Editorial Revista “ZACATRAZ”
Presidente da Direcção José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973)
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estes alvores do século XXI, é inegável que por vezes damos connosco a deambular sobre as razões que asseguraram ao longo dos tempos, a distintiva longevidade do nosso Colégio Militar. Neste tão necessário exercício, por vezes individual, tantas vezes colectivo, apontamos indubitavelmente para um Projecto Educativo extremamente consistente e único, que afirmou e consolidou uma Comunidade Colegial profundamente solidária, e se materializou num amplo e marcante património de Serviço ao País. Embora esteja ciente, como Todos, que estamos perante uma conjugação indissociável, hoje, peço-vos que me acompanhem numa reflexão no âmbito desta nossa Comunidade Colegial, quanto ao seu significado e aos deveres que sobre todos nós impendem, muito em especial à nossa Associação. Para acepipe deste momento de reflexão, permitam-me o recurso à obra de Rui Figueiredo de Barros (62/1936) e do seu filho Gonçalo (440/1967), que na sua pesquisa nos trouxeram as palavras de três, de muitos entre nós, que tão bem deram à letra esse nosso identitário espírito. Seguindo a ordem que a antiguidade dita, começo por recordar as palavras do nosso António Sérgio (178/1894), que com particular simplicidade escreveu: “São coisas conhecidas e celebradas o ideal e a prática de camaradagem entre os alunos do Colégio Militar; é reconhecido outrossim que o facto de terem sido seus alunos estabelece entre dois homens (por muito grandes que possam ser as diferenças de idade e situação social) um laço de simpatia e de solidariedade uma certa corrente de entendimento mutuo. Liga-nos uma comunidade de recordações de adolescência, desde os toques de clarim, …até à época dos 5 estudos, …e …calão colegial.” Perscrutando o conteúdo que magistralmente se condensa na nossa divisa, “Um por Todos Todos por Um”, intui-nos Eduardo Zúquete (20/1945): “Um por todos é sacrifício, todos por um é solidariedade, mas em conjunto são muito mais do que isso: definem um estilo de vida, uma maneira de estar no mundo que me parece ser de difícil explicação. Nem a personalidade individual é agredida, nem é descurado ou atraiçoado o espírito de Corpo”. Por fim, numa síntese identificadora perfeita, diz-nos António Colares Pereira (300/1946): “Somos apenas alguns que, ao verem a Barretina na lapela
de outro, ouvimos um toque de clarim, respiramos um vento de Claustros, vemos a sombra de uma cúpula e sentimos que temos à nossa frente um irmão com os seus defeitos e qualidades, educados e formados numa família que o ensinou a respeitar valores iguais aos nossos”. Resumindo, é esta genuína esfera armilar de camaradagem e solidariedade, alicerçada num sentir intemporal de uma vivência que se sustenta na comunhão de valores individuais e colectivos, que é afirmada na divisa “Um por Todos Todos por Um” e no apanágio de tratamento por TU entre todos os Nossos. É, pois, este o sangue que ao longo dos tempos vivificou e vivificará a nossa Comunidade Colegial. Comunidade esta que, como sabemos, se afirma e mantêm muito para lá do ente associativo que designámos para a nossa representação institucional, a Associação de Antigos Alunos do Colégio Militar. Já assim era antes da criação da nossa Associação, há mais de um século, e assim continuou a ser ao longo do tempo. Contudo, outros antes de nós, e bem, na comemoração do primeiro centenário do nosso Colégio, entenderam que a organização e sistematização da defesa da nossa Instituição mãe e dos valores que sustentam a nossa comunidade, seria melhor alcançada através de um ente associativo que agregasse capacidades e esforços. Foi assim que, a 1 de Março de 1903, “no primeiro dia das festas do centenário da fundação do Real Colégio Militar, todos os Alunos que convergiram à Luz para visitar o estabelecimento e tomar parte no jantar comemorativo, se reuniram em assembleia geral na Sala do Teatro Dom Luis Filipe, a fim de acordarem na fundação de uma associação filantrópica”. Posteriormente, em 23 de Outubro desse mesmo ano, com a apresentação dos seus Estatutos, procedeu-se à constituição legal da “Associação Philantropica dos Alumnos do Real Collégio Militar”. Saliente-se que esses Estatutos, no seu artigo 1º, estabeleciam que se tratava de uma instituição de beneficência especialmente destinada a socorrer os antigos alunos, suas viúvas e órfãos que se encontrasse privados de meios de subsistência. Portanto, não há duvidas que a palavra Solidariedade há muito que assume especial significado no nosso microcosmo vocabular, e ao longo dos tempos são
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Editorial incontáveis os exemplos que ilustraram esse mesmo significado. Nos dias de hoje também não há duvidas que, como inequivocamente afirmam os nossos actuais Estatutos, a Associação continua a ter como um dos seus objectivos principais, as acções de filantropia que estão na sua origem. Aliás, foi procurando cumprir esse desiderato estatutário de “…promover, pelos meios ao seu alcance, a ajuda aos associados em dificuldades, nas diferentes fases das suas vidas, procurando a resolução ou a atenuação dos seus problemas, desde a protecção na velhice até ao apoio aos mais jovens na sua preparação e integração profissional e social, podendo em casos especiais, devidamente regulamentados, estender esse apoio às respectivas famílias”, que a Direcção aprovou o Regulamento das Ações de Solidariedade em 12 de Outubro de 2011. Porém, os tempos dizem-nos inequivocamente que não nos devemos bastar com o que foi feito, temos a responsabilidade, também institucional, de estar particularmente presente junto dos nossos mais debilitados. Foi na assunção dessa responsabilidade, que definimos como objectivo o reforço da rede de Solidariedade junto dos Antigos Alunos, nomeadamente alargando o conceito e acções do seu âmbito, afirmando uma maior presença, desenvolvendo mecanismos de detecção de situações difíceis e promovendo uma maior informação sobre a actividade desenvolvida. Contudo, estamos cientes de que também aqui a Associação se deve assumir como veículo da Nossa Comunidade, devendo por isso traduzir o seu profundo e amplo sentir, pelo que consideramos que o cumprimento de um objectivo como este só será preenchido se representar o envolvimento toda a nossa Comunidade Colegial. Daí esta Nossa reflexão conjunta, conducente a uma afirmação agregadora da tão necessária e profícua colaboração de TODOS, visando uma maior eficiência e eficácia na criação de instrumentos no âmbito da Solidariedade. É isso mesmo que vos iremos pedir nos próximos tempos e, mais uma vez, como sempre foi e será nosso apanágio, ecoará orgulhosamente em uníssono o nosso estridente ZACATRAZ solidário.
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Ficha Técnica
CORPOS SOCIAIS DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRIÉNIO 2016-2018
Ficha Técnica PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL Fundada em 1965 Nº 208 Julho/Setembro - 2017 FUNDADOR Carlos Vieira da Rocha (189/1929)
ASSEMBLEIA GERAL Presidente Vice-Presidente 1º Secretário 2º Secretário
DIRECTOR Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949) gosalema@aaacm.pt
Raul Miguel Socorro Folques - 380/1952 José António Pina de Bastos e Silva - 67/1957 António Luís Henriques de Faria Fernandes 454/1970 Pedro Gonçalo Coelho Nunes de Melo - 51/1982
CHEFE DE REDACÇÃO Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957) luisfbarbosa@aaacm.pt REDACÇÃO Nuno António Bravo Mira Vaz (277/1950) Pedro Manuel do Vale Garrido da Silva (53/1961) Gonçalo Miguel de Matos Gonçalves (105/1984)
DIRECÇÃO Presidente Vice-Presidente Secretário Tesoureiro 1º Vogal 2º Vogal 3º Vogal 4º Vogal 5º Vogal 1º Vogal Suplente 2º Vogal Suplente 3º Vogal Suplente
José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo - 591/1973 Artur Manuel de Spínola e Santos Pardal - 587/1961 João Eduardo Correia Barrento Sabbo - 17/1967 Luís Manuel Borges de Albuquerque Nogueira - 323/1969 Francisco Eduardo Moreira da Silva Alves - 392/1954 António Vítor Reynaud da Fonseca Ribeiro - 43/1968 José Miguel Teixeira de Faria - 2/1969 José Maria Gouveia de Azevedo e Bourbon - 598/1971 João Pedro Mendes Carreiro Gomes - 390/1983 Gonçalo Miguel de Matos Gonçalves - 105/1984 Tiago Simões Baleizão - 200/1987 Manuel Soares Albergaria Felgueiras e Sousa - 498/2006
CAPA Estante de Honra Estante da Biblioteca onde se guardam as obras de autoria de AA ©Foto José Alberto da Costa Matos (96/1950) ENTIDADE PROPRIETÁRIA E EDITOR Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar MORADA DO PROPRIETÁRIO e SEDE DA REDACÇÃO Quartel da Formação - Largo da Luz 1600-498 Lisboa Tel. 217 122 306/8 Fax. 217 122 307 TIRAGEM - 1350 exemplares DEPÓSITO LEGAL Nº 79856/94 DESIGN & EXECUÇÃO GRÁFICA:
CONSELHO FISCAL Presidente 1º Vogal 2º Vogal 1º Vogal Suplente 2º Vogal Suplente
Manuel Ramos de Sousa Sebastião - 604/1961 Rui Joaquim Azevedo de Avelar - 25/1960 Eugénio de Campos Ferreira Fernandes - 180/1980 Rui Manuel Gomes Correia dos Santos – 225/1981 Bruno Miguel Fernandes Pires - 27/1995
Tm. (+351) 933 738 866 Tel. (+351) 213 937 021 info@smash.pt www.smash.pt
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Sumário
08 1º Open Day do Colégio Militar 21 Curso de 1950/1957
Romagem dos 60 Anos de Saída
23 Baile de Gala
Finalistas do Ano de 2017
25 XXV Jantar do Oeste na Quinta do Castelo 27 Homenagem aos Combatentes
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José Estêvão de Morais Sarmento (44/1854) Um Pedagogo Predestinado
XXIV Encontro Nacional
36 A Boa Gente da Nossa Terra! 41 Colégio Militar
Berço de Grandes Portugueses
51 Efeméride
O Exército Português ataca e destrói a base de Kumbamori
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Antigos Alunos em Destaque
53 Disciplina Militar
Regulamento do Conde de Lippe
56 Paradoxos, Enigmas, “Puzzles” 58 Do meu arquivo...
... pessoal - imagens & memórias (com gatafunhos)
60 O pé monetário, o pé ático e o pé comum 62 1917 - Nas trincheiras da Flandres O “espião alemão”
65 O meu escritório a 10000 metros de altitude
67 Antigos Alunos nas Artes e nas Letras 68 Dominus, domini - O “Menau” 71 Os cavalos, ensino e competição
João Maria Prego Marquilhas (3/1998)
73 Histórias e Memórias 78 O Mapa da Ecúmena 79 Ética 80 Os que nos deixaram
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António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947) Descida do Amazonas
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Gil Duarte Santos Gonçalves de Azevedo (111/1987) Antigo Aluno Recordista do Guinness
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José Estêvão de Morais Sarmento (44/1854) Um Pedagogo Predestinado
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
José Estêvão de Morais Sarmento (44/1854) Um Pedagogo Predestinado
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o passado dia 30 de Maio, o Conselho dos Delegados de Curso, de que faço parte, deslocou-se ao Colégio, em visita de trabalho, para nos inteirarmos da presente situação do Colégio. A visita foi interessantíssima e tivemos o privilégio de ter como cicerone, durante toda a visita, o Director do Colégio, Coronel de Artilharia António Emídio da Silva Salgueiro (461/1972). A visita deu-me a confirmação de que o Colégio está em muito boas mãos e de que temos o Homem certo no lugar certo, o que foi muito reconfortante para todos os que estiveram presentes nesta visita, que tanto se interessam pelo que se passa no Colégio e para o qual desejam um futuro tão brilhante como o que foi o seu passado.
No decurso do «briefing» que nos foi feito no início da visita, o Director mencionou o edifício Morais Sarmento. Não sabendo qual era o edifício referido, questionei-o quanto à sua localização e fiquei a saber que é o edifício que está no local onde dantes se erguia o Pavilhão das Ciências.
José Estêvão de Morais Sarmento (44/1854) Um Pedagogo Predestinado
A menção a Morais Sarmento, de seu nome completo José Estevão de Morais Sarmento (44/1854), que foi o 17º Director do Colégio, de 1898 a 1904, sendo o 5º Director que foi seu Antigo Aluno, fez-me «voar» em mente até aos meus tempos no Colégio, em que lhe foi prestada solene homenagem, no dia 24 de Março de 1958, dia em que se cumpriam 60 anos sobre a sua nomeação para Director do Colégio. Nessas funções foram postos à prova os seus dotes de predestinado pedagogo, tendo operado com sábias e oportunas medidas, uma verdadeira renovação do Colégio Militar, sob todos os aspectos. Nesse longínquo dia de Março de 1958, por iniciativa do então Director, o Coronel de Engenharia Bastos de Carvalho, foi prestada uma homenagem a Morais Sarmento, em formatura geral do Batalhão Colegial, em farda de gala e armado, nos Claustros do nosso Colégio, no decurso da qual foi descerrada uma lápide no átrio do edifício, testemunho da homenagem então prestada ao insigne Educador. Estiveram presentes nesta cerimónia os descendentes de Morais Sarmento, bem como um numeroso grupo de prestigiados Antigos Alunos, na maioria dos casos altas patentes das Forças Armadas, que eram Alunos do Colégio no período em que o mesmo foi dirigido por Morais Sarmento. Após o descerramento da lápide, o Director do Colégio dirigiu ao Batalhão uma alocução simples, justificativa do evento, a qual é de seguida transcrita.
nhou com vocação e projecção sem igual. De tudo aquilo que o Colégio Militar ficou a dever à sua acção genial, irá ocupar-se a seguir um dos vossos professores, com o seu brilhantismo habitual. Por isso apenas vos direi que depois da sua reforma de 1901, tão erudita e consistente que nem sequer a corrosão de meio século conseguiu esvanecer a vitalidade da contextura, qualquer coisa que nesse sentido se tenha feito reduz-se a manter a sequência natural do que nela se estabeleceu ou formulou.
«Em 1854 entrou para o Real Colégio Militar um menino que se chamava José Estevão de Morais Sarmento. Aqui fez o seu curso e durante ele deu provas de invulgar aproveitamento. Depois, esse menino fez-se um grande Homem. Foi General e Ministro da Guerra, deputado, jornalista e escritor, revelando em todas as facetas do seu múltiplo labor uma cultura invulgar e uma presciência antecipada à sua época. Completam-se 60 anos que essa grande figura de militar assumiu o cargo de director deste Colégio, cargo que desempe-
Coronel Bastos de Carvalho e Major Serrano (Subdirector)
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A obra do General Morais Sarmento sobressai como a mais científica e intelectual de todas as que a precederam ou seguiram. De tantos espritos esclarecidos que passaram por este estabelecimento, a nenhum foi possível refundir com tão profética intuição os aspectos cultural, moral e militar, que devem estar na base da formação dos seus educandos. Se ao Marechal Teixeira Rebelo pertence a glória de ter delineado o projecto e assentado as primeiras pedras dos alicerces, ele teve de aguardar um século que aparecesse o inspirado artista capaz de construir sobre
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José Estêvão de Morais Sarmento (44/1854) Um Pedagogo Predestinado
elas o majestoso edifício, de lhe garantir a inabalável solidez e de lhe imprimir o seu estilo inconfundível e opulento. Por isso os dois grandes obreiros Teixeira Rebelo e Morais Sarmento, embora desfasados de 100 anos na esteira cronológica da existência, terão de estar ligados perenemente nos fastos desta nobilíssima instituição. Os seus nomes justapõem-se e penetram-se numa comunhão e continuidade indissolúveis. E sendo assim, os padrões evocativos das suas obras, que são o testemunho da nossa gratidão, não poderão continuar dissociados no espaço, porque os fachos luminosos que delas se projectam mantêm-se cruzados no firmamento da História, no decorrer do tempo. Há três anos, o curso dos ex-alunos que celebrou as suas bodas de ouro, descerrou nos Claustros, numa expressiva cerimónia, a lápide comemorativa do seu venerável director. Mas a continência que, desde 1903, o Batalhão Colegial, quando desfila no átrio, presta ao busto do seu Fundador, terá de passar a envolver no mesmo preito de reconhecimento e admiração aquele que foi o inimitável continuador e impulsionador do seu empreendimento. E é o próprio espirito do Marechal que reivindica para junto de si e para bem perto do seu monumento, a presença do padrão evocativo que agora se inaugurou, em homenagem àquele que soube sentir e valorizar a sua ideia – o General José Estevão de Morais Sarmento. Deste modo ficarão os dois a contemplar embevecidos dora-avante, lado a lado e de mãos dadas, o desfile garboso e o saudar enternecido dos sucessores daqueles meninos todos que eles tanto amaram e engrandeceram.» Fica explicada assim a razão pela qual a lápide dedicada a Morais Sarmento se encontra no átrio do Colégio, «fazendo companhia» ao busto do nosso Marechal, já lá vão 60 anos. Ao discurso do Director, naquele dia de Março de 1958, seguiu-se o discurso do professor Capitão Miguel Augusto Pinto de
Menezes, o lendário «Menau». Lembro-me bem desse discurso, não porque dele tenha retido grande coisa, na altura eu tinha doze anos, mas pela sua extensão, que deu origem a um ou outro desmaio nas fileiras. Dada a qualidade do discurso e também a sua extensão, foi o mesmo publicado como separata do número 106, de Março de 1958, da revista «O Colégio Militar». O então Director do Colégio referiu no seu breve discurso anteriormente apresentado, a homenagem que o curso de saída de 1905 prestou a Morais Sarmento. Essa homenagem foi noticiada no número 100, de Julho de 1955, da revista «O Colégio Militar», reproduzindo-se também nele o discurso feito por um dos componentes do curso, relembrando a figura e a obra de Morais Sarmento. Esse invulgar discurso, como irão ver, é interessantíssimo, por ser um testemunho directo de um dos alunos do tempo em que aquele foi director. O discurso foi feito pelo então Brigadeiro Teófilo Ribeiro da Fonseca (205/1897), um dos pioneiros da Aviação Militar, combatente na 1ª Guerra Mundial, que se tornou também notado por causa de um duelo, a sabre, com o Ministro da Guerra, por ocasião da «Revolta dos Aviadores» em 1924. O discurso de Ribeiro da Fonseca é o que em seguida se reproduz: «Deixamos entre vós uma lápide e nela evocamos o nosso saudoso Director, o General José Estevão de Morais Sarmento, o Reformador deste Colégio. Já todos vós sabíeis que o Fundador fora o Marechal Teixeira Rebelo e não há que insistir sobre as altas qualidades que dele conhecemos. Mas quase 100 anos depois da fundação, entrei para este Colégio, numa época em que o chiquismo entre os alunos era ser refractário. Este, o que era admirado pelos seus camaradas, mormente pelos petizes, para quem eram o espelho onde pretendiam ver-se no futuro, era o aluno muito castigado, aquele que tinha mais dias de detenção do que dias para os cumprir, aquele que de vez em quando entrava na prisão. Ao Domingo ia, entre
dois alunos armados, para a missa, como se fosse um grande personagem, invejado pelos seus companheiros. Transformara-se nisto o Colégio Militar! Como se chegara a esta situação? Apareceu esta moda no Colégio porque se era castigado a torto e a direito. «Cinco dias de detenção por estar com a gola do capote levantada.» O aluno não tinha que fazer e estava com frio, mas não bastava dizer-lhe: - «Baixe essa gola.» Por qualquer coisa se era rigorosamente punido e havia até emulação entre os Professores e outros Oficiais, pois todos podiam castigar e se discutia mesmo quem seria o mais severo. Julgara-se erradamente que era este o processo: o do terror. A coacção nunca substituiu a competência, o merecimento. O General entrou no Colégio e num relance viu tudo. Determinou que cessassem os castigos e que, logo que um aluno praticasse uma falta, lha comunicassem. Começaram a aparecer as participações. O aluno era chamado ao seu gabinete, ouvia uma prédica sobre a falta cometida, ouvia falar-lhe no pai e na restante família, que geralmente era conhecida do Director, e todos, mas todos, saíram sempre com as lágrimas a correr-lhe pela cara abaixo, fossem eles os mais refractários. O participante andava por ali, admirado e duvidoso do processo, e via passar o infractor a chorar: haverá maior punição? E quantas vezes o aluno se lhe dirigia pedindo desculpa! Instituiu-se o Quadro de Honra para o Procedimento Moral e passou a ser a moda ter lá o nome. Os refractários converteram-se em meninos exemplares e passaram a ser os melhores alunos. As prisões foram demolidas e transformaram-se em aulas para trabalho manual educativo. Num dos seus brilhantes discursos, na inauguração de um ano lectivo, dissera: «Não é tão excessivo o espaço de que o Colégio dispõe, para que um pavimento inteiro de uma das suas alas possa continuar a ser exclusivamente destinado a prisões
José Estêvão de Morais Sarmento (44/1854) Um Pedagogo Predestinado
solidamente aferrolhadas. As penas de ordem moral, que têm como elemento constitutivo o conselho e o estímulo paternais, serão as que passam a formar o sistema repressivo normal; e lisonjeia-me a ideia que bastarão, para chamar ao cumprimento do dever os raros alunos que deles se desmandarem. Tais são os tópicos essenciais em que assenta o novo regímen educativo que, com a aprovação do Governo, vai ser inaugurado neste Colégio e que se baseia nestes sentimentos aparentemente contraditórios, mas que o não são realmente: amor e severidade, benevolência e firmeza irredutível.» A isto pode chamar-se uma verdadeira renovação, a esta transformação completa e rápida para melhor, nos usos e costumes do Colégio. A camaradagem acentuou-se: os alunos melhor classificados ensinavam, durante os estudos, os que tinham piores notas; os mais fortes protegiam os mais fracos e acabaram as brutalidades e os despotismos. Só bem mais tarde estes costumes civilizados chegaram aos liceus e universidades, onde acabou o canelão e outras práticas de semelhante cobardia.
Morais Sarmento deu grande desenvolvimento à Ginástica e outros exercícios físicos – que isso é que educa – e demonstrou, contra a expectativa de quem não conhecia o assunto, que a própria aplicação literária dos alunos, ao contrário de prejudicada, era por ela favorecida. E nós somos bem o exemplo disso. E digo-vos, porque sei que o vosso Director pensa também assim, mas precisa de ser ajudado pelos alunos, dedicando-se estes com ardor ao trabalho e ao estudo consciente – que esse é o que dignifica o homem.
O nosso Director transformara uma errada noção de camaradagem, com que se encobriam por vezes patifarias, numa camaradagem honesta, em que o infractor se lhe apresentava nobremente, para que os seus camaradas não sofressem por ele. E sabia apreciar isso, como nobre pessoa que era.
Parece tarde para que se faça justiça a este Homem, mas as homenagens, a longa distância no tempo, têm mais valor. E ele bem merecia ser promovido postumamente a Marechal: bastaria que se recompensasse devidamente toda a obra deste grande Português. Mas isso não pertence só ao nosso curso.
Não se julgue porém, que não fosse algumas vezes obrigado a castigar, e rigorosamente, mas o que sabia era distinguir bem uma rapaziada, duma má acção. Como todo o verdadeiro superior, tinha grande prazer em louvar e enorme desgosto quando era forçado a punir.
Alunos do Colégio da Luz: Este nosso querido Colégio foi sempre destinado a iluminar-nos, a abrir-nos as ideias, desenvolvendo a inteligência por um estudo racional, tudo medindo, tudo contando, adquirindo assim espírito científico, que permite investigar, raciocinar e poder concluir: e não apenas como se fazia antigamente, em catecismo, que se decora sem perceber, ficando com noções abstractas, papagueando e transformando as criaturas, como lhes chama Pitigrilli em trapeiros do saber. É aquele estudo racional, científico e compreensivo, que mais nos diferencia do papagaio, que esse é que aprende para saber repetir inconscientemente.
A primeira grande qualidade de um General é ter bom coração, é ser um homem bom, como ele era. Isso não obsta ao cumprimento do dever, embora com a maior mágoa, mas o que se sabe é usar de outros processos de educação. E o papel do General é educar.
No nosso tempo celebrou-se o Centenário, inaugurando-se o busto do Fundador. É bem justo que lembremos o General José Estevão de Morais Sarmento, o Director do Centenário, o Grande Educador, que tanto facilitou a acção dos seus sucessores. Estou certo que todos lhe devemos muito. Toda a nossa carreira depende, principalmente, dos superiores com que topamos na estrada da vida. Sempre – e muitas vezes sem se perceber – a eles devemos o bem e o mal do nosso procedimento.
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Neste mundo andamos sempre, todos, uns atrás dos outros. Faço votos para que também Vocês, quando daqui a 50 anos voltarem ao nosso Colégio, se lembrem ainda, como nós do Vosso Director, o vosso Educador.» A concluir este artigo, não posso deixar de recordar alguns dos pensamentos relativos à educação dos Alunos que nos legou Morais Sarmento. Apresento de seguida três das suas reflexões: - Sobretudo jamais deve ser esquecido que a ilustração é apenas uma das partes da educação; que o desenvolvimento do espirito será, talvez, um mal se não for acompanhado da formação do carácter; que o professor tem ainda uma missão mais elevada do que a de transmissor de ciência: a de educador. - Ilustrar sem simultaneamente moralizar, constitui grave imprevidência pedagógica, mas maior esta se torna quando se desprezam, também, os processos que a higiene recomenda para desenvolver e consolidar as quatro grandes funções do organismo, que se denominam respiração, circulação, nutrição e inervação, por meio de convenientes exercícios físicos. - O professor não limita a sua acção ao local da aula. A sua acção educativa amplia-se a toda a parte onde os seus olhos encontram em falta de qualquer natureza o aluno, para o corrigir, para o aconselhar e para o orientar devidamente ou também para o louvar e exaltar, se o procedimento é de ordem inversa. E esta missão não é menos nobre e proveitosa do que a pronunciada da cátedra, antes pelo contrário, porque concorre poderosamente para constituir a nobreza de carácter, que foi sempre e mais do que nunca é hoje, a jóia de maior valor que pode enriquecer um homem. São bem actuais estas reflexões de Morais Sarmento, sendo infelizmente, nos dias que correm, completamente estranhas a muitos daqueles que investidos em funções de professor, de professores nada têm.
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1º Open Day do Colégio Militar
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
1º Open Day do Colégio Militar N
o meu tempo, no final de cada ano lectivo era tradição, no Colégio Militar, fazer-se uma cerimónia de encerramento do ano académico, com toda a pompa e circunstância, em geral com a assistência do Ministro do Exército. Como todos os mais velhos se devem recordar, a cerimónia começava com uma formatura geral do Batalhão, armado e em farda de gala, que prestava as honras militares da ordenança ao referido Ministro. Seguia-se um festival gimnodesportivo, demonstrações de instrução militar, de equitação e de esgrima, concluindo-se a festa com visitas aos pavilhões de Desenho e das Ciências, onde estavam expostos os trabalhos escolares dos Alunos mais dotados, destinados não só à observação pelo Ministro e outras altas entidades convidadas, mas também pelos pais e mães dos Alunos, que tinham assim uma oportunidade única de se embevecerem com os dotes dos seus adoráveis «rebentos». Nas semanas que antecediam a cerimónia de encerramento do ano lectivo, andava tudo num frenesim no Colégio para que nada falhasse naquele dia, que se queria inolvidável, onde todo o Colégio prestava «provas públicas» do trabalho desenvolvido ao longo do ano. A festa de fim de ano era também uma derradeira oportunidade para os Alunos, cuja passagem de ano estivesse periclitante, conseguirem uma providencial subida de nota, com a apresentação de um trabalho de algum mérito. Era uma tentativa derradeira de falar aos corações mais empedernidos de alguns professores e que não poucas vezes deu os frutos pretendidos. Lembro-me bem
1º Open Day do Colégio Militar
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Sessão Musical de Guitarras
de assistir, na televisão, a uma entrevista dada pelo Antigo Aluno Artur Semedo (319/1936), actor de teatro e cinema, de seu nome completo Artur Francisco da Cunha Semedo, em que o mesmo recordava os seus tempos no
Colégio Militar. Relatou ele, rindo-se com gosto, que um dado ano estando praticamente chumbado, resolveu, em desespero de causa, moldar em barro um busto do Presidente do Conselho de Ministros, Olivei-
Escalada
Ginástica
ra Salazar. O busto passou, como não podia deixar de ser, no «exame de admissão» dos trabalhos a serem expostos, mereceu vários elogios pela boa formação moral e cívica demonstrada pelo Aluno e, atingiu obviamente
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1º Open Day do Colégio Militar
o objectivo pretendido, uma «miraculosa» passagem de ano. Ainda lembrando as festas de final de ano do meu tempo, recordo que foi na festa do ano lectivo de 1958/59, já lá vão quase 60 anos, que se deu a primeira apresentação da Escolta a Cavalo, sob a orientação do inesquecível mestre de equitação o Capitão Manuel José Lopes Cerqueira (341/1931), o «Manel», e sob o comando do Aluno Luis Maria Teixeira da Mota (106/1952), o «Pepe», que era o graduado três estrelas da 1ª Companhia. A nossa então novel formação de Cavalaria entrou no campo de jogos principal, escoltando a viatura do
Orquestra
Ministro, que se apeou frente à tribuna de honra, dando em seguida uma volta completa ao campo deixando a pista de atletismo um pouco em mau estado, com as marcas das ferraduras dos solípedes e, saindo de seguida, sendo despedida com fortes aplausos da assistência. Deixando o passado, que não deve ser esquecido, sigamos para o presente, para vos relatar o que se passou este ano, no encerramento do ano lectivo. Este ano, decidiu a Direcção do Colégio adoptar um figurino completamente novo. O dia
de celebração do final do ano lectivo foi designado o «1º OPEN DAY», promovendo-se um conjunto muito alargado de actividades, distribuídas ao longo de todo o dia, em vários locais dentro do Colégio, cujas portas foram abertas, não só à Comunidade Colegial, mas também ao público em geral que o quisesse vir a conhecer. As actividades desenvolvidas decorreram, das 10H00 ás 16H30, nos Claustros, na «Enferma», no Campo de Obstáculos, nos diferentes Campos Desportivos, no Ginásio, no Anfiteatro e no novo Pavilhão de Ciências. O problema
conjuntamente com os Alunos. De seguida apresentou-se uma orquestra convidada, de violinos e violoncelos em que, num segundo tempo, se integraram Alunos do Colégio. Foi ao som desta orquestra que se fez, num terceiro tempo, a apresentação de um pelotão auto comandado, em exercícios de ordem unida com manejo de arma. A apresentação foi regular, o que se aceita, dado o tempo de treino que é necessário para se atingir um nível elevado de sincronização e correcção de movimentos em exercícios deste tipo. Temos de compreender que foi um começo, sabendo-se que todos os começos não são
Pelotão Auto-comandado
que se pôs a todos os que demandaram o Colégio, foi a dificuldade da escolha, dado não termos o poder da ubiquidade, havendo, porém alguns que o tentam, mas sempre com maus resultados. Pela minha parte resolvi começar pelos Claustros, a nossa sala de visitas por excelência. Comecei por assistir a uma sessão musical, de guitarras e percussão, com um conjunto grande de Alunos, tocando aquilo a que eu chamo viola e guitarra portuguesa. Esta sessão, que me agradou, teve a particularidade de ter um oficial a tocar guitarra,
fáceis. Pela negativa, notei o facto de haver uma Aluna que envergava um dólman inapresentável, que parecia herdado de alguém muito mais alto e muito mais gordo. Não percebo como é que um pai paga a um alfaiate aquele dólman (quase capote), não percebo como é que uma Aluna se presta a usar aquele dólman (não o usaria decerto, se fosse uma peça de vestuário «civil») e não percebo como é que um Oficial Comandante de Companhia admite que um Aluno se apresente daquela forma. A minha crítica às fardas inaceitáveis com que alguns Alunos (não tão
1º Open Day do Colégio Militar
poucos assim) se apresentam, já tem alguns anos. Continuo à espera que dê os seus frutos, pois não posso admitir que o problema seja insolúvel. Sendo um apaixonado dos cavalos, saí dos Claustros, em alta velocidade, para o Campo de Obstáculos, com passagem pela Enferma, onde fui surpreendido pela animação causada por um conjunto de guitarras eléctricas e uma bateria, tocando música latino-americana bem ritmada, que punha o pessoal circundante a «abanar o capacete», como agora se diz. Cheguei ao Campo de Obstáculos ainda a tempo de assistir a uma demonstração de volteio, que
Volteio
terminou com um espectacular salto mortal de costas, feito a partir da garupa do cavalo, que é sempre do agrado da assistência. Lembro-me de, no meu tempo de aluno, este exercício ser feito pelo “Saguim” o 165/1957, de seu nome António Manuel Cabral Botelho Sebastião, um superdotado para a ginástica. Seguiu-se apresentação da reprise da Escola de Mafra, do extinto Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos, que não resistiu às «racionalizações» destruidoras, a que têm sido sujeitas as nossas Forças Armadas. O facto de esta reprise ainda
existir, é uma verdadeira proeza, que temos o dever de realçar e que é devida ao querer e à carolice de um conjunto de Oficiais de Cavalaria, que teimou em não a deixar morrer. Presto-lhes a minha homenagem. Gostei de ver a apresentação da reprise, agora com seis cavalos Lusitanos de pelagem ruça e dois cavalos lazões Anglo-Árabes, que dão um belo efeito ao conjunto. Notei a presença na reprise de uma Oficial cavaleira, o que reflecte a afirmação cada vez maior das mulheres no seio das nossas Forças Armadas. A apresentação não atingiu, na minha fraca opinião de crítico
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um dos grandes mestres da Escola de Mafra. Esta reportagem não pode ir mais longe, dado o facto de eu ter recolhido a casa, por me ter esquecido de meter dispensa da 2ª refeição. Ainda pensei em telefonar, mas quando vi o comprimento da bicha formada frente à roulotte onde se podiam adquirir as bebidas e comidas, agora designada por «street food», achei por bem seguir para casa, onde não tive de fazer bicha para almoçar. Á guisa de conclusão, direi que gostei do que vi, embora a componente militar do evento estivesse reduzida ao mínimo. Estranhei
Prova de Obstáculos
não qualificado, o nível mais elevado. No entanto, o simples facto de a reprise ainda subsistir, repito, é motivo do nosso maior aplauso. A reprise da Escola de Mafra diz-nos muito, pois foram numerosos os Antigos Alunos que a integraram, que a afirmaram e que a lideraram ao longo das muitas décadas da sua existência. Não esquecemos, também, que o Oficial que «ressuscitou» esta reprise, após o interregno resultante da guerra do Ultramar, foi o Antigo Aluno Coronel Jorge Eduardo Rodriguez y Tenório Correia Matias (459/1934),
as designações inglesas usadas (open day e street food), mas penso que isso será o mais fácil de melhorar. Não faltarão, na língua portuguesa, designações adequadas, nem faltarão voluntários para contribuir com as suas sugestões. Eu poderei dar algumas.
