Revista ZacatraZ nº 221

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Editorial

Quem, como eu, teve a oportunidade de ler, na última ZACATRAZ ,um artigo com o título “Quem dobrou o teu Pára-Quedas , hoje?“, não pode ter ficado indiferente ao seu conteúdo.

Nada vem tão a propósito hoje ! Neste dia em que escrevo o “Editorial“, dia seguinte às novas medidas decretadas pelo Governo, para ver se achata a curva da pandemia, veio-me à memória aquele artigo e fui relê-lo.

Fiquei esmagado !

Pensar em todos aqueles, que trabalham hoje, em setores de risco ( e são vários ), para tentar salvaguardar a nossa sociedade, não só arrepia-me , como não sei como lhes agradecer. E pensar também , que os grandes focos de propagação do Covid 19 , são as re-

uniões e encontros de familiares e amigos , então petrifica-me.

Não é possível não haver nem respeito, nem decoro, por todos aqueles , que cansados, alguns exaustos , põem as suas vidas em perigo, para dar o seu melhor no combate a esta já longa tragédia.

Olhando do exterior para o interior do “nosso“ Colégio Militar e conhecendo a planificação efetuada, os cuidados diários de controle, as medidas tomadas e a dedicação inexcedível de todos, desde o Diretor ao simples praça ou empregado, só posso ter uma palavra , OBRIGADO.

Claro, que já tivemos alguns, não muitos, casos, desde a abertura do ano letivo. Mas a forma organizada, firme e

determinada, como têm sido geridos, só podem merecer o meu aplauso.

Por último uma palavra para os Graduados. Num ano completamente atípico, para o desempenho das suas funções (com muitas limitações ), têm cumprido com excelência os seus deveres e obrigações.

Ainda tenho esperança, que se possa realizar o desfile do 3 de Março, na Avenida da Liberdade. Seria o prémio mais apetecido e ambicionado pelos Graduados.

Vamos todos fazer força e dobrar todos os Pára-Quedas possíveis para o 3 de Março se celebrar.

Bem hajam todos Um sentido ZACATRAZ.

3 Editorial Revista “ZACATRAZ”

CORPOS SOCIAIS DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRIÉNIO 2019-2021

ASSEMBLEIA GERAL

Presidente Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958)

Vice-Presidente João Paulo de Castro e Silva Bessa (200/1957)

1º Secretário António Luis Henriques de Faria Fernandes (454/1970)

2º Secretário Afonso Castelo dos Reis Lopez Scarpa (222/2000)

DIRECÇÃO

Presidente Filipe Soares Franco (62/1963)

Vice-Presidente José Francisco Machado Norton Brandão (400/1961)

Secretário Pedro Arantes Lopes de Mendonça (222/1958)

Tesoureiro Pedro Pinho Veloso (429/1986)

1º Vogal José Mário Fidalgo dos Santos (253/1951) (falecido em funções)

2º Vogal Manuel Agostinho de Castro Freire de Menezes (423/1955)

3º Vogal Marco António Martinho da Silva (456/1983)

4º Vogal João Luis de Mascarenhas e Silva Schoerder Coimbra (54/1984)

5º Vogal Luis Manuel Marques Cóias (190/1990)

1º Vogal Suplente Tiago Simões Baleizão (200/1987)

2º Vogal Suplente Eduardo de Melo Corvacho (343/2002)

3º Vogal Suplente Alikhan Navaz Nadat Ali Sultanali (306/2005)

CONSELHO FISCAL

Presidente António Santos Serra (95/1959)

1º Vogal Eugénio de Campos Ferreira Fernandes (180/1980)

2º Vogal Rui Manuel Gomes Correia dos Santos (225/1981)

1º Vogal Suplente Diogo Rodrigues da Cruz (504/1986)

2º Vogal Suplente Bruno Miguel Fernandes Pires (27/1995)

Ficha Técnica

PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL

Fundada em 1965 Nº 221 Outubro/Dezembro - 2020

FUNDADOR

Carlos Vieira da Rocha (189/1929)

DIRECTOR

Nuno António Bravo Mira Vaz (277/1950) nunomira.vaz@aaacm.pt

CHEFE DE REDACÇÃO

Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957) luisfbarbosa@aaacm.pt

REDACÇÃO

Pedro Manuel do Vale Garrido da Silva (53/1961)

CAPA

Príncipe D.Luís Filipe

Comandante Honorário do Batalhão Colegial

ENTIDADE PROPRIETÁRIA E EDITOR Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar

MORADA DO PROPRIETÁRIO e SEDE DA REDACÇÃO Quartel da Formação - Largo da Luz 1600-498 Lisboa Tel. 217 122 306/8 Fax. 217 122 307

TIRAGEM - 1350 exemplares DEPÓSITO LEGAL Nº 79856/94

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Os artigos publicados são da responsabilidade dos seus autores. Esta publicação não segue o novo acordo ortográfico.

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Ficha
Técnica

QUEM FOI O ARTISTA? (II)

No número 220, de Julho/Setembro de 2020, lançámos um apelo no sentido de descobrirmos a identidade do autor do desenho que aí apresentámos. Obtivemos rapidamente resposta. O José António de Pina Bastos e Silva ( 67/1957) enviou-nos a mensagem que de seguida apresentamos.

“Olá Luís, o artista foi o Rui Carita que simpaticamente criou essa aguarela por ocasião da comemoração dos 40 anos de saída do Colégio do curso de 57 pelo qual ele próprio passou em 64 então no 7o ano.

Como fiz parte da comissão organizadora do evento, e tinha alguns conhecimentos na área das artes gráficas, fui o ‘pedinte’ e intermediário da obra que o Rui criou na Madeira e cujo original - que ainda conservo - me entregou em Lisboa e que serviu para produzir ‘lembranças’ para os nossos sucessores. Abraço”

Ficamos pois a saber que o artista foi o Rui Alexandre Carita Silvestre (115/1956), a quem felicitamos pela sua bela obra. A

5 04 Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial 11 Os primeiros tempos. Os Ratas e o Maluco 21 Composição do Batalhão 2020/2021 23 Imposição de Graduações 2020/2021 25 Graduações 2020/2021 29 Abertura Solene do Ano Lectivo 2020/2021 32 Foi Há 100 Anos. A Aguardente 1920 35 Foi Há 100 Anos. 1920. O Ano dos oito Governos 39 O Título é convosco 49 O longo caminho para a vacina 52 Antigos Alunos nas Artes e nas Letras 54 A importância do amarelo para a felicidade dos Antigos Alunos 57 A Viagem do Allegro Arquipélago de Thuamotus - Ilha de Fakarava 61 As duas Bandeiras 64 A vivência no Colégio Militar durante a 2ª Guerra Mundial 68 Antigos Alunos em Destaque 75 Os que nos deixaram Sumário 44
Alouette III O Adeus a uma «Grande Máquina» 16
O Lendário Cabo 20

Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial

Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial

No número 219, de Abril/Junho de 2020, da ZacatraZ, foi publicado o artigo intitulado «O Funeral da Rainha D. Amélia e o Colégio Militar», da autoria de Pedro do Canto Lagido (330/1947). Nesse artigo é descrita a participação do Batalhão Colegial, sob o comando de Eduardo Maria Rato Martins Zúquete (20/1945), no imponente funeral da Rainha D. Amélia, quando o seu corpo veio de França para Portugal, para cumprir o desejo por si expresso «é em Portugal que quero dormir para sempre». Apesar de na altura já se terem passado cerca de 40 anos sobre o final da Monarquia em Portugal, este último desejo da nossa última Rainha, a sua opção por Portugal como sua primeira Pátria, calou fundo no coração da maioria dos portugueses. Foi organizado um funeral de Estado, com toda a pompa, e o povo de Lisboa acorreu à rua, em massa, para o presenciar e para homenagear a «sua» Rainha pela última vez. Na altura, no comando superior do nosso Exército, foi determinado que o

Colégio Militar tomasse parte nas cerimónias fúnebres. Tal determinação não podia ser mais correcta, face à fortíssima ligação da Rainha Senhora D. Amélia ao Real Colégio Militar, dada a circunstância de o seu marido, o Rei D. Carlos I, e o seu filho primogénito, o Príncipe Real D. Luis Filipe, terem sido Comandantes Honorários do seu Batalhão de Alunos. Tiveram ambos esse comando honorário, por atribuição régia de seus pais, que ao fazê-la, quiseram expressar uma demonstração de apreço pelo Colégio e também incentivar os que nele se educavam e estudavam, a cumprir os seus deveres para com a Pátria. Para o Colégio, as nomeações feitas pelo Rei D. Luis I, pai do Rei D. Carlos I e por este último, pai do Príncipe Real D. Luis Filipe, constituíram uma enorme honra, que os Antigos Alunos recordam e continuarão a recordar.

Como é sabido, desde a criação do Colégio, na Feitoria, foi o mesmo objecto do interesse e atenção dos nossos Sobera-

nos. Antes da partida da Casa Real para o Brasil, em Novembro de 1807, já o Príncipe Regente D. João (futuro Rei D.João VI), no ano de 1806, tinha visitado o Colégio.

Vejamos porém o que se passou a partir do reinado de D.Luis I.

Em 11 de Novembro de 1861, D. Pedro V morre inesperadamente, vítima de febre tifóide. A 22 de Dezembro de 1861, D. Luis é aclamado rei.

Coincidentemente no tempo, em 1862, no Real Colégio Militar, a designação de «Comandante do Corpo Colegial» é substituída pela designação «Comandante do Batalhão Colegial». O primeiro Aluno a quem foi atribuída esta graduação foi, Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto (159/1858), o grande explorador e sertanejo, que atravessou a pé o continente africano, de Angola à contracosta.

Em 1868, por carta régia de 25 de Junho, o Rei D. Luiz I nomeia seu filho, o Prín-

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Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial

cipe Real D. Carlos, então com quatro anos, Comandante Honorário do Batalhão Colegial, nos seguintes termos: «Sereníssimo Príncipe Real, Duque de Bragança, D. Carlos Fernando Luiz Maria Victor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Saboya Bourbon Saxe Coburgo Gotha, meu muito amado e prezado filho. Eu D. Luiz, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, envio muito saudar a Vossa Alteza Real como aquele que muito amo e prezo.

Querendo dar um testemunho do apreço em que tenho o real collegio militar,

não só como uma instituição destinada por meu augusto avô o Senhor D. João VI, de saudosa memória, a premiar por mais este modo os distinctos serviços do exercito, mas também para habilitar os filhos dos officiaes militares do exercito e da marinha, e ainda outros, a proseguirem e a aperfeiçoarem-se nos importantes ramos da sciencia militar, proporcionando-lhes simultaneamente os benefícios da educação: hei por bem nomear a Vossa Alteza Real commandante honorário do batalhão de alumnos do mesmo real collegio militar. Serenissimo Principe Real, Duque de Bragança, D. Carlos Fernando Luiz Ma-

ria Victor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Saboya Bourbon Saxe Coburgo Gotha, meu mui amado e prezado filho, Nosso Senhor haja a augusta pessoa de Vossa Alteza Real em sua santa guarda.

Escripta no Paço de Belem, em 25 de Junho de 1868 _ De Vossa Alteza Real extremoso pae – Luiz».

Esta carta régia encontra-se transcrita na Ordem de Serviço nº 81, de 13/7/1868, do Real Colégio Militar.

A forma como foi recebida no Colégio esta extraordinária distinção, foi descrita, em 1933, no número especial da revista «O Colégio Militar» comemorativo do 130º aniversário do Colégio, pelo Antigo Aluno General João José Pereira Dias (40/1862), então já octogenário, que no ano da nomeação do Príncipe D. Carlos era o Aluno Comandante de Batalhão. De acordo com o seu relato, a carta régia foi lida no Colégio, na presença do Director do Colégio, General Augusto Xavier Palmeirim e de todos os oficiais do Colégio, perante a formatura geral do Batalhão Colegial, com uma banda de música regimental, para abrilhantar o acto. Nessa mesma noite, o Colégio teve a sua fachada toda iluminada, tendo afixada um retracto do Príncipe D. Carlos com farda colegial. Passados uns dias houve uma cerimónia no Palácio Real da Ajuda, com a presença do Ministro da Guerra, em que uma deputação do Colégio chefiada pelo seu Director, integrando o Subdirector e os Alunos Comandante de Batalhão, o seu Ajudante e os Comandantes de Companhia, foi agradecer a honra recebida. O General Palmeirim fez o discurso de agradecimento, a que se sucedeu o beija-mão real. De seguida o Aluno Comandante de Batalhão fez a entrega ao Príncipe D. Carlos de

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Casamento dos príncipes Carlos de Bragança e Amélie de Orleans.

Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial

um artístico mapa da força do corpo que passava nominalmente a comandar, acompanhando essa entrega de um pequeno discurso que passados 65 anos ainda foi capaz de reproduzir de memória. Foi assim o seu discurso:

«Permita-me Vossa Alteza Real, que em nome dos meus camaradas, os Alunos do Real Colégio Militar, manifeste a Vossa Alteza a nossa satisfação pela elevada honra que nos foi conferida e deponha nas vossas mãos o mapa em que se designa a força do digno comando de Vossa Alteza, de cujos sentimentos da mais profunda e sincera gratidão para com Vossa Alteza Real me cabe a honra de ser fiel intérprete.»

Segundo esclareceu, em 1933, Pereira Dias (40/1862), o mapa entregue ao Príncipe, tinha sido desenhado pelo seu camarada João Tavares de Almeida (156/1862), sendo o mapa assinado por si e pelo Aluno Ajudante de

Comandante de Batalhão, Luis António Alves Leitão (8/1862). Esclareceu, por último, que o pequeno discurso que disse, tinha sido escrito pelo seu professor Joaquim da Costa Cascaes ( Antigo Aluno 115/1825, mais tarde General de Divisão, professor do Colégio entre 1838 e 1870 e autor da letra do Hino do Colégio).

