Revista ZacatraZ nº 223

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Editorial

SERÁ DESTA?

Agora , que a vida começa a normalizar! Agora, que a economia começa a dar os primeiros novos passos! Agora , que o ensino reabriu as portas ao presencial!

Agora, que as atividades desportivas individuais e coletivas, voltaram a poder ser praticadas ! Agora , que a restauração e o comércio em geral estão caminhando para uma nova normalidade ! Agora, que a cultura voltou a ter vida ! SERÁ DESTA, que não voltaremos a dar passos atrás ? SERÁ DESTA, que vamos ter civicamente a responsabilidade coletiva de optarmos por um comportamento adequado?

E agora , que o Colégio e a Associação já reabriram e até já começaram a realizar alguns eventos / cerimónias , embora de forma restrita. E agora , que existe uma vontade e saudade de nos voltarmos a encontrar ! SERÁ DESTA , que vamos

voltar a organizar as célebres visitas dos cursos ao Colégio, para comemorar e festejar os anos de ENTRADA e SAÌDA?

E finalmente ! Agora , que conseguimos ultrapassar o diferendo com o Exército, relativamente ao uso da concessão do PM 34 ! SERÁ DESTA , que conseguiremos chegar a um acordo com o Ministério da Defesa e o Património do Estado, sobre um novo regime de uso do PM 34, por um período de longo prazo e estável ? É que só assim se justificam os elevados investimentos de conservação, manutenção e recuperação , que o PM 34, tanto necessita.

Vamos todos com determinação, tudo fazer, para que assim seja.

Com um forte ZACATRAZ

3 Editorial Revista “ZACATRAZ”

Ficha Técnica

CORPOS SOCIAIS DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRIÉNIO 2019-2021

ASSEMBLEIA GERAL

Presidente Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958)

Vice-Presidente João Paulo de Castro e Silva Bessa (200/1957)

1º Secretário António Luis Henriques de Faria Fernandes (454/1970)

2º Secretário Afonso Castelo dos Reis Lopez Scarpa (222/2000)

DIRECÇÃO

Presidente Filipe Soares Franco (62/1963)

Vice-Presidente José Francisco Machado Norton Brandão (400/1961)

Secretário Pedro Arantes Lopes de Mendonça (222/1958)

Tesoureiro Pedro Pinho Veloso (429/1986)

1º Vogal José Mário Fidalgo dos Santos (253/1951) (falecido em funções)

2º Vogal Manuel Agostinho de Castro Freire de Menezes (423/1955)

3º Vogal Marco António Martinho da Silva (456/1983)

4º Vogal João Luis de Mascarenhas e Silva Schoerder Coimbra (54/1984)

5º Vogal Luis Manuel Marques Cóias (190/1990)

1º Vogal Suplente Tiago Simões Baleizão (200/1987)

2º Vogal Suplente Eduardo de Melo Corvacho (343/2002)

3º Vogal Suplente Alikhan Navaz Nadat Ali Sultanali (306/2005)

CONSELHO FISCAL

Presidente António Santos Serra (95/1959)

1º Vogal Eugénio de Campos Ferreira Fernandes (180/1980)

2º Vogal Rui Manuel Gomes Correia dos Santos (225/1981)

1º Vogal Suplente Diogo Rodrigues da Cruz (504/1986)

2º Vogal Suplente Bruno Miguel Fernandes Pires (27/1995)

Ficha Técnica

PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL

Fundada em 1965 Nº 223 Abril/Junho - 2021

FUNDADOR Carlos Vieira da Rocha (189/1929)

DIRECTOR

Nuno António Bravo Mira Vaz (277/1950) nunomira.vaz@aaacm.pt

CHEFE DE REDACÇÃO

Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957) luisfbarbosa@aaacm.pt

REDACÇÃO

Pedro Manuel do Vale Garrido da Silva (53/1961)

CAPA Capelão Braula Reis

ENTIDADE PROPRIETÁRIA E EDITOR Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar

MORADA DO PROPRIETÁRIO e SEDE DA REDACÇÃO Quartel da Formação - Largo da Luz 1600-498 Lisboa Tel. 217 122 306/8 Fax. 217 122 307

TIRAGEM - 1350 exemplares DEPÓSITO LEGAL Nº 79856/94

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Tm. (+351) 933 738 866 Tel. (+351) 213 937 021 info@smash.pt www.smash.pt

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DA AAACM

Isenta de registo na Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), ao abrigo do nº 1 da alínea a), do Artigo 12º do Decreto Regulamentar nº 8/99, de 9 de Junho.

Os artigos publicados são da responsabilidade dos seus autores. Esta publicação não segue o novo acordo ortográfico.

MEMÓRIA DO PADRE BRAULA REIS

Estando um grupo de Antigos Alunos do curso de 1948-1955 a preparar uma memória sobre o Padre Braula Reis, recentemente falecido, que foi capelão e professor do Colégio Militar de 1950 a 1956 e de 1958 a 1961, solicita-se a todos os interessados que queiram escrever um testemunho pessoal, que o enviem a Luís Mendes de Almeida, coordenador do grupo.

Contactos: lcastromendesdealmeida@gmail.com | T. 929 035 037

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5 04 Padre Braula Reis 12 O Último Adeus a Braula Reis 18 Reuniões do 3 de Março 20 Os filhos do Colégio Militar 25 O Curso de 1959. Para Memória Futura 26 Atletas 28 Paulo Emílio de Brito Aranha 1º Director da Revista "O Colégio Militar" 38 A Viagem do Allegro Tahiti – Moorea-Raiateia 41 O teu futuro… 44 Radiografia: A Associação e os Sócios 53 O dilema de Wellington 55 Uma lição de Winston Churchill 57 Foi Há 100 Anos Homenagem aos Soldados Desconhecidos 63 Foi Há 100 Anos Fundação da revista «O Colégio Militar» 65 Antigos Alunos nas Artes e nas Letras 70 Os que nos Deixaram Sumário 30 Centenário da Revista «O Colégio Militar» 13 Um 3 de Março Diferente 32 Os Australopitecos 61 Foi Há 100 Anos 1ª Viagem Aérea Lisboa-Madeira

Padre Braula Reis

Padre Braula Reis

Faleceu no passado dia 24 de Março de 2021, com 98 anos de idade, o Padre José Maria de Braula Reis, que foi uma figura de referência na vida do Colégio Militar, durante a década de 50 e o início da década de 60, do século passado. Terá sido o Capelão do Colégio que mais fortemente marcou, com a sua personalidade ímpar, os alunos que tiveram o privilégio de o ter como Capelão e Professor de Religião e Moral. Serviu no Colégio durante cerca de 8 anos apenas, de 1950 a 1956 e mais tarde de 1958 a 1961. Foi o suficiente para aí deixar uma marca indelével.

Em cada Aluno fez um amigo. De tal forma, que os seus primeiros Alunos, que agora se encontram na casa dos 80 anos de idade, o iam visitar regularmente na sua morada, em Ançã perto de Coimbra, até à sua morte. E sete desses seus fieis amigos, foram acompanhá-lo e render-lhe uma última homenagem, aquando do seu funeral. Uma sobrinha sua, conhecedora da enorme ligação afectiva que ele tinha ao Colégio e aos seus Antigos Alunos, antes de partir de Lisboa para o seu funeral, contactou a Direcção da nossa Associação, no sentido de lhe garantir as «honras» que a mesma presta aos seus membros, aquando do seu falecimento. A Direcção deu a sua anuência imediata e foi assim que a sua urna foi coberta com o manto próprio da nossa Associação e que o nosso Guião esteve na capela, à sua «cabeceira» A ligação do padre Braula Reis ao Colégio, não se restringiu aos tempos em que aí foi Capelão. Quando deixou de ser capelão militar, foi nomeado Pároco da paróquia de Santa Justa e Rufina, com sede na igreja de S. Domingos, igreja esta, que acolhe, há cerca de 80 anos, o Batalhão Colegial, para a celebração da missa do 3 de Março,

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Braula Reis e a sua lendária boa disposição.

incluída nas comemorações do aniversário do Colégio. Nessas missas, foi ele que muitas vezes fez a homília. Eram sempre homílias brilhantes, em que aliava o seu extraordinário dom da palavra, ao amor que nutria pelo Colégio. Nessas missas, quando invocava a intercessão junto de Deus, dos Anjos e dos Santos, nunca deixava de invocar os Santos do Colégio Militar, pois cria firmemente que de entre aqueles rapazes todos que conhecera, alguns teriam sido chamados por Deus a figurar na galeria restrita dos seus filhos mais dilectos. Não esquecemos um 3 de Março em que choveu ininterruptamente durante todo o desfile, chegando os Alunos à igreja «molhados até aos ossos», com alguns familiares seus a lamentarem as «pobres criancinhas», expostas àquele tratamento desumano. O Padre Braula Reis, ao iniciar a sua homilia, pôs logo os pontos nos ii, felicitando os Alunos pelo seu estoicismo e lembrando-lhes, que tinham cumprido apenas o seu dever, pois como frisou «El-Rei manda marchar, não manda chover». Até hoje essa sua frase é recordada pelos Alunos do Colégio, que não sabem porém como ela surgiu.

Braula Reis segundo Costa Matos

Braula Reis faz parte da galeria dos Professores mais ilustres que o Colégio teve nos primeiros duzentos anos da sua existência. Por isso, José Alberto da Costa Matos (96/1950), o incluiu no número limitado dos Professores do Colégio homenageados na sua «História do Colégio Militar», publicada por ocasião do bicentenário do Colégio.

Transcrevemos, de seguida, excertos da descrição que Costa Matos nos faz, deste homem de excepção:

«Nasceu a 19 de Novembro de 1922, em Leiria, em cujo seminário estudou. Em 1950 é capelão e professor de Moral e Religião do Colégio Militar, tendo tomado posse em 24 de Outubro. Aqui permaneceu até 1956 tendo operado durante esses seis

anos uma transformação radical na forma como até então era encarada a função de capelão. Com ele surgiram coisas novas, como a prática social dos valores humanos; a educação sexual, os exames diários

das causas justas de quem quer que fosse. A religião vinha depois, quase como corolário natural da prática e da postura moral; mas sem obrigações, sem medos e sem ameaças.»

como só ele fazia, de forma coloquial.

de consciência; o acompanhamento permanente dos alunos nas suas actividades, e o assumir-se junto da direcção como embaixador das aspirações dos alunos e

«E a 25 de Abril de 1956, graduado em capitão, ei-lo a caminho do oriente, a bordo do navio «Kota Barol».

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Padre Braula Reis Pregando

Padre Braula Reis

Terminada a comissão de serviço em Macau, regressa em 1958 ao Colégio e às suas anteriores funções.»

«Mas em 1961, rebenta a guerra em Angola. Muitos oficiais e antigos alunos do Colégio que bem conhecera seguem para aquele território, e o padre Braula Reis, fiel ao seu temperamento e aos valores que defende, sente que o seu lugar é lá, onde se exige sacrifício e onde está o perigo. E não hesita; oferece-se para servir como capelão no Norte de Angola, onde o conflito era mais intenso, para onde segue logo em maio de 1961.»

«Em 1969 volta ao Ultramar, desta vez como capelão-chefe de Moçambique. Regressa em 1971 e, então tenente-coronel, é nomeado chefe do serviço de assistência religiosa do Exército; em 1974 e 1975 é adjunto do capelão mor das Forças Armadas, transitando depois para a situação de reforma de capelão militar.

Assume então a condição de simples padre ao serviço da paróquia de Santa Justa e Rufina (igreja de S. Domingos), bem no centro de Lisboa, onde é prior, mantendo contudo uma institucional ligação ao Colégio Militar. Aqueles que o tiveram como capelão não prescindem da sua presença quando efectuam reuniões de curso; foi ele quem oficiou os seus casamentos e mais tarde o dos descendentes; foi ele quem baptizou filhos e netos; e é com ele que alguns viveram os últimos momentos de vida.»

«Figura incontornável da história colegial, guardado para sempre na memória dos seus alunos, foi designado sócio honorário da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, por deliberação da sua Assembleia Geral de 31 de Março de 1997.»

Braula Reis da Luz a S.Domingos

muito forte ao Colégio e em particular aos Antigos Alunos que o tiveram como capelão e professor no Colégio. Logo a partir de 1961, quando foi servir para o Norte de Angola, então em guerra, conviveu com muitos Antigos Alunos que aí se encontravam mobilizados. Mais tarde, em 1969, quando foi servir para Moçambique, a situação repetiu-se. Mais tarde ainda, quando já era pároco na sua Igreja de S. Domingos, passou a ter convívios regulares com Antigos Alunos do seu tempo do Colégio. Quando, em 2006, se criou a Delegação de Oeiras (também conhecida como Núcleo da Feitoria) da nossa Associação e a mesma começou a organizar almoços na Feitoria, o Padre Braula Reis era presença frequente nesses almoços. No final do segundo ano lectivo de actividade do Núcleo da Feitoria, em 12/6/2007, prestou este uma homenagem ao «seu» capelão Braula Reis, descerrando, no exterior de uma parede do edifício de uma das camaratas, um painel de azulejos com o seu busto. Encarregou-se do descerramento do busto Tito Lívio Esteves Xavier (335/1947), um dos fundadores do Núcleo da Feitoria. Actualmente, o busto do Padre Braula Reis está acompanhado por um painel com os nomes e números dos

3 fundadores do Núcleo e por pequenos painéis de azulejos com os nomes de outros membros do Núcleo da Feitoria entretanto falecidos. A ligação que mantiveram em vida, perpetua-se agora, entre nós, naqueles painéis de azulejos e cremos que se perpetuará também, mais além.

A despedida do Colégio

Em 2011, as altas autoridades eclesiásticas, decidiram que era chegada a hora de o Padre Braula Reis se aposentar. Ao tomarem essa decisão, devem ter olhado apenas para a sua data de nascimento, pois se tivessem conversado com o senhor, teriam decerto verificado que estavam perante uma pessoa com mais juventude de espírito do que muitos homens de 30 anos de idade. A decisão foi, porém, sábia, pois ele aposentou-se em óptimas condições físicas e mentais para a sua idade, saindo pela porta grande e deixando imensas saudades naqueles que com ele conviveram. O Padre Braula Reis decidiu então ir viver a sua merecida reforma para o Norte, para a zona de Coimbra. Nessa altura tocou a reunir para a geração de Antigos Alunos da qual ele fora capelão no Colégio. Havia que fazer uma despedida condigna.

Tal como Costa Matos refere, o Padre Braula Reis deixou de servir no Colégio em 1961, mas continuou a ter uma ligação Homília num 3 de Março.

Lápide colocada nos Claustros, à entrada da Capela, a 6/09/2011.

A despedida foi feita, a 6 de Setembro de 2011, no Colégio Militar. Foi decidido colocar uma lápida de homenagem ao «nosso capelão», no andar superior dos Claustros, junto à porta de entrada para a capela, onde

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ele celebrou inúmeras missas. O Padre Braula Reis passou a ser assim o único professor em toda a história do Colégio, até à presente data, com uma placa de homenagem nos nossos Claustros. A despedida foi objecto de reportagem, da autoria do saudoso Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949), publicada no número 185, de Outubro/Dezembro de 2011, da ZacatraZ, sendo acompanhada por um belo texto da autoria de Pedro do Canto Lagido (330/1947).

Em 2008, a nossa Associação prestou mais uma homenagem a Braula Reis: atribuiu-lhe o Prémio Barretina Amigos do Colégio Militar.

O funeral de Braula Reis

O dia da partida desta vida chegou no dia 24 de Março de 2021, após um internamento de urgência. No dia 25 de Março realizou-se o funeral. Às 15H00, na Igreja paroquial de Ançã, iniciou-se a designada missa de corpo presente, sob a presidência do Bispo

auxiliar de Lisboa D. Américo concelebrando com um coadjutor e com o pároco de Ançã, padre Manuel Jesus. Colaborou na organização da intervenção dos leigos nas leituras e elogios fúnebres, o Sr. Fernando, amigo e colaborador do tempo de S. Domingos, e juntamente com a sobrinha do Padre Braula Reis, tiveram a iniciativa para que o estandarte e manta fúnebre, da nossa Associação, não faltassem à cerimónia. Estiveram presentes os seguintes Antigos Alunos, Carlos Beja (268/1953), Carlos Pardal (100/1947), José Sanches Osório (210/1951), José Abecasis (93/1953) Luís Mendes de Almeida (285/1948) e Pedro Lagido (330/1947).

Depois da sobrinha e sobrinha-neta darem o seu testemunho, foi indicado o Pedro Lagido, pelos Antigos Alunos presentes, para dar testemunho, tendo salientado que a ausência de muitos mais amigos e admiradores se devia à presente situação sanitária. Exaltou a renovação operada pelo Padre Braula Reis, no Colégio, não só na

prática católica, mas no ensino de princípios básicos de vida e valores humanistas, que ele próprio irradiava como pessoa. Aspectos importantes que evidenciava sempre, o sentido dos outros, o auto-conhecimento, a sexualidade responsável e saudável, o uso de meios modernos, para o tempo, o uso das imagens para explicar conteúdos difíceis, etc.

No fim da missa formou-se o cortejo pedonal a acompanhar o féretro até ao cemitério local, com uma bela vista sobre a vila de Ançã e a paisagem circundante. Aí ficou sepultado o nosso grande amigo, o professor e educador, o sacerdote, que nos deu o exemplo de pessoa feliz e irradiante e onde se conjugava, por vezes, a irritação e confrontação com os medíocres e desleais.

Já nos preparávamos para abandonar o cemitério quando um dos trabalhadores, em serviço se nos dirigiu e disse: “este senhor padre, um dia esteve aqui e disse-me «veja lá não me ponha em cima pedras muito pesadas».”

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Padre
Braula Reis Almoço de despedida, a 6/09/2011, no restaurante “Jardim da Luz” José Alberto da Costa Matos (96/1950) discursando na despedida a Braula Reis, a 6/09/2011.

Padre Braula Reis

Testemunhos:

Ao nosso Padre e Amigo Braula Reis Meu amigo e Con-Frade ou, melhor, Com-Padre. Permita que lhe ofereça este acróstico que «tenta» ser o seu retrato, como o vejo e sinto. Não gosto de acrósticos, confesso, e ainda menos de definir Alguem que não é passível nem se pode revestir de qualquer definição; É ele apenas assim como é e assim será. Contudo, aí vai com a sua compreensão... “mea culpa”!

Borne Bravo Rebelde mas Realista Altruísta. Umana como H de Honra e Humildade Lutador Amante da Verdade. Rindo do esplendor farsista

Ao ser conhecida a notícia da morte do Padre Braula Reis houve vários pupilos seus prontos a escreverem sobre essa figura que os marcou para toda a vida. No que se segue, apresentamos alguns desses testemunhos.

Ergueste à vida um Canto ldealista Santo.

Ouvi dizer que vai deixar a sua Paróquia de S. Domingos. «Eles não sabem ... mas mentem... porque não é verdade». Enganam-se porque mesmo que de Iá saia a sua presença física, humana, já Iá ficaram as suas sementes para novos, sempre vivos frutos, como os que nos deixou Iá no nosso Colégio da LUZ.

Um grande, infindo abraço, com toda a Alma, sem “acrósticos”... deste seu amigo “ad Nunc, ad Semper”

Manuel Júlio Matias Barão da Cunha (150/1948)

Convivi com o padre José Maria, um símbolo para muitos Antigos Alunos do Colégio Militar, em 1950/55, no Colégio; em 1961, em Angola; em 1965/66, no Hospital Militar da Estrela; em 1969, em Moçambique; e, mais recentemente, em Lisboa e em Ançã. Quando chegou ao Colégio, tudo mudou. Passou a mimosear-nos com caneladas nos jogos de bola e com alguns «gafanhotos» quando nos contava as suas piadas e gozava o seu efeito, rindo com gosto, dando o exemplo e convidando os outros a acompanhá-lo, chegando a dar uma cotovelada no mais sisudo. Mas a malta gostava, ouvia-o, dialogava.

Um dia, no Hospital da Estrela e sabendo que eu ia ao dentista, avisou-me: - Também vais ao dentista, não te chegam as outras consultas? Se vais tratar algum dente, desiste já. Põe-te a pau que o que eles querem é arrancar-nos os dentes todos.

- Porquê, padre José Maria?

- Quando nos arrancarem os dentes todos, já não precisam de trabalhar mais – concluiu, soltando uma das suas célebres gargalhadas. Fomos fazer uma das visitas ao padre Braula Reis, acompanhando-o no seu 93.º aniversário natalício, em Ançã, perto de Coimbra, onde vivia, em casa da comadre dr.ª Virgínia Santos Silva, investigadora com livro publicado sobre Ançã, e interessante artista plástica, que foi o seu «anjo da guarda», nos seus últimos anos de vida.

Almoçávamos, normalmente, no Verdadeiro Pingão, de um simpático judeu, chamado Levi. Desta vez, fomos Pedro do Canto Lagido

(330/1947), Luís Mendes de Almeida (285/1948), Eduardo Sanches Osório (210/1951) e, eu próprio. Recebeu telefonemas de outros Antigos Alunos e parece ter rejuvenescido ao recordar tempos colegiais.

Em 2017/04/26, também lá fomos, na viatura do Luís Braamcamp Sobral (34/1948). E, em 2017/09/20, na viatura do Luís Mendes de Almeida, Pedro do Canto lagido (330/1947), Manuel Lalande Vieira Pinto (382/1949) e eu próprio. Na mesa do costume, encomendávamos peixe grelhado para o padre Braula e chanfana e leitão, para nós, acompanhados por vinho espumante e azeite da quinta do Pingão. Durante os repastos e convívios, muitas histórias eram contadas e comentadas, incluindo sobre Santo Agostinho e a forma diferente de o encarar pelo padre Braula e pelo Eduardo Sanches Osório (210/51), enquanto se apreciavam os aperitivos de polvo e linguiça, antes dos pratos principais… Um dos recordados costumava ser o Joaquim Mensurado (252/1946), já falecido, que tinha um interessante relacionamento com o padre Braula. O Mensurado dizia-se ateu mas não resistia a ouvir a homilia do padre José Maria, que falava muito bem, numa linguagem acessível a todos, o que é raro. Outros amigos que alinharam nas romagens ao capelão foram Álvaro Varanda (347/1948), Dias da Cunha Nogueira, «Manolo» (262/1948), que, infelizmente, já nos deixou; Abílio Pais de Ramos (323/1948); Mário Arada Pinheiro (164/1943); Chagas Pinto (350/1948)…

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Padre Braula Reis

José Maria de Avilez Correia de Sampaio (367/1949)

O Deus de que o padre Braula nos falava era infinitamente justo e infinitamente bom, mas em situações de “conflito de interesses” prevaleceria sempre o Deus misericordioso.

Atento aos problemas alheios, totalmente disponível para ajudar os aflitos, era vê-lo desunhar-se a procurar safar os candidatos a raposas, argumentando convictamente a seu favor, nas solenes, temíveis e enervantes reuniões de professores na Biblioteca, junto à sala de armas, para atribuição das notas do fim do ano lectivo.

O padre Braula encontrava sempre uma boa razão para explicar o fraco aproveitamento dos alunos em palpos de aranha, a justificar nota mais airosa que os salvasse do incómodo de uma visita à Feira da Luz em Outubro, ou do desconsolo de um chumbo redondo, principalmente se isso significasse a tragédia de uma “ida para o coco”. Os professores fugiam dele a sete pés, mas enquanto houvesse uma réstia de esperança o padre Braula não largava a presa. No confessionário, era difícil referirmos qualquer falta para a qual não encontrasse razões que a tornasse menos grave aos olhos de Deus... não tens culpa se...o que podias tu fazer...se fosses ortodoxo isso não era pecado...e por aí a fora. Para ele, tal como para nós, os cerca de sete anos passados no Colégio foram bastantes para o transformar, para a vida, num menino da Luz dos quatro costados. O Carlos Pardal (100/1947), o Luís Mendes de Almeida (285/1948), o Zé Caeiro (41/1949) e eu, fomos visita-lo há dias a Cantanhede. A idade, 97 anos, começa infelizmente a levar a melhor sobre a sua vivacidade, a sua prodigiosa memória, o gosto de estar connosco e de falar, falar, falar, nunca lhe faltando assunto, nem...perdigotos. Sentado num sofá que vai trocando com a cama, que o estado de saúde já não dá para mais, a barretina pendurada a preceito no casaco de malha, talvez não nos tenha reconhecido a todos mas ainda assim sempre foi perguntando ao Zé Caeiro pelo Pedro (irmão), e contou que nos primeiros tempos de capelão, para conseguir que o Batalhão acompanhasse a missa com o devido respeito, pôs o comandante de batalhão de sacristão e o comandante da quarta a fazer as leituras!? Remédio santo. A partir daí, o aprumo e o respeito passaram a ser norma quando o Batalhão se apresentava na Igreja da Luz para cumprir o preceito. Depois, feliz pela visita mas já cansado, apressou a despedida: - Pronto! Gostei muito de os ver mas agora ponham-se a andar que já devem estar cheios de fome.

Tinha passado nem meia hora que chegáramos... Estava no terceiro ano quando o padre Braula assentou praça, e terá sido o nosso curso o primeiro a aceitá-lo sem reservas.

Os mais velhos, habituados ao Cónego Governo, um santo homem que distribuía rebuçados nas aulas de moral para que o deixássemos em paz, reagiram mal a um novo capelão, de tenra idade, cheio de genica, a querer estar próximo e a fazer tudo o que nós fazíamos - da equitação ao hóquei em pa-

tins, da esgrima ao futebol, sem uma réstia de jeito, diga-se - desconfiados que estivesse às ordens da direcção ou dos cães, para fazer “canalhice” Inteligente, extremamente culto, sagaz e corajoso nas ideias e nos actos, o padre Braula era de uma ingenuidade desconcertante perante qualquer facto, notícia ou pedido que lhe chegasse por um de nós. Se vinha através de alguém do Colégio, era para confiar.

Nas vésperas do 25 de Abril os conspiradores tiveram necessidade de se reunir uma última vez. O responsável por desencantar local amplo e seguro para o efeito, era ex-menino da Luz.

Sem saber a quem pedir ajuda e perante a urgência e o melindre da tarefa, lembrou-se de recorrer aos bons ofícios do padre Braula, que nunca deixava ninguém mal, e assim foi.

Num ápice, sala disponível e segurança garantida aos “embuçados”, no dia e à hora requeridos.

Conhecendo-se-lhe o feitio, imagina-se facilmente o seu entusiasmo, convicto, desde logo, da bondade da causa e da boa fé dos revoltosos, na sua ideia uns Alvares Pereira, uns contestáveis do reino, cruz ao peito e espada em riste, a salvar a pátria da malvadez do mundo. Quando, pouco tempo depois, se apercebeu donde soprava o vento, meteu-se a caminho para descompor os “conselheiros da revolução” e pedir satisfações, exigindo alto e bom som, retratação e mudança de rumo...já !?

Exemplo de vida, uma fé inabalável, era pela sua irreverência construtiva, o desconforto da hierarquia eclesiástica e, em contra-ponto, o espanto e a delícia da malta Colégio, como seria, mais tarde, dos seus paroquianos.

As suas missas eram famosas e sei de muita gente de Lisboa e arredores que passou a frequentar a igreja de S. Domingos, para ouvir as suas inesquecíveis homilias.

Foi, aliás, em S. Domingos, paróquia do coração de que então era prior, que nasceu e prosperou um grupo de ex-alunos que apesar do passar dos anos, se mantém vivo e pujante na sucessão dos almoços mensais que fazem jus aos seus fundadores. O mesmo apego às coisas do Colégio, o interesse dos temas que vêm à baila, o gosto pela controvérsia e a enorme amizade que permanece, garante, por si só, a continuidade da tertúlia por muitos anos e bons.

Após o seu “exílio” na província muito a contra gosto, amuado com o Sr. Cardeal que o passou à reserva quando ainda se sentia em grande forma, raro era o almoço que não incluísse um telefonema para o padre Braula com o telefone a passar de mão em mão porque ninguém prescindia de lhe dar uma palavra, quando ele nos deixava falar, nada fácil como sabemos!

Sentimentalão inveterado, encantado com o mimo, combatia a pieguice da saudade com uns repelões mal amanhados de duro, que não enganavam ninguém.

O Chico Rosado (167/1952) pediu-me um parágrafo sobre o padre Braula e vejo-me a escrever um livro?!

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Padre Braula Reis

A questão é que as histórias não têm fim. Já agora, e antes de dar descanso às teclas, cá vai mais um episódio patusco.

Expurgado de qualquer espécie de proselitismo, o tal grupo de ex-alunos já referido, encontrava-se uma vez por mês em S. Domingos para almoçar. Esperavam que a missa rezada pelo padre Braula ao fim da manhã acabasse, saindo logo a seguir para o repasto da ordem num restaurante das redondezas.

Havia de tudo nos comensais... crentes, pouco crentes, nada crentes. Uns vinham mais cedo e assistiam à missa. Outros ficavam no cartório a ler jornais ou à conversa com as velhotas que por lá passavam à procura do Sr. Prior, algumas, já meio totós, a querer por força confessarem-se àqueles senhores padres, tão simpáticos, que estavam na sacristia. O Zé Carvalheira (301/1946), que assistia à missa, estava encarregado de refrear os excessos oratórios do padre Braula, quase sempre presentes na suas homilias estratosféricas.

Aqui vai um episódio a que assisti:

- Oh padre o senhor não pode sugerir aos casais de fresca data que atirem as sogras da janela abaixo, se quiserem ter sossego e ser felizes! - Sim, sim, Zé, mas não sei se deste conta que eu depois amenizei. Disse que eram só as janelas que dessem para piscinas...piscinas com água…, se tivesse que ser!

José Eduardo Garcia Leandro (94/1950)

BRAULA REIS – O HOMEM QUE NOS AJUDOU A CRESCER

Entrou em 1950 para Capelão do CM com 28 anos, ano em que o meu Curso (1950/57) entrou com 10 e a partir daí sempre disse que era do nosso Curso, o que foi uma ligação forte com quase todos. Como haverá, eventualmente, nesta homenagem final a este grande Homem e educador de rapazes muitas participações, este meu texto será curto e sincopado. Nunca nos ensinou nenhuma oração, ensinou-nos a ser Homens e bons cidadãos, apelou à responsabilidade individual e coletiva; foi uma lufada de ar fresco que no CM entrou, tendo de lidar com uma estrutura conservadora que progressivamente o foi aceitando. Falava muito connosco, estando sempre disponível. Criou a Conferência de S. Vicente de Paulo tendo cada turma uma família que visita aos sábados à tarde; no nosso 4º ano (hoje 8º) deu-nos aulas de educação sexual, iniciativa rara na altura.

Manuel de Lucena (405/1953)

O Padre Braula Reis foi uma referência indiscutível nas nossas vidas! Desde a nossa juventude como capelão, e durante o resto da sua longa vida como nosso amigo e conselheiro espiritual, este ser humano de excepção iluminou-nos a todos com a sua afabilíssima per-

Fica por contar o padre Braula dos acampamentos nas Berlengas; das idas a Fátima a pé; das visitas a levar ajuda às famílias mais carenciadas de Telheiras e Carnide; o padre Braula dos terços rezados no mês de Maio na capela, ao fim da tarde, a registar inesperada adesão, uns por genuína devoção, outros para “negócio”, na esperança que as orações de Maio dessem direito a protecção especial de Nossa Senhora nos exames de Junho; o padre Braula ao volante do seu Skoda em enésima mão, a espalhar o caos no trânsito da cidade, fruto de uma relação difícil, senão impossível, com a embraiagem da viatura; o padre Braula da Real República da Barretina, pensada e concretizada por ele, com a ajuda do Carlos Pardal e do João Morais Leitão, um enorme sucesso que cumpriu inteiramente o seu objectivo, simultaneamente um “campus” universitário para ex-alunos sem família em Lisboa, e um ponto de encontro onde se ia para estudar com os “republicanos”, ou para matar saudades, com o padre Braula a debater tudo com todos pela noite dentro, em “ferozes” sabatinas.

7(367/1949)

(Menciona-se, para memória futura, o nome dos fundadores: - Padre José Maria Braula Reis, João Morais Leitão (344/1948), Carlos Vaz Pardal (100/47), António Prates (138/1947), Francisco Barahona Núncio (258/1948), Luís Lince Núncio (362/1949), Francisco Melo Sampayo (148/1948) e José Corrêa de Sampaio (367/1949) - um advogado, um médico e uma mão cheia de engenheiros.)