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1º Open Day do Colégio Militar
Teatro
Cães
Teatro
Jazzy Dança
Esgrima
Trabalhos Escolares
Antigos Alunos em Destaque
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Antigos alunos
em Destaque
Esclarecimento Na ZacatraZ 207, na página 8, está referenciado João Miguel Beckert Rodrigues (293/1972), quando na realidade deveria estar Pedro Daniel Beckert Rodrigues (157/1971). Lamentamos que a troca de nomes tenha acontecido e do facto apresentamos desculpas aos leitores e muito especialmente aos nossos Camaradas Pedro Daniel e João Miguel. Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949)
Carlos Fernando Valente Ascensão Campos (12/1942) Oficial do Exército - Coronel de Cavalaria Cavaleiro Olímpico em 1972
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o final do passado mês de Maio, realizou-se no hipódromo do Campo Grande, da Sociedade Hípica Portuguesa, a 97ª edição do Concurso de Saltos Internacional de Obstáculos (CSIO), de Lisboa, que se aproxima assim da sua centésima edição, à qual espero vir a assistir. No dia em que se disputou a Taça das Nações, a Sociedade Hípica Portuguesa homenageou o nosso camarada Antigo Aluno, Coronel de Cavalaria Carlos Fernando Valente de Ascensão Campos (12/1942), cavaleiro de obstáculos de elevadíssima craveira, um dos últimos membros de uma geração de ouro de cavaleiros militares, que tive o privilégio de ver competir nas nossas pistas durante largos anos. O Coronel Carlos Campos, como é conhecido nos meios hípicos, pessoa de uma simpatia e de uma simplicidade cativantes, atingiu um dos pontos mais altos da sua carreira de concursista, com a participação nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, onde montou a égua, de sangue francês, Ulla de Lancôme, que ele elege como a montada favorita da sua longa carreira competitiva. Classificou-se num honroso 13º lugar, em competição com a nata dos cavaleiros de obstáculos de todo o mundo. Depois desta sua participação, em que foi acompanhado por um outro Antigo Aluno, também ele um talento da nossa equitação, o Coronel de Cavalaria Vasco Luis Pereira Esteves
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Antigos Alunos em Destaque
Jogos Olímpicos de Munique 1972. Transposição do muro (1,70 m de altura)
Ramires (198/1949), foi preciso esperar 20 anos, para de novo ter Antigos Alunos a participarem nas disciplinas de hipismo dos Jogos Olímpicos. Foi em 1992, em Barcelona. A homenagem prestada foi justíssima e enche de gáudio a comunidade de Antigos Alunos, por vermos um dos nossos ser distinguido, como um exemplo a seguir pelos mais novos. Apresentamos de seguida o texto justificativo da homenagem que lhe foi prestada, bem como uma fotografia da transposição impecável do muro de 1,70 metros de altura, incluído no percurso olímpico. “Simples, discreto, cativante e de uma simpatia extrema, assim é o Coronel Carlos Campos. Quem o vê passar ou estar, sem o conhecer, não dirá seguramente que estamos na presença de um dos grandes cavaleiros do Hipismo Nacional. Olímpico de relevo, triunfador e campeão em várias das maiores provas de saltos de obstáculos, tanto em Portugal, como no estrangeiro, sempre foi esta a postura do Coronel Carlos Campos. A sua paixão pelos cavalos tem cerca de oito décadas. É verdade: oito décadas, já que se iniciou na equitação com apenas seis anos de idade, na região natal, em Rio de Moinhos, próximo de Abrantes. Foi uma dedicação sempre em crescendo, numa vida devotada aos cavalos, no tal amor já descrito e somente superado por aquele que dedica às
suas senhoras, a esposa Maria de Jesus - a apreciada Juju - e as suas três filhas, Cristina, Maria João e Teresa. Neste apuramento da classe que viria a evidenciar publicamente ao longo da vida, não podemos esquecer os verdes anos em Tancos, onde o seu pai prestava serviço militar ou o trajecto no Colégio Militar, durante o seu principal período educacional. Foi por aí que se buscaram e construíram os alicerces firmes e se desenvolveu o talento nato que era facilmente reconhecível. As sucessivas e habituais notas de 20 valores em Equitação dizem praticamente tudo. Carlos Campos esteve sempre ao lado dos cavalos, recebendo cuidada instrução e praticando equitação de todo o género, entre corridas planas, corta-mato e saltos de obstáculos. A decisão para abraçar a carreira militar surgiu com naturalidade e ainda mais premente foi a arma escolhida, pois não podia ser outra do que Cavalaria. Quem teve o privilégio de acompanhar a longa carreira do Coronel Carlos Campos pôde apreciar o que é um equitador de excelência, numa versatilidade exuberante que se estendia pelo Ensino, Concurso Completo, Saltos de Obstáculos e até Salto em Altura, onde foi recordista nacional. As vitórias, os troféus são às centenas. Sim, às centenas. Mais de seiscentos e de todo o tipo.
Quando lhe perguntamos por cavalos que marcaram a sua carreira, brilham os olhos ao Coronel Carlos Campos quando fala da sua “UIIa de Lâncome”, uma égua de origem francesa, num conjunto que deu brado no hipismo nacional e internacional. Entre outras exibições e triunfos de relevo, os dois estiveram nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, onde conseguiram um excelente lugar e, até ao último fôlego, as medalhas estiveram à mão. Mesmo quando a frescura física se foi com a idade, pela lei inexorável da vida, o Coronel Carlos Campos continuou a sua existência junto dos cavalos. Reconhecido juiz de craveira internacional em diferentes especialidades, montou ainda provas e distribuiu os conhecimentos por tantos e tantos alunos que passaram pelo seu crivo rigoroso e sabedor. E tudo isto, este valoroso e inesquecível percurso, no tal lado grandioso que tem a sua vida, sem nunca se pôr em bicos de pés ou procurar qualquer tipo de protagonismo fosse com quem fosse. Estamos perante um daqueles casos em que a obra é tão grande e tão vasta no tempo que nada mais nos resta do que olhar com admiração e reconhecimento por tudo aquilo que esta figura ímpar fez pelo desporto ou modalidade que todos amamos: o Hipismo. Por tudo isso, pelo exemplo e pela extraordinária lição de vida, muito obrigado e bem-haja Coronel Carlos Campos.” Agradecemos ao senhor Secretário da Sociedade Hípica Portuguesa o texto do discurso e as fotografias que nos facultou, que nos permitem apresentar esta notícia. A título de curiosidade referimos que Carlos Campos, quando Aluno do Colégio, notabilizou-se não só na equitação, mas também no hóquei em patins, modalidade que na altura apaixonava o público português. No último número desta revista, podemo-lo ver, em fotografia de 9/11/1949, que ilustrava o epitáfio do seu camarada de curso José Jaime Pinto Monroy Garcia (38/1942), como membro da equipa colegial daquela modalidade. Era assim a formação ecléctica que o Colégio de então proporcionava aos seus Alunos. Bons tempos. Luis Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
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Pedro Júlio de Pezarat Correia (10/1943) Oficial do Exército - Major General Professor Doutor em Relações Internacionais, Política Internacional e Resolução de Conflitos - Universidade de Coimbra
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o passado dia 19 de Julho de 2017 teve lugar na Universidade de Coimbra a sessão de doutoramento em relações internacionais, política internacional e resolução de conflitos do nosso camarada de curso, Pedro Júlio de Pezarat Correia (10/1943). A nossa espectativa era grande à partida, pois já seria um acontecimento nacional de enorme relevo o doutoramento dum oficial general de grande prestígio militar, com 84 anos, depois duma carreira docente em Coimbra iniciada há vinte, culminando num doutoramento classificado de “aprovação com distinção e louvor por unanimidade”, por um Júri composto por sete eminentes professores universitários. Mas a realidade ultrapassou de largo a nossa espectativa: a emoção foi crescente à medida que o doutoramento se foi desenrolando. Entre uma centena de pessoas que assistiu a este doutoramento, estiveram presentes na sala, entre familiares e destacados amigos, cinco antigos alunos do Colégio Militar, um dos quais o seu filho Pedro Luís Pezarat Correia (420/1968). Abriu a sessão a Presidente do Júri, professora doutora Tereza Pedroso de Lima, que fez uma sucinta apresentação do candidato como docente da cadeira de Geopolítica e Geoestratégia, que ele próprio fundou em 1996, na licenciatura de Relações Internacionais da Faculdade de Economia. Ali leccionou até aos 70 anos e, em Maio de 2003, deu a sua última aula a que tivemos o gosto e a honra de assistir, terminada com entusiástico aplauso da assistência onde se contavam os seus alunos, colegas professores e convidados. Mas a sua actividade docente continuou na Academia até ao presente, na condução e acompanhamento de licenciaturas e mestrados, bem como em palestras promovidas pela própria Faculdade de Economia.
Seguiu-se a apresentação da tese por parte de Pezarat Correia, subordinada ao título … Da Descolonização Do Protonacionalismo ao pós-Colonialismo. Esta apresentação foi uma síntese da referida tese, trabalho com 500 páginas a que os membros do Júri iriam interpelar. O candidato/doutorando abriu a referida apresentação nos seguintes termos: Proponho-me, com esta tese, contribuir com uma elaboração conceptual e temática para a clarificação da problemática da descolonização em geral e das colónias portuguesas de África em particular, conferindo-lhe o tratamento e a dignidade de uma dissertação académica. Nada disto aconteceu de geração espontânea: Tudo nasceu e cresceu duma longa vivência militar do Pedro Pezarat Correia, eivada de lucidez e sentido crítico que já se fazia sentir na juventude colegial, mas que se foi desenvolvendo e conformando pela própria experiência de soldado nas Escolas onde se transformou num brilhante Oficial de Infantaria com seis comissões em Goa, Moçambique, Angola e Guiné a partir de 1954 até ao 25 de Abril de 1974. Vinte anos dos quais a maioria passados no Ultramar conhecendo como poucos o processo da colonização portuguesa em África, não deixando de abordar a colonização do Brasil e de Timor. Ainda como jovem oficial a história da colonização do Continente Africano pelos países subscritores da Conferência de Berlim no século XIX, foi tema que estudou e aprofundou, sendo por isso um observador atento, exigente e justo da formação e crescimento desses impérios coloniais, do seu desmembramento no pós-guerra 39/45 com recurso a soluções de domínio económico neocoloniais e das consequentes más condições de vida resultantes para os povos colonizados em geral. As suas convicções democráticas, o seu amor à liberdade e à justiça não lhe permitiram excluir Portugal e a sua política desse con-
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texto analítico dos impérios coloniais, mas soube estabelecer diferenças resultantes do próprio processo de colonização. Outra das suas características muito cedo reveladas, foi o sentido estratégico do exercício do poder pelas potências mundiais e regionais, o que veio robustecer a solidez do seu pensamento analítico quando a questão envolve o domínio imperial dos territórios e dos seus recursos naturais e energéticos. Esse espírito crítico acompanhado da saudável coragem moral e física, que nunca lhe faltaram, foi o alimento duma visão sobre o mundo e sobre o seu amado Portugal em que nasceu, cresceu e vive com uma vitalidade e energia que a todos espanta. Deste modo não foi novidade para ninguém a posição que tomou e o seu próprio envolvimento militar e político na Revolução dos Cravos desde a primeira hora da conspiração. Estava em Angola e foi desde lá que assumiu papel relevante na grande transformação operada no País em Abril de 1974. Voltando à tese e ao Júri que avaliou a candidatura, para além da presidente já antes referida, o mesmo foi composto pelos seguintes professores doutores Luís Moita, Helena Carreiras, Tiago Moreira de Sá, Marcus Faria Ferreira, Boaventura de Sousa Santos e José Manuel Pureza. Em nossa opinião as questões levantadas ao conteúdo da sua tese pareciam sentenciar um desaire pela profundidade, dureza e complexidade afirmativa revelada por cada membro
do Júri. Na verdade, o que aconteceu foi precisamente o contrário pois o Pedro a todas respondeu mostrando uma enorme calma e segurança, sendo objectivo e claro na fundamentação das suas posições, o que deu mais brilho ainda ao seu pensamento, à sua enorme cultura e inteligência. Nós, os seus camaradas de curso do Colégio Militar sentimos um imenso orgulho na pessoa do 10, aquele menino irrequieto, brincalhão e alegre, com um coração do tamanho do Mundo que ainda hoje, com 84 anos, mostra a sua jovialidade. Pedro Pezarat Correia diz que a sua tese traduz uma “reflexão” assente em constatações assumidas por si e por historiadores e sociólogos que ao colonialismo se dedicaram: Por exemplo, acha que a temática da descolonização sofre de “perspectiva viciada do colonizador …” que “confunde a descolonização com a mera transferência de soberania…” pois é vista como “uma dinâmica desencadeada pelo colonizador…” . Diz mais que, na perspectiva do colonizador, “a independência é considerada como uma concessão” sua. Ao contrário ele acha que “colonização e descolonização são dinâmicas de um mesmo processo histórico e sociológico – o colonialismo –… Acrescenta que “a descolonização é um processo faseado que se inicia com a tomada de consciência dos colonizados, passa à luta de libertação, se prolonga com as negociações uma vez reconhecido o direito à independência, prossegue com a transferência da soberania e só se
conclui depois da independência com a consolidação da identidade nacional.”. Conclui logicamente que “na descolonização o protagonista é o colonizado...”, pois é ele que desencadeia o processo ao tomar consciência da sua situação e é ele que acompanha o mesmo até ao fim. Acrescenta que a independência é uma conquista sua e não do colonizador. Ao referir o caso português em África explicita que “a guerra colonial fez despertar a sociedade portuguesa, incluindo a oposição, para a questão colonial”,… “atingiu os próprios pilares da ditadura”,… “esteve na génese da geração dos capitães de Abril” …e “gerou as contradições que culminaram no derrube da ditadura...”. Em síntese revela aquilo a que chama de grande paradoxo, pois foi a ditadura que, para sobreviver mantendo o sistema colonial, provoca o recurso à guerra, guerra essa que foi decisiva da sua própria queda, assumindo a nova Administração democrática a sua participação no processo de descolonização, mas com treze anos de atraso. Pedro Júlio recusa qualificativos sobre o processo de descolonização dizendo que o mesmo respondeu apenas ao que teria (e poderia, acrescentamos nós) ser feito naquelas circunstâncias, por isso exclui o qualificativo de “boa” ou “má” descolonização. Cita Melo Antunes que afirmava não existiram “boas descolonizações” pela simples razão de não existirem “boas colonizações”. A sua tese destaca o caso de Angola ao qual chama “estudo de caso” dedicando-lhe a segunda parte da mesma. Bom conhecedor de toda a sua história, acha que esta colónia “traduz a complexidade da colonização e descolonização das colónias portuguesas em África”. Acha que a história de Angola constitui uma continuada resistência desde o período pré-colonial, passando pelo protocolonial, colonial e pós-colonial sendo “um caso paradigmático das descolonizações do século XX”. Salienta a fase da transferência de poder nos acordos de cessar-fogo com os três movimentos FNLA, UNITA e MPLA e as interferências das grandes potências em período da guerra-fria e hegemonia da República Sul-Africana, como potência regional, processo
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que vai até ao fim do século XX numa guerra sem quartel, terminando apenas em 2002 com a morte de Savimbi, traído pelos seus antigos apoiantes (EUA). Sobre os acordos de paz de Alvor, Bicesse e Lusaka refere que “todos deram lugar a patamares de violência superiores aos precedentes”… Acrescenta a esse respeito que “o papel da ONU e das grandes potências foi dominado pela ligeireza, pela conveniência, e pela hipocrisia política”…terminando com a sintomática frase do secretário-adjunto norte-americano, Herman Cohen, referindo-se ao processo angolano, “A África não merece que aí se corram riscos. É um continente de interesses geopolíticos muito pequenos…” Em estilo de conclusão Pedro Pezarat Correia acentua nesta apresentação a opinião de Amí-
lcar Cabral afirmando que a etapa mais difícil dum processo de descolonização ocorre depois da vitória sobre o colonialismo. Mas refere ainda referindo-se ao processo angolano que “a independência não é uma dádiva ou concessão do colonizador; é uma conquista muito dura, muito longa e muito sofrida do colonizado”. Mas Pedro Pezarat Correia teve ainda nesta apresentação uma referência curta mas importante sobre os casos da Índia, Macau e Timor referidos na tese, caracterizando-os de forma atípica dum processo de descolonização. Na verdade, eles são tratados sob a problemática da transferência do poder designando-os por “não-descolonização” porque se tratou na Índia da normalização de um facto consumado por Neru, herdado do salazarismo; em Macau duma transição pacífica e cordial para a China;
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Em Timor pela anexação violenta do território pela Indonésia com quem os timorenses travaram uma guerra de libertação nacional da qual saíram vencedores. A terminar a sua brilhante apresentação o Pedro narrou um pequeno episódio a propósito do livro “Mayombe” do escritor angolano Pepetela. Conta que comprou esse livro num alfarrabista por ser duma edição diferente da que tinha e que ao folheá-lo ainda na Loja encontrou uma dedicatória manuscrita de Mário Alcatiri, guerreiro e líder da FRETILIN dirigida ao jornalista português antigo director do “Expresso” Augusto de Carvalho, falecido em Maputo onde se fixou. Augusto de Carvalho é tido como um dos melhores jornalistas portugueses a tratar as questões da descolonização. A dedicatória dizia o seguinte: “A todos quantos, de uma forma ou de outra, se simpatizam, apoiam ou se identificam com a justa causa do Povo de Timor/Leste e da FRETILIN, os Mauberes retribuem com a sua amizade sincera. Para si, caro Dr. Augusto de Carvalho, lhe ofereço este romance cuja grande importância reside na forma original como o seu autor procurou provar que os combatentes da liberdade não são nem selvagens, nem semi-deuses. São sim homens, perfeitamente normais, com defeitos, vícios, mas também com virtudes, cujos princípios apoiam-se no amor pela Paz, Igualdade, Independência Nacional e Progresso Social”. Depois surge uma segunda dedicatória, mas esta do próprio Professor Doutor Pedro Júlio de Pezarat Correia, o nosso 10/1943, que termina declarando que a sua tese é também uma homenagem a esses guerrilheiros, extensiva aos militares portugueses que combateram na guerra colonial e que também não eram nem selvagens nem semi-deuses, mas apenas homens normais. À sessão seguiu-se aquele período destinado ao julgamento do Júri, mas a assistência nem esperou os resultados já referidos no início, pois empolgada só pensava em abraçar e felicitar e novel doutorado, “general da tropa” e Menino da Luz. O Curso saído em 1950
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Manuel Júlio Matias Barão da Cunha (150/1948) Coronel de Cavalaria, Licenciado em Ciências Sociais e Políticas Agraciado com a Medalha Militar da Defesa Nacional, 1ª Classe
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a Portaria de concessão desta medalha e respectivo louvor, retirámos: “É louvado o Coronel de Cavalaria Manuel Júlio Matias Barão da Cunha, da Liga dos Combatentes, por ao longo dos nove anos que coordena executivamente o Programa Fim do Império, projecto integrado no programa estratégico “Cultura Cidadania e Defesa” que envolve a Liga dos Combatentes, a Câmara Municipal de Oeiras e a Comissão Portuguesa de História Militar, ter levado à prática, com demonstração de elevada competência no âmbito técnico profissional, a tarefa de desenvolver sustentadamente um programa que procura contribuir para História de Portugal através de testemunhos e investigações de militares dos Ramos das Forças Armadas e das Forças de Segurança, sobre a temática da Guerra do Ultramar. O extraordinário desempenho e as relevantes qualidades pessoais do Coronel Barão da Cunha, permitiram que o Programa Fim do Império desenvolvesse a finalidade de debater este importante período da nossa História, confrontando os olhares, diferentes, mas complementares, das mais diversificadas entidades militares e civis que participaram nas 180 tertúlias que o programa já concretizou e dos 30 livros editados sobre a temática da Guerra Ultramarina. Tendo transitado para a situação de reforma extraordinária por deficiência adquirida em serviço e após ter cumprido duas comissões no Ultramar, o Coronel Barão da Cunha licenciou-se em Ciências Sociais e Políticas e encetou um novo trilho pessoal, sempre ao serviço de Portugal, dedicando toda a sua capacidade pessoal e académica ao serviço da cultura, na Função Pública e em Autarquias, desenvolvendo actividades culturais na Câmara Municipal de Lisboa e na Câmara Municipal de Oeiras, onde foi o primeiro coordenador
da Livraria-Galeria Municipal Verney, desde 1995 até se aposentar em 2008. Os serviços por si prestados foram reconhecidos pelo Município de Oeiras com a atribuição de duas medalhas de grau ouro, tendo as Juntas de Freguesia de Oeiras e de São Julião da Barra distinguido cada uma o homem de cultura com uma medalha de grau ouro. O Coronel Barão da Cunha desenvolveu também uma carreira de escritor, conferencista e ensaísta, sendo autor de sete livros que contam com várias edições e onde se reflectem inegáveis dotes literários retratando facetas múltiplas da experiência ultramarina que vivenciou profundamente e uma rara sensibilidade para reflectir a problemática étnicosociológica que a envolvia, a par do testemunho de grande sensibilidade de português, com sólida formação como militar e Combatente do Ultramar. Como Homem e Militar o Coronel Barão da Cunha deu testemunho, neste seu novo percurso pessoal, de invulgar espírito de compreensão e sentido humano, delicado trato, excepcional capacidade de organização, dedicação, espírito inovador, empenho incondicional, calma, serenidade e indómita vontade de realizar por forma elevada e eficiente as tarefas assumidas. Pelas relevantes qualidades pessoais e afirmação constante dos valores e elevadíssimos padrões éticos associados ao desenvolvimento de uma vasta actividade na área da cultura, considero de toda a justiça que os seus serviços sejam reconhecidos como extremamente importantes, tendo contribuído significativamente para a eficiência, prestígio e cumprimento da missão da Liga de Combatentes e do Ministério da Defesa Nacional.”
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Carlos Alberto Grincho Cardoso Perestrelo (329/1972) Major-General Pára-quedista Comandante Operacional e da Zona Militar da Madeira
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arlos Alberto Grincho Cardoso Perestrelo (329/1972), natural de Portalegre, assumiu em 6 de Julho de 2017 as funções de Comandante Operacional e da Zona Militar da Madeira. Frequentou o Colégio de 1972 a 1979, ano em que concluiu o Curso e foi graduado da 3ª Companhia, sendo actualmente membro do Conselho Supremo da AAACM. Oriundo da Arma de Infantaria está habilitado com os cursos curriculares de carreira, o Curso de Estado-Maior e o Curso de Promoção a Oficial General. Possui entre outros, o Curso de Pára-quedismo, de Instrutor de Pára-quedismo, de Saltador Operacional de Grande Altitude (SOGA), de Instrutor Comando e de Forças Especiais e o curso de “Rangers”, realizado nos Estados Unidos da América. Ao longo da sua carreira prestou serviço em várias Unidades, Estabelecimentos e Órgãos do Exército e das Forças Armadas. Ingressou em 1985 no Corpo de Tropas Pára-quedistas da Força Aérea, onde esteve integrado até à sua extinção no final de 1993. Neste período esteve colocado em todas as unidades territoriais deste Corpo de Tropas (Tancos, Monsanto e São Jacinto) e exerceu diversas funções de Comando e Estado-Maior em Subunidades de instrução e operacionais da Brigada Ligeira Pára-quedista. Em 1993/1994 desempenhou uma missão de Observador Militar na UNPROFOR (antiga Jugoslávia). Colocado na Divisão de Operações do Estado-Maior do Exército, em 1995, foi nomeado em 1997 para o Estado-Maior da EUROFOR (Florença, Itália).
Comandante do Batalhão de Instrução da Escola de Tropas Aerotransportadas (2001), Chefe do Estado-Maior da Brigada Aerotransportada Independente (2004), Comandante da Escola de Tropas Pára-quedistas (2006), Chefe do Estado-Maior do Comando Operacional das Forças Terrestres (2008/2010), 2º Comandante da Brigada de Reacção Rápida (2011/2013). Com a promoção a Major-General assumiu as funções de Director de Doutrina do Exército (2013/2014) e de Comandante da Brigada de Reacção Rápida (2014/2017). Foram-lhe concedidos 16 louvores, dos quais 5 pelo General Chefe do Estado-Maior do Exército, 6 por outros Oficiais Generais e 5 por outras Entidades. Foi condecorado com a Ordem Militar de Aviz (Grau Grande Oficial), 4 Medalhas de Serviços Distintos (Grau Prata), 2 Medalhas de Mérito Militar (1ª e 3ª Classe), Medalha de D. Afonso Henriques (1ª Classe) e Medalha de Mérito Aeronáutico (1ª Classe). Possui ainda a Medalha de Honra (Grau Ouro) do Município de Vila Nova da Barquinha. Ao nosso Camarada Antigo Aluno desejamos os maiores êxitos na nova missão que lhe foi confiada, na continuidade da brilhante folha de serviço da sua vida militar.
Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949) Director da ZacatraZ
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Miguel Afonso Dias de Ayala Botto (554/1972) Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
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iguel Afonso Dias de Ayala Botto (280/1975), tomou recentemente posse como Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico. Tendo-se doutorado em Engenharia Mecânica em 1996 naquele estabelecimento de ensino, a sua carreira científica foi desenvolvida integralmente no Instituto de Engenharia Mecânica (IDMEC) na procura permanente
em aplicar novos desenvolvimentos da teoria de controlo a problemas complexos de engenharia nomeadamente, controlo de robôs manipuladores flexíveis, cancelamento activo de ruído, estimação de estado de sistemas híbridos estocásticos, controlo tolerante a falhas de sistemas complexos de larga escala, controlo preditivo para optimização de sistemas logísticos e redes de transporte.
João Eduardo Castro e Campos de Brito Subtil (45/1983) Médico Otorrinolaringologista
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istinguido no dia 7 de Maio de 2017 com o Prémio de Melhor Comunicação livre em Otologia no 64º Congresso da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, realizado no Centro de Congressos de Santiago da Barra, em Viana do Castelo, com o trabalho “Entrada De Água Através Do Tubo De Timpanostomia: Estudo Com Modelo Multifásico De Dinâmica De Fluidos Computacional”. Foi apresentado o resultado do trabalho, suportado por uma bolsa de investigação Amplifon, recorrendo a simulação por modelo de dinâmica de fluidos computacional, em que foi elaborado e avaliado um modelo de canal auditivo externo e ouvido médio de criança, e foram avaliadas diversas situações de exposição a água após cirurgia de miringotomia com implantação de tubo transtimpânico. Os resultados permitirão
adequar melhor os cuidados pós-operatórios nestas cirurgias. Este trabalho foi particularmente elogiado por apresentar um projecto inovador em investigação translacional entre Medicina e Engenharia, envolvendo as Nova Medical School e o Instituto Superior Técnico, tendo sido igualmente seleccionado para apresentação em comunicação livre no mais recente Congresso Mundial da International Federation of Otolaryngologycal Societies, em Paris, a 28 de Junho de 2017, onde foi novamente elogiado. No Congresso de Viana do Castelo obteve, também, um segundo lugar com o trabalho “Impacto na Qualidade de Vida dos Cuidados Pós-operatórios Após Colocação de Tubos Transtimpânicos na Otite Média Cónica com Derrame.” Na sua carreira médica já foi distinguido com 26 prémios nacionais e internacionais.
Curso de 1950/1957 Romagem dos 60 Anos de Saída
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Curso de 1950/1957 Romagem dos 60 Anos de Saída 2 de Junho de 2017
Curso 1950/1957 - 60 Anos de Saída - 2 de Junho de 2017 ©Foto Renato Oliveira
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ecorridos sessenta anos da saída do Colégio, nesta Romagem de Saudade estiveram presentes os Antigos Alunos Fernando Duarte Pina da Silva Ramos (9/1950), José Eduardo de Almeida Barata Correia (28/1949), Carlos Domingos de Oliveira Ayala Botto (32/1951), José Manuel de Vasconcelos Caeiro (41/1949), Manuel Eduardo de Castro Arantes e Oliveira (43/1949), António Fernandes Duarte Silva (59/1950), António Manuel Campos Batalha Machado Graça (63/1950), António Rafael Passarinho Franco Preto (67/1950), João Luís Raposo Alves Saltão (70/1950), António Maria Morgado de Oliveira e Silva (91/1949), José Eduardo Martinho Garcia
Não foi possível a tradicional foto na “Enferma”, por se encontrarem em curso os preparativos para o “1º Open Day do Colégio Militar”, que iria acontecer no dia seguinte.
