas ambientais, trazendo diversas consequências para a sociedade. A exploração dos recursos cresceu significativamente, sendo o mesmo já esgotado em alguns lugares, para suprir a necessidade foi necessário criar formas de utilização dos recursos de forma suficiente, utilizando o avanço tecnológico para garantir que não faltasse ou que fosse substituído por outro material. Diante deste contexto, o setor público e privado necessitou desenvolver o conceito de sustentabilidade no seu processo de produção, a fim de

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minimizar os impactos socioambientais causados em seus processos de desenvolvimento. O meio ambiente e sua relação com as empresas tem se tornado cada vez mais importante na definição das políticas públicas e de normas. Era necessário gerenciar os recursos naturais, foi então que surgiu a gestão ambiental, que busca a interação entre o desenvolvimento das atividades humanas e o equilíbrio ambiental. Gestão Ambiental é um processo de administração participativo, integrado e contínuo, que procura compatibilizar as atividades humanas com a qualidade e a preservação do patrimônio ambiental, por meio da ação conjugada do poder público e da sociedade organizada em seus vários segmentos, mediante priorização das necessidades sociais e do mundo natural, com alocação dos respectivos recursos e mecanismo de avaliação e transparência. (COIMBRA, 2004, p. 561).

No mesmo sentido de gestão ambiental participativa e democrática, Leff (2001, p. 63) destaca: A gestão ambiental participativa está propondo, além da oportunidade de reverter os custos ecológicos e sociais da crise econômica, a possibilidade de integrar a população marginalizada num processo de produção para satisfazer suas necessidades fundamentais, aproveitando o potencial ecológico de seus recursos ambientais e respeitando suas identidades coletivas. (p. 63)

Considera-se que este equilíbrio ambiental trata-se de um direito difuso e de interesse coletivo, com uma natureza indivisível e sem titularidade, devendo ser caso de preocupação de todos, pois o mesmo quando se encontra neste estado de equilíbrio traz benefícios a toda sociedade (DINIZ, 2011). Assim como todo o processo de gestão, na ambiental também é necessário que haja um planejamento, baseado no estado em que se encontra o meio ambiente e em qual atividade estão sendo utilizados os recursos naturais. Para o autor Philippi Jr (2004) o processo de planejamento da gestão deve seguir algumas fases que o autor chama de desenvolvimento técnico, são as seguintes: Eclosão, que visa identificar as necessidades da sociedade; Projeto, esta fase demanda conhecimentos para que sejam realizadas mais três fases: Estudo Preliminar onde é feito um levantamento de dados, Diagnóstico e Prognóstico, consiste na analise da situação e na criação de propostas de solução e o Plano Diretor que é o processo de criação das ações ~ 32 ~


a serem desenvolvidas; A próxima fase final é a da Execução que vai executar o que foi proposto; e a fase final é a da Retroalimentação, onde é feito o acompanhamento e a avaliação da fase de execução. Para

a

efetiva

implementação

da

gestão

ambiental

utiliza-se

instrumentos como as diretrizes, decretos, normas, leis e políticas públicas. As políticas públicas ambientais no Brasil surgiram há muito tempo, tais políticas podem ser analisadas a partir da primeira metade do século XX, com o objetivo de garantir um meio ambiente de qualidade para toda a sociedade. “Há uma relação direta entre problemática ambiental e políticas públicas. As demandas sociais determinam intervenções político-administrativas, realizáveis por meio do aparato legal e das políticas públicas”. (PECCATIELLO, 2011, p. 72) Na década de 1930 foram criados importantes instrumentos legais, dentre eles: Código das Águas (Decreto nº 23.793/1934), Código de Minas (Decreto n° 24.642/1934), Código Florestal (Decreto nº 24.643/1934), Código de Pesca (Decreto nº 794/1938). Mais adiante foram criadas algumas agências setoriais, como o Ministério das Minas e Energia, Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O avanço das políticas ambientais acontecia tanto no nosso país, quanto mundialmente, é na década de 1970 que acontece a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, realizada em Estocolmo, as políticas eram baseadas no controle da poluição industrial, neste período foi criada Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), órgão do Ministério do Interior, que tinha como objetivo tratar dos assuntos ambientais, porém priorizou a questão da poluição industrial, foi criado o Decreto Lei nº 1.413/1975 que tratava do controle da poluição ambiental causada por atividades industriais, como regulamentação dessa norma foi editado o Decreto n° 76.389/1975 que tratava da prevenção e controle da poluição industrial. Em 1980 foi criada a Lei de Zoneamento Industrial, Lei n° 6.803/1980, que dispõe de diretrizes básicas para o zoneamento industrial. Em 1981 foi promulgada a Lei 6.938/1981 que estabeleceu os objetivos e os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), tem por ~ 33 ~


objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Com esta lei foi instituído o Conselho Nacional de Meio Ambiente, órgão consultivo e deliberativo, e Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Além de sua importância geral, esta lei traz um ponto muito importante para o meio ambiente, que foi à instituição do Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Sobre o instrumento: [...] pode-se afirmar que o EIA e sua obrigatoriedade, foi um verdadeiro marco na evolução ambiental, pois transformou a visão sobre a temática ambiental, regendo um processo basilar na evolução do país em direção ao Desenvolvimento Sustentável (BRANQUINHO, 2011, p. 3).

A Resolução do CONAMA n° 237/97, em seu art. 1°, III, define que estudos ambientais são todos e quaisquer estudos que se referem aos aspectos ambientais no que tange à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, trazendo como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco. Como um instrumento da PNMA, a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) tem como objetivo identificar e caracterizar os impactos ambientais provenientes de uma determinada ação, sendo considerada uma etapa do planejamento e possui caráter técnico-cientifico. É uma etapa de suma importância para a questão ambiental, porém muitas empresas consideram apenas como um processo burocrático legal e acaba não sendo levada a sério. Acompanhando a AIA, há a Análise de riscos, que visa identificar os perigos da ação, como acidentes e suas consequências. O Monitoramento Ambiental é outro processo que está envolvido na gestão ambiental, é uma das principais etapas, permite acompanhar o processo de desenvolvimento das ações da empresa, permite também fazer comparações das mudanças ambientais ocorridas antes, durante e depois do processo da instalação da indústria ou de determinada obra. ~ 34 ~


A PNMA instituiu o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; o zoneamento ambiental; a avaliação de impactos ambientais; o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; a criação de áreas protegidas; o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental e as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. A promulgação da Constituição Federal em 1988 foi outro ponto muito importante no processo de criação e implementação das políticas públicas ambientais, dispondo de um capítulo destinado apenas ao meio ambiente, com seu Capítulo VI – Do Meio Ambiente e respectivo art. 225. Neste processo de desenvolvimento da política ambiental nacional, foram criados vários órgãos destinados às questões ambientais, dentre eles temos o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), através da Lei nº 7.735/1989, o órgão foi a junção do Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento Florestal (IBDF), era responsável pela gestão florestal, com a SEMA, a Superintendência de Pesca (SUDEPE) e a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA). O IBAMA é o órgão responsável pelo licenciamento ambiental; controle de qualidade ambiental; autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental. Na década de 1990 muitas outras Leis e Decretos foram criados. Em 1997, a Lei n° 9.433/1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, define a água como bem público e limitado e tem como objetivos assegurar o uso e a qualidade da água para as gerações atuais e futuras, o uso racional, e a prevenção e defesa de eventos hidrológicos. A Lei n° 9.605/1998, que instituiu a Lei de Crimes ambientais, dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

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A Lei n° 9.795/1999 instituiu a Politica Nacional de Educação Ambiental, definindo que todos têm direito a educação ambiental e o Poder Público deve definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental. Já nos anos 2000, a Lei nº 9.985/2000 institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), estabelecendo critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. O Decreto-Lei n° 4.297/2002 regulamentou o art. 9o, inciso II, da Lei no 6.938/81, estabelecendo critérios para o Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil - ZEE, em por objetivo geral organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades

que,

direta

ou

indiretamente,

utilizem

recursos

naturais,

assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas. A Lei nº 11.445/2007 estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. A Lei nº 12.187/2009 instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, visando a redução de emissões de gases de efeito estufa, proteção do sistema climático, implementação de medidas para promover a adaptação à mudança do clima e consolidação e à expansão das áreas legalmente protegidas e ao incentivo aos reflorestamentos e à recomposição da cobertura vegetal em áreas degradadas. A Lei nº 12.305/2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo a respeito dos princípios, objetivos e instrumentos relativos à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos. É possível perceber que houve um grande avanço na questão ambiental no nosso país, exigindo ações do poder público, do poder privado e da sociedade civil, porém ainda há um grande desafio de enfretamento dos problemas ambientais que apesar desta diversidade de leis continua crescendo. [...] a política ambiental brasileira padece de: falta de vontade e prioridade política; de fragmentação intersetorial; de participação legítima; de incoerência entre leis e práticas e de ambigüidade estatal frente aos interesses privados, pode-se vislumbrar a magnitude e a complexidade dos desafios abertos (LIMA, 2014, p. 483).

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A legislação brasileira muitas vezes não é aplicada devido a grandes conflitos políticos ou de interesses privados, tal fato impossibilita que alguns instrumentos que podem evitar grandes problemas ambientais, não sejam aplicados na maneira correta, outro ponto que o autor Lima (2014) é que não há um processo de integração das políticas que promovem impactos ambientais, como as políticas de energia, de agricultura, de transportes, de ciência e tecnologia, de indústria e mineração que é o ponto chave deste trabalho. A política de mineração no nosso país se inicia com o Código de Minas em 1934 e 1940 e resulta no Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/1967). A atividade de mineração gera grande impacto ao meio ambiente, visto isso a CF/1988, institui no art. 225, § 2º que “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei” (BRASIL, 1988). Além disso, a PNMA exige que seja realizada a AIA e o licenciamento ambiental. A Resolução CONAMA 01/1986 dispõe de critérios e diretrizes para o uso da Avaliação de Impacto Ambiental, em seu Art. 2° é definido que toda atividade de mineração deve conter o licenciamento ambiental e o Estudo de Impactos Ambientais - EIA juntamente com o relatório de impacto ambiental – RIMA. No estado de Minas Gerais o processo de licenciamento ambiental resulta da Deliberação Normativa COPAM nº 74, de 9 de setembro de 2004, com o seguinte preâmbulo: Estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, de empreendimentos e atividades modificadoras do meio ambiente passíveis de autorização ambiental de funcionamento ou de licenciamento ambiental no nível estadual, determina normas para indenização dos custos de análise de pedidos de autorização ambiental e de licenciamento ambiental, e dá outras providências.

No ano de 2007 foram criadas as Superintendências Regionais de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SUPRAM’s, são 8 unidades localizadas em cidades distribuídas pelo estado e uma unidade central na cidade de Belo Horizonte, seu objetivo é analisar e efetuar os processos de licenças, este processo é feito de forma integrada, existem representantes de ~ 37 ~


diversos órgãos com a finalidade de analisar os procedimentos técnicos e jurídicos. (BORGES, 2009) Todo o processo de Estudo dos Impactos Ambientais, juntamente com o seu relatório, a Avaliação de Impactos Ambientais e o monitoramento ambiental são de fundamental importância no processo de gestão ambiental, só assim é possível prever e evitar conflitos. Dada a importância estratégica dos recursos minerais e os riscos ambientais decorrentes das atividades de mineração é imprescindível a criação de mecanismos reguladores desta atividade, em especial em um país cujo principal produto de exportação são commodities, como frango, soja, carne bovina minério de ferro entre outros, o protagonismo deste tipo de produto na economia Brasileira (bem como a construção civil) ao mesmo tempo que pressiona positivamente a balança comercial e gera empregos, nos coloca em uma situação bastante vulnerável com relação as variações do mercado internacional. No contexto da crise de 2008 que deu início a um período significativo de desaceleração econômica Gonçalves (2008, p. 10) reafirma estas fragilidades advindas da estruturação produtiva e do papel do Brasil no mercado internacional: No que se refere à vulnerabilidade externa na esfera comercial, a eclosão da crise internacional implicou queda forte e abrupta dos preços das commodities. Isto afeta não somente o saldo da balança comercial brasileira como também a geração de renda interna tendo em vista a importância relativa do setor primário-exportador (alimentos, minérios, etc.). Portanto, via multiplicador de comércio exterior, a renda no conjunto da economia brasileira sofre o impacto da queda das exportações. Surge, então, um problema sério para o Brasil: a dinâmica da absorção interna (consumo e investimento) é significativamente afetada pelo desempenho das exportações. Ou seja, a demanda interna é exogenamente determinada.

Desde a colonização até os dias atuais os recursos naturais brasileiros foram alvo de interesses diversos a própria colonização se justificou pela busca de metais preciosos, hoje a exploração dos recursos minerais se dá em grande parte por multinacionais e visam abastecer unidades produtivas em diversos locais do mundo, uma reflexo da produção em escala global, no entanto apesar da produção se dar em escala global muitas das externalidades são danosas em nível local, a mineração é um atividade potencialmente danosa ao meio ambiente e algo bastante tolerado por vários motivos, dentre os quais o fato de ~ 38 ~


que para muitas cidades é a única, ou uma das poucas, fontes de renda, é significativo para arrecadação em todas as escalas administrativas, e as mineradoras e seus respectivos conglomerados figuram entre os principais financiadores de diversas campanhas políticas. A atividade de mineração é um processo importante para a economia nacional, porém os impactos socioambientais causados pelo processo de mineração são diversos, tais impactos dependem da sua localização, tipo de minério extraído, tipo de lavra e o tipo de desmonte utilizado. Os princípios e diretrizes da atividade de mineração são definidos através do Código de Mineração de 1967, modificado por meio da Lei nº 9.314/1996. Nos últimos anos passamos por diversas transformações sociais, econômicas, políticas, ambientais, entre outras, demandando mudanças e adaptações nos sistemas de produção das atividades, dentre elas a mineração. A mineração é um importante setor da economia brasileira, diante disto passou por um processo de transformações, dentre ela a criação de órgãos reguladores com a função de fazer o controle e a fiscalização. Apesar de tais transformações, [...] a indústria de mineração brasileira carece de um efetivo planejamento estratégico institucional que, a partir de novos paradigmas da ação do Estado, seja capaz de induzir a consecução de objetivos e metas, estabelecer diretrizes, ordenar e fomentar ações e programas públicos e privados para o setor, além de viabilizar os meios e os recursos necessários (BRASIL, 2011, p. 19).