O Rei D. Luiz I visitou seguidamente o Colégio com uma certa assiduidade, tanto em Mafra, entre 1870 e 1873, como na Luz, onde o Colégio se fixou definitivamente em 1873.

Em 14/1/1882, o Batalhão Colegial desfila pela primeira vez em público, integrado nas forças militares da guarnição de Lisboa, na parada efectuada em recepção aos Reis de Espanha, de visita a Portugal. O Batalhão Colegial abriu o desfile e provocou uma enorme emoção na assistência, que foi magistralmente descrita pelo escritor Ramalho Ortigão, na publicação existente à época «As Farpas». Na sua reportagem, a dado passo, escreveu:

«Não sabem ainda bem o que é o peso das armas, mas aprenderam já o que é o peso do dever e o que é a força do heroísmo. Têm a estética da sua profissão, conhecem o que é belo dentro da esfera das suas aspirações e dos seus actos.

E eis a razão porque nenhum outro regimento desfilou como o deles, marchando com tão grande correcção geométrica, com tanta unidade, com tanta certeza, com uma tão intensa expressão de força, de brio marcial e de bravura guerreira.

Bravo! Bravo! _ gritava-lhes em coro de todos os lados a multidão comovida. E eles graves, sérios como granadeiros da velha guarda, de cabeças altas, olhar em frente, clavinas ao ombro, marchando triunfantes como se fossem conquistando passo a passo terreno em que pousavam os pés, passavam entre palmas, como ao regressarem vitoriosos de uma campanha. E afinal era efectivamente de uma vitória de que eles vinham, porque equivale a uma vitória conquistada toda a noção do dever adquirida.

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O Rei D.Carlos I. O Príncipe Real D. Luis Filipe, na companhia de seu Aio Joaquim Mouzinho de Albuquerque e do Comandante do Batalhão Colegial. Largo da Luz, a 11/7/1901.

Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial

Que esses belos e altivos rapazes guardem bem nos seus corações juvenis os aplausos que receberam dos seus concidadãos neste dia!»

Este magnífico texto de Ramalho Ortigão ainda hoje nos emociona ao lê-lo. Está transcrito no Museu do Colégio. O Rei D. Luiz I louvou, em Ordem do Exército, as forças que tomaram parte nesta memorável parada. Na Ordem de Serviço nº 45, de 14/2/1882, do Colégio, foi transcrita a Ordem-circular do Quartel General, de 13/2/1882, do Comando da 1ª Divisão Militar, na qual se louvavam os Corpos que desfilaram na memorável parada de 14/1/1882.

A partir de então, e até hoje, a presença do Batalhão Colegial em todas as grandes cerimónias militares tornou-se obrigatória. Até hoje, o Batalhão procura sempre não desmerecer daquele Batalhão que conquistou a admiração e o coração da população de Lisboa, naquela memorável jornada de Janeiro de 1882.

Em 1886 , o Batalhão Colegial tomou parte na parada militar realizada em Lisboa, por ocasião do casamento do Príncipe Real D. Carlos com a Princesa Amélie de Orleans, que passou a ser a nossa Princesa D. Amélia de Orleans e Bragança.

Em 1887, o Rei D. Luiz I visita o Colégio pela derradeira vez, para assistir aos exercícios finais dos Alunos.

Em 1889, após 28 anos de reinado, morre D.Luiz I. O Colégio foi chamado a tomar parte nas cerimónias fúnebres. O Príncipe Real D. Carlos é proclamado Rei.

Em 1890, D. Carlos I visita pela primeira vez o Colégio, fazendo votos para que os alunos «se transformem em oficiais valentes e ilustrados».

Em 1891, D. Carlos I visita de novo o Colégio, para presidir à cerimónia de abertura do ano lectivo.

Em 1892, a Rainha D. Amélia, na companhia de sua sogra, a Rainha mãe D. Maria Pia, visita o Colégio Militar. Em Novembro deste ano, o Batalhão Colegial, em conjunto com os Aspirantes da Marinha, presta no Largo Camões, Guarda de Honra ao Rei D. Carlos I e à Rainha D. Amélia.

Em 1893, por carta régia de 21 de Março, o Rei D. Carlos I nomeia o Príncipe Real D. Luiz Filipe Comandante Honorário do Batalhão do Real Collegio Militar. Neste mesmo ano, o Rei D. Carlos I volta a visitar o Colégio, na abertura solene do ano lectivo.

Em 1894, o Batalhão Colegial faz Guarda de Honra, no Campo Grande, aos Reis D. Carlos I e D. Amélia, por ocasião de uma batalha de flores que aí teve lugar. Neste ano o Rei D. Carlos I assiste, na carreira de tiro da guarnição de Lisboa, a uma «Sessão de Tiro de Concurso a prémio» a disputar pelos Alunos do 6º ano.

Em 1896 , D. Carlos I visita mais uma vez o Colégio.

Em 1901, sendo Director do Colégio o Coronel José Estevão de Morais Sarmento (44/1854), o Batalhão Colegial é nomeado para fazer a Guarda de Honra a SS.MM. os Reis de Portugal, no Palácio das Cortes, na Sessão Real do Juramento do Príncipe Real D. Luiz Filipe, que se apresentou fardado com o grande uniforme do Real Colégio Militar.

Ainda em 1901, o Príncipe Real D. Luiz Filipe visita o Real Colégio Militar, sendo acompanhado pelo seu Aio, Joaquim Mouzinho de Albuquerque, herói das campanhas de Moçambique. Na companhia de seu Aio e do Aluno Comandante

Príncipe D. Luis Filipe, Comandante Honorário do Batalhão Colegial.

de Batalhão, Jorge Arsénio de Oliveira Moreira (117/1895), todos a cavalo, passou revista ao Batalhão formado no Largo da Luz. Desta memorável jornada ficou uma fotografia que acompanha este artigo. O Príncipe Real não se apresentou fardado de Comandante de Batalhão do Colégio, o que criaria uma situação anómala, com dois militares com o fardamento e as insígnias das mesmas funções. Na altura, o Príncipe Real era também Alferes Honorário do Regimento de Cavalaria 2, Lanceiros de El-Rei. Cremos que a sua farda correspondesse a essa patente. O Príncipe Real e o seu Aio, Mouzinho de Albuquerque, apresentavam-se com quépis de capa branca, que naquele tempo se usava na «época calmosa».

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Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial

Em 1903, foi celebrado, com toda a pompa, o primeiro centenário do Real Colégio Militar, sendo as cerimónias presididas por El-Rei D. Carlos I. O teatro colegial, situado no então designado «Quartel Velho», recebeu na altura a designação «Teatro D. Luiz Philippe». No átrio da entrada principal do Colégio, foi descerrado o busto do Fundador, Marechal Teixeira Rebelo, sendo determinado, em Ordem de Serviço, que: «sempre que o batalhão colegial tenha de sair e entrar debaixo de forma neste edifício, seja feita a continência regulamentar no acto de passagem por diante do busto do marechal António Teixeira Rebelo, como preito e homenagem devida à memória do ilustre e benemérito fundador e primeiro director deste estabelecimento de educação e ensino».

Até hoje, esta determinação nunca deixou de ser cumprida.

No fatídico dia 1 de Fevereiro de 1908, o Rei D.Carlos I, a Rainha D. Amélia e o Príncipe D. Luis Filipe, vindos de Vila Viçosa, atravessam o rio Tejo e desembarcam no Terreiro do Paço, cerca das 5 da tarde, onde são aguardados pelo Príncipe D. Manuel e por elementos da Corte e do Governo. São recebidos com regozijo, sendo oferecido um ramo de flores à Rainha. A Família Real toma lugar num landau, que se dirige à rua do Arsenal, precedida de dois batedores. Quando o landau estava prestes a entrar na rua do Arsenal, soam tiros. Revolucionários disparam sobre a Família Real e um homem armado de um revólver tenta alvejar os Príncipes. A Rainha D. Amélia, de pé dentro do landau, tenta atingir o assaltante, com o ramo de flores que lhe tinham acabado de oferecer. Um dos atacantes, de seu nome Buiça, é morto de imediato no local, pelos militares acompanhantes do landau. O cocheiro incita os cavalos, que metem a galope,

O regicídio.

e entra com o landau no Arsenal da Marinha. Aí se constata que o Rei estava morto, atingido por vários disparos. O Príncipe D. Luis Filipe, atingido na face, morreu de seguida e o Príncipe D. Manuel ficou levemente ferido num braço.

Não conhecemos qualquer testemunho fotográfico do regicídio. Reproduzimos aqui porém um desenho da época, publicado na «Ilustração Portuguesa» e que correu mundo.

O Real Colégio Militar sofreu naquele dia um rude golpe. Perdeu, de uma só

vez, os seus dois Comandantes Honorários de Batalhão.

A morte dos dois Comandantes Honorários do Batalhão Colegial foi comunicada oficialmente aos Alunos, através da Ordem de Serviço nº 33, de 2/2/1908, da seguinte forma:

O Director manda publicar: «1.º - Que com a mais profunda consternação e inextinguível saudade, faz saber a todo o Batalhão Colegial que, no florescer duma juventude cheia de

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esperança, de inteligência e de bondade, descansam na bem-aventurança, desde ontem, o que foi Comandante Honorário, Sua Alteza o Príncipe Real D. Luis Filipe, e seu Augusto Pai, o Senhor D. Carlos I, ambos de saudosíssima memória; e que com tanto brilho e inexcedível dedicação tanto contribuíram para o engrandecimento e prosperidade desta Instituição.»

O Colégio Militar participou nas cerimónias das exéquias do Rei e do Príncipe falecidos, os seus dois saudosos Comandantes Honorários.

O príncipe D. Manuel, que ficou ferido no atentado, foi então aclamado Rei de Portugal, como D. Manuel II.

Em 12/6/1908, o Rei D. Manuel II visitou o Real Colégio Militar. Foi a última visita de um Rei de Portugal ao Colégio.

Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial

A 5 de Outubro de 1910, da varanda do edifício da Câmara Municipal, na Praça do Município, em Lisboa, foi proclamada a República, por José Relvas.

No mesmo dia 5 de Outubro de 1910, no meio do respeitoso silêncio da população, a Família Real embarcou, na praia dos pescadores na Ericeira, para o exílio em Inglaterra. A Rainha D. Amélia, após 24 anos a viver em Portugal, partiu, deixando para trás o seu coração,

uma filha morta à nascença, o seu filho D. Luis Filipe e o seu marido D.Carlos I, barbaramente assassinados, no Terreiro do Paço, numa fria tarde do primeiro dia do mês de Fevereiro de 1908.

Depois de uma passagem por Inglaterra, a Rainha D. Amélia foi viver para França, para o castelo de Bellevue.

Finda a 2ª Guerra Mundial, em Junho de 1945, a convite do Presidente do

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O Rei D.Manuel II. Visita da Rainha D. Amélia a Lisboa, em 1945.

Os Comandantes Honorários do Batalhão Colegial

Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, a Rainha D. Amélia, voltou a Portugal, para poder rezar junto aos túmulos de seu filho e de seu marido, em S. Vicente de Fora, em Lisboa. O povo de Lisboa recebeu-a carinhosamente.

No Colégio, a mudança de regime, ocorrida em 5 de Outubro de 1910, teve repercussões várias, nomeadamente na sua designação, nos uniformes, nas graduações dos Alunos, no mobiliário e na palamenta do refeitório. A principal mudança terá sido a mudança de designação. A sua designação deixou de ser Real Colégio Militar e passou a ser apenas Colégio Militar. A primeira Ordem de Serviço em que é usada a nova designação, é a Ordem nº 281, de 8/10/1910.

Com a mudança de regime, o Colégio Militar e os seus Antigos Alunos, não fizeram porém tábua rasa da história da Instituição. Pelo contrário, honram e preservam a sua história, em particular os factos mais dignificantes da mesma. É o seu DEVER DE MEMÓRIA. Assim sendo, o Colégio nunca esqueceu os seus dois Comandantes Honorários de Batalhão, pelo que o pequeno teatro do «Quartel da Formação», agora à guarda da Associação dos seus Antigos Alunos, continua a designar-se «Teatro D. Luis Filipe». Por outro lado, a Espada de Honra, que todos os anos, na cerimónia de abertura solene do ano lectivo, é entregue ao Aluno que aí assume oficialmente as funções de Comandante de Batalhão, é uma réplica da espada do Rei D. Carlos I, o nosso primeiro Comandante Honorário. Rui Figueiredo de Barros (62/1936) e seu filho Gonçalo Figueiredo de Barros (440/1967), na sua obra «Para lá do Colégio Militar, uma Associação Centenária», descrevem-nos do seguinte modo, a origem dessa réplica:

«A ideia da sua criação surgiu em 1978, cumprindo o Colégio 175 anos. O Co-

ronel José Augusto Vieira da Fonseca (241/1909), sabendo que em tempos, havia sido oferecida à instituição uma bela lâmina de espada (de Toledo), sugeriu que, com ela se fizesse uma espada especial destinada ao Comandante de Batalhão. A ideia colheu mas não avançou, até porque a lâmina oferecida já teria tido outro destino.

Anos mais tarde, próximos já do Bicentenário, o então Presidente da Direcção da Associação, Tenente - General José Eduardo Paiva Morão (256/1946), não só retomou a sugestão do 241, como a levou por diante, desligando-se da existência da tal lâmina de Toledo.

Para o efeito, a Associação mandou fazer uma espada modelada como a réplica da espada do então Príncipe Real D. Carlos que, por Carta Régia de S. M. El-Rei D. Luiz, de 13 de Julho de 1868, foi nomeado Comandante Hono-

rário do Real Colégio Militar, Espada que hoje se encontra exposta na Sala de Honra do Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz».