Leandro (94/1950), José Alberto da Costa Matos (96/1950), Manuel de Mendonça Tavares da Silva (116/1950), Francisco Maria Beirão Ramos Rasteiro (152/1949), António Coelho Sena (156/1952), Morris Artur de Almeida Lewis (160/1950), Francisco Manuel Vidigal Solano de Almeida (188/1951), Rui Manuel Ramalho Ortigão Neves (190/1951), José Henriques Rola Pata (191/1951), José Francisco Pereira Machado Dray (217/1950), António Bernardo Carvalhais Figueiredo (229/1951), José Faceira Teixeira (234/1952), Eduardo José Moreira Castelo Branco Cary (242/1950), João Carlos de Azevedo de Araújo Geraldes (245/1952), João Manuel Velhinho Pereira Nobre de Car-
valho (248/1952), Fernando Cândido de Antas Furtado Coelho (274/1950), Nuno António Bravo Mira Vaz (277/1950), João António Branco Martins da Rosa Garoupa (286/1950), José Maria de Campos Mendes Sentieiro (294/1952), José Manuel Simões Ramos de Campos (319/1950), António José Fonseca Cavaleiro de Ferreira (332/1950), António Manuel Carvalho Cabral de Melo (341/1950), Duarte Nuno Vaz Osório de Penalva (352/1951), Vítor Manuel de Oliveira Santos (365/1949), Ruy António de Menezes Fonseca e Silva (369/1949), Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949), António Carlos Barreiros Nunes de Menezes (379/1951) e Raúl Miguel Socorro Folques (380/1952).
Curso de 1950/1957 Romagem dos 60 Anos de Saída
©Foto Leonel Tomaz
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Por motivo de força maior não foi possível a presença de Luís Gonzaga Ribeiro Goulão (169/1950), de João Manuel Monteiro Stichaner Lacasta (125/1952) e de Duarte Nuno de Carvalho Gomes de Castro (288/1949), que enviaram mensagens de camaradagem e confraternização. Com desenho alusivo aos 60 Anos de Saída, da autoria de José Alberto da Costa Matos (96/1950), foi criado um cubo acrílico para recordação desta data, tendo sido oferecido um exemplar ao Capelão Padre José Maria de Braula Reis, ao Director do Colégio, Coronel de Artilharia António Emídio da Silva Salgueiro
(461/1972) e ao Presidente da AAACM José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973). Na Biblioteca, O Director do Colégio deu as boas-vindas, agradecendo a presença do Curso, realçando o aspecto salutar que para todos, Alunos, Antigos Alunos e Docentes, constituem estas Romagens de Saudade. Como já vem sendo hábito nas suas intervenções objectivas e bem articuladas, traçou uma panorâmica das acções que têm vindo a ser implementadas e das metas para o futuro, sendo notório o reflexo positivo de algumas medidas que tivemos oportunidade de conhecer e, mais tarde, observar. Em nome do Curso, Francisco Manuel Vidigal Solano de Almeida (188/1951), antigo Comandante da 4ª Companhia, substituindo o Comandante do Batalhão Pedro Morais Silva Leitão (199/1950), precocemente falecido no auge de uma carreira brilhante e promissora, proferiu as seguintes palavras: “Senhor Director do Colégio Militar Meus Amigos Quero agradecer a Vexa, Sr. Director, em nome do Curso de Saída de 1957, o ter-nos disponibilizado as instalações do Colégio, para podermos comemorar os 60 Anos de Saída. Muito obrigado. Tendo em conta que, recordar provoca e estimula a reflexão, que por sua vez é dinamizadora de toda a actividade criativa; Tendo em conta que, da recordação comunitária, cada um retira para si, alimento para a sua memória; Tendo em conta que, a vida não é um cenário, mas sim um gesto de amor; Porque recordamos, há que reflectir, para que a nossa actividade continue a ser criativa e agora, que sabemos serem mais os anos já vividos do que aqueles que temos para viver, mais do que nunca os cabe esta responsabilidade. Alertados que estamos para uma maior libertação de cenários impostos ou escolhidos, há que virarmo-nos para a vida com um gesto de amor. Para mim, a vida como um gesto de amor, é a nossa capacidade de viver com e para os outros. Os outros, razão essencial e ímpar da nossa existência.
Para poder saber viver e estar com os outros, que aprendi também no Colégio, continuo a contar convosco, Meus Amigos, Companheiros de importante parte da minha memória colectiva. Expressar por palavras é difícil, sobretudo quando falamos dos sentimentos, no entanto elas devem ser ditas, porque precisamente há sentimentos.” O Presidente da AAACM saudou o Curso e agradeceu a colaboração que dele tem recebido para levar a cabo a missão em que está investido, enaltecendo o empenho da Direcção do Colégio no propósito de alcançar a excelência por todos desejada e reafirmando o total apoio e préstimo da Associação para se atingir este objectivo. Seguiu-se uma visita ao Museu Colegial que, apesar de ter sido visitado inúmeras vezes, constitui sempre um momento de saudade por suscitar recordações que não tinham sido anteriormente descortinadas. A “magia” do Colégio é uma realidade reconfortante e, só quem teve o privilégio de ter sido seu Aluno, a percebe na sua plenitude. Nos Claustros, foi o encontro com os nossos Sucessores, onde aparecem agora Alunos da Instrução Primária com a natural graciosidade e espontaneidade da sua tenra idade, envergando fardas (feminina e masculina) muito bem desenhadas e concebidas. Descerrada a placa alusiva a esta romagem ao Colégio, de que se guardam gratas recordações, seguiu-se a tradicional fotografia, desta vez junto da Chama Colegial e do Monumento dos 175 Anos, uma vez que a Escadaria da Enferma estava ocupada com os preparativos para o “1º Open Day do Colégio Militar”, que iria acontecer no dia seguinte. Após o tradicional almoço de “Amarelo” no Refeitório do Corpo de Alunos, foram visitadas as excelentes instalações do Internato Feminino. À noite teve lugar um jantar na Messe da Força Aérea Portuguesa, em Monsanto, que decorreu num ambiente familiar de grande amizade e camaradagem.
Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
Baile de Gala Finalistas do Ano de 2017
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Baile de Gala
Finalistas do Ano de 2017 ©Fotos Renato Oliveira
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o passado dia 26 de Maio realizou-se o Baile de Gala em honra dos Finalistas que terminaram este ano o seu curso no Colégio Militar. Uma noite sem nuvens e de temperatura amena que contribuiu para um serão muito agradável no mítico ambiente dos Claustros, bem decorado e com uma acolhedora iluminação que realçava a beleza deste edifício secular e que tem sido bem conservado e cuidado. Um verdadeiro ex-libris do nosso Colégio. As Alunas envergaram vestidos compridos de cor bordeaux, diferindo apenas no modelo e os Alunos, como desde sempre, farda de gala com granadeiras e canana.
O Director do Colégio, Coronel de Artilharia António Emídio da Silva Salgueiro (AA 461/1972), num improviso fluente e bem estruturado, saudou todos os presentes com especial referência para os Finalistas de 2017, tendo dito: “Boa noite Antes de entregar simbolicamente uma lembrança de final de Curso a cada finalista, saúdo o nosso Major-General João Reis, Director de Educação do Exército, cumprimento os Presidentes da Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos do Colégio Militar e da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar e, na pessoa dos dois Alunos dos Pupilos, cumprimento a respectiva Delegação
e o seu Director que dentro em breve estará connosco, sendo importante referir que qualquer destas Escolas marcam a diferença que nos leva a estar aqui numa noite tão especial. Refiro também a presença dos elementos do Corpo Docente, dos Militares, dos Funcionários Civis, que connosco servem esta Escola desde há muito e que, em particular hoje, também aqui se reconhecem no resultado do trabalho dos últimos oito anos com os Finalistas que estão connosco. Muito obrigado pelo trabalho que todos desenvolveram. Queria também dedicar uma palavra muito especial aos Antigos Alunos aqui presentes,
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Baile de Gala Finalistas do Ano de 2017
aos Pais, aos Encarregados de Educação, a todos que quiseram estar connosco hoje. Para quem é Antigo Aluno desta Casa, este é mais um dos momentos especiais que vivemos ao longo da nossa vida no Colégio e particularmente no último ano que aqui passamos. Cada dia é menos um dia e isso só significa para cada um de nós, a marca que esta Casa nos deixa, a Casa que nos forma, a Casa que contribui para que, independentemente das memórias que temos do tempo aqui passado, sejam elas mais ou menos positivas, sejam elas mais marcantes, a Barretina perdure. Esta é uma Casa muito especial para todos. Por estes aspectos e outros, é uma Casa que nos leva a regressar aqui sempre com um sentimento muito especial. Gostaria que isso fosse também para cada um de nós que compõe esta Comunidade Colegial, Pais, Encarregados de Educação, Corpo Docente, Corpo Discente e para todos, quantos aqui se reúnem sistematicamente, continuasse a ser uma marca muito importante. Nós precisamos cada vez mais que isso seja uma realidade. Este é um Colégio único, Escola que cada dia mais se irá fortalecer na força de cada um de nós. Para mim é um privilégio estar aqui hoje convosco, ter recebido estes Alunos do meu antecessor
o Coronel Sardinha Dias, a quem cumprimento muito particularmente, na sequência de um processo difícil, processo que nos põe à prova, processo que, só connosco, poderá ser sempre ultrapassado pela determinação que cada um de nós deve ter. Queria, e fá-lo-ei de seguida individualmente a cada um de vós, cumprimentar o Curso de Finalistas, pela dedicação que tiveram, pela história que cada um de vós aqui tem no Colégio e por aquilo que registarei sempre, mesmo nos momentos difíceis, nós somos um só “Um por Todos Todos por Um”, este é o nosso lema, esta é a nossa regra e gostaria que esta fosse de facto uma noite muito especial e marcasse uma vez mais a memória de quem aqui passa. Parabéns a todos, parabéns a todos os Finalistas, muito obrigado a cada um dos que aqui estão presentes, muito obrigado pelo apoio que as Famílias nos deram durante este período e continuarão a dar e contem com o Colégio como sendo sempre uma vossa Casa. É isso que aqui nos faz querer estar sempre presentes. Muito obrigado.” A prestação musical esteve a cargo da Orquestra Ligeira do Exército, conjunto de excelência composto por vinte e dois militares de diferentes patentes, onde se incluem duas brilhantes vocalistas.
A qualidade da sua actuação já conhecida de outras participações, revelou-se mais uma vez como um contributo valioso para o esplendor da noite do Baile de Gala. Este ano, nas mesas foram colocados candelabros com velas acesas, excelente ideia que tornou ainda mais caloroso o ambiente da “Sala de Honra” do nosso Colégio que, certamente, será mais tarde recordado com saudade por todos os que nele participaram, muito especialmente aqueles a quem foi dedicado este serão. Às Alunas e aos Alunos Finalistas que concluíram o Curso do Colégio e dele se despedem, a revista ZacatraZ e todos os seus colaboradores desejam os maiores êxitos na jornada futura que irão enfrentar, dignificando e elevando bem alto o nome desta secular Instituição a que ficam ligados por laços indestrutíveis de uma vivença única.
Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
XXV Jantar do Oeste na Quinta do Castelo
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©Foto António de Azeredo Lopes (378/1981)
XXV Jantar do Oeste na Quinta do Castelo
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Jantar do Oeste que há vinte cinco anos se realiza nesta Região, teve mais uma vez (pelo oitavo ano consecutivo) acolhimento na Quinta do Castelo, pela camaradagem e deferência do seu proprietário António José de Azeredo Lopes (350/1954) e pela amabilidade do seu filho António Mucharreira de Azeredo Lopes (378/1981). Importa também mencionar e registar o agradecimento devido à Senhora de Azeredo Lopes, Senhora D. Maria de Fátima, que nos bastidores coordena toda a organização necessária para a realização deste jantar, tarefa nada fácil e sempre desempenhada com grande mérito e muita gentileza. A excelência das instalações, decoradas com diversos símbolos e motivos colegiais, a qualidade gastronómica do jantar, dos aperitivos e dos vinhos servidos, a par de um cuidado e bem organizado serviço executado por gente nova, competente e sorridente, tornam os encontros do Oeste ainda mais calorosos e agradáveis para além das manifestações de camaradagem que em si encerram. A tradicional “Sopa de Peixe”, que foi desde o início um elemento marcante e muito apreciado na ementa destes jantares, continua a merecer rasgados elogios e o “Arroz de Pato” servido este ano lembra, pelo menos para os septuagenários, os
sabores que dele temos memória quando nos era servido em casa dos nossos Pais e dos nossos Avós. Os vinhos, como também vem sendo hábito, foram oferecidos pelos Antigos Alunos António José de Azeredo Lopes (350/1954) – Quinta do Castelo Tinto 2012 e 2014 (Syrah, Periquita e Alicante Bouchet), e Carlos João Fernandes Pereira da Fonseca (277/1960) - Quinta do Sanguinhal Tinto, Quinta das Cerejeiras Branco e Quinta do Sanguinhal Rosé. Este ano verificou-se a maior participação de sempre (84 Antigos Alunos estiveram presentes) a que se juntaram, como convidados, Leonel Tomaz, Sócio Honorário e actual colaborador na nossa Associação de Antigos Alunos, e os antigos Servidores do Colégio José Pontes, Francisco Xavier e Mário Caixada (Márinho), Sócio Honorário. Participaram neste convívio os Antigos Alunos Fernando Edgard Collet-Meygret de Mendonça Perry da Câmara (143/1940), José Eduardo de Almeida Barata Correia (28/1949), Vítor Manuel de Oliveira Santos (365/1949), Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949), Carlos Manuel Silva Monteiro (154/1951), Luís Manuel Caldeira Pinto (168/1953), António Manuel da Costa Vieira Lisboa (237/1954), António José de Azeredo Lopes (350/1954), Luís Fernando Cordeiro Falcão Mena (77/1955), Manuel Augusto Moutinho da Silva Pereira (292/1955), Nuno Álvaro Pistacchini Calhau (320/1955), António Fernando
©Foto Leonel Tomaz
Diniz de Ayala Boaventura (339/1955), José Manuel Vasconcelos e Silva de Magalhães (409/1955), Manuel Agostinho de Castro Freire de Menezes (423/1955), António dos Santos Castro (63/1956), José Manuel Pinheiro Lopes Canavilhas (119/1956), Manuel José de Matos Almeida (262/1956), Mário Carlos de Sousa Tavares (274/1956), Mário João Conde de Carvalho Pereira (275/1956), João Furtado de Azevedo Coutinho (391/1956), Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957), João Manuel da Silveira Malheiro de Távora (364/1957), José Fernando
XXV Jantar do Oeste na Quinta do Castelo
©Foto Leonel Tomaz
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©Foto Leonel Tomaz
O Dono da Casa e os mais Antigos
Aspecto parcial durante o jantar
Décoppet dos Santos Coelho (379/1957), Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958), António Cortez Freire Damião (236/1959), João Luís Madeira de Carvalho Egreja (359/1959), Feliciano José Mora Moniz Santos (392/1959), Rui Manuel de Sá Leal (502/1959), Fernando Faustino Roque Vale (518/1959), Joaquim José Arranhado Bação (77/1960), Gonçalo Rui Santos Pereira (221/1960), João Sanches de Miranda Mourão (552/1960), , Luís Alexandre de Oliveira Mateus de Magalhães (146/1961), José Francisco Machado Norton Brandão (400/1961), Manuel Quinti-
no Filipe da Silva (579/1961), José Carlos Faria do Amaral (584/1961), José Manuel Granja Gomes da Silva (586/1961), Artur Manuel de Spínola e Santos Pardal (587/1961), João Manuel Gomes Pereira Carmona (589/1961), João Lopo Pinto Cancella de Abreu (64/1962), João Carlos Beleza Gonçalves Vaz (123/1962), Luís Fernando Bernardes dos Reis (429/1962), Fernando José Saraiva Maia Henrique (492/1962), Francisco José Petrucci Guterres da Fonseca (13/1963), João António Feio Pereira (157/1963), Carlos Manuel Dias Lima Costa (340/1963), João Manuel Porto
Silva Frade (362/1963), Luís Manuel Gomes do Prado Quintino (474/1963), José Manuel Spínola Barreto Brito (539/1963), José Nunes do Rosário e Silva Leitão (153/1964), João Manuel Trabulo Espinosa de Seixas (161/1964), Carlos António de Lima Duarte Ferreira (398/1964), Luís Alberto Oulman da Costa de Sousa de Macedo (517/1964), Francisco Manuel Carvalhosa de Matos Silva (52/1965), António Alexandre Castanheira Coelho (94/1965), Luís Alberto de Brito Correia de Matos (196/1965), José Manuel Machado Santos (200/1965), José Eduardo Jorge Eiras Dias (393/1965), José Manuel Pais Sampaio (483/1965), Mário Manuel Godinho Simonetti (544/1965), António Victor Reynaud da Fonseca Ribeiro (43/1968), José Augusto de Almeida Serôdio (533/1968), José Miguel Teixeira de Faria (2/1969), Eduardo Manuel de Abreu Oliveira Pegado (205/1969), Eduardo José de Carvalho Marques (666/1969), António Luis Henriques de Faria Fernandes (454/1970), Alberto Luís e Silva Maria dos Santos (618/1970), José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973), João Paulo Noronha da Silveira Alves Caetano (609/1973), António Manuel Gonçalves Alexandre (527/1974), Pedro Nuno Gonçalves Alexandre (257/1978), Eugénio de Campos Ferreira Fernandes (180/1980), António Pedro Pascoal Anaia (273/1980), João Paulo Santos Gomes (223/1981), José Manuel Coelho de Jesus Francisco (294/1981), Pedro Eduardo Laboreiro Risques da Costa Ferreira (304/1981), Carlos Manuel Pires Viegas (334/1981), Dário Duarte Mendes Prates (340/1981), António Mucharreira de Azeredo Lopes (378/1981), Miguel de Oliveira Batista da Costa Freire (380/1981), Pedro Gonçalo Coelho Nunes de Melo (51/1982), Nelson Manuel Machado Lourenço (377/1982), Sérgio de Deus da Silva Garcia (326/1985) e Francisco José da Silva Jorge (233/1987). A organização esteve a cargo de Fernando Faustino Roque do Vale (518/1959) e de Luís Fernando Bernardes dos Reis (429/1962). Para os Donos da Casa, para os Organizadores e para os “Fornecedores” dos vinhos, registamos a sua contribuição e disponibilidade para mais esta confraternização de Antigos Alunos. Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
Homenagem aos Combatentes XXIV Encontro Nacional
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Homenagem aos Combatentes XXIV Encontro Nacional
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onforme a tradição, decorreu, no passado dia 10 de Junho, o Encontro Nacional de Combatentes, em que foi mais uma vez incluída a Homenagem Nacional aos Combatentes. As cerimónias começaram na Igreja dos Jerónimos e tiveram seguimento no Monumento
aos Combatentes do Ultramar, situado em frente ao Forte do Bom Sucesso, em Lisboa. Estas são aquelas cerimónias em que sempre tomam parte o Colégio e a nossa Associação, tendo em mente o elevadíssimo número de Antigos Alunos que participaram nesta guerra e aquela vintena de Antigos Alunos que na mesma pereceram. Honra e Glória para aqueles que deram a sua vida pela Pátria! Como dizia no convite que foi distribuído, o objectivo destas cerimónias é singelo, mas de significado transcendente «Celebrar a Pátria honrando os nossos Combatentes». O programa das celebrações foi o habitual: missa nos Jerónimos de sufrágio pelos que tombaram pela Pátria, seguida de diversos actos defronte ao monumento aos combatentes do Ultramar, conjunto majestoso de lápides onde se encontram inscritos os nomes de cerca de dez mil homens, «em quem poder não teve a morte», com já lembrava Camões, recordando nos «Lusíadas» os caídos na epopeia do Oriente, nos séculos XV e XVI. «Nem deixarão meus versos esquecidos Aqueles que nos Reinos lá da Aurora Se fizeram por armas tam subidos, Vossa bandeira sempre vencedora: Um Pacheco fortíssimo, e os temidos Almeidas, por quem sempre o Tejo chora, Albuquerque terríbil, Castro forte, E outros em quem poder não teve a morte» Antes do início das cerimónias, o Grupo Coral de Cantares Alentejanos da GNR, que
participou na Missa nos Jerónimos entoou, em cante alentejano, a moda Adeus Cantinho da Serra. Ocupadas as respectivas posições pela Guarda de Honra, pelos Guiões por detrás do Monumento e ao longo das lápides e da Banda Marcial e da Fanfarra da Guarda Nacional Republicana no seu lugar na Parada, iniciaram-se as cerimónias com as palavras proferidas pelo Presidente da Comissão Executiva, Senhor Tenente General Piloto Aviador Rui Alberto Fidalgo Ferreira, que se transcrevem: “Excelentíssimas Entidades Civis, Militares e Religiosas que nos distinguiram e honram com a sua presença. Digníssimos Convidados, obrigado por terem aceite e terem vindo. Minhas Senhoras e meus Senhores. Combatentes: Hoje estamos aqui reunidos para homenagear o combatente por Portugal. Desde S. Mamede, passando por Aljubarrota, Ceuta, Cochim, Pernambuco, Flandres, África e agora o mundo, gerações sucessivas de portugueses foram garantir que os interesses de Portugal, em cada momento definidos pelo seu poder, fossem respeitados. Há quem distinga essas campanhas em guerras boas e guerras más. Pode até aceitar-se isso. Mas tem-se esquecido que só há combatentes bons. Os que deram tudo para que a sua carta a Garcia fosse entregue, independente de quem a escreveu. É perante todos eles que nos curvamos hoje, em particular os combatentes do Ultramar,
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Homenagem aos Combatentes XXIV Encontro Nacional
©Foto Rafael Vicente/Jornal “Elo” da ADFA
Convidados de Honra
com especial respeito por aqueles cujos nomes estão gravados naquelas placas. E eu, de modo particular me curvo, perante os nomes, ali inscritos, no cumprimento de missões que eu determinei. Mas quero lembrar também, de uma forma especial, aqueles que são por vezes esquecidos, aqueles que deram o seu esforço e regressaram com sequelas. Esses que nunca puderam libertar-se das suas experiências porque elas se perpetuam nas suas vidas. Esses são os nossos heróis anónimos. Saúdo também aqueles que estão aqui. Todos os que vindos das suas terras, famílias e ocupações, vieram homenagear o combatente seu camarada. E vieram hoje, aqui, como vão ao almoço da Companhia, do Batalhão, da Esquadra, do Destacamento. E isso faz-me pensar, porquê? Na maioria, cada um está nos seus setenta ou oitenta anos de vida, na qual só viveram farda-
dos uns três anos. Depois fizeram a sua carreira, nas oficinas ou nos escritórios, nas escolas ou nos hospitais, nos negócios ou nos campos. Foram décadas, com outros colegas, outros ambientes, mas estarão sempre aqui, em razão de um tempo curto das suas vidas, mas tão importante, que os marcou para sempre. Existirão certamente muitas explicações, desde o dever cumprido ao orgulho de ter estado. Mas isso só, não une. O que nos uniu, penso, foi a dependência. Em cada dia que lá estivemos dependemos do companheiro, e ele de nós. E se aqui estamos devemo-lo uns aos outros, porque tivemos sucesso nesse apoio, o sucesso que não conseguimos garantir àqueles cujos nomes ali estão. Pelo que falhámos e pelo que conseguimos, criou-se uma ligação que nos trará aqui sempre, procurando os que estão, lembrando os que ficaram.
A todos os Combatentes meus companheiros de armas, a todos os que acreditando no porvir estão hoje aqui, quero saudar e agradecer em nome da Comissão Executiva, o que fizeram e fazem pela Pátria. Obrigado. Viva Portugal.” Em seguida foi lida, pelo Presidente da Comissão Executiva, a mensagem de Sua Excelência o Senhor Presidente da Republica: “Combatentes, O ensejo de hoje, Dia de Portugal, me juntar a vós é uma das mais honradas distinções que recebo como Presidente da República e Comandante Supremo. Assim, quero convosco, acima de tudo, prestar o nosso respeito e a nossa homenagem a todos os combatentes, e, com todos vós, lembrar de uma forma muito especial aqueles que tombaram… aqueles que por nós generosamente entregaram as suas vidas nos cam-
Homenagem aos Combatentes XXIV Encontro Nacional
Bernardo de Ayala (171/1980) e Bernardo de Ayala (171/1953)
©Foto Rafael Vicente/Jornal “Elo” da ADFA
pos da guerra… que são também aqueles que escreveram e escrevem o nome de Portugal. De alguns apenas sabemos que perderam o seu nome para conquistarem o de Portugal. Não sabemos onde nasceram, como e quando morreram, onde tinham as suas casas e as suas famílias, a quem amavam ou quem os amava. Sabemos que amavam Portugal. Sabemos que, como nós, tinham o sabor do mar pela manhã, a saudade ao fim da tarde e os sonhos dos poetas à cabeceira. A todos eles, aos soldados fardados de bravura, firmeza e especial abnegação, devemos o mundo Português, cujas fronteiras nos enchem de orgulho, de honra e de esperança. Um mundo que talvez estivesse para lá da sua própria imaginação. Uma Pátria que não sendo perfeita se tornou um porto seguro, um espaço de liberdade, um lugar de criatividade, inovação e desenvolvimento, uma voz forte que se faz ouvir e que conquistou a sua
identidade numa Europa que teima em encontrar a sua e num mundo global cada vez mais indefinido. Aos combatentes que fizeram Portugal, aos que hoje enobrecem a sua memória cumprindo o Dever maior que é a defesa da Pátria saibamos agradecer e homenagear, suportando com dignidade as dificuldades, demonstrando uma inabalável coragem, usando com inteligência a ousadia, sendo firmes e constantes, acreditando na nossa força e caminhando juntos como povo, rumo a um destino comum, próspero e fraterno.” A oração inter-religiosa católica e muçulmana, foi dirigida pelo Padre Capelão Tenente-Coronel Jorge Almeida e pelo Imã da Mesquita de Lisboa, Sheik David Munir, cerimónia onde também foram lembrados todos os Camaradas de outras religiões que tombaram ao serviço de Portugal.
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Terminada esta cerimónia, foi lida uma breve nota curricular do orador convidado para homenagem e exaltação dos militares mortos ao serviço de Portugal: “Filho de combatente, foi aluno do Colégio Militar. Licenciou-se em Direito em 1993 e exerce advocacia desde esse ano. As suas áreas de prática são o Direito Público, o Project Finance e a Energia e Recursos Naturais, incluindo experiência de contencioso nacional e internacional, bem como arbitragem. Em 2009, a publicação jurídica Iberian Lawyer destacou-o entre os quarenta melhores advogados da Península Ibérica com menos de quarenta anos. Leccionou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Integrou os Órgãos de Conselho da Ordem dos Advogados. Tem diversas obras publicadas em português, inglês e francês.”
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Homenagem aos Combatentes XXIV Encontro Nacional
©Foto Rafael Vicente/Jornal “Elo” da ADFA
Desfile de Combatentes
A honrosa incumbência foi atribuída a Bernardo Manuel de Almeida e Vasconcelos Diniz de Ayala (171/1980), que proferiu as palavras que se transcrevem e tiveram forte impacto: “Combatentes de Portugal, Famílias, Amigos, Queridos Compatriotas Portugueses, Estamos hoje unidos, como vem sendo tradição nos últimos 24 anos, na Homenagem Nacional aos Combatentes no Dia de Portugal. O próprio nome do evento que nos une sublinha o que de essencial aqui nos traz hoje: os Combatentes, que é justo homenagear; e Portugal, que importa sempre celebrar. Trago-vos hoje, essencialmente, três palavras: uma palavra de agradecimento; uma palavra de homenagem; e uma palavra de confiança. O que é um Combatente? Um Combatente com maiúscula, o Combatente a que hoje cumpre agradecer, homenagear e incutir confiança.
Combatente é o “guerreiro da Pátria”, disposto a defendê-la, e às suas gentes, com a sua própria vida. O Combatente integra a “guarda pretoriana da Nação” e defende-a com a sua alma e com o seu sangue. O Combatente é um “soldado do Bem”, que trava uma guerra justa por definição, porque é sempre justa a defesa da Pátria. É certo que a defesa da Pátria, imperativo constitucional, se faz por muitos no dia a dia, com o melhor esforço de cada um na respectiva área de vida. Mas não é disso que aqui falamos hoje, não é isso que verdadeiramente aqui nos junta nesta ocasião. O Combatente que hoje se homenageia é aquele que tem a mais nobre das missões: defender a Pátria em combate, colocando a sua vida ao serviço da Bandeira, das suas gentes, das suas tradições, da integridade
do seu território, sustendo e neutralizando a ameaça dos valores nacionais. O que distingue o Combatente é a bravura com que coloca a sua vida entre a defesa dos valores pátrios e o inimigo. Não deixem, por isso, Combatentes, que diluam o vosso mérito singular dizendo que há várias maneiras de servir a Pátria. É certo que as há, mas só é Combatente quem estiver disposto a dar a vida por Ela. É honesto confessar que eu não sou Combatente. Sou, não obstante, antigo aluno do Colégio Militar e filho, neto e sobrinho de Combatentes. Fiz-me homem no meio de Combatentes e muito do que sou devo-o à educação militar. Por isso, olho para Vós e sei exactamente o que vejo. Vejo a Elite da Nação. A única verdadeira Elite da Nação.