Criou uma ligação forte com quase todos com que lidou, foi muitas vezes o nosso defensor face a alguns disparates próprios da idade. Estes laços fortes ficaram para a vida, casou muitos de nós, batizou filhos e netos, casou filhos. Depois foi Capelão militar em Macau, Capitão Capelão em Angola (1961/63), a partir de 1969 em Moçambique, Chefe dos Capelães do Exército, Pároco da Igreja de S. Domingos entre 1987/2011, sem nunca ter perdido a ligação ao Colégio e aos seus Antigos Alunos, sendo convidado de honra de alguns dos nossos encontros. Mesmo já doente continuava a receber visitas e a falar muito. Desapareceu fisicamente em 24 de março deste ano, mas pessoas como ele nunca morrem na nossa memória. Não foi um Capelão; foi o nosso Capelão! QUE DESCANSE COM A PAZ QUE MERECE!

sonalidade, religiosidade, vasta cultura e erudição, e dedicação incondicional ao Colégio Militar, aos seus alunos e ex-alunos. Vai-nos fazer muita falta! Que descanse na paz de Deus.

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João Virgílio

Soeiro da

HOMENAGEM A UM HOMEM EXTRAORDINÁRIO

Costa (196/1956) Pedro do Canto Lagido (330/1947)

Tinha uma capa celta que lhe dava um ar divino o que a juntar ao porte altivo, à doçura e encanto que punha no olhar e à maneira sedutora como lançava a rede na recolha de crentes para o seu rebanho, o transformavam numa figura única e inesquecível. Com discurso solto e cativante, distribuía amizade e encanto sempre em função extra do que, por missão, lhe era exigido.

Precisei dele quando era menino e tal como a muitos de nós, disse presente. Após sair do Colégio e de lhe perder o rasto, apareceu-me como que por magia, prontificando-se para celebrar missa em homenagem de minha querida irmã, precocemente falecida num acidente de viação. Confortou-me com a sua presença e as palavras que então me dirigiu, souberam amenizar a mágoa e a dor que ainda hoje sinto.

Mais tarde e com dificuldades “igrejo/burocráticas” que por vezes nos são colocadas pelos párocos mais ortodoxos e ficando eu a pensar no que fazer para resolver o problema do batismo do meu filho mais novo, passei por acaso no largo de S. Domingos e dei por mim junto àquela fachada barroca que todos nós conhecemos, afinal o pouco que resistiu ao terramoto de 1755 e ao incêndio de agosto de 1959. Os restos de uma igreja lançada em 1241, ainda no tempo de D. Sancho II. Foi lá que encontrei de novo, José Maria de Braula Reis, então pároco de Santa Justa e Rufina, servindo a igreja por todos nós conhecida como igreja de S. Domingos.

Braula Reis, perguntou-me se gostava do que via. Eu disse-lhe que sim. E que, o que via, trazia-me memória dos tempos e da amizade única dos amigos únicos que criei. Pareceu-me mesmo que o nosso capelão caíra do céu. Contei-lhe das dificuldades com que me via confrontado. Fixou-me nos olhos e puxou da agenda, parece que o estou a ver. Deu-me dois dias à escolha e pronto. Tudo era simples e de fácil resolução para aquele filho de Deus. Em 17/01/2009, batizou o João Vasco, abraçou-me e deu-me a honra de beber à mesa comigo, estando, mais uma vez, presente quando precisei.

Depois, fomos falando algumas vezes e pelo telefone, para o retiro que escolheu próximo de Coimbra. Dizem-me que morreu mas, na verdade, a morte só vem quando não há quem se lembre de nós. Para mim foi andando para junto do Criador. Que Ele lhe dê o abrigo que procurava e fiquemos nós sempre com a lembrança de um homem extraordinário.

0 Padre Braula Reis retirou-se da sua activa vida de Pároco de São Domingos. A sua vida, tantos os lugares e as missões, foi espantosa e vastissima a lista dos seus amigos e admiradores. A sua despedida foi bem a expressão disso mesmo, dada a presença de Antigos Alunos e pessoas amigas “em peso”.

Há poucos anos, em artigo nesta revista, de parceria com o Luis Mendes de Almeida (285/1948), antigo Comandante de Batalhão, salientámos as extraordinarias qualidades de educador e formador e demos alguns exemplos da sua actuação como professor e como capelão do Colégio Militar.

Nesta ocasião sinto-me impelido a dar um testemunho pessoal. Quando saí do Colégio não atingi a mais profunda dimensão do “salto em frente” que a acção educativa do Padre Braula Reis em mim provocou. Só mais tarde, a reflexão e a experiência me permitiram avaliar o verdadeiro impacto da sua acção e perceber como foi fundamental no meu crescimento e desenvolvimento como pessoa e na minha descoberta do cristianismo como núcleo principal da minha existência. Recorda-me hoje de muitas coisas, desse tempo, muitas conversas e até das confissões. Recorda-me de um livro de espiritualidade que me deu e que me transformou e que era um apelo a viver um cristianismo autentico no meio das ocupações de uma vida comum, com coerência, coragem, inteligência e felicidade.

Um outro livro que me facultou, ja não me lembro se lho devolvi, narrava a experiência de um oficial da Força Aérea Espanhola, durante a guerra civil, e que procurava ser um bom cristão no meio de um conflito com permanentes voos operacionais. Esse livro foi fundamental porque eu, nessa altura, já estava fortemente imbuido dos valores militares e porque tinhamos atitudes que pareciam contradizer muitos cristãos desse tempo. Este exemplo de vida foi para mim uma grande descoberta.

Lembro-me como o Padre Braula Reis, em conversa, me sugeria que procurasse ajudar, com a minha experiencia de vivência cristã no Colégio, outros companheiros que atravessavam algumas dificuldades. Recorda-me das suas aulas. Recorda-me como as suas provas escritas eram um desafio à criatividade dos alunos e por vezes as melhores notas eram para alunos que não eram crentes, com alguns dos quais se tornou grande amigo. Nas suas aulas o conhecimento de nos próprios era tema crucial, a construção de hábitos sadios e o aproveitar da adolescência como idade óptima para moldar o carácter, lembro-me da imagem que usou do ferro em brasa. Aliás usava muitas imagens para fazer compreender realidades complexas. Todos nós tivemos, na nossa vida, pessoas que nos fizeram melhores, para mim e decerto para muitos, o Padre Braula Reis foi uma delas. Como o “raio verde” naqueles fins de tarde raríssimos mas de uma beleza e uma paz sem igual, assim desejo que seja este tempo que agora começa para o Padre Braula Reis.

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Padre Braula Reis

O Último Adeus a Braula Reis

órgão, por duas razões. Porque Braula Reis gostava de acompanhar as suas missas com música de órgão e cânticos e por ter sido ele que mandou restaurar o órgão da igreja.

Na homília da missa, que era a do dia do Bom Pastor, o Pároco recordou, com grande vivacidade, a figura de Braula Reis, também ele um Bom Pastor, recordando-nos alguns traços da sua figura inesquecível, fazendo-nos sorrir, já com saudades. Recordou ainda, que se ficou a dever a Braula Reis a construção da nova cobertura em betão da Igreja de S. Domingos, que substituiu a original, destruída, em 1959, por um enorme incêndio.

No final da missa, um dos padres coadjutores fez questão de lembrar também Braula Reis, de quem tinha sido muito amigo e fez também questão de endereçar palavras de apreço ao Colégio Militar, que conhecia, de forma indirecta, desde os seus tempos de seminarista, pelo convívio que então teve com o seu colega de curso, o Antigo Aluno Francisco Barahona Nùncio (258/1948).

No 30º dia do falecimento do Padre Braula Reis, a sua família mandou rezar uma missa na Igreja de S. Domingos, em que ele foi pároco durante cerca de 24 anos. A nossa Associação esteve presente, sendo representada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958) e pelo Presidente da Direcção, Filipe Soares Franco (62/1963),

estando também presentes vários Antigos Alunos do tempo em que foi capelão do Colégio, em particular do curso de entrada em 1950, que ele considerava ser o «seu» curso, por ter começado a leccionar no Colégio também em 1950.

O actual pároco de S. Domingos, também ele grande admirador e amigo de Braula Reis, fez anteceder a missa de um concerto de

Assinalamos que esteve presente, como amigo de Braula Reis, o Presidente da República. Durante a celebração da missa, o Guião da nossa Associação foi empunhado por Martiniano Gonçalves (9/1958).

Foi assim que demos o nosso último adeus aos Padre Braula Reis, que cremos não necessitar das nossa orações. O actual pároco de S. Domingos compartilha esta nossa opinião. Temos agora lá em cima um advogado, a quem poderemos recorrer, quando chegar a nossa hora.

Redação.

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A Missa do dia 30º dia, em S.Domingos. Os Antigos Alunos e o Guião da AAACM. O Último Adeus a Braula Reis

Um 3 de Março Diferente

Neste ano de 2021, a pandemia do Covid transtornou (para usar um termo brando) a vida de todos os portugueses e por arrastamento a vida do Colégio Militar. Já no ano passado, a partir do mês de Março, o ano lectivo no Colégio foi profundamente afectado pela primeira vaga da pandemia, obrigando a encerrar o Colégio, por um largo período. Conseguiu-se ainda, no limite, celebrar o aniversário do Colégio.

No presente ano lectivo, as coisas pioraram. Logo a seguir ao Natal, o número de pessoas infectadas subiu meteoricamente, tendo-se atingido no mês de Janeiro uma situação de verdadeira catástrofe, tendo havido dias com 300 mortos. Em termos militares, isto corresponderia à perda do efectivo de um batalhão por cada dois dias que passavam. Face a esta situação, o País entrou de novo em estado de emergência, o Colégio fechou e a co-

memoração do 3 de Março deixou de ser possível nos moldes habituais.

A comemoração não foi possível nos moldes habituais, mas ninguém se acomodou com esta situação. A existência de mais de dois séculos do Colégio, em que este sobreviveu a todas as vicissitudes que afligiram Portugal ao longo desses anos, não nos autorizava a cruzarmos os braços e ficarmos inertes à espera de dias melhores.

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Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa
71/1957
1 - Feitoria. A Escolta em Guarda de Honra. 2 - Feitoria. Preparação do içar da Bandeira. © Fotografias cedidas pelo Colégio Militar.
Um 3 de Março Diferente

Um 3 de Março Diferente

O Colégio, logo no início da sua existência, sobreviveu às invasões francesas e poucos anos passados a uma guerra civil. Chegado ao século XX, sobreviveu à queda da monarquia, á intervenção portuguesa na 1ª Guerra Mundial, à gripe espanhola, à ditadura militar, ao Estado Novo, à longa Guerra do Ultramar e ao período conturbado post 25 de Abril. Já no presente século, resistiu a ataques à sua essência e existência, vindos de quem tinha a obrigação de o defender e de criar condições propícias para a continuação da sua carreira impar. Com este respeitável passado, de enorme resiliência, não podíamos aceitar, que um simples «resfriadinho» (que já fez mais de 16.000 vitimas no nosso País), impedisse o Colégio de assinalar a passagem de mais um ano da sua existência.

A Direcção do Colégio promoveu, em muito boa hora, uma celebração com as cerimónias militares reduzidas ao mínimo e não abertas ao público, como se documenta nas fotos que nos foram cedidas e que aqui publicamos. As comemorações começaram, manhã cedo, na Feitoria, o berço do Colégio, e tiveram continuação na Luz. Na Luz, o Diretor do Colégio fez o discurso comemorativo da efeméride, que de seguida apresentamos:

Nas circunstâncias atípicas que temos vindo a vivenciar, comemoramos hoje o 218º aniversário do Colégio Militar.

Um ano passou desde o início da pandemia Covid-19. Esta outra realidade alterou de forma radical os hábitos societários, e até familiares, e tem imposto momentos únicos, plenos de condicionantes, de muita incerteza e risco alargado.

O Colégio parou em meados de março de 2020, a meio de um ano letivo que não voltou a retomar o seu ritmo muito próprio, dinâmico e absorvente. A última cerimónia partilhada por toda a comunidade educativa foi a do nosso 217º aniversário, já condicionada e adaptada aos novos tempos. Ainda houve oportunidade de “descer a Avenida”, de sentir o quanto as tradições colegiais são especiais e essenciais para compreender o espírito desta Casa, para apreciar a camaradagem e a cumplicidade de quem

tem o privilégio de a frequentar ou a experiência singular de a Servir.

Desde aí, nada voltou a ser normal. Nem o regresso parcial dos alunos mais antigos, para prepararem os seus exames nacionais, foi suficiente para nos reconfortar a alma. Nada de sons nos Claustros, nada de correrias de “miúdos” felizes e joviais que diariamente vivem assoberbados pelas exigências de mestres, docentes e instrutores, obrigados a correr pela generosa dimensão do espaço escolar e pela diversidade de afazeres que o Projeto Educativo do Colégio os obriga a cumprir.

Que falta nos faz sentir o pulsar desta Casa! Nada é igual no silêncio dos Claustros, no vazio dos campos descobertos, nas ausências do internato.

O início do presente ano letivo ficou marcado pelas inúmeras adaptações que tivemos de pre-

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3 - Feitoria. A chama colegial. 5 - A chama colegial ardendo altaneira na Luz. 4 - O nosso Guião.

parar e implementar, no estrito e rigoroso cumprimento das medidas de contenção e prevenção derivadas da pandemia em curso. Embora tivéssemos a esperança destes novos tempos serem ultrapassados, rapidamente nos apercebemos que as regras e restrições iriam perdurar e que o impacto da propagação de contágios iria continuar a alterar profundamente as nossas rotinas colegiais.

Por muitos momentos e registos que o Colégio tenha na sua bicentenária história, este tem sido, de facto, um período que nos tem posto à prova.

Entretanto, sete anos já decorreram do processo de reforma dos Estabelecimentos Militares de Ensino, decidido e implementado desde 2013. Sete anos dedicados a entender o novo rumo e os impac-

tos da decisão política, a procurar a forma de reestruturar a missão em prol do melhor rendimento escolar dos jovens alunos e da melhor adequação e consolidação das mudanças introduzidas. Hoje podemos reafirmar que a todas essas mudanças o Colégio respondeu positivamente e que estamos numa fase de estabilização e aperfeiçoamento do novo modelo.

Temos vindo a aumentar os indicadores quantitativos e qualitativos do corpo discente e a reforçar o nível de exigência e de formação do corpo docente. Para encarar os novos desafios da sociedade contemporânea, redefinimos um rumo estratégico, tão ambicioso quanto sereno, coerente, faseado e realista, que nos conduzirá a um nível geral de ensino de mais e melhor qualidade, de acordo com os pergaminhos e tradições desta secular Casa.

Um 3 de Março Diferente

Não obstante as vicissitudes da pandemia, concebemos e estamos a desenvolver um ambicioso projeto de preservação do Património Cultural, material e imaterial, assente na inventariação, recuperação, manutenção e recompletamento de Coleções Visitáveis e na adequação e beneficiação de Espaços Edificados, pelo qual já fomos pública e institucionalmente reconhecidos; estamos a preparar, meticulosamente, a celebração dos 100 anos da Revista "O Colégio Militar" e, simultaneamente, o lançamento de uma obra alusiva à Coleção de Livro Antigo existente na nossa Biblioteca.

Nas recentes distinções, para além da museologia, incluem-se o reconhecimento da Apple, pelo caráter inovador e pelo impacto positivo e qualitativo do nosso Programa Tecnológico Digital; a conquista e con-

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6 - Guarda de Honra ao Marechal Fundador.

Um 3 de Março Diferente

tínuo reconhecimento do Colégio Militar como Eco-Escola e ativo promotor das melhores práticas ambientais e de sustentabilidade, e a muito importante implementação e certificação, pelo INEM, de um sistema de Desfibrilhação Automática Externa, no âmbito de um Programa Nacional das Forças Armadas Portuguesas.

Uma Escola de referência como o nosso Colégio, requer dinâmicas variadas, atuais e consequentes em prol da melhor formação e do sucesso escolar dos alunos e da segurança de toda a comunidade colegial, promovendo o respeito pelos seculares princípios e valores que o norteiam, a si e a todos quantos nela estudam e servem.

Hoje, estamos na vanguarda da tecnologia no ensino, da sustentabilidade, da preservação ambiental e do património cultural, da excelência do parque escolar e da eclética prática desportiva.

Em prol da satisfação de toda a comunidade educativa e do devido e público reconhecimento desta Instituição, estamos a concluir um projeto de autoavaliação que nos permitirá aferir e melhorar procedimentos internos, bem como obter a certificação externa do nosso Sistema de Gestão da Qualidade.

Importa relevar, ainda, a consolidação e o revigorar de um Projecto Educativo de exceção, a renovação e estabilização gradual do Corpo Docente e a contínua expansão e beneficiação qualitativa, moderna e inovadora, das infraestruturas colegiais, proces-

sos nos quais tem sido decisivo o papel da hierarquia, da Direção de Educação ao Comando do Exército, sempre em prol da nossa missão de relevar o papel da Defesa Nacional e das Forças Armadas na sociedade.

Não ultrapassada a crise pandémica, a sociedade continua segregada e condicionada na retoma desejada. Voltando a ficar confinados, voltámos à escola à distância e a ficar carentes na nossa vida colegial.

Vivemos tempos diferentes ... sem qualquer dúvida ... como também já pontualmente viveram muitos dos que nos antecederam nos 218 anos de um Colégio Militar que tem sabido viver, reinventando-se e evoluindo até aos dias de hoje.

Este é um 3 de março comemorado no próprio dia, marcado por restrições inolvidáveis. Desta vez, não temos sequer a “Avenida”, aquele momento por todos esperado e tão intensamente vivido, ponto de encontro de distintas gerações de Antigos Alunos, símbolo de camaradagem fraterna e cúmplice, promotor de são convívio e do reviver de longas Amizades, de verdadeiros irmãos de “Barretina” nas lapelas.

A todos os Alunos, deixo uma palavra de conforto, e de positiva expetativa, de num futuro próximo recuperarmos o entusiasmo e a alegria de serdes “Meninos da Luz”. Aos Alunos Finalistas, num testemunho partilhado e sentido da angústia e frustração que este momento nos faz viver, expresso a minha solida-

riedade e renovo a esperança de que este ano letivo ainda nos possa devolver a oportunidade de viver o Colégio, de concluir bem uma experiência de vida que vos acompanhará para sempre.

Que na agrura do momento, saibamos consolidar os alicerces de um futuro de qualidade reforçada. Continuaremos a procurar cumprir o que tem sido o rumo histórico desta Casa: um Projeto Educativo ímpar, nascido do sonho do Fundador e pacientemente construído com o labor e dedicação dos muitos e muitos Alunos e Servidores que, ao longo de mais de dois séculos, por aqui passaram e deixaram a sua marca e o seu humilde contributo.

Essa é a realidade de uma Escola com mais de dois séculos, com História e Essência próprias de uma Instituição única em Portugal e singular no Mundo, que continuará a trilhar o seu caminho... perseverante e reformador... audaz e capaz ... procurando contribuir, de facto, para a formação integral de jovens cidadãos, disciplinados e disciplinadores, respeitados e respeitadores, capazes de liderar e de serem liderados, competentes e solidários, detentores de verdadeiros princípios e valores éticos e patrióticos.

Pelo Marechal Teixeira Rebelo e por todos quantos nos antecederam,

Um forte ZACATRAZ… Bem Hajam!

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A nossa Associação, pelo seu lado, não ficou inactiva. O Conselho de Delegados de Curso da Associação tem feito reuniões virtuais, com os delegados cada um em sua casa, mas todos ligados em teleconferência. Dado essas reuniões terem corrido bem, decidiu o Presidente do Conselho de Delegados, com o acordo da Direcção da Associação, convocar uma reunião especial, para as 19H00, do dia 3 de Março, para celebrarmos em conjunto a data festiva. Como não podia deixar de ser, convidaram-se os Alunos a participar também nesta sessão.

Os Alunos aderiram de imediato á ideia e quiseram dar o seu contributo, preparando um vídeo relativo ao 3 de Março. Para que o vídeo fosse o mais abrangente possível, pediram aos Antigos Alunos que lhes enviassem fotos de desfiles do seu tempo do Colégio. Os Antigos Alunos acederam ao pedido e tivemos assim oportunidade de ver no vídeo fotos com início no 3 de Março de 1945, cedidas pelo José Joaquim Fragoso (26/1938), que é o Delegado de Curso mais antigo que participa regularmente nas nossas reuniões. Tivemos também oportunidade de ver fotos do 3 de Março de 1961, em que a Escolta a Cavalo desceu pela segunda vez a Avenida. Lá se via, enquadrado pela Escolta, o automóvel do ministro do Exército, que apanhou com um cavalo em cima do porta–bagagens. O cavalo, na sequência desse voo, galopou à solta sem cavaleiro até aos Restauradores, onde um popular mais afoito o conseguiu parar.

Poucos minutos antes das 19H00 do dia 3 de Março, começámos todos a ligar-nos para a sessão conjunta. As coisas tinham sido preparadas para ser possível termos 100 pessoas ligadas. Não foi suficiente. A certa altura

tínhamos 3 camaradas residentes na Suiça a quererem entrar na «conversa» , mas já não dava.

À hora aprazada, o presidente do Conselho de Delegados, Nelson Manuel Machado Lourenço (377/1982) tomou em mãos as «rédeas» da reunião e tudo correu sobre rodas. Foi exibido o vídeo preparado pelos Alunos, que era acompanhado por uma boa locução. O vídeo foi do agrado geral, tendo sido muito elogiado. O Nelson Lourenço deu depois a palavra ao nosso decano, o José Joaquim Fragoso, que nos contou como é que o seu pai, chegado de Moçambique, viu um desfile do Colégio e ficou de tal modo bem impressionado, que decidiu logo que o seu filho iria frequentar aquele Colégio. Houve outras intervenções, das quais destacamos a do Director

Um 3 de Março Diferente

do Colégio, António Emídio da Silva Salgueiro (461/1962), na sua dupla qualidade de Director e Antigo Aluno. Falou também, como não podia deixar de ser, a encerrar a sessão, o Presidente da nossa Associação, Filipe Soares Franco (62/1963). Seguiu-se o final feliz, isto é, um Zacatraz a 100 vozes, a anteceder uma saúde ao Colégio, bebendo cada um, em sua casa, o seu cálice de vinho do Porto, com que já estava prevenido, para aquele final de cerimónia.

Foi uma comemoração diferente, que correu muito bem, mas que esperamos não ter de repetir. Não há nada que substitua os Claustros, o refeitório e as paredes do nosso Colégio. É lá que nos queremos todos encontrar, já no próximo ano.

A pandemia também afectou muitos Antigos Alunos, que costumavam fazer as suas comemorações por esse país fora, em restaurantes nas mais variadas cidades. Devido ao confinamento, os restaurantes estavam todos fechados, pelo que as comemorações decorreram apenas em pensamento. Mas houve alguns que, no estrangeiro, tiveram mais sorte. Recebemos notícia de duas reuniões no estrangeiro, uma em Bruxelas, outra em Miami. Em espaço próprio desta revista apresentamos os elementos que recebemos relativos a essas duas reuniões. Uma delas até meteu uma barretina autêntica. Vejam, que vale a pena.

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7 - Homenagem ao Marechal Fundador

Reuniões do 3 de Março

Reuniões do 3 de Março

O 3 DE MARÇO NO MUNDO.

Nos anos anteriores, ou seja, nos anos «normais», noticiámos sempre as comemorações do 3 de Março efectuadas pelos Antigos Alunos da diáspora, por vezes em locais completamente inesperados. Este ano, a malfadada pandemia tudo condicionou, pelo que as notícias que vos podemos transmitir são em número diminuto. As comemorações, cujos ecos chegaram até nós, foram apenas duas. Uma «virtual», efectuada na Bélgica, via Zoom, com 9 participantes, e outra efectuada em Miami, da forma tradicional, sem quaisquer modernices, com os dois participantes abancados à mesa, comendo e bebendo de acordo com os seus gostos. Para todos os que participaram nestas comemorações, daqui seguem as nossas saudações colegiais.

Fazemos votos para que, para o ano, se regresse à normalidade, recebendo-se então notícias de para cima de uma dúzia de comemorações, realizadas nas mais variadas geografias.

3 DE MARÇO EM MIAMI

Este ano a «marafada» pandemia (como diriam os algarvios), não permitiu a realização da esmagadora maioria das confraternizações de Antigos

Alunos, que habitualmente têm lugar pelo nosso país fora e no estrangeiro. Mas há sempre uns irredutíveis, que não vergam e que celebram o 3 de Março, seja onde for, em quaisquer circunstâncias, contra ventos e marés. Foi

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Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa
71/1957
Almoço do 3 de Março em Miami (EUA).

Reuniões do 3 de Março

o que se passou em Miami, onde o Manuel de Lucena (405/1953), há anos e anos, celebra religiosamente o aniversário do Colégio. Aí temos na foto o Manuel, do lado direito, com o seu sorriso inconfundível, este ano na companhia de outro irredutível, o António Manuel da Silva Inácio Quelhas (677/1972), igualmente bem disposto (a conta do almoço ainda não tinha chegado). No meio, uma barretina autêntica, com o penacho de um verde já um bocado desbotado, próprio da barretina de um veterano. Reparem que a barretina está a «montada» sobre uma garrafa, que presumimos que terá sido a 3ª ou a 4ª, que «marchou» alegremente. Para os que forem visitar Miami e pretenderem conhecer o local do repasto, o que têm a fazer é simples, perguntem pelo restaurante português «O Braga». Verão que ninguém sabe onde é. Não desanimem, recorram ao Mac Donalds mais próximo.

Até para o ano camaradas «americanos».

3 DE MARÇO EM BRUXELAS

Caríssimos representantes da AAACM e da ZacatráZ,

Neste ano tão especial, os ex-alunos de Bruxelas e arredores encontraram-se ontem 3/03/2021 via “zoom”, para celebrar o aniversário do nosso Colégio.

Prometido o encontro “não virtual” logo que a situação pandémica o permita.

Na foto junta, da esquerda para a direita e de cima para baixo: Paulo Alexandre

Alves Gonçalves de Campos (1/1990), João Francisco Ramalho Ortigão Delgado (531/1969), Rodrigo Ataíde Dias (473/1985), Pedro Rui Bastos Teixeira Chaves (277/1966), Paulo Sérgio da Silva Sandor Antunes (405/1982), Rui Cardoso (94/1984), André Paula Santos (192/1995), Luis Miguel Afonso de Carvalho Pires (464/1985) e João Ferreira Pinto (261/1980).

Com um abraço colegial.

João Ramalho Ortigão Delgado (531/196)

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Participantes no 3 de Março "virtual" de Bruxelas.

Os filhos do Colégio Militar

Na ZacatraZ número 222, de Janeiro/Março de 2021, comemorámos o centenário da condecoração do Colégio Militar, com o grau de cavaleiro da Ordem Militar da Torre Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. A cerimónia da condecoração teve lugar no Largo da Luz, no dia 3 de Março de 1921, como ficou documentado na fotografia que constituiu a capa do referido número da nossa revista ZacatraZ.

A razão de ser do presente artigo, é o facto de o diploma de concessão da venera referida, apresentar, como justificação da sua atribuição, os valorosos serviços prestados pelo Colégio ao País, através do labor árduo dos seus Antigos Alunos, que nesse diploma são mencionados usando a designação «filhos do Colégio Militar» . Trata-se de uma designação não usual, mas que consideramos ser feliz. No próprio diploma, é mencionado um conjunto alargado de «filhos» ilustres do Colégio Militar, começando pelo Visconde de Nossa Senhora da Luz, continuando com homens que se distinguiram

como literatos, historiadores, estadistas, professores e liberais, para terminar com uma mão cheia de homens mortos em campanha no decurso da Grande Guerra, que terminara então há pouco mais de dois anos. Considerando que a maioria dos nomes dos

«filhos do Colégio» elencados no diploma, nada dirão aos «filhos do Colégio» dos nossos dias, consideramos oportuno recordá-los nas páginas desta nossa revista, para que não caiam no esquecimento. Nesse sentido, apresentamos de seguida um pequeno apontamento biográfico de cada um deles.

- Visconde de Nossa Senhora da Luz

Joaquim António Vellez Barreiros (28/1813). Nasceu em S. Julião da Barra, a 25/11/1802, e faleceu em Lisboa, a 1/10/1865.Iniciou a sua carreira como alferes em 1820 e foi o primeiro Antigo Aluno do Colégio a ascender ao generalato. Liberal convicto, tomou parte, vindo da ilha Terceira, no desembarque nas praias do Mindelo, em 1830. Distinguiu-se em combate no cerco posto à cidade do Porto pelas tropas miguelistas. Em 1837, em Espanha, comissionado pelo nosso governo, distinguiu-se de novo em combate, sendo ferido. Em 1843, foi nomeado Inspector Geral de Obras Públicas. Em 1847, já como barão, foi ministro dos Negócios Estrangeiros. Mais tarde,

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Visconde Nª Srª Luz. Os filhos do Colégio Militar

Os filhos do Colégio Militar

foi ministro interino do Reino, Estrangeiros e Marinha. Foi depois Chefe do Estado Maior do Comando em Chefe do Exército e de seguida Director Geral de Obras Públicas. Em 1853 foi elevado a Par do Reino e no ano seguinte a Visconde. De entre as veneras por si recebidas, sobressaem a da Ordem da Torre e Espada e a da Legião de Honra (França).

para Moçambique, sendo nomeado seu Governador-geral e promovido a Coronel. Aí concebeu a lei que definiu «os usos e costumes dos indígenas que devem ser respeitados» e lançou a obra de construção da linha de caminho de ferro Lourenço Marques-Ressano Garcia. Foi comendador da Ordem da Torre e Espada e da Ordem de Aviz.

Ministro da Marinha e das Colónias, de 1883 a 1886, desempenhou um papel capital na promoção das grandes expedições africanas de Capelo e Ivens, de Henrique de Carvalho, de Serpa Pinto e de Augusto Cardoso. Promoveu notáveis progressos nas colónias nos domínios das comunicações, dos caminhos- de- ferro e noutros. No domínio da Marinha, reorganizou a

Nasceu em Aveiro, a 9/6/1828. Faleceu em Lisboa, a 14/2/1888. Foi alferes em 1847. Como subalterno serviu nas tropas de Caçadores, no continente e na Madeira. Em 1956, foi nomeado mestre de esgrima do Colégio Militar e mais tarde da Escola do Exército. Em 1869, assumiu o comando de um Batalhão expedicionário a Moçambique, para pacificação da zona da Zambézia. Em 1870 é nomeado imediato (subdirector) do Colégio Militar. Em 1877, foi nomeado chefe da Repartição Militar da Direcção Geral do Ultramar. Em 1878, foi nomeado como 1º Governador-geral da Guiné. Em 1882, foi transferido

- Francisco Eugénio Pereira de Miranda (134/1859)

Foi Governador de S. Tomé e Príncipe, de 1891 a 1894, e Governador-Geral de Angola, de 1894 a 1895.

- Manuel Joaquim Pinheiro Chagas (118/1853)

Nasceu em Lisboa, a 13/11/1952 e aí faleceu, a 8/4/1895. Foi alferes em 1859. Passou pouco depois à inactividade, para se dedicar à política, à literatura e ao jornalismo. Em 1871, foi eleito deputado pela primeira vez, revelando os seus extraordinários dotes oratórios como tribuno. Como

Escola Naval e criou o serviço de saúde naval. Distinguiu-se no campo literário, na área da história, sendo membro da Academia de Ciências de Lisboa. Foi agraciado com a grã-cruz da Ordem de Santiago e foi grande oficial da Legião de Honra (França).