José Alberto da Costa Matos (96/1950), na sua «História do Colégio Militar», informa-nos que a espada foi mandada fazer em 1999 e que o seu uso, em cerimónias militares, pelo Aluno Comandante de Batalhão, teve na altura a anuência do Chefe do Estado-Maior do Exército. Quem quiser, pode observar a Espada de Honra, estando a mesma exposta na Sala dos Comandantes do Batalhão no Museu do nosso Colégio.

NOTA FINAL:

A cerimónia do funeral da Rainha D.Amélia decorreu a 29/11/1951. A urna foi desembarcada do aviso “Bartolomeu Dias” para a estação fluvial de Sul e Sueste no Terreiro do Paço onde os Alunos do Colégio formaram alas para a passagem do cortejo fúnebre.

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O Colégio Militar formando alas no funeral da Rainha D. Amélia.

Os primeiros tempos Os Ratas e o Maluco

Os primeiros tempos. Os Ratas e o Maluco

Naquele tempo, terminadas as Férias Grandes, a malta graúda voltava para o Colégio no primeiro dia útil depois do feriado do 5 de Outubro. Mas a arraia miúda, ou melhor, a “rataria”, entrava logo no dia 1. Aqueles três ou quatro dias eram aproveitados para os primeiros contactos com as instalações (onde é a minha cama? e a minha carteira? e onde se guarda a roupa? E onde é que a gente faz “o coisa e tal”? ), com os outros ratas, com os Senhores Graduados (aqueles homens grandes, adultos, já teriam para aí 16 ou 17 anos!) que nos davam as ordens e a quem, pelo sim, pelo não, parecia prudente obedecer. Pelo menos até ver!!!

E, claro, as primeiras experiências da nossa nova vida militar.

“Eh malta, estão a ouvir este toque? é o toque de formar, é para vir para a formatura... agora, depressa, oh pá, mexe os pezinhos, não é pr’ámanhã, é pr’ágóóra, aqui, depressa, formem aqui por alturas....” ordenava o Sr. Graduado de duas estrelas, enquanto estendia o braço na direcção onde queria o pelotão formado; “por alturas, pá, é por

alturas, tu és mais alto, vai para as filas de trás.... não, pá, não é p´rá segunda fila, é p´ró fim do pelotão....” explicou, tão pedagogo quanto possível; “queres ficar aqui?, essa agora..atão porquê? ... este tipo é teu amigo? quero lá saber, ele é mais pequeno, vai p´ró princípio, tu és mais alto vais para o fim do pelotão,..... gostavas mais de ficar aqui ao pé dele? ..mas aqui é para formar por alturas, não é por amizades, nem vontades, bora, depressa..... hei, hei, hei, tu aí,.. mas onde raio é que tu julgas que vais? xixi? xixiiii???? agora é p´ra formar, não é p´ra xixises.... aflitinho? Era o que faltava, aflições agora.... bom,.. então vai lá, mas é só desta vez, quando toca a formar é para vir para a formatura, não é p´ra ter aflições, as aflições já têm que estar tratadas.... mas que banzé é este?.. vamos a tar calados, ..na formatura não se fala, tá-se calado e direito.... e virado prá frente, ouviste, tu aí, vira-te p´rá frente, vamos a tar calados e direitos... era o que faltava... um chiqueiro destes!!...”.

Estávamos a começar a aprender a ser tropas, sem noção de aquilo ainda era o “b,a,bá” do curso.

“Pouco barulho, ou antes, nenhum barulho,... oiçam este toque.... é a tocar para avançar, ....todos quietos nos lugares, só avançam quando eu mandar, ....é hora de almoço, vamos p´ró refeitório.... Atençããão ...pelotããão... firme.... seeeen.. hup !!!. Tudo em sentido!. Calcanhares unidos, ..biqueiras um pouco afastadas,... mão espalmada, dedos unidos, o indicador na direcção da costura das calças, ...oh pá, põe-te direito, não é preciso olhar, tu não sabes onde é que tens as calças??....cabeça levantada...corpo direito... encolhe a barriga, ...estica o peito... tás a olhar para onde?, .. vira p´rá frente... ninguém mexe, em sentido não mexe, ... em sentido não mexe nem que venha o raio que o parta.... ai que eu ainda me vou chatear, ai vou, vou....oh comandante de companhia, ajuda aqui....já tou farto de aturar estes ratas.. ai tou, tou! “

“Pelotããão..diiireita...vv-ooolll..ver! Mas ca ganda desordem! Então não percebem, isto é muito fácil, não tem nada que saber, quando se manda volver para um lado apoia o corpo no calcanhar desse lado e na biqueira do pé oposto e roda para o lado indicado pelo coman-

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Os primeiros tempos

Os Ratas e o Maluco

do sobre esses pontos corporais, depois junta os calcanhares com uma batida enérgica dos tacões, é muito fácil, não perceberam??? Eh pá, mas que raio é que vocês dois estão a fazer virados um para o outro?!!! Vira p´rá direita, chiça, eu não falei chinês....não, não é para a direita de quem manda, é para a tua”... “Pelotão.... em frente......aarche! esquerdo.. direito.. um.. dois.. querdo.. d´reito,.. querdo,.. querdo, ESQUERDO chiça!!! Esquerdo é este, pá... querdo.. querdo.. querdo.. direito.. hop...heis... hop...heis!!!”

E, enfim, mais ou menos desorganizados, genericamente mais do que menos, com o passo ora certo, ora trocado, predominantemente trocado, lá chegámos aos Claustros, lá demos a volta

completa, lá rumámos ao refeitório para o nosso primeiro almoço colegial.

Entrámos, um salão enorme, mesas de quatro, haveria para aí cem mesas... “pelotão marcaaaar..passo....ALTO”.

“Atenção malta, agora vou mandar destroçar e vocês escolham a mesa que quiserem, entre esta coxia central e as janelas deste lado, desde aqui até ali onde está o Sr. João, chefe do refeitório. Escolham a mesa e ficam em sentido. Aqueles dois amigos agora podem ficar na mesma mesa, se quiserem....mas, Atenção!!!... onde se sentarem agora é a vossa mesa para todo o ano. Escolham à vontade. Dúvidas? Não, pá, as mesas não é por numeração, isso é as carteira da sala de estudo, as mesas é onde

quiserem....não, pá, não é por ordem alfabética...é onde quiserem, nããããão, chiça, as mesas não é por alturas, isso é a formatura.... oh comandante de companhia, ajuda aqui....já tou farto de aturar estes gajos.. ai tou, tou!”

“Pelotão...destro...ÇAR!”. Reparei, quem me parecia mais completamente destroçado era o Sr. Graduado. Coitado!

Dirigi-me para as mesas, vi uma que me parecia livre, apoiei a mão numa cadeira, na qual pus o barrete, e com este gesto senti-me uma espécie de Diogo Cão a colocar um padrão em terra inóspita. Eu, na altura, ainda não me tinha apercebido que entre aquela gente miúda toda estava o Manel, que tinha andado comigo na 1ª classe da escola Minerva,

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Camarata da 1ª Companhia, no “ Colégio Velho”.

Os primeiros tempos Os Ratas e o Maluco

se o tivesse visto chamava-o, ficávamos na mesma mesa. Mas não, não o vi e apareceram outros dois, olhamo-nos como quem tira o retrato a estranhos.. “podemos ficar aqui?... acho que sim..... então pronto, ...tá bem”.

Não me lembro quem disse o quê, qual a ordem desta conversa, talvez por ordem alfabética, talvez por alturas,...nenhum dos três se apercebeu de contra-indicações evidentes, achámos que podíamos ficar ali os três e sentámo-nos. “Vamos lá a levantar o cu da cadeira, ainda ninguém mandou sentar!! Tudo em sentido, sentido não é sentado”, berrou o Sr Graduado. E nós, claro, em sentido... e não mexe nem que venha o raio que o parta....

Estávamos nesta quando se chegou um outro Sr. Graduado que disse “esta cadeira está livre posso ficar aqui ” Eu não ponho pontuação nos dizeres do Sr. Graduado, porque ainda hoje tenho dúvidas... pode parecer razoável que cada frase terminasse com um ponto de interrogação; mas, bem pensado, mais me parecia que seria um ponto de exclamação ou, quem sabe, um ponto final! Em termos práticos, a cadeira estava livre e ficou ali (ponto final).

“Sentaaaar!” Sentámo-nos na mesa, naquela mesa em que viríamos a sentar-nos em todas as refeições, até Julho do ano que havia de vir; e passámos a conhecer-nos. O Sr. Graduado era o Setenta, por vezes também chamado o João; outro dos miúdos era o Trêzerodois, também chamado de Joel; o outro era o Trêsquatrossete, daí em diante resumido para Têquatsete. Demo-nos todos bem, todo aquele ano e por muitos anos mais. E a vida foi correndo, fomo-nos fazendo à vida colegial, até que um dia.....

Ou melhor, certa noite, ao jantar, houve algo diferente. Na mesa ao lado sentaram-se quatro graduados de ou-

tras companhias, falando em voz baixa, sussurravam, pareciam conjurados. O Setenta, na nossa mesa, de vez em quando virava-se para essa outra mesa ao lado e cochichava com os outros. “O que é que se passa?” perguntámos; “Nada, nada, deixa lá, nós tratamos disso”; “tratam disso, quê?”; “Nada, nada”, e não passava disto, era tudo nada, nada. Mas a nossa curiosidade ia aumentando até porque, de vez em quando, uma palavra solta chegava-nos ao ouvido, dispersa, sem conseguirmos um nexo definido mas era perturbador. “.... Júlio de Matos.. louco... estrangulados.... pupilos...putos de dez anos... polícia....” Insistimos, “o que é que se passa?” e eles ”nada, nada,...”; “Como, nada nada? Putos de dez anos estrangulados e é nada, nada?” “Sim, sim, não, não, nada,...nada.. a gente trata!”

Até que, em certa altura, já quase na sobremesa, um dos graduados da mesa ao lado, o que parecia mais velho, já de bigode farfalhudo – devia ser graduado da quarta – assumiu: “Eh pá, é melhor dizer aos gajos..”; “mas são miúdos, vão assustar-se....” , “não vão nada, são alunos do Colégio Militar, já são homens, porra, têm que se comportar como tal!” . Por mim, fiquei um pouco assustado com a responsabilidade que sentia nos meus magritos ombros de dez anos; comportar-me como aluno do Colégio Militar e, ainda por cima, como homem-porra! Como aluno do Colégio Militar já tinha algumas certezas: trata das aflições antes de tocar a formar, não fala na formatura, em sentido não mexe nem que venha o raio que o parta....; mas quanto às especificações de comportamento dum homem-porra não estava preparado, ninguém me tinha explicado, quase se pode dizer que ainda nem tinha dúvidas! Nunca se me tinha posto o problema; devia haver exemplos históricos de verdadeiros homens-porra,

mas quem seriam? Afonso Henriques? Nun’ Álvares? Padeira de Aljubarrota? (não, esta não devia ser!). Continuávamos sem saber o que se passava, mas eles disseram que iam dizer-nos o que era e baixando a voz, em segredo, de forma que só ouvíssemos nós os três e os outros vinte miúdos das cinco mesas mais chegadas, confidenciaram: “Um senhor tinha um filho de dez anos, e o rapazinho morreu; o senhor não suportou, enlouqueceu; e começou a estrangular todos os miúdos de dez anos que apanhava; foi preso, foi para o Hospital Julio de Matos, mas há dias fugiu; ali no Colégio Infante Sagres apareceu um miúdo com dois buracos na garganta; foi visto perto dos Pupilos, mas a polícia veio, ele fugiu; e hoje receamos que venha para o Colégio; mas não se preocupem, não digam nada a ninguém, nós tratamos disso. Portem-se como homens, porra!” . Como?? Afonso Henriques? Nun’ Álvares?”, não, não esclareceram, continuei com a minha dúvida!

Acabou o jantar, fomos para a companhia e, claro, não dissemos nada a ninguém; mas nem era preciso, já toda a gente sabia, toda a gente tinha ouvido o segredo! E já havia um certo pânico: um homem estrangulador andava por perto em demanda de putos de dez anos! Sinistro!

“Quero fugir para casa”, dizia um; “vou telefonar ao meu pai para me vir buscar”, dizia outro.

Felizmente os Graduados (já os tratávamos por tu, sem Senhores) tentaram acalmar-nos. Que ficássemos sossegados, que eles estavam ali para nos defender, mesmo com risco da própria vida; “Vamos buscar armas à sala de armas e enfrentamos o homem; vai correr tudo bem....estejam descansados,.... mas, se alguma coisa correr mal, ..snif..

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Os primeiros tempos

Os Ratas e o Maluco

e não regressarmos do combate.. snif, snif... se por acaso alguma vez vos fizemos alguma coisa chata, snif, snif, ...durante estas tempos, snif, desculpem-nos, snif, snif..não foi por mal... snif, snif...”; (lágrimas, comoção e louvores).

Estávamos nisto, todos “à rasca”, já tinha tocado a recolher, a companhia estava formada quando chegam o Trêsvintium (comandante da 1ª) e o Corenteissete (Comandante do Batalhão), este visivelmente chateado com os outros: “isto é indecente, o que é que vocês estão a fazer? estão a assustar os rapazes, parem com isto!” ordenou... e toda a gente parecia obediente; só que, nisto, aparece um deles, vinha a correr pelo acesso à companhia, e baixinho, baixinho para que só toda a malta o ouvisse “eh pá, o Neto (capitão responsável da sala de armas) foi para casa e levou as chaves”; (susto); “não faz mal”, diz outro, “se for preciso, para defender os nossos rapazes combatemos à dentada” (medo,

espanto, que heróis!). E o Corenteissete furioso, “não é nada disso”; e voltando-se para nós “isto é tudo aldrabice, vão-se deitar sossegados e durmam”. Claro que esta atitude do Corenteissete teve imediato efeito em nós todos: ele é um tipo fixe, quer-nos sossegar, mas é perfeitamente evidente que esta sua intervenção só vem confirmar as tais notícias, o homem estrangulador anda mesmo por perto. E o Corenteissete e o Trêsvintium afirmavam a pés juntos que era tudo mentira.... e aparecia um dos outros “eh pá, o gajo está lá em baixo, ao pé do picadeiro!”