Homenagem aos Combatentes XXIV Encontro Nacional
O primeiro agradecimento aqui devido é pessoal: agradeço a oportunidade e a distinção que representa poder prestar público respeito e homenagem a todos os Combatentes de Portugal, lembrando especialmente os que deram a vida pela Pátria, que estão representados nos muros deste Monumento e que continuam vivos na memória de quem lhes sobreviveu: família, camaradas de armas e, porque aqui estamos de alma e coração, cada um de nós. Cada Combatente tombado. Formulo o segundo agradecimento em nome de várias gerações de não combatentes. Somos porque vós sois; somos porque vós fostes. Agradeço, acima de tudo, serem líderes de Portugal. Os Combatentes, todos e cada um, pelo simples facto de o serem, lideram pelo exemplo. E ocupam, por isso, o lugar mais especial na História de Portugal, que se faz precisamente de factos, de memória e de exemplos. Os Combatentes, todos e cada um, são os mais dignos sucessores de D. Afonso Henriques, dos reis e soldados que construíram Portugal (que aqui coloco mui justamente ao lado uns dos outros) e que a partir do início do século XV levaram a nossa Nação aos sete cantos do mundo, com arte e engenho para ligar povos, ensinar uma língua comum, transmitir e sedimentar uma cultura que nos orgulha e um respeito pela humanidade que nos distingue. Portugal tem as mais antigas fronteiras da Europa e das mais antigas do mundo. Não se trata apenas de acaso histórico, de inércia geográfica, de fatalidade independente da vontade humana. Trata-se sim do fruto de uma fibra humana única. Na génese das nossas fronteiras estiveram Combatentes, na sua definição estável estiveram Combatentes, e na sua preservação ao longo dos séculos estiveram e estão Combatentes. Só há desenvolvimento e progresso aí onde há amor à terra, liderança pelo exemplo e, convém nunca esquecer, Família a segurar a retaguarda. Numa época histórica em que somos constantemente surpreendidos por alterações de prioridades, em que tantas vezes parece faltar um rumo certo, um fio condutor que dê
tranquilidade e permita ordenar expectativas, é imperioso lembrar que as primeiras e mais importantes missões do Estado são a da Defesa Nacional e a da Segurança Interna. Todas as outras missões, por importantes que sejam, vêm depois. Pela simples mas decisiva razão de que sem o bom cumprimento daquelas duas tudo o mais deixa de ser possível. Nada seríamos, nada somos e nada seremos se não tivermos isso bem presente. Portugal fez-se na base do sacrifício de Combatentes e, só permanecerá, se o Combatente for reconhecido. É esse, para mim, o investimento mais central nos dias de hoje. Esta homenagem é também um olhar confiante para o futuro. E que o futuro comece por trazer de volta à Escola um ensino da História de Portugal que faça jus à verdade de que “Portugal é obra de soldados” (Mouzinho de Albuquerque). A última palavra é justamente de confiança: ocupando todos e cada um de Vós, Combatentes, um lugar ímpar na História de Portugal, ocupais também, por inerência, um lugar ímpar na base do nosso futuro como Nação. Não há futuro sem Vós. Não há futuro sem a memória de todos e de cada um dos nomes dos que tombaram e estão eternizados neste Monumento. Há coisas que vale muito a pena repetir: somos porque vós sois; somos porque vós fostes. Muito obrigado por fazerem Portugal! Vivam os Combatentes de Portugal! Viva Portugal!” Seguiu-se a Homenagem aos Mortos pela Pátria com a deposição das coroas de flores do Presidente da Republica, dos agraciados com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor Lealdade e Mérito, da Comissão Executiva, da Câmara Municipal de Lisboa e do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Nesta altura a Fanfarra da GNR toca a Silêncio, em seguida é o toque de Homenagem aos Mortos em combate pela Pátria e, após um minuto de silêncio, o toque de Alvorada. Segue-se a deposição de coroas de flores das mais diversas Entidades, começando pelos oficiais generais representantes dos três Ramos das Forças Armadas.
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A AAACM esteve representada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Raúl Miguel Socorro Folques (380/1952), que depositou a nossa coroa de flores. O Grupo Coral da Casa Pia de Lisboa entoou o Hino Nacional sendo acompanhado por todos os presentes, enquanto a Fragata NRP Vasco da Gama, fundeada no Tejo junto ao Forte do Bom Sucesso, deu uma salva de 19 tiros. O espaço foi sobrevoado por um helicóptero Alouette III, da FAP, que lançou flores sobre o Monumento, O Presidente da Comissão Executiva deu início ao desfile pelas lápides onde se registam aqueles que deram a vida pela Pátria, seguido pelos Guiões, Convidados de Honra e Antigos Combatentes que, cheios de orgulho, mostraram que não estão velhos. Podem estar com as peles das caras curtidas e enrugadas, mas o seu espirito e o seu querer continuam sempre jovens. Que os agora jovens de idade sigam o seu exemplo. Não estarão no mau caminho. No final, Pára-quedistas do Exército Português saltaram de grande altura do Alouette III, aterrando com precisão no terreiro anexo ao Forte onde se iria realizar o tradicional almoço-convívio e de confraternização dos Combatentes e suas Famílias. Registamos e agradecemos a amabilidade e grande gentileza dispensadas pelo Senhor Tenente-Coronel Luís Manuel Rodrigues Morais Pequeno, da Comissão Executiva para a Homenagem Nacional aos Combatentes, que nos facultou com grande celeridade preciosos elementos relacionados com a Cerimónia.
Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957)
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António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947) Descida do Amazonas
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António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947)
Descida do Amazonas
A
vida de António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947), tem sido marcada por impulsos que de tempos a tempos chamam irresistivelmente para uma “Aventura”. Já era assim nos tempos do Colégio, quando, em 1953 decide, sem outro motivo que não fosse a aventura, tentar passear pela parte externa do edifício do Colégio, agarrado às janelas, com o resultado funesto de uma queda de cerca de 9 metros de altura da qual resultaram diversas fracturas expostas que obrigaram a várias cirurgias. Milagrosamente não morreu por ter sido amortecido pelo cinturão da farda ao bater
Na floresta amazónica em Agosto de 2014
num arame de roupa. Os camaradas dessa época lembram-se bem do caso! Nos anos 1960 inicia a sua carreira profissional de Advogado e Administrador de Empresas em Portugal, até que, num outro impulso, em busca de espaços mais amplos, decide emigrar para o Brasil (1977). Desde o início tinha dois grandes objectivos: - Arranjar trabalho compatível com as suas responsabilidades sociais e familiares, o que aconteceu em São Paulo. - Estar atento às oportunidades que lhe permitissem conhecer o Brasil profundo e sobretudo a Amazónia, o que foi acontecendo ao longo dos seus 40 anos de vida no Brasil (1977-2017).
Logo nos primeiros anos teve grandes experiências, acompanhando o grande explorador Orlando Villas Boas à região do Xingu e aos seus Índios, nessa época ainda de muito difícil acesso. Com o passar dos anos e de muito percorrer o Brasil e a América do Sul, sempre se questionava: “- Se hoje, no séc. XXI ainda é tão difícil viajar nestas paragens, como teria sido há 400 anos? - Quem teriam sido os Portugueses que nessa época cruzaram estes territórios e que, com o seu espírito desbravador, fizeram História?” Foi numa dessas viagens, em 2008/2009, que num 4 x 4, cruzou a selva bruta de Porto-Velho
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António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947) Descida do Amazonas
Entrega do Livro do Bicentenário, da autoria de José Alberto da Costa Matos (96/1950) ao Director do CM de Belém, Coronel Celso Kersul
(Rondónia) a Manaus (Amazonas), os áridos sertões de São Paulo a Brasília, Maranhão e Ceará e subiu de barco o Rio Amazonas de Manaus a Iquitos, no Peru. Aí procurou nomes da História local e encontrou o bandeirante fluvial Pedro Teixeira, até então seu desconhecido e de muita gente em Portugal e no Brasil. Pedro Teixeira, o Conquistador da Amazónia Entre 1637 e 1639, Pedro Teixeira realizou a primeira viagem de subida e descida do Rio Amazonas, comandando uma grande Expedição em canoas a remos, com 70 Militares Portugueses e cerca de 1.800 Índios, com
destino a Quito, na cordilheira Andina, onde se encontravam as Autoridades Espanholas. No regresso a Belém do Pará, conforme instruções do Governador Português do Maranhão e Grão-Pará, tomou posse oficial dos territórios entre os rios Napo e Juruá, em nome do Rei Filipe IV de Espanha e III de Portugal, mas para a Coroa de Portugal. Assim, a 16 de Agosto de 1639, na região de Tabatinga, fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, por meio de Auto de Posse escrito, Pedro Teixeira assegurou a Portugal e mais tarde ao Brasil, toda a região Amazónica, muito além do acordado meridiano das Tordesilhas (confirmada posteriormente pelo Tratado de Madrid em 1750).
Fascinado com essa história, António Bacelar Carrelhas sonhou refazer esses caminhos e refere: “A curiosidade da busca intensifica-se! Uma voz interior incitava-me, para lá do horizonte alguma coisa está escondida, escondida à tua espera - vai! E eu obedeci e fui recriar a Expedição Pedro Teixeira!” E no seu recente livro continua a explicar: “Inicialmente todas as Expedições dos séculos XVI e XVII eram de conquista, ou de territórios (as militares) ou de almas (as religiosas). Terminada essa fase, já nos séculos XVIII e XIX, passaram a ser mormente científicas, para estudar a natureza e os seus habitantes.
António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947) Descida do Amazonas
Apresentação do livro “Descida do Amazonas – caminho de Pedro Teixeira” na Sociedade de Geografia de Lisboa, 23.Maio.2017
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Mapa da América do Sul com a linha das Tordesilhas e o gigantismo da Amazónia Brasileira devido à acção de Pedro Teixeira
Entrega ao Director Coronel António Salgueiro de documentação vinda do CM Capas do livro “Descida do Amazonas” e do opúsculo “Pedro Teixeira o conquistador da Amazónia”, de Brasília distribuído aos alunos das Escolas por onde a expedição foi passando.
No meu sonho, a Expedição que imaginava, seria para dar conhecimento aos jovens da região quem teria sido o homem que, pela sua determinação, incluiu o imenso Território da Amazónia no mapa do Brasil. Ensinar a razão pela qual esses jovens são Brasileiros e falam Português e não Peruanos de expressão Castelhana, como deveriam ter sido pelo Tratado de Tordesilhas (1494).” Assim, o projecto e o sonho acabariam por realizar-se. Precisamente 375 anos depois do Auto de Posse, a 16 de Agosto de 2014, um grupo de nove expedicionários, liderados por António Bacelar Carrelhas, descem o Rio Amazonas
em território Brasileiro, numa extensão de 3.500 km, de Tabatinga a Belém do Pará, com o objectivo de recuperar a memória deste herói esquecido que nasceu em Cantanhede (Coimbra) em 1585? e morreu em Belém do Pará em 1641. A Expedição realizou-se em duas etapas de cerca de três semanas cada, em 2014 e 2015, levando na sua bagagem um livro infanto-juvenil ilustrado, sobre Pedro Teixeira, que foi distribuído nas dezenas de escolas por onde a Expedição passou a fazer palestras. Finalmente, fruto da Expedição, surgiu um livro “Descida do Amazonas - o caminho de
Pedro Teixeira”, da autoria de António Bacelar Carrelhas e outros (cronistas historiadores e um desenhador), que faz parte da Colecção do Programa Fim do Império. O livro pode ser adquirido ao Autor (Email: carrelhas@gmail.com) ou na Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar.
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A Boa Gente da Nossa Terra!
Jorge Alberto Gabriel Teixeira 315/1947
A Boa Gente da Nossa Terra! NOTA INTRODUTÓRIA Jorge Alberto Gabriel Teixeira (315/1947), Tenente-General do Exército, com uma notável folha de serviço ao longo da sua vida, por quem tenho uma forte amizade e que, reciprocamente, também ma concede, desempenhou sempre as funções onde esteve investido com determinação e eficácia e com a simplicidade das pessoas de valor. O seu trabalho na Solidariedade da nossa Associação e a sua participação como membro do Conselho Supremo, são reveladores do seu carácter e a nobreza da sua missão familiar que hoje o ocupa, definem bem a valia da sua formação. Quando dum apelo feito para colaborações na ZacatraZ, de imediato respondeu com a sua natural modéstia dizendo-me: “tenho uns escritos que fui registando ao longo do tempo, vou enviar-tos e se achares que têm algum interesse toma-os como uma contribuição para a nossa Revista”. Os textos que começam hoje a ser publicados e que se seguirão nos próximos números, mostram a sensibilidade e a forma de estar e de ser do seu autor. Obrigado Jorge Alberto Gabriel Teixeira. Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949)
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urante a preparação do nosso Batalhão, alguns dos seus quadros, entre os quais me incluo, estiveram em Lamego, no Centro de Operações Especiais, com vista a especializarem-se em determinados aspectos da guerra de guerrilha. Tal como na maioria das situações semelhantes, as actividades implicavam contactos com as populações locais. E é sobre isso que escrevinhei as linhas que se seguem. Parte da preparação dos quadros mobilizados era feita em Lamego, no tal centro de instrução que referi atrás. Destinava-se a preparar os quadros nas técnicas de combate na contra-guerrilha e numas quantas
especialidades – minas e armadilhas, por exemplo. Como é norma na preparação militar – e julgo que em qualquer outra – os exercícios práticos complementam a teoria ensinada em sala. Um desses exercícios consistia na saída de uma pequena unidade com a missão de atingir determinado objectivo. Dada a distância a que este se encontrava, a unidade era obrigada a fazer um alto durante a noite da progressão, instalando-se e garantindo a sua defesa contra quaisquer actividades hostis. O realismo do exercício era garantido por pequenos grupos de militares que, com plena liberdade de acção, tinham por missão, desempenhando o papel
de guerrilheiros, “atacar” – com munições de salva, bem entendido – os estacionamentos, furtando-se à detecção e à detenção. Calhou-me a mim e a um outro camarada de armas, cavaleiro como eu, essa missão num dos exercícios. Vestidos com os velhos fatos de macaco, de sarja azul, bastante grossa, que na altura era usada nos serviços oficinais, sem qualquer identificação, nem sequer de posto, lá nos “desenrascámos”, noite fora, andando com cuidado, rastejando não poucas vezes, em total silêncio, mesmo quando pedras e espinhos exigiriam uns quantos palavrões, cumprindo a nossa missão ao alvejarmos com sucesso o acam-
A Boa Gente da Nossa Terra!
muito pequena, raiava a alva, seriam seis ou sete horas da manhã. Como sabem, a vida rural inicia-se muito cedo, por todas as razões, e até porque as noites não têm, lá, o “encanto” das noites urbanas: não há televisão – ou pelo menos não havia – a maioria das vezes, nem sequer electricidade, não há clubes, cinemas ou cafés! Com aspecto não muito recomendável, até porque tínhamos a cara farruscada para melhor termos desempenhado a nossa nocturna missão, de arma ao ombro, lá nos fomos cruzando com as gentes que se encaminhavam já para as suas actividades. Quando deparámos com um homem, já de alguma idade e que nos pareceu capaz de dar as informações que nos eram necessárias, lá o interpelámos. Bom dia, o senhor pode-nos dizer como se chama esta povoação? Resposta pronta, mas característica de quem vive realmente num mundo diferente. Atão os senhores são militares? Eles puxam mesmo muito por vomecês! Já aqui a estas horas? E ainda não comeram nada? Coitados! Vamos mas é tratar disso, e, depois vamos conversando que há muito tempo! Goradas que foram as nossas tentativas para o dissuadir, até, e fundamentalmente,
©Foto Sérgio Garcia (326/1985)
pamento que constituía o nosso alvo. Claro que a retirada, cuja rapidez era imperiosa para não sermos caçados pelas “tropas amigas”, se faz mais em velocidade que em cuidado! Estudado que tinha sido o terreno anteriormente, foi-nos relativamente fácil furtarmo-nos ao contacto e garantirmos a distância suficiente para nunca mais eles nos porem a vista em cima! Mas essa rapidez teve as suas consequências: tão rápida foi que, quando demos por nós, não sabíamos onde nos encontrávamos! Nada de trágico. A missão tinha sido cumprida com êxito e a manhã que se aproximava estava por nossa conta. Restava-nos apenas gizar um plano para encontrar o caminho do quartel. A prática que todos tínhamos de tais situações permitiu que nem sequer fosse beliscada a nossa boa disposição. Era andar até encontrarmos uma povoação onde, com toda a tranquilidade, colheríamos as necessárias informações. Se bem pensado, melhor executado o foi. Mas é agora que começa verdadeiramente a história que vos queria contar! Desculpem o longo intróito, mas o ambiente é sempre muito importante para nos apercebermos da importância de comportamentos e sentimentos. Aldeia
ANTIGO ALUNO USA A BARRETINA
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por uma questão de delicadeza e consideração por aquele lindo acto de solidariedade, lá fomos ao pequeno almoço. Desgraça a nossa! Claro que apenas para as tripas, porque o ambiente, a ternura quase paternal, a dádiva daquilo que, sem sombra de dúvida, era o que de melhor tinham em casa, fez com que tudo nos tivesse sabido melhor que quaisquer refinadas iguarias! E vejam só a composição do dito repasto: um excelente pão de mistura, com muito centeio e acabadinho de fazer, migas de bacalhau cru, muito saboroso, mas terrivelmente salgado, e, para “apagar” o sal, uns bons copos de tinto! O que posso dizer-vos é que a conversa foi longa, versou muita coisa, comemos bastante – o que me parece hoje quase impensável – obtivemos toda a informação que nos era necessária, e saímos dali, já com alguma pena e enorme consideração pelos sentimentos de tais gentes! Não esquecerei nunca o modo preocupado como o casal – a senhora tinha sido incansável a abastecer os comilões – se despediu de nós, sabendo que nos esperavam os perigos da guerra! Comovente e inesquecível!
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Antigo Aluno Recordista do Guiness Gil Duarte Santos Gonçalves de Azevedo (111/1987)
Antigo Aluno Recordista do Guinness Gil Duarte Santos Gonçalves de Azevedo (111/1987)
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il Azevedo estabeleceu um novo record, já inscrito no Guinness World Records, para uma viagem de circum-navegação (volta ao Mundo). No website do Guinness, o facto é descrito com a objectividade que caracteriza a forma de expressão anglo-saxónica, do seguinte modo:
Who Gil Azevedo What 55 HOURS, 47 MINUTES Where CHINA (Shanghai) When 14 FEBRUARY 2017 São estes os parâmetros que definem a mais rápida viagem de circum-navegação, utilizando voos regulares da aviação comercial,
e que foi realizada por Gil Azevedo em 55 horas e 47 minutos, com partida e chegada a Shanghai (China), entre os dias 12 e 14 de Fevereiro de 2017. Gil Azevedo, num desafio à sua capacidade e aos seus interesses pessoais, decidiu com firmeza enfrentar o record existente, na tentativa de obtenção de um tempo inferior para passar a ser o seu detentor. Partindo de Shanghai viajou para Auckland (Nova Zelândia), Buenos Aires (Argentina),
Paris (França), Moscovo (Federação Russa), acabando no ponto de partida, Shanghai. Foi este o trajecto percorrido por Gil Azevedo numa maratona que não deve ter sido nada fácil e para a qual foi, seguramente, necessária uma grande vontade de vencer e uma forte determinação para conseguir o objectivo. Sabendo quanto desgastantes são as escalas curtas nos aeroportos, em condições normais de viagem, torna-se muito difícil avaliar o que serão essas ligações com a pressão re-
Antigo Aluno Recordista do Guiness Gil Duarte Santos Gonçalves de Azevedo (111/1987)
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Ponto de partida e de chegada - Shanghai
Auckland
Moscovo
sultante da situação em que, a perda de uma ligação que poderá ocorrer por alguns minutos de atraso de um voo, determina a impossibilidade de conseguir o objectivo. Numa condição destas, toda a preparação, esforço e investimento, cai como um “castelo de cartas”. Ao equacionar a questão de quanto tempo seria necessário para a Philleas Fogg, personagem do livro “Volta ao Mundo em 80 dias”, de Júlio Verne, realizar essa volta nos nossos dias, iniciou uma pesquisa na internet, para encontrar resposta à dúvida formulada. Assim, ficou a conhecer que o record do mundo para semelhante feito, segundo o Guinness, estaria próximo das 58 horas. O seu gosto pelas viagens, moveu-o a tentar descobrir uma forma de bater esse record o que implicava o cumprimento rigoroso das exigências da Federação Internacional de Aeronáutica, das quais se destacam: - Viajar à volta do mundo numa só direcção (em direcção a nascente ou a poente); - Percorrer a distância mínima do perímetro da Terra no equador (40.075km); - Passar em 2 pontos/cidades antípodas. Após o nada fácil e aturado estudo de diferentes combinações de percursos, decidiu que o melhor trajecto para alcançar o objectivo a que se tinha proposto, seria a rota Shanghai - Auckland - Buenos Aires - Paris - Moscovo – Shanghai. A viagem iniciou-se em Shanghai no dia 12 de Fevereiro de 2017 às 02h30, regressando ao local de partida após 55 horas e 47 minutos, tempo que estabeleceu o novo recorde da Volta ao Mundo, nas referidas circunstâncias. Os avanços tecnológicos que se verificaram desde 1872, altura da “Volta ao Mundo em
80 dias”, de Júlio Verne, permitiram que ela se realizasse em pouco mais de dois dias. Importa, no entanto, realçar que este feito tal como foi realizado, não está ao alcance da grande maioria do “comum dos mortais”. Gil Azevedo refere que a viagem foi muito cansativa (o que requer uma boa preparação e compleição física), não tendo oportunidade de descansar mais do que duas horas de cada vez. As confirmações de record do Guinness, de entre outras formas de prova, teriam de ser documentadas com fotografias, vídeos e declarações de testemunhas ao longo do percurso. Por força desta exigência, os momentos de descanso ficavam reduzidos ao mínimo que a resistência física permite. Numa viagem deste tipo são frequentes as surpresas que vão aparecendo e para as quais é necessário rapidez e discernimento para as ultrapassar.
Gil Azevedo refere algumas dessas situações com que se defrontou: - A viagem só poderia começar após o Guinness ter confirmado que o percurso escolhido cumpre todas as regras. Esta confirmação demorou cerca de 12 semanas, acontecendo apenas 2 dias antes do início da viagem, após uma última insistência junto do Guinness para obter uma resposta urgente e quando se dispunha já a proceder ao seu cancelamento; - Por força do cansaço inerente a todo o esforço despendido, surgiram os esquecimentos que em condições normais não acontecem: a mala de mão deixada no avião de um dos voos, um cartão de embarque perdido numa sala de espera, o passaporte esquecido num café do aeroporto de Paris; - Na porta de embarque do voo Paris-Moscovo, um “zeloso” funcionário queria impedir
Comprovativos
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Antigo Aluno Recordista do Guiness Gil Duarte Santos Gonçalves de Azevedo (111/1987)
o seu embarque, argumentando não ter visto para a China (apesar de não necessário para estadias até 48 horas). Contratempos destes, quando vividos em condições normais são muito desgastantes, por maioria de razão nas condições objectivas desta viagem, podendo “deitar por água abaixo” todo o projecto concebido. Quando já se encontrava realizada 80% da viagem, um forte nevão em Moscovo obrigou à suspensão temporária de aterragens. Esta situação poderia ter originado a perda da ligação para Shanghai e, se tal acontecesse, a oportunidade do record ter-se-ia perdido quando estava na fase final da sua realização. Como em tudo a sorte também tem de dar uma ajuda. Após cerca de uma hora sobrevoando na área de Moscovo, a autorização para aterrar chegou e permitiu a ligação ao voo para Shanghai. Todas estas situações que poderiam ter sido muito graves para a realização do objectivo, acabaram por ser ultrapassadas e o record concretizou-se. No Guinness World Records, o seu nome ficará gravado para sempre, independentemente do tempo gasto poder, no futuro, ser ultrapassado. Gil Azevedo refere que por diversas vezes esteve tentado a desistir, designadamente, quando depois de longas horas e vários en-
Capa e notícia do jornal XPRESS
saios estava por encontrar o percurso que lhe permitiria bater o record, quando da espera exasperante da resposta do Guinness e, também, com as fortes contrariedades e problemas que, com maior gravidade, foram surgindo durante a viagem. Tudo foi ultrapassado e, a 14 de Fevereiro de 2017, aterrou em Shanghai completando em tempo record a “Volta ao Mundo em carreiras regulares de Companhias de Aviação Comercial”, atribuindo que, parte do espírito de missão e da capacidade da sua resiliência, se deve e foi adquirida no Colégio, fruto da educação e espírito que nele é incutido aos seus Alunos. Vivendo actualmente no Dubai, por tal circunstância lamenta não ter podido levar consigo a sua Barretina. No entanto, foi motivo de orgulho ver a notícia da viagem na imprensa internacional associada a Portugal. Concluída a proeza do record estabelecido, Gil Azevedo descansou uns dias em Taiwan (que menciona como a “nossa”, em tempos, Ilha Formosa), e preparou uma mensagem aos Camaradas do seu Curso, numa lanterna tradicional deste país. Considerou também positiva a experiência de, num curto espaço de tempo, interagir e comparar culturas muitos diferentes, confirmando alguns estereótipos sobre os países
Jornal The National
que fizeram parte da viagem: desde a descontracção dos Neozelandeses até ao maior formalismo dos Russos, entre outras características que encontrou pela China, Argentina e França! Nesta viagem em que percorreu 40.756 km, a uma velocidade média de 700 km/hora (incluindo paragens), recolheu 15 testemunhos de confirmação, gravou 5 horas de vídeo e fez mais de 200 fotografias. Zacatraz! Zacatraz! Zacatraz! Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
Colégio Militar Berço de Grandes Portugueses
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José Alberto da Costa Matos 96/1950
Colégio Militar
Berço de Grandes Portugueses Helder Eduardo de Sousa Martins Oficinal do Exército e cavaleiro olímpico
(225/1912)
N
asceu em Lisboa a 28 de Novembro de 1901, filho de Manuel Eduardo Martins e de Alice Ester de Sousa. Estudou no Colégio Militar, onde foi admitido em 1912 como aluno, sendo-lhe atribuído o n.º 225. Foi graduado em Comandante de Secção no ano lectivo de 1916/17 e em Comandante de Companhia em 1917/18, ano em que concluiu o curso colegial. Logo que terminou o curso, assentou praça como 1.º sargento cadete no Regimento de Cavalaria n.º 9 e, com a 1.ª Guerra Mundial a atormentar a Europa, ingressou então na Escola de Guerra onde fez o curso de oficial de Cavalaria, sendo promovido a alferes em 15 de Novembro de 1920 e colocado no Regimento de Cavalaria n.º 2. Ao longo da sua carreira militar ascendeu sucessivamente aos postos de tenente em Dezembro de 1923, capitão em 1937, major no começo de 1946, tenente-coronel em 1950 e coronel em Dezembro de 1953.
Ainda alferes, tirou o curso de “Instrutor de Equitação”, que concluiu em Agosto de 1922. Já tenente, fez depois o curso de Esgrima, que completou em 1925 e, em Julho do ano seguinte, foi colocado no Colégio Militar como instrutor de Equitação, aí permanecendo até Maio de 1928, quando foi nomeado ajudante de campo do general Governador Militar de Lisboa. Foi depois secretário do general Domingos de Oliveira, quando este oficial foi Presidente do Ministério (1930-1932) e, em 1934, ajudante de campo do general Eduardo Marques. Em 1938, já capitão, foi prestar serviço na Guarda Nacional Republicana, onde esteve até Outubro de 1946, sendo a seguir colocado no Regimento de Cavalaria n.º 7. Notabilizou-se, desde muito novo, no desporto hípico, alcançando numerosas vitórias e prémios, em provas militares e civis, e tanto no país como além-fronteiras. De entre elas enumeram-se:
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Colégio Militar Berço de Grandes Portugueses
Em 1923, 1.º na prova «Nacional», em Lisboa; 1.º no (Grande Prémio) e também na «Prova Militar» em Braga. Em 1924, 1.º na «Nacional» e na «Taça de Honra» em Lisboa; 1.º na «Caça», nas Caldas da Rainha; 1.º no «Concurso Militar», em Estremoz. Também em 1924, nos Jogos Olímpicos de Paris, foi a estreia de Portugal no pódio dos Jogos, com uma medalha de bronze em hipismo, no Grande Prémio das Nações, prova de obstáculos por equipas com mais de 50 países concorrentes, dos quais apenas 34 completaram a prova devido ao seu elevado grau de dificuldade. A formação nacional era constituída por Helder Martins, (que montava o “Avro”, alcançando um 12.º lugar e sendo o segundo melhor português), Aníbal Borges de Almeida, José Mouzinho de Albuquerque e Luís Cardoso de Meneses, e terminou o concurso em 3.º lugar, somando 53 pontos, ficando atrás da Suíça com 50 e da Suécia, que seria a vencedora com 42,5 pontos. As medalhas de bronze conquistadas foram entregues pelo próprio barão de Coubertin. Ainda em 1924, fez parte da equipa vencedora da prova “Diário de Notícias” na Reunião Hípica de Outono, promovida pela Sociedade Hípica Portuguesa. Tratava-se de uma corrida - novidade nas competições hípicas
de então - e tinha a forma de uma estafeta por equipas de três cavaleiros, que entusiasmou a assistência do hipódromo do “Campo 28 de Maio”. A equipa vencedora era constituída pelos cavaleiros internacionais Helder Martins, Reimão Nogueira e José Carvalhosa. Em 1925, foi 1.º na «Taça de Honra», do Comité de Festas da Caldas da Rainha; em Nice, 1.º na Copa Infante D. Fernando. Em 1926, foi 1.º na «Caça», em Nápoles; 1.º no «Grande Prémio», em Milão; 1.º na «Copa Infante D. Fernando», em Madrid; 1.º na «Omnium» e na «Taça Conde de Pinhel», na Figueira da Foz. Em 1927, foi 1.º na «Taça de Honra», no Porto; 1.º na «Taça de Honra» e na «Caça», na Figueira da Foz; e 1.º na «Taça de Honra», nas Caldas da Raínha. Em 1928 Hélder Martins voltou a estar presente nos Jogos Olímpicos, agora em Amesterdão. A nossa representação equestre participou na «Taça das Nações», prova de Obstáculos por Equipas, e era constituída pelos cavaleiros Aníbal Borges de Almeida (5º), Helder Martins (12.º, montando “Avro” ); José Mouzinho de Albuquerque (16º) e D. Luís Cardoso de Menezes (21º). A equipa nacional apenas conseguiu o 6.º posto. Em 1929, foi 1.º na «Omnium», em Salamanca. Em 1930, foi 1.º na «Taça Alexandre Morais», no Porto; 1.º na «Caça» e na «Copa de Hon-
ra», na Corunha; 1.º na «Caça», em Viana do Castelo; 1.º no «Brassard», no Estoril; 1.º na «Taça de Honra», na Póvoa de Varzim; 1.º no «Grande Prémio» na Figueira da Foz; 1.º na «Omnium», no «Grande Prémio» e na «Caça», em Tavira. Em 1931, foi 1.º no «Grande Prémio» de Lisboa; na «Taça Aníbal de Morais», no Porto; na «Omnium» e no «Cross», nas Pedras Salgadas. Em 1932, foi 1.º na «Caça», em Tavira e na Póvoa de Varzim. Em 1933, foi 1.º no Porto, no «Grande Prémio» e por «Equipas»; na «Omnium», nas Pedras Salgadas; e na «Taça Sociedade Hípica» e «Parelhas», nas Caldas da Rainha. Em 1934, foi 1.º na «Omnium» e na «Taça Conde de Pinhel», na Figueira da Foz. Em 1935, foi 1.º no «Grande Prémio» da Figueira da Foz; e 1.º na «Omnium» em Estremoz. Em 1936, em Lisboa, foi 1.º na prova «Despedida». Em 1937, foi 1.º no «Grande Prémio», em Lisboa. Em 1938, foi 1.º em Nice, na «Taça Cavalaria Belga», por equipas; 1.º em Lisboa, na «Taça General Domingos de Oliveira»; e 1.º no «Grande Prémio» da Figueira da Foz. Em 1939, foi 1.º na «Taça Sociedade Hípica de Lisboa»; e 1.º na «Taça Conde de Pinhel», na Figueira da Foz. Em 1940, foi 1.º na «Taça General Domingos de Oliveira», em Lisboa;
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Em 1943, 1944, 1945 e 1946, obteve sempre o 1,º lugar na «Taça de Ouro da Península», em Lisboa. Obteve também o 1.º prémio nas seguintes provas do XXXVI Concurso Hípico Internacional, comemorativo do 8.º centenário de Lisboa, em Maio de 1947: «Direcção Geral dos
Avis
Cristo
Desportos», «Turf Clube», «Taça de Ouro da Península» e «Grande Prémio de Lisboa». Passou à situação de reserva em 23 de Janeiro de 1953. Faleceu em Lisboa quatro anos depois, a 2 de Fevereiro de 1957.