O processo de pesquisa mineral no Brasil é decadente, há pouco investimento do Estado neste campo, assim como a falta de implementação de políticas públicas que promovam o desenvolvimento da pesquisa. O Estado tem o dever de assegurar a justa exploração dos recursos minerais e de utilizar, para tanto, todos os instrumentos ao seu alcance para evitar a destruição ou o mau uso das riquezas do subsolo, sempre atento ao fim específico, de utilidade pública, que deve presidir a exploração mineral. (BRASIL, 2011, p. 18)

Na legislação existem normas capazes de proteger o meio ambiente contra a degradação causada pela atividade de mineração, porém pouco se investe em pesquisa e em políticas de avaliação e monitoramento, é necessário que além da criação de leis, normas jurídicas, princípios, haja uma gestão de recursos minerais que funcione de forma efetiva, não só no processo ~ 39 ~


de licença, mas também no processo de avaliação e fiscalização da indústria mineral. A ruptura da barragem de Fundão da mineradora Samarco no distrito de Bento Rodrigues em Minas Gerais, fez com que ocorressem algumas mudanças políticas no estado, porém outros eventos como estes já aconteceram no estado, dentre eles: 1986 o rompimento da barragem de rejeitos da Mina de Fernandinho, em Itabirito; 2001 houve a ruptura da barragem cava 1, da Mineração Rio Verde S.A., em Nova Lima; 2003 o rompimento da barragem de um dos reservatórios da Indústria Cataguases de Papel Ltda; 2007 outro rompimento de barragem da mineradora Rio Pomba Cataguases se rompe, atingindo bairros de Miraí e Muriaé; 2014 houve o rompimento da barragem B1 da Herculano Mineração. Assim como está sendo reestruturado o processo legislativo referente às questões ambientais, este mesmo processo ocorreu em 2001, foram criadas às Deliberações Normativas n° 62/2003, nº 87/2005 e nº 124/2008, do Conselho Estadual de Políticas Ambientais – COPAM. Em parceria com o COPAM a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) é responsável pela gestão dos recursos naturais e pela fiscalização e monitoramento das atividades que envolvam os mesmos, está vinculada à Secretaria de Estado e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente. Apesar de todo aparato jurídico os impactos ambientais continuam acontecendo de forma crescente, o processo de fiscalização e monitoramento das atividades de mineração é ineficiente, visto a quantidade de problemas que ocorrem no desenvolvimento das mesmas, é dever do poder público monitorar e avaliar que envolvam os bens públicos.

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6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS POR DANO AMBIENTAL DIANTE DO DESRESPEITO À LEGISLAÇÃO FEDERAL

EDDLA KARINA GOMES PEREIRA

A proteção dos bens ambientais possui status constitucional (art. 225, CF/1988), tanto em razão do seu valor intrínseco e da sua finitude, como também, a partir de uma perspectiva mais antropocêntrica, em face da essencialidade

dos

recursos

naturais

para

a

vida

humana.

Tal

imprescindibilidade, não obstante seja notória, é normativamente reconhecida pelo art. 3º, I da Lei 6938/1981, que define o meio ambiente como “o conjunto ~ 41 ~


de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Na tentativa de coibir os atos de agressão ao meio ambiente, a LPNMA, no inciso II do art. 3º, considera como sendo degradação qualquer “alteração adversa das características do meio ambiente”. Nesse sentido, o sujeito que modifica, por qualquer ato e ainda que minimamente, a composição ou qualidade dos recursos ambientais legalmente está degradando-o. A Constituição vigente determina, no § 3º do Art. 225, a possibilidade de responsabilização no âmbito penal, administrativo e civil, em virtude do cometimento de uma lesão ambiental, quer a conduta seja de iniciativa de pessoas físicas ou jurídicas. Tal dever de reparação é solidário entre os diversos agentes causadores do dano, tendo a legislação ambiental inovado ao trazer a noção de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos no âmbito de uma cadeia produtiva (art. 3º, I, Lei n.º 12305/10), reconhecendo a responsabilidade individualizada e encadeada dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes. Ademais, conforme a Lei n. 6.938/1981, art. 14, § 1°, a responsabilidade do infrator ambiental é objetiva, posto que para haver o dever de reparação é suficiente a conduta, o dano e uma relação de causa e efeito entre ambos. Vejamos: Art. 14, § 1º, Lei nº 6.938/1981. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (BRASIL, 1981).

Em matéria de meio ambiente, pois, a legislação pátria adotou a teoria da responsabilidade objetiva, conforme a qual todo aquele que causar danos de ordem ambiental será obrigado a ressarci-lo, independentemente de culpa, na modalidade “risco integral”, de forma que é suficiente a existência do dano para gerar o dever de reparação, ainda que a atividade causadora da lesão seja lícita (PEREIRA, 2014). Há, contudo, posicionamentos importantes na doutrina e jurisprudência que defendem que mesmo no âmbito de responsabilidade objetiva, a existência de culpa (negligência, imprudência e imperícia) é um elemento importante para ~ 42 ~


fixar o montante da indenização, tendo em vista que a culpa do ofensor no cometimento do ilícito e as suas iniciativas para reparar o dano causado são fatores importantes para fins de quantificação dos valores das indenizações decorrentes

da

responsabilidade

civil

(TRT

23ª

Região

RO

00448.2005.022.23.00-8 – Relator Desembargador Osmair Couto – DJ/MT nº 7281 – Publicação 19.12.2005). Especificamente em relação à exploração da atividade mineradora, a Constituição Federal prevê: Art. 176, CF/1988. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

A fim de regulamentar a exploração da mineração no Brasil foi editado o já citado DecretoLei nº 227/1967, o Código de Minas. Segundo o art. 2º do Código de Minas, o controle da exploração da atividade mineradora deve ser feito em três fases: a princípio deve haver, atendidos os requisitos legais, a Autorização de Pesquisa; em seguida, a Concessão da Lavra e, por fim, a Permissão de Lavra Garimpeira. Nos termos do art. 7º do Código de Minas, a legitimidade para conceder o alvará de autorização da pesquisa é do Diretor Geral da autarquia federal responsável por promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), enquanto a concessão da lavra é outorgada pelo Ministro de Estado de Minas e Energia. Faz-se necessário, igualmente, a elaboração de planos emergenciais para os riscos potenciais não identificáveis antecipadamente, os quais devem ser reavaliados rotineiramente, com vistas à renovação da autorização concedida. Por força do princípio da prevenção, o ordenamento pátrio determina a elaboração de um estudo prévio de impacto ao meio ambiente (EPIA) para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ambiental contundente, nos termos dos art. 225, § 1º, IV da CF/1988; arts. 9º, III e IV, 10, caput, da Lei 6.938/1981; art. 17 do Decreto 99.274/1990. Com tais imposições, objetiva-se, além de prevenir danos ambientais irreparáveis, subsidiar e conferir respaldo às decisões da administração pública que ~ 43 ~


concedem ou não autorização para a exploração da atividade econômica pretendida (art. 1º, III – Res. CONAMA 237/1997). A depender do grau de exposição dos bens ambientais, o estudo ambiental pode depender de uma pesquisa mais complexa, tal como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O estudo pode ser menos pormenorizado, tal como o Relatório Ambiental Preliminar – RAP, ou mesmo pode ser dispensado do procedimento de licenciamento ambiental quando a atividade possui pouco impacto ambiental, ocasião em que deve ser realizado apenas um Relatório de Ausência de Impacto Ambiental Significativo – RAIAS, conforme os arts. 1º, III; 11 e 12 da Res. Conama 237/1997. Nas situações em que a legislação federal exigir o licenciamento ambiental obrigatoriamente via EIA/RIMA em face da potencialidade da degradação da atividade a ser desenvolvida, em atenção ao princípio da simetria, os Estados ou os Municípios devem respaldar a norma que lhe é hierarquicamente superior, não podendo dispensar estudos ambientais mais complexos. Assim, preleciona Álvaro Luiz Valery Mirra (2008, p. 90) que: As normas federais que disciplinam o estudo de impacto ambiental – Lei 6938/1981, Decreto n. 99.274/1990 e Resolução CONAMA 001/1986 do CONAMA – são efetivamente, em sua integralidade e em todos os seus aspectos, normas gerais e, por se mostrarem compatíveis com a previsão constitucional do art. 24, § 1º da Constituição de 1988, não podem ser contrariadas pelas normas dos Estados e Municípios para o fim de reduzir o grau de proteção do meio ambiente. Por via de consequência, a dispensa pela legislação estadual ou municipal de determinadas atividades da realização do EIA, que pela regulamentação federal é de exigência obrigatória nessas hipóteses, é providencia vedada igualmente pelo sistema constitucional em vigor.

Contrariando tal entendimento, a Lei Estadual de Minas Gerais de número 7.772/1980, em seu art. 8º, com redação dada pelo art. 16 da Lei nº 15.972/2006, prevê como instrumentos de prevenção e controle de degradações ao meio ambiente o Licenciamento Ambiental, para atividade mais degradantes, e a Autorização Ambiental de Funcionamento (AAF), para ações de menor impacto. De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais, contudo, a AAF – instituída pela legislação estadual como um meio de controle das fontes de poluição e degradação ambiental não tem alcance significativo, pois a sua ~ 44 ~


concessão não implica estudos mínimos de impacto ambiental prévios, ainda que simplificados, tal como o Relatório de Ausência de Impacto Ambiental Significativo. Ademais, não tem o condão de avaliar os efeitos cumulativos das concessões, não analisa o grau de vulnerabilidade de onde se pretende instalar o empreendimento, além de não exigir prévia anuência do ente municipal e não ordenar monitoramento das atividades autorizadas. Desse modo, ao prevê a possibilidade de substituição de EIA/RIMA por um procedimento mais simplificado (AAF) e, portanto, superficial, o Estado de Minas Gerais afrontou a legislação federal vigente em matéria de licenciamento ambiental, especialmente a Resolução CONAMA 01/86, que dispõe, em seu art. 2º, IX, que a extração de minério dependerá da elaboração de EIA/RIMA, os quais serão submetidos à aprovação dos órgãos estaduais competentes e do IBAMA. Para agravar a afronta do Estado de Minas Gerais à legislação nacional, a Deliberação Normativa nº 74, de 09 de setembro de 2004, em seu art. 2º, por considerar um impacto não significativo, permite a extração de até trezentas mil toneladas de minério de ferro ao ano com base na mera expedição de uma Autorização Ambiental de Funcionamento. O Ministério Público deste Estado, todavia, contesta a classificação deste montante de extração como atividade de baixo nível de degradação, afirmando que tal atividade tem acarretado graves danos ao meio ambiente natural e cultural de Minas Gerais, tal como a destruição, na Serra da Moeda, de uma cavidade natural subterrânea com vestígios arqueológicos. Este contexto impôs o Ministério Público a propor uma ação civil pública contra o empreendedor e aos órgãos estaduais competentes, além da realização de requisição de inquérito policial para apuração de crime ambiental (art. 67 da Lei 9.605/1998). Diante do contexto existente, o Ministério Público suscitou na Ação Civil Pública proposta o reconhecimento da inconstitucionalidade da Deliberação Normativa nº 74/2004, com a consequente determinação para que o Estado não conceda ou renove mais quaisquer Autorizações Ambientais de Funcionamento para a extração ou beneficiamento de minério de ferro no Estado, sob pena de multa diária, além da responsabilidade penal e por ato de improbidade administrativa. ~ 45 ~


Especificamente no caso do rompimento das barragens do Fundão e Santarém da mineradora Samarco, em Bento Rodrigues e Mariana (Minas Gerais), observa-se várias esferas de responsabilidade: ambiental, civil, penal, administrativa e trabalhista. Ademais, há vários sujeitos passíveis de responsabilização, posto que o desastre ocorrera em virtude da ação ou omissão de muitos agentes: União, Estado de Minas Gerais, Municípios, além da Samarco Minerado S.A., VALE S.A e BHP. O poder público, como limitante do anseio capitalista desenfreado dos detentores do pode econômico, tem um papel crucial na defesa e preservação dos recursos naturais. Benjamin (1992) adverte quanto à administração pública: [...] pode ser, a um só tempo, elemento mortal ou vital à proteção ambiental: cabe-lhe, via de regra, o poder de preservar ou mutilar o meio ambiente. Assim, na medida em que compete à administração pública o controle do processo de desenvolvimento, nada mais perigoso para a tutela ambiental do que um administrador absolutamente livre ou que não sabe utilizar a liberdade limitada que o legislador lhe conferiu.

No caso do rompimento das barragens, as ações e omissões das autoridades públicas e dos exploradores privados resultou numa perda incalculável: foram perdidos bens históricos, turísticos, culturais e paisagísticos da nação; recursos naturais, inclusive, marinhos; bens públicos locais, regionais, estaduais e nacionais, assim como valores particulares das comunidades envolvidas, além da ofensa de ordem moral à população vitimada. Existem, ainda, repercussões negativas reflexas, sobretudo diante da sobrecarga de determinados serviços públicos, tal como a saúde pública, transporte urbano, o abastecimento de água e energia. Nesse sentido, observa-se que desastres desta dimensão invocam a necessidade de uma maior integração dos poderes públicos na condução de medidas reparadoras dos infortúnios causados, sobretudo em relação à efetividade e eficiência das respostas concedidas às vítimas diretas e indiretas. A busca por formas alternativas de resolução de conflitos e a realização de audiências

públicas

com

os

interessados

para

que

eles

participem

democraticamente das soluções propostas podem contribuir para a tomada de decisões mais acertadas, além de empoderar a população na reconstrução das suas realidades. ~ 46 ~


As lesões provocadas por este desastre socioambiental são tão amplas que violam, ao mesmo tempo, garantias fundamentais de ordem individual, coletiva e difusa, e que demonstra, mais uma vez, a preponderância do poder econômico sobre a tutela dos direitos humanos. A não reincidência de situações dessa ordem pressupõe, pois, uma reordenação de valores da sociedade e do poder público, ao tempo em que deve provocar discussões em torno da responsabilidade ética e social dos grandes empreendedores do mundo.

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7 RESPONSABILIDADE PENAL NO CASO DO DESASTRE DA BARRAGEM DE MARIANA

WELISON ARAÚJO SILVEIRA

Nos capítulos anteriores já foi abordado o tema da responsabilidade civil e administrativa das empresas responsáveis pela extração e manutenção da barragem de Fundão na cidade de Mariana, que ficou mundialmente conhecido como o “Desastre de Mariana”. Nesse capítulo, iremos abordar a tutela do meio ambiente, os aspectos penais e a responsabilidade pelos crimes ambientais

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ocorridos no referido caso, em um diálogo entre os institutos e princípios próprios de cada seara. Conforme já abordado alhures, a responsabilidade pelo dano ambiental relaciona-se

com

princípios

do

direito

ambiental.