Eram mesmo horas de recolher, o Corenteissete e o Trêsvintium ficaram ali, “não há problema nenhum, é tudo aldrabice, todos para a cama”; claro que nós, que até gostávamos do Corenteissete e do Trêsvintium mas não éramos estúpidos, percebemos claramente que só estavam a tentar acalmar-nos, mas que ele já devia estar por perto, se ca-

lhar já nos espreitava pela janelas, se calhar já estava a escolher a vítima; até porque um dos outros, sempre baixinho para que só toda a gente o ouvisse, mostrava uma navalha a outro e “ele que venha, ele que venha”, dizia!

Mas acabámos por ir todos para a cama. Desconfiados, mas fomos.

Já era tarde, levantáramo-nos às seis e meia, dia comprido, todos deitados, “pronto, acabou-se, vamos a dormir”, diziam o Corenteissete e o Trêsvintium, e apagaram as luzes gerais, deixando apenas as de vigia, umas luzes muito fraquinhas, só para não ser escuridão total. Um dia inteiro e as últimas emoções foram-nos carregando as pálpebras, que já se encostavam, a de baixo e a de cima, quando, de repente....

“AÍ VEM O GAJO MALUCO” gritou, alguém, “TODOS DEBAIXO DA CAMA”

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Sala de Lavatórios, da 1ª Companhia no “Colégio Velho.”

Os primeiros tempos

Os Ratas e o Maluco

E é certo que berrando como um maluco (que de facto era e que, a exemplo da mulher de César, se esforçava por parecer!) o Louco entrou pela camarata dentro.

A camarata era grande, tinha para aí oitenta camas em quatro filas, duas de cabeceiras encostadas às paredes laterais, duas centrais, cabeceira com cabeceira; e ele, dando um grande salto, pulou sobre as primeiras camas duma das filas centrais e foi aterrar na terceira cama dessa fila.

Pela minha parte mergulhei para baixo da minha cama, onde também entrou o Cinquenteiquatro, que nem sequer era meu vizinho directo mas apareceu lá; ambos apavorados, claro; “e agora, o que achas melhor fazermos?” perguntei; “vamos rezar a Avé Maria”, sugeriu; “acho bem” respondi, sem que me ocorresse alternativa mais eficaz para a situação; “Avé Ma-

boa testemunha ajuramentada, conto o que me contaram; e contaram-me que o Maluco Furioso quando saltou por cima das duas primeiras camas se desequilibrou e foi com as canelas de encontro aos ferros da terceira cama (Bem feito!); berrou que se fartou, desta vez era a sério mas continuava assustador! E que, quando caiu em cima do tipo da terceira cama (o Quarenta?) este ainda ia a caminho do esconderijo e quando viu o monstro quase a cair-lhe em cima, sentiu a mão a roçar uma das botas que acabara de descalçar (uma “palheta”, como lhes chamávamos) e num misto de medo e heroísmo (costuma ser assim, não é?) pregou com a palheta nas ventas do Maluco !!! (Muitíssimo Bem feito).

Durou pouco tempo o drama, não mais do que quatro ou cinco Avé Marias; acenderam-se as luzes e ouvimos gritos ainda mais fortes do que os do Maluco: eram

camas, não há azar nenhum!” Parecia verdade, espreitámos cá para fora, íamos na parte do “bendito fruto,” saímos do esconderijo, vimos o Corenteissete e o Trêsvintium plantados no topo da camarata, donos da situação, as luzes todas acesas, a três camas de distância o Maluco a lastimar-se, uma mão agarrada á canela, a outra agarrada à cara (bem feito, bem feito!) passado um bocado até já nos ríamos.

E a vida colegial continuou. E foi continuando por sete ou oito anos.

Mas perdoámos? Não sei, acho que sim, Grandes Sacanas, mas acho que sim.

Guardei isto durante mais de setenta anos, só hoje o escrevo; e se às vezes o contava preferia não dizer muitos nomes; mas agora já prescreveu, infelizmente o Corenteissete e o Trêsvintium já nos deixaram, e deixaram-nos com saudades, o

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(326/1985) ANTIGO ALUNO USA A BARRETINA
©Foto
Sérgio Garcia

O Lendário Cabo 20

No número 219 da ZacatraZ foi publicado o artigo intitulado «Guarda de Honra à Bandeira e ao Altar» , da autoria de João Nuno Ribeiro Ferreira Barbosa (16/1956), ilustrado com a única fotografia que conseguimos encontrar de uma Guarda de Honra à Bandeira, com uma formatura de Alunos, a apresentar armas, no jardim em frente à entrada principal do edifício primitivo do Colégio (Hospital de Nª Srª dos Prazeres). Nessa fotografia, que agora voltamos a apresentar, pode-se observar um militar, de costas para a objectiva, procedendo ao hastear da Bandeira Nacional. Apesar de estar de costas, não haverá grande margem de erro, se identificarmos esse militar como sendo o Cabo «20» , ou melhor dizendo, o «Lendário Cabo 20» .

Não tive o privilégio de conhecer o Cabo «20» . Entrei para o Colégio em 1957 e o Cabo «20» atingiu a reforma e saiu do Colégio cerca de 10 anos antes, em 1946. No entanto, toda a minha vida ouvi os Antigos Alunos mais velhos falarem do Cabo «20» , com respeito e saudade, e de uma forma, que me levava a pensar, que o Cabo «20» teria sido qualquer coisa como uma peça de mobiliário do Colégio, que a lei da vida teria um dia forçado

à sua substituição, por expiração do seu «prazo de validade» .

Se eu, já com 75 anos, não conheci o Cabo «20» , os Antigos Alunos mais novos deverão pensar que o mesmo terá vivido na pré-história. Para vos provar que assim não foi, resolvi dar-vos a conhecer a história singular deste dedicadíssimo servidor do Colégio. Para tal socorro-me, como é meu hábito, da «História do Colégio Militar» , do José Alberto da Costa Matos (96/1950).

O Costa Matos tem uma parte muito importante da sua história do Colégio, a que deu o título «Grandes Exemplos de Gente Modesta» . Ela versa sobre os servidores mais humildes do Colégio, que deram toda uma vida de trabalho ao mesmo, em troca de modestíssimos ordenados, mas com a consolação de terem ganho um lugar muito particular nos corações dos Alunos, que eles ajudaram a crescer e a fazerem-se homens.

Costa Matos destaca, no século XX, «duas grandes e inconfundíveis figuras que são sem dúvida a expressão máxima da dedicação e da grandeza humana, aliadas a uma humildade tão genuína que quase nos esmaga

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O Lendário Cabo 20

a consciência. São eles o «Vinte» na primeira metade do século, e o «Moca» na segunda».

Ao «Moca» , com quem tivemos o privilégio de conviver, já fizemos uma grande homenagem no ano de 2015, ano em que completaria cem anos, tendo sido ele figura de capa do número 198, de Janeiro/Março de 2015, da ZacatraZ . Vejamos agora o que nos conta Costa Matos sobre o «Vinte» , baseado em testemunhos que recolheu, pois ele próprio também não é do tempo do «Vinte» no Colégio. Escreveu ele: «O 1º Cabo n.º 20, Joaquim Alves, por alcunha o «Vinte», nasceu em 14 de Dezembro de 1876 e, terminada a instrução de recruta em Abril de 1897, foi mandado prestar serviço como soldado no Colégio Militar (então Real Colégio Militar), onde aprendeu a ler e a escrever. Tinha então tantos anos de idade quanto o seu número na tropa – vinte – e foi escolhido para ordenança do Director».

Após este intróito, Costa Matos passa a palavra a Jayme Duarte de Almeida, que escreveu em «O Colégio Militar (1803-1953)» , livro comemorativo dos 150 anos do Colégio Militar, o seguinte:

«Era então um rapazola, mas as suas qualidades de carácter foram desde logo reconhecidas e em consequência depressa o rodearam as mais espontâneas provas de apreço e amizade. E terminado o ano de serviço, o «20» pediu a readmissão. Concluído esse segundo ano, o seu coração, já fortemente ligado aos alunos, aos oficiais, aos próprios muros do edifício (Joaquim Alves era ao fim e ao cabo um sentimental) negou-se a afastar-se de um ambiente já tão amigo. Então, disposto a consumir ali a sua

existência, integrou-se na vida colegial, compreendeu a sua ética, respeitou as suas tradições. E dentro da sua função de guarda-portão, o «20» estava presente (…..) com o som das suas badaladas da sineta que fazia tocar e chegava a todos os recantos anunciando deveres ou pondo termo a dificuldades. E o «20» parecia que

adivinhava, que sabia tudo, que tudo pressentia. E quando em momentos dolorosos de provas escritas a sineta do claustro marcava a hora para o corneteiro tocar a alto, havia nesse badalar qualquer coisa de ansioso, de muito expressivo: era o «20» que sentia as aflições dos seus meninos e por isso era feliz libertando-os.»

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Guarda de Honra à Bandeira, na década de 30 do século XX. O Cabo 20 içando a Bandeira.
O Lendário Cabo 20

Costa Matos informa-nos de seguida, que o «20» foi promovido a 1º cabo por distinção e passa de novo a palavra, desta vez a Carlos Oliveira, que escreveu em «Memórias Colegiais» publicadas em 2000, no número 141 da revista da AAACM, o seguinte: «Operador do pequeno posto (telefónico) era (…..) sem dúvida, o servidor mais respeitado e estimado no

Colégio Militar, não só pelos alunos e pelos familiares destes, mas também pelos Oficiais e todo o pessoal em serviço na casa.

Era baixo de estatura, engordou com os anos passados sentado no banco de telefonista e passou a usar uma enorme bigodeira: tinha um rosto jovial, apesar da idade (….).

Uniformizado de cabo e com a cabeça coberta por um barrete circular, do modelo antigo, o «Vinte» atendia o telefone, recebendo as mensagens dos familiares dos alunos e corria até às Companhias para as transmitir de viva voz aos destinatários e recolher as respostas ou os pedidos por eles dirigidos às suas famílias.

O serviço a que ele se votava não lhe permitia vagares e quem o via recolhia a imagem de uma pessoa célere e sempre atarefada. Parece que ele entrava para o Colégio ainda antes do toque de alvorada e era sempre o último dos servidores que abandonavam o Colégio para se recolherem a suas casas.

Valia-lhe o facto de viver, na companhia da mulher e de alguns filhos, numa humilde casa que tomara de aluguer em Carnide; um dos filhos foi aluno dos Pupilos do Exército de Terra e Mar, tendo atingido o oficialato.»

De seguida, Costa Matos devolve a palavra a Jayme Duarte Almeida, que escreveu:

«Exemplo sem par de lealdade e de respeito (ele que tomava a posição de sentido quando, pelo telefone, atendia o director, dizendo-se até que chegava a fazer-lhe a continência), o «20» não dominou apenas o internato. A sua hegemonia foi mais longe; a sua irradiante simpatia, a sua inigualável bondade, conquistou mais amplos terrenos e corações. Foi igualmente popular, igualmente querido, entre as famílias dos alunos, estabelecendo-se entre umas e outro como o traço de união mais seguro e solicito que podia desejar-se. Assim, o «20» tinha sempre um recado, trazia sempre uma notícia e quando os não

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O Lendário Cabo 20
1º Cabo nº20, Joaquim Alves.

O “Vinte” no seu posto telefónico.

tinha…… inventava-os, não porque cultivasse a mentira, mas para poder proporcionar uma alegria ou alimentar uma esperança.»

A propósito desta enorme bondade do «20» , Costa Matos dá de novo a palavra a Carlos Oliveira, que relata:

«Contavam-se várias cenas com certa graça que foram protagonizadas pelo «Vinte». Uma delas referia-se a uma encomenda ou embrulho que a mãe de um aluno fizera chegar às mãos do «Vinte» a fim deste a entregar ao destinatário; no dia seguinte, quando a mesma mãe telefonou para saber se o embrulho havia sido entregue ao filho, o «Vinte» respondeu, procurando agradar, que o embrulho já fora entregue, o que era um facto, mas acrescentou que o menino havia comido e havia gostado imenso: a mãe em questão certamente fartou-se de rir, porque o embrulho não continha qualquer coisa que se comesse, mas apenas um par de sapatos.»

O testemunho seguinte é dado por Luis Maria Colaço, em artigo intitulado «Figuras Colegiais» , publicado em 1967, no número 6 da revista da AAACM. Relatou Luis Colaço:

«Certo sábado à tarde, ouviram-se estralejar vários foguetes de repetição para os lados de Carnide. O facto causou surpresa na Luz, pois ainda faltava muito tempo para os festejos dos Santos Populares. Depressa chegou a notícia sobre a causa do foguetório. A «Havaneza de Carnide» tinha vendido um bilhete em cautelas com a sorte grande. Soube-se depois que um dos contemplados fora o «Vinte», pois na véspera, com um grande palpite, perdera a cabeça e comprara uma cautela de três vinténs.

21 O Lendário Cabo 20

Logo que o «Vinte» recebeu os cem mil réis de prémio, meteu uma licença de oito dias e foi à terra com toda a família que vestiu e calçou de novo dos pés à cabeça. Ele foi com a farda de pano cinzento e de boné à búlgaro.

Quando o felizardo do «Vinte» regressou da terra, houve quem garantisse, por ter visto, que ele ainda trazia bastantes moedas de prata que foi logo depositar no Montepio Geral, onde guardava as suas economias, as quais levantava de vez em quando para comprar jeiras na sua terra natal.»