Joaquim Henriques Fradesso da Silveira (Ext/1836)

Nasceu em Lisboa, a 14/4/1825, e aí faleceu, a 26/5/1875. Extinto o Colégio dos Nobres, em 1836, daí transitou para o Real Colégio Militar. Foi Guarda-Marinha em 1842. Foi professor substituto de Física e Química da Escola Politécnica. Por incompatibilidade entre o serviço docente e a carreira naval, transitou para o Exército,

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Agostinho Coelho (59/1838). Pinheiro Chagas (118/1853). Fradesso da Silveira (Ext/1836).

como alferes. Publicou manuais de ensino para a Escola Politécnica. Em 1848, foi um dos fundadores da «Revista Militar». Foi director do Observatório Meteorológico de Lisboa. Em 1853, foi Chefe da Repartição dos Pesos e Medidas do Reino, contribuindo para a adopção do sistema métrico no País. Em 1861, foi vogal da Comissão das Pautas do Conselho Geral das Alfândegas

Maio de 1871, foi nomeado Par do Reino. Foi ministro dos Estrangeiros, da Marinha e do Ultramar, de 1872 a 1877, desenvolvendo obra de grande mérito, tanto na Marinha como no desenvolvimento do Ultramar. Em 1878, de novo na pasta dos Estrangeiros, celebrou os tratados sobre a Índia e de Lourenço Marques. Foi membro e presidente da Academia de Ciências de

tido Reformista, de que foi fundador e ministro, a sua carreira percorreu todo o arco partidário da Monarquia Constitucional. Foi várias vezes deputado, Par do Reino eleito e exerceu as funções de Ministro da Marinha e de vogal do Conselho Geral de Instrução Pública. Foi lente na Escola Politécnica de Lisboa e sócio efectivo e secretário perpétuo da Aca-

do Reino. Em 1865, foi deputado por Lisboa do Partido Histórico. Foi membro da Academia das Ciências. Foi distinguido com as insígnias das Ordens de Cristo, de Santiago e de Aviz e da Legião de Honra (França).

Nasceu em Lisboa, a 30/1/1824, e aí faleceu, a 16/2/1890. Foi 2º tenente em 1849, passando a professor da Escola do Exército. Foi professor do Instituto Agrícola. Em 1847 foi deputado por Idanha-a-Nova. Em 1866 foi ministro das Obras Públicas, Comércio e Industria, tendo promovido a criação das linhas de caminho-de-ferro do Minho e Douro. Em 1869, seguiu como ministro plenipotenciário de Portugal para Madrid. Em

Lisboa. Foi distinguido com as insígnias das Ordens de Cristo, de S. Bento de Aviz, de Santiago e de Carlos III (Espanha).

José Maria Latino Coelho (Ext/1838)

Nasceu em Lisboa, a 29/11/1825. Faleceu em Sintra, a 29/8/1891. Militar, escritor, jornalista e político, sendo formado em engenharia militar. Foi o melhor aluno do seu curso do Colégio. Foi alferes em 1848, tendo atingido a patente de general de brigada do Estado Maior de Engenharia, em 1888. Seguiu um percurso político que o levou do Partido Regenerador, pelo qual foi eleito deputado, ao Partido Republicano Português, com passagem por um governo do Par-

demia Real de Ciências de Lisboa. Como escritor, foi autor de obras notáveis do foro histórico e ensaística. Foi comendador da Ordem de Cristo e distinguido com a Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada e com a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora de Vila Viçosa.

- Júlio César Machado (Ext/1844)

Nasceu em Lisboa, a 1/10/1835, e aí faleceu a 12/1/1890. Foi aluno do Colégio por pouco tempo, por incompatibilidade com o professor de latim. Ainda como aluno do liceu, começou a escrever o seu primeiro romance, que veio a ser publicado com o patrocínio de Camilo Castelo Branco. Iniciou assim a sua carreira literária. Para ultrapas-

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João Andrade Corvo (Ext/1836). José Maria Latino Coelho (Ext/1838). Júlio César Machado (Ext/1844). Os filhos do Colégio Militar

Os filhos do Colégio Militar

sar dificuldades económicas tornou-se tradutor de peças para o teatro Ginásio, passando também a escrever afanosamente para o teatro e para jornais. Tinha um estilo leve, frívolo e pitoresco que lhe granjeou grande popularidade. Procurava na Lisboa do seu tempo, nos seus habitantes e nos locais e ambientes de boémia da época, os argumentos para as suas obras. Um dos

nente, cumpriu uma comissão de serviço em Angola. Em 1916, ofereceu-se para o Serviço Aeronáutico Militar, então criado. Iniciou a sua formação de piloto em Hendon, Inglaterra, seguindo-se o aperfeiçoamento em Pau, França. Voltou a Portugal, para a Escola Aeronáutica Militar, em Vila Nova da Rainha. Seguiu depois para França, onde integrou a Esquadrilha SPA 55, do Ás

da República. Foi alferes em 1912. Em Outubro de 1915, partiu para Moçambique. Em 1916, quando as forças portuguesas ficaram sitiadas no forte de Nevala, na África Oriental Alemã, apesar de doente, integrou voluntariamente a coluna que foi em seu auxílio. As tropas alemãs retomaram Nevala, atravessaram o rio Rovuma, em Negomano, e penetraram em Moçambique.

seus grandes êxitos foi o seu livro «A vida em Lisboa». Foi membro da Academia de Ciências. Por desgosto devido à morte dramática do seu único filho, pôs termo à vida.

- José Maria de Serpa Pinto (22/1833)

General do Exército. Foi tio de Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto (159/1858), o grande explorador africano que fez a travessia de África de Angola à Contracosta.

- Óscar Monteiro Torres (228/1900)

Nasceu em Luanda, a 26/3/1889. Morreu em França, a 19/11/1917. Foi alferes de Cavalaria em 1910. De 1911 a 1913, já te-

da aviação francesa George Guynemer. Em 18/11/1917, em missão de patrulha aérea com o seu comandante, ao perseguirem dois aviões de reconhecimento alemães, foram atacados por três caças inimigos. Foi atingido, o seu avião despenhou-se e veio a morrer no dia seguinte dos ferimentos sofridos. Foi condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra de 1ª Classe e promovido ao posto de major.

- Viriato Sertório da Rocha Portugal Correia de Lacerda (38/1897)

Nasceu em S .Julião da Barra a 2/1/1887. Faleceu em Moçambique, a 8/12/1917. Ainda cadete, participou na revolta de 5/10/1910, que deu origem à implantação

Viriato Lacerda fazia parte da força que as procurou deter na serra de Mecula. Durante quatro dias de combates, Viriato Lacerda, com a sua bateria indígena de metralhadoras, resistiu até ao limite. Vendo a situação perdida, tentou destruir a metralhadora que lhe restava, para que não caísse nas mãos do inimigo. Foi gravemente ferido, morrendo duas horas depois. Foi enterrado pelo inimigo, com honras militares. A título póstumo, foi condecorado com a medalha de Valor Militar e com a Cruz de Guerra e foi promovido por distinção a capitão.

- João Teixeira Pinto (144/1888)

Nasceu em Moçamedes, a 22/3/1876. Faleceu em Moçambique, a 28/11/1917. Foi

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Óscar Monteiro Torres (228/1900). João Teixeira Pinto (144/1888). Jorge de Sousa Gorgulho (214/1905).

filhos do Colégio Militar

alferes em 1899. Fez repetidas comissões de serviço no Ultramar, tendo ficado conhecido como o pacificador da Guiné. Fez quatro comissões em Angola, de 1902 a 1904, de 1905 a 1907, distinguindo-se no combate aos Cuamatos, de 1907 a 1908, em que integrou as tropas do major Alves Roçadas, de novo no Cuamato, e de 1909 a 1912 em que desempenhou cargos administrativos. Ainda em 1912 seguiu para a Guiné, como Chefe de Estado-Maior, tendo procedido à pacificação das regiões do Óio, do Cacheu, de Mansoa e de Bissau, sendo gravemente ferido em Safim. Regressou à Metrópole em 1915, sendo promovido a major, com dispensa de condições de promoção, face aos serviços prestados na Guiné. Em 1917, seguiu para Moçambique. A 28/11/1917, no comando das tropas que defendiam a travessia do rio Rovuma, em Negomano, foi morto em combate pelas tropas alemãs. Era agraciado com a Ordem da Torre e Espada e com a Medalha de Ouro de Valor Militar.

Nasceu em Lisboa, a 30/11/1894. Faleceu em Moçambique, a 8/9/1917. Em 1916, como alferes de Cavalaria ofereceu-se para o Serviço Aeronáutico Militar. Fez parte do primeiro curso de pilotagem ministrado na Escola Aeronáutica Militar, em Vila Nova da Rainha, que ficou conhecido como o «curso histórico». Demonstrando magnificas qualidades de piloto, obteve o seu brevet de piloto, em Maio de 1917. Em Julho de 1917, segue para Mocímboa da Praia, integrado na Esquadrilha Expedicionária a Moçambique, dotada de 3 aviões Farman F 40. A 7 de Setembro, em Mocímboa, faz o primeiro voo de um português em África. No dia seguinte, no decurso de novo voo, ao fazer uma volta apertada, o avião entrou em perda, esmagou-se no solo, incendiando-se. Retirado ainda vivo dos destroços do avião, morreu cinco horas mais tarde, vitima das queimaduras sofridas.

- Humberto de Ataíde Ramos e Oliveira (154/1899)

Nasceu em Lisboa, a 28/3/1889. Faleceu em Moçambique, a 4/8/1918. Ainda cadete, participou na revolta de 5/10/1910, que deu origem à implantação da República. Foi alferes em 1912. De Novembro de 1914 a Agosto de 1915 combateu nas campanhas do Sul de Angola, com enorme valentia, sendo ferido repetidas vezes, voltando sempre ao combate logo que recuperado. Foi ferido numa omoplata e no pescoço, teve uma coxa trespassada por uma bala, foi ferido na face, ficou com uma mão inutilizada e acabou com uma bala alojada num pulmão. Foi evacuado para Lisboa, onde chegou em Janeiro de 1916. Em Janeiro de 1917, já capitão, está em Moçambique. Em 1918, quando as forças alemãs tinham penetrado em Moçambique, tendo ouvido comentários depreciativos de oficiais ingleses acerca do comportamento das tropas portuguesas, não suportou tal afronta e suicidou-se, com um tiro de pistola, no posto administrativo de Muata (Angoche). Foi promovido, a título póstumo, a major. Era condecorado com a medalha de ouro de Valor Militar e com a Cruz de Guerra de 2ª classe.

Foram assim, os percursos de vida destes «filhos do Colégio Militar», mencionados no diploma de concessão da venera, que foram considerados como justificativos da mesma. Outros poderiam ter sido evocados, pois filhos ilustres do Colégio houve muito mais, ao longo de todo o século XIX e no início do século XX.

Depois da concessão da Ordem da Torre Espada ao Colégio Militar, seguiu-se, durante o século XX e início do século XXI, a concessão das restantes três Ordens Militares portuguesas ao Colégio, bem como a concessão de uma série de outras distinções portuguesas e estrangeiras. Tal não

teria sido possível, se os «filhos do Colégio Militar» do último século não estivessem á altura dos pergaminhos dos seus antecessores. Para esses nossos ilustres irmãos, vai o nosso reconhecimento e a nossa admiração, na esperança de que os mais jovens Antigos Alunos e os actuais Alunos os tomem como exemplos a seguir.

NOTA FINAL:

A maioria das notas biográficas apresentadas baseiam-se nas biografias apresentadas nas obras «O Colégio Militar na Toponímia Portuguesa» e «Colégio Militar, Berço de Grandes Portugueses», da autoria de José Alberto da Costa Matos (96/1950).

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Humberto de Ataíde Ramos e Oliveira (154/1899). Os

O Curso de 1959 Para Memória Futura

O Curso de 1959 Para memória futura

Os três marcos deixados pelo Curso de 1959

A24 de Abril de 2020, o curso de 59 tinha programado a visita ao Colégio para comemorar os 60 anos de entrada na segunda mais velha instituição do país (mais antiga só a Universidade de Coimbra), mas as circunstâncias levaram a adiar o nosso reencontro para o dia em que for possível o regresso ao convívio normal.

Mas é importante aproveitar a ocasião para assinalar três marcos deixados pelo curso de 1959, que viu as suas iniciativas, na altura ousadas, serem prosseguidas por aqueles que nos foram sucedendo, com a esperança que perdurem no tempo, como tantas outras situações vividas por quem o frequentou.

A récita

Reza a tradição que, no final do século XIX, início do século XX, o sexto ano fazia

a Récita e o sétimo o Baile de Finalistas. A primeira tinha deixado de ser feita e o segundo mantinha-se tendo por palco o ginásio por altura das férias do Carnaval.

Em conversa surgiu a ideia de recuperarmos a récita e lançámos mão à obra, sem saber muito bem se havia ou não possibilidade de concretizá-la.

Como sempre as boas vontades surgiram, houve quem escrevesse os textos, quem ajudasse na construção dos cenários e acabámos por levá-la à cena no Teatro D. Luís, só para alunos, oficiais, professores, pessoal do CM e familiares.

Um dos maiores sucessos foi a imitação que o José Bravo Ferreira (204/59) fez do Pina Lopes, nosso professor de Desenho, no sexto e sétimo ano, que mostrou uma enorme satisfação pelo “boneco” que o “Zé” tinha construído e passou o quadro a dizer à mulher: «este sou eu! Este sou eu!»

Hoje em dia, no novo Auditório, as récitas são presenciadas, também, por familiares e amigos e têm mais de

uma sessão, o que só deixa satisfeitos por a termos recuperado, só nos faltando lá colocar a placa para assinalar o acontecimento.

Numa das revistas da Associação, o nosso historiador, Costa Matos, fez um artigo sobre a história da récita e “olvidou” a nossa actuação.

Quando lhe perguntei a razão disse-me que «nos arquivos do Colégio não há nenhuma referência à sua realização».

Sendo impossível recuperar os textos, fica o registo da sua exibição.

O Baile de Finalistas

No nosso sétimo ano, por altura do Carnaval o ginásio estava em obras, o que tornou inviável a realização do Baile de Finalistas.

Alguém sugeriu que o mesmo tivesse lugar nos Claustros, ideia aceite por quem decidia, e lá fomos descobrir ma-

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Atletas

neira de o arranjar, tanto mais que a parede da nova área da Secção Administrativa tinha sido picada e estava a ser reparada.

Para tapar os “estragos” foi colocada uma serapilheira coberta com as fotografias, em tamanho natural, das caras dos finalistas de perfil, com o espaço a céu aberto, que era motivo de preocupação, a ser fechado por faixas largas de pano entrecruzado, com pequenas lâmpadas nos pontos de cruzamento.

O Baile, abrilhantado pelos “Sheiks”, um dos mais importantes conjuntos da época, onde pontificavam o Carlos Mendes, o Fernando Chaby, o Fernando Tordo e o Paulo de Carvalho, e pelo Quinteto Académico, onde pontificava o Mário Assis Ferreira, hoje em dia responsável máximo do Casino do Estoril.

E o êxito foi tão grande que continua a ser feito nos Claustros, o sítio nobre do Colégio, e é uma enorme satisfação sabê-lo.

A Garraiada

organização das corridas de touros na mais importante praça do país, que aceitou a ideia e a 24 de Abril de 1966 “invadimos” a arena e mostrámos as nossas habilidades tauromáquicas.

O Marcelino Nunes, empregado administrativo do Colégio, amante dos touros, treinou o Grupo de Forcados “Não me empurres” , tendo como cabo o João Sampayo (486/58) “El Pira-te” , que teve de pegar dois “comboios” , porque além dos garraios, para nós brincarmos, o engenheiro Samuel Lupi mandou dois bichos mais corpulentos para o filho e o Francisco Sepúlveda (1/63) tourearem.

A Garraiada ficou marcada pelos “Tancredos” protagonizados pelo António Damião e pelo Luís Cruz “Brazuca” (489/58), que tal como o João Sampayo tinha chumbado e vindo para o nosso curso, que estavam, vestidos de branco, feitos estátuas em cima de bidons à espera que os garraios marrassem, e pelo “Puro Sangue de Caneças”, burro montado pelo António Damião para tourear um garraio.

Atletas

No nosso sétimo ano entrou para o Colégio o José Joaquim Lupi (9/65) filho de Samuel Lupi, cavaleiro tauromáquico, e não sei quem teve a ideia de fazer uma Garraiada.

A ideia foi de imediato agarrada e o António Damião (236/59) e o Guilherme Delgado (503/59) e o Abel Soeiro e Sá “Buda” (506/59) e o Capelão Castelão Gonçalves foram, em alturas diferentes, segundo os próprios, ao Campo Pequeno convencer o matador Manuel dos Santos, na época responsável pela

Os mais curiosos poderão encontrar o cartaz da Garraida na parede da “Adega Velha”, restaurante que o Joaquim Bação (77/60), que entrou para o nosso segundo ano, tem em Mourão, que é de visita obrigatória, pela qualidade da comida e pela boa disposição do Engenheiro.

Como a memória é curta, fica aqui o registo, para que os vindouros não esqueçam, das três marcas que o Curso de 1959 deixou no Colégio, com o agradecimento aos que nos sucederam por as continuarem a organizar.

Não sei se algum de vocês foi espectador atento aos feitos deste desporto atlético. Eu fui, à falta de ter sido praticante com um mínimo de relevo. Meu pai distinguira-se em jovem no sprint e no comprimento e talvez isso tivesse tido algum efeito. Em miúdo, segui dia a dia pela imprensa (e depois no cinema) os Jogos Olímpicos de Helsínquia, de Melbourne e Roma, e as proezas do Zatopek, do Oerter ou do Hary, e adorei o filme sobre o Bob Mathias no Parque Mayer, quase na cadeira ao lado do jovem futebolista Mário Coluna, acabado de chegar de Moçambique para o Benfica.

Também gostaria de ter sido decatlonista – na aura do ecletismo da cultura clássica helénica –, mas não tinha um mínimo de condições físicas naturais para o efeito. Bem o “Bi-Luís” Sequeira me ensinou no Colégio Militar os “estilos” californiano e do rolamento ventral no salto em altura, ou a nova técnica do Parry O’Brien no peso, onde terei roçado os 10 metros. Não bastou para que, aí por 1958 ou 59, eu pudesse dar nas vistas do Prof. Moniz Pereira nas provas abertas prepara -

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João Carlos de Oliveira Moreira Freire 246/1953

tórias do “Torneio 1º Passo” no novo estádio de Alvalade. O máximo que consegui foram uns 32m no disco, em campeonatos universitários.

Mas lembro-me muito bem de, talvez na inauguração do campo de futebol junto ao novo Ginásio do Alto da Quinta (do CM), o Calça e Pina (24/1942) aproximar os 40m, que já era um resultado interessante num país em que o record não ultrapassaria os 48, talvez ainda do Herculano Mendes (do Académico do Porto) ou já do seu filho Manuel Mendes (do Sporting).

E julgo que foi na mesma tarde que vibrei com o Noronha Feio (41/1942) (o “Cabeça de cenoura”, não era?) quanto este saltou em altura 1 metro e setenta e seis e meio (note-se o preciosismo), batendo um record nacional, possivelmente da categoria de juniores. Toda a assistência em pé o aplaudiu! Quem sabe o que dele é feito? E relembre-se que a melhor marca nacional absoluta era então de 1,88m, do futebolista “encarnado” Espírito Santo, que começou a saltar por acaso, de botas de futebol e tudo…

De facto, só fui um “atleta de bancada” , mas muitas vezes presente nas provas nacionais e internacionais que se realizavam em Alvalade, no Restelo ou no Estádio Nacional. Lembro-me bem dos emocionantes duelos entre o Valentim Baptista (SCP) e o Fernando Castro (SLB), com o João Coutinho (CDUL) por perto. E como a bancada toda se levantou quando o decatlonista Pedro de Almeida alcançou uns impensáveis 7,62 no comprimento, record que duraria muitos anos a ser ultrapassado. E nas três Universíadas em que participei (como esgrimista) tive a oportunidade de assistir a grandes marcas atléticas, como

o record mundial do salto em altura com 2,25m pelo russo Valeri Brumel em Sófia (1961, tendo eu mesmo feito a reportagem desse evento para o Norte Desportivo , do Gustavo Soromenho) e conviver com alguns deles na “aldeia olímpica” , como foi o caso com o medalhado olímpico cubano Henrique Figueirola.

Mas, entre nós, vocês devem ainda lembrar-se do meu saudoso camarada e amigo Jorge (Almeida d’Eça) Soares (291/1953), o “Mosca” do Colégio e da Escola Naval, que foi co-recordista nacional dos 100 metros com 10,6 segundos e treinava no CDUL sob a orientação do Prof. Eduardo Cunha, que também seguiu outros marujos como o velocista Anjos Andrade ou o decatlonista Soares da Fonseca, da mesma geração. E de tantos outros atletas, como o maratonista José Araújo (boletineiro dos CTT que se queixava de ter de subir aos 5ºs andares dos prédios de Lisboa), do sprinter Tomás Paquete (de quem se contava ter feito rir o estádio olímpico de Helsínquia quando, à voz de “aos seus lugares” , meteu os polegares ao elástico das calças do fato-de-treino… e arriou tudo para baixo, calções incluídos), do Manuel Faria (que Portugal celebrou como um herói nacional quando ganhou duas “São Silvestre” de São Paulo), do minúsculo Aldegalega que o Moniz Pereira levantava nos braços ao final da maratona, do Manuel de Oliveira que surgiu “para experimentar” em Alvalade, nesse ano se tornou recordista nacional da légua (com 14m18,4s) e no seguinte foi 4º nos Jogos Olímpicos de Tóquio nos 3.000 steeple , e tantos outros que nos impressionaram.

Porém, “a maior” de entre os nossos conhecidos terá sido a “preparação especial” (“ó filho, queres Detol?”) que

o meu contemporâneo Correia Branco (232/1948) fez na véspera de um Portugal-Espanha em Alvalade, que o impulsionou decisivamente para a vitória nos 400 barreiras!

Enfim, coisas que já dificilmente se encontram registadas, mesmo na Internet, e que vão morrendo connosco. É a vida. Mas também são graças destas – em tempo de Carnaval confinado – que nos alegram a existência. Em todo o caso, vale mais isso do que o desvario trumpista que anda por aí no nosso futebol!

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Atletas

da Revista "O Colégio Militar"

Paulo Emílio de Brito Aranha (356/1914) 1º Director da Revista "O Colégio Militar"

Paulo Emílio de Brito Aranha (356/1914), que foi o primeiro Director da revista «O Colégio Militar», ingressou no Colégio, no Outono do ano em que teve início a 1ª Guerra Mundial. Era ele o Comandante de Batalhão, no dia memorável, de 3 de Março de 1921, em que foram impostas na Bandeira do Batalhão Colegial as insígnias do grau de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre Espada do Valor, Lealdade e Mérito, a primeira e a mais importante venera com que o Colégio foi distinguido ao longo de toda a sua existência, em cerimónia que tivemos oportunidade de recordar no número 222, de Janeiro/ Março, de 2021, da ZacatraZ. Esta extraordinária distinção, foi justificada no diploma que determinava a sua atribuição, pelos brilhantes feitos ao serviço da Pátria de um conjunto de Antigos Alunos, na circunstância designados por «Filhos do Colégio». Nesse 3 de Março de 2021, muitos «Filhos do Colégio» acorreram à cerimónia realizada no Largo da Luz. Grande parte deles, tinha acabado de participar, como combatentes, na 1ª Guerra Mundial, ostentando nas suas fardas as condecorações por si ganhas em campanha. De generais a alferes, armados com as suas espadas, fizeram guarda de honra à Bandeira do Colégio. Como testemunho deste notável acontecimento, ficaram muitas fotografias, podendo ver-se numa delas, apresentada na ZacatraZ anterior, de Jan/Mar. de 2021, o Aluno Comandante de Batalhão, Brito Aranha, sentado, em posição central, ro-

deado por muitos dos «Filhos do Colégio» das mais elevadas patentes, que tomaram parte naquela cerimónia. A seu lado está o Ministro da Guerra, também ele Antigo Aluno, que impôs a condecoração na Bandeira. Paulo Emílio de Brito Aranha, nasceu em 7 de Junho de 1904, em Lisboa, na freguesia de Belém, sendo filho do jornalista e escritor Pedro Venceslau de Brito Aranha, redactor principal do «Diário de Notícias», e de Maria Amália Teles da Mota de Brito Aranha, domiciliados na Rua de Belém nº 144, em Lisboa.

Concluiu a Instrução Primária em 1914, tendo sido aprovado no exame do 2º grau (antiga 4ª classe).

A admissão de Paulo Emílio de Brito Aranha no Colégio foi antecedida por um episódio dramático, a morte de seu pai, a 8 de Setembro de 1914. Naquele tempo, em que a Segurança Social era quase inexistente e em que as senhoras da burguesia não exerciam qualquer profissão remunerada, a perda do chefe de família era, em geral, um acontecimento de contornos trágicos para o futuro dos órfãos do defunto. No caso de Paulo Emílio de Brito Aranha, valeu-lhe o facto de seu pai ser condecorado com o grau de cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Baseada nesse facto, sua mãe, Maria Amália, fez um requerimento, no início do mês de Outubro, ao Presidente do Conselho Tutelar do Exército de Terra e Mar, para que Paulo Emílio fosse admitido como aluno no Colégio Militar, «não ocupando

nenhum dos lugares para pensionistas ou porcionistas, mas como supranumerário e tutelado do Conselho». O requerimento foi atendido e Paulo Emílio foi admitido no Colégio, como tutelado do Conselho Tutelar, a 20 de Outubro de 1914, presumimos que com o ano lectivo já iniciado.

Durante o seu curso no Colégio, Brito Aranha revelou-se um aluno exemplar, tanto no domínio da aplicação literária, como no domínio da aptidão militar e física. No final dos 1º, 2º e 3º anos foi distinguido com medalha de prata por aplicação literária. No final do 4º ano foi distinguido com medalha de prata

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O 1º Director da revista Paulo Emílio de Brito Aranha (356/1914).

Paulo Emílio de Brito Aranha

1º Director da Revista "O Colégio Militar"

por aplicação literária e palmas de prata por aptidão física. No final do 5º ano foi distinguido com medalha de ouro de aplicação literária. No final do 6º ano com medalha de prata por aplicação literária e palmas de prata por aptidão física e no final do 7º ano, final do seu curso, recebeu um prémio pecuniário de 30 escudos, por aplicação literária. Fruto da sua brilhante carreira escolar, foi graduado logo a partir do seu 4º ano do curso. No início do seu 4º ano (8/10/1917), foi graduado em 2º Comandante de Secção da 1ª Companhia. No final desse ano (26/7/1918), foi graduado em Comandante de Companhia, funções que desempenhou durante o 5º ano e o 6º ano, também na 1ª Companhia. No início do 7º ano (22/9/1920), foi graduado em Comandante de Batalhão, após ter sido louvado, a 18/8/1920, pela forma como tinha desempenhado as suas funções de Comandante de Companhia nos dois anos anteriores.

Na «História do Colégio Militar», de José Alberto da Costa Matos (96/1950), é-nos dada a seguinte imagem de Brito Aranha: «enquanto aluno do Colégio foi sempre um jovem sério, positivo e concreto, com muito pouco ou nenhum sentido de humor, raramente se rindo. Tinha a postura de um líder. Certo dia, ao receber uma prova com dezoito valores de nota, admirou-se: - «Só dezoito!». Do lado, alguém exclamou atónito: «Mas dezoito é muito bom!?». E Brito Aranha, inconformado, adiantou desagradado consigo próprio: «Dois Valores de ignorância?». Num artigo publicado no nº 98 de «O Colégio Militar», de Março de 1953, comemorativo do 150º aniversário do Colégio, António Santa Clara Ferreira (191/1914), que foi o Editor do n.º 1 da revista, dá-nos a seguinte imagem do seu camarada Director do mesmo número:

«O Brito Aranha não era muito propenso à literatura, mas tinha o prestígio de ser um aluno distinto e bem comportado, o que servia para nos acreditar junto do corpo docente. Mesmo escrevendo era sempre bem

comportado; os seus escritos não se perdiam em voos líricos; tinham um ar comedido, didáctico, doutrinário.»

O que terá sido determinante, segundo Costa Matos, para que Brito Aranha se rodeasse de um conjunto de camaradas entusiastas pelas coisas das letras e se abalançasse a lançar a revista, há um século atrás, terá sido o facto de o seu pai ter sido jornalista e de ter um irmão mais velho que trabalhava na área das letras e entendia do sector editorial e gráfico. Concluído o seu curso no Colégio Militar, Brito Aranha seguiu o caminho que era escolhido pela grande maioria dos Alunos naqueles tempos. Escolheu a carreira das armas, ingressando na Escola Militar. Optou pela Arma de Engenharia, tendo concluído o seu curso em 1928, ano em que foi promovido a alferes. Ascendeu depois a tenente, em 1929; a capitão em 1939; e a major em 1946.

O que foi a sua actividade depois da conclusão do seu curso da Escola Militar, é assim descrita por José Alberto da Costa Matos (96/1950), na sua obra «O Colégio Militar na Toponímia Portuguesa».

«Além do curso de Engenharia Militar e Civil da Escola Militar, fez também os cursos de Engenharia Electrotécnica do Instituto Superior Técnico, de Engenharia Radioelectrotécnica da École Superieure de Electricité de Paris e ainda o de Electroacústica da Alemanha, sendo número um em todos os cursos que frequentou, obtendo também os primeiros prémios. Ao longo da sua carreira militar desempenhou os cargos de comandante da companhia de TSF e de director de Laboratório Electrotécnico Militar.

Tornou-se um notável especialista de sonorização de filmes, tendo desempenhado o cargo de director técnico de som da produtora «Tobis Portuguesa».

Efectuou numerosas visitas de estudo a muitos países da Europa, à América do Sul e a África. Tomou parte como delegado do Ministério das Obras Públicas, na conferência Telegráfica e Rádio telegráfica Internacional de Madrid, em 1932 e, como delegado do Ministério

da Guerra, no Comité Consultivo Internacional das Radiocomunicações, Lisboa, em 1934.

Em 1931, foi membro do júri da Exposição Colonial Internacional de Paris.

Em 1938, foi engenheiro - chefe da Missão Cinegráfica às colónias de África.

Efectuou numerosos e excelentes trabalhos técnicos, salientando-se os projectos e estudos de TSF e de electroacústica para utilização militar e civil.

Até 1929 dedicou-se também à literatura e critica mas, depois, as suas múltiplas actividades como engenheiro absorveram-no de tal forma que o impediram de prosseguir, tendo porém colaborado na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e no Diário de Notícias, bem como em diversos jornais e revistas técnicas.

Publicou: Teoria das Oscilações Radioeléctricas, em 1932; Questões Rádioeléctricas em 1934; Sistema de Registo Acústico Eurocord, em 1933; Filosofia Elementar da Rádio, em 1933; Instruções Técnicas do Pessoal Telegrafista, em 1935 e Material de Transmissões da Brigada de Cavalaria, em 1937.

Foi membro efectivo da Ordem dos Engenheiros e também da Comissão Permanente de Peritos em Radiocomunicações do Ministério das Obras Públicas. Faleceu a 27 de Janeiro de 1951. Era agraciado com o grau de oficial da Ordem Militar de Avis e com a Ordem de Le Étoile de Anjouan (França)».

A imagem que nos é dada por esta descrição, é a de um homem excepcionalmente dotado sob o ponto de vista intelectual, ávido de saber, de enorme capacidade de trabalho e de múltiplos interesses. Infelizmente, ao morrer prematuramente, apenas com 47 anos, não teve oportunidade de dar ao País muito daquilo que seguramente teria ainda para oferecer.

Honrou a Casa que o educou.

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A
Redação

Centenário da Revista «O Colégio Militar»

Centenário da Revista «O Colégio Militar»

No passado dia 11 de maio de 2021, comemorou-se no Colégio, com uma cerimónia singela, mas de grande significado, o centenário da publicação da revista «O Colégio Militar».

A cerimónia foi condicionada pelas normas sanitárias impostas pela pandemia, o que obrigou a que a assistência à mesma estivesse reduzida a um mínimo.

A cerimónia teve lugar nos Claustros, sendo presidida pelo Major-General Director de Educação do Exército.

A abrir a sessão actuou um conjunto de cerca de uma dezena de alunos/as componentes da orquestra colegial. A actual orquestra pode-se considerar a sucessora da orquestra fundada no ano de 1901, no tempo em que o Colégio foi dirigido pelo inesquecível director José Estevão de Morais Sarmento. Essa orquestra foi extinta em 1938, por falta de condições para continuar a sua actividade, mas tem agora uma digna sucessora.