O

princípio

da

responsabilização prevê a necessidade de indicar os responsáveis por danos ambientais, nas três esferas (civil, administrativa e penal). Segundo, o princípio do poluidor-pagador prevê que quem degrada o ambiente tem de responder e pagar por sua lesão ou ameaça. Como afirma Paulo Affonso Leme Machado (2001), ao causar uma degradação ambiental o indivíduo invade a propriedade de todos os que respeitam o meio ambiente e afronta o direito alheio. No caso específico da tragédia de Mariana, a responsabilização penal pelas dezoito mortes ocasionadas pela tragédia além dos impactos causados pela lama tóxica do rejeito da mineração, deve recair sob as pessoas físicas e jurídicas envolvidas. As empresas Vale, Samarco e BHP Billinton, responsáveis pela exploração dos minérios e pela manutenção da mineradora, bem como técnicos da empresa podem responder, na medida de sua culpabilidade pelos crimes ambientais praticados no presente caso. Além disso, o Estado, através de seus servidores públicos, também poderão responder penalmente caso seja configurado e comprovado a prática de alguma atividade delitiva no processo de licenciamento (omissão da verdade, sonegação de informação, prestar afirmação falsa ou enganosa), omissão na fiscalização da atividade, ou concessão de Autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades (art. 66 e 67 da Lei 9605/98). A atividade mineradora é disciplinada pelo Código de Minas ou Código de Mineração que é trazido pelo Decreto-Lei nº 227 de 1967 e regulamentada por outras resoluções do CONAMA. O DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) é autarquia federal autorizada pela Lei nº 8.876/1994 que tem como finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional, na forma do que dispõe o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a ~ 49 ~


legislação que os complementa, conforme preconiza o art. 3º da Lei que autoriza a autarquia. Portanto, a atividade praticada pelas referidas empresas era regulada, fiscalizada e licenciada de acordo com os respectivos marcos legais com participação de órgãos ambientais (IBAMA) e minerários (DNPM), tratando-se de um ato administrativo complexo haja vista a necessidade da participação de vários órgãos para liberação da atividade. Não merece ser reiterada a discussão a respeito da responsabilidade civil por danos ambientais que é objetiva (art. 14, § 1º, Lei 6.938/1981; art. 225, §§ 2º e 3º, CF/1988), conforme já exposto em capítulos anteriores, impondo-se ao empreendedor a obrigação de prevenir tais riscos, sejam previsíveis (princípio da prevenção) ou aqueles impossível de prevê-los mas possível de evita-los (princípio da precaução), impondo-se a obrigação de indenizar em casos de dano ou risco de dano, bastando a caracterização do nexo de causalidade. Antônio Herman Benjamin (2009) destaca que a prevenção é mais importante do que a responsabilização do dano ambiental. Paulo de Bessa Antunes (2005) pondera que o impedimento de uma determinada atividade com base no princípio da precaução somente deve ocorrer se houver uma justificativa técnica fundada em critérios científicos aceitos pela comunidade internacional, já que por vezes opiniões isoladas e sem embasamento têm sido utilizadas como pretexto para a interrupção de experiências e projetos socialmente relevantes. Paulo Afonso Leme Machado leciona. Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado é prejudicial ao homem e seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranqüilidade(...)”(MACHADO, 2015. p.273).

O caso de Mariana, remete as espécies de dano ambiental (autônomo e antropocêntrico; patrimonial e extrapatrimonial; individual e coletivo) e a respectiva responsabilização por estes. Nos limitaremos a abordar os aspectos penais dos crimes ambientais previstos na Lei 9605/98, a possibilidade ou não

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da imputação dos responsáveis ao crime de homicídio (CP, art. 121) 4 das vítimas do desastre e ainda a incidência da prática de crime contra a ordem econômica prevista na Lei 8176/915. A Lei nº 9.605 de 1998 que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas, derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente” é aplicada em alguns de seus artigos ao do desastre em Mariana, podendo destacar os art. 33, 38, 54 e 60 na seara dos crimes ambientais. Conforme destaque: Art. 33. Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras. Pena: detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente. [...] Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção. Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. [...] Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Já a Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 14, § 1°, prevê a legitimidade do Ministério Público para propor ação criminal para buscar a responsabilização penal em casos de caracterização de crimes ambientais e danos ao meio ambiente. Vejamos:

4

Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. o § 4 No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (grifo nosso) 5 Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Pena: detenção, de um a cinco anos e multa. ~ 51 ~


Art. 14, § 1º, Lei nº 6.938/1981. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (BRASIL, 1981).

Como se vê, compete o Ministério Público, que é a instituição competente para atuar na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis e defesa dos interesses difusos e coletivos, a proteção do patrimônio público e do meio ambiente, conforme prevê o art. 129 da Constituição Federal, que estabelece essa atuação dentre as funções do Ministério Público: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

A proteção do meio ambiente, do patrimônio público e de interesse coletivo pode ser protegido por todo cidadão, até porque a Constituição Federal6 impõe ao Poder Público e a coletividade o dever de defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, podendo todo cidadão, em gozo de seus direitos políticos, ajuizar Ação Popular nesse sentido, que é posta à disposição de qualquer cidadão para a tutela do meio ambiente, mediante a anulação do ato lesivo, em caso de eventual licenciamento ambiental sem a devida observância das normas técnicas exigidas. Dessa forma podemos concluir que a Ação Popular é um remédio constitucional, que possibilita ao cidadão brasileiro que esteja em pleno gozo de seus direitos políticos, tutelar em nome próprio, interesse da coletividade de forma a prevenir ou reformar atos lesivos praticados por agente públicos.

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Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. ~ 52 ~


Já a Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei 7.347/1985, é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público, e outras entidades, para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado, quanto a aplicação das sanções do artigo 37, § 4°, da Constituição Federal7, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular e eventual conduta criminosa. É o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, por infrações de ordem econômica, e interesses difusos da sociedade. O interesse defendido na ação é o da proteção jurisdicional ao meio ambiente e qualquer outro interesse ou direito difuso coletivo ou individuais homogêneos, bem como a defesa da ordem econômica. O art. 5º da Lei 7.347/1985 prevê os legitimados para propor ACP, incluindo o Ministério Público como entidade competente para o seu ajuizamento: Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

O fundamento da responsabilidade criminal das pessoas físicas e jurídicas, como já observado, é o art. 225, §3º da Constituição Federal8. Os tipos criminais previstos na Lei 9605/98, acima destacados, apontam normas penais em branco, que são aquelas que necessitam complementação por outra norma jurídica para serem aplicadas.

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Art. 37, § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. 8 Art. 225 § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. ~ 53 ~


No tocante a possibilidade de imputação de crimes contra a vida e outras modalidades penais, entendemos pela impossibilidade da aplicação do tipo penal previsto no art. 121 do Código Penal (homicídio), além de outras figuras típicas, a saber, inundação9 e poluição de água potável10. Não se admitindo a teoria da aplicação da penalidade mais severa em razão das dimensões do desastre, mas a repressão deve ser compatível com a previsão normativa do ordenamento jurídico pátrio. Imputar a prática de homicídio qualificado, mesmo na modalidade do dolo eventual, é desprezar a dogmática penal. Ora, descabida e inconcebível a tese de que existira no caso Mariana, dolo eventual. Impossível confundir dolo eventual com homicídio culposo. Nesse sentido, são palavras de Luiz Regis Prado (2012): “Existe um denominador comum entre o dolo eventual e a culpa consciente: a previsão do resultado ilícito. É certo, todavia, que no dolo eventual o agente presta anuência, concorda com o advento do resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo a renunciar à ação. Ao contrário, na culpa consciente, o agente afasta ou repele, embora inconsideradamente, a hipótese de superveniência do evento, e empreende a ação na esperança de que esse evento não venha a ocorrer – prevê o resultado como possível, mas não o aceita, nem o consente.” Poder-se-ia aplicar, após conclusão das investigações, o tipo penal do homicídio culposo, caso constatado que houve imperícia, imprudência ou negligência por parte dos responsáveis técnicos pela extração e manutenção dos minérios. A diferença entre dolo eventual e culpa pode ser percebida através do questionamento: Os indiciados aceitaram as mortes? Se sim, estaríamos diante de homicídio doloso (dolo eventual). A tragédia ocorreu devido a uma falta de cuidado, mas as mortes não eram desejadas? Se sim, patente a modalidade culposa, caracterizada, justamente, pela ausência de um dever objetivo de cuidado (falha na manutenção). 9

CP. Art. 254 - Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa, no caso de dolo, ou detenção, de seis meses a dois anos, no caso de culpa. 10 CP. Art. 271 - Corromper ou poluir água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde: Pena - reclusão, de dois a cinco anos. ~ 54 ~


Fica nítida, portanto, a diferença entre o homicídio doloso (qualificado) e o homicídio culposo, partindo da conduta volitiva para a falha ou falta na conduta. A pena do homicídio culposo varia entre um a três anos, já do homicídio qualificado varia entre 12 a 30 anos de reclusão. Logo se ver que a modalidade do homicídio doloso (eventual) é bem mais severa em sua reprimenda do que o homicídio culposo, no entanto, não se pode imputar a conduta criminosa com base no clamor da sociedade em razão dos efeitos do crime, mas sim procurar encaixar a tipificação penal à conduta praticada pelos responsáveis. Nesse sentido é preciso investigar a fundo a conduta das empresas responsáveis pela manutenção e extração do minério da barragem de fundão e a conduta dos seus responsáveis. Por fim, pode-se ainda aplicar as empresas denunciadas a conduta criminosa contra a ordem econômica prevista no art. 2º da Lei 8.173/91 que prevê como crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, explorar matéria-prima pertencentes à União em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo (licença), com pena de detenção, de um a cinco anos e multa. Deve-se, ainda, observar que sempre que a personalidade da pessoa jurídica for óbice ao ressarcimento dos prejuízos causados a qualidade do ambiente ou a imputação da aplicação de penalidade, esta pode ser desconsiderada até as pessoas físicas responsáveis pela pessoa jurídica que atuaram de forma preponderante para a realização da conduta criminosa.

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8 O PAPEL DO ESTADO DE MINAS GERAIS NA FISCALIZAÇÃO DA ATIVIDADE MINERADORA

ALEX TAVEIRA DOS SANTOS

Tragédias, como a que ocorreu em Mariana, sé é que assim podemos chamar o ocorrido, decorre de uma deficiente fiscalização do poder público sobre a atividade mineradora no nosso país. Todo o aparato instrumental de fiscalização e financiamento já existe no Estado de Minas Gerais, mas não parece que fora devidamente aplicado. Em 27 de dezembro de 2011 o estado criou a Taxa de Controle, Monitoramento, e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração ~ 56 ~


e Aproveitamento de Recursos Minerários – TFRM, juntamente com ela fora criado o CERM – Cadastro Estadual de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários. A taxa é uma espécie de tributo, devidamente prevista no art. 145, II da CF/88, que na dicção do próprio texto constitucional define: Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

A partir dessa definição, temos que o ente político, usou da competência que lhe fora outorgada pela Constituição Federal e criou uma taxa para custear o exercício do poder de polícia, cuja missão é fiscalizar o setor da mineração nas dependências do estado. O poder público cobra esta taxa para financiar justamente esta atividade. Um dos grandes fatores que tornaram possíveis a ocorrência do rompimento da barragem em Mariana (MG), com sua enxurrada de lama de tirou vidas de muitas pessoas sem contar no grande abalo no ecossistema da região, foi sem dúvida a ausência de uma fiscalização adequada sobre o empreendimento. A associação nacional dos peritos criminais (APCF) identificou uma série de falhas que poderiam ter sido identificadas como uma fiscalização mais intensa sobre a atividade realizada pela Samarco, empresa controlada pela Vale e pela BHP Billiton. No entanto, não basta a fiscalização interna das empresas, era preciso uma atuação mais atuante da secretaria do estado de Minas Gerais no controle da atividade, afinal de contas o estado é remunerado com a TFRM. Deve ser registrado ainda, que a barragem de fundão, que se rompeu em 05 de novembro de 2015, segundo a comissão de segurança das barragens, órgão criado de acordo com a Política Nacional da Segurança de Barragens, a classificava como “de baixo risco” de rompimento e de “dano potencial alto”. Nesse diapasão, sendo uma barragem de alto grau de dano deveria ter uma fiscalização severa e intensa, o que não ocorreu.

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Em que pese a legislação brasileira está de acordo com as normativas internacionais, ainda carece de regulamentação, falta mecanismos de aviso de urgência em caso de rompimento, como se pode perceber dos diversos vídeos que foram gravados do desastre que parece mais criminoso do que simplesmente um acidente. A função de um taxa no ordenamento jurídico brasileiro, tal como a TFRM, que juntamente com o CERM, que é um cadastro, visam proporcionar a regulação estatal sobre o setor, é justamente remunerar o exercício do poder de polícia na fiscalização da atividade mineradora no estado de Minas Gerais. A cobrança do tributo se legitima a partir do momento em que o estado exercita o seu poder de polícia. No incidente ocorrido em Mariana, o estado de Minas Gerais e o município de Mariana, através de seus órgão fiscalizadores, em matéria recente pulicada em veículos de comunicação de ampla divulgação, informaram que a falta de fiscais e de estrutura dificulta a fiscalização, sendo possível apenas em áreas em que o risco era mais evidente. No presente caso, vemos claramente que houve uma ausência dos entes na fiscalização mais pormenorizada, descabendo a cobrança da taxa quando não há a contrapartida do poder público. Essa questão já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 588.322 oriundo de Porto Velho/RO, da lavra do Ministro Gilmar Mendes: O texto constitucional diferencia as taxas decorrentes do exercício do poder de polícia daquelas de utilização de serviços específicos e divisíveis, facultando apenas a estas a prestação potencial do serviço público. A regularidade do exercício do poder de polícia é imprescindível para a cobrança da taxa de localização e fiscalização. À luz da jurisprudência deste STF, a existência do órgão administrativo não é condição para o reconhecimento da constitucionalidade da cobrança da taxa de localização e fiscalização, mas constitui um dos elementos admitidos para se inferir o efetivo exercício do poder de polícia, exigido constitucionalmente. (...) É constitucional taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efetivo o exercício do poder de polícia, demonstrado pela existência de órgão e estrutura competentes para o respectivo exercício, tal como verificado na espécie quanto ao Município de Porto Velho/RO (...)." (RE 588.322, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-6-2010, Plenário, DJE de 3-9-2010, com repercussão geral.) No mesmo sentido: AI 677.664-AgR, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2009, Primeira Turma, DJE de 19-6-2009. Vide: ARE 664.722, rel. min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 12-03-2012, DJE de 21-03-2012; AI 707.357-ED, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 22-2010, Segunda Turma, DJE de 26-2-2010.

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A partir destas perspectivas, a Lei que criou a TFRM e que foi regulamentada pelo Decreto nº. 45.936 de 2012, em seu artigo art. 3º inciso II, temos: Art. 3° O poder de polícia de que trata o art. 1° será exercido pelos seguintes órgãos e entidades: II - Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - SEMAD -, Fundação Estadual do Meio Ambiente FEAM -, Instituto Estadual de Florestas - IEF - e Instituto Mineiro de Gestão das Águas - IGAM -, que compõem o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - SISEMA -, para: a) aplicação das normas de preservação, conservação, controle e desenvolvimento sustentável dos recursos naturais, entre os quais o solo e o subsolo, e zelo pela observância dessas normas, em articulação com outros órgãos; (1) b) identificação dos recursos naturais do Estado, mediante o mapeamento por imagens espaciais de toda a área de abrangência das atividades minerárias e seu entorno, com o objetivo de fornecer subsídios à fiscalização do setor, compatibilizando as medidas preservacionistas e conservacionistas com a exploração racional, conforme as diretrizes do desenvolvimento sustentável; (1) c) realização de atividades de controle e fiscalização referentes ao uso dos recursos naturais do Estado, entre os quais o solo e o subsolo;

Não sendo executada as devidas atividades inerentes ao poder de polícia, acima descritas, a que o estado está incumbido, não deveria, portanto, cobrar a referida taxa de fiscalização supramencionada. Identifica-se uma falha não apenas do ponto de vista funcional, mas um verdadeiro desrespeito ao ordenamento jurídico brasileiro. O rompimento da barragem de Mariana não pode afirmativamente ser chamado de um incidente, haja vista que a fiscalização por parte das empresas, bem como a fiscalização do poder público, sobretudo do município de Mariana e do estado de Minas Gerais foram deficientes e se não contribuíram para o ocorrido, não se prestaram a prevê-lo ou reduzir seus impactos, que até o presente momento são imensuráveis.