Comportamento Exemplar
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Era agraciado com os graus de cavaleiro e oficial da Ordem de Avis e de oficial da Ordem de Cristo, sendo também condecorado com a medalha de prata de Comportamento Exemplar e o grau de comendador da Ordem de S. Gregório Magno (Vaticano).
S. Gregório Magno
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José Esteves da Conceição Mascarenhas General do Exército, ministro e professor
(116/1891)
N
asceu em Lamego a 21 de Maio de 1881, filho de Joaquim Rodrigues Esteves Mascarenhas e de Amélia Rosa da Conceição Mascarenhas. Estudou no Colégio Militar, onde foi admitido em 1891, sendo o aluno n.º 116. Enquanto aluno foi condecorado no 5.º ano com a medalha de prata de Matemática, tendo também recebido prémios em Física, Literatura e Filosofia. No último ano foi graduado em Comandante de Secção, concluindo o curso colegial em Julho de 1898. Ainda nesse mês alistou-se no Regimento de Cavalaria n.º 4 e, como 1.º sargento cadete, foi fazer estudos preparatórios de Filosofia e Matemática na Universidade de Coimbra. Ingressou depois na Escola do Exército onde concluiu o curso de oficial de Artilharia, sendo promovido a alferes em 1 de Novembro de 1904 e colocado no Regimento de Artilharia n.º 2. Ao longo da sua carreira militar foi ascendendo aos sucessivos postos até ao de general. A tenente em 1906, a capitão em 1912, a major
em 1917, a tenente-coronel em 1919, a coronel em 1927, a brigadeiro em 1939 e, finalmente, a general em 10 de Julho de 1940. Em 1906 foi transferido para Artilharia n.º 1 e no ano seguinte obteve licença para, com o posto de tenente, frequentar na Escola do Exército o curso de Estado-Maior que veio a concluir em 1909 com elevada classificação. Serviu depois em vários regimentos da sua arma e, no final de 1912, sendo capitão, foi nomeado lente adjunto da 5.ª cadeira da Escola de Guerra, nova designação então dada à Escola do Exército. Com a eclosão da 1.ª Grande Guerra, Angola e Moçambique, fronteiriços de territórios alemães, ficaram naturalmente sob ameaça. Em 1914, no seguimento do incidente de Naulila, do massacre de Cuangar, da destruição pelos alemães dos postos portugueses de Bunja, Sâmbio, Dirico e Mucusso, e da rebelião dos indígenas instigada pelos alemães, foi mobilizada em 1915 uma expedição a Angola, comandada pelo general Perei-
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ra d’Eça (antigo aluno do Colégio Militar) da qual fazia parte o capitão José Mascarenhas. Desembarcou em Moçâmedes a 9 de Fevereiro e, duas semanas depois, foi nomeado Chefe do Estado-Maior da coluna de operações do Sul de Angola, cargo que exerceu até ao fim de Abril. Passou depois a desempenhar idênticas funções no Comando Militar dos Gambos, na região do Lubango e, em fins de Junho, transitou para Chefe do Estado-Maior do Destacamento do Humbe, que chegou a esta localidade (cerca de 300 km a SW de Lubango) a 7 de Julho, aí estabelecendo um Comando Militar. No começo de Agosto passou a Chefe do Estado-Maior do Destacamento que tinha como missão a reconquista e ocupação do Cuamato (junto à fronteira sul e a cerca de 100 km do Humbe). Iniciou a marcha com as forças no dia 12 e, no dia seguinte tomou parte na acção de Ancongo. Três dias depois entrou no combate da Inhoca, dia em que o Destacamento entrou e ocupou o Forte do Cuamato. Entretanto, um outro Destacamento (do Cuanhama) sofria sucessivos ataques em 17, 18 e 19, culminando a 20 no vitorioso combate de Môngua. Porém o
destacamento sofrera pesadas baixas de solípedes e necessitava de víveres e forragens. Salvou a situação o capitão Mascarenhas que, na ausência do comandante do seu destacamento e compreendendo a gravidade da situação, tomou a iniciativa de marchar em socorro do Destacamento do Cuanhama restabelecendo a sua linha de comunicações por forma a possibilitar o avanço da coluna de reabastecimento. Deixaram uma pequena força no forte e, apesar de sofrerem ataques de surpresa de atiradores inimigos, conseguiram percorrer 130 km em apenas 50 horas, acompanhando depois até ao seu destino os quinze camiões com víveres e munições que garantiriam a sobrevivência do Destacamento do Cuanhama. A 27 de Agosto, sendo dissolvido o Destacamento do Cuamato, passou a Chefe do Estado-Maior do Destacamento de Ngiva, com o qual avançou, uma semana depois, sobre a embala do soba dos cuanhamas a qual vem a ser tomada a 4 de Setembro. Regressou então no dia 13 ao Lubango passando a exercer as funções de Chefe do Estado-Maior do Comando das Forças em Operações. Em Fevereiro de 1916, por ter sido extinto este Comando,
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regressou a Lisboa em 25 de Março, sendo colocado no Regimento de Artilharia n.º 2. No começo de Março de 1917 seguiu para França para integrar o Corpo Expedicionário Português (CEP) empenhado na 1.ª Grande Guerra, tendo passado a exercer o cargo de chefe da 1.ª Repartição do Quartel-General do CEP. Regressado a Portugal em 16 de Março de 1918, foi exercer a docência na Escola de Guerra como lente provisório da 5.ª cadeira. Cumulativamente exerceu o cargo de Chefe do Estado-Maior do Campo Entrincheirado de Lisboa e, no começo de 1919, foi nomeado para integrar duas comissões; uma que procedeu ao estudo da organização do Arsenal do Exército de modo a actualizá-lo às exigências da guerra de então, e outra para propor as alterações convenientes à organização do Instituto Feminino de Educação e Trabalho Ainda em 1919, no mês de Abril, é promovido a tenente-coronel e, no mês seguinte, nomeado adido militar junto da Legação de Portugal em Itália, cargo em que se manteve até Julho de 1920. Após o regresso a Portugal é provido definitivamente como professor da 4.ª Cadeira da
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Escola Militar
redenominada Escola Militar, desempenhando cumulativamente o cargo de Chefe do Estado-Maior da 3.ª Divisão. De Novembro de 1922 a Dezembro de 1923 foi comandar o 1.º Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 32 com vista à obtenção de condições de promoção ao posto imediato, voltando depois à docência na Escola Militar. A 30 de Outubro de 1925 foi nomeado ministro da Guerra do Governo de Domingos Leite Pereira, substituindo o general Ernesto Vieira da Rocha (antigo aluno do Colégio Militar) cargo de que foi exonerado, a seu pedido, a 30 de Maio de 1926, dois dias após a revolução de “28 de Maio”. No último dia de 1926 passa a Chefe do Estado-Maior da 1.ª Região Militar mas, sendo promovido a coronel em Fevereiro de 1927, foi colocado na 3.ª Direcção Geral do Ministério da Guerra.
Em 1928, em 20 de Julho, é desencadeado em Lisboa um movimento militar contra a Ditadura que ficaria conhecido por “Revolta do Castelo”, desencadeado inicialmente pelo Batalhão de Caçadores n.º 7, que se alastraria a Setúbal, Castelo Branco,
Pinhel, Guarda e outros pontos do País, gerando-se incidentes e trocas de tiros que provocaram vários mortos e feridos, acabando o Governo por recuperar o controlo da situação 24 horas depois. Na sua sequência são feitas dezenas de prisões e muitos oposicionistas, civis e militares, implicados na preparação ou execução do golpe ou que apenas o favoreceram ou lhe deram a sua concordância, são sujeitos a sanções que incluíram até a deportação para as colónias. Antecipando-se ao movimento, o Governo procedeu a várias transferências compulsivas de militares considerados suspeitos. No quadro desta intervenção, no dia 18, dois dias antes da revolução, o Ministério da Guerra ordena a fixação de residência em Montalegre ao coronel Conceição Mascarenhas, que chefiava o “Comité” revolucionário, conferindo-lhe uma guia de marcha que determinava a sua apresentação à autoridade administrativa local, partindo para o destino de residência no combóio rápido das 11 horas desse dia, sendo aguardado na estação de Campanhã por um oficial que o
encaminharia directamente para um outro combóio que o levaria à localidade imposta. Todavia, Conceição Mascarenhas nunca chegaria a apresentar-se no seu destino. Considerado por isso ausente sem licença, a 2 de Agosto veio a ser considerado desertor e abatido ao efectivo do Exército. Nove anos depois, em Janeiro de 1937, veio a ser reintegrado ao abrigo de um decreto de amnistia, sendo então nomeado comandante do Grupo Misto Independente de Artilharia de Montanha e no ano imediato é considerado idóneo para ingressar no Corpo de Estado-Maior. É sujeito então às provas de aptidão para oficial general. Tendo sido julgado apto passou a ser coronel tirocinado desde 25 de Fevereiro de 1939, ficando então a exercer funções docentes na Escola Central de Oficiais. No fim de 1939 foi promovido a brigadeiro sendo nomeado Inspector da Artilharia. No ano seguinte, em Março, passa a desempenhar o cargo de professor do Curso de Altos Comandos, e em Junho, cumulativamente, o de Subchefe do Estado-Maior
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Estação de Campanhã
do Exército. Decorridos dois meses ascendia ao posto de general, vindo a desempenhar em 1944 as funções de Director da Arma de Artilharia e, em 1945 as de Presidente do Conselho Fiscal dos Estabelecimentos Produtores do Exército. Passou á situação de reserva em 21 de Maio de 1946, por ter completado 65 anos de idade, sendo reformado cinco anos depois, no dia em que completava 70 anos. Faleceu no Porto a 1 de Dezembro de 1955.
Torre e Espada
Avis
Cristo
Era agraciado com os graus de oficial da Ordem da Torre e Espada, grande-oficial da Ordem de Avis, comendador e grã-cruz da Ordem de Cristo e comendador da Ordem de Santiago, sendo também condecorado com as medalhas de prata de Valor Militar com a letra C, duas de prata de Bons Serviços sendo uma com palma, de ouro de Serviços Distintos no Ultramar, de ouro de Comportamento Exemplar, duas Comemorativas das Campanhas com
Santiago
Valor Militar
Bons Serviços
as legendas “Cuanhama 1915” e “França 1917-1918”, com a medalha da Vitória, com a Cruz de Mérito da Cruz Vermelha Portuguesa, e também com os graus de comendador da Ordem da Coroa (Itália) e de oficial da Ordem de S. Maurício e S. Lázaro (Itália).
Vitória
S. Maurício e S. Lázaro
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José Raimundo da Palma Velho Oficial do Exército e governador ultramarino
(137/1842)
N
asceu em Portimão a 8 de Fevereiro de 1832, filho de José Raimundo Paiva e de Bárbara Constantina Prado. Foi aluno n.º 137 do Colégio Militar, no qual foi admitido em 1842, vindo a concluir o curso colegial em 1850. Ainda nesse ano assentou praça como 1.º sargento graduado em aspirante a oficial no Regimento de Cavalaria n.º 2, indo frequentar os estudos preparatórios na Escola Politécnica. Graduado em alferes em 1852, ingressou no mesmo ano na Escola do Exército onde veio a concluir o curso de oficial de Cavalaria, sendo então promovido a alferes em 4 de Março de 1858. Ao longo da sua carreira militar foi graduado em tenente em Outubro de 1864, e depois promovido sucessivamente a tenente em Setembro de 1868, a capitão em 1872, a major em 1881, a tenente-coronel em 1882 e a coronel em 1885. Foi general de brigada no termo de 1892 e, cerca de dois anos depois, em 23 de Março de 1895, atingiu o posto de general de divisão. Prestou serviço nas Obras Públicas e nos Regimentos de Cavalaria n.º 2, 5 e 1. Em Abril de 1882, um ano após a sua promoção a major, foi nomeado governador do distrito de Cabo Delgado, tendo desembarcado em Moçambique a 27 de Maio e assumido posse do cargo no dia 7 de Junho. No começo do ano seguinte, o governador viu-se confrontado com dois acontecimentos na área insular do seu distrito (Ibo), aos quais deu solução apropriada. Assim, em 26 de Janeiro de 1883, numerosos nativos armados juntaram-se aos seus conterrâneos do Ibo com o intuito de atacarem as casas a altas horas da noite, gerarem o pânico e assassinarem os principais moradores com o intuito de saquearem e pilharem as suas casas.
Porém, ao chegarem ao porto do Ibo foram surpreendidos por uma força militar e por moradores, que os recebeu a tiro. Houve intenso tiroteio de ambas as partes desde as seis e meia da tarde até às nove da noite e os atacantes que sobreviveram ao combate acabaram por fugir em direcção às suas terras, acabando muitos por se afogar na travessia, com a maré cheia, dos vários canais que separam o Ibo das terras continentais. Decorridos três meses, a população da Ilha do Ibo, foi surpreendida por uma epidemia de varíola, que causou graves prejuízos como relata o José Raimundo da Palma Velho, governador do distrito, num relatório sobre o estado sanitário do distrito à sua responsabilidade: “Em geral o estado sanitário do distrito foi satisfatório até ao aparecimento da epidemia da varíola. Desde Janeiro deste ano, aproximadamente, tem grassado essa epidemia no continente. Na vila do Ibo manifestarem-se em Abril último os primeiros casos. Para serem recebidos e tratados os indígenas afectados estabeleceu-se, desde logo, um barracão enfermaria na contra costa da ilha. Mas dentro um pouco foi mister arranjar outra enfermaria, pois aquela já
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não comportava os variolosos, alugando-se então nas proximidades da praça de S. João, por indicação dos facultativos, uma casa espaçosa e própria para o indicado fim… …Medidas de política sanitária adoptaram-se algumas conducentes à limpeza e asseio das ruas, quintais, poços, etc., procedendo-se também, regularmente, à inspecção dos géneros alimentícios. As necessidades higiénicas mais palpitantes são: a sua limpeza geral e dos arredores; a construção de um cemitério com a capacidade necessária para receber indistintamente todos os mortos; e o saneamento do ponto sito na sua parte central e a oeste da Vila.” Foi também durante o seu governo, que se procedeu ao balizamento do porto do Ibo, que até então se encontrava desbalizado. Em Outubro desse mesmo ano de 1883 foi transferido para o governo do distrito de Quelimane, onde não chegou a completar um ano de exercício de funções pois veio a pedir dispensa do cargo, embarcando de regresso a Lisboa no final de Agosto de 1884. Todavia, decorrido pouco mais de meio ano, voltou a ser nomeado governador do distrito de Cabo Delgado, desembarcando no Ibo no dia 3 de Julho de 1885. Da Conferência de Berlim realizada nesse ano, resultou ser reconhecido o direito da soberania
de Portugal sobre todos os territórios a sul do rio Rovuma, designadamente sobre os 3000 km2 do chamado “Triângulo de Quionga”, um pequeno território na fronteira entre a África Oriental Alemã (actual Tanzânia) e o distrito de Cabo Delgado (Moçambique), através do qual os alemães pretendiam controlar a desembocadura do rio Rovuma no Índico, território esse que até então se encontrava sob domínio do sultão de Zanzibar.
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O governador-geral Augusto de Castilho, que chegara também em 1885 a Moçambique, tentou no início de 1887 um acordo diplomático com o sultão mas, perante a intransigência deste, decidiu-se pelo emprego da coacção física. Assim, em meados de Fevereiro de 1887 foi intimado o chefe de Tungue a entregar a margem norte da baía do mesmo nome, sob ameaça da canhoneira “Douro” e da corveta “Afonso de Albuquerque, bem como de tropas embarcadas, sob comando do coronel Palma Velho, governador do distrito. Sem resposta satisfatória, a 23 é ordenado o desembarque e tomada Meningane (actual Palma), sobre protecção do fogo dos navios que acabou por causar a destruição da povoação pelos incêndios provocados. Tomado Meningane as forças do sultão de Zanzibar refugiaram-se em Tungue aí erguendo a sua bandeira, pelo que foi necessário efectuar novo ataque através de um desembarque, para levar de vencida os opositores. O governador-geral elogiaria o coronel Palma Velho “pela inteligência, serenidade e denodo com que planeou, dirigiu e executou os ataques a Meningane e Tungue, sendo por si só o principal obreiro de tão brilhante feito”. Em sua homenagem, a povoação de Meningane mudou de designação passando a chamar-se Palma.
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Deixou o governo de Cabo Delgado em 11 de Abril de 1887, embarcando de regresso a Lisboa a 3 do mês seguinte, Promovido a general de brigada, exerceu durante pouco mais de dois meses o cargo de Inspector-geral da Cavalaria, pois, em Março de 1893, foi nomeado 2.º Comandante da 3.ª Divisão Militar. Mas também por pouco tempo pois, decorridos três meses, transitou para o exercício de igual cargo na 4.ª Divisão Militar. Em Janeiro de 1895 foi nomeado Comandante Geral da Cavalaria mas, tendo sido promovido a general de divisão, foi em Abril seguinte comandar a 2.ª Divisão Militar onde permaneceu até fins de 1896. No começo do ano seguinte era Comandante da 3.ª Divisão Militar onde, como se anotou, já desempenhara o cargo de 2.º Comandante. Em 1898 foi exercer as funções Presidente do Conselho Superior de Disciplina e nos finais do
ano seguinte, foi requisitado para integrar a comissão de demarcação da linha de fronteira Portugal-Espanha, passando então à dependência do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Faleceu a 8 de Fevereiro de 1902, dia em que completava 70 anos de idade.
Torre e Espada
Avis
Era agraciado com o grau de comendador da Ordem da Torre e Espada, de comendador, grande-oficial e grã-cruz da Ordem de Avis e de comendador da Ordem de N.ª Sr.ª da Conceição de Vila Viçosa.
N.ª Sr.ª Conceição de Vila Viçosa
Efeméride O Exército Português ataca e destrói a base de Kumbamori
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João José Brandão Ferreira TCor/PilAv (ref)
Efeméride
O Exército Português ataca e destrói a base de Kumbamori NOTA DA REDACÇÃO No número 207 da ZacatraZ (Jan/Mar 2017), publicámos um artigo da autoria de Carlos Domingos de Oliveira de Ayala Botto (32/1951), intitulado «Guidage», referindo um dos episódios mais críticos da guerra do Ultramar, que foi o cerco que o PAIGC fez, em 1973, ao aquartelamento de Guidage, na Guiné. Nesse artigo foi relatada a visita «relâmpago» que o General António Sebastião Ribeiro de Spínola (33/1920), fez ao aquartelamento cercado, para elevar o ânimo dos sitiados, objectivo que foi plenamente atingido. Por feliz coincidência, passado pouco tempo sobre aquela publicação, tomámos conhecimento de um texto da autoria do senhor Tenente-Coronel Piloto Aviador João José Brandão Ferreira, amigo de longa data do nosso Colégio, relativo à Operação Ametista Real que foi executada pelo Batalhão de Comandos da Guiné, com o objectivo de diminuir a pressão sobre Guidage. Pelo grande interesse e com autorização do seu autor, publicamos o referido texto onde estão referenciados dois Oficiais que participaram na operação descrita, Antigos Alunos João de Almeida Bruno (230/1945) e Raúl Miguel Socorro Folques (380/1952), ambos condecorados com a Ordem da Torre Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
O
cerco de Guidaje, pequena povoação a meio da fronteira norte da Província da Guiné, tinha começado há cerca de duas semanas, a 8 de Maio. Corria o ano de 1973. Desta vez o inimigo tinha mudado de táctica, concentrando um elevado número de guerrilheiros no mesmo local, cercaram a povoação e minaram todos os acessos à mesma, bombardeando-a quase diariamente. Tinham a nítida intenção de a assaltar e ocupar.
Estavam apoiados numa base a 6 km chamada Kumbamori, na República do Senegal, que lhes fornecia toda a logística e estava fortemente defendida por armas antiaéreas, nomeadamente o recém-introduzido míssil SAM7, Strella, que tinha causado nas últimas semanas, perdas sensíveis nas aeronaves da Força Aérea, passando a limitar o número e modo como as diferentes esquadras baseadas em Bissalanca, cumpriam as suas missões.
O facto de os guerrilheiros operarem maioritariamente do outro lado da fronteira, dava-lhes segurança e sentimento de impunidade, julgando-se ao abrigo de retaliações das forças portuguesas. A povoação estava fracamente defendida pois apenas dispunha de uma companhia de caçadores, com efectivos maioritariamente locais, reforçada por meio destacamento de fuzileiros especiais e um pelotão de Artilharia com peças de 10,5, num total de cerca de
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Efeméride O Exército Português ataca e destrói a base de Kumbamori
200 homens. Porém, superiormente comandadas pelo Tenente Coronel Correia de Campos, que se houve de forma notável revelando em alto grau, qualidades de comando, liderança e espírito militar. A situação era desesperada, faltava tudo, incluindo munições e alimentos e os mortos e feridos não podiam ser evacuados. A acção da Força Aérea não era suficiente para aliviar a pressão exercida. Guidaje, que sofreu um total de 43 ataques, estava em sérios riscos de ser assaltada e tomada pelo PAIGC. O Comando-Chefe concebeu então, a arriscada missão de atacar Kumbamori a fim de desarticular o dispositivo inimigo. Chamaram-lhe “Operação Ametista Real”. E se bem pensou, melhor o fez. Porém, a missão obrigava a violar o território do Senegal, país com o qual Portugal não estava oficialmente em guerra, mas que permitia - sem grande entusiasmo, diga-se - a circulação de unidades da guerrilha e a existência de bases de apoio da mesma. Os militares que integrassem a missão ficariam entregues a si próprios e não poderiam ter apoio aéreo; teriam que lidar sozinhos com as suas baixas e não seriam reconhecidos, caso capturados, como militares portugueses. Foram todos, aliás, sem documentos. Foi escolhido o Batalhão de Comandos da Guiné, que tinha cinco companhias – três de comandos africanos e as 35ª e 38ª Companhias de Comandos. Pediram-se voluntários, todos se ofereceram. Foram escolhidas as três companhias de comandos, cujos combatentes eram oriundos das diferentes etnias da Guiné, onde só os comandantes de companhia eram europeus. A força foi articulada em três agrupamentos. O agrupamento “Centauro” do comando do Capitão Folques1; o agrupamento “Bombox”, comandando pelo Capitão Matos Gomes e o agrupamento “Romeu”, do comando do Capitão Ramos; onde estava incluído o pelotão
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Raúl Miguel Socorro Folques (380/1952) João de Almeida Bruno (230/1945)
independente do Capitão Marcelino da Mata. A 38ª garantia a segurança do trajecto Binta-Guidaje. Os cerca de 450 homens internaram-se no Senegal, a partir de Binta, para fazerem o percurso a pé, até ao alvo. Tornava-se muito difícil manter o efeito surpresa, não só pelo volume de tropas como também por a marcha se efectuar de dia. De facto, uma das companhias foi detectada e o efeito surpresa perdeu-se. Mesmo assim foi decidido manter o plano de ataque, com o Agrupamento “Romeu” a atacar o objectivo de frente e o Agrupamento “Bombox” a flanqueá-lo. O Agrupamento “Centauro” ficou em reserva e ia ter a missão mais difícil: proteger as outras duas, na sua retirada. Era o dia 20 de Maio. O ataque foi um sucesso, a base foi ocupada e destruída. Muitas toneladas de material e equipamento foram destruídos. Contaram-se 67 inimigos mortos, incluindo dois cubanos e três malianos. O Agrupamento Romeu apanhou depois com o grosso das forças do PAIGC (onde existiam cubanos e militares de outros países), que se reagruparam e passaram a lançar contra-ataques de perseguição. Foram efectuados cinco ataques e chegou a haver luta corpo a corpo. A situação chegou também a ser crítica e já perto da nossa fronteira foi solicitado apoio aéreo, o qual foi efectuado em condições muito difíceis – as nossas tropas arriscavam-se a ser atingidas por fogo amigo dada a proximidade que estavam do inimigo – mas felizmente com grande sucesso. O Batalhão de Comandos, comandado pelo então Major Almeida Bruno2, que participou na operação, pagou um elevado preço de sangue pela sua bravura e intrepidez: 10 mortos e 22 feridos! Houve muitos actos de heroísmo. Guidaje, não ficou salva de imediato. Foi preciso forçar o seu reabastecimento por várias vezes à
custa de muito esforço e sangue. E a guerrilha só se deu por vencida nos seus esforços quando uma Companhia de Pára-quedistas conseguiu, mais tarde, entrar em Guidaje e segurar o perímetro. O cerco tinha durado 30 dias. Uma vitória muito importante para a qual os justamente afamados militares do Batalhão de Comandos da Guiné, muito contribuíram. Na sequência dos eventos ocorridos a 25 de Abril de 1974, a maioria dos briosos militares dos comandos africanos, que eram portugueses, combateram como portugueses e queriam continuar a ser portugueses, foram abandonados pelas autoridades político-militares em Lisboa, no tempo do “PREC” e deixados fuzilar pelo PAIGC, cujo principal responsável era o Presidente Luís Cabral. Já depois das hostilidades terem terminado! Um acto infame, que constitui uma das páginas mais negras e revoltantes da História do nosso País e do novel. Não tem perdão nem deve ser esquecido. Vamos ter que carregar tal fardo na nossa consciência colectiva, para todo o sempre.
Disciplina Militar Regulamento do Conde de Lippe
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
Disciplina Militar
Regulamento do Conde de Lippe E
m 1763 foi publicado, em Portugal, pelo Conde de Schaumbourg Lippe, o «Regulamento para o Exército e Disciplina, dos Regimentos de Infantaria dos Exércitos de Sua Majestade Fidelissima». Reinava então em Portugal D. José I, que chamara o Conde de Lippe para comandante em chefe do Exército Português, com o posto de Marechal General. O Conde de Lippe era um oficial prussiano, que servia com a patente de general no exército britânico, sendo um verdadeiro militar da escola de Frederico da Prússia. A ele se ficou a dever a reorganização que o nosso Exército sofreu na época e que perdurou durante muitos anos. O regulamento acima citado tem o seu capítulo XXVI constituído por 29 «Artigos de Guerra», que substituíram os correspondentes artigos das «Novas Ordenanças» do rei D. João V. Segundo refere o General Ferreira Martins na sua «História do Exército Português»: «em 29 artigos ficou condensada toda a legislação penal para o exército, que se manteve em uso até à publicação em 1875, do Código de Justiça Militar. Traduziam esses 29 artigos a severa disciplina militar instituída por Frederico II e que foi copiada ou imitada por todos os exércitos europeus. A par das penas corporais que chegavam até ao fuzilamento, procurava-se estimular por emulação o brio militar, e ao mesmo tempo manter as tropas sempre ocupadas em serviços de instrução.» Vejamos então os citados 29 artigos. Conservamos-lhe a ortografia original porque assim se mantém melhor, julgamos, o «perfume» da época em que foram escritos. Artigo 1º - Aquelle, que recusar por palavras, ou discursos, obedecer ás ordens dos seus superiores, concernentes ao serviço, sera condenado a trabalhar nas Fortificações: porém, se se lhe oppozer servindo-se de qualquer arma, ou ameaço, será arcabuzado. Artigo 2º - Todo o Official de qualquer graduação que seja, que estando melhor informado, der aos seus superiores por escrito, ou de boca, sobre qualquer objecto
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Disciplina Militar Regulamento do Conde de Lippe
Militar alguma falsa informação, será expulso com infâmia. Artigo 3º - Todo o Official de qualquer graduaçaõ que seja, ou Official inferior, que sendo atacado pelo inimigo, desamparar o seu posto, sem ordem, será punido de morte. Porém quando for atacado por hum inimigo superior em forças, será preciso provar perante hum Conselho de Guerra, que elle
fez toda a defensa possível, e que não cedeo, senaõ na maior, e ultima extremidade: mas se tiver ordem expressa para se naõ retirar, succeda o que succeder; neste caso nada o poderá escusar, porque he melhor morrer no seu posto do que deixallo. Artigo 4º - Todo o Militar, que cometer huma fraqueza escondendo-se, ou fugindo, quando for preciso combater, será punido de morte.
Artigo 5º - Todo o Militar, que em huma batalha, seção, ou combate, ou em outra ocasião de guerra, der hum grito de espanto, com dizendo: - o inimigo nos tem cercado – Nós somos cortados – Quem poder escapar-se, escape-se – ou qualquer outra similhante, que possa intimidar as Tropas; no mesmo instante o matará o primeiro Official que estiver mais próximo, que o ouvir: e se por acaso isto lhe não suceder, será logo preso, e passará pelas armas por sentença do Conselho de Guerra. Artigo 6º - Todos são obrigados a respeitar as sentinelas, ou outras guardas; aquelle, que o naõ fizer, será castigado rigorosamente: e aquelle, que atacar qualquer sentinela, será arcabuzado. Artigo 7º - Todos os Officiais inferiores, e Soldados, devem ter toda a devida obediência, e respeito aos seus Officiais, do primeiro ao último em geral. Artigo 8º - Todas as diferenças e disputas saõ prohibidas, sob pena de rigorosa prizão: mas se suceder a qualquer Soldado ferir o seu Camarada á traiçaõ, ou o matar, será condenado ao carrinho perpetuamente; ou castigado com pena de morte, conforme as circunstancias. Artigo 9º - Todo o Soldado deve achar-se onde for mandado, e á hora, que se lhe determinar, posto que lhe naõ toque, sem murmurar, nem pôr dificuldades; e se entender que lhe fizeraõ injustiça, depois de fazer o serviço se poderá queixar, porém sempre com toda a moderação. Artigo 10º - Aquelle, que fizer estrondo, ruido, bulha, ou gritaria ao pé de alguma guarda, principalmente de noite; será castigado rigorosamente, conforme a intençaõ, com que o houver feito. Artigo 11º - Aquelle que faltar a entrar de guarda, ou que for à Parada taõ bêbado que a não possa montar, será castigado no dia sucessivo com cincoenta pancadas de espada de prancha. Artigo 12º - Se algum Soldado se deixar dormir, ou se embebedar estando de sentinela, ou deixar o seu posto antes de ser rendido; sendo em tempo de paz, será castigado com cincoenta pancadas de espada de prancha, e condenado por tempo de seis meses a trabalhar nas Fortificaçoens; porém se for em tempo de guerra será arcabuzado. Artigo 13º - Nenhuma pessoa de qualquer gráo, ou condição que seja, entrará em qualquer Fortaleza, senaõ pelas portas, e lugares ordinários, sob pena de morte.