O conjunto começou por tocar um «medley» de músicas clássicas, para de seguida tocar uma marcha da autoria do Antigo Aluno 79/1903, Castro e Sousa, dedicada ao Colégio Militar. A marcha foi cantada por um pequeno grupo de alunos/as e pelo professor Nuno Maria Gomes Marques (230/1966) Para finalizar a curta sessão musical, o conjunto acompanhou os cantores num fado também dedicado ao Colégio. A aluna mais velha que cantou impressionou-nos pela sua bela voz e pela segurança na sua actuação. Seguiu-se uma curta alocução do Director do Colégio que lembrou que, a 11 de Maio de 2021, se estava a publicar o número 246

da revista «O Colégio Militar», exactamente no dia em que se perfazia um século sobre a publicação do seu número um. Indicou que se estava também a publicar um catálogo relativo a todos os artigos publicados na revista ao longo desse século e que eram emitidos um selo e um postal comemorativos da efeméride, pelos CTT – Correios de Portugal. Salientou, de seguida, a presença na cerimónia de um familiar do aluno 356 de 1914, Paulo Emílio de Brito Aranha, que foi um dos fundadores e o primeiro director da revista, no ano de 1921, agradeceu a presença do Antigo Aluno Comandante de Batalhão mais antigo António Correia de Aguiar (178/1944), também ele director da revista, no ano lectivo de 1950/1951 e saudou o actual director da revista o aluno

Comandante de Batalhão Bernardo José Nazaré Correia Lopes (338/2013). Terminou a sua intervenção agradecendo à equipe que, sob a orientação e coordenação do Subdirector do Colégio, trabalhou diligentemente, durante cerca de seis meses, na preparação do número da revista comemorativo do seu centenário, salientando o papel nesta missão desempenhado pelo Professor Marco Fortunato Arrifes. Tomou de seguida a palavra o Aluno Comandante de Batalhão, para fazer a apresentação da revista do centenário. Começou por lembrar palavras do editorial do número um da revista, escrito pelo seu primeiro director Brito Aranha, para depois explicar a razão pela qual esta revista tinha esta longevidade extraordinária. Terminou

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A Orquestra Colegial e a assistência à cerimónia.

Centenário da Revista «O Colégio Militar»

afirmando que a revista reflecte a história do Colégio durante o último século, constituindo como que a sua autobiografia. Terminou salientando a necessidade de continuar a preservar a revista no futuro. Foi depois a vez de o Professor Marco Fortunato Arrifes falar acerca da história da revista, tendo focado a sua intervenção nos dois seguintes pontos: longevidade da revista e

mente as determinantes da vida colegial; as relações entre os alunos, as relações entre os alunos e os oficiais, os uniformes, a alimentação, as tradições e outras. Salientou, que na sua análise da revista ao longo dos tempos, encontrou cerca de 250 artigos relativos a camaradagem, o que é muito significativo. Terminou lembrando que o Colégio ficou agora a dispor de uma colecção com-

Terminámos esta agradável tarde de confraternização, fazendo um giro de observação dos placards dispostos nos Claustros, comemorativos dos 100 anos da revista. Esperamos no próximo número da ZacatraZ publicar fotos desses placards, que merecem ser vistos.

temáticas abordadas na mesma. Começou por homenagear os sete alunos que há um século fundaram a revista, para de seguida sublinhar que esta constitui um caso raro de longevidade. É um caso único em instituições de ensino em Portugal, havendo no Mundo poucos casos similares, mas em estabelecimentos de ensino superior anglo-saxónicos. Quanto aos conteúdos da revista, sublinhou o papel determinante dos alunos na redação da revista, até à década de 50 do século passado, sendo que, a partir dos anos 60, a revista começou a publicar-se quase que só uma vez por ano, passando a ser algo do tipo de um anuário. Ao longo dos anos nota-se a evolução da sociedade e do Colégio, mas nota-se também que os valores permanecem. As temáticas abordadas são basica-

pleta da revista toda encadernada e de um catálogo de todos os artigos publicados na mesma, que foi obra exclusiva dos alunos.

Seguiu-se a apresentação do postal e do selo emitidos pelos CTT – Correios de Portugal, comemorativos do centenário da revista. A apresentação foi feita pelo Dr. Raul Moreira, que deliciou a assistência com a descrição do início do uso de selos no mundo e em Portugal. Concluída a apresentação, procedeu-se à imposição de carimbos do primeiro dia em conjuntos de postais disponíveis. A cerimónia finalizou com a oferta de lembranças ao representante da família de Brito Aranha, ao mais antigo Comandante de Batalhão presente e ao actual Comandante de Batalhão, na sua qualidade de actual director da revista.

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O Director de Educação do Exército, o Director do Colégio, o representante dos CTT e o Aluno Comandante de Batalhão. O Comandante de Batalhão no uso da palavra. A Redacção. O Director do Colégio impondo o carimbo do 1º dia de circulação do postal.

Os australopitecos

INTRODUÇÃO

Uma boa solução para localizar no tempo alguns acontecimentos ocorridos num passado não recente – quando ‘fazer as contas’ dá muito trabalho e às vezes pode suscitar alguma discussão – é utilizar a ‘dezena de anos’ como unidade de medida temporal.

Eis um exemplo: ‘Há umas dezenas de anos’ uma das minhas sobrinhas adolescentes tinha um aspecto e um comportamento por vezes tão estranhos que – ‘à boa maneira do nosso Colégio’ – lhe pus uma ‘alcunha carinhosa’: a ‘Australopiteca’.

Não por qualquer problema relacionado com a sua inteligência, mas simplesmente pela sonoridade estranha e articulação ginasticada necessária para pronunciar a palavra ‘Australopiteca’ e porque, sem me preocupar com os dicionários, a palavra produzia em mim a noção de que se tratava de alguém fora do comum, embora simpática. Como tal, utilizei-a durante uns anos, normalmente em comentários que qualificavam, com carinho, comportamentos anormais e de difícil compreensão para um adulto como eu – e que no ‘meu’ dicionário imaginário – podiam provir de um... ’Australopiteco’. Ela cresceu,

tornou-se adulta e como abandonou os comportamentos que tinham provocado a adjectivação de ‘Australopiteca’ , eu praticamente deixei de usar este termo.

No entanto ele ficou na minha memória e ainda hoje em dia o utilizo para qualificar ou simplesmente referir comportamentos anormais (que até podem parecer irracionais e/ou idiotas) tendo-lhe no entanto retirado os sentimentos de carinho e simpatia que neles incluia há umas dezenas de anos. Confesso que a crise que atravessamos desde há um ano com a pandemia do ‘Vírus Chinês’ , me tem provocado muitas vezes a ‘utilização-desabafo’ (para aliviar o stress ) de um comentário para qualificar alguns dos autores de certas declarações e/ou decisões que são anunciadas:

...’Parecem mesmo uns Australopitecos’...

E, relembrando o que acabei de descrever, decidi investigar o que se conhece da evolução dos ‘Hominídeos’ , e dentre todos eles, especificamente dos ‘Australopitecos’ e dos seus distantes ‘primos’ (no futuro), os ‘Homens de Neandertal’ (os Neandertais).

ERRATA: OS DIAS DA SEMANA

No último número da nossa revista publicámos mais um dos interessantes e sempre imprevisíveis artigos, do nosso colaborador assíduo António Franco Preto (67/1950), intitulado «Os nomes dos dias da semana (e não só)». Por razões desconhecidas, esse artigo saiu com um grave erro, ao qual o seu autor é completamente alheio. No Quadro 1 do artigo, são apresentados os nomes dos dias da semana em 5 línguas latinas diferentes, sendo uma delas o próprio latim. A última coluna do quadro, correspondente ao sábado, o último dia da semana, é a que está errada. Apresentamos de seguida a correcção que é devida.

LATIM:

Onde se lê Veneris, leia-se Saturni.

ITALIANO:

Onde se lê Saturni, leia-se Sabato.

FRANCÊS:

Onde se lê Sabato, leia-se Samedi. Os termos em espanhol e em português estavam correctos.

Felizmente que a situação de pandemia que atravessamos limitou drasticamente as viagens, caso contrário alguns dos nossos leitores poderiam ter passado por situações bizarras. Imaginem-se a desembarcar de um avião, a um sábado, em Paris-Orly e a dizerem para um funcionário local, que era «sabato». O homem pensaria logo que estava em presença de mais um despistado, que se tinha enganado e em vez de ter tomado o avião para Roma, tinha apanhado aquele para Paris, por estar mais há mão. Pior seria o que desembarcasse ao sábado em Roma e dissesse que era «saturni», aí pensariam que era um americano, completamente básico, que para se preparar para a sua viagem a Itália, se tinha inscrito na «Berlitz», num curso rápido de latim, pensando que era essa ainda a língua alí em uso. Bendita pandemia, que nos salvou de qualquer uma destas situações embaraçosas.

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Os Australopitecos

A EVOLUÇÃO DOS HOMINÍDEOS

Os Hominídeos são uma família de mamíferos eretos, primatas bípedes, onde se inclui o homem actual (Homo Sapiens – ‘Homem Sábio’ ), juntamente com várias formas ancestrais e relacionadas entre si, já extintas. Algumas classificações recentes também incluem nos Hominídeos, os grandes símios (orangotangos, gorilas e chimpanzés).

Os Hominídeos existem na Terra desde há cerca de 7 milhões de anos e estima-se que há uns seis milhões de anos, a linha evolutiva que deu origem ao homem, se separou da dos chimpanzés.

Em ordem de parentesco genético com o homem actual, os chimpanzés são os mais próximos de nós, seguidos pelos gorilas e pelos orangotangos (mas todos os Hominídeos têm pelo menos 97% de semelhança genética com o homem actual).

NOTA INICIAL:

O ‘Homo Sapiens’, que é a mais recente - e a única espécie animal de primatas bípedes do género Homo actualmente existente - surgiu, segundo evidências arqueológicas publicadas em 2017, há cerca de 300 mil anos.

OS AUSTRALOPITECOS

Os Australopitecos mediam de 1m a 1,5 m, pesavam entre 30 a 50 quilos e viveram no nosso planeta entre 4 milhões de anos e 1 milhão de anos antes da nossa era actual.

O cérebro da maioria das espécies de Australopithecus conhecidas era 35% menor que o do ‘Homo sapiens’ e o seu crânio não significativamente maior que o de um chimpanzé atual.

O Australopithecus sediba foi um hominídeo que viveu na Terra há mais de 2 milhões de anos, com algumas características de chimpanzé – balançava-se em árvores -- e outras de humanos -conseguia fabricar ferramentas e andar

ereto. Segundo um estudo publicado na revista ‘Science’, ele “é, provavelmente, o ancestral que levou ao aparecimento do género Homo”, do qual nós, humanos modernos, fazemos parte.

Em 2008 foram descobertos em Malapa, na África do Sul, por Lee Berger, professor da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo, dois esqueletos parciais fossilizados do Australopithecus sediba. No mesmo local foram encontrados mais de 220 ossos de pelo menos cinco indivíduos, entre os quais alguns de crianças, jovens e adultos.

Além das mãos (o Australopithecus sediba tinha um polegar extralongo e dedos fortes, que teria usado para fabricar ferramentas), o estudo do professor Berger incluiu o pequeno, porém avançado cérebro do Australopithecus sediba, a sua pélvis, que reflete uma postura ereta, e um conjunto único de pé e tornozelo que “combina características dos macacos e dos seres humanos num único pacote anatómico”.

“A sua mão revela uma surpreendente mistura de características que não

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Uso de Ferramentas Uso do Fogo Mão direita duma fêmea australopiteca comparada com a de um humano actual.
Os Australopitecos

teríamos previsto que pudessem existir numa mesma mão”, disse uma das cientistas, Tracy Kivell, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, Alemanha.

“Tem um polegar longo, mas é surpreendente que este polegar seja ainda mais longo do que os que vemos nos humanos modernos”, comentou.

“O punho estava mais bem preparado para suportar cargas maiores, quando por exemplo usava ferramentas” e tinha dedos longos, fortes e estreitos, “capazes de agarrar com força”, acrescentou.

“Esta morfologia sugere-nos, que provavelmente ainda usava as suas mãos para subir às árvores”, afirmou. “Mas é provável que também fosse capaz de executar as manobras de precisão que acreditamos ser necessárias para fabricar ferramentas de pedra”, concluiu Tracy Kivell. ‘Lucy’ , a Australopiteca mais célebre

• ‘Lucy’ é um fóssil de Australopiteco com cerca de 3 milhões de anos, descoberto em 1974 pelo professor

Donald Johanson, um americano antropólogo e curador do museu de Cleveland de História Natural e pelo estudante Tom Gray, em Hadar, no deserto de Afar, na Etiópia, quando uma equipe de arqueólogos fazia escavações. Este fóssil foi denominado como ‘Lucy’ por causa da canção “Lucy in the Sky with Diamonds” da banda britânica ‘The Beatles’, que era muitas vezes ouvida num gravador no acampamento (e por ser o fóssil duma fêmea).

• Anteriormente, em 1924, na África do Sul, o pesquisador australiano Raymond Dart tinha descoberto um crânio com tamanho intermediário entre o dos humanos e o dos chimpanzés e denominou a nova espécie como um “Australopiteco” , que significa “macaco do sul” .

A reconstituição do esqueleto da Australopiteca ‘Lucy’ permitiu apontar algumas das principais características dos Australopitecos:

• Dentes mais ‘humanos’ que os das criaturas anteriores;

• Mandíbula começando a ter a forma parabólica humana;

• Bipedalidade;

• Cérebro em evolução para o que possuímos actualmente.

Considera-se que os Australopitecos se extinguiram há cerca de um milhão de anos, eventualmente como consequência dum arrefecimento do planeta e/ou do aparecimento duma população mais evoluída de hominídeos.

Sendo ‘Lucy’ a Australopiteca mais célebre (arqueologicamente) ela não é a mais atraente! De maneira nenhuma... eh eh eh!

Em 2014, Scarlett Johansson protagonizou um filme francês de entretenimento puro, de acção num ambiente de ‘ficção científica’ (e de grande sucesso comercial, com receitas que mais que decuplicaram o seu orçamento) que explora o “mito de que o uso do cérebro humano está actualmente limitado a não mais de 10% da sua capacidade teórica” e a tese de que a utilização da plena capa-

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‘Lucy’, a Australopiteca mais célebre (Reconstrução facial e corporal).
Os Australopitecos
Como diriam os Ingleses: ‘Nice turnaround touch ... very nice’!

cidade cerebral de um indivíduo, resultaria em poderes e habilidades sobre-humanas (Scarlett Johansson vai – no filme – aumentando progressivamente a utilização da sua capacidade cerebral). Na parte final do filme dá-se o retrocesso temporal da protagonista para a época dos Australopitecos e – antes de se ‘desintegrar’ – Scarlett Johansson toca num dedo da Australopiteca ‘Lucy’, transferindo para ela uma ‘centelha de inteligência’ (unidade de medida de inteligência que acabei de criar...) que ‘explica’ o posterior desenvolvimento e evolução dos Australopitecos até ao ‘Homo Sapiens’ (Homem Sábio) actual.

O HOMEM DE NEANDERTAL

O Homem de Neandertal (Homo neanderthalensis) é uma espécie ancestral

Comparação (crânio e esqueleto) do Homem de Neandertal com o Homo sapiens. Comparação dos crânios dum Homem de Neandertal (esquerda) e dum homem actual (direita).

humana extinta que surgiu há mais de 400 mil anos na Europa, no Médio Oriente e na Península Ibérica e ‘desapareceu’ há uns 30 mil anos (Neandertal é o local na Alemanha onde os seus primeiros fósseis foram descobertos).

O Homem de Neandertal, à semelhança do Homo Sapiens , seu contemporâneo , tinha técnicas rudimentares de sobrevivência, bem como a capacidade de se organizar em sociedade, possuía instrumentos feitos de pedra e inclusivamente utilizava ‘adereços de moda’ , sendo também responsável por algumas pinturas rupestres encontradas em Espanha.

NOTA:

O Homo sapiens e o Homem de Neandertal terão ‘convivido’ na Terra durante uns 300 mil anos (até à total extinção deste último).

O Homem de Neandertal compartilha com os humanos atuais, mais de 99 % do seu DNA revelando no

O esqueleto da esquerda é o de um Homem de Neandertal e o da direita é de um homem actual.

entanto diferenças morfológicas bastante significativas. A sua cultura material já era relativamente ‘avançada’ em alguns aspectos. Além de ferramentas, também usava o fogo, caçava para sobreviver e já cuidaria dos doentes.

Há inclusivemente quem nele reconheça a existência de algumas capacidades estéticas e espirituais percursoras das do homem atual, malgrado ser visto no imaginário popular como um ser grosseiro e pouco inteligente, de maior robustez física que o homem atual e com um cérebro um pouco mais volumoso (o cérebro do Homo sapiens tem um tamanho médio de 1 400 cm³, enquanto o dos Neandertais chegava a ter cerca de 1 600 cm³).

Progressos feitos nas áreas da arqueologia pré-histórica e da paleoantropologia, posteriores à década de 1960, descrevem o Homem de Neandertal como um ser com uma certa cultura material, no entanto subestimada por uns e sobreestimada por ou -

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Os Australopitecos

tros (o consenso científico raramente pode ser obtido sem limitar a evolução da própria ciência, e por isso, muitas questões carecem ainda de uma resposta conclusiva, sobretudo as relacionadas com a sua extinção).

A EXTINÇÃO DO HOMEM DE NEANDERTAL

mem de Neandertal teria uma inteligência prática de baixo teor, embora pouco se saiba quanto à sua organização corporal interna, fisiológica e neurológica. Não obstante, estudos realizados em 2017, comprovaram que o Homem de Neandertal detinha bom conhecimento das plantas medicinais e das suas propriedades anti-inflamatórias e analgésicas, utilizando antibióticos* milhares de anos antes de ser descoberta a penicilina.

*Definição de Antibiótico (do grego αντί - anti + βιοτικόςbiotikos, “contra um ser vivo” ) é qualquer medicamento capaz de combater uma infecção causada por microorganismos que causam infecções a outro organismo. Não destrói os vírus (como agora certamente ‘já todos sabemos’ ).

Os indícios encontrados no nosso planeta ajudaram a estabelecer com alguma certeza que a extinção destes “nossos primos” – ocorrida há uns 30 mil anos – aconteceu durante um período de rápidas flutuações climáticas e coincidiu com com a chegada do Homo Sapiens à Europa. No entanto, determinar dentre todos os factores possíveis (incluindo as migrações

dos Neandertais e do Homo Sapiens , as suas interações e a ocorrência de eventuais reproduções cruzadas), qual foi a causa dominante de algo que aconteceu no passado, continua a ser um dos maiores desafios da antropologia evolutiva.

Os conhecimentos actuais de matemática, genética e antropologia, o recurso à arqueologia e a utilização de supercomputadores, permitiram construir modelos considerados relativamente fiáveis para explicar a ‘rápida’ extinção do Homem de Neandertal (e a conclusão mais bem aceite é a de que o Homo Sapiens tinha técnicas de caça mais aperfeiçoadas e – ao competir pelos mesmos recursos alimentares – poderá ter provocado a aniquilação do seu ‘primo’ , o Homem de Neandertal).

Foram descobertas evidências fósseis de que os Homens de Neandertal viviam em locais dispersos e com características geográficas e climatéricas específicas, como por exemplo, em Gibraltar (e as evidências genéticas sugerem que os Neandertais viviam em “conjuntos populacionais reduzidos” , o que não constitui um factor positivo relativamente à propagação duma espécie).

As causas da extinção do Homem de Neandertal não estão totalmente esclarecidas. Existem várias hipóteses baseadas no pressuposto duma ‘luta permanente’ com o Homo sapiens , que se terá revelado mais eficaz na sobrevivência da sua espécie e alguns investigadores consideram que o Ho - Reprodução

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duma família ‘Neandertal’ (Field Museum of Natural History at Chicago, Illinois, USA). Reconstrução facial de homem e mulher Neandertais(Smithsonian Museum of Natural History).
Os Australopitecos

A ocupação de Gibraltar pelo Homem de Neandertal foi identificada pela primeira vez em 1848, com a descoberta do primeiro crânio de um Neandertal adulto. Desde então, foram encontrados ossos de mais sete indivíduos, bem como inúmeros artefatos que usavam em seu quotidiano, como ferramentas, restos mortais de animais e conchas.

É possível datar cada descoberta com base no local onde foi encontrada. Dentro da caverna de Gorham , existiam muitos metros de camadas de sedimentos, representando cada camada um momento diferente no tempo geológico.

Os restos fósseis descobertos nessas camadas sugerem que os Neandertais localizados em Gibraltar ocuparam a caverna durante mais de 100 mil anos e (de acordo com a datação de uma das camadas de sedimentos) podem ter vivido nessa região até há cerca de 30 mil anos. Isso indica que essa área foi provavelmente um dos últimos lugares conhecidos habitados por Neandertais.

Enquanto a parte da frente da caverna de Gorham é relativamente aber-

ta, banhada por luz solar e com vista direta para o oceano, a parte de trás é mais escura e divide-se em várias câmaras. Estas cavernas permanecem frescas no verão e levemente quentes nos meses mais frios, o que as torna perfeitas para descansar e ficar a salvo de predadores.

“Temos sorte de que, em Gibraltar, por causa dos seus penhascos íngremes, as evidências permaneceram intactas, não tendo havido a invasão do mar”, disseram os especialistas.

Um estudo efectuado em 2013 descobriu que o Homem de Neandertal possuia um osso hióide que funcionava como o nosso (este osso suporta a musculatura na base da língua e é fundamental para a capacidade de utilizar uma qualquer linguagem como meio de comunicação). Tendo em consideração que a capacidade de usar uma linguagem é uma das características fundamentais da raça humana, se o Homem de Neandertal possuía uma linguagem -mesmo que rudimentar- então deveremos concluir que, verdadeiramente, eram humanos.

Talvez até tenham ensinado algumas coisas ao Homo Sapiens e o facto comprovado de que o Homem de Neandertal enterrava os seus mortos, representa um ritual cultural que evidencia que ele tinha comportamentos simbólicos complexos, igualmente adoptados pelo Homo Sapiens.

A realidade é que o Homem de Neandertal desapareceu, mas largas partes do seu genoma residem em nós. Deixou pois o seu selo na humanidade actual.

E , como agradecimento por me terem lido, termino esta ‘digressão’ com uma imagem ‘filosófica’ ... e uma imagem pode valer mais de mil palavras!

Fiquem bem. Até à próxima.

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Os Australopitecos

A Viagem do Allegro Tahiti – Moorea-Raiateia

Allegro Tahiti – Moorea-Raiateia

Depois de onze dias e seis horas em terra, a 30 de Abril, como estava previsto, largámos de Tahiti para a ilha de Moorea, saindo pelo «passe» de Papeete, usando o canal Faa.

É um canal seguro, bem balizado, ao longo da pista do aeroporto e de fácil acesso da marina de Taina, onde ficou o Allegro durante a nossa estadia. Como navegávamos dentro do lago e do recife, as águas esta-

vam calmas, mas após termos transposto a barra, a ondulação passou para um metro, metro e meio, por través, sendo um autêntico twist again, até Moorea. Mesmo com este movimento agitado, a cozinha não fechou! Preparei um almoço para 100 milhas, apesar da distância para Moorea serem apenas 19. Saíram uns bons bifes da vazia, com molho de savora, um arroz «malandro» de tomate e salada do mesmo. Tudo isto foi acompanhado com cer-

veja local, Hinano. Fiquei admirado, porque em Tahiti havia três qualidades de cerveja à pressão – branca, preta e loura!!! Nada melhor, quando não há racismo!!! Estávamos em França…

A distância é curta, foi feita a motor, em quatro horas. O acesso a Moorea tem vários «passes» para o lago, nós enfiámos pelo terceiro, o de Tareu, com acesso direto para Opunohu Bay, onde ficámos fundea-

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António Rui Prazeres de Castilho
147/1948

A Viagem do Allegro Tahiti – Moorea-Raiateia

dos, mesmo ao pôr do Sol. A entrada não ofereceu dúvidas, nem cuidados especiais, porque no preciso momento que apontávamos ao «passe», ia a sair um enorme paquete de turismo. A noite foi calma, silenciosa, com as luzes das casas a refletir na água da lagoa e a lua cheia a iluminar toda a ilha. Nestas paragens amanhece muito cedo,

sítio onde era possível comer naquela baía! Já no barco não perdemos a oportunidade de tomar um bom e prolongado banho de mar, com água a 28º.

No dia seguinte, dia 02 de Maio, com uma estadia de um dia e quatorze horas, largámos para a ilha de Huahine, ainda no Arquipélago Sociedade, a 85 milhas de

mar apresentava-se com uma ondulação muito forte-vaga larga, alternando com rasgada, de quatro a cinco metros, dificultando a progressão e o governo do Allegro As condições melhoraram à medida que nos afastávamos da ilha, tendo navegado toda a noite. Fizemos a aproximação à ilha de Huahine pelo Norte, mas tivemos que deixar amanhecer, o que aconteceu pelas

levantei-me com o sol a nascer, tendo à minha frente a ilha, montanhosa, muito verde e recortada – uma maravilha! Enchemos o dinghy e fomos tentar explorar a baía, que verificámos ser imensa e profunda. Do Allegro não se fazia ideia do seu tamanho. Regressámos e no caminho demos reboque aos tripulantes do Exocet Strike, que tinham o motor do dinghy avariado. O almoço foi em terra, no Snackbar Chez Fifi, único

distância. Quando levantámos ferro não tivemos problemas com os corais, nenhum veio agarrado, acidente que acontece com muita frequência nestas ilhas, por muito cuidado que se possa ter quando o lançamos. Como as águas são muito límpidas, à primeira vista, o reconhecimento deveria ser fácil, mas há muitos corais que se encontram implantados debaixo da areia. Depois de deixarmos o interior da lagoa, o

5.30, para verificar as condições e o local de entrada. Entretanto, o vento entrou de leste tornando a passagem muito desabrigada. Abandonámos a ideia de visitar Huahine e rumarmos a Raiateia e Tahaa, duas ilhas que ficam no mesmo lago.

Depois de um dia e quatro horas de navegação, chegámos às quatro horas a Raiatea, no dia 03 de Maio, entrando na Marina de Apooiti. Quem chega do mar gosta de encon-

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Foto nº1 Entrada em Moorea. Foto nº2 Paisagem de Moorea Foto nº3 Mar à saída de Moorea Foto nº4 Por do Sol espelhado.

A Viagem

do

Allegro Tahiti – Moorea-Raiateia

trar marinas bem organizadas, onde não falte uma receção simpática, com um bom serviço de informações, limpa, casas de banho impecáveis, água, luz e de preferência com WF. Esta era realmente boa e com um restaurante de grande qualidade, o Voile D`Or. Depois das arrumações habituais no interior do Allegro e uma refrescadela com água doce por fora, fomos tratar de nós,

dispensável para nós, não só para levantar dinheiro como para carregar o telemóvel. Encontrámos várias tripulações amigas e combinámos um jantar no Raiatea Lodge Hotel. Foi um jantar requintado e divertido. Sempre que se junta este grupo, a boa disposição é contagiante e passam-se momentos de ótimos.

Dia 5 de Maio, estava agendado um pas-

meira paragem foi num local de cultivo de ostras, onde assistimos às principais operações para a sua produção. A segunda etapa foi na abertura da lagoa, com uma corrente de água razoável, que nos levava, sem ser necessário nadar. Apenas com o equipamento de um tubo e uma máscara, para fazer snorkeling, passámos por um verdadeiro e gigantesco aquário!

para ir ao restaurante da Marina. Como estávamos um pouco fatigados, declinámos o convite para jantar com os nossos amigos, preferindo fazer uma refeição mais sossegada e tranquila no Voile D´Or – valeu a pena.

No dia seguinte, a alvorada foi cedo. Apesar das casas de banho do Allegro serem muito boas, quando estamos em terra e os balneários das marinas são impecáveis, usamos estas instalações. Foi o que aconteceu desta vez, mas com um pequeno contratempo-o Luís abriu os albóis do camarote e enquanto estávamos nas casas de banho, caiu uma chuvada torrencial que lhe encharcou tudo. Nestas paragens tropicais não se pode confiar no bom tempo que está no momento, pois em segundos, tudo muda! Resolvido o problema, acabámos por almoçar a bordo para depois ir visitar a capital Uturoa É uma terra pequena com um bom cais para ferry e um mercado de flores, típico da Polinésia, Hotel e Multibanco, peça in-

seio a Tahaa, se não fosse o acidente que tive. Ao descer do barco com as duas mãos ocupadas, fixei mal a mão que segurava o brandal e caí desamparado, de costas, no cais de cimento, batendo com a cabeça no chão. Levantei-me, julgando não ser nada de grave, só depois quando o sangue começou a escorrer para o pescoço é que dei conta que as coisas não estariam tão bem como julgava! Chamei o Luís Adão que verificou a ferida e através da receção da marina, foi chamada uma ambulância que nos levou para o hospital. Fui bem atendido, rapado e cosido com vários pontos, pelo médico de serviço e com a supervisão do Luís que nunca deixou de me acompanhar. Eu que me movimentava no barco sempre com todos os cuidados, aquele momento de desatenção foi fatal.

Dormi bem, sem dores, por isso arrancámos para um passeio turístico à ilha de Tahaa, numa lancha rápida. A pri-

Vimos corais de todas as cores, peixes de todos os feitios e uma flora inimaginável. Um espetáculo inesquecível!

A visita seguia o seu programa e a paragem seguinte foi numa plantação de baunilha. Foi-nos explicado o processo do seu cultivo, armazenagem da vagem e os produtos que se podem fabricar, como açúcar baunilhado, mel com baunilha e muitos outros. A próxima paragem foi para o almoço num variado snack de comida local muito saborosa: salada de peixe cru, carnes de galinha, porco e vaca, mahi mani que é a nossa dourada, arroz, e fruta pão, que eles comem em substituição da batata. O guia preparou um delicioso batido de frutas com rum – que apelidei de Poncha Caribenha. A minha cabeça não acusou qualquer ponto fraco. Foi um dia bem passado, cheio de atrações novas, para nós, europeus. ……E SIGA A MARINHA……

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Foto nº5 Coroas de flores, típica da Polinésia. Foto nº6 Operação numa ostra com vista à sua produção.

O teu futuro…

Como já foi referido (ZacatraZ, nº 218, JAN/MAR2020), enquadrado numa das linhas de ação do programa da atual Direção da Associação, orientada para a “aproximação entre os Antigos Alunos e os Futuros Antigos Alunos”, em conjugação com o objetivo do Colégio em promover “uma iniciativa que possibilite aos alunos a convivência direta com a realidade do mundo empresarial”, foram organizados, em Janeiro de 2020, uma série de estágios onde 47 alunos, dos 11º e 12º anos, tiveram contactos diretos com 23 áreas profissionais.

Perante o sucesso desta iniciativa, (“ZacatraZ” n.º 222, JAN/MAR 2021), tudo foi feito para levar a cabo uma nova edição de estágios em Janeiro de 2021, que iriam proporcionar a 64 alunos, dos 11º e 12º anos, contactos com 13 áreas profissionais. Se a fase de planeamento já foi condicionada pelas limitações determinadas pela pandemia, que nos tem vindo a condicionar, o agravamento da situação sanitária determinou o cancelamento daquelas iniciativas viradas para o apoio da orientação profissional dos alunos envolvidos.

Apesar deste contratempo, o Colégio e a Associação mantiveram o seu empenho em manter esta linha de trabalho ativa. Não sendo possível, por imposi-

ção do calendário académico, equacionar o adiamento dos estágios para uma data posterior, a concentração dos esforços foi reorientada para a realização de “encontros” entre Antigos Alunos, profissionais da mesma área, e alunos, potenciais candidatos a prosseguirem os seus estudos nessa área, que seriam materializados, dependendo da evolução das medidas de confinamento em vigor, ou, preferencialmente, em sessões presenciais ou, caso tal não fosse possível, com recurso ao sistema de vídeo conferência.

Assim sendo, a equipa que já tinha vindo a preparar estas iniciativas, o Martiniano Gonçalves (9/1958), o Vitor Birne (522/64) e o José António Paulo (672/70), em boa hora integrando o dinâmico Nelson Lourenço (377/82), Presidente do Conselho de Delegados de Curso, e com o envolvimento direto do Filipe Soares Franco ((62/63), Presidente da Direcção da AAACM, deitaram mão à obra e deram corpo a uma série de “encontros” que passo a referir.

O TEU FUTURO NA MEDICINA

No dia 28 de Abril, na Biblioteca do Colégio, 14 alunos dos 10º e 12º anos, participaram num “encontro” com 4 Antigos

O teu futuro…

Alunos que, desde logo, com muito entusiasmo, se disponibilizaram para participar nesta iniciativa.

Foram eles o Rui Mendonça (685/74), que moderou, o Eduardo Pegado (205/69), o Frederico Ferronha (90/88) e o Francisco Brandão (282/96).

Ao longo das suas intervenções, os Antigos Alunos apresentaram aos alunos presentes as principais etapas do percurso de um médico: a frequência do curso de medicina, o começo da atividade profissional como interno, o acesso à categoria de especialista, o exercício de funções de chefia e de administração e a possibilidade de exercer funções de gestão em áreas, não essencialmente médicas, mas com alguma relação com a área da saúde.