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9 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL DIANTE DO DESASTRE DE MARIANA

DALILA ARAÚJO DE SANTANA

Antes de falarmos da educação ambiental diretamente ligada ao caso do rompimento da barragem de Mariana, faz-se necessário conhecer alguns conceitos ligados a essa definição. Inicialmente é preciso deixar bem claro que a Educação ambiental é um processo de educação, diferentemente de um conteúdo que deve ser contemplado em uma disciplina específica do currículo escolar, conforme a Lei

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9795/1999 que trata da educação ambiental no Brasil e institui a Política Nacional de Educação Ambiental. A Lei 6938/1981 que trata da Politica Nacional do meio ambiente, traz em seu Art. 3º algumas definições importantes no que diz respeito ao meio ambiente e que são de cunho ligado a Educação Ambiental: Art. 3º, Lei nº6.938/1981. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora (BRASIL, 1981).

Se observarmos cada um desses incisos percebemos que em Mariana, tudo foi violado, degradado e poluído, prejudicando a saúde, a segurança, o bem-estar da população, como também todo o conjunto ambiental que faz parte daquela área. São muitos peixes mortos, pessoas desaparecidas, flora destruída, fauna debaixo da lama da Samarco. Para Leff (2003), a problemática ambiental, que uma crise ecológica, é um questionamento do pensamento e do entendimento, da ontologia e da epistemologia com as quais a civilização ocidental compreendeu o ser, os entes e as coisas , da ciência e da razão tecnológica com as quais a natureza foi dominada e o mundo moderno economizado. Será que a população de Mariana tem hoje uma visão ingênua de educação ambiental? Carvalho (2008), já tratava da superação de uma visão ingênua para a educação ambiental, e mesmo que todos concordem que existe a necessidade de fazer algo a respeito da crise ambiental, ainda existem muitas divergências ~ 61 ~


e disputas entre diferentes pontos de vista sobre que fazer, sobre como gerir as questões ambientais, sobre que interesses devem prevalecer a na complexa negociação entre diversos grupos sociais. Com a realidade que temos em Mariana, existe a necessidade de fazer um resgate da sua história de Educação ambiental, procurando saber o que havia antes para que se possa pensar no que pode ser feito para o presente tão doloroso não se tornar um futuro sem perspectiva de educação ambiental. Existe a necessidade de compreender de que forma era feita a educação ambiental e se a empresa responsável pela “grande catástrofe ambiental”, como está sendo chamado o rompimento das barragens de rejeito da Samarco, tinha algum programa dessa natureza para os moradores do entorno. Sabe-se que uma ONG, fazia recuperação de nascentes, mas é preciso conhecer o que cada morador entende por meio ambiente e educação ambiental. A começar pelo saneamento básico que a população dispunha, da água que lhe era disponível, dentre muitos outros fatores. Boff (1999) aborda o pensamento do coletivo em: O que vale para o indivíduo vale também para a comunidade local. Ela deve fazer o mesmo percurso de inserção no ecossistema local e cuidar do meio ambiente, utilizar seus recursos de forma frugal, minimizar desgastes, reciclar materiais, conservar a biodiversidade.

São numerosos os problemas ambientais encontrados em Mariana, mesmo antes do drástico rompimento da barragem, havia a necessidade de uma práxis ambiental mais efetiva. Moraes (2014) observa que: [...] é grande a dificuldade que temos, tanto como indivíduo ou como espécie, de encontrar soluções compatíveis com a magnitude dos nossos problemas atuais. E sabemos que já não podemos continuar ignorando tudo isso, já que as consequências serão absolutamente imprevisíveis para as próximas gerações, pois tudo que nos afeta, repercute de modo muito significativo nos demais sistemas biológicos, físicos e sócias, assim como nos sistemas econômicos e culturais.

Inegavelmente, algumas ações relacionadas a educação ambiental devem ser colocadas em ação, logo após todo o levantamento do que já se tinha conhecimento. Agora, no entanto, existe a necessidade de uma prática ~ 62 ~


mais efetiva, onde ações como a recuperação das nascentes, do meio ambiente em si e principalmente da dignidade daquelas pessoas. Estratégias devem levar a ações que despertem a vontade encontrar a vida no que ressurgir depois da lama. Complementando, Carvalho (2008) atenta: As práticas de Educação ambiental ou populares estão, geralmente, muito implicadas nos processos de desenvolvimento social local, gerando maior capacidade de perceber problemas, pesar as consequências ambientais das escolhas coletivas e decidir sobre a qualidade de vida das populações.

Vários programas já trazem estas estratégias que incluem o respeito e o cuidar da comunidade dos seres vivos, a busca pela qualidade de vida (sem que isso signifique um maior poder aquisitivo e sim da sua relação consigo, como o outro e como parte integrante da natureza), observar os limites de capacidade do planeta e principalmente até que ponto (pensando localmente) aquele local especificamente “suporta” ser impactado. Mas isso tudo só vai acontecer se houve mudança de atitudes e prática pessoais, estas devem influencia o outro para que ele também passe por esse processo e decida que eles próprios podem tomar conta do seu ambiente, tomando inclusive decisões que podem levar a implantação ou não de empresas, como a Samarco, naquela área, ou seja, na sua área, onde ele não é um ser a parte, mas sim um integrante daquele ambiente.

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10 BUEN VIVIR, OS DIREITOS PACHAMAMA E A AÇÃO POPULAR DO RIO DOCE

ANA CAROLINE BRUSTOLIN KUMMER GRAZIELLA BECK KRONLAND PINTO

Abya Yala11, em sua origem, é uma expressão que desperta nos povos originários um sentimento de unidade e pertencimento ao continente latino-americano. 11

“ABYA YALA, na língua do povo Kuna, significa Terra madura, Terra Viva ou Terra em florescimento e é sinônimo de América. Abya Yala vem sendo usado como uma autodesignação dos povos originários do continente como contraponto a América. Muito embora os diferentes povos originários que habitam o continente atribuíssem nomes próprios às regiões que ocupavam – Tawantinsuyu, Anahuac, Pindorama – a expressão Abya Yala ~ 64 ~


A partir da invasão colonialista, de forma crescente, lhes foi tolhida a liberdade de comungar com suas crenças e cultura, através de uma violenta imposição dos interesses do paradigma explorador antropocêntrico. Em todo o continente, a fragmentação e o extermínio desmoralizaram e enfraqueceram os povos originários, transformando em minorias centenas de etnias nativas. Para o processo de desenvolvimento e expansão da sociedade moderna, euroanglocentrista, através principalmente da colonização, Renato Ortiz (1991, p. 267) explica, “a modernidade não conhece fronteiras ou nacionalidades”. Em seu livro, o autor Nelson Mello e Souza (1994) complementa afirmando: “Diferentes etnias, antes culturalmente afastadas entre si, unificam-se devido à uniformização de suas bases empíricas. Aproximam-se uns dos outros em formas de vida, motivação de lucro e de ascensão social” (SOUZA, 1994, p. 42). Este autor ainda afirma que se unificam também suas bases de vida, produção, consumo, motivações econômicas, perfil sociológico de classe. Esse processo unificador característico da modernidade e apropriado pelo capitalismo assegurou o andamento do projeto civilizatório ocidental, que ignora diferentes perspectivas, saberes e manifestações que formam o conjunto simbólico de determinada comunidade e marginaliza as diversas matrizes culturais pré-coloniais atuando como instrumento do que Samuel Huntington (1997) concebe como “choque de

civilizações”.

No

continente

latino-americano,

a

violenta

dominação

foi

magistralmente descrita por Eduardo Galeano (2008) em seu livro “As veias abertas da América Latina”. A crítica à colonização de Abya Yala e o modo de vida instaurado no continente recebe importante aporte com o surgimento do coletivo Modernidad/Colonidad, formado por ativos pensadores, que elabora o conceito sobre “decolonização” que se baseia na compreensão de que a modernidade enquanto paradigma e portadora de características instrínsecas a seu modelo seguirá colonizando os países já descolonizados – lê-se independentes –, por trazer com ela seus valores universalizantes e o modo de produção capitalista. “Sabe que o discurso da emancipação colou-se a práticas seculares de violenta dominação sobre os povos colonizados de maneira que a colonialidade – algo mais que a colonização política –

vem sendo cada vez mais usada pelos povos originários do continente objetivando construir um sentimento de unidade e pertencimento.” Disponível em: http://www.iela.ufsc.br/povosorigin%C3%A1rios/abya-yala. Acesso em : 14 set 2017. ~ 65 ~


não é ainda uma história passadista” (MIGLIEVICH-RIBEIRO, 2014, p.68)12. Quanto a relação do paradigma moderno com esse modelo de produção acima citado e sua relação dialética, Krishan Kumar (1997) explica, “Se a Revolução Francesa deu à modernidade sua forma e consciência características – uma revolução baseada na razão –, a Revolução Industrial forneceu-lhe a substância material” (KUMAR, 1997, p. 93). Desse paradigma orientou-se toda a forma de organização mundial, econômica, política, ambiental, social, cultural, dentre outras, que fundamenta a dominação do homem sobre a natureza e o coloca como centro da vida no planeta terra. Nessa posição, os seres humanos se apropriaram descontroladamente de todo o tipo de vida existente do globo terreste, impactando de forma nociva o meio ambiente. A promessa da dominação da natureza, e do seu uso para o benefício comum da humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio, e à emergência da biotecnologia, da engenharia genética e da conseqüente conversão do corpo humano em mercadoria última. A promessa de uma paz perpétua, baseada no comércio, na racionalização científica dos processos de decisão e das instituições, levou ao desenvolvimento tecnológico da guerra e ao aumento sem precedentes de seu poder destrutivo. (SANTOS, 2001, p.56).

Vive-se um cenário de emergência global, no qual a mudança paradigmática desponta como o fim último que diminuirá os riscos do extermínio da vida humana na terra. Vem desde essa consciência histórica de usurpação, apropriação e exploração, mas também da resistência e da determinação, a motivação que fortaleceu os discursos fragmentados dos povos originários, somando-se às vozes e esforços que logram reestabelecer a sacralidade da Mãe-Terra - Pachamama, e o respeito por seus ciclos, fonte geradora de toda a Vida. São exemplos práticos do fortalecimento de um novo paradigma que reconhece a importância da Natureza os processos realizados no Equador em 2008, que reconheceu os direitos de Pachamama ou Mãe-Terra e na Bolívia em 2012, onde houve a proclamação da Lei dos Direitos da Mãe-Terra. Ambos promulgaram novas constituições e criaram os Estados Plurinacionais - Equador em 2008 e Bolívia em 2009 -, que adotam medidas ousadas e de vanguarda. Para implementar

12

Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/16181/10959. Acesso: 15 set 2017. ~ 66 ~


essas novas medidas, se requer inevitavelmente ressignificar valores que recuperarem a compreensão do biocentrismo, perpassa também por um retorno à própria terra, através do contato direto, do resgate da sabedoria ancestral - quilombola, indígena, campesina -, da vida comunal diária desses povos, que mantém um convívio harmônico com seu entorno e entre os seres em reciprocidade. Essa forma de se relacionar com o meio também pode ser interpretada como Buen Vivir, Sumak Kawsay (quéchua equatoriano) ou Suma Qamaña (aimará boliviano) expressões que se difundiram rapidamente ocupando importante destaque nas novas constituições dos países acima citados, revelando a força dos povos tradicionais. Nessa concepção espera-se consumar com as noções e teorias de progresso e desenvolvimento que sustentam o crescimento exponencial de bens e serviços diante da exploração ilimitada dos recursos naturais e humanos exitentes do qual se vale o pensamento euroanglocentrista, baseada na narrativa da modernidade e do capitalismo. Os dois países latino-americanos marcam o giro não antropocêntrico no âmbito do Direito, constitucionalizando a proposta do Bem Viver, em Harmonia com a Natureza e abrem precedentes para que se desencadeie em todo o mundo uma mobilização em defesa dos direitos de Pachamama. Como exemplos práticos desse novo momento de articulação das culturas originárias marginalizadas e de suas sabedorias ancestrais que compreendem a interdependência da Vida, em que o bemestar do rio está diretamente relacionada com o bem-estar das pessoas, além do Rio Vilcabamba, no Equador, em março de 2011 e Rio Atrato, na Colombia, em novembro de 2016, na Nova Zelândia, os Maori, povo nativo dessa região, lutavam há 140 anos para que o rio Whanganui tivesse seu direitos à Vida reconhecidos13, processo que foi legalmente consumado em março de 2017. Na Índia, após uma série de mobilizações sociais os tribunais do país discutem a temática do reconhecimento dos rios Ganges e Yamuna como seres de direito. O México adotou uma declaração dos direitos dos rios, aprovada pela sociedade. O caso mais recente de requerimento dos direitos dos rios e da Vida em forma de Natureza está a cargo da Bacia do Rio Doce, em Minas Gerais no Brasil, que entrou na justiça, no dia 5 de novembro, dia em que completou dois anos do maior crime ambiental do país, que matou o Rio Doce e 19 pessoas, afetando diretamente a vida de 300 famílias que foram desalojadas e todo o ecossistema ali presente, que se relaciona com toda a Natureza em sua extensão, partindo da compreensão de que o planeta é um único ser vivo em suas váriadas formas de expressão e quando uma 13

Disponível em https://www.publico.pt/2017/03/15/mundo/noticia/whanganui-o-rioneozelandes-com-os-mesmos-direitos-dos-seres-humanos-1765372. Acesso 19 de dezembro de 2017. ~ 67 ~


parte do organismo esta contaminado, sofrendo, todo o Ser padecerá da dor. A ação é inédita e conta com o apoio de muitos movimentos sociais, sobretudo o Movimento dos Atingidos por Barragens, o Movimento Nación Pachamama e a Rede para o Constitucionalismo

Latino-americano

que

apoiaram

com

diversas

ações

de

sensibilização social em todo o Brasil sobre a temática e importância dos rios, como a mobilização nacional da Pororoca da Nação das Águas14, e redigiram o documento para que o rio pudesse se expressar também por vias legais, pedindo para ser reconhecido como sujeito de direito. Em trechos da ação ajuizada na Justiça de Belo Horizonte, o rio expressa que: O povo Krenak, que vive em minhas margens, diz que sou Uatu, entidade viva, respeitado e querido avô. Não sou recurso natural, uma mercadoria que pode ser comprada e descartada. Sou parente dos Krenak que me respeita. Não sou um simples meio de produção de riqueza econômica. Não existo apenas para servir aos interesses industriais e comerciais. Como entidade viva, tenho o direito à existência livre da servidão econômica que transforma tudo em objeto, em coisas sem dignidade. Sou digno de RESPEITO. Afinal, sou ecossistema (relações de vida), sou oceano (ciclo da água), sou biodiversidade (processos ecológicos), sou inspiração artística (poesias, crônicas, romances e canções) e sou ancestralidade (origem de povos). Sendo tudo isto, sou sujeito de direitos? O Novo Constitucionalismo Latino-americano, que reconhece os direitos da 15 natureza, diz que sim.