Disciplina Militar Regulamento do Conde de Lippe
Artigo 14º - Todo aquelle que desertar, ou entrar em conspiração de deserçaõ; ou que sendo informado de ella, a naõ delatar; se for em tempo de guerra, será enforcado; e aquelle, que deixar a sua Companhia, ou Regimento, sem licença, para ir ao lugar do seu nascimento, ou a qualquer parte que seja; sera castigado com pena de morte, como se desertasse para fora do Reino; e sendo em tempo de paz será condemnado por seis anos a trabalhar nas Fortificaçoens. Artigo 15º - Todo aquelle que for cabeça de motim, ou de traiçaõ, ou tiver parte, ou concorrer para estes delictos; ou souber, que se urdem, e naõ delatar a tempo os agressores, será infalivelmente enforcado. Artigo 16º - Todo aquelle que falar mal do seu superior nos Corpos de Guarda, ou nas Companhias, será castigado aos trabalhos de Fortificação: porém se na indagação, que se fizer, se conhecer, que aquella murmuraçaõ naõ fora procedida sómente de huma soltura de língua, mas encaminhada a rebelliaõ, será punido de morte, com cabeça de motim. Artigo 17º - Todo o Soldado se deve contentar com a paga, com o quartel, e com o uniforme que se lhe dér: e se se oppuzer, naõ o querendo receber, tal qual se lhe der; será tido e castigado como amotinador. Artigo 18º - Todos os furtos, e afim mesmo todo o genero de violencias para extorquir dinheiro, ou qualquer genero, seraõ punidos severamente: porém aquelle furto que se fizer em armas, munições, ou outras cousas pertencentes a Sua Magestade; ou aquelle, que roubar o seu camarada, ou cometer furtos com fracçaõ, ou for ladraõ de estrada; perderá a vida conforme as circunstancias: ou também se qualquer sentinella cometer furto, ou consentir, que alguém o cometta; será castigado severamente, e conforme as circunstancias incurso em pena capital. Artigo 19º - Todo o Soldado, que não tiver cuidado com as suas armas, no seu uniforme, e em tudo, o que lhe pertence; que o lançar fora, que o romper, ou arruinar de propósito, e sem necessidade; e que o vender, empenhar, ou jogar; será pela primeira, e segunda vez prezo; porém á terceira, punido de morte. Artigo 20º - Todo o Soldado deve ter sempre o seu armamento em bom estado, e fazer o serviço com as suas próprias armas; aquelle que se servir das alheas, ou as pedir emprestadas ao seu camarada, será castigado com prisão rigorosa.
Artigo 21º - Aquelle Soldado, que contrahir dividas ás escondidas dos seus Officiaes, será punido corporalmente. Artigo 22º - Todo aquelle que fizer Passaportes falsos, ou usar mal da sua habilidade, por qualquer modo que seja, será punido com rigoroza prizaõ; porém se por este meio facilitar a fuga a qualquer desertor, será reputado, e punido como desertor. Artigo 23º - Todo o Soldado que ocultar hum criminoso, ou buscar meios para se escapar aquelle, que estiver prezo como tal, ou deixar fugir; ou quando encarregado de o guardar naõ pozer todas as precauçoens para este efeito; será posto no lugar do criminoso. Artigo 24º - Se algum Soldado cometer algum crime estando bêbado, de nenhum modo o escusará do castigo a bebedice; antes pelo contrário será punido dobradamente, conforme as circunstancias do caso. Artigo 25º - Todo o Soldado, que de proposito, e deliberadamente se pozer incapaz de fazer o serviço, será condenado ao carrinho perpetuamente. Artigo 26º - Nenhum Soldado poderá emprestar dinheiro ao seu camarada, nem ao superior. Artigo 27º - Nenhum Soldado se poderá casar sem licença do seu Coronel. Artigo 28º - Todo o Official de qualquer graduação que seja, que se valer do seu emprego para tirar qualquer lucro, por qualquer maneira que seja; e de que naõ puder inteiramente verificar a legalidade, será infalivelmente expulso. Artigo 29º - Todo o Militar deve regular os seus costumes pelas regras da virtude, da candura, e da probidade: deve temer a Deos; reverenciar ao seu Rey; e executar exactamente as ordens, que lhe forem prescriptas. Ao fazer-se nos dias de hoje uma análise desta lista de deveres e das punições correspondentes, quando os mesmos não eram cumpridos, constata-se que o Conde de Lippe não era um homem de meias tintas, senão vejamos: Para treze dos artigos o castigo máximo previsto era a morte, podendo o infractor ser arcabuzado ou enforcado. A morte por enforcamento era reservada aos responsáveis por motim ou traição, sendo extensível aqueles que dos mesmos tivessem conhecimento e não os delatassem.
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Para dois artigos era previsto o castigo de 50 pancadas com espada de prancha, o que já dava para deixar um homem em muito mau estado. Para dois artigos estava prevista a pena do carrinho (grilhetas de ferro nos tornozelos ligadas entre si por corrente também de ferro), podendo no caso de dois deles o castigo ser perpétuo. Nos casos de auxílio à fuga da prisão de criminosos ou de desertores, o infractor, pura e simplesmente ia substituir o foragido na prisão. No caso de um infractor estar bêbado no acto da infracção, o melhor era não mencionar tal facto como atenuante do seu comportamento, pois se o fizesse, a sua pena era, pura e simplesmente, dobrada. É de notar que havia, porém, alguma magnanimidade. De facto, num dos artigos indicava-se que se um militar se sentisse injustiçado com um castigo, podia-se queixar, depois de o ter cumprido, mas sempre com toda a moderação. Nestes casos, porém, é sempre subjectiva a interpretação a dar ao conceito de «toda a moderação», pelo que o queixoso se teria de comportar sempre com muitíssimo cuidado, não fosse por qualquer pequeno deslize, acabar por ser acusado de um acto de indisciplina, podendo então contar com o agravamento da sua pena. É ainda de notar que o último artigo era um apelo ao bom comportamento dos militares, lembrando-lhes, porém, que não poderiam deixar de ser tementes a Deus, nem reverentes e amantes do seu soberano. Dado os soldados da altura serem, em regra, analfabetos, os 29 artigos apresentados deviam-lhe ser lidos e explicados aquando da distribuição do pré. Não era «pêra doce» ser-se militar nos tempos do Conde de Lippe. Esses tempos não são tão remotos assim. De facto, o regulamento em causa esteve em vigor até ao ano de 1875, ou seja, praticamente durante os primeiros três quartos de século da existência do nosso Colégio. Embora este regulamento não se aplicasse aos colegiais de então, o seu regulamento próprio não deixava naturalmente de ser bastante severo, prevendo castigos físicos vários e penas de prisão, acompanhadas, ou não, por cortes na alimentação, que iam até quase ao extremo de «prisão a pão e água». É assunto que pretendo cobrir num próximo escrito, em que veremos que a vida dos nossos antecessores também não era «pêra doce».
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Paradoxos, Enigmas, “Puzzles”
António Rafael Passarinho Franco Preto 67/1950
Paradoxos, Enigmas, “Puzzles”
N
a primeira metade da já longínqua década de 1960, a Faculdade de Ciências de Lisboa tinha no seu programa uma licenciatura em Física e Química (que já não existe há muitos anos). As várias disciplinas que constavam dos quatro anos dessa licenciatura podiam distribuir-se basicamente pelas áreas de Física, Química e Matemática. Se bem me lembro, eu considerava a área da Química a mais fácil, a Matemática a mais entusiasmante e a Física a mais complexa, pela relativa dificuldade de variadíssimos conceitos fundamentais (alguns dos quais têm logicamente evoluído ao longo dos anos). Para ver até que ponto ainda conseguia perceber alguns deles, comprei há uns meses um livro cujo autor é Jim Al-Khalili OBE1, um professor de Física da Universidade do Surrey (Grã-Bretanha), de 54 anos, naturalizado britânico, nascido em Bagdad-Iraque. Confesso que comprei o livro devido ao seu título desafiador: PARADOX – The Nine Greatest Enigmas in Physics. Não vindo para o caso quantos deles já consegui perceber (o livro foi baratíssimo atendendo às horas e horas que já me ocupou) este texto escrito até agora é tão somente a introdução a uma conversa amena sobre paradoxos. Comecemos por definir o tipo de paradoxos de que nos vamos ocupar. Será algo cuja solução é contra o “senso comum”, mas que se prova ser verdadeira (podemos cha1 2
mar-lhe enigmas ou puzzles como no título deste artigo, embora a solução dos enigmas e dos puzzles não tenha que ser contra o “senso comum”). O paradoxo que nos vai ocupar é conhecido como “The Monty Hall Paradox” e foi ponto de discussão intermitente ao longo de anos / décadas nos Estados Unidos da América do Norte (1960-1990), em várias revistas científicas e colunas de jornais. Foi dado a conhecer ao grande público num show que o apresentador canadiano Monte Hall teve durante muitos anos numa cadeia de TV americana – “Let”s make a deal”. Tratava-se evidentemente de um concurso em que o apresentador tentava comprar ao concorrente algo que ele tinha escolhido sem saber o seu valor2. A sua base científica é estudada em Cálculo das Probabilidades – Teoria dos Jogos, mas nós iremos apresentar a solução à questão que vai ser posta, sem que o leitor necessite de estudos superiores ou fórmulas matemáticas avançadas. O paradoxo em causa pode ser apresentado de muitas maneiras, mas nós vamos escolher uma simples de o descrever. São apresentadas ao concorrente 3 cartas para ele escolher “às cegas” uma delas (uma com uma face interior dourada e que representa o prémio que está em jogo e duas com a face interna preta e que significa que não têm qualquer prémio).
Condecorado com a “Order of the British Empire”. Aquele que foi um apresentador de televisão de grande sucesso, Carlos Cruz, não inventou nada...
O apresentador (que sabe qual é a carta com a face interior dourada) vai tentando comprar a carta que o concorrente escolheu e – a certa altura – vira uma das outras duas cartas, mostrando que ela tem a face interna preta. Então faz uma pergunta-oferta ao concorrente: Quer trocar a carta que escolheu inicialmente pela que ainda resta ou não? É esta a questão “probabilística” em causa. Deve fazê-lo, não deve fazê-lo ou as probabilidades são iguais? O meu “senso comum” diz-me que “é igual” e, portanto, não vale a pena substituir a escolha inicial. E o teu, caro leitor? (Pausa de algum tempo para pensar...) Continuemos:
Paradoxos, Enigmas, “Puzzles”
O meu “senso comum” enganou-me. O concorrente deve aceitar a oferta do apresentador e trocar a carta que escolheu inicialmente pela que resta, pois, a probabilidade de lá estar a carta com prémio é dupla da probabilidade do prémio estar na carta que escolheu inicialmente. Explicação “científica” (descrita em “termos comuns”): A probabilidade do prémio estar na carta escolhida inicialmente pelo concorrente é 1/3. A probabilidade do prémio estar numa das outras duas é portanto, 2/3. Deve – sem dúvida – trocar de carta. Como estamos entre amigos não vou entrar em discussões sobre o assunto pois não é esse o objectivo deste artigo. O objectivo é sómente mostrar que por vezes, o “senso comum” está errado. Mas isso já sabíamos, não? Precisam de fazer um acto de fé e acreditar no que eu escrevi? Evidentemente que não. A minha proposta para confirmarem a solução do “paradoxo” é simples:
- Arranjem 3 cartas (uma “com o prémio” e as outras duas “sem qualquer prémio”). - Façam de concorrente e escolham uma delas. - Façam de apresentador e eliminem uma das restantes duas cartas (escolhendo uma que não tenha qualquer prémio). Tomem nota do resultado deste exercício (se o prémio estava na “1ª carta” escolhida pelo concorrente ou na “3ª carta”). Repitam o exercício 20, 30, 40, 50 vezes e vão tomando nota dos resultados. À medida que vão aumentando o número de exercícios, verão que o resultado se vai progressivamente aproximando de “2 para 1” favorável à “3ª carta”. São os factos científicos (Paradoxos) a derrotarem o nosso “senso comum”. E agora que – espero – acreditam mais no “cálculo de probabilidades” e menos no “senso comum” aplicado a certas áreas da ciência, termino com outro enunciado dum paradoxo (muito conhecido entre os “aficionados”) e com a sua
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solução real que é também contra o nosso “senso comum”, mas não deixa de ser menos verdadeira por isso. Não descrevo como se chega à solução devido à necessidade de recorrer a umas “formulazitas”. Assumindo que todos os anos têm 365 dias e que não existem gémeos, quantas pessoas terão de estar numa sala, para a probabilidade de duas delas terem o mesmo dia e mês de nascimento, ser superior a 50%? O que diz o teu “senso comum”? 183 (o 1º número inteiro superior a metade de 365)? Acredita que 23 pessoas chegam. É verdadeiramente a ciência a derrotar o nosso “senso comum”! O que não significa que não seja lamentável o número de pessoas a quem falta um pouco de “senso comum”!
Post scriptum Para satisfazer a curiosidade de alguns que se mantém incrédulos perante a solução do problema apresentado – privilegiando o nosso “senso comum”, o que é perfeitamente aceitável – aqui vai a descrição em pormenor do raciocínio efectuado: O raciocínio mais fácil é “pela negativa” e progressivo (relativamente ao número de pessoas que entram na sala). Vamos calculando os valores para que as pessoas não façam anos no mesmo dia e mês e quando essa probabilidade for pela 1ª vez menor que 50%, temos o valor que procuramos (uma probabilidade de mais de 50% de 2 das pessoas presentes na sala, fazerem anos no mesmo dia e mês).
3. A probabilidade da pessoa 3 não fazer anos no mesmo dia e mês que as pessoas 1 e 2 é de: 363/365 (0,9945 = 99,45%). Ela pode fazer anos em qualquer dia, excepto nos dias em que as pessoas 1 e 2 fazem anos (tem, portanto, à sua disposição 363 dos 365 dias do ano).
1. Na sala está inicialmente a pessoa 1 e as restantes vão entrando uma a uma.
5. Quando a pessoa 4 se junta às outras 3, a probabilidade de as 4 terem dias de anos diferentes é de: 364/365 x 363/365 x 362/365 (0,9835 = 98,35%). E assim sucessivamente... À medida que se vão multiplicando as frações umas pelas outras, o resultado é cada vez menor (e logicamente, sempre menor que 1 ...isto é “aritmética” ... o produto de 2 frações ambas menores que 1, é menor que o valor de cada uma delas).
2. A probabilidade da pessoa 2 não fazer anos no mesmo dia e mês que a pessoa 1 é de: 364/365 (0,9972 = 99,72%). Ela pode fazer anos em qualquer dia, excepto no dia em que a pessoa1 faz anos (tem, portanto, à sua disposição 364 dos 365 dias do ano).
4. A probabilidade das pessoas 1, 2 e 3 terem (as 3) dias de anos diferentes é de: 364/365 x 363/365 (0,9917 = 99,17%). É um princípio básico do cálculo de probabilidades: se tens 2 ou mais situações – cada uma com a sua probabilidade – e queres calcular a probabilidade do conjunto que verifica todas essas situações, tens de multiplicar as probabilidades umas pelas outras.
6. Cada pessoa que entra a seguir na sala, “adiciona”, pois, uma fracção ao produto já existente (361/ 365, 360/365, 359/365, e assim sucessivamente...) que vai sendo cada vez menor. 7. Com um produto de 22 frações (23 pessoas na sala) o resultado situa-se pela 1ª vez abaixo de 0,5: é 0,4927 = 49,27% (a probabilidade de 2 das 23 pessoas na sala não fazerem anos no mesmo dia e mês). 8. Portanto, a probabilidade de 2 das 23 pessoas na sala fazerem anos no mesmo dia (que é o que queremos achar) é evidentemente: 1 - 0,4927 = 0,5073 = 50,73% (se o resultado do produto no ponto 7 é – pela 1ª vez – menor que 0,50 = 50%, isso significa que pela 1ª vez – com 23 pessoas na sala – há uma probabilidade maior que 50% de 2 delas fazerem anos no mesmo dia e mês).
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Do meu arquivo... ... pessoal - imagens & memórias (com gatafunhos)
Álvaro Fins Pereira de Lacerda Machado 143/1953
Do meu arquivo... ... pessoal - imagens & memórias (com gatafunhos)
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sta vai ser a minha página de apresentação numa nova coluna que, confiadamente, as Direcções de AAACM e da ZacatraZ resolveram poder confiar-me ... NÃOSEINÃO … AVERVAMOS! Assim, “à guisa” de início de hostilidades, vou tentar explicar pessoal e familiarmente a minha “chegada” ao COLÉGIO MILITAR. Escrevi no início que entrei em 1953. Pois nas minhas memórias arquivadas entrei, sim, em 1949, quando com seis anos, sozinho, e pela calada, apareci com a minha primeira “obra-prima” na mão. EXACTAMENTE, esta que se encontra nesta página! Porque este desenho era o retrato do meu irmão Nuno (136/1941), que àquela data, me aparecia em casa, aos fins-de-semana, vindo do COLÉGIO. Gostava, ainda, de explicar que para reforçar o clima que envolvia este meu “debutar” de artista (depois do CM segui Arquitectura), que naquele mesmo ano de 49 era professor da cadeira de Desenho, o então major Francisco Pereira de Lacerda Machado (183/1910), meu Pai. E, já agora, algo mais… A inserção dos “Lacerda Machado” na grande família colegial começa, portanto, em 1910 – antes da 1ª Guerra Mundial – e só terminará nos anos 70, verificando-se as entradas do Fernando Lacerda e Melo Franco (183/1966), do Nuno de Lacerda Machado (36/1968), do Pedro de Lacerda Machado (41/1970) e do Diogo de Lacerda Machado (136/1971), sendo ainda que o meu neto mais novo Martim, pode vir a entrar para a “primária”. Quero ainda acrescentar que minha mulher Dália de Lacerda Machado (308/1951) no Instituto de Odivelas e, actualmente, voluntária na assistência ao Lar da AAAIO, e ainda a minha sobrinha Isabel de Lacerda Machado (84/1967) no citado I.O. E não resisto a reproduzir aqui o magnífico “design” dos cadernos que, há época, eram obrigatórios na cadeira de Desenho, produzidos em exclusivo pela Papelaria
Do meu arquivo... ... pessoal - imagens & memórias (com gatafunhos)
Fernandes para o Colégio Militar. Aliás, era nestes cadernos, já usados, que o meu Pai me trazia no fim de cada ano lectivo, onde eu exercitava a minha “mão artista”, em papel de primeira, e depois de cuidadosamente inscrever o meu nome completo, como se já fosse, de direito, Aluno do COLÉGIO MILITAR. Nota No Verão de 2015, em data que não consigo precisar, Álvaro Lacerda Machado reuniu-se na AAACM com o signatário e Membros do Corpo Redactorial da ZacatraZ. Nessa reunião foi abordada a colaboração de Lacerda Machado na ZacatraZ, com uma participação regular nos diferentes números da revista. Nesse dia recebemos um conjunto de elementos destinados à sua primeira contribuição os quais foram devidamente tratados, enquadrados e formatados para publicação.
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Decorria nesse tempo a preparação do cinquentenário da revista, com um número especial de maior amplitude e com um conjunto de artigos que excedia em muito a situação normal e corrente. O texto, as fotografias que nos foram entregues e o enquadramento final para impressão, integraram então um arquivo dentro da pasta da revista 200, onde ficaram, inadvertidamente esquecidos, sem que lhes tenha sido dado o destino que deveriam ter tido. Lamentamos profundamente a indesejada situação que se criou e, por tal facto, apresentamos sinceras desculpas ao nosso Camarada Álvaro Lacerda Marques. O artigo foi agora publicado, esperando e desejando continuar a ter a sua colaboração na ZacatraZ, revista que é de todos nós e será tanto melhor quanto mais diversificado for o seu conteúdo. Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
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O pé monetário, o pé ático e o pé comum
João Manuel Martins Casaca 458/1960
O pé monetário, o pé ático e o pé comum 1. Na Roma antiga, no monte Capitolino, perto do templo de Júpiter (Iupiter Optimus Maximus), encontrava-se um templo dedicado a Juno Moneta. Segundo Tito Lívio, o templo foi construído no séc. IV a.C., na sequência da devastação de Roma pelos Gauleses. Juno era a deusa mãe, protectora da mulher, do casamento e da maternidade, sendo que, na sua vertente Moneta, protegia as finanças do estado. Com efeito, era no templo de Juno Moneta que era cunhada a moeda romana (aureus, quinarii, denarii, sestertii etc.). A partir de certa altura, o templo de Juno Moneta passou a guardar um padrão do pedes monetalis, a unidade linear romana. A designação pedes monetalis, que se encontra ainda num texto do séc. II AD, do agrimensor Higinus Gromaticus, caiu posteriormente em desuso. No final do Império, o pedes monetalis deixou de ser usado como unidade linear. No séc. XVII, o seu comprimento já era alvo de alguma especulação. Na “Mesure de la Terre” (1671), o abade Jean Picard escreve: “... le Pied Romain ancien, tel que le Pere Riccioli aprés Villalpande l’a voulu établir, soit a celui de Paris comme 667 a 720, bien que le Pied Romain dont on voit le modele au Capitole, ne soit au même pied de Paris que comme environ 653 a 720.” Picard dá a entender que, no séc. XVII,
O Capitólio, o templo de Júpiter e o templo de Juno Moneta
ainda existia um padrão do pé romano no Capitólio. O nosso engenheiro-mor Manuel de Azevedo Fortes confirma no segundo volume de “O Engenheiro Português” (1729): “Dizem que a medida deste pé romano está gravada no Capitólio”. Assumindo o valor métrico de 32,48 cm para o pé de Paris, temos um pé romano cerca de 29,46 cm, segundo Picard. O valor métrico actualmente aceite para o pé romano (pé monetário) é 29,6 cm.
O pé Ático (pé de Atenas) foi introduzido, no séc. VI a.C., pela reforma do sistema de pesos e medidas, promovida pelo arconte ateniense Sólon. Durante muito tempo, foi atribuído ao pé Ático o valor de 30,8 cm, embora este valor não fosse consistente com as unidades Áticas de área e de volume. O arqueólogo alemão Wilhelm Dörpfeld (1853-1940), que andou envolvido em escavações na acrópole e no ágora de Atenas, a partir da medição de
O pé monetário, o pé ático e o pé comum
Reconstrução do estádio Panathinaikos
pormenores arquitectónicos, tais como bases e capitéis de colunas das ruínas de monumentos, chegou à conclusão que o pé Ático media 29,6 cm, valor este já compatível com as unidades Áticas de área e de volume (Beiträge zur Antiken Metrologie – Das Solonische-Attische System, 1882). Dörpfeld defendeu que os romanos teriam “importado” o pé Ático de 29,6 cm pouco depois da segunda guerra púnica (final do séc. III a.C.), o que não é de estranhar, dada a influência cultural de Atenas em Roma. Tito Lívio relata que o senado de Roma enviou (c. 455 a.C.) uma delegação a Atenas para copiar as leis de Sólon. O pé grego de 30,83 cm não surgiu do nada. Trata-se de um pé compatível com o comprimento das ruínas do estádio Panathinaikos em Atenas (um estádio grego media sempre 600 pés). Heródoto, nas suas “Histórias”, escritas no séc. V a.C., relaciona um cúbito grego comum com um cúbito real egípcio de valor conhecido (cerca de 52 cm) e permite inferir para o pé comum grego correspondente um valor próximo de 30,83 cm. Hyginus Gromaticus, cerca de seis séculos depois, afirma que, na província da Cirenaica, era usado um pé, designado por pé ptolomaico, que: “...habet
monetalem pedem et semiunicam.” O dito pé ptolomaico tinha um pé monetário e 1/24 (semiunicam), ou seja, cerca de 30,83 cm. O arquitecto romano Marcus Vitruvius (c. 70 a.C. a depois de 15 AD) escreveu no seu tratado “De Architectura” (c. 20 a.C.) que os 252.000 estádios atribuídos por Eratóstenes à circunferência da Terra são 31.500.000 passos romanos (um passo são cinco pés), o que dá o valor de 185 m ao estádio e 30,83 cm ao pé de Eratóstenes. O historiador romano Gaius Plínius Secundus (23 a 79 AD), na sua “História Natural”, a propósito do skoïnos (uma antiga unidade itinerária egípcia), afirma: “Schoenus patet Eratosthenis ratione stadis XL, hoc est passum V milia, ...”: o skoïnos tem 40 estádios de Eratóstenes, isto é, tem cinco milhas romanas. A equivalência de 40 estádios de Eratóstenes (24.000 pés) a 5 milhas romanas (25.000 pés) permite atribuir ao pé de Eratóstenes o valor de 30,83 cm. Sabe-se que o grego era falado em diferentes dialectos nas várias regiões da Grécia antiga e que, ao longo do tempo, se desenvolveu um dialecto comum (koïne dialektos), com base no dialecto Ático, que veio a constituir uma língua franca falada por todos os gregos e que está na raiz do grego bizantino que, por sua vez, evoluiu para o grego moderno. É pois muito possível que o pé de 30,83 cm, usado por Eratóstenes (séc. II a.C.), relacionado com o cúbito comum de Heródoto (séc. V a.C.), que é compatível com as dimensões do estádio Panathinaikos em Atenas e que Hyginus Gromaticus designa por pé ptolomaico (séc. II AD), fosse uma unidade usada, na antiguidade, em todo o mundo grego, simultaneamente com as unidades locais e regionais, que veio a resistir, com algum sucesso, ao predomínio do imperial pé romano ático-monetário. Curiosamente, no império romano do Oriente continuaram a usar-se unidades lineares gregas durante muito tempo: o historiador Procopius, nas suas “Guerras de Justiniano”, escritas no séc. VI AD, refere as distâncias em estádios (seriam estádios koïne de 185 m?).
2. A estimativa inicial de Eratóstenes para a circunferência da Terra foi de 250.000 estádios,
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a que ele acrescentou 2.000 estádios para obter um valor divisível por 60 e também por 360. Na altura (séc. III a.C.), o ângulo raso era dividido em apenas 60 partes e não em 360 partes. A divisão em 360 partes foi introduzida por Hiparco no séc. II a.C. Cada parte era dividida em 60 pars minutia prima que, por sua vez, eram divididas em 60 pars minutia secunda. No séc. II AD, o famoso geógrafo Cláudio Ptolomeu corrigiu a estimativa de Eratóstenes para 180.000 estádios, seguramente, estádios de 185 m de Eratóstenes. Ptolomeu reduziu a circunferência da Terra de 46.620 km para 33.300 km. Os cosmógrafos europeus dos séculos XV e XVI seguiam, grosso modo, a opinião de Ptolomeu. A excepção foi Cristóvão Colombo que atribuía 14 léguas e 2/3 ao comprimento do arco de um grau de meridiano. As léguas eram léguas náuticas castelhanas com 5,572 km e a circunferência da Terra resultante era de 28.417 km. No modelo de Colombo não havia espaço para o continente americano. Em Inglaterra, a rainha Isabel I submeteu ao Parlamento, em 1593, um estatuto onde propunha a substituição da tradicional milha de 5.000 pés por uma milha com 5.280 pés, a milha do estatuto. O objectivo da proposta era tornar a milha igual ao comprimento de um arco de um minuto do meridiano terrestre, para facilitar as operações aritméticas necessárias em navegação. Esta definição correspondia a uma circunferência da Terra com 21.600 milhas (c. 34.750 km). Na mesma época, os cosmógrafos portugueses atribuíam 17,5 léguas de 5,572 km (léguas náuticas castelhanas) ao arco de um grau de meridiano, o que levava a circunferência da Terra para cerca de 35.100 km. Este grande erro sobre as dimensões da Terra só foi corrigido no final do séc. XVII com a medição de uma cadeia de triangulação meridiana pelo abade Jean Picard, com o patrocínio da Real Academia das Ciências de França. Quando, em 1520, Fernão de Magalhães se lançou à travessia do oceano Pacífico, pretendendo atingir directamente as ilhas Molucas a partir da Terra do Fogo, ignorava a verdadeira extensão que precisava de navegar: o seu modelo da Terra era 5.000 km mais curto na direcção Este-Oeste do que a realidade.
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1917 - Nas trincheiras da Flandres O “espião Alemão”
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
1917
Nas trincheiras da Flandres
O “espião Alemão” N
o nº 203 desta Revista, de Abril/Junho de 2016, apresentei um artigo com o título «Uma Reparação pelas Armas», cuja personagem principal era o Antigo Aluno Teófilo José Ribeiro da Fonseca (205/1897), Oficial Aviador, que no ano de 1924, na sequência da «Revolta dos Aviadores», em que participou activamente, foi protagonista de um duelo a sabre com o então Ministro da Guerra, também ele Antigo Aluno do Colégio. Ao folhear o número 102 da revista «O Colégio Militar», deparei-me com um curiosíssimo artigo por si escrito, publicado no extinto jornal «Diário de Lisboa», de 9 de Abril de 1924, em que relata um episódio vivido por si próprio na 1ª Guerra Mundial, nas trincheiras na Flandres, onde esteve como Oficial de Cavalaria, membro voluntário do Corpo Expedicionário Português, antes de se tornar aviador. Dada a originalidade do episódio referido, não resistimos à tentação de transcrever, agora na ZacatraZ, o artigo de Abril de 1924, do então Capitão Aviador Ribeiro da Fonseca. Apreciem a sua história, que vale a pena: «Ao rebentar a guerra, em Agosto de 1914, não supondo nos primeiros dias, como quase ninguém, que Portugal viria a entrar na contenda, ao saber a França invadida, o meu sangue, meio francês, alvoroçou-se e imediatamente me ofereci ao ministro da França em Portugal para me alistar no exército francês. Na resposta, muito amável, dizia-me não estar autorizado a aceitar tal oferecimento. A uma segunda carta respondeu-me que só em França aceitariam os meus serviços. Já então Portugal declarara estar inteiramente ao lado do seu aliado secular, e, agora, com muito maior prazer, via a possibilidade de marchar com tropas portuguesas, com a nossa gente a que me habituara no Norte, na campanha de espera galego, e em África, onde estivera dois anos. Sendo oficial instrutor da Escola de Equitação, ofereci-me para marchar com qualquer força daquela escola que seguisse para França. Falando-se em mandar uma
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divisão para ali, ofereci-me para marchar com as primeiras tropas que seguissem. Constando que já não iriam tropas para França e dado o desastre de Naulila, ofereci-me com Torres Maia e Alfredo Guimarães, para irmos num esquadrão de Cavalaria para Angola. Seguiu-se o golpe das espadas e o 14 de Maio. Neste intervalo escrevi a João Chagas, pensando em me alistar na Legião Estrangeira, tal era a minha mania de ir para a guerra. Como estava oferecido fui nomeado para a Divisão de Instrução em Tancos e, algum tempo depois, para embarcar para França com um esquadrão de Cavalaria 2. Pois bem! Este furioso da guerra, este intervencionista engagé, foi preso por espião num posto da 1ª linha. Uma vez em França, infelizmente, a cavalaria pouco podia fazer, e fui nomeado, algum tempo depois, instrutor da Escola de Gases Asfixiantes. Quase todos os oficiais foram directamente ensinados por mim na defesa contra os gases, grande parte das tropas tiveram a sua instrução debaixo da minha direcção, nunca se tendo dado nenhum incidente durante a minha estada na Escola. Valeu-me esse trabalho um louvor, mas aquele lugar não me sorria. A minha saúde, porque me expusesse constantemente a respirar gases deletérios, começava a abalar-se e, desejoso por lugar menos ingrato, deixei a Escola com a minha intenção formada de ir para oficial de raids, ou para a Aviação. Assim escrevi ao General Gomes da Costa uma carta, em que lhe pedia para me levar para a sua divisão como oficial de raids. A resposta daquele valente General foi que não poderia fazer isso, pois que esse serviço devia correr por todos os oficiais de Infantaria. Pedi então, desejo já antigo, para ingressar na Aviação. Nesse espaço de tempo a Cavalaria forneceu um contingente com metralhadoras para as trincheiras. O comandante do esquadrão, capitão Álvaro Pope, seguira com as metralhadoras, pertencendo-me por ser cerra-fila do esquadrão, ficar com a cavalaria em Saint-Quentin. Foi durante este período que se deu o episódio interessante que vou contar, começando por explicar como estava nas trincheiras nessa ocasião.