O testemunho final acerca da vida do «Vinte» foi dada, de novo, por Carlos Oliveira, que remata assim o seu artigo:

«Certa vez, no decurso da comemoração de um aniversário do Colégio Militar, o seu director, pediu ao marechal Óscar de Fragoso Carmona, então general, Presidente da República e ex-aluno também, que colocasse ao peito do «Vinte» a medalha de ouro de comportamento exemplar com que fora agraciado, após dezenas de anos de serviço conforme está regulamentado.

Quando, perante a formatura do Batalhão e de numeroso público presente, o Presidente Carmona colocava a condecoração na farda do «Vinte», este deixou correr algumas lágrimas, tocado pela emoção e sensibilizado com a nobreza do generoso gesto (….).

Quando completou setenta anos de idade, o «Vinte» foi atingido pela lei e passou à situação de reforma, pelo que teve de deixar o serviço do Colégio Militar que ele tão exemplarmente havia servido; quatro anos depois, em 30 de Junho de 1950, o «Vinte» deixou o mundo dos vivos para repousar na mão de Deus e também para perdurar na memória de quantos tiveram a dita

de o conhecer e de receber as expressões do seu zelo e amizade.»

O «Vinte» serviu durante meio século o Colégio. Aqui entrou logo que terminada a recruta e daqui saiu, aos 70 anos para a reforma. Foram 50 anos ao serviço do Colégio, o que terá constituído um recorde praticamente imbatível. O Colégio foi o seu Mundo. O Colégio foi a Casa do «Vinte» . Passou decerto muito mais tempo no Colégio, do que no convívio da sua família. O «Vinte» merece ser por nós recordado, com o mesmo respeito e admiração, com que recordamos as figuras dos filhos ilustres do Colégio.

No presente ano de 2020, perfazem-se 70 anos desde que o «Vinte» deixou o mundo dos vivos. Já é escasso o número de Antigos Alunos vivos, que tiveram a dita de o conhecer. Com o presente artigo pretendemos que a memória do «Vinte» perdure na men-

te dos Antigos Alunos mais modernos, pois enquanto ele for recordado, não estará morto para nós. É uma das figuras do Universo Colegial, que merece «se ir da lei da morte libertando»

Procurem nas paredes dos Claustros, a placa de pedra aí colocada, em 1955, pelo curso de saída de 1930, quando foi ao Colégio festejar os 25 anos da sua saída do mesmo. A placa é singela, diz apenas «Aqui esteve o 20»

Agora, já sabeis quem foi o «20» . Já compreendeis a mensagem que aquela pedra nos transmite. Não vos esqueçais, de transmitir esta mensagem aos vossos sucessores. Assim se fortalecem as raízes do Colégio. Assim se compreende a razão da nossa dedicação ao Colégio. Assim procuramos manter sempre bem vivo o «Espirito do Colégio» , sem o qual o Colégio não teria qualquer significado para todos nós.

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Cabo 20
Placa afixada nos Clautros, em 1955, pelo curso de saída de 1930.
O Lendário

Composição do Batalhão 2020/2021

Composição do Batalhão 2020/2021

Apartir do ano lectivo de 2013/2014 , em que o Colégio Militar pela primeira vez admitiu Alunas, todos os anos temos feito a análise da composição do Batalhão, para seguimento contínuo das transformações que o mesmo tem sofrido ao longo destes últimos anos.

A composição do Batalhão no início do presente ano lectivo era a constante do quadro que seguidamente se apresenta:

Quadro 1 Composição do Batalhão no Ano Lectivo de 2020/2021

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Luís
71/1957
Ano 5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º TOTAIS % 24 17 30 29 26 28 28 21 203 35,5 Al. Masculinos Al. Femininos TOTAIS Internos Externos Internos Externos 33 25 24 12 21 12 4 0 131 22,9 12 21 10 24 18 16 16 20 137 24 25 21 26 8 6 9 3 3 101 17,6 100 94 84 90 73 71 65 51 44 572

Composição do Batalhão 2020/2021

As reflexões que os valores apresentados nos suscitam são as seguintes:

- EFECTIVO DO BATALHÃO

Nos últimos anos o efectivo do Batalhão estava na casa dos 520 Alunos, tendo agora passado para 572 Alunos, o que é um acréscimo com significado. Esperamos que este acréscimo não se mantenha, para que continue a ser possível um conhecimento mútuo entre os Alunos, factor importante para a coesão do Batalhão.

- ALUNOS INTERNOS

O ano passado o número de Alunos nestas condições tinha descido dos 200 (eram 191), o que era uma situação alarmante. Esse número subiu agora para 203. Em termos de percentagem a situação manteve-se (cerca de 36%), dado o acréscimo do efectivo do Batalhão.

- ALUNOS EXTERNOS

O número e a percentagem de Alunos nestas condições continua a aumentar todos os anos, o que consideramos ser uma situação indesejável e preocupante. O número de alunos externos já ultrapassa os 130.

- ALUNAS INTERNAS

O total de Alunas nesta situação baixou de 151 para 137, e em termos percentuais de 29% para 24%. Havia o ano passado a ideia que o número de Alunas Internas iria continuar a subir, dado haver instalações disponíveis para as mesmas. Tal não veio a ocorrer. Admite-se que a descida verificada esteja relacionada com a situação de pandemia que o País atravessa, que leva alguns pais a optarem por ter as suas filhas em casa e não no Colégio.

- ALUNAS EXTERNAS

O total de Alunas nesta situação subiu de 74 para 101, e em termos percentuais de 14% para 17,6 %. A razão da subida admite-se que seja a anteriormente indicada.

- RELAÇÃO ENTRE ALUNOS E ALUNAS

Nos anos lectivos passados, a percentagem de Alunas tinha vindo a crescer de forma continuada, tendo atingido, em 2019/2020, o valor de 43%. Este ano deu-se um decréscimo, passando a percentagem de Alunas a ser de 40,5%. Devido à situação de pandemia anteriormente referida, consideramos não se poderem tirar conclusões relativamente à variação verificada.

- RELAÇÃO ENTRE INTERNOS E EXTERNOS

No número 218 da ZacatraZ , de Janeiro/Março de 2020, o seu Editorial, intitulado «Tempo de Balanço» deu origem a duas ilações, uma pela positiva e outra pela negativa.

Pela positiva, constatou-se e saudou-se a boa integração das Alunas no Batalhão. A comprovar esse facto tivemos o gosto de publicar, logo de seguida, na ZacatraZ , o artigo «Para sempre serei Menina da Luz» da autoria da Aluna nº 620, Joana Sofia Alves Domingues, a primeira Aluna a ter a honra de ser Porta-Estandarte Nacional do Batalhão. Esse artigo foi consolador. Levantou-nos a moral.

Pela negativa, sublinhou-se o facto de a percentagem total de Externos ter atingido no ano de 2019/2020, o valor de 35%, o que considerámos constituir um sério risco à coesão do Batalhão e, a prazo, um sério risco à

coesão da comunidade dos Antigos Alunos. Segundo escrevemos, podíamos estar a caminhar para uma situação absolutamente indesejável, de ter o Batalhão partido ao meio, entre Internos e Externos. Recordámos que o internato é o cadinho onde se caldeia a CAMARADAGEM e o ESPIRITO DO COLÉGIO, que fazem da nossa comunidade de Alunos e Antigos Alunos uma comunidade «sui generis» , que se afirmou como uma comunidade de mérito, na sociedade nacional, geração após geração, ao longo de mais de dois séculos. Se a percentagem de 35% do ano passado era muito preocupante, a situação do presente ano lectivo, em que a percentagem de Externos atingiu os 40,5%, ainda é mais preocupante. No entanto, como se referiu anteriormente, o presente ano é um ano atípico, devido à pandemia existente, o que não permite retirar conclusões seguras. Teremos porém de continuar a estar muito atentos a esta situação, pois, como disse anteriormente, é essencial manter a nossa COESÃO.

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Imposição de Graduações 2020/2021

Imposição de Graduações 2020/2021

Vivemos tempos muito difíceis com a pandemia da covid –19, que veio alterar profundamente a vivência do quotidiano, tanto no País, como no Colégio.

A primeira actividade de cada ano lectivo no Colégio é o Curso de Graduados, que culmina com a imposição das graduações aos Alunos, que vão ter a responsabilidade de comandar o Batalhão, as suas Companhias, os seus Pelotões e as suas Secções, no ano lectivo que se inicia.

Os Alunos que este ano foram convocados para o Curso de Graduados, tiveram no ano lectivo findo a sua vivência fortemente perturbada pelo período de confinamento que foi imposto ao País.

Concluído o ano lectivo, pensou-se que o pior já tinha passado e que o novo ano lectivo seria um ano de retoma progressiva de uma actividade normal. Tal não aconteceu. O curso de Graduados teve lugar no início de Setembro, tendo-se constatado, dia após dia, que se estava a caminhar para uma segunda vaga da pandemia. A normalidade deixou de «estar ali ao dobrar da esquina» . Face a esta situação, a cerimónia de imposição das graduações teve de sofrer alterações em relação ao seu figurino habitual, não sendo permitida a assis -

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Imposição de graduações 2020/2021. ©Fotos Renato Oliveira (CM).

Imposição de Graduações 2020/2021

Os novos graduados, na situação imposta pela pandemia.

tência à mesma, de familiares e amigos dos Alunos que iriam ser graduados, o que constituiu uma contrariedade para todos.

A Direcção do Colégio promoveu uma cerimónia com esta restrição, por uma questão de segurança inquestionável.

A importância e o significado da cerimónia, foram as mesmas de sempre.

A responsabilidade que foi posta sobre os ombros dos Alunos graduados, foi a mesma de sempre.

A esperança de sucesso da comunidade colegial em relação à acção dos graduados, é a mesma de sempre.

Dado não termos estado presentes na cerimónia, transmitimos-vos um pequeno conjunto de fotografias, que o Colégio nos facultou e que muito agradecemos.

Visto ser assinalável o percurso percorrido pelas Alunas no que concerne a graduações, desde que foram admitidas no Colégio até ao presente ano lectivo, apresentamos um artigo independente, intitulado

«Graduações 2020/2021» , em que analisamos esse percurso.

Aos novos Graduados a ZacatraZ deseja as maiores felicidades no desempenho das suas funções nas difíceis circunstâncias do presente ano lectivo. A Zacatraz espera, que sejam lembrados no futuro, por aqueles que agora vão comandar, como verdadeiros «Meninos e Meninas da Luz» , que lhes deixaram exemplos que procurarão seguir em toda a sua vida futura.

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©Fotos Renato Oliveira (CM).

Graduações 2020/2021

Graduações 2020/2021

No início de cada ano lectivo, o Colégio realiza uma acção da maior importância para a sua vida interna, que consiste na nomeação de graduados, para o ano lectivo que principia. A existência de graduados no Colégio remonta aos seus primórdios e constitui uma das suas marcas identitárias. É uma prática de sucesso, comprovada ao longo de cerca de dois séculos, que se deseja que tenha continuação, por muitos anos e bons. É assim que se formam líderes. Dá-se-lhes poder, quando ainda são muito jovens, mas exige-se-lhes a maior responsabilidade, como se fossem já adultos. É uma diferenciação, pela positiva, do nosso Colégio, em relação à sociedade dos nossos dias, em que os jovens são tratados como crianças irresponsáveis até quase à maioridade, reagindo de seguida, como seria de esperar, de forma correspondente a esse tratamento.

Todos os Alunos do Colégio Militar, ao longo dos seus anos de vivência no mesmo, vão acalentando o desejo de virem a ser graduados e quanto mais elevada for a graduação que vierem a obter, melhor. Todos os Alunos, ao longo desses anos, observam atentamente os graduados que os comandam e fazem os seus juízos de valor sobre os mesmos. Com toda a facilidade

distinguem os bons dos maus graduados e daí retiram ensinamentos. Sabem muito bem quem são aqueles que um dia gostariam de imitar e aqueles por quem não nutrem consideração. Felizmente, ao longo dos anos, a grande maioria dos graduados que vão tendo, pertencem ao primeiro grupo e deles guardam sentimentos de respeito e de saudade, para o resto das suas vidas.

Com a admissão de Alunas no Colégio, muitos se interrogaram acerca da forma como elas se adaptariam à vida colegial. Como já foi repetidamente afirmado, elas adoptaram, desde o início, uma atitude muito clara, não queriam ficar em nada atrás dos rapazes. Esta atitude incluía, obviamente, a questão das graduações. Elas também queriam mostrar que eram capazes de comandar os Alunos mais novos, impondo-se pelo seu exemplo, que é a forma mais difícil e mais nobre de comandar.

Analisamos de seguida, o trajecto seguido pelas Alunas, no que respeita a graduações.

A admissão de Alunas no Colégio iniciou-se no ano lectivo de 2013/2014 Foram admitidas 36 Alunas no Batalhão, sendo todas externas.

Passados dois anos, em 2015/2016 , foi aberto o internato para Alunas.

Imediatamente foram admitidas no internato 99 Alunas, preenchendo a capacidade do mesmo. Foi nesse ano que pela primeira vez no Colégio houve Alunas graduadas. Seis Alunas foram graduadas em Comandante de Secção, passando a usar nas suas fardas a respectiva estrela.

No ano seguinte, de 2016/2017 , subiram logo um degrau nas graduações. Foram graduadas doze Alunas. Pela primeira vez uma Aluna recebeu uma graduação de duas estrelas, sendo nomeada Porta-Guião . A Aluna em causa foi a nº 602/2014, Maria Madalena Ramos Pereira.

Passado um ano, em 2017/2018 , de novo foi uma Aluna a desempenhar as funções de Porta-Guião , tendo recebido a correspondente graduação de duas estrelas. A Aluna em causa, foi a nº 145/2015, Andreia Filipe Santos Vieira .