O pranto e a súplica do Rio Doce que amarga as dores da contaminação de suas águas e da destruição de sua Vida pela lama de minérios e toda a Vida em sua extensão vem sendo ouvida cada vez com mais intensidade e juntamente aos esforços sociais, de articulação e mobilização dos povos tradicionais e ribeirinhos, acadêmicos de todo o mundo trazem a problemática da Natureza, dialogando e propondo alternativas aos processos de aplicações legais nos meios de influências hierárquicas de poder. Em 2011, em 14

A 1ª Pororoca da Nação das Águas foi uma mobilização conjunta com diversos coletivos, juristas, tribos indígenas, ribeirinhos e a sociedade como um todo com o objetivo de sensibilizar a sociedade para a emergência de uma grave crise hídrica que já é uma realidade em todo o país. Por meio da arte, e de diversas expressões culturais, é possível relembrar o vínculo indissolúvel entre a vida humana e a vida dos rios. Nas ações simultâneas em todo o território nacional, haverá um evento ao estilo de cada localidade, com o intuito de apresentar dados sobre a situação dos rios locais e dos rios escolhidos como símbolos da violência contra a Mãe Natureza: Rio Doce, Rio Amazonas, Rio Camaquã, Rio São Francisco e Rio dos Sinos; além disso, os diversos coletivos locais, juntamente com a Nação Pachamama, celebrarão a existência desses seres, que são a seiva da vida, e darão um pontapé em ações que contribuam para o restabelecimento do equilíbrio destes seres feitos não apenas de água, mas também de florestas, animais, sociedades humanas e cultura. 15 Ação do Rio Doce na íntegra disponível https://docs.wixstatic.com/ugd/da3e7c_8a0e636930d54e848e208a395d6e917c.pdf. Acesso em 19 de dezembro de 2017. ~ 68 ~


decorrência do acolhimento da proposta feita pelo governo boliviano à Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em declarar o dia 22 de abril como o “Dia Internacional da Mãe Terra”, foi criado o painel de diálogos interativos – Harmony with Nature – que busca um enfoque holístico para lidar com o desafio da crise global que envolve a Natureza, articulando em oito áreas de estudos, Direito centrado na Terra, Economia Ecológica, Educação, Ciências Holísticas, Humanidades, Filosofia e Ética, Espiritualidade e Religião, Artes, Media, Design e Arquitetura. Essa Iniciativa da ONU surge da compreensão de que o esgotamento dos recursos naturais e a rápida degradação ambiental é resultado de uma cultura consumista e de insustentáveis padrões de produção que conduziram à consequências adversas tanto à Terra quando a saúde e bem estar geral da humanidade16. Em 1972 essa organização internacional elaborou sua primeira Conferência sobre Meio Ambiente em Estocolmo, e desde então, foi criado uma rede de especialistas multidiciplinares mundiais que se dedicam e seguem resistindo há 45 anos às tentativas do sistema capitalista em apropriar-se de mais uma iniciativa em tornar as temáticas da Natureza verdadeiramente sustentáveis, como foi o caso mais recente da economia verde, na Conferência Rio+20. Esse Painel de Diálogos difere dos anteriores, por ter surgido em decorrência de uma solicitação de um país terceiromundista latino-americano e principalmente ter sido lançado sob a influência desse Novo Constitucionalismo ecocêntrico, de Bolívia e Equador, que expressa a consciência da complementariedade presente nos povos indígenas e ancestrais, que contempla os direitos da Natureza, de Pachamama, e o Princípio da Harmonia com a Natureza, que indubitavelmente recai na lógica do decrescimento econômico e na ruptura com a crença do progresso linear, pilaremos do paradigma atual. Assim, os esforços locais, regionais em mundiais em despertar para uma Consciência em que a Vida volte a assumir seu lugar, caminha como em uma Piracema17, em que atentos e integrados à Natureza, peixes pequenos 16

Disponível em http://www.harmonywithnatureun.org/index.html. Acesso:19 de dezembro de 2017. 17 Piracema “É o movimento dos cardumes de peixe que nadam rio acima, contra a correnteza, para realizar a desova no período de reprodução. A palavra vem do tupi e significa algo como “saída de peixes”, como os índios descreviam esse fenômeno que ocorre com milhares de ~ 69 ~


resistem às forças da correnteza, subindo rio acima, para desovar e dar vida à nova existência. Existem diversas ações apresentadas junto ao Judiciário brasileiro, visando a compensação, reparação e indenização de vítimas e ecossistemas após o Crime de Samarco18, ou seja, do despejo do mar de lama de Ferro na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, pelo rompimento da barragem de Fundão. Após 2 anos do ocorrido, não existiram grandes mudanças na situação. Como um princípio do Direito Ambiental brasileiro, exige-se que ocorra uma reparação integral do dano ocorrido, seja ele material e imaterial (isso inclui os modos e projetos de vida perdidos, os ciclos ecológicos da bacia e etc.), de acordo com as previsões dos arts. 14, §1°, da Lei 6.938/81 e 225, §3°, da CF/88. Em face dessa situação e, sob a inspiração do direito internacional, principalmente pelos exemplos de alguns países vizinhos na América Latina, como Equador, Bolívia e Colômbia, assim como de um braço de Diálogos existente nas Nações Unidas (no programa: Harmony with Nature19), foi protocolada na Justiça Federal, seção judiciária de Minas Gerais, a primeira ação judicial brasileira onde se requer o reconhecimento de um Rio como sujeito de direitos, nesse caso, a Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Superando as bases do direito antropocêntrico, forjado pelo homem e para o homem, nasce desde o seio sul americano, a visão onde a Vida é reconhecida e ganha voz junto as instâncias de poder. Após a promulgação da nova Constituição equatoriana, onde se apresenta o nome Pachamama (Mãe Terra), na sua redação (como na lei dos Direitos da Mãe Terra, na Bolívia)20, foi reconhecida pela Corte Constitucional do Equador, numa decisão histórica para o planeta, que o Rio Vilcabamba21 é um Sujeito de Direitos.

espécies no mundo inteiro.” Disponível em https://mundoestranho.abril.com.br/ambiente/o-quee-a-piracema/. Acesso 19 de dezembro de 2017. 18 https://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/processos-contramineradora-samarco-apos-desastre-de-mariana.ghtml acesso em 23 dez 2017 19 http://www.harmonywithnatureun.org/ acesso 25 dez 2017 20 MORAES, Germana de Oliveira. Pelos Direitos de Pachamama e pelo Bem Viver: Um Novo Modelo Socioambiental, Ecocêntrico, Comunitário e Solidário. In FILHO, Carlos Frederico Marés de Souza, FERREIRA, Heline Sivini e NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente (orgs.). Direito Socioambiental: Uma Questão para América Latina. Curitiba: Letra da Lei, 2014. 21 https://therightsofnature.org/celebran-el-primer-caso-exitoso-de-exigibilidad-de-los-derechosde-la-naturaleza-en-ecuador/ acesso 25 dez 2017 ~ 70 ~


Da mesma forma, numa situação mais próxima a legislação brasileira, a justiça colombiana (ano 2017), baseada nessa nova visão do direito e amparada a diversos tratados internacionais, reconheceu o Rio Atrato, também vítima da mineração, como Sujeito de Direitos. Isso significa que o Rio possui a legitimidade e o direito de ser respeitado, cuidado e preservado. Não para suprir as necessidades humanas, senão porque, por si próprio, tem o direito a Vida, é um sujeito biocultural 22 (uniu a diversidade biológica e a cultural, ou seja, natureza e homem, rio, matas, animais, peixes, ribeirinhos e povos indígenas, como uma única entidade, um único ser de direitos). Sob essa inspiração, a Bacia do Rio Doce, no ato representada pela Associação Pachamama, provocou o judiciário brasileiro a fim de mover o estudo, o diálogo e motivar uma decisão que pode ampliar a visão sobre o impacto do Homem na emergência global, pressionar o Estado na reparação integral do dano ocorrido com o desastre e, também oferecer respostas palpáveis para a crise socioambiental no país. O Direito Processual Civil brasileiro reconhece, além da Pessoa Física ou Jurídica, outros sujeitos de direitos como o espólio, a massa falida, a herança jacente ou vacante, ou seja, todos podem defender os seus direitos perante o Judiciário (CPC, art. 75, V, VI, VII e IX). A ação judicial comentada traz este questionamento: por que não a própria Natureza, provedora da Vida, ser assim reconhecida? Isso pode ser chamado de Consciência Pachamama, Bem Viver, Sumak Kausay, Harmonia com a Natureza e etc., já que nos mostra que somos parte de uma unidade muito maior, chamada Planeta Terra. Não estamos a parte disso, muito menos o nosso Direito. Manter uma visão distante é justificar os desastres que estão ocorrendo, a exemplo do crime na Bacia do Rio Doce. Esta ação judicial é um dos mecanismos para nos provocar a escutar Pachamama e a não deixar que o desastre em Mariana seja por nós esquecido.

22

http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2016/T-622-16.htm acesso 27 dez 2017 ~ 71 ~


EXCELENTÍSSIMO JUIZ FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS – BELO HORIZONTE/MG

A ÚLTIMA GOTA Nasci no fundo do tempo Tudo que palpita vida... Nasceu de mim... Compadeço da alegria excessiva Até a tristeza profunda Sou tênue como A gota do orvalho Também sou muito forte Como o jorro da cachoeira Participo em tudo que se movimenta Do sangue até as nuvens Por isso faço nas veias da terra Minha principal manifestação, os rios. Onde buscam em mim Energia, comida, bebida, lazer... E devolvem... Parte minha deteriorada e maltratada... Estou pensando... De onde sairá minha última gota... Espero que não seja dos seus olhos, Lamentando a minha morte! MILTON GUAPO Músico e Escritor

A

BACIA

HIDROGRÁFICA

DO

RIO

DOCE,

neste

ato

representada pela ASSOCIAÇÃO PACHAMAMA, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, CNPJ 08.080.387/0001-45, sediada na Ponte dos ~ 72 ~


Silveiras, Colônia Cascata, 5º Distrito de Pelotas/RS, por meio do advogado Lafayette Garcia Novaes Sobrinho, ajuíza ação em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público, e do ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica de direito público, para a instituição do CADASTRO NACIONAL DE MUNICÍPIOS SUSCETÍVEIS A DESASTRES e para a elaboração do PLANO DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, com a participação de representantes de instituições acadêmicas e dos povos ribeirinhos (indígenas ou não). “Nós somos água; e talvez a gente esteja perdendo tanto da nossa integridade como humanos, da nossa memória ancestral, a ponto de não mais nos reconhecermos como água, olhando para ela como uma coisa fora de nós.” AILTON KRENAK Líder Indígena e Artista Visual

1. QUEM SOU EU?

Sou uma bacia hidrográfica federal (86% em MG e 14% no ES), onde está o maior complexo siderúrgico da América Latina e várias mineradoras, e forneço água para 3,5 milhões de pessoas em 230 municípios (PIRH Doce Volume I). Sou interações mutuamente benéficas entre luz solar, ar, água, terra, animais e vegetais (PIRH Doce Volume I – pág. 46), ou seja, sou relações de vida, sou um ecossistema. Minha existência depende de processos ecológicos essenciais, como o ciclo da água. O Sol aquece as águas dos oceanos; a água evaporada forma nuvens; as nuvens formam chuvas; a água das chuvas infiltra-se na terra; a água infiltrada brota como nascentes; as nascentes formam os riachos, que formam os rios; e os rios desaguam nos oceanos, que continuam sendo evaporados pela luz solar. Um ciclo sem fim que gera a vida no planeta. Os oceanos são nuvens, que são chuva, que são rios, que são oceanos. Todas as águas são UMA só água em eterno MOVIMENTO e TRANSFORMAÇÃO. Sou RIO e sou MAR. ~ 73 ~


Sou, também, a biodiversidade de animais e vegetais que vivem nas minhas águas e nas minhas margens. Sem as matas ciliares, que fixa o solo com suas raízes e faz sombra com suas copas, eu seria poluído, quente e assoreado, ou seja, sem animais em minhas águas. Sem as algas, que se alimentam de poluentes, minhas águas não seriam boas para beber, ou seja, não seriam fonte de saúde para animais e humanos. Assim como não posso ser separado do mar de onde venho, não posso ser separado da biodiversidade que me mantém limpo e gerador de vida. A biodiversidade purificadora das águas foi pesquisada pelo cientista Bradley Cardinale da Universidade de Michigan. Após criar miniaturas de 150 rios norte-americanos, ele comprovou que o aumento da diversidade de algas aumenta a velocidade de limpeza dos poluentes da água. Dou vida às algas e estas limpam os poluentes de minhas águas. Vivemos uma interação mutuamente benéfica. Sou uma coletividade viva e inteligente. O efeito da biodiversidade é surpreendente. A introdução de uma nova espécie num ecossistema pode alterar até os rios. Isto aconteceu em 1995, quando os lobos foram reintroduzidos no parque Yellowstone nos EUA. Eles mudaram o comportamento dos cervos e isto mudou a vegetação do parque. Os cervos deixaram de pastar nos vales e desfiladeiros, onde eram facilmente caçados pelos lobos, e isto regenerou a vegetação destes locais, que cresceu e se transformou em árvores. O aumento das árvores diminuiu a erosão e isto mudou o rio, que deixou de se desviar do seu leito e estreitou o seu canal, o que aumentou as piscinas naturais e as cachoeiras. Concluindo: lobos mudam rios. Sou inspiração artística de muitas pessoas. Entre tantas, cito o poeta Roberto Drummond (O cheiro de Deus), o poeta Carlos Drummond de Andrade (Lira itabirana), o poeta Frei Santa Rita Durão (Caramuru), o cronista Rubem Braga (Barra do Rio Doce e O lavrador), o escritor Ziraldo (O menino do Rio Doce) e o cantor Bete Guedes (Rio Doce). O povo Krenak, que vive em minhas margens, diz que sou Uatu, entidade viva, respeitado e querido avô. Não sou recurso natural, uma mercadoria que pode ser comprada e descartada. Sou parente dos Krenak que me respeita. Não sou um simples meio de produção de riqueza econômica. Não existo apenas para servir aos interesses industriais e comerciais. Como ~ 74 ~