Não me sofrendo o ânimo que os meus camaradas estivessem expostos a perigos que não partilhasse, costumava às vezes, acabado o serviço e sem autorização, porque ma negariam se a pedisse, montar no meu cavalo, e, depois de boa galopada, apear-me no acampamento das metralhadoras e passar a noite com eles nas trincheiras. Passava-se a noite entretido com aquele espectáculo único, que só pode avaliar quem o presenciou. Na primeira noite que ali passei, por exemplo, comandava o posto o alferes Azinhais Mendes. Estavam ainda as metralhadoras na 2ª linha. Alta noite, um subalterno de infantaria passa com os seus quatro homens e diz que vai fazer uma patrulha na Terra de Ninguém. Desejoso de passar por tudo, pedi-lhe que me deixasse acompanhá-lo. Seguimos para a 1ª linha e ali estive algum tempo, conversando em monossílabos com um oficial inglês que estava no nosso flanco direito. Ambos estivemos debruçados no parapeito, presumindo aos valentes, fingindo não ouvir as balas que passavam perto. Em breve a patrulha saltava o parapeito e entrava no esburacado terreno a que os nossos chamavam, por brincadeira, Avenida Afonso Costa. Passados os arames farpados, descendo e subindo
covas, aproximámo-nos das trincheiras alemãs. Os very-lights constantes, alguns de paraquedas, obrigavam-nos a estacar na posição em que estávamos, sem que nos devêssemos mexer enquanto não se extinguiam. As metralhadoras, num estalar contínuo, varriam o terreno à altura dos parapeitos, deixando apenas o espaço suficiente para que caminhássemos curvados. Instalados numa cova, eu e dois soldados, estando na outra o alferes e os restantes homens, aguardávamos de espera, que alguma patrulha alemã se apresentasse também, para, qual caçada a panteras, a surpreendermos. Tinha na mão, como única arma, a pequena «Savage» e metido na cintura um sabre-baioneta bem afiado. Assim estivemos bastante tempo de ouvido à escuta, respiração contida, até que a hora obrigou o comandante da patrulha a voltar, depois de termos passado parte da noite a poucos metros dos arames inimigos. O resto do tempo foi passado de conversa com os companheiros e, de manhã, tornando a montar, marchava para o meu serviço. Assim seguiram as minhas excursões desportivas, até que um dia as metralhadoras da Cavalaria passaram para a primeira linha e fui nessa tarde, mais uma vez, pas-
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sar a noite na trincheira. O espectáculo era de tal modo grandioso, diferente de tudo o mais que se possa ver, que me sentia arrastado para ali. Ainda se dava o facto de ver que os meus camaradas, simples e jovens alferes inexperientes, estimariam ver-me junto deles e isso mais me resolvia a correr para perto daqueles que pertencendo ao meu esquadrão, estavam em situação mais arriscada. Na véspera houvera naquele posto da primeira linha mais um ataque alemão, tendo surpreendido a sua guarnição que tinha sido empalmada, não se sabendo se o seu comandante fora vivo ou morto. O abrigo estava meio desfeito, granadas de mão haviam sido arremessadas para dentro dele, tendo ferido certamente o comandante. Desejoso, qual Sherlock Holmes, de saber, pelos vestígios, a verdade do acontecimento, dum mergulho desci para o fosso e, seguindo um caminho feito no terreno, encontrei espalhados: pensos, fósforos e maços de cigarros portugueses, que evidentemente pertenciam aos prisioneiros que haviam levado. Mais adiante um lenço ensanguentado. E por ali fora ia muito satisfeito, quando uma rajada de metralhadora me advertiu de que havia sido visto e, como ainda era dia, voltei para trás. Quando veio a noite voltei com o alferes Granate ao terreno de ninguém. Como fizéssemos mais barulho do que devíamos, recebemos também uma rajada por cima das cabeças. Passámos a noite entretidos, ora fazendo fogo com as metralhadoras, ora lançando granadas de mão, quando se sentia gente perto dos arames. É nesta altura que se dá o caso engraçado da minha prisão como espião alemão! Altas horas da noite, no posto á nossa direita, a uns oitocentos metros, há grande tiroteio e rebentamento de granadas. Curioso por saber o que teria sido, resolvi
ir pela passerelle fora até lá, indagar o que se passara. A primeira linha havia sido trincheira em tempo; porém os sucessivos bombardeamentos e o seu abandono nos intervalos entre os postos, faziam com que essa trincheira, em quase todo o seu percurso, estivesse destruída. Segui conforme pude e a luz dos very- lights me permitia, até ao posto vizinho. Levava desta vez uma pistola carabina Mauser, arma alemã, que adquirira em África, e duas granadas de mão nas algibeiras. Ao aproximar-se da primeira sentinela e ao ser interrogado, disse o santo e a senha em voz baixa e passei. A segunda sentinela porém não se conformou tão facilmente e perguntou-me: - Que faz o senhor por aqui? Donde vem? Venha cá ao comandante. Levou-me junto do comandante do posto, um alferes, que desconfiado, me interrogou. Disse-lhe o nome, donde vinha e que viera ali para saber o que havia sido o tiroteio que ouvira do posto da primeira linha, onde estavam as metralhadoras da cavalaria... - Ó meu alferes, não é verdade; as metralhadoras da cavalaria estão na segunda linha! Os soldados naquele posto não sabiam ainda que as Hotchkiss haviam passado naquele dia para a frente. Entrei com o alferes, de gatas, num pequeno abrigo onde se acendeu uma vela, e mostrei o meu bilhete de identidade. Porém, ainda na véspera haviam surpreendido um alemão fardado de oficial português, e eu, surgindo daquele lado, àquela hora, com uma pistola Mauser na mão, provocava suspeitas em todos. Propôs-me o alferes que me fosse apresentar no comando do batalhão, ao que respondi que de lá tinha vindo de dia, que era muito longe e que o meu desejo era passar a noite na trincheira e não voltar para trás. O que ele porém podia fazer, era mandar o sargento e alguns soldados atrás de mim até ao posto de onde tinha vindo, e, ao chegarem lá, logo se certificariam que eu tinha vindo dali. Um soldado disse qualquer segredo ao ouvido do comandante e este respondeu-me que isso não podia fazer, resolvendo que ficasse ali com ele e que uma patrulha de sargento seguisse ao posto vizinho a saber quem eu era. Entretanto pedia-me esclarecimentos, ao que respondia, achando graça ao caso, tão certo estava de que com os meus dados o alferes se certificaria de que estava falando com um oficial português.
Porém, ao dizer-lhe que tinha vindo a cavalo, em tantos minutos, de St. Quentin, um soldado salta de lá e diz: - Não pode ser meu alferes, ainda no outro dia nós viermos de lá em camião e levamos hora e meia! Estava apanhado, era um espião pela certa! A soldadesca já se permitia levantar um certo burburinho e rodeava-nos. Pensei filosoficamente na situação do indivíduo, filho de francesa, neto de português e de inglesa por parte de seu pai, no partidário ferrenho da intervenção de Portugal na guerra, no aliadófilo por convicção e por sangue que era preso na trincheira da primeira linha por espião! Contra-sensos da vida. Felizmente que encarava aquele episódio pelo ridículo do curioso que fora sozinho pela passerelle fora, dum posto da primeira linha a outro. Daí a algum tempo, porém, voltava a patrulha acompanhada pelo alferes de infantaria comandante do posto de onde tinha vindo, que, achando também graça ao caso, explicou ao meu carcereiro que realmente eu viera, por se ouvir tiroteio, e que estava no posto dele a fim de passar a noite com eles na trincheira. O alferes pediu-me muitas desculpas e contou-me que o segredo do soldado tinha sido este: - Deixe-o ir, meu alferes, que ali adiante damos-lhe um tiro na cabeça. Ele é um espião pela certa. No fim de tudo, ainda devo a minha vida ao sensato alferes de Infantaria, comandante do posto. As minhas excursões desportivas às trincheiras terminaram com a ida para as escolas de aviação.» O que aqui fica exposto pelo próprio, que confessa que fazia «excursões desportivas» pelas trincheiras da 1ª linha e pela “Terra de Ninguém”, locais onde alguns só punham os pés se levados pelas orelhas, confirma-nos o que já sabíamos sobre a personalidade de Ribeiro da Fonseca. Para além de valente, era um homem irrequieto, daqueles a que os algarvios chamavam um «remexido», que só ficava satisfeito estando na linha da frente. Quanto ao alferes Granate, que Ribeiro da Fonseca menciona no seu escrito, esclarecemos que se tratava do Antigo Aluno Luciano Ernesto da Silva Granate (290/1907), que mais tarde, na década de 50 do século passado, com o posto de Brigadeiro, veio a ser Director do Colégio, onde granjeou a estima e o respeito dos seus Alunos.
O meu escritório a 10000 metros de altitude
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João Rui Batista Ferreira 155/1981
O meu escritório a 10000 metros de altitude NOTA INTRODUTÓRIA João Rui Batista Ferreira (155/1981 “Pevides”) é Comandante da TAP e conta com um acumulado de 8500 horas de voo em aviões em que tantos de nós já tivemos o prazer de ser passageiros: A319, A320, A321, A330 e A340. Atrás disso tem a formação em Ciências Aeronáuticas pela Academia da Força Aérea e a qualificação como Investigador de Acidentes Aéreos, atribuída pelo Southern California Safety Institute e pela United States Air Force. No seu percurso na Força Aérea acumulou ainda 2500 horas de voo, pilotando Epsilon, FTB, T-6, P-3 Orion entre outros. Casado e com dois filhos, um deles a frequentar o Colégio, aceitou contar-nos como é passar um dia no seu escritório - e é sem dúvida um escritório especial. Nelson Manuel Machado Lourenço (377/1982)
02:25 da manhã: Telefone a tocar, telemóvel aos gritos, luz a entrar no quarto, … - “O que é que se passa?... Onde estou?... Quem sou?...” Várias questões me assolam, enquanto tento perceber o que se está a passar… Com alguma dificuldade, inerente à hora da manhã, consigo acender a luz, atender o telefone, ouvir a menina da recepção a desejar-me bom dia e por fim desligo o meu despertador que teima em aumentar o volume desmesuradamente como que a tentar provocar em mim alguma reacção mais violenta… Levo alguns instantes a entender que estou em Copenhaga e que dentro de uma hora tenho o transporte para o aeroporto e que, com a minha tripulação, “faremos” o 1º voo do dia desta cidade para Lisboa.
Uma vez no aeroporto, despachamos a nossa bagagem, recebemos o “Briefing package” do chefe de escala, cumprimos as formalidades aeroportuárias e, já dentro do nosso avião passo toda a informação do voo à minha tripulação para que todos iniciem as suas tarefas de preparação da aeronave. No Cockpit, eu e o meu copiloto iniciamos todos os sistemas de voo, programamos o computador de navegação, avaliamos a meteorologia em rota, no destino e nos possíveis aeroportos alternativos. Garantimos também o abastecimento de combustível e após um pequeno “briefing” entre os dois, estamos completamente prontos para iniciar o voo. Faltam 20 minutos para a nossa saída e as operações na cabine também se desenrolam na normalidade com o embarque dos passageiros já a decorrer.
Algumas assinaturas depois, resultantes das várias formalidades de “despacho” do voo, analiso o último documento a chegar á minha mão: a folha de carga (Loadsheet), na qual consta toda a informação relativa à aeronave, desde configuração, quantidade de combustível, número de passageiros, carga a transportar e respectivos valores de massa e centragem. Cruzo esta informação com o copiloto que no EFB (Electronic Flight Bag) faz os cálculos de “performance” para a descolagem. Após ambos os pilotos aceitarem todos estes valores, dou autorização para fechar portas e iniciarmos o voo. Momentos antes de alinharmos na pista recordo-me sempre das sábias palavras de um colega mais velho: “Pensa sempre que algo de mau vai acontecer durante a descolagem!” É desta forma que nós, pilotos, nos preparamos para não sermos apanhados desprevenidos;
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O meu escritório a 10000 metros de altitude
uma pequena revisão mental do que de pior nos pode acontecer nesta que é a fase mais crítica de todo o voo. A aeronave está pesada, não há mais potência nos motores, a velocidade é pouca e a distância ao solo reduzida. Sentimos nestes instantes que tudo está literalmente nas nossas mãos. É nessas mãos que se concentram todos os anos de experiência acumulada, e são elas que levam à prática a aplicação correcta de todos os procedimentos
e técnicas que esses anos nos ensinaram, uma e outra vez. Depois, a “performance” destas maravilhosas máquinas voadoras faz o resto e acabamos rendidos a um sentimento de segurança que é hoje apanágio da aviação comercial. Como pilotos profissionais somos treinados vezes sem conta a repetir as mesmas tarefas, a carregar nos mesmos botões sempre pela mesma ordem, a responder da mesma forma às mais variadas situações com a finalidade
de podermos voar estes aviões “state of the art”, com qualquer um dos nossos colegas, por forma a ambos no cockpit sabermos exactamente o que o outro está a fazer sem qualquer tipo de dúvida. E caso essa dúvida exista, somos treinados para quebrar de imediato a “corrente do erro”, cancelando o procedimento em causa. Já estabilizados a 37000 pés (+/- 11300 m) faço o discurso aos passageiros e entre dois “chekcs” de sistemas dou comigo a pensar na felicidade que sinto em estar neste “escritório” com a melhor vista do mundo. Feliz por isso, pela minha família e pela sorte que tive na vida. Sorte, que como costumo dizer, também deu algum trabalho. Diabolizações à parte, faço mais uma verificação da navegação com o copiloto e preparamo-nos para cruzar uma zona de CAT (Clear air turbulence – turbulência em ar limpo); alerto a chefe de cabine que faz o respectivo discurso e ligamos o sinal de cintos (SEAT BELTS). Nada de especial; passados alguns minutos retomamos o conforto do voo em ar limpo e calmo. Mais uma contas de combustível, mais uma análise a todos os sistemas do avião e já passaram 2 horas de voo, com a ajuda das centenas de comunicações efectuadas com os vários sectores de tráfego aéreo europeus! Falta-nos aproximadamente 1 hora e 15 minutos. Está na altura de começar a preparar a descida e a aterragem em Lisboa. O copiloto transmite-me toda a informação do aeroporto de destino bem como dos aeroportos alternativos. A informação meteorológica dá-nos conta de ventos moderados de noroeste em Lisboa com nuvens baixas, o que pela experiência significa que poderemos contar com alguma turbulência na “final curta”, mesmo por cima da ”2ª circular”. Mais um sucesso! 156 passageiros transportados em segurança até ao destino, com chegada no horário previsto. São agora 8:40 da manhã, resta-me ir para casa, descansar, aproveitar o conforto da família e preparar-me para o dia seguinte com mais um voo, desta vez a Cabo Verde com regresso a casa.
Antigos Alunos nas Artes e nas Letras
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Nuno António Bravo Mira Vaz 277/1950
Antigos Alunos
nas Artes e nas Letras António Eduardo Queiroz Martins Barrento (40/1948) Olho do Furacão. O Fim do Fim. Timor Fronteiras do Caos, Editores, 2016
O
lho do Furacão é uma peça polifónica, com duas linhas narrativas. Uma para rememorar os acontecimentos que, ao cair da noite de 7 de Dezembro de 1975, em Ataúro, conduziram o autor à ré da corveta da Marinha portuguesa
Afonso Cerqueira, donde avistou os clarões dos rebentamentos das granadas indonésias em Dili e onde se apercebeu de que testemunhava o «fim do fim do Império português». A outra linha só aparentemente se afasta do tema, pois quando António D’Eça e Pedro França (alter egos de António Barrento?) questionam a autoria dos «Painéis de S. Vicente» e a identidade das figuras ali representadas, estão na verdade a recordar os anos do início do empreendimento que levou os portugueses de Quinhentos aos lugares de onde António Barrento foi obrigado a regressar em 1975. Numa prosa elegante e marcada, aqui e além, por uma reconhecida erudição em matéria de História, o autor descreve com indisfarçável desencanto os últimos dias da presença portuguesa em Timor. A milhares de quilómetros duma Metrópole dilacerada por insanáveis divergências ideológicas e que se revela incapaz de encontrar caminhos consensuais para os seus problemas, Timor fica entregue a si próprio. As autoridades portuguesas do território não dispõem dum aparelho administrativo operacional e, no que respeita a forças militares disciplinadas, contam apenas com um pequeno Destacamento
de Pára-quedistas, sem efectivos suficientes para impedir os confrontos, cada dia mais cruentos, entre elementos das principais forças políticas timorenses. Desempenhando à data as funções de Chefe de Estado-Maior do Comando-Chefe de Timor, António Barrento é um protagonista importante e um expectador privilegiado dum quotidiano que se turva um pouco mais a cada dia que passa. Do seu posto de observação, assiste de muito perto aos apelos sem resposta que o Governador faz a Lisboa, ao desvario de alguns militares portugueses com funções de responsabilidade, aos desmandos dos grupos de timorenses armados e à indesculpável recusa da FRETILIN em participar nas conversações de Macau, onde poderia discutir com as restantes forças políticas as modalidades da descolonização de Timor. O rápido deslizamento de Timor para a guerra civil é contado em sucintas notas radiográficas, numa prosa seca e despojada, como compete a quem tem a consciência limpa e, por isso, não precisa de pedir desculpa. Escrito sem saudosismos bacocos, Olho do Furacão não só ajuda a perceber o que se passou, como esclarece algumas das razões pelas quais as coisas aconteceram assim.
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Dominus, domini O “Menau”
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
Dominus, domini
O “Menau” I
n illo tempore (naquele tempo), que foi o meu tempo no Colégio, aprendíamos latim. Como não chegávamos a ser especialistas na matéria, não se podia dizer que dominávamos a língua, mas podia-se dizer que nos conseguíamos exprimir, de forma titubeante, em LATINÓRIO (latim de fraca qualidade) e que ficávamos capazes de seguir os textos das missas, que nesse tempo se diziam em latim. Só alguns anos mais tarde, na sequência do Concílio Vaticano II, os textos das missas passaram a ser lidos nas línguas dos diferentes países. Até aí os crentes iam até à igreja aos domingos e apenas «ouviam missa», ou seja, ouviam o padre recitar os textos em latim, que para a esmagadora maioria dos crentes era incompreensível, respondendo estes (os que respondiam) recitando uma série de frases, aprendidas de cor, também em latim, sem perceberem bem o que estavam a papaguear. Nós, os meninos do Colégio, eramos uma excepção. Quando o padre dizia «Dominus vobiscum» (O Senhor seja convosco), respondíamos galhardamente e conscientes do que estávamos a dizer «Et cum spiritu tuo» (e com o teu espirito) e mais à frente «Sursum corda» (corações ao alto) e respondíamos «Habemus ad Dominum» (já os temos para o Senhor), no final o padre dizia «Ite, missa est» (a missa está acabada) e a resposta saía célere «Deo gratias» (graças a Deus), antes de nos precipitarmos da igreja para fora, para vermos as meninas mais bonitas da zona, no que então constituía «o santo sacrifício da saída da missa». Formávamos, pois, uma elite, capaz de ombrear no latinório com qualquer cura de aldeia, que para além dos textos sagrados, pouco mais conhecia do latim. Tão importante como o que ficou dito, era o facto de podermos ler o lema do glorioso Benfica «et pluribus unum» percebendo todo o seu transcendente significado.
Dominus, domini O “Menau”
Tudo isto me veio ao espirito, quando li, no último número da ZacatraZ, o texto intitulado «Rosa, rosae», do Luis Miguel Alcide de Oliveira (163/1952), que foi meu «sorja» na 2ª, quando ainda frequentava o 6º ano, passando, no seu 7º ano, a aluno comandante da mesma companhia. Daqui o saúdo com um valente abraço e lhe agradeço, na minha qualidade de componente da Redacção desta nossa revista, pela sua colaboração, que é sempre esperada com grande expectativa, face à qualidade e á graça da mesma. Recordo, com saudade, os tempos em que ambos fomos professores na Academia Militar. Nesse tempo, na messe dos oficiais as mesas eram de quatro lugares, havendo uma mesa bem maior, a que chamávamos a «vala comum», onde o Alcide costumava abancar. Era certo e sabido, que a «vala comum» estava sempre cheia de pessoal, que ali se sentava só para ouvir as suas histórias, das mais variadas e sempre cheias de espirito. Apesar da alimentação não ser requintada, facto que lhe mereceu o comentário «Quanto pior a comida, mais fortes são os exércitos», passávamos ali todos uns belíssimos bocados. Como eu dizia, «in illo tempore» tínhamos latim durante 3 anos, do 3º ao 5º ano. O ensino do latim não implicava montanhas de livros, como agora as criancinhas, mesmo da escola primária (que agora se chama pomposamente 1º ciclo de escolaridade), têm de arrastar para as aulas atrás de si. Bastavam dois pequenos livros para nos pôr a cabeça em água, eram o livro de texto, a «Initia Latina» e o livro daquela gramática rebarbati-
va (quase tão difícil quanto a gramática alemã), que tínhamos de aprender «de cor e salteado», como se costuma dizer. Na «Initia Latina» havia textos dos mais variados, que iam desde as fábulas de Esopo, que tínhamos de recitar de cor, até a extractos da obra «De Bello Galico», relativa às campanhas de Cesar na Gália. Para aqueles mais dados às leituras de banda desenhada, informo que a guerra da Gália foi aquela em que César conseguiu subjugar toda a Gália, com excepção de uma pequena aldeia de irredutíveis bretões, que graças à poção mágica do seu druida Panoramix, conseguiam, liderados por Astérix e Obélix (caído em criança dentro do caldeirão da dita poção), desbaratar à bofetada sucessivas centúrias das legiões de César. As fábulas de Esopo, sendo muito sintéticas, não eram de tradução fácil. Lembro-me de um dia andarmos às voltas com a tradução da fábula intitulada «Mons parturiens» (A montanha parturiente), até que houve um da minha turma que resolveu recorrer ao auxílio do antes citado Alcide, o qual já não se lembrará deste episódio. Para grande espanto nosso, ele traduziu a fábula num ápice e ficámos prontos para no dia seguinte fazermos um figurão na aula. Daquilo que me lembro do meu latinório, a parte inicial da fábula era assim. Mons parturiens Mons parturibat imanes gemitus sciens. Erat in terra maxima expectactio. Mons peperit murem. A fábula traduzida era assim: A montanha parturiente A montanha paria soltando enormes gemidos Na terra havia a maior expectativa A montanha pariu um rato Isto é dito para aqueles Que com grandes esperanças Acabam por não produzir nada Nunca mais esqueci a lição desta fábula. Ao longo da minha vida encontrei muitos que davam grandes esperanças e que acabavam por não produzir nada (magna cum minaris, extricas nihil). Basta olhar para os políticos, prometem tudo e depois são todos iguais, acabam por não fazer nada (com
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pouquíssimas e honrosas excepções). O Alcide no seu «Rosa, rosae» citava o «Menau», figura impar de professor nos nossos tempos no Colégio, de seu nome Miguel Augusto Pinto de Menezes. Também o tive como professor nos meus três anos de latim. Era um verdadeiro terror, pela sua exigência e imprevisibilidade, mas ao mesmo tempo um espectáculo. Os seus alunos guardam dele recordações inolvidáveis e reconhecem que era um excelente professor. Para aqueles que não o conheceram, direi que era um nortenho dos quatro costados, monárquico assumido e admirador do Senhor Professor Doutor António Oliveira Salazar, recomendando-nos a leitura dos seus discursos. Era meio caminho andado para estarmos nas suas boas graças. Os nossos padecimentos iniciais nas aulas do «Menau» consistiam nas sabatinas a que éramos sujeitos, naquilo que eram as declinações dos substantivos. Para os mais novos, que nunca deram latim, esclareço que um substantivo em latim não tinha apenas duas formas, o singular e o plural, tendo para cada uma delas seis formas possíveis, correspondentes aos casos nominativo, vocativo, acusativo, genitivo, dativo e ablativo, podendo assim um substantivo ser dito de 12 formas diferentes, consoante as circunstâncias. Os substantivos da 1ª declinação tinham como modelo o «Rosa, rosae» (a rosa, da rosa), título do artigo do Alcide, os da 2ª declinação tinham como modelo «Dominus, domini» (o senhor, do senhor), com que eu aqui lhe respondo. O «Menau» fazia-nos papaguear as 12 formas diferentes dos substantivos modelo das diferentes declinações. O interrogatório era feito por filas de carteiras, começando no aluno da primeira carteira e saltando de imediato para o aluno seguinte, assim que um se engasgava. Como as «engasgadelas» eram frequentes, acontecia que, saltando de aluno em aluno, uma fila inteira era despachada num ápice, sendo ditada de imediato a sentença respectiva, com o «Menau» a ordenar «Chefe de turma, marque medíocre a toda esta fila». Os medíocres lá eram lançados pelo chefe de turma no boletim das notas, o qual era assinado pelo «Menau» e entregue ao sargento da secretaria da Companhia. Dada a rapidez com que as notas eram dadas, chegou a haver um aluno que teve duas classificações diferentes na mesma aula.
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O sargento ficou sem saber o que fazer e, a medo, foi pedir instruções ao «Menau». A resposta deste foi instantânea «faça o que quiser». Para aqueles que não tiveram o «Menau» como professor, conto apenas quatro das muitas histórias que protagonizou na minha turma, quando eu estava no 4ºano. «Menau, elástico». Mário João Conde de Carvalho Pereira, o 275, partiu um braço a jogar handebol num recreio e seguiu para o hospital, onde lhe engessaram o braço. No dia seguinte, apresenta-se na aula de latim com o braço engessado e explica a razão pela qual tinha o braço naquele estado. O «Menau» olha para a turma com um ar de desprezo e diz do alto do seu estrado, com a sua pronúncia nortenha «Bós sois fracos. No meu tempo eu pescava nos bosques, caçava nos rios, fazia de tudo e nunca parti nada. Eu era de borracha!». «Menau, distraído». O «Menau», que era oficial miliciano, não usava os distintivos da sua arma na gola do seu blusão. Um dia, um aluno pergunta-lhe de que arma era. Resposta imediata e distraída «Eu sou de Paramos». «Menau, tripeiro». Paulo Jorge da Costa Ventura da Cruz, o 91, que tinha mais apetência para o futebol e para a ginástica do que para o latim, estava plantado em cima do estrado, fazendo uma chamada muito fraquinha. O texto sobre o qual estava a ser interrogado, era do «De Bello Galico», que leu de forma titubeante. Chegado o momento da tradução, a frase inicial era «César invicto regressa a Roma», que ele traduziu sem hesitações. O «Menau» interrompe-o e pergunta-lhe de supetão «Rapaz, sabe ao menos qual é a cidade invicta?». Foi o momento de glória do 91. Enche o peito de ar, rasga-se-lhe um sorriso de orelha a orelha e responde, impante, com toda a desfaçatez «É o nosso Porto, meu capitão». O «Menau», que até aí tinha estado de cenho carregado, transfigura-se e diz «Chefe de turma marque um bom a este aluno». Para de seguida comentar «eu sempre vi algumas qualidades neste rapaz». «Menau, magnânimo» Quando se aproximava o fim de cada período de aulas, o pessoal começava a andar altamente apreensivo, pensando nas notas miseráveis
que iria ter a latim, fruto da acumulação de «medíocres» e «maus» recebidos ao longo do período. Na última aula do período, em desespero de causa, o chefe de turma, empurrado por toda a turma, pedia autorização para usar da palavra. O «Menau» recebia estes pedidos com agrado, pois dizia que gostava que os seus alunos praticassem a retórica. Animado com esta recepção, o chefe de turma levantava-se e despejava o discurso já planeado e ensaiado. Tecia os maiores elogios ao «Menau», dizia que nós não eramos dignos de ter tão insigne mestre, dizia que ele tinha sido sempre para nós mais do que um pai e acabava pedindo clemência para as nossas fraquezas e ignorância, por meio de uma revisão «em alta» das nossas notas. Durante o discurso do chefe de turma e no seu final, o silêncio na sala era total, podia-se ouvir uma mosca, era muito o que ali estava em jogo. O «Menau» ficava pensativo e em silêncio, para o quebrar de seguida, dizendo «Este rapaz teve o condão de me comover. Vamos lá ver o que se pode fazer». Era o momento da descompressão, só não batíamos palmas e dávamos vivas para não estragar o resultado do magnífico trabalho do chefe de turma. As notas lá eram subidas parcimoniosamente, o que não impediu que naquele ano tivéssemos uma verdadeira razia no nosso curso, com quase vinte alunos chumbados. Como disse anteriormente, o «Menau» era um monárquico notório, facto que foi explorado por um aluno do meu curso, para tentar cair nas suas boas graças. Como é do conhecimento geral, os Meneses constituem uma das famílias mais ilustres e antigas da Península. Segundo o que consta do «Armorial Lusitano», os Meneses distribuem-se por vários ramos, tais como, os Senhores de Cantanhede, os Marqueses de Marialva, os Condes de Tarouca e outros menos ligados às famílias dos Albuquerques, dos Noronhas e outras. Conhecedor deste facto, o dito aluno, no final de uma aula, aproxima-se do «Menau», com um velho livro de linhagens debaixo do braço, e começa a interroga-lo acerca do ramo dos Meneses a que o «Menau» pertenceria. O «Menau» não se descoseu, mas acabou a comentar «Este rapaz tem umas preocupações
intelectuais Interessantes». Se bem me recordo, essas louváveis preocupações intelectuais não o livraram de um chumbo. O «Menau» atravessou um período difícil no meu tempo no Colégio, foi quando foi admitido como aluno, com o número 97, o actual Duque de Bragança, D. Duarte Pius de Bragança. A questão que levantou na altura algum «suspense», foi a forma com o «Menau» se dirigiria a esse aluno. Seria que o iria tratar por Sua Alteza Real? Segundo constou na altura, foi chamado à Direcção e recebeu instruções rigorosas para o tratar apenas pelo seu número, como qualquer outro aluno, ordem que ele terá acatado contrariado. Saído do Colégio, tive largos anos sem ver o «Menau», só o reencontrando quando o meu curso voltou ao Colégio, para celebrar um aniversário da nossa saída do mesmo, evento para o qual ele foi convidado. Estava na mesma, os anos aparentemente não tinham passado por si. Ao usar da palavra nesse evento, agradeci-lhe o latim que nos tinha ensinado, o que me permitiu, ao longo da vida, fazer um figurão perante a minha filha, dizendo-lhe de cor, em latinório, as fábulas do Esopo que me tinham ficado na cabeça. Para lhe demonstrar que não mentia, «desbobinei» ali a fábula da «Montanha Parturiente», atrás citada. Mal eu me tinha calado, levanta-se da mesa ao lado da minha o António Manuel Leitão de Gusmão Nogueira, o 315, o «Barbado», que deita cá para fora a fábula «Vulpes ad Personam Trágica», em que se concluía que a máscara não tinha cérebro (cerebrum non habet). O «Menau» ficou extasiado, nunca pensou que passados tantos anos, ainda conseguíssemos tal coisa. Não voltei a ver o «Menau», morreu alguns anos mais tarde. Foi um daqueles grandes mestres que tive no Colégio, tendo sido reconhecido como tal pela nossa Associação, que o nomeou seu Sócio Honorário, em Assembleia Geral de 30 de Março de 1995. Para além de um grande mestre, era um homem de carácter e essa foi a maior lição que nos deixou.
Nota final - Peço a compreensão daqueles que descobrirem falhas de ortografia no meu latinório. Já lá vão quase 60 anos, desde que fui discípulo do «Menau».