As intervenções foram enriquecidas com uma partilha da experiência própria vivida ao longo das suas carreiras, com o destaque de momentos críticos por eles vividos e com todo um conjunto de considerações sobre o exercício da atividade, aqui incluindo questões de ordem motivacional, vocacional e deontológicas.

Sem dúvida que ficou muita informação para integrar nos processos de decisão de cada potencial candidato a médico.

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522/64
Vitor Manuel de Sousa Meneses de Lorena Birne

O TEU FUTURO NAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Este segundo "encontro" teve lugar no dia 5 de Maio e contou com a participação de 23 alunos dos 9º ao 12º anos.

Desde logo, participaram ativamente na preparação deste evento os antigos alunos José Tribolet (230/59) e Pedro Veloso (429/86).

A convite do José Tribolet, fizeram questão de se associar a esta iniciativa o Professor José Alves Marques e a Professora Ana Teresa Freitas, Professora no IST e CEO da HeartGenetics.

O Professor Arlindo Oliveira, inicialmente convidado a participar, não podendo estar presente, enviou uma mensagem, via vídeo, aos participantes.

Todos os intervenientes, partilharam a sua experiência pessoal, o modo como se tem desenvolvido a sua carreira e a sua visão pessoal sobre as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), aqui considerando, não só, a perspetiva da orientação profissional, como também, a sua relevância, passada, atual e futura, na sociedade, cada vez mais, global. Foi dado o devido destaque à evolução,

não exclusivamente tecnológica, verificada desde meados do século XX, caracterizada por uma crescente aceleração, num quadro onde o futuro das TIC’s parece não ter limites. Ao longo das intervenções, foi ainda dado especial enfase:

À especificidade do espírito e da atitude de um “engenheiro”, que desenvolve, por um lado, uma maneira muito própria de equacionar os problemas e desafios com que é confrontado, e, por outro lado, o motiva, de forma muito própria e intensa, para a demanda da “solução” e da sua materialização. Às múltiplas parcerias que as TIC’s estabeleceram, estabelecem e, obrigatoriamente, vão ter que continuar a estabelecer e a desenvolver com as mais variadas áreas da ciência e do saber, sublinhando que estas abordagens, multidisciplinares, são a condição de sucesso na resposta que a sociedade tem vindo a dar aos múltiplos e complexos desafios com que tem vindo a ser confrontada. À complementaridade, como fator de sucesso enquanto “engenheiro” entre, por um lado, a necessidade de uma sólida preparação académica e científica e, por outro, a tomada de consciência da constante necessidade de acompanhar e se adaptar à evolução da ciência e da técnica, a par da dinâmica social, cultural e ética. Também, neste encontro, foi transmitido um valioso conjunto de elementos que, esperemos, ajudaram os alunos a fazerem a sua opção no prosseguimento de estudos.

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O teu futuro…

O TEU FUTURO NA ECONOMIA E NA GESTÃO

No dia 12 de Maio, também no Auditório do Colégio, decorreu o terceiro "encontro" ao qual estiveram presentes 33 alunos dos 9º ao 12º anos. Coube aos antigos alunos Vitor Novais Gonçalves (666/71), que moderou, António Cabeças (117/73), António Coutinho (249/80) e Fernando Soares (110/82) a partilha das suas visões e experiência pessoal. Começou por ser feita uma breve introdução ao âmbito da Economia e da Gestão, sublinhando a sua natureza de ciência social, por oposição às ciências exatas, a sua ligação ao quotidiano de cada um, tudo começando com a necessidade de gerir a “semanada”, depois evoluindo para a empresa, para o país, para a região, até à escala global. Tudo complementado com uma breve apresentação histórica da evolução do “pensamento económico”. Num segundo momento, a intervenção dos participantes foi centrada na frequência da universidade, tendo sido destacada a importância determinante da frequência de cursos de mestrado, bem desenhados e ministrados em faculdades de reconhecido mérito. Isto num quadro em que, para além do acesso ao conhecimento académico associado ao grau de “mestre”, é imprescindível aproveitar a duração do curso para o desenvolvimento de várias competências que irão constituir mais valias no futuro ingresso no mercado de trabalho, a par de outras experiências, nomeadamente estágios em empresas de referência e a prática de trabalho social e, ao mesmo tempo, ir construindo uma rede de contactos que integre todos os setores subjacentes. A última parte das intervenções foi orientada para a atividade profissional. Aqui, num primeiro instante, foram feitos alguns comentários e recomendações a pensar naquelas pessoas que ambicionam erguer, logo no início da carreira, a sua própria empresa, sugerindo toda uma série de cuidados e preocupações a ter

na edificação destes projetos pessoais. Mas centrando as intervenções na figura mais comum – a procura do primeiro emprego – foram feitas vastas considerações à volta das características que os empregadores mais valorizam nos seus processos de recrutamento, onde a par de uma boa nota, num bom curso tirado numa boa faculdade, são altamente valorizados outros parâmetros, de natureza não estritamente académica, nomeadamente vivências e experiências que revelem, por parte dos candidatos, um vasto conjunto de competências (resiliência, preocupação social e ecológica, liderança, determinação, espírito de missão…). Duas notas finais para destacar a relevância da fluência em, pelo menos, dois idiomas, para além do português e o reconhecimento de que, na opinião unânime dos quatro intervenientes, o Colégio incute nos seus alunos valores e competências altamente valorizadas pelos empregadores e, por isso, a condição de Antigo Aluno deve ser assumida, sem alarde, mas de forma firme, na entrevista de recrutamento. Assim foi colocada à disposição de potenciais futuros economistas e gestores um

teu futuro…

diversificado conjunto de experiências de profissionais desta área que, fazemos votos, possam contribuir para apoiar uma tomada de decisão que, reconhecemos, se apresenta como complexa. Terminamos:

• Desejando a todos os finalistas e futuros Antigos Alunos que consigam concretizar o acesso ao ensino superior de acordo com as suas preferências e que, a longo prazo, alcancem os maiores sucessos pessoais e profissionais.

• Agradecendo aos Antigos Alunos, e seus convidados, que tornaram possíveis a realização destes encontros.

• Fazendo um apelo a todos os Antigos Alunos para que adiram a este projeto, fazendo chegar à Associação a informação da sua disponibilidade para tal. Em concreto, vamos trabalhar para que no próximo ano letivo, mais concretamente em Janeiro de 2022, tenham lugar os estágios (2 a 3 dias) onde alunos tenham oportunidade de interagir com Antigos Alunos, em ambiente de trabalho, nos locais onde exercem a sua atividade profissional.

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O

Radiografia: A Associação e os Sócios

Radiografia: A Associação e os Sócios

ENTREVISTA REALIZADA PELO MARTINIANO GONÇALVES (9/1958)

MOTIVAÇÕES E FACTORES QUE INFLUENCIAM O RECRUTAMENTO, RETENÇÃO E RECOMENDAÇÃO DE MEMBROS EM ASSOCIAÇÕES – O CASO DA ASSOCIAÇÃO DOS ANTIGOS ALUNOS DO COLÉGIO MILITAR AAACM.

Eduardo de Melo Corvacho (343/2002), vogal da actual Direcção da Associação, entrou para o 5º ano do Colégio Militar em 2002, onde frequentou os 8 anos de escolaridade e foi Comandante da 2ª Companhia de Alunos. De 2010 a 2015 frequentou a Faculda-

de de Farmácia da Universidade de Lisboa, e nos últimos 5 anos tem desempenhado diversas funções comerciais na Indústria Farmacêutica, primeiramente na GSK, e agora na Janssen-Cilag, empresa do grupo Johnson & Johnson, como Gestor de Produto.

O Eduardo de Melo Corvacho defendeu recentemente - no âmbito do Mestrado em Gestão e Marketing, que realizou na Católica Lisbon School of Business and Economics após a Licenciatura e Mestrado em Ciências Farmacêuticas - uma interessante tese subordinada ao título deste artigo, no quadro do que academicamente é referido como Relationship Marketing. Sobre a sua motivação para a escolha do tema diz que “Enquanto pensava sobre os vários temas que poderia abordar, recordei várias vezes inúmeras conversas que tive com vários Antigos Alunos e com a restante Direcção da AAACM. Apercebi-me que havia uma necessidade por preencher em termos de informação, e que essa mesma poderia ser crítica para orientar a tomada de decisão da nossa Associação para o futuro. Desta forma, decidi juntar o útil ao agradável e, depois de propor o projecto ao meu tutor e de obter a concordância da Direcção da AAACM para avançar, meti mãos à obra.”

A tese teve como objectivo elencar a informação relevante acerca das “motivações e factores que influenciam a aquisição e retenção de membros, bem como a recomendação pelos mesmos a potenciais novos sócios, seguida da identificação de possíveis critérios para segmentação, no contexto da AAACM - organização sem fins lucrativosque se foca, primariamente, na filantropia

para a sua comunidade e no desenvolvimento de acções com o propósito de estreitar as ligações entre os seus Antigos Alunos.”

Adicionalmente, esta informação foi usada para identificar as principais oportunidades estratégicas a seguir e respectivas tácticas para as capturar.

Motivações para a adesão

Os resultados demonstraram que as três motivações principais, alinhadas com a literatura, para aderir à AAACM são a responsabilidade social (expressiva), o interesse profissional (relacionada com a carreira) e relacionamentos e lazer (instrumental).

Analisando como estas motivações se expressam na população em análise, concluiu-se que existem cinco segmentos distintos da população (indivíduos sociais, polivalentes, com foco profissional, indiferentes e humanistas), que exibem diferentes combinações destas três motivações.

Factores de Retenção

Relativamente aos factores de retenção de membros, encontrou-se relação directa entre a confiança e a satisfação, e o pagamento continuado de quotas, sendo que a variabilidade destes factores entre segmentos é consistente com a variabilidade nas taxas de pagamento de quotas.

Por fim, estas descobertas foram essenciais para identificar as prioridades estratégicas para a AAACM, que consistem no aumento dos níveis de satisfação com eventos e com

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Eduardo de Melo Corvacho (343/2002).

Radiografia: A Associação e os Sócios

a comunicação, (que têm impacto directo na retenção dos membros), aumentar e direccionar a interacção com o segmento com foco profissional, (que está claramente desfalcado e insatisfeito), e explorar formas de aumentar os níveis de confiança, (essencial à retenção dos membros).

O trabalho realizado, partiu da situação existente em Janeiro de 2020. Nesta data havia 2.057 membros registados como sócios da AAACM, com evidência de um certo envelhecimento da pirâmide etária.

Dos 2.057 membros registados, apenas 44% dos membros tinham as suas quotas em dia, factor crucial para as operações da AAACM, representando 31% da receita total. Pela análise de dados históricos, ficou evidente que o nível do pagamento das quotas se encontra com tendência de queda: nos últimos 10 anos, o valor das quotas cobradas caiu 23%, dados que preocupam a actual Direcção, pois evidenciam os dois principais desafios identificados:

• melhorar a retenção de sócios (sócios que mantêm o pagamento da taxa anual);

• aumentar a aquisição de novos sócios (garantindo que os novos Antigos Alunos participem em atividades da Associação, contribuam para os seus objetivos e mantenham esse comportamento ao longo dos primeiros anos de filiação).

Do exposto acima, resultou a necessidade de avaliar quais as variáveis que irão influenciar o recrutamento, a retenção e defesa dos sócios, e encontrar os principais critérios para a segmentação dos seus membros, com o objetivo de identificar oportunidades estratégicas e propor um plano de açcão para AAACM.

Introduzido o tema e os seus objectivos conversámos com o Eduardo de Melo Corvacho, a quem fizemos algumas perguntas, cujas respostas se seguem.

1) Qual foi o principal foco da tua tese e como a estruturaste?

Partindo de um ponto de vista mais académico, esta tese pretendeu responder a um problema concreto, sobre o qual a literatura existente é limitada: a identificação das principais motivações e factores que determinam a vontade de um individuo se juntar a uma associação, se manter interessado e activo, e de recomendar essa experiência a outros. Adicionalmente, pretendia-se também es-

tudar a aplicabilidade destas motivações e factores como critérios de segmentação A aplicação prática destes conceitos à realidade da AAACM traduziu-se no seguinte: compreender porque é que os Antigos Alunos se associam à AAACM e se mantêm vinculados e participativos, validar se essas razões permitem identificar diferentes segmentos de Antigos Alunos – grupos com interesses e necessidades distintos – e, finalmente, identificar as principais oportunidades para melhor servir a comunidade de Antigos Alunos e cumprir os objectivos da AAACM.

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Tabela 1. Distribuição dos membros por faixa etária e proporção de membros com as quotas em dia. Faixa etária ≥75 65-74 55- 64 45-54 35-44 25-34 18-24 TOTAL 330 347 313 323 270 232 164 Membros # % da faixa etária % do total do grupo # % do total 16% 17% 15% 16% 13% 11% 8% 237 209 160 122 71 30 37 72% 60% 51% 38% 26% 13% 23% 27% 24% 18% 14% 8% 3% 4% Membros com quotas em dia <18 2026 100% 887 44% 100% 47 2% 21 45% 2%
Membros com quotas
dia Quotas (€) 73 000 70 000 67 000 64 000 61 000 58 000 55 000 76 000 2008 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Figura 1. Evolução da receita das quotas
em

Radiografia: A Associação e os Sócios

O trabalho passou pelas 3 fases distintas seguintes:

Pesquisa

Primeiro, tive de pesquisar acerca destes assuntos na literatura disponível, para recolher os principais conceitos e questões a ter em atenção.

Elaboração de questionário

Em seguida, com esta informação presente, desenvolvi um questionário online que me permitisse capturar toda a informação pertinente, e que foi partilhado pelos canais da AAACM e redes sociais. Este questionário foi dividido em 5 blocos: o primeiro bloco, com questões gerais relativamente às motivações de fazer parte de uma associação; o segundo bloco, mais relacionado com níveis de satisfação e confiança gerais relativamente à AAACM; o terceiro bloco, ligado à satisfação com eventos, loja AAACM, protocolos existentes e canais de comunicação; o quarto bloco, relacionado com o pagamento de quotas; e finalmente o último bloco, com as chamadas perguntas de caracterização demográfica. Obtive 206 respostas completas, que foram incluídas na análise.

Análise da informação obtida

Por fim, foi necessário analisar toda a informação recolhida, recorrendo a variados estudos estatísticos, e depois aproveitar os resultados válidos e descartar tudo o que fosse acessório.

2) E de todas as analises que efectuaste, qual a informação que tiveste que obter primeiro?

O meu primeiro desafio foi analisar o primeiro bloco do questionário, para poder identificar as principais motivações que levam alguém a juntar-se a uma associação. Comecei por realizar uma análise factorial, que identificou três motivações distintas e que foram apelidados de Responsabilidade Social

(relacionado com solidariedade, filantropia e contribuição para a comunidade), Interesse Profissional (ligado à criação de redes de contactos profissionais, capacitação e criação de competências profissionais, e outros tópicos de cariz profissional) e Relacionamentos e lazer (associado a eventos sociais, ocupação do tempo livre, entre outros).

Foi fundamental começar por este ponto, pois eram estes os factores que, a existirem, pretendia estudar como potenciais critérios de segmentação.

3) E conseguiste segmentar a população de Antigos Alunos com estes critérios?

Os resultados foram muito interessantes! Realizei uma análise de clusters de acordo com as motivações que identifiquei, análise que pode ser resumida de forma simplificada como uma forma de agrupar os respondedores de acordo com a semelhança das suas respostas. Esta análise permitiu identificar 5 segmentos distintos de Antigos Alunos (de acordo com o gráfico apresentado):

• O segmento Social (cluster 1), onde se incluem Antigos Alunos cuja motivação principal são os relacionamentos e lazer;

• O segmento Polivalente (cluster 2), cujos Antigos Alunos que o compõem dão importância às três motivações identificadas;

• O segmento de Foco Profissional (clus-

ter 3), que é composto de Antigos Alunos maioritariamente motivados pelo Interesse Profissional;

• O segmentos dos Indiferentes (cluster 4), que atribuem pouca importância a todas as motivações;

• E o segmento Humanista (cluster 5), que é composto por Antigos Alunos que valorizam principalmente a componente de responsabilidade Social.

Sem estas análises, todo o trabalho seguinte seria demasiado geral e com pouca aplicabilidade prática. Desta forma, pude de seguida associar diferentes níveis de satisfação a diferentes segmentos, entender de que forma isso tinha influência nos comportamentos ao nível do pagamento de quotas, e extrapolar para necessidades por satisfazer que poderiam então ser adereçadas pela AAACM.

4) Detectaste algum segmento que se tenha destacado em termos de algum parâmetro em particular?

O meu trabalho aponta o segmento dos Antigos Alunos de Foco Profissional como o mais insatisfeito. Acaba por ser natural que assim seja, pois a actual oferta de interação da AAACM não vai ao encontro dos temas que mais motivam esta população de Antigos Alunos. Se pensarmos nessas motivações, que estão altamente ligadas à criação de redes de contactos profissionais, ao desenvolvimento de compe-

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Radiografia: A Associação e os Sócios

tências profissionais e à partilha de experiências profissionais, compreendemos que existe uma lacuna por preencher nesse campo. Quando analisei a satisfação com os eventos organizados pela AAACM, ficou claro que existem aqui oportunidades de melhoria para ir ao encontro das expectativas destes Antigos Alunos. Este é o segmento que exibe a menor satisfação, mesmo nos resultados de elementos que participaram em algum evento nos últimos 2 anos.

Isto é particularmente importante porque a satisfação tem relação directa com a retenção de associados e o pagamento de quotas, outra conclusão importante deste trabalho. O segmento do Foco Profissional é o que exibe as piores taxas de retenção o que, dito por outras palavras, significa que é o grupo de Antigos Alunos onde encontramos mais Antigos Alunos que deixaram de pagar quotas (39%, conforme descrito no gráfico).

Se a tudo isto juntarmos o facto de que este é o segmento onde se encontram os Antigos Alunos mais novos, ainda mais fundamental se torna procurar criar as condições para que estes Antigos Alunos encontrem satisfação na sua interacção com a AAACM, para assegurar a coesão e continuidade da comunidade de Antigos Alunos e a capacidade a AAACM responder aos seus desígnios.

5) Qual é, então, o papel que a ligação emocional ao Colégio tem na adesão dos Antigos Alunos à AAACM?

É uma excelente questão para a qual não tenho uma resposta concreta no meu trabalho. Aquilo que posso afirmar é que existem outras motivações que têm preponderância na adesão dos Antigos Alunos à AAACM. Inclusivamente podemos até questionar-nos se estas motivações terão uma maior influência que a ligação emocional ao Colégio Militar. Destaco, no entanto, que o factor identificado como mais importante na retenção dos Antigos Alunos na AAACM, foi o nível de confiança destes na Associação. E aqui a

Figura 3. Satisfação média com eventos por segmento. A verde estão as respostas daqueles que participaram em algum evento nos últimos 2 anos; a cinzento as respostas daqueles que não participaram em eventos nos últimos 2 anos; a azul os totais.

Figura 4. Pagamento de quotas da AAACM por segmento. A verde estão os AAs que indicaram ter as quotas em dia; a cinzento aqueles que já pagaram quotas, mas que neste momento já não pagam; a azul estão os AAs que nunca pagaram quotas

Pagamento de Quotas AAACM por Segmento

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8 7.5 7 6.5 6 5.5 5 Sa tisf ação média (escala110) Social
P
s To ta
Figura 5. Satisfação geral com a comunicação da AAACM
Sa tisf ação c om a c omunicação (escala110) Social Polivalente Foco Profissional Indiferente Humanista 7.4 7.2 7 6.8 6.6 6.4
Polivalente Foco Profissional Indiferente Humanista
articipou em eventos Não participou em evento
l
por segmento.
Quotas pagas Deixou de pagar Nunca pagou Social Polivalente Foco Profissional Humanista Indiferente 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 15% 17% 28% 28% 30% 10% 18% 72% 24% 46% 22% 39% 33% 50% 68%

ligação ao Colégio pode ter um papel importante, pois a confiança poderá estar associada à percepção que os Antigos Alunos têm da capacidade da AAACM cumprir com os propósitos da sua existência, nomeadamente a defesa do Colégio Militar enquanto instituição, como está patente na sua missão.

Infelizmente, este trabalho não permitiu confirmar esta última inferência. Compreender as dinâmicas que influenciam os níveis de confiança dos Antigos Alunos na AAACM poderá trazer um conhecimento aprofundado de novos caminhos que a associação possa tomar para continuar a ir ao encontro das expectativas dos seus associados.

6) A AAACM foi criada em 1903, num contexto completamente diferente daquele que existe em pleno século XXI. O que sugerem os resultados do teu trabalho relativamente ao sentido da existência de uma associação como a AAACM?

Apesar desse não ser um dos propósitos deste trabalho, vou arriscar uma resposta fundamentada nos dados que recolhi, com a minha própria opinião à mistura. O propósito primordial de solidariedade que levou à fundação da AAACM continua a fazer todo o sentido hoje em dia. Como vimos, uma da principais motivações para a participação em associações é exactamente a solidariedade, a filantropia e a vontade de contribuir para uma sociedade mais justa e igual. Adicionalmente, arrisco-me acrescentar que a contribuição para a consolidação e interligação da comunidade de Antigos Alunos, fomentando os laços de camaradagem e a disseminação dos valores dos Meninos da Luz, é desejo da totalidade dos Antigos Alunos. Este trabalho, bem como todas as respostas recolhidas, são exemplo disso, pois refletem o compromisso dos Antigos Alunos com a AAACM e o seu desenvolvimento.

Aquilo que me parece fundamental é que a AAACM cumpra com a sua missão, tendo

em vista as vontades e necessidades dos Antigos Alunos. E essas é que já não serão iguais às de 1903.

É portanto fundamental que exercícios deste género, que permitem dar voz aos Antigos Alunos, continuem a acontecer com periodicidade, e sirvam como ponto de partida para determinar as prioridades da AAACM, que assim poderá continuar a desenvolver iniciativas que aportem valor acrescentado à nossa comunidade. Mas a AAACM não é a única responsável por isso.

Somos todos nós, na verdade. O apelo que deixo é que os Antigos Alunos não se ini-

bam de partilhar as suas visões, preocupações e necessidades com os órgãos sociais da AAACM, que mantenham uma ligação activa e participativa com a nossa Associação, através dos canais disponíveis.

Tem de haver proactividade de ambos os lados: da AAACM através da criação de mecanismos de recolha de informação, e dos Antigos Alunos através da partilha proactiva dessa informação.

Só assim poderá a Associação estar alinhada com os seus sócios e agir em conformidade com as suas expectativas.

NOTA: Os destaques com recurso a "bold" são da responsabilidade da Redação.

Questionário | AAACM

Este questionário está inserido no âmbito de uma tese de mestrado em Marketing Estratégico da Católica Lisbon School of Business and Economics, destinando-se a Antigos Alunos do Colégio Militar. A participação neste inquérito é completamente anónima. Os objectivos principais deste estudo são:

• Avaliar a satisfação dos Antigos Alunos para com a as várias formas de actuação da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar (AAACM);

• Compreender as motivações dos sócios pagantes de quotas;

• Identificar as oportunidades de melhoria para guiar a implementação estratégica das acções da AAACM para o futuro.

Este questionário demora cerca de XXX minutos a preencher, consoante as suas respostas. Muito obrigado pela sua participação.

A) Análise de motivações

1. És Antigo Aluno do Colégio Militar?

A) Análise de motivações

1. És Antigo Aluno do Colégio Militar?

a) Sim b.Não (terminar survey)

2. Por favor considera as Associações no geral. Qual a importância das razões expressas abaixo para se aderir a uma associação? (1-nada importante a 5-muito importante)

Defender direitos cívicos fundamentais

Contribuir para a resolução de problemas da comunidade

Ajudar pessoas necessitadas

Oferecer um serviço à comunidade

Denunciar injustiças sociais Participar na tomada de decisão pública

Mudar o que está mal na sociedade

50
1-5 RAZÃO
Questionário | AAACM

1-5

ajuda-me

AAACM promove eventos

B) Análise geral AAACM

A AAACM, para além das acções de filantropia que estão na sua origem, tem por fim, a consolidação e o fortalecimento dos laços de solidariedade que unem os antigos e os actuais alunos do Colégio Militar e a intransigente defesa da instituição em que ela consiste, nos seus princípios, valores e tradições.

5. Nos últimos 2 anos, participaste em eventos da AAACM?

a)

Sim b.Não (ir para pergunta 7)

Jantar Anual AAACM

Torneio de Golfe

Assembleias Gerais Torneio de Esgrima Torneio de Padel

Torneio de Futsal Tertúlias AAACM Outro (especificar)

estás satisfeito com 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

6. Fazendo ainda referência aos últimos 2 anos, por favor indica as actividades da AAACM em que participaste pelo menos uma vez: (escolha múltipla) c) Sim d) Não

51
h) Networking g) Cultura i) Outra e) Almoços/Jantares f) Desporto 7. Em que medida
Sardinhada AAACM os eventos da AAACM? 8. Tens alguma sugestão de evento que a AAACM pudesse organizar? 9. (Caso tenhas selecionado “sim” na pergunta 8) Em que categoria se enquadra a tua sugestão?
3. Por favor assinala o grau de concordância com as frases apresentadas (de 1- discordo completamente a 5- concordo completamente):
C) Interação com a AAACM Eventos 4. Por favor indica os eventos da AAACM que conheces:
NS A
A
relevantes
comunidade A AAACM tem um papel relevante na defesa do
Militar A AAACM tem responsabilidade em defender os princípios, valores e tradições da comunidade de AAs Eu confio na AAACM A AAACM é um intermediário importante na relação dos Antigos Alunos com o Colégio Militar Estou disposto a colaborar com a AAACM na organização de acções e eventos Relacionar-me com pessoas com interesses e o bjectivos semelhantes Participar em atividades lúdicas Aproveitar o tempo livre de forma divertida Construir currículo Adquirir competências profissionais Criar rede de contactos profissional 1-5 RAZÃO 1-5 AFIRMAÇÃO NS Sinto uma forte ligação à AAACM Sinto que os desafios que a AAACM enfrenta também me dizem respeito A AAACM tem um papel importante na manutenção de uma comunidade de Antigos Alunos coesa A AAACM tem uma missão filantrópica importante 1 Jantar Anual AAACM Sardinhada AAACM Assembleias Gerais Torneio de Golfe Torneio de Esgrima Torneio de Padel 3 5 2 4 6 7 Torneio de Futsal Tertúlias AAACM Outro (especificar) 9 8 Não conheço nenhum evento da AAACM (passar para pergunta 11) 10 Questionário | AAACM
AFIRMAÇÃO
AAACM
a manter-me em contacto com a rede de Antigos Alunos
para a
Colégio

LOJA AAACM

11. Por favor, indica as categorias de artigos da loja da AAACM que conheces:

Barretinas para lapela do casaco

Vestuário (Gravatas, Polos, lenços, etc)

Livros AAACM

Revistas Zacatraz

Artigos de Joalharia Outros livros

Canecas, porta-chaves e cadernos Outros (especificar)

Não conheço nenhum artigo (passar para pergunta 17)

12. Nos últimos 2 anos, adquiriste algum artigo da loja da AAACM?

14. Por favor especifica de que forma adquiriste os artigos (escolha múltipla):

c. Loja Online

d. Presencialmente (Sede AAACM)

e. Presencialmente (evento AAACM)

f. Outro

15. Por favor indica, numa escala 1-10 (em que 1 representa extremamente insatisfeito e 10 extremamente satisfeito) em que medida estás satisfeito com as vertentes da loja da AAACM apresentados abaixo?

18. Por favor especifica:

*(Campo aberto)

13. (Caso tenhas respondido “sim” na pergunta 12) Tendo ainda em consideração os últimos 2 anos, especifica as categorias dos artigos que adquiriste da loja da AAACM:

Barretinas para lapela do casaco

Vestuário (Gravatas, Polos, lenços, etc)

Livros AAACM

Revistas Zacatraz

Artigos de Joalharia Outros livros

Canecas, porta-chaves e cadernos Outros (especificar)

PROTOCOLOS AAACM

19. Por favor, indica os protocolos da AAACM que conheces:

Viagens, Excursões e alojamento Formação e Ensino

Seguros Ginásios e Wellness

Reparação automóvel

Qualidade dos artigos

Variedade de artigos Custo dos artigos Funcionamento da loja online

Aquisição presencial

16. Existe algum artigo que gostarias que estivesse disponível?

Saúde (consultas, medicina dentária, fisioterapia, outros)

Telecomunicações Imobiliário

Não conheço nenhum protocolo da AAACM (passar para pergunta 24)

20. Nos últimos dois anos, beneficiaste de algum protocolo da AAACM com outras entidades?

17. (Caso tenhas respondido “sim” na pergunta 16) Em que categoria se insere?

Barretinas

Livros

Artigos de Joalharia

Outros (especificar)

21. (Caso tenhas respondido “sim” na pergunta 20)

Tendo ainda em consideração os últimos 2 anos, especifica os protocolos dos quais usufruiste:

52
a)
a) Sim b) Não
Sim b) Não a) Sim b.Não (passar para pergunta 19)
Vestuário 1-10 NS
Questionário | AAACM

Viagens, Excursões e alojamento Formação e Ensino

Seguros

Reparação automóvel

Ginásios e Wellness

Saúde (consultas, medicina dentária, fisioterapia, outros)

Telecomunicações

Imobiliário

22. Em que medida estás satisfeito com os protocolos existentes?

1

23. Existe algum tipo de protocolo que gostarias que estivesse disponível?

favor especifica o protocolo:

(Campo aberto)

29. Costumas ter contacto com os meios de comunicação da AAACM?

24. (Caso tenhas selecionado “sim” na pergunta 23) Em que categoria se enquadra?

Viagens, Excursões e alojamento Formação e Ensino

Seguros

Reparação automóvel

Ginásios e Wellness

Saúde (consultas, medicina dentária, fisioterapia, outros)

Telecomunicações

Imobiliário

Outra

DELEGADOS DE CURSO

O Conselho de Delegados de Curso é composto por dois Delegados de cada Curso de AAs, nomeados pelo Curso, e que têm como funções transmitir informações ao seu Curso sobre a AAACM e o CM, e recolher a sua opinião sobre as actividades/ eventos da AAACM.

Estás a par da existência do Conselho de Delegados de Curso?

30. (Caso tenhas respondido “sim” na pergunta 29) Quais os canais de comunicação a que normalmente acedes/com que normalmente contactas?

27. No geral, considerando uma escala de 1 (Extremamente insatisfeito) a 10 (extremamente satisfeito), quão satisfeito estás com o desempenho do Delegado de Curso?

31. Por favor avalia cada canal de comunicação relativamente às variáveis apresentadas, numa escala de 1 (mau) a 5 (muito bom). Caso não tenhas contacto com esse canal, por favor seleciona “NS”(não sei):

MEIOS DE COMUNICAÇÃO DA AAACM COM OS AAS

28. Qual das seguintes frases melhor descreve a qualidade da informação veiculada pela AAACM acerca dos assuntos relacionados com a Associação?

53
2 3 4 5 6 7 8 9 10 j) Sim k) Não c) Sim d) Não (passar para pergunta 28) i) Sim m) Não (passar para pergunta 35) 25. Por
*
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 NS a) Totalmente informado b)
informado c)
d)
e)
n) Email o) Carta p) Facebook q) Instagram r)
s)
Email Carta Facebook Instagram Website FREQUÊNCIA DA
1-5 NS Email Carta Facebook Instagram Website QUALIDADE DOS CONTEÚDOS 1-5 NS
26.
Consideravelmente
Adequadamente informado
Informado de forma limitada
Completamente desinformado
Website
Outros (especifique)
COMUNICAÇÃO
Questionário | AAACM

32. No geral, considerando uma escala de 1 (Extremamente insatisfeito) a 10 (extremamente satisfeito), quão satisfeito estás com a comunicação da AAACM com os Antigos Alunos?

PAGAMENTO DE QUOTAS

36. Por favor especifica a situação de quotas da AAACM:

a) Pago as quotas da AAACM

b) Já paguei quotas da AAACM mas recentemente deixei de pagar

c) Nunca paguei quotas da AAAM

37. (Caso tenhas respondido b ou c na pergunta 36) Por favor assinala a razão pela qual não pagas quotas (poderás assinalar até 3 opções):

a) Não me identifico com os objectivos da AAACM

a) Solidariedade para com outros Antigos Alunos

b) Identifico-me com os objectivos da AAACM

c) Sinto que o pagamento de quotas é compensado pelos benefícios de ser sócio d) Outro (especifique)

40. (Caso tenhas respondido a na pergunta 36) Reportando-se ao último ano, encorajaste algum Antigo Aluno a contribuir com o pagamento das quotas da AAACM?