Em 2018/2019 , houve uma Aluna nomeada Adjunta do Comandante de Batalhão , sendo-lhe atribuída a graduação correspondente à de Comandante de Companhia, ou seja, ostentava na sua farda o galão dourado correspondente àquela função. A Aluna em causa, foi a Aluna nº 534/2014, Ana Carolina da Silva Pinto

No ano lectivo seguinte, em 2019/2020 , o número total de Alu -

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Graduações 2020/2021

nas graduadas foi de 13. Sendo de salientar a graduação de uma Aluna com 3 estrelas, na função de Porta-Estandarte Nacional , a graduação de uma Aluna com duas estrelas, na função de Cerra-Fila da Escolta a Cavalo, a graduação de três Alunas com 3 estrelas, nas funções de Adjunto de Comandante de Companhia e Comandante do 1º Pelotão, nas 1ª, 2ª e 3ª Companhias, e a graduação de uma Aluna com uma estrela, na funções de Coman -

dante de Secção da 4ª Companhia. A Aluna que teve a honra de ser a primeira Porta-Estandarte Nacional, foi a Aluna nº 620/2014, Joana Sofia Alves Domingues

A evolução verificada ao longo dos anos em que as Alunas foram graduadas era de molde a prever, que não tardaria muito, até termos uma Aluna graduada em Comandante de Companhia. Essas previsões revelaram-se acerta -

das, pecando apenas por defeito. Na realidade, no início do presente ano lectivo, de 2020/2021 , não tivemos uma, mas sim duas Alunas graduadas em Comandante de Companhia, o que merece o maior realce.

No ano lectivo de 2020/2021, iniciado no passado mês de Setembro, temos um total de 22 Alunas graduadas, com as graduações que seguidamente se indicam.

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Maria Madalena Ramos Pereira (602/2014). Primeira Aluna Porta-Guião. Ano lectivo 2016/2017 Segunda Aluna Porta-Guião. Andreia Filipe Santos Vieira (145/2015). Ano lectivo de 2017/2018 Aluna Adjunta do Comandante de Batalhão. Ana Carolina da Silva Pinto (602/2014). Ano lectivo de 2018/2019 Primeira Aluna Porta-Estandarte Nacional. Joana Sofia Alves Domingues (620/2014). Ano lectivo de 2019/2020

COMANDO DO BATALHÃO.

Temos a Ajudante de Comandante de Batalhão , a Aluna nº 360/2013, Carolina Damas Cordeiro , com o galão de Comandante de Companhia e temos a Adjunto de Comandante de Batalhão, a Aluna nº 515/2013, Maria Lopes Varão, com três estrelas.

1ª COMPANHIA.

Temos a Aluna nº 487/2013, Cláudia Cordeiro Mateus, a Comandante de Companhia , temos duas Alunas Comandantes de Pelotão e duas Alunas Comandantes de Secção.

2ª COMPANHIA.

Temos os quatro pelotões comandados por Alunas e ainda duas Alunas Comandantes de Secção.

3ª COMPANHIA.

Temos a Aluna nº 327/2015, Teresa Marques Simões, a Comandante de Companhia , duas Alunas a Comandante de Pelotão e uma Aluna a Comandante de Secção.

4ª COMPANHIA.

Temos uma Aluna a Adjunto do Comandante de Companhia e Comandante do 1º Pelotão, com três estrelas, temos outra Aluna a Comandante de Pelotão e ainda três Alunas a Comandante de Secção.

O que se verifica no presente ano lectivo é algo de extraordinário. Quem ousaria pensar, há anos atrás, que teríamos uma Aluna a comandar a 3ª Companhia (onde já vários rapazes começam a fazer a barba)?

Quem ousaria pensar, em graduar uma Aluna em três estrelas da 4ª?

Nos velhos tempos, o Comandante da 4ª e o seu três estrelas eram sujeitos, que quando pigarreavam, punham o pessoal em sentido. Não há dúvida que fomos ultrapassados pelos acontecimentos. Três Alunas com o galão de Comandante de Companhia é obra.

A ZacatraZ sauda-vos efusivamente..

Já estão a ver o que nos espera num futuro muito próximo? Pois! Pode ser isso!

Para que todos fiquem conhecedores da totalidade das graduações atribuídas no início do presente ano lectivo, apresentamos de seguida o quadro completo das mesmas.

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Comandante da 1ª Companhia. Aluna 487/2013 Cláudia Baptista Ferreira Cordeiro Mateus. Ano lectivo de 2020/2021 Comandante da 3ª Companhia. Aluna 327/2015 Teresa Borba Simão Marques Simões. Ano lectivo de 2020/2021 Ajudante de Comandante de Batalhão. Aluna 360/213, Carolina Damas Cordeiro Ano lectivo de 2020/2021
Graduações 2020/2021

Primeira Companhia

30 GRADUAÇÕES DOS ALUNOS DO BATALHÃO COLEGIAL NO ANO LETIVO 2020/2021 Comando Bernardo Lopes (338) COMANDANTE DE BATALHÃO Carolina Cordeiro (360) AJUDANTE CMDT BATALHÃO Duarte Velez (164) PORTA ESTANDARTE NACIONAL Maria Varão (515) ADJUNTO DO COMANDANTE DE BATALHÃO José ferreira (12) PORTA GUIÃO Escolta Vicente Durão (412) COMANDANTE DE ESCOLTA Tomás Pacífico (326) CERRA-FILA DA ESCOLTA Tiago Godinho (752) COMANDANTE 2º PELOTÃO João Mimoso (540) COMANDANTE 1º PELOTÃO Madalena Pereira (118) Cmdt 3º Pelotão Maria Carocha (696) Cmdt 4º Pelotão Ana Baptista (518) Cmdt de Secção do 1º Pelotão Matilde Abel (492) Cmdt de Secção do 2º Pelotão Guilherme Gouveia (372) Cmdt de Secção do 3º Pelotão Vasco Caetano (72) Cmdt de Secção do 4º Pelotão Henrique Simões (673) COMANDANTE DE COMPANHIA Segunda Companhia Cíntia Barreira (726) Adjunto do Cmdt Compª e Cmdt 1º Pelotão Camila Silva (401) Cmdt 2º Pelotão Vitória Jesus (350) Cmdt de Secção do 1º Pelotão Guilherme Cascalhais (147) Cmdt de Secção do 2º Pelotão Márcio Carima (584) Cmdt de Secção do 3º Pelotão Tiago Godinho (752) Cmdt de Secção do 4º Pelotão João Mimoso (540) Cmdt de Secção do 5º Pelotão
Companhia Teresa Simões (327) COMANDANTE DE COMPANHIA Joaquim Ramos (400) Adjunto do Cmdt Compª e Cmdt 1º Pelotão Ana Cubas (117) Cmdt 2º Pelotão José Figueira (17) Cmdt 3º Pelotão Ana Brogueira (384) Cmdt 4º Pelotão Rodrigo Santos (134) Cmdt 5º Pelotão Diogo Santos (276) Cmdt de Secção do 1º Pelotão Ana Assis (64) Cmdt de Secção do 2º Pelotão Cátia Coelho (684) Cmdt de Secção do 3º Pelotão Carla Fortes (585) Cmdt de Secção do 4º Pelotão Quarta Companhia Mariana Caparica (404) Adjunto do Cmdt Compª e Cmdt 1º Pelotão
Caixinha (732) Cmdt 3º Pelotão Justino Botelho (382) Cmdt 4º Belotão
Brito (442) Cmdt 2º Pelotão
Lebreiro (777) COMANDANTE DE COMPANHIA
Terceira
Tiago
Vânia
Pedro
Mateus (487) COMANDANTE DE COMPANHIA Telmo Almeida (478) Adjunto do Cmdt Compª e Cmdt 1º Pelotão
Silva (408) Cmdt 2º Pelotão Diogo Martins (29) Cmdt 3º Pelotão
Camara (744) Cmdt 4º Pelotão Rafaela Pires (131) Cmdt 5º Pelotão
Silva (352) Cmdt de Secção do 1º Pelotão
Ribeiro
Cmdt de Secção
2º Pelotão Sofia Alves
Cmdt
Secção
3º Pelotão Gonçalo
Cmdt
Secção
4º Pelotão
Cmdt
5º Pelotão
2020/2021
Cláudia
Matilde
Maria
Maria
Afonso
(299)
do
(689)
de
do
Ruivo (81)
de
do
Alberto Barbedo (491)
de Secção do
Graduações

Abertura Solene do Ano Lectivo 2020/2021

Abertura Solene do Ano Lectivo 2020/2021

No artigo relativo à imposição das graduações para o presente ano lectivo, indicámos as condições «sui generis» em que a mesma decorreu, devido às normas de segurança impostas pela Direcção Geral de Saúde, em consequência da pandemia, que presentemente tudo condiciona no nosso dia-a-dia.

A Direcção do Colégio decidiu, e quanto a nós muito bem, realizar as cerimónias relativas à abertura solene do ano lectivo, apesar de todos os condicionamentos impostos. É uma cerimónia tradicional do Colégio e as tradições devem ser preservadas, apesar de todas as contrariedades, para que a Instituição não perca as suas referências. O Colégio tem um DEVER DE MEMÓRIA para com todos aqueles que nele se formaram e nele serviram. O Colégio tem de cultivar e preservar as suas tradições. São elas que lhe conferem a sua identidade própria e que, em conjunto com os valores que nele se cultivam, que são transmitidos aos seus Alunos e que são por estes «entranhados» para toda a vida, tornam o Colégio numa entidade única.

Não tivemos oportunidade de assistir às cerimónias, dado as mesmas se terem realizado em privado, sem a assistência de familiares e amigos dos Alunos e também de Antigos Alunos. A nossa Associação teve um representante único na cerimónia, o nosso Presidente da Direcção. Para minimi -

zar o transtorno provocado por estas limitações, as cerimónias foram transmitidas em directo para os Pais e Encarregados de Educação, através da plataforma de comunicação do Colégio com os mesmos.

O testemunho que podemos dar aos nossos leitores, baseia-se nas fotos

que nos foram cedidas pelo Colégio que aqui se reproduzem, e que muito agradecemos.

Nas fotos vemos todos os intervenientes na cerimónia com máscara, o que dificulta a sua identificação. Temos, por exemplo, uma foto do Comandante de Batalhão em grande

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Na Parada Serpa Pinto. ©Foto Renato Oliveira (CM)

Abertura Solene do Ano Lectivo 2020/2021

plano, mas de máscara. Gostaríamos de ver a sua cara. Gostaríamos de ficar a conhecer este Aluno o 338, Bernardo Lopes, que tem o privilégio e a responsabilidade de comandar o Batalhão, constituindo-se, para todos os Alunos, como um exemplo a seguir.

Pelas fotos podemos ver, que se desenrolou na Parada Serpa Pinto a entrega

da espada de honra ao Comandante de Batalhão, feita pelo «Batalhãosinho», que se procedeu à entrega de medalhas e prémios no Ginásio e que se procedeu à entrega das cartas de curso, aos finalistas do ano anterior, em cerimónia realizada nos Claustros. Em todas as cerimónias teve de se manter o maior distanciamento possível entre todos os participantes.

Imaginamos que as cerimónias feitas nestas condições tenham sabido a pouco aos Alunos, muito em especial aos novos graduados, que foram impedidos de se apresentar em público no exercício das suas funções de comando. Vamos esperar que a situação melhore durante os próximos meses, para que no próximo 3 de Março eles possam marchar em condições normais pela Avenida abaixo.

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Nos Claustros Nos Claustros Nos Claustros ©Foto Renato Oliveira (CM) ©Foto Renato Oliveira (CM) ©Foto Renato Oliveira (CM)

Tem de se fazer tudo, para que esse desfile tradicional, o ponto mais alto das comemorações do aniversário do Colégio, se realize.

Já os estamos a antever, no desfile com passo firme, peito para fora, cara levantada e olhando em frente, para o infinito. Tal como os seus antecessores, sentir-se-ão como que transportados pelos aplausos de toda a assistência, pelos gritos de incitamento dos Antigos Alunos e pelos «ZacatraZ» vibrantes, que ficam a pairar na atmosfera, naquele dia, sempre igual e sempre diferente, em que o Colégio se afirma publicamente, mostrando, a quem o quiser ver, que ali vai um BATALHÃO DE JUVENTUDE, em que se pode confiar. Deste BATALHÃO, como afirmava Júlio Dantas (114/1887), referindo-se ao Colégio do seu tempo, mas que cremos poder aplicar-se ainda ao Colégio de hoje, saem jovens que «entram na vida de cabeça levantada, servindo o desinteresse, falando com desassombro e quando é preciso lutando com intrepidez» . Ainda segundo Júlio Dantas, no Colégio «aprenderam a lição do aprumo, da dignidade, da obrigação, da solidariedade moral, da disciplina sem subserviência, da cortesia sem bajulação».

É para perpetuar estes valores, que se cultiva a tradição e se trabalha no Colégio. É para perpetuar estes valores, que os Antigos Alunos e a sua Associação apoiam sempre o Colégio, nos bons momentos e, com maior força, nos momentos adversos.

A Redacção

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©Foto Renato Oliveira (CM) Aspectos das cerimónias no Ginásio.
Abertura Solene do Ano Lectivo 2020/2021

Foi Há 100 Anos A Aguardente 1920

A Aguardente 1920 Foi há 100 Anos

Aqui há tempos o Luis Barbosa, editor da Zacatraz, perguntou-me se eu tinha escrito alguma coisa, digna de sair na revista. Disse-lhe que não, que não me lembrava de nenhuma coisa para contar, nem me lembrava de nenhum tema giro, para tentar desenvolver. “Eu dou-te uma ideia”, disse-me; “escreve uma coisa para a secção “Foi há 100 anos”.