Os cavalos, ensino e competição João Maria Prego Marquilhas (3/1998)
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Os cavalos, ensino e competição João Maria Prego Marquilhas (3/1998)
No 2º ano do CM, na sua 1ª Prova Concurso Completo de Equitação
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equitação, como disciplina curricular, e a ligação aos cavalos, estão inevitavelmente associadas ao Colégio desde sempre. Foi neste sentido, e devido à minha ligação a este desporto, que resolvi começar a escrever para a nossa revista, na esperança de dar a conhecer alguns Antigos Alunos que continuaram a modalidade após saída do Colégio. João Maria Marquilhas entrou para o Colégio Militar em 1998, tendo-lhe sido atribuído o número 3. Desde sempre manifestou vontade de ingressar no Colégio, independentemente de ser filho e neto de Antigos Alunos. Seu avô, o General António Francisco Martins Marquilhas (67/1944) e, seu pai, o Coronel Paraquedista João Francisco Braga Marquilhas (132/1969).
Concurso de Saltos Internacional de Lisboa
A ligação aos cavalos começou muito cedo, antes de entrar para o Colégio, com 7 anos de idade, quando iniciou aulas de equitação, no 4º Esquadrão/GNR, na Ajuda, com o seu avô, que foi quem lhe introduziu o gosto pelos cavalos. O Colégio foi um passo muito importante na sua evolução como cavaleiro. Na época havia uma equipa de cavaleiros do Colégio a participar em provas de obstáculos a nível nacional. Foi também no Colégio que começou a participar em provas de CCE. Considera que o ajudou muito na formação da modalidade de obstáculos. Os Mestres de Equitação que mais o marcaram durantes esses anos foram, na altura, o Major Miguel Serrão Sirgardo Arnaut
Pombeiro (133/1975) e o Major José Manuel Marques Ribeiro de Faria (173/1961). Depois de sair do Colégio, começou a montar para um criador e proprietário de cavalos KWPN. Seguiram-se os cinco anos em que esteve a tirar o Curso de Engenharia de Produção Animal e Zootecnia, onde viveu com os seus cavalos em casa dos cavaleiros internacionais, Marina e António Frutuoso de Melo. Além da grande aprendizagem que obteve, considera que ganhou muita experiência no trabalho de cavalos novos e, desde então, começou a participar em Concursos Internacionais. Seguidamente iniciou um projecto de criação e produção de cavalos de competição, que se foi desenvolvendo a pouco e pouco, com a ajuda de seu pai.
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Os cavalos, ensino e competição João Maria Prego Marquilhas (3/1998)
Concurso de Saltos Internacional de Shariah
Concurso de Saltos Internacional de Al Ain
No momento presente, é o João que está à frente da empresa “Team Equigenne”, sediada na Herdade da sua família materna, em Alcácer do Sal. Com a base numa boa linha genética materna inicial de éguas que foram adquirindo, procuram criar cavalos com boas aptidões saltadoras, através do cruzamento com garanhões aprovados pelo StudBook KWPN. São muito satisfatórios os resultados até agora obtidos, mas têm sempre presente a preocupação de melhorar a qualidade dos cavalos criados. É um trabalho que demora anos a apresentar resultados e envolve um grande esforço, conjugado e permanente, de toda a equipa, para que a criação, crescimento, desbaste e início da vida desportiva de um cavalo Equigenne seja o mais harmonioso e natural possível. O 3/1998 considera que é complicado definir o exacto momento em que deu o “salto” para a participação nas competições importantes e de nível Internacional. Na opinião do próprio, todas as etapas foram fundamentais para chegar ao nível em que se encontra e afirma a importância de pessoas essenciais na sua evolução. No dizer do João: “O meu pai foi, sem dúvida, quem sempre me apoiou, sendo desde Pai a tratador, condutor, proprietário, manager, secretário, entre tantos outros trabalhos inerentes a este desporto. No que diz respeito à minha for-
mação técnica, que considero longe de estar terminada, as pessoas com maior influência foram o Coronel Camacho Soares, António Frutuoso de Melo, Marion Hughes e Miguel Bravo. Com estas pessoas posso dizer que aprendi a maior parte do que sei hoje em dia sobre cavalos, em todas as suas vertentes”. Entretanto, foi montar para os Emirados Árabes Unidos, inicialmente a convite da Marion Hughes e do Miguel Bravo, para a equipa Z7 do Dubai. Esteve nessa equipa durante três anos, onde aprendeu e evoluiu muito. Montou todo o tipo de cavalos, desde novos (de 4 anos) até cavalos para saltar 1.60m. Há dois anos mudou-se para a equipa Al Asayl Showjumping, sediada em Abu Dhabi, onde se encontra a trabalhar no momento presente. Com esta proprietária e criadora não trabalha mais do que 5/6 cavalos por dia e as responsabilidades como cavaleiro vão desde a selecção dos cavalos criados na Holanda para fazerem a época nos EAU, passando por todo o treino de cavalos novos e sua preparação e desenvolvimento até ao nível de Grande Prémio. O Marquilhas trabalha metade do ano nos EAU e, na outra metade, faz a época de competições na Europa. O tipo de cavalos que traz para competir em “casa” varia muito de ano para ano. Por vezes, consegue trazer cavalos mais experien-
tes e saltar concursos mais importantes, outras vezes, são cavalos mais novos e com menos experiência, embora com muita qualidade. Com estes, tem de saltar concursos intermédios para lhes poder dar pista e prepará-los para a época de Inverno nos Emiratos. Para qualquer uma destas situações existem, em Portugal, concursos de elevada qualidade e, com alguma disciplina na estruturação do calendário de provas, consegue-se ter uma época de Verão ideal para que, nas palavras do João, “nós, cavaleiros, possamos trazer cavalos de proprietários estrangeiros a passar a temporada no nosso país.” Agradeço ao João Maria a ajuda que dispensou para a nossa revista, dando a conhecer um pouco da sua vida e trajectória pessoal e profissional, aproveitando para lhe desejar a maior das felicidades na sua carreira competitiva. Espero também que, com estes artigos sobre o desporto que tanto admiro, possa dar a conhecer o panorama dos Antigos Alunos que competem na actualidade, assim como os que já competiram e representaram o Colégio e a Bandeira Nacional.
Fernando Jorge Paulo Lobo Santos Costa 118/1993
Histórias e Memórias
Histórias e Memórias Da Ilustração Portuguesa recordando
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Colégio Militar Condecorado - Da “Ilustração Portugueza”, retirámos e reproduzimos a fotografia alusiva à cerimónia que teve lugar no dia 3 de Março de 1921, transcrevendo, para uma melhor e mais fácil leitura, os textos nela inseridos transcritos com a grafia utlizada na época. “O Colégio Militar teve o seu dia de glória com a entrega solemne, que lhe foi feita, da Torre e Espada. Tem o Colégio Militar tradições gloriosas, tradições não desmentidas. Por isso a Torre e Espada, que acaba de lhe ser concedida, foi só não justamente dada, como honrosissimamente merecida e ganha. 1. O Sr. Ministro da Guerra colocando a comenda na bandeira do Colégio. 2. Os pequenos soldados desfilando em continência pela frente da bandeira. 3. O tenente-coronel sr. Crlstovam Ayres discursando.”
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Histórias e Memórias
A Orquestra do Curso de saída de 1960
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o número 206, de Janeiro/Março de 2017, desta nossa revista, publicámos um artigo intitulado «Chá Dançante», da autoria de João Nuno Ribeiro Ferreira Barbosa (16/1956), em que ele referia uma série de Alunos do seu tempo, que se «celebrizaram» pelos seus dotes musicais, animando os chás dançantes daquela época, ao tocarem músicas então em voga. Os seus contemporâneos ainda hoje têm uma divida de gratidão
para com eles, pelo prazer que lhes proporcionaram, naquelas saudosas tardes, em que evoluíam dançando pela pista, estreitando nos seus braços as meninas da sua eleição. Bem hajam! Bons tempos! Quando o artigo foi publicado não conseguimos encontrar nenhuma fotografia testemunho das nossas orquestras, ou seja, de apresentação daqueles poucos, a quem tantos muito ficaram a dever. Não desistimos
nas nossas pesquisas e acabámos por encontrar, no número 110 de Junho de 1961, da revista «O Colégio Militar», a fotografia que aqui reproduzimos, em que se podem ver os constituintes da orquestra do curso de saída de 1959/60, que passo a identificar: - No piano, Duarte Nuno Ataíde Saraiva Pinto Soares (44/1953); - Na viola eléctrica, António José Frias Vasques Osório (257/1953); - No contrabaixo, Luiz Manuel Caldeira Pinto (168/1953); - Na bateria, João Nuno Bellegarde Bello Conceição (270/1953); - Encostado ao piano, o presumível vocalista, António Eduardo Barbosa Alves (427/1955). Pode ainda observar-se, em cima do estrado colocado no ginásio e a fazer peito, o nosso professor de Canto Coral, Maestro Jayme da Silva, que é como quem diz, o inesquecível «Carioca», muito justamente eleito Sócio Honorário da nossa Associação. A eles renovo os meus agradecimentos, pelos momentos inesquecíveis de quase felicidade que nos proporcionaram.
Luis Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
Recordações Transcrito da revista nº100 (25 anos) 1990
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iz o ditado que quem não tem que fazer faz colheres de pau. Nós no Colégio quando não tínhamos nada para fazer não fazíamos colheres de pau nem nada que se parecesse, mas sim inventávamos qualquer coisa que fugisse as regras e normas de disciplina. Entre muitas, que por serem tantas até tenho dificuldade em as enumerar e recordar, lembro-me de que, num Domingo em que não tivemos saída, nesses Domingos era dia de visita, pelo que os papás e as mamãs ou familiares que morassem perto,
iam ao Colégio da parte da tarde matar saudades. Nós não fomos visitados, mas lembrámo-nos de fardar (farda das saídas) e andar a passear pela quinta a magicar maneira de dar o salto até a Baixa. Fomos andando pelo meio daquela gente toda, sem que alguém desse por nós e aproximámo-nos do portão que havia ao pé do antigo picadeiro, que tinha sido destruído pelo ciclone de 1941 e aí principiámos o namoro para o transpor. Fomos ao fecho, estava fechado a chave, olhamos para cima, era altíssimo e de muito
difícil acesso para ser transposto, para mais com a farda de fazenda, mirámos para a direita, mirámos para a esquerda, até que demos com um soldado ali bem perto a olhar para nós. Abordámo-lo e perguntámos-lhe quem é que tinha a chave daquele portão. A resposta veio pronta, sou eu, porquê? É que nos queríamos sair, você pode abri-lo? Não senhor, porque eu estou aqui precisamente para não deixar sair ninguém a não ser com licença.
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Mas você não precisa de dizer que nos deixou sair, não está ninguém a ver, a gente sai, você fecha o portão e não há problema. Não senhor! Estou aqui para não deixar sair ninguém e é isso o que eu faço, conforme as ordens que me deram. E se nós saltássemos o muro? Você tinha alguma coisa com isso? Não senhor, eu estou aqui para não deixar ninguém sair pelo portão, sem licença, o resto já não é comigo. Reunimo-nos de imediato, observámos um montão de madeiras velhas que ali se encontravam, no meio daquilo tudo uma escada tosca, mas era uma escada e encostámo-la ao muro. Subimos por esta (isto tudo com o olhar complacente e distante do bom soldado) e chegados lá acima dissemos-lhe: Já agora faça-nos o favor de pôr a escada no sítio donde a tirámos. Obrigado! Saltamos para a rua (ainda foi um bom salto) e toca a ir para a mais próxima paragem dos eléctricos, onde nos metemos no primeiro que nos conduziu aos Restauradores. Aí chegados principiámos a nossa ronda pelos cinemas daquela zona para escolher o filme que iríamos ver. Depois de muita escolha optámos por um no Odéon e comprámos os bilhetes. Para matar o tempo, fomos passear pelo Parque Mayer, gozando a nossa liberdade (tida à custa da nossa ousadia, descontracção e descaramento) e às horas do cinema lá fomos ver o filme. Quando este acabou, dirigimo-nos para a paragem do já célebre 131 e ali aguardámos transporte para o regresso. Como sempre que um Aluno, ou seus familiares mais próximos, faziam anos, havia permissão para se ir a casa jantar com a família, podendo o regresso ao Colégio ser feito até as 24 horas. Foi o que sucedeu nesse dia, não a nós, está bem de ver, mas a uma meia dúzia que encontrámos no bendito eléctrico. Não nos desmanchámos e dissemos que também tínhamos ido comemorar o aniversário natalício dos nossos familiares e chegámos ao Colégio. Àquelas horas a entrada não era feita pela porta principal, mas sim por um portão do lado 1
esquerdo, que tinha ao lado uma casinha onde se encontrava o guarda que tomava conta das entradas e saídas, depois da hora do recolher. Os “legais” chamaram-no, disseram porque razão entravam aquela hora e graças ao sono com que este estava e mau humor por ter sido acordado, fazendo no entanto também o gesto de mostrar qualquer documento. Entrámos na Companhia e fomos logo acordar os nossos amigos, que nem sabiam o que se tinha passado, para lhes contar a nossa aventura, no que eles não queriam acreditar. Para confirmarmos no dia seguinte, aos mais incrédulos que tudo tinha sido verdade, levamo-los até ao portão para lhes explicar “in loco”, como tudo se tinha passado; não me posso nunca esquecer que a escada que nos serviu de tanto, estava precisamente em cima das tabuas velhas no mesmo sítio e na mesma posição de onde a tínhamos tirado. Como era muito arriscado fazer estas escapatórias e também muito difícil, não só a fuga, mas também e ainda pior o regresso ao Colégio, resolvemos fazer outras explorações em tudo quanto era Colégio. Assim, certa vez, depois de já muito vista, uma porta de madeira, bastante grossa e enorme, que se encontrava ao lado da Desportiva e por baixo da enfermaria, foi alvo das nossas atenções (isto era o princípio e era mau, pois tínhamos de saber tudo tim-tim por tim-tim) e resolvemos saber o que por detrás dela se escondia. Se assim o pensámos, melhor o fizemos. Em dia de domingo, sem visitas, resolvemos abri-la, o que não foi fácil, mas a nossa vontade e engenho fez com que depois de subirmos o fecho de baixo e com uns valentes empurrões no sitio da fechadura, com os esforços e forças todas coordenadas, a porta foi facilmente aberta e nós entrámos. Fechámo-la de imediato e aguardámos que a nossa vista se adaptasse à escuridão. Quando já se vislumbravam algumas sombras e pouco mais se iria ver, a casa não tinha janelas para a rua, iniciámos a nossa exploração. O compartimento estava repleto de madeiras e portas velhas encostadas as paredes. Não vimos qualquer saída, o que achámos
Número da carreira de eléctrico que dos Restauradores ia até Carnide, servindo o Colégio.
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estranho; tinha de haver qualquer ligação ou comunicação com o interior. Resolvemos afastar toda aquela tralha das paredes à procura de uma saída para que a exploração fosse positiva, ou seja, nos levasse a qualquer sitio sob a enfermaria e que não fosse conhecido, pelo menos de nós alunos. Depois de muito penar, encontramos uma abertura na parede com cerca de 40 x 30 centímetros, que estava aproximadamente a 1,80 metros do chão. Do lado de lá não sabíamos o que existia, só escuridão; a vista, mesmo adaptada à penumbra, não enxergava nada, mas nós não desistimos. Então um pegou-me pelos pés e aí vou eu de cabeça para baixo a pouco e pouco descendo com as mãos na parede até chegar ao chão. Aí principiei a apalpar, não houvesse qualquer buraco ou alçapão (lembrem-se que se tratava de um edifício muito antigo, que tinha sido um convento e naquele tempo tudo eram segredos e ratoeiras) quando encontrei o chão e calculei que à minha volta tudo estava em segurança, disse para me largarem as pernas e depois de um pino, deixei-me cair, só que com aquela reviravolta fiquei um pouco baralhado e desnorteado sem saber para que lado estava voltado e foi preciso que me falassem para eu saber donde tinha saído. Agarrei o segundo pelos braços, puxei-o e com facilidade transpôs aquela barreira, bem como o terceiro. Principiámos então, às apalpadelas, a nossa verdadeira exploração. Tratava-se, viemos depois a saber, de um corredor, não muito grande, que tinha, logo ao nosso lado direito uma porta, que nós abrimos, para isso é que nós lá tínhamos ido, que dava, vejam bem, para a desportiva. Que alegria a nossa ao ver tanta bola, tantos patins, tantas raquetes, tantas botas, tantas luvas de boxe, enfim, tanto de tudo quanto nos gostaríamos de ter todos os dias, mas nos locais onde os pudéssemos utilizar. Ali foi olhar para o impossível, pois nem um pontapé poderíamos dar sem estragar qualquer coisa e a partir daí surgiriam todos os
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problemas que não nos interessava criar, disso já nós tínhamos em excesso. Com muita pena saímos, fechámos a porta e continuámos procurando, nem nós sabíamos o quê, até que demos com uma outra porta que, com mais ou menos dificuldade, também foi aberta. Milagre dos milagres! Não foi a gruta do Ali Baba, mas sim uma sala grande com umas boas dezenas de bicicletas e com espaço suficiente para nós darmos as voltas que quiséssemos e quando quiséssemos, sem estragar nada. Aí é que foi tirar a barriga de misérias ciclistas, andámos, andámos até nos cansarmos e finalmente regressámos pelo mesmo caminho. Ainda fizemos esta excursão mais umas quantas vezes, mas acabámos por desistir porque nos soou que desconfiavam que alguém entrava na casa das bicicletas e não estávamos interessados em ser apanhados. Outro dos nossos passatempos, ou vícios, como lhe queiram chamar, era o cigarrinho. Como era proibido, não podia deixar de ser para nós o mais apetecido. Dávamos voltas ao miolo para arranjar tabaco e nada nos escapava, inclusivamente as beatas (pontas de cigarro, está bem de ver), que eram guardadas como se de ouro se tratasse. Como o tabaco era considerado como a “bolama”, podia tirar-se a quem o tivesse, sem direito a reclamações, nem era considerado crime fazê-lo, todo o que nós tínhamos (neste nós esta incluído o António Augusto, o José Adriano e eu) era escondido nas caixas na parede onde
se encontravam as válvulas de segurança da água, situadas no patamar que ficava entre o primeiro e segundo andares da 2.ª Companhia. Com um canivete que servia de gazua, levantávamos o trinco dessa tampa e aí guardávamos todo o tabaco, beatas, mortalhas e fósforos, só retirando o essencial e necessário para cada vez; o segredo foi sempre tão bem guardado que nunca ninguém lá foi tirar nada. Era um local onde ninguém ia, pois se fosse necessário utilizá-lo só o era numa emergência, ou seja, num caso de rotura de canos, naquela zona e que houvesse necessidade de cortarem a água. Tabaco ainda com relativa facilidade nós conseguíamos arranjar, mas mortalhas já era mais difícil, pelo que a nossa imaginação tinha de ser posta à prova, já que o dinheiro era escasso. Assim, como bons observadores e lembrando-nos do velho ditado que diz que a necessidade faz o engenho, chegámos à conclusão que havia uma hipótese de arranjar uma ou duas mortalhas por dia, era com toda a nossa diplomacia e cara de anjinhos, ir ter com o Cabo 20, que era dos raros que fumavam cigarros de onça e fazer uma choradeira para que nos desse uma mortalhinha. Não queiram saber a sua reacção quando lhe pedíamos a mortalha. Ficava encarnado, os bigodes levantavam-se, ralhava connosco, dizia que era proibído, que fazia mal, que ia dizer aos nossos pais, que fossemos dali para fora, que ainda fazia queixa ao Oficial
de Dia, ao Comandante da Companhia, etc., etc. Como já conhecíamos o seu coração bondoso e tudo quanto dizia só era para nosso bem, deixávamo-lo falar, falar, falar e quando acabava, era sempre a mesma promessa da nossa parte; esta bem Vinte, nós prometemos que se nos der uma mortalhinha nunca mais fumamos. 0 nosso bom amigo tirava o livro de mortalhas da algibeira da farda, sacava duas ou três, ou mais às vezes, com o nervoso, dava-as e quando voltávamos as costas ouvíamo-lo a ralhar que não nos queria ver mais a pedir mortalhas, que nos levava por uma orelha ao oficial de dia, que ia fazer queixa aos nossos pais, etc., etc., só que, passados dias ia outro de nós para o mesmo fim e a cena repetia-se, com as mesmas ameaças, as mesmas palavras e as mesmas mortalhas. Recordando estes episódios, que volto a dizer, são verdadeiros, e que se passaram comigo, chego à conclusão, conhecendo a humanidade de hoje, que agora nada disto se poderia passar, só numa Casa como o nosso Colégio, com uma rapaziada como aquela, é que episódios destes se davam, sem ódios, invejas ou deslealdades. É por isso que todos os Antigos Alunos, quando falam do seu Colégio, têm sempre uma palavra na boca que define tudo: CAMARADAGEM.
Cristóvão Manuel Banazol de Carvalho 83/1940 Ano Lectivo 1943/1944
Joaquim Alves, o Cabo 20
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Cabo Joaquim Alves, mais conhecido pelo Cabo 20, serviu o Colégio por várias décadas, desempenhando na maior parte deste longo período de tempo as funções de Telefonista. Assim, era um elo de ligação do exterior para o Colégio e em consequência o fiel depositário das mensagens e das encomendas dos familiares dos Alunos.
Pelos Alunos tinha uma grande estima e afeição e na maior parte dos últimos anos essa afeição era semelhante à de um avô pelos seus netos. As histórias que se contavam tinham o seu quê de pitoresco, mas na sua verdadeira essência sobressaía a ternura da sua personalidade. A certa altura foi entregue ao Cabo 20 uma encomenda destinada a um Aluno. Essa en-
comenda continha um par de botas. Os familiares desse Aluno telefonaram então para o Colégio sendo atendidos pelo Cabo 20 a quem inquiriram se a encomenda já tinha sido entregue ao seu destinatário. Resposta pronta do Cabo 20 que desconhecia o conteúdo dessa encomenda mas admitiu ser o que normalmente as constituía: “Fique descansado que a
Histórias e Memórias
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encomenda já foi entregue e o Senhor Aluno apreciou muito a bolama que estava dentro.” O Cabo 20 conheceu muitas gerações de Meninos da Luz e todos tinham por ele a maior estima e a maior consideração. O 1º Cabo Joaquim Alves, o Cabo 20, foi um GRANDE SERVIDOR do Colégio Militar a quem dedicou os melhores anos da sua vida. Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
NOTA Estas fotos do Cabo 20 foram cedidas por José Alberto da Costa Matos (96/1950). Joaquim Alves, o Cabo 20, exemplo da grandeza e dedicação dos Servidores do Colégio
Fotografia Curiosa Cadeia automática de distribuição, provavelmente, do abominado “óleo de fígado de bacalhau”. O pitoresco desta fotografia é a “curiosidade infantil” e a forma ingénua como ela se manifesta.
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O Mapa da Ecúmena
João Manuel Martins Casaca 458/1960
O Mapa da Ecúmena O
pensamento do filósofo ateniense Sócrates (c. 470 a.C. a 399 a.C.) é conhecido apenas pelos escritos de discípulos como Platão e Xenofonte. Quanto à figura humana, sabe-se que foi um cidadão da classe média, filho de um escultor e de uma parteira, com um comportamento cívico exemplar: participou em diversas campanhas da Guerra do Peleponeso, nomeadamente nas batalhas de Potideia(1) (432 a.C.), Delium(2) (424 a.C.) e Anfípolis(3) (422 a.C.), onde, segundo Xenofonte, demonstrou grande coragem.
O pensamento político de Sócrates, que terá estado na origem da sua condenação à morte, era desfavorável ao radicalismo da democracia ateniense e pode ser avaliado pela sua posição no polémico julgamento dos oito comandantes (strategoi) da frota ateniense na batalha naval de Arginusa(4) (406 a.C.). 1 Nesta batalha, que precedeu a declaração formal da guerra do Peleponeso, uma falange ateniense, comandada por Arquestrato, enfrentou e venceu uma falange das aliadas Corinto e Potideia, comandada pelo coríntio Aristeu.
A batalha de Delium foi travada entre um exército ateniense comandado por Hipócrates e um exército de cidades aliadas da Beócia, liderado por Tebas, comandado por Pagondas. Os aliados beócios venceram a batalha.
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A batalha de Anfípolis foi travada entre uma força ateniense comandada por Cleon e uma força espartana comandada por Brasidas que venceu a batalha.
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A batalha naval de Arginusa foi travada entre uma frota ateniense construída à pressa e comandada por oito jovens estrategas eleitos especialmente que derrotou uma frota da Liga do Peleponeso comandada pelo navarca espartano Calícrates. Das 150 trirremes da vitoriosa frota ateniense, 25 foram afundadas pelo inimigo e a sua tripulação ficou no mar agarrada aos destroços.
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O Mapa da Ecúmena
Os comandantes, após uma retumbante vitória sobre a frota da Liga do Peleponeso, negligenciaram a recolha dos sobreviventes das trirremes atenienses afundadas e preferiram perseguir os restos da frota inimiga. Sobreveio uma tempestade que inviabilizou a recolha dos sobreviventes que acabaram por morrer afogados. As suas famílias, em Atenas, exigiram o julgamento dos oito comandantes da frota. No dia da decisão sobre o julgamento, Sócrates era presidente (epistates) da comissão executiva (prytany(5)) da assembleia (boulé) ateniense e bloqueou o julgamento, que considerou ilegal. Apesar da oposição de Sócrates, as manobras dos radicais levaram a que, no dia seguinte, já com outro presidente na prytany, os oito strategoi fossem julgados e condenados à morte. Alcibíades (c. 450 a 404 a.C.), um rico aristocrata ateniense, da poderosa família dos Alcmeónidas, é uma das figuras mais controversas da história ateniense(6). Alcibíades, que foi discípulo e amigo de Sócrates, combateu nas batalhas de Potideia e Delium e gabou a coragem de Sócrates, afirmando que este lhe salvou a vida em Delium. Diz a tradição que, na ágora de Atenas, se encontrava um disco de bronze com um mapa circular da ecúmena (o mundo habitado conhecido), centrado na Grécia, a uma escala forçosamente pequena. Uma das Variae Historiae, escritas por Marcus Aelianus (c. 170 a 235 AD), conta que Sócrates usou esse mapa, para corrigir a vaidade de Alcibíades, que tinha uma personalidade arrogante e irreverente. Sócrates, apontando para a Ática no mapa, pediu a Alcibíades que lhe mostrasse as suas terras. Tendo Alcibíades respondido que aquelas não estavam representadas no mapa. Sócrates retorquiu, desdenhoso, que então não deviam ser importantes. João Manuel Martins Casaca 458/1960
A prytany era constituída por 50 membros da boulé e todos os dias era presidida por um membro diferente sendo renovada ao fim dos cinquenta dias.
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Após liderar uma campanha política para a organização de uma expedição à Sicília foi forçado a fugir de Atenas e refugiou-se em Esparta onde veio a apoiar os espartanos contra os seus compatriotas. A expedição à Sicília foi uma catástrofe para Atenas, pois perdeu 50.000 homens e inúmeras trirremes, e foi uma das causas da derrota ateniense na guerra do Peleponeso.
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Ética
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ô Soares (José Eugênio Soares), humorista, apresentador de televisão, escritor, dramaturgo, director teatral, actor, músico e pintor brasileiro, tinha um programa regular na TV Globo onde ao longo de três décadas foram feitas cerca de 15000 entrevistas Do grande poder comunicativo de Jô Soares, que se manteve sempre fiel à ideia de que de que a essência dos programas deste tipo é a boa conversa, e do nível intelectual ou artístico dos seus convidados, resultaram sempre programas de muito interesse e de grande qualidade.
Mário Sérgio Cortella filósofo, escritor, educador, palestrante e professor universitário brasileiro, mais conhecido por divulgar questões sociais ligadas à filosofia na sociedade contemporânea, foi um dos seus entrevistados. Quando se aborda a “Ética” é frequente quem sobre ela tem de se pronunciar dar explicações confusas e longas que no final, tudo espremido, se resume a nada, e em que os destinatários ficam mais confusos do que estavam. Provavelmente esse era o objectivo do comunicador que não pratica a “Ética” na sua verdadeira essência. Mário Sérgio Cortella, ao ser questionado sobre “O que é a Ética”, dá a seguinte resposta que, pela sua clareza, objectividade, simplicidade, facilmente se compreende que só não a pratica quem não quer. “Ética é o conjunto de valores e princípios que quem a pratica usa para decidir as três grandes questões da vida – Quero, Devo, Posso. - Há coisas que Quero, mas não Devo. - Há coisas que Devo, mas não Posso. - há coisas que Posso, mas não Quero. A paz de espírito resulta de quando o que se Quer é o que se Pode e o que se Deve. Há coisas que Quero mas não Devo, há coisas que Devo mas não Posso, há coisas que Posso mas não Quero.” Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
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Os que nos deixaram
Os que nos deixaram Fernando de Sousa Brito e Abreu
Carlos Matos Chaves de Macedo
(330/1938)
(239/1947)
Oficial da Armada – Capitão-de-Mar-e-Guerra Nasceu a 16 de Outubro de 1927 Faleceu a 13 de Julho de 2017
Médico Neurologista e Político Nasceu a 26 de Janeiro de 1937 Faleceu a 18 de Junho de 2017
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escassos meses de completar 90 anos de idade, deixou-nos para sempre o nosso camarada e amigo Comandante Fernando Brito e Abreu, que concluiu o ensino secundário no Colégio Militar e subsequentemente ingressou na Escola Naval, em 1947, como cadete da classe de marinha. Ao longo da sua carreira naval frequentou o curso de aperfeiçoamento de oficiais em detecção anti-submarina e os Cursos Geral e Superior Naval de Guerra, além de ter prestado serviço em diversos navios e unidades em terra, no Corpo de Marinheiros da Armada (no Alfeite), e em comissões no Ultramar, na Índia, Angola e Moçambique. Serviu na Direcção dos Serviços de Marinha de Macau e foi ainda Capitão do Porto de Lisboa. Em 1990 passou à situação de reforma no posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra.
Fez parte de uma família alargada que incluía várias gerações de antigos alunos do Colégio Militar, entre outros os seus primos, Coronel Fausto José de Brito e Abreu (5/1917), já falecido, e Vice-Almirante Fausto Morais de Brito e Abreu (141/1949). Profissional competente, brioso, de personalidade firme e serena, foram-lhe concedidos vários louvores e condecorações, com particular relevo para o grau de Oficial da Ordem Militar de Aviz e a Medalha Militar de Serviços Distintos, grau Prata. Por outro lado, cultivou e manteve uma forte ligação sentimental ao Colégio Militar e à comunidade dos “Meninos da Luz”, participando em reuniões e convívios de confraternização até ser afectado por problemas de saúde, de que veio a falecer. Descanse em Paz. Luís Joel Alves de Azevedo Pascoal 145/1948
dmitido no Colégio em 1947, concluiu o curso em 1955, ano em que foi graduado de uma estrela da 1ª Companhia. Antes de enveredar pela política exerceu, na sua qualidade de médico, funções no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, e no Hospital de Santarém. Em Maio de 1974 foi um dos fundadores do Partido Popular Democrático (PPD), tendo integrado a Comissão Política Nacional deste partido. Em 1975, abandonou o PPD no Congresso de Aveiro, regressando novamente ao partido em 1978, no VI Congresso que se realizou em Lisboa. Em Junho de 1979 foi novamente eleito vogal da Comissão Política Nacional. Ocupou o cargo de ministro dos Assuntos Sociais, no VII Governo Constitucional, durante breves meses do ano de 1981, tendo mais tarde sido eleito vice-presidente do partido.
Foi eleito, pelo PPD/PSD, deputado à Assembleia da República entre 1979 e 1983. Em 1989 deixa o PPD/PSD para, mais tarde, aderir ao CDS-PP, partido pelo qual se candidatou à Câmara Municipal de Sintra.
©Foto Leonel Tomaz