33. Existe alguma recomendação adicional que gostarias de partilhar relativamente à comunicação da AAACM com os Antigos Alunos?

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 e) Sim f) Não (passar para pergunta xxx)

34. (Caso tenhas respondido “sim” na pergunta 33) Em que categoria se enquadra?

b) Não me identifico com a actuação actual da AAACM

c) Esquecimento

d) Razões monetárias

e) Não sinto que os benefícios compensem o valor das quotas

f) Não compreendo em que são utilizadas as verbas das quotas

g) Outro (por favor especifique)

38. (Caso tenhas respondido b ou c na pergunta 36) O que poderia fazer-te pagar as quotas da AAACM? Seleciona até 3 opções.

a) Melhor comunicação com os AAs

b) Mais oportunidades de participação activa dos AAs nas decisões da AAACM

c) Maior variedade de eventos

d) Benefícios monetários na aquisição de artigos e participação em eventos

e) Outro tipo de protocolos com entidades externas

35. Por favor especifica:

*

f) Outros (especifique)

g. Não tenciono voltar a pagar quotas

39. (Caso tenhas respondido a na pergunta 36) Por favor assinale a razão pela qual pagas quotas: (ranking?)

a) Sim b) Não

DADOS DEMOGRÁFICOS

41. Por favor indica a tua idade:

A) <18 anos B) 18-24 anos C) 25-34 anos D) 35-44 anos E) 45-54 anos F) 55-64 anos G) 65-74 anos H) ≥75 anos a) Masculino b) Feminino c) Prefiro não dizer

42. Por favor indica o teu género:

54
g) Geral h) Facebook i) Instagram j) Carta k) Website Email Carta Facebook Instagram Website VALOR PARA O ANTIGO ALUNO 1-5 NS
(Campo aberto) Questionário | AAACM

O dilema de Wellington

O dilema de Wellington

No artigo «O Colégio Militar e a Guerra Peninsular», publicado no nº 220, de Julho/Setembro de 2020, da ZacatraZ, descrevemos a epopeia do exército anglo-luso, combatendo contra as tropas de Napoleão, atravessando toda a Espanha e penetrando em França, até Bordéus e Toulouse. Esta epopeia culminou com a assinatura da Convenção de Carcassone, a 24 de Abril de 1814. Napoleão tinha entretanto abdicado em Paris, indo de seguida como prisioneiro para a ilha de Elba.

Nessa notável campanha, o exército anglo-luso foi comandado pelo general inglês Arthur Wellesley, que no decurso da mesma foi agraciado com o título de Lord Wellington. Este brilhante general, não teve como único inimigo o exército napoleónico. Teve também de se haver com os «contabilistas» de sua Majestade britânica. Posto perante o dilema de ter de escolher entre o primeiro ou o segundo inimigo, pediu instruções superiores para Londres, em Agosto de 1812 nos seguintes termos:

«Exmos Senhores

Enquanto marchámos de Portugal para uma posição que domina a aproximação de Madrid e das forças francesas, os meus oficiais têm cumprido diligentemente os vossos pedidos, enviados no navio de Sua Majestade de Londres para Lisboa e daí, por estafeta a cavalo, ao nosso quartel-general.

Enumerámos as nossas selas, rédeas, tendas e respectivas estacas e todos os «items» pelos quais o governo de Sua Majestade me considera responsável. Enviei relatórios sobre o carácter, capacidade e índole de todos os oficiais. Foram prestadas contas de todos os «items» e todos os tostões, com duas lamentáveis excepções, para as quais peço a vossa indulgência.

Infelizmente não nos é possível responder pela soma de 1 xelim

55 43. Por favor indica o teu local de residência: 44. Por favor indica o teu estado civil: 47. Por favor seleciona o intervalo em que o rendimento anual bruto familiar se insere: A PORTUGAL (ESPECIFICAR DISTRITO) ANGOLA MOÇAMBIQUE GUINÉ CABO VERDE BRASIL OUTROS (POR FAVOR ESPECIFIQUE) C E G B D F A €0 – €10.000 €10.001 - €19.000 €19.001 - €32.000 €32.001 - €50.000 €50.001 - €100.000 €100.001 - €250.000 > €250.000 C E G B D F 45. Por favor indica a tua escolaridade (seleciona o grau mais elevado): A 9º ANO DE ESCOLARIDADE 12º ANO DE ESCOLARIDADE LICENCIATURA MESTRADO DOUTORAMENTO OUTRO C E B D F 46. Qual das seguintes categorias melhor descreve a tua situação profissional? A Estudante Desempregado (sem procura ativa de emprego) Desempregado (ativamente à procura de emprego) Empregado por conta de outrem (full-time) Empregado por conta de outrem (part-time) Empregado por conta própria/Empresário Reformado Outra Prefiro não responder C E B D F G H I A Solteiro Casado Divorciado Viúvo/Viúva C B D

e 9 dinheiros, do fundo para pagamento de pequenas despesas de um batalhão de infantaria e houve uma lamentável confusão quanto ao número de frascos de

compota de framboesa entregues a um regimento de cavalaria, durante uma tempestade de areia no Oeste de Espanha.

Este descuido censurável, pode ser relacionado com a pressão das circunstâncias, uma vez que estamos em guerra com a França, facto que poderá parecer-vos senhores, em Whitehall, um pouco surpreendente.

Isto traz-me ao meu objectivo actual, que consiste em pedir ao governo de Sua Majestade, instruções sobre a minha missão, de modo a que eu possa compreender melhor a razão pela qual estou a arrastar um exército por estas planícies estéreis. Suponho que, necessariamente, deve ser uma de duas missões alternativas, como abaixo indico. Prosseguirei qualquer delas com o melhor da minha capacidade, mas não posso executar as duas:

1)

Treinar um exército de escriturários britânicos para benefício dos contabilistas e moços de recados em Londres, ou, talvez:

2)

Providenciar no sentido de as forças de Napoleão serem expulsas de Espanha.

Assinado

O vosso mais obediente servo Wellesley

NOTA:

Esta carta foi retirada de um artigo de autoria do Tenente-Coronel Piloto-Aviador João José Brandão Ferreira, publicado no Boletim da Associação da Força Aérea Portuguesa.

56
Lord Wellesley. O dilema de Wellington

Uma Lição de Winston Churchill

Uma Lição de Winston Churchill

Uma das facetas que mais contribuem para ilustrar a imagem das grandes personagens da História é o facto de terem cunhado expressões acolhidas pela posteridade. Algumas delas podem ser entendidas literalmente. Outras, como esta, carecem de reflexão, sendo certo que as Nações não têm olhos para ler o passado nem cérebro para o rememorar e não ficam, ipso facto, condenadas à extinção.

A evocação das palavras de Churchill afigura-se particularmente oportuna depois de os portugueses terem assistido à discussão pública, com comentários azedos de parte a parte, a respeito da eventual criação de um «Museu dos Descobrimentos» e, mais recentemente, acerca da proposta de um conhecido deputado para que se demolisse o «Padrão dos Descobrimentos». Na segunda quinzena de Fevereiro ocorreu nova confrontação de opiniões a propósito da morte do te-

nente-coronel Comando Marcelino da Mata. As duas polémicas têm como sujeito comum o colonialismo português: os Descobrimentos na génese, Marcelino da Mata no epílogo. Em síntese, quinhentos anos da nossa História julgados na praça pública, sem a profundidade, a elevação e o conhecimento de causa que o assunto exige e a inteligência dos portugueses merece.

Relativamente aos Descobrimentos, socorro-me de um texto da autoria do Luís Filipe Ferreira Reis Thomaz (176/1952), na sua obra já apresentada na Zacatraz, O

drama de Magalhães e a volta ao mundo sem querer, seguido de Um Museu dos Descobrimentos: porque não?, 2.ª ed., Gradiva, 2019. Diz-nos o comandante do Batalhão em 1958/1959 que o alcance de «Descobrimento» ultrapassa em muito a dimensão duma simples «descoberta», constituindo na realidade um “(…) processo minucioso de colheita de informações, que ultrapassa em muito a ideia de achar, encontrar, topar com, que só se aplicaria com inteira justeza a ilhas desconhecidas e despovoadas, como por exemplo as de Ascensão e Santa Helena. (…) Como todas as grandes transfor-

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A nation that forgets its past has no future
Nuno António Bravo Mira Vaz 277/1950

mações históricas, os Descobrimentos (…) acarretaram, de facto, sofrimentos para muita gente, através de efeitos laterais que vão da intensificação da escravatura à difusão da sífilis americana no Velho Mundo, passando pela da varíola no Novo.

Não inauguraram, por isso, o Paraíso na Terra; mas deram origem ao mundo moderno tal como o temos, com os defeitos e virtudes inerentes a toda a criação humana (…)”.1

O autor não varre para debaixo do tapete os aspectos negativos do empreendimento. Mas deixa-nos uma informação de importância transcendente: os Descobrimentos portugueses deram origem ao mundo moderno. Como pode alguém achar que é coisa pouca? Como pode sugerir-se que uma tal epopeia deve ser esquecida e os seus símbolos demolidos?

Passemos ao segundo tópico. Considerado herói nacional por uns e desprezível torcionário por outros, Marcelino da Mata era à data da morte, no passado mês de Fevereiro, um tenente-coronel dos Comandos condecorado com a Ordem da Torre e Espada e cinco Cruzes de Guerra. Anote-se que a discordância sobre os méritos do militar foi protagonizada sobretudo por gente que não participou nas campanhas militares nos territórios africanos de Portugal e que, nalguns casos, nem sequer era nascida nessa altura. Anote-se também que a guerra de palavras contou com raros argumentos racionais e com muitos insultos de parte a parte. Pairou, por cima da ligeireza da argumentação, o comentário lapidar de Ramalho Eanes: «não se devia estar a discutir Marcelino da Mata, mas sim a guerra».

Como bem se sabe, a guerrilha e a contra-guerrilha nunca foram cenários vocacionados para exercitar o respeito pelos

Direitos do Homem ou pela Convenção de Genebra sobre Prisioneiros de Guerra. Muito pelo contrário, a cilada, a surpresa, a emboscada, a panóplia completa dos embustes, sempre estiveram no cerne desse tipo de conflitualidade. Foi o que Marcelino da Mata fez nas décadas de 1960 e 1970, quando o serviço militar era obrigatório e ele foi um de entre cerca de um milhão de portugueses recrutados para o fazer. Um dos muitos que, num contexto de violência, nem sempre teve oportunidade para escolher entre agir com calma e rectidão ou transigir com atitudes reprováveis.

Contrariamente ao que muita gente pensa, é mais frequente o homem influenciar o que acontece na guerra do que a guerra influenciar o comportamento do homem. Um homem bom e justo raramente deixa de o ser, mesmo num contexto de grande violência. Marcelino da Mata foi herói ou torcionário? O que se sabe, e pode ser comprovado testemunhalmente, é que foi um combatente corajoso. Aqueles que o acusam de ter combatido do lado errado da História deviam lembrar-se de que alguns dos principais protagonistas do 25 de Abril foram militares que combateram, ao lado de Marcelino da Mata, contra os Movimentos que reclamavam independência para os territórios ultramarinos de Portugal. Devem, por isso, perder o reconhecimento público que conquistaram com a participação no golpe militar?

Como todos os acontecimentos relevantes na história dos povos, a guerra onde Marcelino da Mata combateu não deve ser julgada fora do seu contexto. Veja-se a confissão do Embaixador Seixas da Costa no Facebook: “(…) Se acaso eu fosse democrata e adulto nos anos 40 e 50 do século passado, teria sido um orgulhoso colonialista. Como o haviam sido, desde o século XIX, os republicanos, os combatentes contra a ditadura, os an-

ti-fascistas. Ser colonialista, ser adepto da manutenção do império colonial era um desígnio nacional, patriótico. Os republicanos puseram o país a ferro e indignação porque a «pérfida Albion» nos não deixou executar o sonho do «mapa cor-de-rosa».

(…) A cada tempo corresponde um tempo, uma determinada maturação da consciência, uma certa racionalidade (…)”.

À luz destas reflexões, a frase de Churchill ganha uma clareza que não se detecta na primeira leitura. Na verdade, a mensagem apercebida inicialmente nas suas palavras é a de que o tempo passado modelou o povo que somos hoje, da mesma forma que o tempo presente modela o povo que seremos amanhã. Se o seu significado fosse apenas esse, a mensagem, de tão evidente, não teria resistido ao passar do tempo. Porém, ao escavarmos o conteúdo, encontramos aquilo que provavelmente explica a sua resistência à erosão: o passado, seja ele qual for, não pode ser esquecido.

Podemos amá-lo ou desprezá-lo, pois o que é próprio da democracia é a pluralidade de opiniões e de comportamentos. Mas para o bem e para o mal, foi de lá que viemos. É isso que Churchill nos diz: a memória daquilo que nos envergonha pode iluminar com tanta lucidez os caminhos do futuro como a memória daquilo de que nos orgulhamos. Dito de outra forma: os erros ensinam de forma tão eficaz como os acertos.

É isso que recomenda manter viva a memória do passado colonial de Portugal e, em simultâneo, explica a insensatez de discutir esse passado com os critérios do presente. Uma vez percebido isto, percebe-se melhor por que razão A nation that forgets its past has no future.

1 p. 121

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Uma Lição de Winston Churchill

Foi Há 100 Anos Homenagem aos Soldados Desconhecidos

Foi há 100 Anos

Homenagem aos soldados desconhecidos

Homenagem aos soldados desconhecidos mortos na I Grande Guerra1

A ideia de sepultar com honras militares um soldado anónimo que encarnasse todos os mortos em campanha não identificados, foi concretizada em primeiro lugar pela França. Para o efeito, em 9 de Novembro de 1920 foram exumados e transportados de diferentes sectores da frente de batalha para a cidadela de Verdun, onde ficaram em câmara ardente, os corpos de oito soldados de identidade desconhecida. No dia 11, um dos oito corpos foi transportado para o Arco do Triunfo, onde ficou em câmara ardente até ao dia 28 de Janeiro de 1921, e onde ainda se encontra hoje. Dois meses mais tarde, o Governo português procedeu à transladação de dois soldados de identidade desconhecida, um representando os mortos nas campanhas em África e outro representando os mortos nas campanhas em França, tendo decidido que a cerimónia de homenagem se realizaria no dia 9 de Abril de 1921, para o efeito decretado feriado nacional.

O corpo vindo de França foi colocado em câmara ardente, de 9 a 12 de Março de 1921,2 na cidade portuária de Havre, onde foi embarcado no pa-

Transporte do féretro para o Arsenal da Marinha. quete Porto com destino a Portugal. Juntamente com ele, regressaram três oficiais mortos em combate: o capitão Serrão Machado, morto por uma granada, e o tenente Vidal Pinheiro e o

alferes Carrazeda de Andrade, mortos por gazes tóxicos. O Porto atracou no dia 17 de Março ao cais de Santos, em Lisboa, onde o esperava uma enorme multidão que presenciou o transporte

59

Foi Há 100 Anos Homenagem aos Soldados Desconhecidos

do féretro para o Arsenal da Marinha, a cargo de seis militares de Infantaria.

A urna com os restos mortais do segundo soldado desconhecido saiu de Moçambique a bordo do navio de transporte inglês Briton. A 30 de Março chegou à Ilha da Madeira, tendo sido conduzido para os Paços do Concelho, onde permaneceu em câmara ardente até ao dia 3 de Abril, sendo então transportado para o cruzador República, que o trouxe para Lisboa, onde chegou no dia 6. No mesmo dia, a bordo do navio de transporte Zaire que acompanhou desde o Funchal o cruzador, chegou o corpo do capitão Sebastião Roby, morto em combate no Sul de Angola em 10 de Julho de 1915. A urna com o soldado desconhecido foi transportada para o Arsenal de Marinha por uma formação de marinheiros.

No dia 7 de Abril os corpos dos dois soldados desconhecidos foram conduzidos do edifício do Arsenal da Marinha para o Palácio do Congresso (sede do actual Parlamento), em cujo átrio receberam diversíssimas homenagens.3 No dia seguinte foram transladados para a Basílica da Estrela, onde teve lugar uma cerimónia solene a que assistiram as primeiras figuras do Estado português e representações de muitos países amigos. “(…) Terminada a cerimónia religiosa o cortejo seguiu da Basílica da Estrela para a Calçada da Estrela, Av. Presidente Wilson (actual D. Carlos I), 24 de Julho, Cais do Sodré, Rua do Arsenal, Rua Augusta seguindo para a Estação do Rossio, onde embarcaram para Leiria.

Na maior comoção, o enorme cortejo que acompanhou os gloriosos despojos dos ‘Soldados Desconhecidos’, atravessou Lisboa por entre uma multidão, que era compacta e que assim não negou o seu concurso às derradeiras homenagens aos mortos que simbolizaram a Pá-

tria na guerra. A alma da Pátria, liberta das mil pequenas contingências da miséria diária, entrou na História levando consigo os poucos despojos dos Heróis sem nome (…).

Terminadas as soleníssimas exéquias em Lisboa os restos mortais dos Heróis foram conduzidos de combóio para Leiria. Daqui seguiram em cortejo para o mosteiro de Nossa Senhora das Vitórias, a Batalha. Foi imponentíssima a

jornada da Batalha, um acontecimento histórico digno de registo. Partiram de Leiria os ataúdes que seguiram em cortejo rodeados pelas bandeiras e contingentes das missões estrangeiras até ao Mosteiro da Batalha. Durante a entrada no Mosteiro da Batalha os canhões troaram e o recolhimento foi profundo. Completou-se a suprema consagração (…).”4 O nosso Colégio esteve presente nesta hora solene. No Vol. II da História do Colégio Militar, do José Alberto

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O transporte por uma formação de marinheiros. Imagem do cortejo em Lisboa

Foi Há 100 Anos Homenagem aos Soldados Desconhecidos

da Costa Matos (96/1950), pode ler-se: “(…) O Colégio Militar toma parte nas cerimónias militares de homenagem nacional aos portugueses mortos na 1ª Grande Guerra, simbolizados nos Soldados Desconhecidos, trazidos dos campos de França e de África e depostos na sala do capítulo do Mosteiro da Batalha, vindo a ser louvado pelo ministro da Guerra, conjuntamente com outros corpos participantes «pelo admirável porte militar, pela perfeita disciplina e pela correcção de uniformes com que se apresentaram nos desfiles e paradas realizados (…)”.

Infelizmente, a cerimónia viria a ser marcada de forma trágica por um acidente aéreo: “(…) Da Amadora haviam partido 6 aviões destinados a sobrevoar a cerimónia que terminaria na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha.

Num aparelho Nieuport seguia o Tenente-Coronel, recém-promovido, Castilho Nobre e o seu adjunto Alferes Ramalho Ortigão que pilotava o avião.

Depois de ter sobrevoado o préstito fúnebre e por alturas da Regueira de Pontes (Leiria), uma avaria no motor obrigou a uma aterragem de emergência, que obstáculos naturais do terreno transformaram numa tragédia, em que o avião ficou destroçado e em que faleceria imediatamente Castilho Nobre. Apesar de muito ferido e com fracturas, Ramalho Ortigão, conseguiu salvar-se, mas ficando inutilizado para o Serviço Aéreo, sendo por isso reformado.

Castilho Nobre, nobre de apelido e de carácter, com 38 anos apenas, seria mais uma das vitimas da longa lista necrológica da nossa Aeronáutica Militar, com a legenda honrosa:

«Morto pela causa do Ar e ao Serviço da Pátria» (…)”.5

Como acontece com frequência, o entusiasmo popular e a consideração da classe política não duraram muto tempo. Um ano mais tarde, o abandono a que tinha sido votado o túmulo dos soldados desconhecidos era de tal ordem que, em 24 de Maio de 1922, o Parlamento “(…) deliberou informar o Ministro da Guerra para que tomasse medidas para evitar

uma verba suficiente para completar de forma condigna a homenagem aos Soldados Desconhecidos (…)”.6

A vontade de conferir dignidade ao túmulo não esmoreceu e, em 9 de Abril de 1924, o Monumento ao soldado desconhecido recebeu um Lampadário. A ideia de uma «Chama da Memória»

o facto vexatório em que o país se encontrava, perante esta situação e que era observada pelos estrangeiros e as delegações de países estrangeiros que vinham visitar a Batalha e encontravam os Soldados Desconhecidos completamente ao abandono. Para resolver esta situação foi votada, no Parlamento,

concebida como uma homenagem perpétua, foi sugerida pela primeira vez em França pelo jornalista Gabriel Boissy em 1923 e concretizada pelo então Ministro da Guerra André Maginot. Em Portugal, a cerimónia de inauguração solene do Lampadário criado por mestre Lourenço Chaves de Almeida e do acender da Cha-

61

Foi Há 100 Anos Homenagem aos Soldados Desconhecidos

ma da Pátria, foi presidida pelo Ministro da Guerra, Américo Olavo.7

Finalmente, em 9 de Abril de 1958, o «Cristo das Trincheiras» foi colocado na parede sobranceira ao túmulo dos soldados desconhecidos. A imagem – acompanhada desde França por uma delegação de antigos combatentes portugueses da I Grande Guerra, que residiam em França, e por uma delegação de deputados franceses – chegou a Lisboa de avião, a 4 de Abril de 1958, tendo ficado em exposição na capela da Escola do Exército até ser conduzida para o Mosteiro da Batalha e colocada, em 9 de Abril, à cabeceira do túmulo do Soldado Desconhecido, na sala do Capítulo.

actual do Túmulo.

No sector português da Flandres, situado entre as localidades de Lacouture e Neuve-Chapelle, encontrava-se um artístico cruzeiro com um Cristo pregado numa cruz de madeira. No dia 9 de Abril de 1918 caiu durante várias horas, sobre a 2.ª Divisão portuguesa, uma tempestade de fogo de artilharia alemã que praticamente destruiu a povoação de Neuve-Chapelle e provocou milhares de baixas entre as tropas portuguesas. No final da luta o Cristo mantinha-se de pé, mas com as pernas e a mão direita decepadas. Apesar do caos então vivido, o cruzeiro foi trazido para posições de rectaguarda das forças aliadas.

Finda a guerra, o Cristo foi recolocado no local de origem e ali se manteve durante quarenta anos. Em 1958, tendo o Governo Português manifestado o desejo de o possuir, o Governo Francês concedeu autorização para o seu transporte para Portugal.

1 Com base em elementos recolhidos na Ilustração Portuguesa , n.º 787, de 1921 e em http://www.momentosdehistoria.com/ 001-grande_guerra/001-03-republica-e-guerra/ 001-03-05-soldado_desconhecido.html:

2 Nesse dia, em 1918, as forças portuguesas travaram os mais duros combates na frente europeia.

3A cerimónia foi presidida pelo Presidente da República António José de Almeida e estiveram presentes muitos ministros e outras altas personalidades do Estado.

4 In Ilustração Portuguesa, n.º 787, 1921

5 CARDOSO, Cor. Pil. Av. Edgar da Costa, História da Força Aérea Portuguesa, Volume I , EMFA, pág. 283

6 In Ilustração Portuguesa, n.º 787, 1921

7 CAMPOS, Mário, “A jornada gloriosa do 9 de Abril”, in O Século, n.º 15 140, de 9 de Abril de 1924, p. 5

A imagem como ficou após o bombardeamento.

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Aspecto

Foi Há 100 Anos 1ª Viagem Aérea Lisboa-Madeira

1ª Viagem Aérea Lisboa-Madeira

Em Maio de 1919, chegou ao Tejo e abrigou-se no Centro de Aviação Naval de Lisboa, na doca do Bom Sucesso, o hidroavião «N.C. 4», do Comandante Read, da Marinha dos Estados Unidos da América (EUA), que acabara de fazer a primeira travessia aérea do Atlântico Norte. Não existiam na altura aparelhos de navegação aérea, que permitissem às tripulações dos aviões determinar a sua localização no ar, sobre os oceanos. Para tornar possível a travessia, a Marinha dos EUA tinha disposto, antecipadamente, um conjunto numeroso de navios, igualmente distanciados entre si, localizados segundo a rota a seguir pelo avião, expelindo fumo pelas suas chaminés, guiando assim o avião ao longo da sua viagem.

O Comandante Sacadura Cabral, que foi o primeiro piloto da nossa Armada, ficou fortemente impressionado com a viagem do Comandante Read, tanto mais que já na altura acalentava a ideia de fazer a viagem aérea Lisboa-Rio de Janeiro. Passados poucos dias, entregou, em 26 de Maio de 1919, um requerimento ao Ministro da Marinha, que terminava nos seguintes termos:

«Como oficial aviador a quem os progressos da Aviação e do País muito interessam, venho rogar a V. Ex.ª me conceda autorização para tentar realizar esta travessia e solicitar se digne obter me seja fornecido o auxílio necessário para este fim».

Em 1920, Sacadura Cabral foi encarregado de adquirir em Inglaterra material de voo para a Aviação Naval. No mês de Maio desse ano, trouxe de Calshot, perto

de Southampton, para Lisboa, juntamente com o Comandante Pedro Rosado e outro pessoal, dois hidroaviões bimotor «F-3 Felixtowe», tendo feito escalas em Brest (França) e em Ferrol (Espanha). Foi uma viagem de cerca de 1.900 km, com alguns contratempos pelo caminho, que levou Sacadura Cabral a escrever «viagem esta, que se não constitui um facto extraordinário, também não pode ser considerado banal».

A viagem ao Brasil, que Sacadura Cabral ambicionava fazer, implicava a necessidade de resolver o problema da navegação aérea, pois estava fora de questão qualquer solução do tipo da seguida pelos americanos em 1919. Para o ajudar a resolver o problema, Sacadura Cabral recorreu ao então capitão de mar-e-guerra Gago Coutinho, com quem tinha trabalhado durante muito tempo, em África, na delimitação das fronteiras das colónias e em trabalhos de geodesia. Gago Coutinho dedicou então a sua atenção ao problema da navegação aérea e procedeu à aplicação de um nível ao sextante, para obter horizonte artificial.

Antes de se abalançarem a fazer uma viagem de travessia do Atlântico, Sacadura Cabral e Gago Coutinho, consideraram necessário fazer uma viagem, de grande extensão, sobre o oceano, para testar o equipamento de navegação desenvolvido, bem como a fiabilidade dos motores. Decidiram fazer uma viagem de ensaio, de Lisboa ao Funchal, usando um dos aviões «F-3 Felixtowe» adquiridos, em 1920, em Inglaterra.

A tripulação seria formada por Sacadura Cabral como piloto, Gago Coutinho, como

navegador, o 1º tenente Ortins Bettencourt, como 2º piloto e o francês Roger Soubiran, contratado pela Marinha, como mecânico. A viagem foi aprazada para Março de 1921. Curiosamente, dias antes da viagem, dois membros da tripulação tinham algumas dúvidas relativamente ao seu sucesso. Soubiran dizia a Sacadura «pelos motores respondo eu, mas quanto à navegação desconfio muito, e assim se temos de andar à procura da ilha podemos meter a vida em despesa». Pelo seu lado, Coutinho dizia-lhe «lá pela navegação respondo eu, mas quanto ao realejo não digo o mesmo». Sacadura, imperturbável, respondia a um e a outro «pelo resto respondo eu». E assim se chegou ao dia 22 de Março de 1921, o dia do grande teste. Na «História da Força Aérea Portuguesa», do Coronel Piloto Aviador Edgar Pereira da Costa Cardoso (272/1919), a viagem é descrita, de forma muito abreviada, do seguinte modo:

«Às 10 horas desse dia – que seria o ensaio geral de uma prova memorável – o «F-3» de 350 Cv, n.º 4018, rumou em direcção à Trafaria, tomando posição face ao vento para a descolagem, que teve lugar ás 10 horas e 25 minutos. A assistir, apenas os poucos camaradas que sabiam deste projecto.

Às 10H35 passam sobre o Bugio, ponto de partida da sua derrota, seguindo a 240º de agulha, para corrigir o provável abatimento do vento, que era leste direito.

Depois de uma viagem bonaçosa, por volta das 16H15, quando Coutinho efectuava ao seu último cálculo, verificou que estavam a 30 milhas de Porto Santo.

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Foi Há 100 Anos 1ª Viagem Aérea Lisboa-Madeira

Porto Santo foi atingido num ápice e, até à Madeira, meia hora decorreu. Os aviadores haviam alcançado o seu objectivo, e as suas melhores previsões tinham sido excedidas, pois tinham nos tanques ainda gasolina para três horas de voo o que lhes permitiria, em caso de nevoeiro ou outra emergência, alcançar as Canárias.

A amaragem processou-se com a maior facilidade após 7H40 de voo, depois de percorridos em voo directo 530 milhas (983 quilómetros)».

A amaragem fez-se na baía do Funchal, às 18H04 de Lisboa. A viagem foi feita voando a uma altitude média de 120 m, descendo por vezes até aos 60 m, para observar em horizonte do mar.

Pouco depois da amaragem, o hidroavião foi rodeado por inúmeros gasolinas e barcos a remos,queformaramcomoqueumcortejotriunfal, que o acompanhou até ao fundeadouro.

Parados os motores, o hidroavião foi rebocado por um gasolina que trazia as autoridades da terra e onde o Capitão do Porto, camarada dos destemidos aviadores, dava largas à sua muita alegria pela chegada da expedição. Os aviadores ficaram vários dias no Funchal, onde foram recebidos principescamente. Aproveitou-se para fazer uma revisão geral do hidroavião e alguns voos de ensaio ao longo da costa da ilha. Num desses voos embarcaram «duas gentis damas da Madeira», que, segundo Sacadura Cabral «mostraram uma coragem e um sangue frio, que fariam inveja a muitas pessoas do sexo forte». Quando estavam no Funchal, a 31 de Março, chegou à ilha, no navio «Briton», o cadáver do Soldado Desconhecido morto em África, a quem os aviadores foram prestar homenagem. No dia seguinte, a 1 de Abril, chegou o navio «República», que vinha buscar o cadáver do Soldado Desconhecido para o trazer para Lisboa. Em artigo separado deste número da revista, descreve-se o que foram, no Continente, as cerimónias

de trasladação dos cadáveres dos Soldados Desconhecidos para o Mosteiro da Batalha.

A 2 de Abril, iniciou-se a viagem de regresso, com uma afectuosíssima despedida por parte da população. Juntaram-se milhares de pessoas, no cais e na praia, para assistirem à partida. Às 14H45, hora de Lisboa, o hidroavião, numa corrida magnífica, levantou voo por entre aclamações, passando rente ao «República», que tinha a guarda formada. Largou assim rumo a Porto Santo, onde chegou passados 50 minuto e onde o esperava o navio «Guadiana», para lhe dar apoio.

A viagem de regresso a Lisboa seria mais difícil do que a da ida, por causa dos ventos. A volta para Lisboa tinha uma elevada probabilidade de se fazer com ventos contrários, o que iria reduzir a velocidade do avião e aumentar significativamente a quantidade de combustível necessária para a viagem. Mesmo com a partida de Porto Santo, que já encurtava a extensão a percorrer, a viagem continuava a ser problemática, tendo de se encarar a hipótese de fazer escala ou em Lagos, no Algarve, ou em Casablanca, em Marrocos. No dia 4 de Abril, de manhã, retomou-se a viagem de regresso, tendo agora como destino Lagos. Ao fim de uma hora de viagem, em que se deviam ter percorrido 58 milhas, as observações feitas indicavam que apenas ti-

nham andado umas 45 milhas, tal era a força do vento contrário. Decidiu-se retroceder para Porto Santo, onde se amarou sem novidade. No dia 6 de Abril, fez-se uma primeira tentativa de descolagem, com vento quase nulo, mas o avião não descolou. À segunda tentativa, com o avião apontado a terra, depois de uma longa corrida, a subida à descolagem deu-se muito lentamente, o que obrigou a iniciar uma viragem, assim que começou a descolagem, pois seguindo em frente o avião não passaria por cima do terreno da ilha, que era acidentado. A viragem a baixíssima altitude fez com que o flutuador de bombordo tocasse na água, voltando o hidroavião ao contacto com o mar, abrindo-se um pequeno rombo por onde começou a entrar água. A água entrou em contacto com uma bóia de fumos, que se inflamou. A partir daí o fogo foi-se propagando ao longo do aparelho. Ainda se conseguiu trazer o aparelho para a praia, mas o mesmo acabou por ser totalmente consumido pelas chamas. Assim acabou, ingloriamente, o «Felixtowe F-3» n.º 4018. A tripulação voltou a Lisboa a bordo do «Guadiana», com a certeza de terem comprovado a eficácia do método de navegação adoptado, que no ano seguinte os levaria ao Brasil.