Rejeitei energicamente, de forma tão enérgica que me não permito reproduzir aqui tudo o que lhe disse. A parte razoável, publicável, quase simpática, foi do género “mas tás doido ou quê, julgas que eu sou teu avô? Sei lá o que se passou há cem anos, em 1920! Aliás, até sei alguma coisa, mas é tudo muito mau: acabada a guerra, havia crise, havia fome, havia uma tremenda pandemia que matou mais gente do que a guerra. Não é tema que me interesse, não gosto de tragédias, não vou gastar tinta com isso!”.

Mas ele não estava disposto a sentir-se ofendido com a minha “simpatia”, queria contemporizar, “Eh pá, arranja qualquer coisa gira, deve ter havido alguma.

Olha, acerca de 1920, o Mira Vaz até já escreveu um artigo para a revista, sobre a promulgação da Lei Seca nos EUA.” “Ora aí está”, gritei, quase descontrolado, “já não bastava a fome, a crise, a pandemia, ainda vieram os “camones” com essa invenção maluca; era só o que faltava; não me meto nisso”.

“Mas, em Portugal não tivemos guerra nem lei seca, as coisas podiam ser molhadas à vontade, para nós não foi tão mau assim”.

“Para nós não foi tão mau assim, porque nós dois ainda não estávamos cá. Mas para os que já cá andavam nessa altura sabes o que lhes aconteceu? Pois nesse ano, só durante 1920, cá nesta nossa querida terrinha, tiveram 8 (oito, ocho, eight, etc) primeiros ministros diferentes!!! Só lhes faltava, coitados, que ainda tivessem que suportar uma Lei Seca!”

“Mas alguma coisa sobrou desse ano e dessas desgraças que não te devia desagradar de todo”, afirmou, como quem tem um último argumento (acho que já tinha planeado este truque). “o quê?”;

“o Mira Vaz também falou, não te esqueças, da Aguardente 1920 e deu uns tópicos de como tudo isso começou e que se pode dizer que derivou da Lei Seca, o que torna esta lei menos horrível do que parecia à primeira vista. Não me digas que nunca provaste, não me digas que não gostavas, não me digas que não bebias disso lá no Lugenda. Conta a história dessa “pomada”“.

Aí vacilei. Era um argumento forte. E se era para falar de coisas sérias, eu podia rever a minha posição; até porque, para este meu gosto, a história do Mira Vaz acabava muito mal, com uma autêntica desgraça; acabava, calculem, com uns energúmenos, eventualmente ex-alunos do Colégio, a deitarem água gasosa e gelo na 1920 e a chamarem-lhe “uísque saloio”, que malandros, que saloiice, como é que se pode admitir uma coisa destas?!

“Está bem”, pensei então, “já que é uma questão de honra, qual Magriço retardado do século XXI, vamos lá tentar reabilitar a tal “pomada”, depois das maldades que lhe fizeram”. E constatei o que segue.

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62/1948
José Alberto Alves de Paula

Foi Há 100 Anos A Aguardente 1920

Consta que corria o ano de 1895 quando o Sr. Carvalho decidiu iniciar um negócio de vinhos e destilados, fundando uma empresa pessoal. Trabalhou muito e bem, teve sucesso, preencheu o mercado local e começou a exportar para Angola; três anos depois viu que havia muito trabalho, precisava de ajuda, associou-se ao Sr. Ribeiro e continuaram. Mais trabalho, mais sucesso, “vamos para Moçambique” , mais necessidade de ajuda, em 1900 juntou-se-lhes o Sr. Ferreira, fundaram a “Carvalho, Ribeiro e Ferreira” , que viria a ser famosa como CR&F . Já era uma empresa grande, tinha um capital social de 30.000 Reis, estão a imaginar, correspondente a 30 Escudos, 30 “paus” , hoje seriam 15 cêntimos de Euro! Não parece uma fartura por aí além, hoje não dava para a bica, quanto mais para o “cheirinho” , mas na altura era muito!

(Nota: em 1900 uma moeda de 1.000 Reis era um “matacão” de prata, com 37 mm de diâmetro – a actual de 2 Euros tem 25mm – e 25 gramas de peso!) A CR&F progrediu fortemente. Exportando para Moçambique, India, Brasil, as colónias francesas e inglesas do extremo oriente. Um sucesso.

Por essa altura ou pouco tempo depois alguém dos EUA desafiou o comércio português a fornecer uma grande quantidade de aguardente envelhecida, para não depender só dos produtos franceses. Era um desafio importante, houve receio da dimensão da encomenda, mas a CR&F resolveu avançar, renovou métodos e instalações, iniciou a produção e a exportação. A nova bebida até já tinha nome. Um nome estranho, diga-se: era KAISER. Kaiser? Mas a malta não estava toda em guerra contra o Kaiser? Porque seria este nome? Não consegui explicação, talvez haja, mas.....

Mas, quando as coisas estavam a começar a funcionar bem, os “camones” resolveram inventar aquela maluqueira da Lei Seca. Resultado: a encomenda foi suspensa, a aguardente ficou cá. Deve ter sido um grande prejuízo para a CR&F, mas aquilo não era gente para ir abaixo.

Reorganizaram-se, mais uma vez e, uns quatro ou cinco anos mais tarde, lançaram uma aguardente envelhecida segundo boas regras e passaram a exportá-la para África, Brasil, Europa. Um sucesso. E com um nome que parecia uma vingança em relação à Lei Seca e respectiva proibição.

“AGUARDENTE PREPARADA 1920“

E assim começou uma história de sucesso que eu julgo que, na realidade, ainda não tem 100 anos, mas que pouco lhe faltará e que de factos ocorridos há 100 anos deriva (vá lá Luis Barbosa, reconheço que acertaste !!!). E quem tem cem anos de idade já mudou várias vezes ao longo da vida, com certeza. A CR&F também: já foi comprada por uma multinacional, andou por fora uns vinte anos mas há uns cinco anos regressou a Portugal, recuperada pela J Portugal Ramos; a garrafa já teve três ou quatro feitios e rótulos, entre eles aquele com que veio, afinal, a ser exportada para os

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Aguardente “milnovivinte”. Uma “pomada”

não gostavas, não me digas que não bebias disso no Lugenda”. Claro que sim, claro que sim, é evidente que sim.

Falando do Lugenda, de vez em quando, depois do jantar ficava no “parrô” (aquele telheiro de capim que nos servia de sala de jantar e onde às vezes corria um arzinho fresco, agradável), olhando para o infinito (no Lugenda o infinito media 50 km, acabava na Serra de Mecula que se via ou adivinhava lá ao fundo!), tomando um café, bebericando uma “milnovivinte”, o que ajudava a matar as saudades que parecia que me matavam. Mas, Deus me livre, sem gasosa, sem gelo, só assim, com o café, ao natural e com moderação. E, se bem me lembro, com outra garrafa:

E sempre com moderação, só meio cálice de cada vez (!!!), como recomendo a toda a gente.

mery Clift, todos nascidos em 1920 ; com o sono não vêem nada de jeito nem percebem nada da mensagem que, com realizador italiano, o filme encerra com certeza (parecem eu, lá no Lugenda, a tentar, sem sucesso, decifrar uma secreta!!).

E se abusarem mais, adormecem como um justo, mas provavelmente muito menos justos do que o Karol Wojtyla, João Paulo II, que também nasceu em 1920 mas nunca deve ter provado uma “milnovivinte” .

E, entretanto, com o grãozinho na asa, podem começar a cantar o fado. Cantem à vontade, que quem canta seus males espanta; mas não tenham ilusões: cantem baixinho, que nunca cantarão o fado como a Amália, que também nasceu em 1920 e que, ela sim, é muito capaz de ter bebericado o seu

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Sérgio
(326/1985) ANTIGO
USA A BARRETINA
©Foto
Garcia
ALUNO
Foi Há 100 Anos A Aguardente 1920

Foi Há 100 Anos 1920. O Ano dos oito Governos

Foi há 100 Anos

1920. O ano dos oito Governos

Oano de 1920 foi, no essencial, idêntico aos que o antecederam e aos que estavam para chegar, nessa longa e penosa sucessão de acontecimentos funestos que marcaram a 1.ª República em Portugal. Quando se iniciava a década de 1920, as dificílimas condições de vida, em especial as das camadas mais desprotegidas, fustigadas pela fome, pela doença, pelo desemprego, pela hiperinflação (131% em 1918, 42% em 1919 e 70% em 1920) e pelo analfabetismo (72% da população), foram fortemente agravadas pela «gripe espanhola», 1 que vitimou para cima de 50.000 dos 6 milhões de portugueses, e sobretudo pelo

infindável cortejo de misérias físicas e morais resultante da I Guerra Mundial, cujas sequelas se fizeram sentir por muitos anos no nosso país. Profundamente endividado e sem estabilidade governativa, Portugal era palco, sobretudo nas cidades de Lisboa e Porto, de frequente agitação popular marcada por greves e confrontos violentos com as forças da ordem. Nesse cenário, os Governos tinham curta duração.

O 21.º Governo da 1.ª República foi chefiado por Alfredo de Sá Cardoso 2 (10/1874), um oficial de Artilharia que combatera na Flandres. Tomou posse em 29 de junho de 1919 e foi

Alfredo de Sá Cardoso (10/1874).

1 A doença ficou conhecida como «gripe espanhola» porque o primeiro caso oficialmente registado ocorreu em Madrid em Maio de 1918. No que interessa a Portugal, o vírus veio, de facto, de Espanha, trazido pelos ceifeiros alentejanos que regressavam da ceifa em Badajoz e Olivença. Para combater a pandemia, e tal como hoje se faz, o médico Ricardo Jorge proibiu as visitas aos hospitais e a realização de feiras e romarias e quis acabar com os beijos e apertos de mão; mas diferentemente do que acontece com a Covid-19, a epidemia de 1918 e 1919 atingiu sobretudo a faixa etária dos adultos entre os 20 e os 40 anos e a das crianças até dois anos.

2 Membro activo da Jovem Turquia, organização clandestina inspirada nos «Jovens Turcos» que, a partir de 1889, combateram na Turquia a monarquia do sultão Abdulamide II. Os «Jovens Turcos» portugueses, entre os quais se contavam numerosos oficias do Exército, tiveram um papel preponderante nos acontecimentos revolucionários de 1915 e na decisão de enviar forças nacionais para a frente europeia da I Grande Guerra.

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277/1950

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exonerado a 15 de Janeiro de 1920. Contudo, neste mesmo dia foi reempossado, porque o Governo nomeado para o substituir não chegou a tomar posse, tendo por esse motivo ficado conhecido como o «Governo dos Cinco Minutos» . Em consequência, o 21.º Governo, manteve-se em funções até 21 de Janeiro de 1920.

Sá Cardoso viria a integrar, entre 18 de Dezembro de 1923 e 6 de Julho de 1924, com a pasta do Interior, o Governo presidido por Álvaro de Castro. Na sequência do golpe militar de 1926, Sá Cardoso foi preso e condenado a viver em regime de residência fixa, inicialmente em Cabo Verde e depois nos Açores, entre 1927 e 1933.

O 22.º Governo 3 – o dos «cinco minutos» – foi nomeado em 15 de Janeiro de 1920 mas, vítima da explosiva situação político-social que se vivia em Portugal, foi exonerado no mesmo dia sem tomar posse.

23.º Governo 4 foi empossado a 21 de Janeiro de 1920 e exonerado a 8 de Março do mesmo ano. Era chefiado por Domingos Leite Pereira , um licenciado em Teologia pela Universidade de Coimbra, que desempenhou um papel fulcral na normalização do relacionamento entre a Igreja católica e o Governo. Entre outros cargos políticos importantes, foi ministro dos Negócios Estrangeiros por cinco vezes no período compreendido entre 1919 e 1924, tendo exercido funções de chefe do Governo por três

vezes: de 30 de Março a 29 de Junho de 1919; de 21 de Janeiro a 8 de Março de 1920; e de 1 de Agosto a 17 de Dezembro de 1925.

A violência nas ruas não abranda, prosseguindo sobretudo em Lisboa e no Porto os atentados terroristas e as greves, designadamente a dos ferroviários, que dura de 28 de Fevereiro a 4 de Março, e a dos funcionários públicos, iniciada a 3 de Março. Em 18 e 21 de Fevereiro explodem bombas em Lisboa. No dia seguinte, entre outras acções violentas, é atacada sede do Jornal O Século . No dia 4 de Março, o Governo apresenta a demissão.

O 24.º Governo esteve em funções entre 8 de Março e 26 de Junho de 1920. Foi liderado de início por António Maria Baptista , um militar de carreira que participara, com a patente de tenente, nas campanhas de ocupação de Moçambique. Em 1917, já coronel, combateu na I Guerra Mundial. Neste Governo acumulou com as funções de ministro da Guerra, tendo desempenhado um importante papel na derrota das tentativas de restauração monárquica e na repressão das greves.

Logo em 10 de Março há manifestações tumultuosas no Parlamento e continuam as greves, com especial destaque para a dos metalúrgicos, iniciada no dia 11. Em 15, começa a greve do mobiliário e no dia 19, em Lisboa e na sequência do encerramento forçado da sede da Confederação Geral do Trabalho (CGT) que apelara à

greve geral, sindicalistas disparam sobre a GNR. No dia 24 são encerradas as sedes dos sindicatos dos metalúrgicos e da construção civil.

Em 12 de Abril, uma manifestação de apoio ao Governo, em Lisboa, foi interrompida por tiros e bombas. Atentados, alguns mortais, ocorrem em Lisboa, Porto, Faro e Beja. Em 15 termina a greve dos metalúrgicos, mas nesse mesmo dia, face à violência das últimas manifestações, o Parlamento aprecia uma proposta de lei que determina a deportação imediata dos bombistas.

Em Maio continua a agitação violenta nas ruas, bem como as greves, das quais se destaca a da Carris, entre os dias 23 e 31.