entidade viva, tenho o direito à existência livre da servidão econômica que transforma tudo em objeto, em coisas sem dignidade. Sou digno de RESPEITO. Afinal, sou ecossistema (relações de vida), sou oceano (ciclo da água), sou biodiversidade (processos ecológicos), sou inspiração artística (poesias, crônicas, romances e canções) e sou ancestralidade (origem de povos). Sendo tudo isto, sou sujeito de direitos? O Novo Constitucionalismo Latinoamericano, que reconhece os direitos da natureza, diz que sim. Em 2008, a Constituição do Equador (art. 71) estabeleceu que tenho direito à existência, manutenção e regeneração de meus ciclos vitais (processos ecológicos essenciais), portanto, garantiu que sou sujeito de direitos. Direitos que podem ser defendidos por qualquer pessoa, comunidade ou povoado. Todos têm ampla legitimidade para defender os direitos da natureza, o que me garante mais proteção jurídica. Em 2009, a Constituição da Bolívia (art. 34) também me garantiu a mais ampla proteção jurídica, quando admitiu que qualquer pessoa individual ou coletiva pode defender os meus direitos perante o Judiciário. Essa ampla proteção jurídica também foi garantida pela Corte Constitucional da Colômbia, que, em 2016, considerou o Rio Atrato um sujeito de direito biocultural. Ela entendeu que a profunda unidade entre o rio e os povos ribeirinhos (indígenas ou não) exige que ambos sejam tratados como uma única entidade. Afinal de contas, as práticas sustentáveis das culturas ribeirinhas contribuem ativamente para a minha conservação. Daí a indiscutível interdependência entre a diversidade biológica (rio) e a diversidade cultural (comunidades), que me confere o status de sujeito de direito biocultural, ou seja, o status de pessoa jurídica ecossistêmica. A perspectiva biocultural da Corte colombiana fundamentou-se no Direito Ambiental e Cultural Internacional: Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais (1989), Convenção da ONU sobre a Diversidade Biológica (1992), Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), Declaração da OEA sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2016) e Convenção da UNESCO sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Imaterial (2003). Além dessas normas internacionais, a Corte também se fundamentou nas normas constitucionais colombianas sobre direitos humanos, culturais e ~ 75 ~


ambientais, para justificar a proteção integrada da diversidade biocultural. Fundamentou-se, por fim, nas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (casos: Comunidad Yakye Axa, 2005; Comunidad Sawhoyamaxa, 2006; e Comunidad Xákmok Kásek, 2010), que vincularam o direito à água com o direito à vida. Decidiu que a contaminação do Rio Atrato por empresas de mineração violava os direitos à água, segurança alimentar, sobrevivência física, cultural e espiritual das comunidades das ribeirinhas. Com base nessas normas e jurisprudências (internacionais e nacionais), a Corte colombiana declarou a personalidade jurídica da bacia hidrográfica (rio e afluentes) do Rio Atrato e determinou a sua proteção por uma Comissão de Guardiães, com representantes das comunidades e do Estado, assessorada por um painel de especialistas. O Poder Público colombiano foi condenado a elaborar e executar, com a participação das comunidades ribeirinhas, planos de: (a) descontaminação da bacia hidrográfica e de recuperação dos seus ecossistemas; (b) neutralização e erradicação da mineração ilegal; e (c) recuperação das formas tradicionais de subsistência e alimentação. Determinou-se, ainda, que se realizassem estudos toxicológico e epidemiológico da bacia hidrográfica, bem como relatórios semestrais com indicadores do cumprimento da decisão: V. DECISIÓN En mérito de lo expuesto, la Sala Sexta de Revisión de la Corte Constitucional, administrando justicia en nombre del pueblo y por mandato de la Constitución, RESUELVE: PRIMERO.- LEVANTAR la suspensión de términos decretada para decidir el presente asunto. SEGUNDO.- REVOCAR el fallo proferido el veintiuno (21) de abril de 2015 por el Consejo de Estado -Sección Segunda, Subsección A-, que negó el amparo en la acción de tutela instaurada por el Centro de Estudios para la Justicia Social “Tierra Digna” en representación de varias comunidades étnicas contra el Ministerio de Ambiente y otros, que a su vez confirmó la decisión del once (11) de febrero de 2015 del Tribunal Administrativo de Cundinamarca -Sección Cuarta, Subsección B-. En su lugar, CONCEDER a los actores el amparo de sus derechos fundamentales a la vida, a la salud, al agua, a la seguridad alimentaria, al medio ambiente sano, a la cultura y al territorio. TERCERO.- DECLARAR la existencia de una grave vulneración de los derechos fundamentales a la vida, a la salud, al agua, a la seguridad alimentaria, al medio ambiente sano, a la cultura y al territorio de las comunidades étnicas que habitan la cuenca del río Atrato y sus afluentes, imputable a las entidades del Estado colombiano accionadas (Presidencia de la República, Ministerio de ~ 76 ~


Interior, Ministerio de Ambiente y Desarrollo Sostenible, Ministerio de Minas y Energía, Ministerio de Defensa Nacional, Ministerio de Salud y Protección Social, Ministerio de Agricultura, Departamento para la Prosperidad Social, Departamento Nacional de Planeación, Agencia Nacional de Minería, Agencia Nacional de Licencias Ambientales, Instituto Nacional de Salud, Departamentos de Chocó y Antioquia, Corporación Autónoma Regional para el Desarrollo Sostenible del Chocó -Codechocó-, Corporación para el Desarrollo Sostenible del Urabá Corpourabá-, Policía Nacional – Unidad contra la Minería Ilegal, y los municipios de Acandí, Bojayá, Lloró, Medio Atrato, Riosucio, Quibdó, Río Quito, Unguía, Carmen del Darién, Bagadó, Carmen de Atrato y Yuto Chocó-, y Murindó, Vigía del Fuerte y Turbo -Antioquia-), por su conducta omisiva al no proveer una respuesta institucional idónea, articulada, coordinada y efectiva para enfrentar los múltiples problemas históricos, socioculturales, ambientales y humanitarios que aquejan a la región y que en los últimos años se han visto agravados por la realización de actividades intensivas de minería ilegal. CUARTO.- RECONOCER al río Atrato, su cuenca y afluentes como una entidad sujeto de derechos a la protección, conservación, mantenimiento y restauración a cargo del Estado y las comunidades étnicas, conforme a lo señalado en la parte motiva de este proveído en los fundamentos 9.27 a 9.32. En consecuencia, la Corte ordenará al Gobierno nacional que ejerza la tutoría y representación legal de los derechos del río (a través de la institución que el Presidente de la República designe, que bien podría ser el Ministerio de Ambiente) en conjunto con las comunidades étnicas que habitan en la cuenca del río Atrato en Chocó; de esta forma, el río Atrato y su cuenca -en adelante- estarán representados por un miembro de las comunidades accionantes y un delegado del Gobierno colombiano, quienes serán los guardianes del río. Con este propósito, el Gobierno, en cabeza del Presidente de la República, deberá realizar la designación de su representante dentro del mes siguiente a la notificación de esta sentencia. En ese mismo período de tiempo las comunidades accionantes deberán escoger a su representante. Adicionalmente y con el propósito de asegurar la protección, recuperación y debida conservación del río, los representantes legales del mismo deberán diseñar y conformar, dentro de los tres (3) meses siguientes a la notificación de esta providencia una comisión de guardianes del río Atrato, integrada por los dos guardianes designados y un equipo asesor al que deberá invitarse al Instituto Humboldt y WWF Colombia, quienes han desarrollado el proyecto de [343] protección del río Bita en Vichada y por tanto, cuentan con la experiencia necesaria para orientar las acciones a tomar. Dicho equipo asesor podrá estar conformado y recibir acompañamiento de todas las entidades públicas y privadas, universidades (regionales y nacionales), centros académicos y de investigación en recursos naturales y organizaciones ambientales (nacionales e internacionales), comunitarias y de la sociedad civil que deseen vincularse al proyecto de protección del río Atrato y su cuenca. Sin perjuicio de lo anterior, el panel de expertos que se encargará de verificar el cumplimiento de las órdenes de la presente providencia (orden décima) también podrá supervisar, acompañar y asesorar las labores de los guardianes del río Atrato. QUINTO.- ORDENAR al Ministerio de Ambiente, al Ministerio de Hacienda, al Ministerio de Defensa, a Codechocó y Corpourabá, a las Gobernaciones de Chocó y Antioquia, y a los municipios [344] demandados -con el apoyo del Instituto Humboldt, las Universidades de Antioquia y Cartagena, el Instituto de ~ 77 ~


Investigaciones Ambientales del Pacífico, WWF Colombia y las demás organizaciones nacionales e internacionales que determine la Procuraduría General de la Nación- y en conjunto con las comunidades étnicas accionantes, que dentro del año siguiente a la notificación de la sentencia, se diseñe y ponga en marcha un plan para descontaminar la cuenca del río Atrato y sus afluentes, los territorios ribereños, recuperar sus ecosistemas y evitar daños adicionales al ambiente en la región. Este plan incluirá medidas como: (i) el restablecimiento del cauce del río Atrato, (ii) la eliminación de los bancos de área formados por las actividades mineras y (iii) la reforestación de zonas afectadas por minería legal e ilegal. Adicionalmente, este plan incluirá una serie de indicadores claros que permitan medir su eficacia y deberá diseñarse y ejecutarse de manera concertada con los pobladores de la zona, así como garantizar la participación de las comunidades étnicas que allí se asientan en el marco del Convenio 169 de la OIT. SEXTO.- ORDENAR al Ministerio de Defensa, a la Policía Nacional Unidad contra la Minería Ilegal, al Ejército Nacional de Colombia, a la Fiscalía General de la Nación, a las gobernaciones de Chocó y [345] Antioquia y a los municipios demandados , en conjunto con las comunidades étnicas accionantes y con el acompañamiento del Ministerio de Relaciones Exteriores, que diseñen e implementen dentro de los seis (6) meses siguientes a la notificación de esta providencia, un plan de acción conjunto para neutralizar y erradicar definitivamente las actividades de minería ilegal que se realicen no solo en el río Atrato y sus afluentes, sino también en el departamento de Chocó. En este sentido, la Corte reitera que es obligación del Estado colombiano judicializar y erradicar definitivamente toda actividad minera ilegal que se realice en el país. Las acciones antes referidas deberán incluir la incautación y neutralización de las dragas -y en general de la maquinaria utilizada en estas labores-, la restricción y prohibición del tránsito de insumos como combustible y sustancias químicas asociadas (mercurio, cianuro) y la judicialización de las personas y organizaciones responsables. Asimismo, este proceso estará acompañado por el Ministerio de Relaciones Exteriores en lo que tenga que ver con la situación de extranjeros que realicen actividades de minería ilegal. Por último, estas medidas deberán incluir indicadores claros y precisos que permitan realizar una evaluación y seguimiento eficaz a las medidas adoptadas. SÉPTIMO.- ORDENAR al Ministerio de Agricultura, al Ministerio de Interior, al Ministerio de Hacienda, al Departamento de Planeación Nacional, al Departamento para la Prosperidad Social, a las Gobernaciones de Chocó y Antioquia y a los municipios [346] accionados que de manera concertada con las comunidades étnicas accionantes, diseñen e implementen dentro de los seis (6) meses siguientes a la notificación de esta providencia un plan de [347] acción integral que permita recuperar las formas tradicionales de subsistencia y alimentación en el marco del concepto de etnodesarrollo que aseguren mínimos de seguridad alimentaria en la zona, que han dejado de realizarse por la contaminación de las aguas del río Atrato y por el desarrollo intensivo de la actividad minera ilegal. Este plan también deberá estar dirigido a restablecer los derechos de las comunidades étnicas que habitan la cuenca del río Atrato, especialmente en lo que tiene que ver con la recuperación de su cultura, participación, territorio, identidad, modo de vida y actividades productivas, incluida la pesca, la caza, la agricultura, la recolección de frutos y la minería artesanal. En este sentido, las medidas que se tomen deberán ir enfocadas a garantizar: (i) la soberanía alimentaria ~ 78 ~


de las comunidades y (ii) prevenir su desplazamiento involuntario de la zona por actividades mineras ilegales y daños ambientales. Estas medidas deberán incluir indicadores claros y precisos que permitan realizar una evaluación y seguimiento eficaz a las medidas adoptadas. OCTAVO.- ORDENAR al Ministerio de Ambiente, al Ministerio de Salud y al Instituto Nacional de Salud, a Codechocó y a Corpourabá con el apoyo y la supervisión del Instituto Humboldt, las Universidades de Antioquia y Cartagena, el Instituto de Investigaciones Ambientales del Pacífico y WWF Colombia- que realicen estudios toxicológicos y epidemiológicos del río Atrato, sus afluentes y comunidades, los cuales no puede tardar más de tres (3) meses en dar inicio ni exceder de nueve (9) meses para su culminación, a partir de la notificación de la presente providencia, en los que se determine el grado de contaminación por mercurio y otras sustancias tóxicas, y la afectación en la salud humana de las poblaciones, consecuencia de las actividades de minería que usan estas sustancias. Adicionalmente, estas entidades deberán estructurar una línea base de indicadores ambientales con el fin de contar con un instrumento de medida que permita afirmar la mejora o desmejora de las condiciones de la cuenca del río Atrato en el futuro. NOVENO.- ORDENAR a la Procuraduría General de la Nación, a la Defensoría del Pueblo y a la Contraloría General de la República que conforme a sus competencias legales y constitucionales realicen un proceso de acompañamiento y seguimiento al cumplimiento y ejecución de todas las órdenes pronunciadas en los numerales anteriores, en el corto, mediano y largo plazo, a partir de la notificación de la presente sentencia. Dicho proceso será liderado y coordinado por la Procuraduría General de la Nación quien rendirá informes y estará bajo la supervisión general del Tribunal Administrativo de Cundinamarca (juez de primera instancia en el trámite de tutela) y la Corte Constitucional, quien en todo caso, se reserva la competencia para verificar el cumplimiento de las órdenes proferidas en esta providencia. Para este efecto, la Procuraduría General de la Nación tendrá que convocar dentro de los tres (3) meses siguientes a la notificación de [348] esta sentencia un panel de expertos que asesore el proceso de seguimiento y ejecución -de acuerdo con su experiencia en los temas específicos-, siempre con la participación de las comunidades accionantes, con el objeto de establecer cronogramas, metas e indicadores de cumplimiento necesarios para la efectiva implementación de las órdenes aquí proferidas, conforme a lo estipulado en el fundamento 10.2 numeral 8. Adicionalmente, la Procuraduría General de la Nación, en conjunto con la Defensoría del Pueblo y la Contraloría General de la República, deberá entregar reportes semestrales de su gestión con indicadores de cumplimiento de las órdenes proferidas, tanto al Tribunal Administrativo de Cundinamarca como a la Corte Constitucional para lo de su competencia. DÉCIMO.- EXHORTAR al Gobierno nacional, en cabeza del Presidente de la República, para que dé efectivo cumplimiento a las recomendaciones contenidas en la resolución 64 de 2014 y proceda a conformar en un período no superior a un (1) mes a partir de la notificación de esta providencia, la “Comisión Interinstitucional para el Chocó” que es la instancia diseñada por la resolución en comento, cuyo propósito es lograr una verificación y seguimiento a la ejecución de las recomendaciones allí contenidas para atender y dar solución a la grave crisis humanitaria, social y ambiental que enfrenta el departamento de Chocó. ~ 79 ~


DÉCIMO PRIMERO.- El Gobierno nacional, a través del Presidente de la República, el Ministerio de Hacienda y el Departamento Nacional de Planeación deberá ADOPTAR las medidas adecuadas y necesarias para asegurar los recursos suficientes y oportunos, que permitan la sostenibilidad y progresividad de todas las medidas a implementar para dar cumplimiento a lo ordenado en esta sentencia. Para tal efecto, deberán preverse anualmente las partidas presupuestales del caso, con arreglo a la alta complejidad y el carácter estructural de las medidas ordenadas. DÉCIMO SEGUNDO.- OTORGAR efectos inter comunis a la presente decisión para aquellas comunidades étnicas del Chocó que se encuentren en igual situación fáctica y jurídica que las accionantes. DÉCIMO TERCERO.- LÍBRESE por Secretaría General la comunicación prevista en el artículo 36 del Decreto 2591 de 1991. Notifíquese, comuníquese, publíquese y cúmplase. JORGE IVÁN PALACIO PALACIO Magistrado