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Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957) O Felixtowe F-3 nº 4018 na baía do Funchal.

Foi Há 100 Anos Fundação da revista «O Colégio Militar»

Fundação da revista O Colégio Militar

No presente ano de 2021, celebramos o centenário da fundação da revista O COLÉGIO MILITAR, cujo primeiro número é datado, de 11 de Maio de 1921. Esta revista, que começou por ter a forma de um jornal, não foi a primeira publicação periódica, que os Alunos do Colégio, com «veia jornalística», produziram. Segundo nos relata José Alberto da Costa Matos (96/1950), na sua «História do Colégio Militar», o Dr. Júlio Martins, antigo professor e responsável pelo museu e arquivo histórico do Colégio, fez um levantamento da matéria, que foi publicado, num artigo na revista O COLÉGIO MILITAR, em Julho de 1983, com o título «Imprensa Colegial – breves apontamentos para a sua história». De acordo com esse levantamento, as publicações mais antigas que se conhecem, datadas do final do século XIX, são «A Camarata», «A Bomba», «O Garoto» e o «Bródio» «A Camarata» era um semanário manuscrito, do qual era produzido um exemplar único, que era lido em grupos nas camaratas. «A Bomba» era produzida em vários exemplares, executados em copiógrafo, e tinha a particularidade de ser ilustrado com caricaturas de professores, alunos e empregados colegiais. «O Garoto» e o «O Bródio» eram também executados em copiógrafo, mas de má qualidade, pelo que os exemplares existentes são quase ilegíveis, permitindo porém entender que se dedicavam à crítica humorística da vida colegial. No início do século XX, a produção literária continuou. No dia 3 de Março de 1901, foi publicado o primeiro número do jornal «O Puritano», que era policopiado, feito por um aluno só, tendo sido publicados 5 números.

Para obra de um aluno só, foi um bom esforço. Em 1903, foi publicado o número único da designada «Revista Colegial». Segundo Costa Matos, era uma publicação que saía da linha das anteriores, tendo uma capa a cores, vinte páginas primorosamente ilustradas, assumindo uma natureza essencialmente literária e artística. Recorde-se, que 1903 foi o ano da celebração do 1º centenário do Real Colégio Militar, na altura sob a direcção de um extraordinário pedagogo, o então Coronel José Estevão de Morais Sarmento (44/1854).

Em 1904, com data de 1 de Janeiro, foi publicado o primeiro número do jornal «O Arauto», com um preço avulso de 50 reis. Na primeira página deste número inicial do jornal era apresentada uma «Homenagem a Sua Alteza o Príncipe Real», acompanhada de uma imagem do Príncipe D. Luis Filipe, fardado de Comandante de Batalhão Colegial. Era uma publicação de nível comparável à de O COLÉGIO MILITAR, que surgiria quase 20 anos mais tarde. No Museu Colegial só existem os dois primeiros números de «O Arauto». Implantada a República, surgiram, no ano de 1911, duas novas publicações. A primeira, foi um quinzenário manuscrito «Progresso de Carnide», obra de alunos do 6º ano, retomando a feição crítica da vida colegial. A segunda publicação, apresentava a novidade de ser uma publicação de índole desportiva, com o título «Jornal da Associação». Era uma publicação manuscrita. Em 1914, surgiu um novo jornal manuscrito «O Douro», contendo notícias, adivinhas e até anúncios. Num exemplar existente no Museu, o aluno 353 anunciava que vendia, na sua carteira (1ª carteira, da 3ª fila, lado es-

querdo), selos de Portugal e colónias. Porquê o título «O Douro»? Seria o jornal obra de Alunos «tripeiros»? Porquê a venda de selos? Receberia o 353 alguma comissão dos Correios?

Em Dezembro de 1916, foi lançado o semanário «A Tezoura», publicação impressa, de quatro páginas, que se apresentava como «Órgão dos Alunos da 7ª classe». Só foram publicados 4 números. Os Alunos da 7ª classe concluíram o seu curso, saíram do Colégio e assim se extinguiu a publicação. Em 1921, antes do início da publicação de O COLÉGIO MILITAR, viu ainda a luz do dia, a 15 de Março, uma publicação manuscrita, que se pretendia mensal, designada «O Vibrar da Lira», que tinha como objectivo «entreter os prezados leitores». Um dos redactores deste jornal, de existência efémera, era Carlos Miguel Lopes da Silva Freire (246/1917), Comandante de Batalhão no ano lectivo de 1923/1924, cujo curso foi aqui recentemente recordado, no número 220, de Julho/Setembro de 2020, da ZacatraZ, por seu filho, João Carlos de Oliveira Moreira Freire (246/1953).

No dia 11 de Maio de 1921, foi publicado, como inicialmente se referiu, o então jornal O COLEGIO MILITAR, de que agora se celebra o centenário. A sua criação ficou a dever-se a um conjunto de Alunos, à frente dos quais estava o então Comandante de Batalhão, Paulo Emílio de Brito Aranha (356/1914), primeiro Director do jornal, cuja biografia apresentamos em artigo separado deste número da revista. Com ele se iniciou a prática, hoje tradição, de o Comandante de Batalhão ser o Director de O COLÉGIO MILITAR.

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Foi Há 100 Anos Fundação da revista «O Colégio Militar»

No cabeçalho da primeira página do nº 1 do jornal, era apresentado o seu Corpo Redactorial e Dirigente sendo também identificado o «endereço» da Redacção e Administração da publicação. O Corpo Redactorial e Dirigente da revista era constituído, para além do Director Paulo Emílio de Brito Aranha, pelos seguintes Alunos:

- António de Santa Clara Ferreira (199/1914). Foi oficial de Infantaria, aguarelista e escritor, sendo autor, entre outras, de «Cartas do Extremo Oriente».

- Ramiro Correia Guedes de Campos (42/1915). Foi engenheiro e professor do InstitutoSuperiorTécnico,alémdelicenciadoem Letras, sendo também um excelente poeta.

- Rafael Pinto Barradas (342/1915). Foi oficial do Exército, crítico desportivo, presidente da Federação Portuguesa de Boxe e delegado da Direcção Geral dos Desportos para o pugilismo português.

- José Correia de Sá (367/1916). Foi um dos pioneiros do cinema português, fundador da «Lisboa-Filmes», produtor de «Fátima Terra de Fé» e de «Um Homem às Direitas», distinguindo-se também como poeta, novelista e caricaturista.

- Manuel Francisco Dias de Oliveira Cabeças (322/1914). Era um jovem de temperamento poético, cujo rasto se perdeu.

- António Carvalho Medeira (166/1913). Era outro interessado pela poesia, que veio a falecer pouco depois de sair do Colégio.

Quanto à Redacção e Administração da revista, indicava-se que as mesmas eram «sediadas» na 7ª Companhia do Colégio Militar, na Luz. Nos dias de hoje, parece estranho falar-se de uma 7ª Companhia, dado o número de Companhias do Colégio ser de quatro, já há muitas décadas. No entanto, a orgânica do Colégio compreendeu sete Companhias, entre o ano lectivo de 1917/1918, e o ano lec-

tivo de 1938/1939, ou seja, durante um período de vinte anos. Eram Companhias com efectivos muito pequenos, comparados com os efectivos das quatro Companhias actuais, mas houve decerto motivos, naquela época, que recomendaram tal figurino.

O que foi o início de «O Colégio Militar», foi descrito por Santa Clara Ferreira num artigo que publicou, por ocasião do 150º aniversário do Colégio, em Março de 1953, no nº 98 de O COLÉGIO MILITAR, que reproduzimos parcialmente de seguida. «Vivíamos numa bela idade cheia de ilusões e de sonhos. Aquela empresa de fundar um jornal afigurava-se-nos uma coisa grandiosa: acreditávamos sinceramente que iríamos revolucionar a opinião e a crítica, com as nossas ideias».

Depois de nos descrever as características de cada um dos membros da Redacção, incluindo-se a si próprio nessa descrição, Santa Clara Ferreira prossegue:

«Decidimos pois fundar o jornal e deitámos mãos à obra.

Reuníamo-nos a um canto do geral, para tratarmos de tão magno assunto, abancando em duas carteiras. Animava-nos a todos a chama de um grande entusiasmo.

A empresa parecia-nos tão audaciosa que duvidávamos de que a pudéssemos realizar. O Brito Aranha tinha um irmão mais idoso e que nos parecia a nós que podia ser mesmo seu avô; aquele senhor vivia lá fora no mundo das Letras, percebia das coisas da Imprensa, e conhecia o segredo de se publicar um jornal ou meter qualquer escrito em letra de forma. Era ele que nos iria valer, porque nós não entendíamos nada do lado prático da questão.

A coisa não se fez com a rapidez que desejávamos, houve dissabores, contratempos, dificuldades; e por mais de uma vez desesperámos, com funda tristeza, de alcançar o sucesso. Por fim tudo se resolveu; e começámos afanosamente a compor os nossos artigos. (…)

Que ideia maravilhosa nós fazíamos então do Mundo!

Não posso esquecer a tarde em que nos che-

gou da tipografia o primeiro número. Com que alvoroço desatámos aquele embrulho! Foi um deslumbramento! Queríamos todos ver o jornal, apalpá-lo, cheirá-lo, mirá-lo e remirá-lo bem!....

Liamos aqui e além trechos dos nossos próprios artigos, numa deliciosa excitação, sem compreender bem o sentido das frases, encantados com aquela letra de imprensa que adquiria de súbito um prestígio novo. Passávamos os dedos por cima da página como se acariciássemos uma seda rara, e cheios de orgulho, quedávamo-nos a contemplar aquela coisa maravilhosa e extraordinária – aquela coisa nunca vista – que era o nosso nome em caracteres tipográficos – o nosso nome de autor! Tínhamos ingressado no grande mundo das Letras! Para nós aquilo era como se tivéssemos ganho o prémio Nobel. Hoje, ao recordar estas coisas distantes, não posso deixar de sorrir. Mas é um sorriso bom e condescendente – um sorriso que brilha através duma inquieta lágrima de saudade. E orgulho-me, sim, orgulho-me ainda, vendo que o nosso jornal continua a existir».

Já passaram quase 70 anos, sobre a data em que Santa Clara Ferreira recordou, com saudade, o que foi a fundação de O COLÉGIO MILITAR. O mundo deu muitas voltas, o Colégio sofreu enormes transformações, mas o essencial, «O Espirito do Colégio Militar», permanece. Assim sendo, respeita-se o passado e mantém-se aquilo que de bom nele encontramos. Os anos vão passando, mas o Comandante de Batalhão, primeiro Aluno responsável pela manutenção das tradições da nossa Casa, continua a assumir, ano após ano, a Direcção da Revista. Fazemos votos para que assim continue nos anos que hão-de vir. Nós, os Antigos Alunos continuaremos disponíveis para dar o apoio que nos for solicitado. Não são muitas as publicações que se podem orgulhar de ter uma existência centenária. A revista O COLÉGIO MILITAR é uma delas, o que é mais um motivo de orgulho para toda a comunidade Colegial. ZACATRAZ por esta distinta senhora!

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Antigos Alunos nas Artes e nas Letras

Antigos Alunos nas Artes e nas Letras

Compilador, editor literário e organizador desta interessante obra, João Carlos de Oliveira Moreira Freire (246/1953)2 oferece-nos um conjunto de textos destinados a contribuir para “(…) uma história não oficial das diversas marinhas portuguesas nos últimos dois séculos (…)”. O resultado é uma viagem do leitor por mares e continentes, acompanhando protagonistas diversos, que tão depressa nos impressionam pela cultura como pela coragem ou pela ironia. Há relatos de operações militares na água e em terra, memórias de tragédias e de euforias, momentos de tédio e de deslumbramento.

Em cento e uma histórias respigadas de variadíssimas publicações e que raramente ultrapassam as duas páginas, o autor dá-nos a conhecer personagens inesquecíveis que povoaram o nosso passado colectivo em todos os mares e continentes. Homens cuja candura nos toca profundamente e outros que nos provocam admiração pela determi-

nação e coragem no cumprimento do dever. Há descrições hilariantes como a da passagem do equador, e situações de intensa dramaticidade, quando os doris da pesca do bacalhau perdem o contacto com o navio-mãe e é preciso procurá-los no meio de espesso nevoeiro. Há tragédias como a do torpedeamento do navio Angola por um submarino alemão em Março de 1917 e cenas de violência no Arsenal, nos anos da 1.º República. Não faltam naufrágios para nos recordar os perigos a que se sujeita quem anda no mar, mas também podemos deleitar-nos com o exotismo do Oriente no tempo em que o Sol jamais se punha no Portugal multirracial e pluricontinental. E, numa espécie de homenagem derradeira, temos o relato dramático dum navio que encalhou num banco de areia e cujo comandante, sentindo-se responsável pelo incidente, se lança ao mar para se afogar. Outro elemento de grande interesse reside na utilização, em muitos dos artigos, de terminologia naval, um universo riquís-

simo de vocábulos cujo significado escapa ao cidadão comum mas que possuem uma sonoridade incomparável. Acresce que as histórias são generalizadamente escritas em bom português e algumas são mesmo produto de gente que manuseia a língua com elegante mestria.

João Freire foi muito feliz no seu persistente trabalho de pesquisa e compilação, pois o produto final constitui um notável repositório de episódios que cobrem, no essencial, as actividades de marinheiros fardados e à paisana num período de duzentos anos. Para além disso, as histórias seleccionadas são sempre interessantes e a sua leitura constitui um autêntico prazer.

1 O director da Revista de Marinha é o vice-almirante Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca (47/1956).

2 Professor catedrático aposentado de Sociologia e Professor Emérito do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. É autor de vasta bibliografia versando sobretudo temáticas da natureza sociológica.

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FREIRE, João (org.), Memórias navais, Revista de Marinha,1 Lisboa, 2020

Antigos Alunos nas Artes e nas Letras

Comentários a livros relacionados com ex-alunos do Colégio Militar, por Manuel Barão da Cunha,

(150, de 1948/55, e professor no Colégio em 1971/73).

Conheci-o em Moçambique, em 1969, no Parque Natural da Gorongosa. Como era advogado da nossa companhia aérea TAP, tinha facilidade em vir cá e a outros locais do que era então o nosso império.

O livro, após segunda leitura, parece-me muito interessante e a ação do romance decorre em vários locais de Angola, ainda portuguesa, embora em guerra, desde o rio Zaire ao Cunene.

são imaginários nem que qualquer semelhança com pessoas ou animais reais é pura coincidência. (…)»

A primeira parte está centrada na selva e na savana, no Norte de Angola, predominando o capim. Começa em 1970, na estação seca ou do cacimbo, sendo habitada por povo ovanoko que vive em aldeias que designa de ongandas e nós de sanzalas.

Aventura Africana, de prof. Carlos Valiente Noailles, relativo a Branco Ló (90/1942); Todos os Portos a que cheguei, Vasco Rocha Vieira, de Pedro Vieira, relativo a Rocha Vieira (127/1950); Dias sem nome, histórias soltas de um médico na guerra da Guiné, de dr. João Trindade, relativo a Raul Folques (380/1952).

Aventura Africana, de Carlos Valiente Noailles, professor universitário e jornalista argentino, Emecé Editores, 1977:

Escreveu no prólogo (tradução minha): «A partir de 1969, consegui realizar sonhos antigos e viajar pelo continente negro, onde tanto a civilização de progresso como a não civilização destrutiva estavam mudando. A hospitalidade dos Portugueses em Angola e Moçambique abriu-me as portas de África, nessa primeira viagem em que a realidade não dececionou as expectativas, deixando-me para sempre o “feitiço de África” (…) Nas minhas sucessivas viagens, escolhi as regiões mais primitivas, onde a técnica e os costumes europeus não haviam chegado ou eram afastados por tribos agarradas aos seus ritos e tradições. (…)

As tribos que menciono existem e os seus costumes e caraterísticas são as que refletem estas páginas (…) Quanto às personagens deste livro (…) não direi que

Refere um batuque, na morte de um ancião, a que chamaríamos «choro»; as habitações (cubatas) e o costume das crianças serem transportadas às costas das mães; fauna, incluindo gorilas, elefantes, mabecos e cobras; feiticeiro, «quimbanda»; pigmeus, que não são povos bantus nem sudaneses, como a maioria dos africanos; aventureiros europeus em busca de diamantes; o costume português da refeição designada de «mata/bicho», cerveja «cuca»

No capítulo 22, pág. 105, introduz a personagem major Branco Sá, governador do distrito, «um homem jovem e enérgico»

Quem inspirou esta personagem foi o José Maria Branco Ló, que entrou para o Colégio Militar em 1942, com o n.º 90,

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Manuel Júlio Matias Barão da Cunha 150/1948

Antigos Alunos nas Artes e nas Letras

tendo completado em 1950. O seu curso colegial deve ser um dos ou o que terminava por um número mais baixo, pois ia, apenas, desde o n.º 1 ao 108, incluindo o n.º 47, José Maria Myre Dores, que foi comandante do Batalhão colegial em 1948/49, engenheiro em Angola e é recordado, nomeadamente, por não dividir as pessoas em «direita» e «esquerda», mas em «atentos aos outros ou não» …

O José Ló seguiu a carreira militar até coronel de Cavalaria, tendo estado no Grupo de Dragões de Angola, onde colaborou nas remontas da tropa a cavalo na África do Sul, sendo, também, governador do maior distrito de Angola, o de Bié-Cuando-Cubango.

Dediquei um capítulo do meu último livro, O Homem Sonha?, apresentado simbolicamente em 2020.12.28, a Moçambique e ao argentino Carlos Noailles. Quando for possível, conto passar esta «relíquia», o livro, a outro Carlos, o Acabado, major piloto-aviador que viveu cerca de 12 anos em Angola e vários no ex-Congo Belga, em zona com gorilas…

Todos os Portos a que cheguei, Vasco Rocha Vieira, de Pedro Vieira, Gradiva, 2010, é outro livro relacionado com um ex-aluno do Colégio Militar.

Vasco Rocha Vieira nasceu no Algarve, mas foi cedo para Moçambique, onde viveu até entrar no Colégio Militar, com o n.º 127, em 1950; em 1956 foi para a Escola do Exército, sendo considerado o melhor aluno da Academia Militar, quando finalizou o curso de Engenharia e recebeu a cobiçada «espada de Toledo»; esteve em Macau em mais do que uma missão, tendo sido o nosso último governador; nos Açores, como ministro da República; foi chefe do Estado-Maior do Exército; participou no 25 de Novembro; e recebeu a Ordem da Torre e Espada, já como general.

Este é, também, um livro muito interessante e que refere vários outros ex-alunos do Colégio Militar, incluindo os, entretanto, falecidos: César Neto Portugal (282/1953), foi piloto-aviador; José Paiva Mourão (256/1946), chegou a general e foi presidente da Associação de Antigos Alunos do Colégio Militar; Mário Jesus da Silva (136/1949), chegou a general e escreveu um livro; Alfredo Campos Ghira (37/1949), oficial de Cavalaria; António Arnão Metello (353/1948), engenheiro militar, vice 1.º ministro de Vasco Gonçalves; Nuno Botelho de Medeiros (275/1948); e, felizmente, outros que continuam connosco, designadamente, Fausto Brito e Abreu (141/1948), almirante; Arcelino Mirandela da Costa (244/1949), diretor-geral dos Desportos; José Alves de Paula (62/1948), engenheiro em Moçambique e Macau, colabora na revista ZacatraZ; António Barrento (40/1948), general e Chefe de Estado-Maior do Exército…

Refere, também, outras personalidades, como: general Ramalho Eanes; comandante Rebordão de Brito; comandos;

brigadeiro Alípio Tomé Falcão; general Alípio Tomé Pinto; escultores Soares Branco e Augusto Cid; dr. Alarcão Troni (foi presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal); general Manuel Monge…

A biografia presta justiça ao nosso camarada Vasco Rocha Vieira e revela que, infelizmente, também lhe coube algo desagradável, nomeadamente, as lamentáveis «armadilhas», atribuídas a dr. João Mota Amaral, nos Açores, e a dr. Jorge Sampaio, quando foi Presidente da República…

Dias sem nome, histórias soltas de um médico na guerra da Guiné, de dr. João Trindade, By the Book, 2019, que refere outro camarada colegial, Raul Socorro Folques, (380/1952), coronel comando tirocinado, agraciado com Ordem da Torre e Espada e três Medalhas Cruz de Guerra.

É também um livro interessante. Não conheço muitos livros de autores

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Antigos Alunos nas Artes e nas Letras

médicos sobre a nossa última guerra, apenas me recordo deste, de um do dr. José Pratas e do Olhares sobre Guiné e Cabo Verde , sendo um dos 30 autores o dr. João Sequeira; e os três estiveram na Guiné.

Refere a habitual desajustada informação «13 anos da guerra», pois ela começou, em Angola, em 1961.02.04, onde só terminou em 1975.11.11, sucedendo-lhe outra…

Mas integra vários comentários interessantes, como: na pág. 12, «instrução desajustada de futuros oficiais milicianos», em Mafra; na pág. 42, «as pessoas baixaram a guarda» (será, também, o que, por vezes, se passa agora, nesta outra calamidade?); em págs. 64/65, ao Cherno Rachide, que não tive ocasião de conhecer pessoalmente, mas que era uma referência de sabedoria; na pág. 120, ao livro Última Missão , de coronel paraquedista José Moura Calheiros.

Na pág. 122, constam interessantes referências a: «solidariedade e entreajuda» (camaradagem) e «guerra injusta e evitável».

Haverá alguma guerra justa? E inevitável? Penso que a que vivemos só foi «justa» , quando lutámos para salvar vidas, como em Angola, no início; e que talvez fosse «evitável» , se os políticos fossem mais atentos aos outros e mais sensatos ou, no mínimo, poderia tentar-se haver negociações após termos reconquistado Nambuangongo e outras localidades, para se poder negociar em pé de igualdade. Talvez se tivesse evitado a continuação da guerra em Angola e a extensão a outros territórios. Mas, infelizmente, o então presidente do conselho de ministros só foi atento nas Finanças e em evitar

que participássemos na de 1939/45, esquecendo-se de visitar o Ultramar…

Refere alguns médicos que conheci, como dr. Carrilho Ribeiro, de quem fui professor de um filho dele, no Colégio Militar, em 1971/73.

Na pág. 24, menciona a guerra nas três frentes: Angola, Guiné e Moçambique, considerando pior a da Guiné. Concordo que tenha sido a pior, sob o ponto de vista militar, principalmente devido ao relativamente reduzido tamanho do território que facilitava bases nos países vizinhos; mas, sob o ponto de vista global, foi, certamente, em Angola, no princípio, com terrorismo (contei 23 cadáveres na madrugada de 1961.02.11, junto ao presídio de Luanda, no 2.º ataque que sofreu), e no final. Também aprendi que o olhar sobre esta guerra varia cronologicamente, com a geografia e conforme o observador.

Outro exemplo das diferenças de circunstâncias (tempo, espaço e olhar) influenciarem as opiniões parece ser, na pág. 78: a visão benéfica do Autor relativa a Bissau, que não coincide com a minha (outro observador, noutra altura e noutras circunstâncias), pois quando lá vivi era tropa de intervenção, saindo em operações repetidamente, para zonas desconhecidas e perigosas, enquanto, em quadrícula, fomos conhecendo terras e gentes e criando laços afetivos e úteis e não nos faltava água nem luz, embora tivéssemos de a ir buscar ao ribeiro e beneficiássemos de um gerador, o que não acontecia em Bissau, por vezes, até no hotel, em 1964/65.

Na pág. 118, refere operação Ametista Real , também referida em Olhares sobre Guiné e Cabo Verde , por coronel Raul Folques (380/1952).

Ainda, a propósito de desajustamentos, como o da instrução em Mafra, infelizmente, penso que também acontecia no curso geral de Estado-Maior, no qual estudávamos guerra clássica, quando vivíamos a subversiva de guerrilhas…

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Dedicatórias

A todos os que embelezaram e enriqueceram a minha juventude À vida, à morte, ao amor, à poesia,

A tudo que é eterno pois na minha alma se renova e recria,

A todos quantos teimam, como eu, em tornar mais belo e suave

o Crepúsculo À perene juventude do Poeta Verde da Cidade

Feita de maresia, ruas, sombras, soturnidade, tardes, melancolia,

À sua Lisboa sempre viva que entardece em cada esquina da nossa saudade.

Aos COMANDOS!

Antigos Alunos nas Artes e nas Letras

A todos os que cumpriram, sofreram, não esqueceram mas perdoaram tantos erros cometidos,

Aos que ainda acreditam numa Pátria renascida, ainda por cumprir

(a Pátria nunca esquecerá aqueles que por ela deram o melhor de si próprios, que se sacrificaram e a honraram, mas não perdoará aos que dela se serviram e a mancharam)

Ao nosso COLÉGIO DA LUZ e a todos que lá andaram e serviram

«Deus quer, o homem sonha, a obra nasce»

E o Colégio nasceu: «no mar sem fim» que é português!

Tua voz foi sinal:

Nos chama e exorta a servir Portugal!

Semeaste em nós o «Futuro do Passado»

Aqui entre mar, terra e céu Foi onde ele nasceu, Marechal, obrigado!

Posso morrer tranquilo, a vida abençoando Em três Ordens andei e em todas a alma pus: Fui Menino da Luz, Cavaleiro e Comando.

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Roberto Ferreira Durão 15/1942

Os que nos Deixaram

Os que nos deixaram

Aníbal José Mendes Brandão dos Santos Viegas (256/1934)

sogro de António Mota Cardoso, presidente da direcção da Assembleia Figueirense.

Artigo retirado do "Jornal da Figueira da Foz"

Faleceu o coronel Aníbal Viegas, antigo comandante de extinto Centro de Condução e Instrução Auto nº 2, unidade militar sediada na Figueira (conhecida por CICA 2) e foi um dos intervenientes ativos no 25 de Abril na cidade. Pertencente à Arma da Infantaria, Aníbal Viegas, aquando das manifestações a favor da revolução dos cravos, então com a patente de tenente-coronel, foi o respresentante da Junta de Salvação Nacional na Praia da Claridade, que discursou na varanda do antigo quartel RAP 3, no final da tarde do dia 1 de Maio de 1974.

O coronel Aníbal José Mendes Brandão dos Santos Viegas, de seu nome completo, faleceu aos 96 anos de

idade, no Hospital da Figueira, onde estava internado há 12 dias, tendo o seu funeral sido realizado na passada terça-feira.

Natural de Coimbra, mas desde muito jovem a residir na Figueira, estudou no Colégio Militar e actualmente residia numa das estruturas da Misericórdia-Obra da Figueira, onde pertenceu aos orgãos sociais e à qual, segundo a instituição em nota de imprensa, “prestou durante longos anos assinaláveis serviços” , expressando por isso, o seu “profundo pesar” e apresentando os “sentidos pêsames” à filha, genro e netos.

Aníbal Viegas era pai de Isabel Maria Neves Santos Viegas Cardoso e

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Coronel de Infantaria Nasceu a 16 de Agosto de 1924 Faleceu a 8 de Fevereiro de 2021

Os que nos Deixaram

José Fernandes Martins e Silva (174/1945)

NOTA NECROLÓGICA DE JOSÉ FERNANDES MARTINS E SILVA (174/1945)

O Capitao-de-mar-e-guerra José Fernandes Martins e Silva nasceu no Lobito, Angola, em 24/10/1932. Frequentou o Colégio Militar (1945-51) e a Escola Naval (1952-55), seguindo a sua normal carreira de oficial da Armada, durante 42 anos, até passar à situação de reforma em 1997.

Do seu diversificado percurso profissional na Marinha destacam-se: os embarques do início de carreira, durante dois anos, como chefe de serviços em draga-minas; a frequência do curso de Instrutor Militar de Educação Física no antigo INEF; a passagem pela Escola de Monitores de Educação Física da Marinha Francesa, em Toulon, com vista a organizar a criação de uma escolar similar na nossa Marinha, o que sucedeu pouco tempo depois; embarque no antigo navio-escola “Sagres” como oficial de guarnição e, já no posto de 1º Tenente, instrutor de Educação Física na Escola Naval, designadamente do meu curso; após a promoção a Capitão-tenente, foi em 1965 nomeado Comandante da primeira lancha de desembarque grande - a LDG “Alfange”,

partindo logo para o teatro de operações da Guiné, onde cumpriu comissão durante dois anos; frequentou seguidamente o Curso Geral Naval de Guerra, após o que foi nomeado director do Centro de Educação Física da Armada por cerca de um ano; entre 1969 e 1973 desempenhou o cargo de oficial imediato do navio-escola “Sagres”, altura em que tive o grato gosto de melhor o conhecer durante uma viagem de instrução ao Brasil, em que embarquei como instrutor dos cadetes; finda esta comissão, foi então destacado para Angola a fim de prestar serviço no Comando-chefe daquela província e, após 25 de Abril de 1974, no Gabinete do Alto-Comissário; regressado a Lisboa em 1975, foi colocado na 1ª Divisão do Estado-Maior da Armada; foi seguidamente nomeado para o cargo de Comandante do navio- escola “Sagres”, que desempenhou entre 1976 e 1980, nele efectuando a primeira viagem de circum-navegação do navio com a duração de onze meses, pelo que este honroso comando constituiu certamente para si o ponto mais alto da sua carreira naval; foi ainda no activo, já como Capitão-de-mar-e-guerra, 2º Comandante da Base Naval de Lisboa e Director do Pessoal do Arsenal do Alfeite.

Passado à reserva por limite de idade em 1984, manteve-se na efectividade do serviço, ainda por mais seis anos, primeiro como sub-director e depois como Director do Museu da Marinha.

Era membro da Academia de Marinha, onde atingiu o grau de membro emérito

em 2009 pelo reconhecimento dos seus positivos contributos para os objectivos da Academia no campo da cultura marítima.

Ressaltam da sua longa carreira naval o seu acentuado espírito marinheiro, os sólidos conhecimentos práticos de navegação e a faceta de notável especialista em marinharia, designadamente como autor de referência em obras da especialidade como o livro “Arte de Marinheiro” (1986) e a revisão e actualização da 2º edição da Clássica Editora do “Dicionário Ilustrado de Marinha” da autoria do Com. António Marques Esparteiro.

Na comissão de campanha como Comandante da LDG “Alfange”, na Guiné, revelou-se um manobreiro de grande perícia e determinação, grangeando o respeito e o reconhecimento das unidades do Exército e populações abastecidas pelo navio, muitas vezes em condições bem duras e arriscadas, próprias daquele difícil teatro de operações, mérito que lhe foi reconhecido pelo louvor e condecoração com a Medalha Militar de Serviços Distintos de prata, com palma.

O seu meritório desempenho no comando da “Sagres” com destaque para as importantes acções de representação da Marinha e do País, especialmente ao longo da viagem de circum-navegação, mereceu-lhe a atribuição de mais uma Medalha de Serviços Distintos de prata. Sobre esta viagem recomendo a leitura do interessante artigo do V/Alm. Reis Rodrigues, meu camarada do curso da Escola Naval e, na altura, oficial imediato do navio. (artigo apresentado de seguida)

Também o importante e notável desempenho do cargo de Director do Museu da Marinha, com que culminou a sua carreira

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Os que nos Deixaram

naval, grangeou-lhe grande prestígio pela acção esclarecida e muito dedicada que desenvolveu em prol da cultura náutica e da história da Marinha, o que lhe foi superiormente reconhecido com a concessão de uma Medalha de Serviços Distintos de ouro.

Falecido em 30/04/2021, a Marinha e o País perdem um digno e ilustre oficial da Armada, que muito os honrou ao cumprir com exemplar competência, dedicação e brio as missões impostas pela profissão militar que escolheu, honrando assim também os valores da instituição que tão bem contribuiu para a sua formação juvenil - o Colégio Militar.

À sua Mulher, Filhos e Netos, aos seus amigos, bem como aos camaradas de curso do Colégio Militar, a Direcção da Revista ZACATRAZ apresenta-lhes as suas sentidas condolências.

Tive o privilégio de servir como imediato da Sagres, sob o comando do Comandante Martins e Silva. Foi um período especialmente interessante da minha carreira. Não apenas pela oportunidade de fazer uma volta ao mundo, visitando muitos lugares de forte presença e laços históricos portugueses. Muito, também, pela sorte de servir com um oficial de exemplar competência, sensibilidade para os assuntos do mar, raras qualidades de comando e, paralelamente, sempre capaz de conciliar tudo isso com um relacionamento pessoal inesquecível. Fiquei seu amigo para sempre.

Martins e Silva, nessa viagem, teve nas suas mãos uma missão muito difícil de gerir em vários domínios, nomeadamente os seguintes: Primeiro, harmonizar o cumprimento à

risca de um programa de visitas a portos - para que foram planeados eventos importantes de promoção da imagem de Portugal - com as contingências atmosféricas e de mar frequentemente desfavoráveis a uma navegação à vela, ao longo de 27.950 milhas, planeada para uma velocidade média de 5,5 nós, durante 5.085 horas de navegação. Martins e Silva garantiu 55% de navegação à vela e não falhou, nem ao minuto, qualquer das 24 visitas em 16 países.

Segundo, comandar uma guarnição de mais de 170 homens durante mais de dez meses, a viver em espaços confinados (e um curso de 40 cadetes da Escola Naval nos primeiros três meses da viagem), período que combinou longos períodos de navegação com curtas estadias em terra (212 dias de mar e 99 em terra). As estadias em terra eram, geralmente ocupadas com compromissos protocolares e de convivência com as comunidades locais, exigindo grande disponibilidade de todos e implicando uma elevada responsabilidade de representação nacional. Mais de 100.000 pessoas visitaram o navio. Martins e Silva conseguiu manter a sua guarnição bem ciente destes requisitos e trazer o navio de volta a Lisboa com uma equipa muito coesa e eficaz e sem qualquer problema disciplinar.

No campo da representação, vários eventos merecem ser destacados, em especial pelo seu grande significado político internacional. Um dos pontos mais mediático foi a opção da principal estação de televisão japonesa em fazer a transmissão da passagem do ano (1978/1979) a partir da Sagres, com a guarnição a saudar a entrada do novo ano. Ainda no Japão, foi também ponto alto a organização de uma visita de cumprimentos do Comandante ao Imperador, que saiu da norma geral de estar reservada a oficiais generais. Nos EUA, há a referir a participação no Festival “Cabrilho” em San Diego em que a Sagres foi a grande atração. Na Índia, destacou-se a visita a Goa, a primeira de um navio militar desde 1961, seguida de uma vi-

sita a Bombaím (Mumbai) onde o navio recebeu as melhores atenções do respetivo almirante comandante naval. Finalmente, foi a bordo da Sagres que o então Governador de Macau, Garcia Leandro, tendo concluído o seu mandato, abandonou o território com destino a Hong Kong.

Terceiro, lidar com os problemas de mau tempo, principalmente na travessia do Pacífico onde a entrada começou logo com o desenvolvimento do furacão “Norma”, que se iniciou a cerca de 30 milhas do navio, e que obrigou a diversas medidas de precaução para reduzir as vulnerabilidades de um navio à vela perante ventos com intensidades da ordem dos 200 quilómetros/hora. Felizmente, o olho do furacão seguiu uma rota de afastamento da rota da Sagres, mas a ocasião estará para sempre na mente de todos.

Episódio inesquecível foi a acidental passagem à vela, em todo o pano, no meio de uma esquadra americana em exercícios no Pacífico. Ouviam-se a bordo da Sagres, os equipamentos de transmissão de ordens dos navios americanos a chamar as guarnições para verem o espetáculo “Sagres”. Depois, veio a pergunta tradicional do navio-chefe, na linha de comunicações para situações de encontros inopinados: «De onde vêm e para onde vão?». Martins e Silva responde: «Vimos de Lisboa e vamos para Lisboa». Na verdade, íamos a caminho de Tóquio. Pouco depois, aparecia alguém na linha a falar um português perfeito para desejar boa viagem. Certamente, um luso-americano que o comando do navio-chefe, simpaticamente, tinha mandado chamar.

Uso estes breves episódios para ilustrar o feito que o Comandante Martins e Silva conseguiu concretizar para honra da Marinha e prestígio internacional de Portugal.

1 Com a colaboração do CMG Dias Pinheiro, à altura segundo-tenente chefe do Serviço de Navegação.

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Os que nos Deixaram

Alexandre Duval Ferreira de Almeida Pestana

(213/1952)

Nasceu em Coimbra, filho de um militar, Coronel Ernesto NogueiraPestana, que em determinada altura assumiu funções de Governador Civil, e de Virgínia Abreu Ferreira de Almeida, professora liceal de Física e Química.

Entrou para o Colégio em 1952, completando o 7º ano em 1960, já no curso de entrada de 53. Ingressou nesse mesmo ano na Academia Militar, tendo saído em 1963, sem concluir.

Cumpriu depois o serviço militar, tendo sido mobilizado para o Norte de Moçambique. Em 1971 fixou-se em Angola, concluindo aí o Bacharelato em Matemática. Depois, como civil, trabalhou nos Serviços Hidráulicos e mais tarde em Sá da Bandeira, como professor de matemática, na Escola Industrial e Comercial Artur de Paiva.

Regressado a Portugal, após a declaração de independência, fixou residência em Benavente, onde lecionou no Ensino Secundário até se aposentar.

Dedicou-se sempre à sua grande paixão pelos cavalos e artes equestres. Foi professor de equitação sendo que, para lá desse

prazer, também desenhava e pintava os (seus) cavalos com grande perfeição. Qualidade que, já nos tempos do Colégio, lhe reconhecíamos. Era dotado de uma forte personalidade, assumida quase sempre de forma intempestiva, o que sempre o caracterizou. Sempre irrequieto e com uma vida de múltiplas facetas, é bem do seu caracter o ter abraçado, em 2017 quase aos oitenta anos, um desafio do Governo da Mongólia interior, no norte da República Popular da China, para treinar um grupo de cavalos de raça Lusitana, adquiridos em Portugal. Um dos projetos de vida que também abraçou foi a tradução para português de um livro clássico, francês, de equitação. Faleceu a 17 de março de 2021 no HosTratado traduzido por Alexandre Pestana.

pital da Luz, em Lisboa, vitima de um tumor cerebral muito agressivo que lhe truncou novas aventuras.

Conforme sua vontade ficou sepultado em Coimbra, no Cemitério dos Olivais.

Sentidos pêsames aos familiares.

Curso 1952/59

PESTANA 213

O Pestana, como era geralmente conhecido, era uma figura do meu tempo do Colégio. Era bom cavaleiro, tendo integrado a primeira Escolta a Cavalo que se formou no Colégio, no final do ano lectivo de 1958/1959. Era também uma figura, tanto pela sua rebeldia, como pela sua frontalidade e coragem. Ainda hoje é recordada a resposta instantânea e desabrida que deu ao Subdirector, quando interrogado acerca do pouco empenhamento que estava a pôr num treino para uma cerimónia militar. Ficou-lhe cara essa frontalidade.

Concluído o curso, o Pestana ingressou na Academia Militar, tendo como objectivo ingressar na Arma de Cavalaria. Dado na altura a equitação ter muito pouca expressão no meio civil, não dando para uma pessoa fazer vida apenas dos proventos resultantes dos cavalos, a escolha era natural. No caso do Pestana, não resultou. O seu feitio rebelde não se coadunava com a disciplina militar daqueles tempos.

Posta de parte a carreira militar, cumpriu uma comissão, como miliciano, no Norte de Moçambique, licenciou-se em Matemática e optou pela carreira de professor

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Professor de Matemática e professor de Equitação Nasceu a 8 de Novembro de 1941 Faleceu a 17 de Março de 2021

Os que nos Deixaram

do ensino liceal. A sua paixão, porém, continuou intacta. Até ao fim da sua vida, foi a equitação.

Para aprofundar os seus conhecimentos de equitação, chegou a frequentar, como civil, o curso de instrutores de equitação da renomada Escola de Equitação do Exército, em Mafra. Foi também discípulo do Mestre Nuno de Oliveira e de Luis Valença. Tendo sido professor do ensino liceal no Ribatejo, em Benavente, viveu num meio propício à sua actividade de equitador. Sendo um estudioso do ensino da equitação, decidiu fazer, com êxito, a tradução para português de um tratado clássico de equitação, do mestre francês François Baucher (1796-1863). Como equitador chegou a exercer a sua actividade no estrangeiro, sendo a sua última actividade nestas condições na Mongólia, no ensino de cavalos lusitanos para aí exportados.

O meu último encontro com o Pestana, foi na missa do 7º dia do falecimento do José Luis Bessa (73/1955). Eram bons amigos, ambos de Coimbra e ambos amantes dos cavalos. Irão ter agora, decerto, longas conversas.

Pedro Miguel Roldão de Barros (218/1953)

Conheci o Pedro em Outubro de 1953 quando entrámos no Colégio Militar ao mesmo tempo de um conjunto de meninos que se tornaram Homens com maiúscula, como aquela que acabei de utilizar.

O Pedro cedo se notabilizou por possuir uma inteligência ímpar, única no meio de tantos meninos e cujos resultados fizeram dele o melhor aluno do curso. O facto dos pais do Pedro viverem a mais de 100 Km de Lisboa, de não existirem, à data, autoestradas, e do regime de internato do Colégio fez com que o Pedro fosse passar um fim de semana a minha casa em Lisboa. Estávamos em Novembro de 1953. A cena repetiu-se no fim de semana seguinte, eu próprio fui passar uma semana das férias de Natal à Marinha Grande.

Estava instituído um permanente intercambio de Pedro e Carlos que durou uma vida, ou melhor, duas vidas!

Em 1960 o Pedro ingressou no Instituto Superior Técnico tendo-se formado em Engenharia Eletrotécnica em 1966 com altíssimas notas.

Seguiu-se uma ida para Lourenço Marques para dar aulas na Universidade e simultanea-

mente fazer o serviço militar. Aproveitou a oportunidade para aí casar com a Filipa e cuja interferência na vida do casal de ora em diante foi fundamental para todos os êxitos obtidos. Regressados do Ultramar decidiram ir para Inglaterra, onde o Pedro fez um Doutoramento, quando na altura tal facto era raro e onde lhes nasceu a segunda filha que o casal teve.

Em 1976 foi para o Canadá, onde esteve sempre ligado a software e telecomunicações.

Em 1988 regressou a Portugal onde criou a nova Divisão de Software de telecomunicações da Alcatel Portugal.

A partir de 1993 exerceu outros altos cargos sempre ligados à mesma matéria em diferentes empresas nacionais e estrangeiras.

Em 1999 retomou a actividade académica como Professor Associado da Faculdade de Ciencias e de Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, tendo terminado a sua carreira ligado ao ensino no Instituto Superior Técnico.

Manteve sempre grande e variada actividade com principal ênfase na Ciência, Temas Sociais e Acompanhamento das gerações mais novas.

Carlos Alberto Guerra da Silva Beja (268/1953)

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Luis Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957) Engenheiro Electrotécnico Nasceu a 13 de Novembro de 1943 Faleceu a 14 de Fevereiro de 2021

que nos Deixaram

José Manuel Pires Trabucho

(271/1946)

anos que nos separavam, o tratamento por tu, e uma amizade que não se perdeu ao longo dos anos.

Jorge Rodrigues Teixeira (29/1954)

Com a sua vida profissional dedicada à engenharia e gestão hospitalar foi, durante largos anos, Director do Departamento de Projectos e Obras do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, integrando na sua última fase profissional a função de Administrador Hospitalar Delegado, colocado no Hospital D. Estefânia.

Quando a sua mulher, Ana Menezes, me deu a notícia do seu falecimento, parei para pensar na tristeza de perder um amigo, que muito estimava e respeitava, e que se estendeu a Ana, depois de a ter conhecido.

Ana Menezes sabia que a ele devo o início da minha carreira profissional, partilhando o facto de sermos dois antigos alunos do Colégio Militar, o que me permitia, apesar dos vinte

Foi no longínquo ano de 1978 que, sob a sua hierarquia directa no SUCH, tive o privilégio de beneficiar dos seus conselhos profissionais, que evidenciavam princípios de respeito e colaboração, que tinham naturalmente as suas raízes na família e nos anos passados no Colégio Militar onde, aos dez anos de idade, passou a ser o 271/1946.

Presto-lhe uma última homenagem partilhando, na Revista da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, a notícia do seu falecimento, entregando-a em mãos, à sua mulher Ana Menezes, recordando todos os que partem, como só nós Antigos Alunos sabemos que Um Menino da Luz não morre, apenas passa a viver dentro de nós Antigos Alunos.

sempre José Trabucho

OJorge Rodrigues Teixeira, ingressou no Colégio em 1954 e saiu em 1959. Nasceu em Praia da Victória, Ilha Terceira, onde seu pai prestava serviço na Base Aérea nº 4. Cumpriu o serviço militar na Força Aérea, tendo sido nomeado para uma comissão de serviço na Guiné, de onde veio evacuado, por ter contraído uma hepatite. Com o seu espírito lutador venceu essa crise, tendo ingressado depois na Ford Lusitana como desenhista. O seu espírito de iniciativa e a sua capacidade organizativa permitiram-lhe atingir posição de chefia na empresa. Posteriormente foi convidado para exercer funções na Renault Portuguesa, onde mais uma vez mostrou as suas qualidades, chegando novamente a uma posição de chefia.

O espírito colegial marcou-o profundamente, deixando bem vincado o seu espírito de corpo, amizade e camaradagem, apanágios do nosso Colégio. Foi na realidade um dos elementos mais participativos e agregadores do seu curso, que o levou a manter bem viva essa chama, na organização das nossas reuniões Colegiais. No passado dia 5 de Maio, três dias após a passagem do Seu 79º aniversário, o Jorge partiu deixando um enorme vazio e saudade em todos nós.

Para o Jorge aqui vai um grande ZACATRAZ

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Especialista do ramo automóvel Nasceu a 2 de Maio de 1942 Faleceu a 19 de Fevereiro de 2021 António Manuel Sales de Mira Godinho (48/1954) Engenheiro, Gestor Hospitalar. Até Adelino Augusto Reis da Fonseca Lage (176/1966)
Os

Os que nos Deixaram

Carlos Manuel Alves Borges (413/1955)

Alô….......Carlos Borges….......“413”

“Carlos“: Oh Nuno “ 44”, uma carta ?

Sim Carlos, mais um mistério de impulso colegial.

Vivemos uma época Universal, em que um ser estranho, nos proibiu de nos ligarmos. Vivemos em “celas“ (casas) sem direito a sermos conviventes, como o Criador, concebeu.

Enfim, numa (talvez ) terceira guerra mundial, que por castigo (???? ), o inimigo, nem quer dar a cara, nem dizer onde é o seu Quartel General.

É assim, então, que me despeço de Ti. Uma despedida “corporal”, mas não, “espiritual“.

Fomos amigos especiais desde os 10 anos, porque aquele Colégio que frequentámos tinha uma forma misteriosa (????) de criar empatia…entre nós….

Não pudemos contactar, não pudemos tomar uma bica, não pudemos visitar-te no hospital, não pudemos estar contigo no funeral, tua última morada física na terra. Costumo dizer que foi ali no Colégio, que passámos todos a ser “irmãos” como filhos adoptivos, do Marechal Teixeira Rebelo...

Nesse Colégio, quis o destino que os nossos temperamentos, se “entendessem”, e o futebol adiantou-se para isso. Eras um camarada exemplar, num casulo de “introversão”.

Todos demos conta disso, e eu em particular, pois nos “estudos”, como eras um aluno exemplar, sempre davas conta de que eu me entretinha, com os menos estudiosos ...a jogar à batalha naval e me punhas a estudar. Foste um grande Aluno, um grande Amigo e tudo se completou com a escolha que sobre nós recaiu, de sermos seleccionados, no quinto ano, para a equipa de futebol Colegial. Lembro-te, aqui, que fomos campeões Distritais do torneio Distrital da Mocidade Portuguesa e que com a Medalha na mão, fomos ao velho estádio do Benfica à noite. A entrada nesse estádio era sempre gratuita, (como te lembras) para os alunos que se “apresentassem” com a farda “cor de pinhão”. (grande Benfica , Carlos...)

Concluído o Colégio, fomos 2 de 7, do nosso curso, que concorreram à Academia Militar. Foi então aí que sabendo que queríamos ir para engenharia, apertaste comigo pois era obrigatório ter média para as vagas. No 3.º ano, após os dois anos dos preparatórios, entrei para engenharia militar (civil) e tu para engenharia eletrotécnica (serviço de material). Eram as nossas opções.

Houve naturalmente aí um certo afastamento, cada um na sua aula, compreensível, mas sempre me perguntavas sobre as médias que, eu, ia tendo... Obrigado, Carlos, sempre.

Transitando para o IST, aí passámos para os cafés na Mexicana e para os atribulados fins de semana.

Foi também aí que te levei a casa dos meus Pais , ali mesmo ( Av. Guerra Junqueiro), aonde foste várias vezes, incluindo às festas de Carnaval onde “disputávamos as garotas” Acabámos em 1967 .

Os tempos já estavam muito conturbados, na vida Nacional, por várias razões. Fui “a correr“ para Tancos ( EPE), “a correr” para a guerra de Angola, “a correr” para os antecedentes do 25 de abril…….e com tudo isso nunca mais soube de ti, pois passámos a ter percursos descontrolados. Tu, como era de esperar, percorreste uma brilhante carreira profissional, glorificando o nosso Colégio Militar.

Após 1976/77, o Ayala (171) o Beja (268 ) e o António Costa e Sousa(231)... começaram , com os almoços de Curso, nas primeiras terças-feiras de cada mês.

Os reencontros foram emocionantes.

A poucos pudeste ir, pois desde logo contraíste uma grave doença. Mas não foi só. Logo depois veio um inoportuno AVC e, ainda agora, nestas últimas semanas o “covid”, resolveu o resto… Tristemente e cobardemente. Carlos, tenho a certeza de que o teu “Anjo da Guarda” te deixará ler esta carta, que envolve os sentimentos de todos nós…. Estarás sempre nos nossos almoços, bem como têm estado os Camaradas com quem agora estarás.

Para eles também um Grande Abraço. Até, Deus (qualquer que seja...)

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Os que nos Deixaram

José Maria Trigoso Correia de Barros (416/1955)

Anotícia da morte do 416, o José Maria Correia de Barros, conhecido também no meio colegial como Zé Batata, deixou o nosso curso em estado de choque. Sabíamos que ele não estava bem de saúde, mas não estávamos à espera deste desfecho.

Entrei para o 3º ano do Colégio e tive de me "encaixar" num grupo que já tinha uma vivência em comum de 2 anos e ser aceite por esse grupo. Esse processo de "encaixe" foi grandemente facilitado por dois camaradas, o 419, Manuel Correia Monteiro, com quem compartilhava a mesa no refeitório e pelo 416, o Zé Correia de Barros, da turma A, do 3º ano, onde fui parar. Rapidamente estabeleci uma grande amizade com o 416. Tornámo-nos bons compinchas. Ambos eramos um bocado rebeldes e ambos tínhamos sonhos que não cabiam dentro das paredes do Colégio. No final do 3º ano, nos 5 estudos, estudámos juntos para os exames e como a matemática exigia um esforço adicional, depois do almoço, à hora da sesta, escapulíamo-nos os dois da camarata, prescindiamos da sesta, íamos para a sala de estudo e aí fazíamos uns exercícios extra. Concluídos os exames com êxito, o Zé foi

para S. Martinho do Porto, para onde a sua família ia sempre de férias, e eu segui para a Ericeira. Continuámos juntos o 4º e o 5º ano, ano em que ingressámos ambos na Escolta a Cavalo. O Zé por mérito próprio, pois era bom cavaleiro, eu nem tanto. Valeu-me ter caído nas graças do 21, o Pedro Lynce de Faria, Comandante da Escolta, que me convidou e a quem até hoje estou agradecido.

A partir do 5º ano o nosso convívio não foi tão intenso, pois o Zé teve um «desentendimento» com o «Incas», o nosso professor de matemática, e lá teve de repetir o ano, com outro professor mais ao seu jeito.

Na ressaca da «greve da fome» de 1962, o Zé não concluiu o curso no Colégio. Solidarizando-se com os seus sete camaradas de curso que foram arbitrariamente expulsos, escreveu uma carta a seu pai, pedindo para sair do Colégio. O seu pai compreendeu a situação, acedeu ao pedido e decerto gostou da nobreza de carácter demonstrada pelo filho. O Zé foi assim fazer o 7º ano ao Liceu Pedro Nunes. Se o Zé tem ficado no Colégio, teria sido um sério candidato ao cargo de Comandante da Escolta.

Concluído o curso do liceu, o Zé foi para Agronomia, que era a sua vocação. O campo, os cavalos e os touros eram a sua paixão. Nas férias, costumava passar temporadas numa grande herdade de familiares seus, no Alto Alentejo, onde se sentia no seu meio.

Fruto da sua paixão, rapidamente ingressou no Grupo de Forcados Amadores de Santarém, que tinha na altura como Cabo o famoso Ricardo Rhodes Sérgio. Era um Grupo de grande nomeada, onde o Zé desempenhou um papel assinalável. Nessa altura, havia outros Antigos Alunos no Grupo e lembro-me bem, de um deles, o João António Dias de Almeida (344/1953), que foi um grande rabejador, me ter feito os maiores elogios ao Zé e à forma valente e destemida como ele ia para a cara dos touros. Lembro-me das célebres corridas da RTP, em que era da norma as ganadarias mais afamadas apresentarem touros imponentes, de 600 quilos. O Zé citava esses touros com descaramento, bem de longe, dava-lhes meia praça. Era obra! A praça ficava no mais absoluto silêncio, para de seguida se levantar, num salto, a aplaudir mais uma grande pega.

O Zé foi sempre recordado como uma figura importante do Grupo de Santarém. Mesmo agora, na hora da sua morte, o Grupo emitiu um comunicado, em que o recordava com o maior respeito e saudade.

Concluído o curso de Agronomia, o Zé foi prestar serviço militar na Marinha, na Reserva Naval, sendo mobilizado para Angola. Quando cheguei a Angola, lá fui encontrar o Zé, em Luanda. Na companhia do nosso camarada de curso, José de Pina Cabral e Trindade (101/1955), ainda fui jantar a sua casa. Fomos optimamente recebidos pelo Zé e pela sua mulher.

A partir daí fomos contactando esporadicamente, nas reuniões de curso no Colégio e num ou noutro 3 de Março. Os contactos não eram muitos, mas a nossa grande amizade manteve-se intacta.

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Os que nos Deixaram

Antes de escrever estas linhas, estava a pensar na forma mais adequada de caracterizar o Zé e de transmitir a sua imagem, aqueles que com ele não privaram. O meu problema foi resolvido, ao receber uma mensagem do Manuel de Lucena (405/1953), residente nos EUA, a quem eu dei a triste notícia do falecimento do Zé. O Manuel escreveu-me de volta e disse, com toda a propriedade, «ALTOS PRINCÍPIOS MORAIS, INTEGRIDADE DE CARÁCTER E MUITO AFÁVEL NO TRATO». Obrigado Manuel, eu não saberia dizer melhor.

Descansa em Paz Zé. Espero podermos, um dia, reatar as nossas conversas.

(71/1957)

É para mim, muito difícil, escrever sobre o nosso "Zé Batata". Embora não seja Homem de lágrimas, chorei copiosamente ao saber da nótícia. Formámos um trio, inseparável, desde a entrada no Colégio, até à saída. Eu, o Baptista (375/1955) e o Zé.. Dois já foram, eu espero a minha vez... A vida nos separou, mas quando eu encontrava o Zé, sentia-o como um Irmão. Felizmente, havia almoçado com ele, há pouco tempo, e falado ao telefone há oito dias. Ainda mais me comoveu, ter recebido uma mensagem do Filho, que não conheço, contando-me que o Pai, nos últimos dias, já não lúcido, pedia que lhe lessem,uma “Estória Cabraliana” e ria, ria..Zé, o 2º Vol. está pronto e prometo mandar-to! Até, sempre Companheiro, Amigo, Irmão.

Jorge Pedro de Almeida Cabral (278/1955)

NOTA DA REDAÇÃO

O Jorge Cabral (278/1955) é autor do livro “Estórias Cabralianas” com crónicas da guerra da Guiné que apresentámos na secção "Antigos Alunos nas Artes e nas Letras" na Zacatraz nº222.

Pedro Manuel Carvalho Lopes

(62/1956)

Bancário

Nasceu a 8 de Setembro de 1946

Faleceu a 25 de Fevereiro de 2021

Éramos um grupo que se reunia com certa frequência, nomeadamente para acompanhar os filmes mais em voga, e isso passava naturalmente por antes da sessão de cinema nos juntarmos num restaurante ou após a sessão numa qualquer tasquinha.

Muito mais tarde tive oportunidade de fazer algumas viagens com ele e familiares de ambos, em Portugal e no estrangeiro.

OPedro era uma pessoa excecional. Maneira vulgar de iniciar uma dedicatória a quem nos deixou mas, no caso presente, tem que ser dado tal destaque.

O Mundo seria melhor se mais pessoas fossem como ele.

Era extremamente cordato, grande amigo, incapaz de ser menos correto com quem quer que fosse.

Tinha também um grande sentido de humor.

Curiosamente no Colégio a nossa relação foi nem boa nem má, praticamente nula. Isto porque as amizades no Colégio funcionavam muito na base de afinidades, ou porque alguém era o nosso parceiro do lado na camarata, ou na mesa do refeitório, ou porque o desporto unia mais aqueles que praticavam determinada modalidade desportiva.

Foi cá fora, e para não variar num ambiente de ex-alunos do Colégio, que com ele convivi assiduamente.

Na sua vida profissional tive oportunidade de constatar que era muito competente e dedicado. No período em que mais o acompanhei, ele esteve ligado à Banca onde sei que desempenhou cargos da maior responsabilidade.

Embora filho de militar, Almirante Jaime Lopes, ele nunca se mostrou muito “virado” para a vida militar preferindo antes seguir uma postura mais livre e descomprometida, como foi a sua vida no privado.

Também, e como alguém salientou, fazia parte no Colégio do grupo “anti-cavalo”, prática que não lhe inspirava total conforto.

O Pedro partiu demasiado cedo e deixou muita saudade.

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José Manuel Esteves de Carvalho (368/1957)

Bernardo Manuel Ratton Daupiás

Alves (129/1964)

Arquiteto

Aqui vai o que melhor assenta no Bernardo. Arquiteto e empresário da restauração que nos deixou cedo demais.

Que descanse em paz. Até sempre. Abraço

Carlos Alberto de Morais Neves Brás (320/1965)

José Eduardo Ventura Contente

(642/1968)

Ele pôs o computador em “Pausa” levantou-se e sem se aperceber, o Azarael já lá está para o levar; então car-

Os que nos Deixaram

Carlos Jorge Taborda Barata (120/1964)

Conhecemo-nos no Colégio e ao longo da vida fomos-nos cruzando, tanto na na áreas social como profissional. Em todos os momentos estiveste sempre pronto para ajudar e colaborar. A tua hora chegou e o meu desejo é que descanses em paz. Até sempre.

regou-lhe no “off” e assim se foi um amigo, um companheiro, um camarada do Colégio Militar, o 642/68, Zé Contente.

Ao receber a notícia, veio-me imediatamente à memória a mensagem do filme “Uma Mente Brilhante”. Ao invés do personagem do filme, o

Zé não padecia de nenhuma patologia, mas a restante mensagem adapta-se na perfeição. Era um indivíduo provi-

do de uma inteligência fora do normal. Todavia essa característica nunca foi, para ele, um factor de projecção social ou de estatuto profissional. Ao contrário de muitos outros que nem aos calcanhares lhe aspirariam chegar. Confidenciou-me querer acabar o Curso do Técnico com média de 20 valores. Não sei se conseguiu. Mas para ele era um desafio a ser ultrapassado, por ter consciência de ser capaz e, essencialmente, pelo “gozo” que lhe daria. Foi também alguém dotado de um humor desconcertante, inteligente e sobretudo cáustico. Dadas as suas características, o Zé nunca estaria destinado a ser um "low

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Engenheiro Mecânico, especialista em AVAC Nasceu a 20 de Setembro de 1954 Faleceu a 25 de Fevereiro 2021 Carlos Alberto de Morais Neves Brás (320/1965) Engenheiro Nasceu a 28 de Janeiro de 1958 Faleceu a 25 de Abril de 2021

Os que nos Deixaram

profile", mas ele sempre combateu esse destino. Não era pessoa de conflitos desnecessários, nunca lhe ouvi opiniões negativas sobre alguém: ou criticava construtivamente ou abstinha-se de criticar por criticar. Interagia com as suas “palhaçadas”, para não se superiorizar; sempre solidário na “macacada”, mas também superiormente responsável nas suas atitudes e foi por este sentido de responsabilidade que, como Comandante do Batalhão, foi alvo de críticas injustificadas e desprovidas de matéria factual, em especial por aqueles que desconheciam a realidade dos factos.

O Zé sempre foi superior às mentalidades vigentes, era uma pessoa muito à frente do seu tempo. O episódio que o marcou como Comandante do Batalhão, bem expressivo da sua personalidade, marcou-o, mas assumiu-o com consciência das consequências do mesmo. O ano era o de 1975, o Zé estava a ser pressionado pelos “progressistas” da época e decidiu tomar uma atitude. Só ele e o Cmdt.da 1ª, o Rui Calado (149/68), que com ele se solidarizou: sabiam a verdade e sei que o Rui vai manter o seu pacto, independentemente das “teses” posteriores que descambaram em fantasias e novelas, sem nenhuma credibilidade.

O Zé deixou uma “Marca” em quem foi seu amigo, seu companheiro e com quem conviveu, afirmo-o com base em testemunhos e manifestações de carinho e pesar. Nós também queremos deixar-te uma mensagem: Estejas onde estiveres enviamos-te um enorme Abraço, gritamos-te um forte Zacatraz e agradecemos-te teres sido nosso Amigo.

Do Curso de 1968

Samuel Luis de Abreu Sequeira

(660/1973)

Luís, Preto, Samuel ou seis sessenta. Por algum destes nomes deves saber a quem nos referimos.

Faz quase meio século que alguns de nós o conheceram.

Empenhado nos seus propósitos, mas sempre descontraído, transmitia a quem por ele passou, a prova viva da possibilidade de ser boémio e do sucesso profissional. Raramente o vimos apressado ou preocupado, pois mesmo quando fazia da grossa e não havia solução aparente, deixava andar, o tempo havia de resolver. Nos tempos finais do Colégio e durante ainda alguns anos, muitos de nós alguma vez frequentámos a casa dele, mesmo os mais improváveis. Ouvia-se música, faziam-se festas, vestíamos a roupa dos avós ou bisavós que estavam num quarto fechado logo à entrada, íamos ao cinema, jantávamos na Guerra Junqueiro, ouvíamos malta a falar nos rádios CB do pai, e acabávamos por adormecer quase de manhã. Normalmente havia que acordar antes das 7, para sairmos, esperar meia hora nas escadas do prédio e tocar à campainha. Assim, “ninguém” sabia que tínhamos lá ficado durante a noite.

Regularmente aparecia nos jantares de curso do Colégio. Parecia que o tempo não tinha passado. O mesmo tipo de atitude perante a

vida, relaxado, sem se chatear nem chatear ninguém. Estórias vividas, contadas e recontadas, lembradas e sentidas. Tempos bem passados. Muito embora este último ano tenha sido complicado devido à doença que lhe apareceu, acreditava mais do que qualquer outro, que tudo iria correr pelo melhor... fosse o melhor o que fosse. O importante, claro, seria sofrer o mínimo possível. Comprou uma guitarra e teve ainda algumas aulas de música, voltou a montar, enquanto ainda teve forças, bebeu o seu vinho e fumou a sua cigarrilha quase até à última.

Deixou-nos as boas memórias de tempos passados, e aquele sorriso sempre bem disposto. Até sempre Luís.

Para mim o Samuel Luís de Abreu Sequeira, será sempre o Preto, como eu fui para ele o Bico. Às memórias do Semedo acrescento a “bolama” que partilhava, as tardes de bilhar, as conversas filosóficas e esotéricas, a vontade de bem viver...

... os encontros espaçados no tempo, que por mais tempo que passasse era como se o último tivesse sido ontem... ... a amizade ...

... aquele sorriso, benevolente e sempre bem-disposto ...

Até à próxima Preto.

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Informático e Gestor Faleceu a 19 de Fevereiro de 2021 António Artur Amorim da Cunha Semedo (221/1973) ©Foto Leonel Tomaz

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