Essa decisão é revolucionária, pois, reconheceu um rio e as suas comunidades ribeirinhas como uma única entidade. Ela rompeu com a falsa separação entre natureza e cultura e reconheceu a existência de um sujeito de direito biocultural. Reconheceu a união entre a diversidade biológica e a diversidade cultural, ou seja, que só existe conservação ambiental se existirem usos, costumes e tradições sustentáveis, ou seja, se existirem práticas culturais em harmonia com a natureza. Em suma, reconheceu uma realidade há muitas décadas negada: o ambiental é cultural (bioculturalidade). Essa interpretação do direito constitucional ambiental colombiano pode ser aplicada ao direito constitucional ambiental brasileiro? Em outros termos, posso, na qualidade de bacia hidrográfica, ser declarada sujeito de direito biocultural? O Brasil ratificou as mesmas normas internacionais ratificadas pela Colômbia: Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais (1989), Convenção da ONU sobre a Diversidade Biológica (1992), Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), Declaração da OEA sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2016) e Convenção da UNESCO sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Imaterial (2003). Assim, as comunidades ribeirinhas brasileiras têm os mesmos direitos culturais que foram garantidos às comunidades do rio Atrato. A Convenção 169 da OIT (art. 13) obriga o Estado a respeitar a importância espiritual que a terra tem para os povos indígenas e tribais. Assim, a cosmovisão do Povo Krenak, que me reconhece como um ancestral (avô), ~ 80 ~


deve ser respeitada pelo Estado brasileiro. Tenho o direito de não ser tratado como um objeto, pois, isto viola a dignidade do Povo Krenak, já que esta comunidade e eu somos uma única entidade biocultural. Não me reconhecer como um sujeito de direito equivale a negar a cultura Krenak, o que é proibido pela Convenção 169. A Convenção da ONU sobre a Diversidade Biológica (art. 8º, j) obriga o Estado a respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas sustentáveis das comunidades tradicionais (indígenas ou não). O Estado também é obrigado a incentivar a mais ampla aplicação destas culturas sustentáveis, com a aprovação e a participação das comunidades, e encorajar a

repartição

equitativa

dos

benefícios

oriundos

da

utilização

desse

conhecimento, inovações e práticas. Assim, as comunidades ribeirinhas, que convivem em harmonia comigo, tem o direito de manter o seu conhecimento e práticas sustentáveis, pois, somos uma única entidade biocultural. Se minha biodiversidade desaparecer, o conhecimento dessas comunidades se perde. Se o conhecimento delas se perder, minha biodiversidade corre o risco de desaparecer. A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (art. 25) e a Declaração da OEA sobre os Direitos dos Povos Indígenas (art. 25) obrigam o Estado a não enfraquecer a relação espiritual dos indígenas com as águas. Deste modo, tenho o direito de ser tratado como entidade, avô, espírito, ou seja, de ser sujeito, não objeto. Tenho o direito de viver uma relação espiritual com os povos indígenas. A Convenção da UNESCO sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Imaterial (art. 14, c e 15) obriga o Estado a proteger os espaços naturais e lugares de memória, cuja existência é indispensável para expressão do patrimônio cultural imaterial de um povo, com a participação mais ampla possível das comunidades que criam, mantêm e transmitem este patrimônio. Assim, como espaço natural de expressão da cultura das comunidades ribeirinhas, tenho o direito à proteção com a ampla participação destas comunidades. Além de sujeito às mesmas normas internacionais mencionadas pela Corte Constitucional da Colômbia, o Brasil também se rege pelos mesmos direitos constitucionais invocados para proteger o rio Atrato. ~ 81 ~


A Constituição do Brasil instituiu um Estado Democrático de Direito para assegurar o bem-estar como valor supremo de uma sociedade pluralista (Preâmbulo), que buscará a integração cultural dos povos da América Latina (art. 4º, parágrafo único). O Estado brasileiro deve proteger: a vida (art. 5º, caput); os modos ancestrais de criar, fazer e viver (art. 215, § 1º e 216, II); os espaços de manifestações culturais ancestrais (art. 216, IV), os processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I); a biodiversidade (art. 225, § 1º, II); e os recursos ambientais necessários à reprodução física e cultural dos povos ancestrais, segundo os seus usos, costumes e tradições (art. 231, § 1º). O direito ao pluralismo cultural exige que o Estado respeite a diversidade cultural, portanto, os povos ribeirinhos têm o direito de serem diferentes, ou seja, o direito de manter uma relação espiritual comigo. O direito à integração cultural com outros povos latino-americanos exige que o Estado garanta uma proteção ambiental tão ampla quanto a de outros Estados da América Latina. Nunca menos que as nações irmãs, para efetivamente colaborar para a criação de uma comunidade latino-americana de nações. Assim, a ampla legitimidade de defesa dos direitos da natureza assegurada pela Constituição do Equador e pela Constituição da Bolívia deve ser estendida às pessoas naturais e jurídicas do Brasil, para garantir o mesmo nível de proteção ambiental daqueles Estados. Sempre com vistas à integração cultural latinoamericana. Neste sentido, entendo que devo ser reconhecido como sujeito de direito, para receber, do Brasil, a mesma proteção que os meus irmãos rios estão recebendo do Equador e da Bolívia. Até porque somos o ciclo da água, ou seja, somos a mesma água do oceano, que se evaporou e se infiltrou nas entranhas da mesma América Latina, para depois brotar das nascentes cristalinas ou descer das cordilheiras nevadas dos Andes. O direito à vida deve ser interpretado amplamente para ser entendido também como o direito à existência da natureza ou ecossistema, que gera e sustenta a vida de todos os seres vivos. Direito à minha existência ecossistêmica, ou seja, à existência em comunhão com os povos ribeirinhos como sujeito biocultural de direito. O direito à cultura, aos espaços culturais e aos recursos ambientais culturais exige que o Estado respeite os locais de expressão dos modos de ~ 82 ~


criar, fazer e viver ancestrais. Assim, tenho o direito à proteção contra usos ou desastres que impossibilitem a continuidade da expressão cultural ribeirinha (indígena ou não). O direito aos processos ecológicos essenciais e à biodiversidade exigem que o Estado preserve o ciclo da água e as interações ecossistêmicas que garantem a continuidade do meu fluir limpo e sadio para o mar. Isso para que eu leve vida a todos os seres animais e vegetais que margeiam ou vivem em meu leito. Todos esses direitos constitucionais do Brasil, que também fundamentaram a decisão da Colômbia, amparam o meu reconhecimento como sujeito de direito biocultural. Apesar disto e de todas as convenções internacionais invocadas, o fato de não ser uma pessoa humana me impede de ser sujeito de direito? De modo algum! O direito brasileiro reconhece como sujeito de direito coletividades de bens e direitos, sem personalidade jurídica. Exemplos: o espólio, a massa falida, a herança jacente ou vacante e outros entes sem personalidade jurídica. Todos podem defender os seus direitos perante o Judiciário (CPC, art. 75, V, VI, VII e IX). Se coletividades de bens podem ser sujeitos de direito, um ecossistema gerador e mantenedor de vida, com muito mais razão, também pode ser sujeito de direito e se defender perante o Judiciário, por meio da atuação de qualquer pessoa (natural ou jurídica). Seria absurdo imaginarmos que bens materiais sem vida orgânica sejam juridicamente mais relevantes do que um ecossistema, que é composto pela interação entre seres vivos (humanos, animais e vegetais) e o bem material mais valioso para a vida no planeta: a água. Não bastasse isso, no dia 6 de junho deste ano, foi promulgada a Emenda nº 96, que incluiu o § 7º no art. 225 da Constituição e reconheceu os animais como sujeitos de direito ao bem-estar. Vejam bem! Não se estabeleceu a proibição de maus tratos, mas a garantia de bem-estar dos animais, que participam de práticas desportivas registradas como patrimônio cultural brasileiro. Isto tornou os animais sujeitos de direito. Esta mesma condição que deve ser estendida a mim, que sou um ecossistema fundamental para a vida ~ 83 ~


no planeta, composto de humanos (sujeitos de direito), animais (sujeitos de direito) e vegetais. Antes dessa constitucionalização, os animais já eram considerados sujeitos de direito pela Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005, art. 1º), que assegura a proteção à vida e à saúde dos animais e vegetais. Com isto, garantiu-se a seres vivos não humanos (animais e vegetais) a mesma proteção garantida pela Constituição aos seres vivos humanos. A invocação de direitos dos animais para proteção de não animais nos lembra um importante fato da história jurídico-política do Brasil, ocorrido com o advogado mineiro Heráclito Fontoura Sobral Pinto. Tido como o mais ferrenho Defensor dos Direitos Humanos da história da advocacia brasileira, Sobral Pinto, nascido em Barbacena (1893) na data de hoje (05/11), invocou a lei de proteção aos animais para pedir, ao Tribunal de Segurança Nacional, o fim da tortura do seu cliente, o alemão Harry Berger, pela polícia da Ditadura Vargas: Metido no socavão do lance inferior de uma das escadas da Polícia Especial, aí passa Harry Berger os dias e as noites, sem ar convenientemente renovado, sem luz direta do sol, e sem o menor espaço para se locomover. Nem cama, nem cadeira, nem banco. Apenas um colchão sobre o lagedo. De alfaias nenhuma notícia. Absolutamente segregado de todo e qualquer convívio humano, a ouvir, de momento a momento, as passadas dos soldados em trânsito pela escada, – sobre a sua cabeça – não pode usufruir nem os benefícios do repouso, nem os do silêncio. Nenhuma visita, nem de amigos, nem de parentes. Proibição de toda e qualquer leitura, quer de jornais, quer de livros. Ausência total de correspondência: se a ninguém escreve, ninguém, também, lhe escreve. E como poderia ele, ainda, escrever, se lhe sonegam tudo: papel, lápis e caneta. Assim, entram os dias e as noites, vencem-se semanas, sobrepõem-se os meses uns aos outros, e Harry Berger, num isolamento alucinante, se vê invariavelmente entregue ao seu só pensamento, na imobilidade trágica de sua agonia sem fim, e do seu abandono até hoje sem remédio, apesar dos clamores estridentes do seu defensor impotente. Tal é, Sr. Juiz, a prisão que destinaram para Harry Berger. Tal é, eminente Magistrado, o tratamento que lhe vem sendo dispensado. ~ 84 ~


Semelhante

desumanidade

precisa

de

cessar,

e

de

cessar

imediatamente, sob pena de deslustre para o prestígio deste Tribunal de Segurança, que, para bem cumprir a sua árdua tarefa necessita de pautar a sua ação pelas normas inflexíveis da serenidade e da justiça. Tanto mais obrigatoriamente inadiável se torna a intervenção urgentíssima de V. Exa., Sr. Juiz, quanto somos um povo que não tolera a crueldade, nem mesmo para com os irracionais, como o demonstra o decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, cujo artigo 1º dispõe: “Todos os animais existentes no país são tutelados do Estado”. Baseado nesta legislação um dos juízes de Curitiba, Estado do Paraná, Dr. Antônio Leopoldo dos Santos, condenou João Mansur Karan à pena de 17 dias de prisão celular, e à multa de 520$000, por ter morto a pancadas um cavalo de sua propriedade (doc. junto). Ora, num país que se rege por uma tal legislação, que os Magistrados timbram em aplicar, para, deste modo, resguardarem os próprios animais irracionais dos maus tratos até de seus donos, não é possível que Harry Berger permaneça, como até agora, meses e meses a fio, com a anuência do Tribunal de Segurança Nacional, dentro de um socavão de escada, privado de ar, de luz e de espaço, envolto, além do mais, em andrajos, que, pela sua imundície, os próprios mendigos recusariam a vestir. Ora, se o direito dos animais pôde justificar o pedido de reconhecimento de um preso político como sujeito de direitos humanos, em tempos sombrios de ditadura militar, também pode justificar o meu reconhecimento como sujeito de direito biocultural. Afinal de contas, sou muito mais do que um animal. Sou um ecossistema de água, terra, ar, animais, vegetais e humanos. Tamanha coletividade de seres, que leva vida por onde passa, deve merecer o reconhecimento que foi dado a um cavalo morto em Curitiba em janeiro de 1937:

~ 85 ~


Invoco, ainda, a Encíclica Papal Laudato Si, sobre o Cuidado da Casa Comum, que alerta: os maus tratos dos animais (como o cavalo de Curitiba) atingem as pessoas, pois, tudo está relacionado. Eu, o irmão rio, caminho junto com os seres humanos, assim como o irmão sol, a irmã lua e a mãe terra. Paz, justiça e conservação da natureza são inseparáveis, pois, o coração é UM SÓ. Quem não cuida da natureza não cuida de outros seres humanos. Quem não vive em paz com o rio não vive em paz com ninguém: 92. Além disso, quando o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal, nada e ninguém fica excluído desta fraternidade. Portanto, é verdade também que a indiferença ou a crueldade com as outras criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercutir-se no tratamento que reservamos aos outros seres humanos. O coração é um só, e a própria miséria que leva a maltratar um animal não tarda a manifestar-se na relação com as outras pessoas. Todo o encarniçamento contra qualquer criatura «é contrário à dignidade humana». Não podemos considerar-nos grandes amantes da realidade, se excluímos dos nossos interesses alguma parte dela: «Paz, justiça e conservação da criação são três questões absolutamente ligadas, que não se poderão separar, tratando-as individualmente sob pena de cair novamente no reducionismo». Tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma das suas criaturas e que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe terra.

~ 86 ~


Invoco, enfim, o direito à comunhão universal com todos os seres e elementos da natureza para justificar a unidade inseparável entre mim e as culturas sustentáveis, sejam ancestrais ou não, que me torna um sujeito de direito biocultural, digno de respeito e defesa por todas as pessoas (individuais ou coletivas) interessadas no nosso bem-estar. Sou interações de vida entre ar, terra, água, vegetais e animais; sou o ciclo da água que a evapora do mar, cai na terra, brota de nascentes e escoa de volta para o mar; sou o processo ecológico que sustenta a diversidade de vidas humanas e não humanas, sou poesias, sou crônicas, sou romances, sou canções, sou origem de povos, sou vida (bio) e sou modos de vida (cultura). Sendo tudo isto, como não ser um sujeito de direitos? Sou menos importante que a herança de alguém (espólio), que é um sujeito de direito? Eu, que dou vida a todas as plantas e animais, sou menos importante que as dívidas de uma empresa (massa falida) que sequer possui vida? Eu, que sacio a sede de todas as cidades e comunidades ribeirinhas por onde passo, valho menos que uma empresa de mineração, que gerou sede e fome com o maior desastre ambiental da história do Brasil?

2. O QUE FIZERAM COMIGO?

Em 5 de novembro de 2015, ou seja, há exatos dois anos, sofri o maior desastre socioambiental do Brasil: o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco no município de Mariana/MG. O desastre da Samarco despejou em mim 62 milhões de metros cúbicos de lama de minério de ferro; matou 19 pessoas; desabrigou 1.265 pessoas; impactou 2 distritos de Mariana (Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo) e 1 distrito de Barra Longa (Gesteira); inundou de lama o distrito de Bento Rodrigues, onde viviam 236 famílias; atingiu 38 municípios (35 em MG e 3 no ES); prejudicou a vida de 6 milhões de pessoas; matou 98 espécies de peixes que existiam em mim (29 mil carcaças de peixes foram recolhidas); causou fome a 1 espécie de ave (andorinha-do-mar), que ficou sem alimento; destruiu 1.176 hectares ao longo de minhas margens (46% de pastagens e 43% de vegetação nativa). ~ 87 ~


Como uma imagem fala melhor que mil palavras, vejamos algumas fotos para percebermos a real dimensão desse desastre ambiental, que matou a biodiversidade que vivia em mim, impactou a vida de 6 milhões de pessoas e causou uma poluição marinha, que dura até hoje:

~ 88 ~


~ 89 ~


~ 90 ~


~ 91 ~


~ 92 ~


~ 93 ~


Esta Justiça Federal conhece a grandiosidade dos danos que sofri, que constam na ação civil pública do Ministério Público Federal, que pede reparação socioambiental no valor de R$ 155.052.000.000,00 (cento e cinquenta e cinco bilhões e cinquenta e dois milhões de reais). Relatório do Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (ORGANON), com o título “Sem-Terra,

Sem-Água

e

Sem-Peixe”,

aponta

os

graves

impactos

socioambientais sofridos pelos ribeirinhos. Eles ficaram sem água, sem peixe, sem lavouras, sem esportes aquáticos, sem turismo e sem lazer. Ficaram, também, com baixa renda, com negócios falidos, com abalo emocional, com morte de animais (aquáticos e terrestres), com contaminação de solo e poços, com medo da contaminação, com desinformação e com a comunidade fragmentada. Eles perderam o seu modo de vida. Estamos diante da morte de culturas ribeirinhas. Passados dois anos, a minha foz no Espírito Santo (Regência) ainda sofre com a lama da Samarco, que segue contaminando o mar com metais pesados. Isso foi constatado por 30 pesquisadores da Universidade Federal do ~ 94 ~


Espírito Santo. A pesca ainda está proibida na minha foz e a contaminação do mar pelos rejeitos se estende por 600 kilômetros do litoral, atingindo recifes, a fauna marinha e o sustento de pescadores e indígenas. Pesquisa do Programa de Biofísica Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicada em abril deste ano, aponta a contaminação da água consumida pelas comunidades ribeirinhas do Rio Doce em Minas Gerais e Espírito Santo. Foram encontradas altas concentrações de ferro e manganês muito acima do permitido pela legislação ambiental (ferro: 3 vezes acima do limite e manganês: 5 vezes acima do limite). A contaminação ocorreu na água do rio e de poços da região, portanto, atingiu o lençol freático. A intoxicação por ferro pode causar náuseas, diarreias, doenças renais e hepáticas. A intoxicação por manganês pode causar doenças respiratórias (embolia pulmonar) e neurológicas (doença de Parkinson). A catastrófica dimensão dos efeitos do desastre, que já duram dois anos, revela que a restauração ecológica é lenta e incerta. Por conta disso, a proteção contra novos desastres é fundamental para a minha sobrevivência. Proteção que, se existisse, poderia ter evitado tanta dor e sofrimento, para mim (Rio Doce), para os ribeirinhos (indígenas ou não) e para os demais seres que dependiam de mim para sobreviver e que jamais serão integralmente reparados. Proteção que, de acordo com o direito internacional e nacional, era devida antes do desastre.

3. O QUE DEVERIAM TER FEITO?

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (art. 207) obriga o Brasil a prevenir a poluição do mar proveniente de rios, por meio de regras e práticas internacionalmente recomendadas, planos de emergência e outras medidas necessárias, bem como a comunicar quem possa ser afetado pela poluição: ARTIGO 198 Notificação de danos iminentes ou reais Quando um Estado tiver conhecimento de casos em que o meio marinho se encontre em perigo iminente de sofrer danos por poluição, ou já os tenha sofrido, deve notificá-lo imediatamente a outros ~ 95 ~


Estados que julgue possam vir a ser afetados por esses danos, bem como às organizações internacionais competentes. ARTIGO 199 Planos de emergência contra a poluição Nos casos mencionados no artigo 198, os Estados da zona afetada, na medida das suas possibilidades, e as organizações internacionais competentes devem cooperar tanto quanto possível para eliminar os efeitos da poluição e prevenir ou reduzir ao mínimo os danos. Para tal fim, os Estados devem elaborar e promover em conjunto planos de emergência para enfrentar incidentes de poluição no meio marinho. ARTIGO 207 Poluição de origem terrestre 1. Os Estados devem adotar leis e regulamentos para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho proveniente de fontes terrestres, incluindo rios, estuários, dutos e instalações de descarga, tendo em conta regras e normas, bem como práticas e procedimentos recomendados e internacionalmente acordados. 2. Os Estados devem tomar outras medidas que possam ser necessárias para prevenir, reduzir e controlar tal poluição. ARTIGO 213 Execução referente à poluição de origem terrestre Os Estados devem assegurar a execução das suas leis e regulamentos adotados de conformidade com o artigo 207 e adotar leis e regulamentos e tomar outras medidas necessárias para pôr em prática as regras e normas internacionais aplicavéis estabelecidas por intermédio das organizações internacionais competentes ou de uma conferência diplomática para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho de origem terrestre.

O Brasil não cumpriu a Política Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) e a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608/2012), o que colaborou ativamente para o desastre socioambiental da Samarco. A Lei 12.608, de 10 de abril de 2012 (art. 2º, 3º e 4º) obriga a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a adotarem as medidas necessárias à redução dos riscos de desastre, independentemente da incerteza quanto ao risco, com a colaboração de entidades públicas ou privadas e da sociedade em geral. As medidas de prevenção de desastres são obrigatórias na gestão de recursos hídricos e devem abranger toda a bacia hidrográfica, com a participação da sociedade civil. A Lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009 (art. 4º, I e 5º, V e 6º, I), obriga a União a compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático, por meio do Plano Nacional sobre a Mudança do

~ 96 ~


Clima, que deve ser desenvolvido e executado com a participação do meio acadêmico e da sociedade civil. Em 10 de maio de 2016, a União instituiu o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) para gestão do risco climático. O PNA identificou que a falta de regulamentação integral da Lei 12.187/2009 é uma vulnerabilidade (ponto fraco) do setor. Especialmente porque está impedindo a instituição do cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de desastres, considerada uma importante ferramenta para o planejamento municipal da Proteção e Defesa civil. O PNA também identificou outra vulnerabilidade: a falta de elaboração do Plano Nacional e dos Planos Estaduais de Proteção e Defesa Civil. Identificadas essas vulnerabilidades, o PCA estabeleceu que, em curto prazo, deveriam ser instituídos o cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de desastres e os Planos Estaduais de Prevenção a Desastres. Estas medidas, que estão a cargo da União (cadastro nacional) e dos

Estados

(Planos

Estaduais),

são

fundamentais

para

orientar

o

planejamento municipal da Proteção e Defesa Civil. A inércia do Poder Público federal e estadual, neste ponto, é uma grave omissão nociva à população de milhares de municípios, já que a gestão da Proteção e Defesa Civil deve ser articulada entre todas as esferas de governo, de acordo com uma abordagem sistêmica. Daí a importância da fixação da regulamentação destas medidas como diretriz nacional de adaptação à mudança do clima:

~ 97 ~


O 1º Primeiro Relatório de Monitoramento e Avaliação do PNA 2016-2017 identificou que a Lei 12.608/2012 ainda não foi regulamentada, portanto, ainda não foi criado o cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de desastres:

~ 98 ~


O site do Ministério da Integração Nacional, órgão responsável pela Defesa Civil do país, não cita qualquer legislação sobre o cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de desastres. O site da Defesa Civil de Minas Gerais não cita a existência do Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil. Qual a importância desse cadastro nacional e desse plano estadual para minha sobrevivência? O cadastro nacional de municípios suscetíveis a desastres garante a proteção da bacia hidrográfica, pois, os munícipios nele incluído são obrigados a compatibilizar os seus Planos Diretores com o Plano de Recursos Hídricos: LEI 12.340/2010 ALTERADA PELA LEI 12.608/2012 Art. 3º-A. O Governo Federal instituirá cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, conforme regulamento. (...) § 1º A inscrição no cadastro previsto no caput dar-se-á por iniciativa do Município ou mediante indicação dos demais entes federados, observados os critérios e procedimentos previstos em regulamento. LEI 10.257/2001 ALTERADA PELA LEI 12.608/2012 Art. 42-A. Além do conteúdo previsto no art. 42, o plano diretor dos Municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos deverá conter: (...) 2º O conteúdo do plano diretor deverá ser compatível com as disposições insertas nos planos o de recursos hídricos, formulados consoante a Lei n 9.433, de 8 de janeiro de 1997.

As informações sobre a evolução das ocupações em áreas de risco, obtidas através do cadastro nacional de municípios suscetíveis a desastres, devem ser encaminhadas ao Executivo, Legislativo e Ministério Público dos respectivos Estados e Municípios. Este compartilhamento obrigatório de informações garante a responsabilização compartilhada do Poder Público, o que garante maior proteção à bacia hidrográfica, já que nenhuma autoridade poderá alegar desconhecimento do risco para justificar sua omissão: LEI 12.340/2010 ALTERADA PELA LEI 12.608/2012 Art. 3º-A (...) § 4º Sem prejuízo das ações de monitoramento desenvolvidas pelos Estados e Municípios, o Governo Federal ~ 99 ~


publicará, periodicamente, informações sobre a evolução das ocupações em áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos nos Municípios constantes do cadastro. § 5º As informações de que trata o § 4º serão encaminhadas, para conhecimento e providências, aos Poderes Executivo e Legislativo dos respectivos Estados e Municípios e ao Ministério Público.

A elaboração do Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil obriga o Estado a identificar e monitorar as bacias hidrográficas com risco de desastre, o que assegura maior proteção aos rios e aos ribeirinhos: LEI 12.608/2012 Art. 7º Compete aos Estados: (...) Parágrafo único. O Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil conterá, no mínimo: I - a identificação das bacias hidrográficas com risco de ocorrência de desastres; e II - as diretrizes de ação governamental de proteção e defesa civil no âmbito estadual, em especial no que se refere à implantação da rede de monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico das bacias com risco de desastre.

Diante do Direito do Mar, do Direito do Clima e do Direito dos Desastres, as omissões da União e do Estado de Minas Gerais no cumprimento de suas obrigações de gestão preventiva de desastres colaborou para o maior desastre ambiental da história do Brasil, que ainda está impactando nocivamente a todas as cidades e comunidades ribeirinhas, que dependiam de minhas águas, como também ao mar, fonte primeira de todos os rios, de todas as águas. Nesse contexto, as entidades públicas omissas (União e Minas Gerais) devem ser coagidas pelo Judiciário, última fronteira da defesa do meu direito à existência sadia, a cumprirem com as suas obrigações de prevenção de desastres, para que eu possa ter o direito de me regenerar, sem o risco de sofrer outra agressão tão brutal.

4. PEDIDOS Ante o exposto, venho requerer:

a)

o conhecimento e a procedência desta ação;

b)

LIMINARMENTE:

a.

o reconhecimento da Bacia Hidrográfica do Rio Doce como sujeito de

direito;

~ 100 ~


b.

o reconhecimento da ampla legitimidade a todas as pessoas para

defenderem o direito de existência sadia da Bacia Hidrográfica do Rio Doce;

c.

a condenação da União e do Estado de Minas Gerais ao imediato

cumprimento das seguintes diretrizes do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima:

i.

a instituição do cadastro nacional de municípios com áreas

suscetíveis à ocorrência de desastres, previsto no artigo 3º-A da Lei 12.340/2010, no prazo máximo de 6 (seis) meses ou em outro que este Juízo entenda razoável, em razão da urgência das medidas de prevenção a desastres;

ii.

a elaboração do Plano de Prevenção a Desastres de Minas

Gerais, previsto no parágrafo único, art. 7º, da Lei 12.608/2012, no prazo de 6 (seis) meses ou em outro que este Juízo entenda razoável, em razão da urgência das medidas de prevenção a desastres, com a obrigatória participação de representantes de instituições acadêmicas e dos povos ribeirinhos (indígenas ou não);

d.

NO MÉRITO, a confirmação da liminar deferida e a condenação

definitiva da União e do Estado de Minas Gerais ao cumprimento das seguintes diretrizes do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima:

i.

a instituição do cadastro nacional de municípios com áreas

suscetíveis à ocorrência de desastres, previsto no artigo 3º-A da Lei 12.340/2010, no prazo máximo de 6 (seis) meses ou em outro que este Juízo entenda razoável, em razão da urgência das medidas de prevenção a desastres;

ii.

a elaboração do Plano de Prevenção a Desastres de Minas

Gerais, previsto no parágrafo único, art. 7º, da Lei 12.608/2012, no prazo de 6 (seis) meses ou em outro que este Juízo entenda razoável, em razão da urgência das medidas de prevenção a desastres, com a obrigatória participação de representantes de instituições acadêmicas e dos povos ribeirinhos (indígenas ou não). Venho, requerer, ainda:

a)

a citação da União Federal e do Estado de Minas Gerais;

b)

o deferimento de todos os meios de prova;

c)

os benefícios da justiça gratuita.

Neste dia 5 de novembro, comemora-se o Dia Nacional da Cultura, em homenagem ao nascimento do grande jurista Rui Barbosa. Neste dia, sinto vergonha de mim. Vergonha de ter demorado tanto para levantar a minha voz. Demorado para dar voz ao rio, que me viu nascer. Ao rio que me embalou em suas águas. Ao rio que refrescou o meu corpo e minha alma. Que alimentou os meus sonhos e despertou o meu coração. Não o Rio Doce, a quem dei voz e sofre em Minas Gerais. Mas sim àquele rio que brota de todas as nascentes. Filho da Mãe ~ 101 ~


Terra. Filho do Mar. Falo do riacho que conheci na fazenda onde nasci e que me ensinou o caminho das águas: ser UM SÓ. A este riacho, dedico esta ação. Ele é quem fala por mim. Quisera eu poder pedir ao Judiciário o reconhecimento de todos nós, seres humanos, como filhos da Terra, filhos da Água. Separados apenas por nossas crenças e opiniões, mas unidos na essência que brota de nossos corações. Esta fonte inesgotável de sentimento que dá sentido ao nosso viver. Queria ter tido a coragem de gritar a todo o mundo: viemos do mesmo mar e para ele retornaremos. Somos um rio a caminho de si mesmo. Mas me faltaram forças para bradar esta verdade que agora brado. Então, por isto, sinto vergonha de mim.

Belo Horizonte, 5 de novembro de 2017.

Lafayette Garcia Novaes Sobrinho Advogado e Professor

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13 GALERIA DE FOTOS

JUSSARA REGINA BRANCO

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