Em 6 de Junho, no decurso de um conselho de ministros, António Maria Baptista sofreu uma apoplexia e morreu. Foi substituído na função pelo ministro da Justiça, José Ramos Preto, um licenciado em Direito que exerceu diversos cargos públicos, entre eles os de senador e deputado. Em 18 apresentou a demissão mas, porque as personalidades sucessivamente convidadas para formar novo Governo foram recusando, manteve-se em funções até 26 de Junho.

O 25.º Governo foi empossado a 26 de Junho. Foi seu Presidente António Maria da Silva , um militar engenheiro de minas que, durante a vigência da Monarquia, dirigira a Carbonária Portuguesa.5 Maçon desde 1902 e depu -

3 O putativo Presidente do Ministério era o advogado Francisco Fernandes Costa, que fora ministro da Marinha e Colónias entre 1912 e 1913 e também em 1915, tendo sido ainda ministro do Comércio em 1921 e ministro da Agricultura entre 30 de Agosto e 3 de Setembro de 1921.

4 Alguns estudiosos entendem que se trata do 21.º governo. Não contabilizam o Governo Provisório (1910–1911) por não ser constitucional, nem o governo anterior, por não ter chegado a tomar posse.

5 Organização secreta fundada em 1896 pelo bibliotecário Luz de Almeida, com forte inspiração nos princípios carbonários italianos. Embora a maior parte dos seus membros pertencesse à classe trabalhadora e operária, a Carbonária abria as portas a todos aqueles que estivessem interessados em lutar pela causa republicana. Esta abertura a todas as classes sociais fez dela uma poderosa frente popular.

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tado independente em 1911, aderiu pouco depois ao Partido Democrático cuja liderança assumiu nos anos vinte, depois do abandono de Afonso Costa. Em 14 de Maio de 1915, integrava a Junta Revolucionária que derrubou Pimenta de Castro. Figura proeminente da I República, foi por mais três vezes Presidente do Ministério: de 6 de Fevereiro de 1922 a 15 de Novembro de 1923; de 1 de Julho a 1 de Agosto de 1925; entre 17 de Dezembro de 1925 e 30 de Maio de 1926 (último Governo da 1.ª República).

No dia 4 de Julho foi assassinado o dr. Pedro de Matos, juiz do Tribunal de Defesa Social, seguindo-se um ataque à bomba ao referido tribunal. Em 8 de Julho estalou no Porto a greve dos trabalhadores do calçado, ferozmente vigiada por brigadas de vigilância que maltratavam os «amarelos» que furavam a greve. Na mesma altura registam-se em Setúbal e em Alcácer do Sal assaltos a estabelecimentos por tarefeiros da indústria de conservas. Estas movimentações sem controlo sindical ficaram conhecidas como «revoltas da fome» . Nesse mesmo dia o Governo demitiu-se mas, por desistência de sucessivos convidados para o cargo de Presidente do Ministério, só foi substituído no dia 19.

O 26.º Governo , liderado por António Granjo , 6 um republicano histórico, foi empossado a 19 de Julho de 1920 e exonerado a 20 de Novembro

do mesmo ano. Maçon e deputado à Assembleia Nacional Constituinte de 1911, lutou na I Grande Guerra e teve papel destacado no derrube da Monarquia do Norte no início de 1919. Liderou outro Ministério entre 30 de Agosto e 19 de Outubro de 1921.

No dia em que tomou posse, começou em Lisboa uma greve dos motoristas e várias bombas explodiram em diferentes locais da capital. A agitação social era protagonizada sobretudo pela corrente anarquista dos movimentos sindicais e em especial pela Legião Vermelha. 7 No dia 30 rebentou na Carris de Lisboa uma greve que durou até 2 de Setembro e em Santarém registaram-se assaltos a armazéns de víveres.

O mês de Agosto não trouxe melhorias à situação generalizada de violência. No dia 5 na Guarda e em Coimbra, no dia 11 no Porto, registaram-se mais greves, de uma violência superior às ocorridas em Julho. Uns dias mais tarde, o surto de greves estendeu-se a Aviz e Azambuja. Em 20, em Lisboa, atentaram contra a vida do Dr. Félix Horta, membro do Tribunal de Defesa Social. No dia seguinte foi descoberta e despoletada uma intentona golpista. Em 25, a população da Figueira da Foz assaltou armazéns de víveres, em 29 os tipógrafos de Lisboa entraram em greve e no Porto as greves tornaram-se de tal modo violentas que a Guarda Nacional Republicana teve de ocupar as ruas no dia 31.

Em 6 de Setembro, tendo presente a escassez de matérias primas, o Governo proibiu o fabrico e a venda de produtos de pastelaria em dois dias de cada semana. No dia seguinte foi decretado o aumento do preço do pão, o que originou um vendaval de destruição e assaltos a padarias em todo o país. No dia 9 estalou em Setúbal uma greve marcada igualmente por assaltos a padarias. A greve da marinha mercante chegou no dia 11 e no dia seguinte o Governo mandou ocupar a sede da CGT. 8 Em 20, confrontado com a ameaça de greve dos ferroviários, o Governo ordenou ao Exército que ocupasse a estação do Barreiro e outras que serviam as linhas de caminho de ferro do Sul. A greve acabou por concretizar-se no dia 30, através da destruição de linhas, o que levou o Governo a recorrer ao serviço dos sapadores do Exército. Apesar disso, a circulação continuava muito condicionada, pois os grevistas sabotavam as linhas, provocando risco iminente de descarrilamento. Para evitar que tal acontecesse, o Governo ordenou que, em cada composição, grevistas presos viajassem no primeiro vagão –o qual ficou conhecido como «vagão fantasma» . A greve só terminou em Dezembro desse ano.

Em Outubro o Governo decretou a mobilização geral de todos os meios de transporte, mas as greves dos ferroviários só terminaram no dia 15. Desgastado pela constante agi -

6 António Granjo foi assassinado na «Noite Sangrenta» de 19 para 20 de Outubro de 1921, por marinheiros e soldados da GNR comandados pelo cabo da GNR Abel Olímpio, o Dente de Ouro. Levado à força para o Arsenal de Marinha, foi aí alvejado com dois tiros no pescoço. Tendo sobrevivido aos tiros, foi tratado na enfermaria e recolhido a um quarto, onde foram crivá-lo de balas e onde por fim um corneteiro da GNR lhe cravou um sabre no ventre. No decurso desta noite, outros conhecidos políticos, entre ele dois históricos da proclamação da República em 1910 (Machado Santos e José Carlos da Maia), foram igualmente assassinados.

7 A Legião Vermelha é generalizadamente considerada um grupo terrorista de ideologia aparentada ao anarco-sindicalismo, a tendência que dominava o movimento operário português através da Confederação Geral do Trabalho. Esteve activa entre 1919 e 1925, data do atentado frustrado contra o comandante da PSP de Lisboa, tenente-coronel Ferreira do Amaral, gravemente ferido em 15 de Maio. A repressão foi impiedosa, culminando com a prisão e o degredo para África de mais de cem suspeitos.

8 Entre 13 e 15 de Setembro de 1919 realizou-se o Congresso fundador da Confederação Geral do Trabalho, estando presentes representantes de sindicatos de todo país em representação de 80.000 operários.

A Batalha era o jornal de referência da CGT, mas o relacionamento nem sempre era pacífico, porque os redactores assumiam por vezes posições alheias e até contrárias às aprovadas em Congresso.

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tação social e política, o Governo demitiu-se no dia 15, mas continuou em funções por dificuldades na constituição de novo Governo.

Voltou a demitir-se em 15 de Novembro. No dia 19, ainda em funções, fez publicar o Decreto nº 7151, onde se determinava a aplicação, aos indígenas das colónias que adotassem um modo de vida civilizado, os direitos civis dos europeus.

O 27.º Governo , liderado por Álvaro Xavier de Castro (206/1890), tomou posse em 20 de Novembro de 1920 e foi exonerado a 30 do mesmo mês. Oficial de Infantaria e advogado, foi deputado às Constituintes de 1911 e nas legislaturas seguintes. Líder da Jovem Turquia e membro da Junta Constitucional que derrubou o Governo do general Pimenta de Castro, em 1915. Foi Governador-geral de Moçambique entre 1915 e 1918. Nestas funções, assumiu também, em 1917, o comando supremo das tropas em campanha contra as investidas alemãs no território. Posteriormente viria a fundar e a liderar o Partido Republicano da Reconstituição Nacional, uma dissidência do Partido Liberal Republicano. Voltou a exercer o cargo de Presidente do Ministério entre 18 de Dezembro de 1923 e 6 de Julho de 1924.

O 28.º Governo foi empossado a 30 de Novembro de 1920 e exonerado a 2 de Março de 1921. O seu Presidente foi Liberato Damião Ribeiro Pinto , um militar de Infantaria ligado ao Partido Democrático que, sendo

Na sequência da sua destituição, chegou a ser preso, acusado de desvio de fundos da GNR. Com a implantação do Governo da Ditadura Nacional em 1926, foi forçado a abandonar a vida pública e impedido de leccionar em escolas oficiais.

Revisitar, ainda que a traço grosso, o país que tínhamos em 1920, não se esgota no puro acto de recordar. Na verdade, se a imagem que nos chega é absolutamente deprimente, não é menos verdade que, conhecendo-a, podemos apreender o alcance da caminhada colectiva que nos trouxe a um país com índices muito confortáveis de desenvolvimento e de bem-estar social. Álvaro Xavier de Castro (206/1890).

comandante da GNR no período de 1917 a 1922, transformou esta força num instrumento ao serviço do interesse do seu Partido. Na qualidade de militar, integrou as Forças Expedicionárias a Moçambique comandadas por Moura Mendes (1915-1916) e por Ferreira Gil (1916-1917). Finda a comissão em Moçambique foi eleito, em 1919, deputado pelo Partido Democrático.

O seu Governo, tal como os que o antecederam, teve de defrontar uma permanente agitação política e social marcada por greves e bombas. A 5 de Fevereiro de 1921, o Ministro da Marinha e Ultramar, o médico Júlio Augusto do Patrocínio Martins, demitiu-se das suas funções, desencadeando uma crise que culminaria no pedido de demissão do Governo seis dias mais tarde. 9

9 “(…) A demissão deveu-se a ter sido desrespeitado pelo comandante do Centro de Aviação Marítima e não obteve solidariedade do Governo. Ao comentar a sua saída do executivo, Júlio Martins afirma que […] a nossa marinha de guerra não tem um navio capaz de dar um tiro e possui, no entanto, vinte e três almirantes. […] esta República, com dez anos apenas, por momentos parece viver uma velhice precoce […] em Portugal todos mandam menos o Governo; todos têm força menos o Governo. Em Portugal a função dos Governos é transigir, transigir numa transigência que é uma abdicação (…).” (In Wikiwand)

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O título é convosco

Colaborando com a nossa revista desde o 3º trimestre de 2006 (Julgo que o meu primeiro artigo foi sobre ‘Os Doze de Inglaterra’ já é mais que tempo de me apresentar e analisar o meu nome completo (porque não?).

Sou o mais velho de 6 (4 irmãos e 2 irmãs) e para ‘eles e elas’, sou o ‘Tó’. Os 4 irmãos foram no Colégio, o 67/1950, o 76/1951, o 33/1952 e o 59/1960.

Para ‘eles e elas’ e para o ‘Caeiro’ (José Manuel Vasconcelos Caeiro, o ‘41’ do meu curso do Colégio, engenheiro químico,...). Eventualmente por sermos vistos muitas vezes juntos durante o 5º e o 6º anos do Colégio, deram-nos no 7º ano as funções de porta-bandeira e porta-guião (que naquele tempo desfilavam sempre, lado a lado).

O processo de decisão das graduações eram um mistério total – ‘não éramos tidos nem achados’. A imagem mostra o ‘41’(porta-bandeira) e eu, o ‘67’ (porta-guião), a desfilarmos na Avenida da Liberdade – lado a lado – no nosso último ‘3 de Março’ (em 1957).

Muitos conhecem-me, são meus amigos e tratam-me por António (e por

‘tu’), outros verdadeiramente não me conhecem, tratam-me por sr. António (péssima americanização da utilização do primeiro nome próprio, pois a nossa cultura não é a americana e não faz sentido esse tipo de tratamento, que infelizmente se vulgarizou), alguns tratam-me por Franco Preto (nome que adoptei na minha vida profissional e social) e ...que mais?

Ah, ainda há o ‘Cary’ (Eduardo José Moreno Castel-Branco Cary, o ‘242’ do

meu curso do ‘Colégio’, engenheiro, ex-maratonista, agricultor,...) que me trata por ...Chico ou Chiquinho. Para além de ser uma alcunha que me puseram, o ‘Cary’ possivelmente ainda hoje julga que o meu nome próprio é Francisco (aliás, aqui há uns 60 anos – coisa pouca... – ele teve uma viva discussão sobre isso, ao telefone, com uma tia minha que estava ocasionalmente em minha casa e que atendeu o dito telefonema...”Não, aqui não vive nenhum Francisco!”, lembro-me de a ouvir dizer

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3 de Março de 1957. António Franco Preto(67/1950) a Porta-Guião. O Título é convosco

já muito zangada. Tirei-lhe o telefone das mãos e disse: ‘Tia, é para mim’).

A decisão – quanto ao meu nome – foi tomada pelos meus pais no ‘longínquo’ ano de 1940. Segundo me disseram, sou António Rafael porque esses eram os nomes próprios dos meus avôs paterno e materno; Passarinho, por ser o nome de família da minha mãe; Franco Preto, por serem os dois apelidos do meu pai (que se chamava simplesmente José Franco Preto)

Parece que a inclusão no meu nome dos dois apelidos do meu pai se deve à decisão de evitar a ‘junção’ Passarinho Preto (pois daí a melro ou cuco seria só um passo).

A família Preto é originária de Sesimbra e os meus antepassados estão identificados desde finais do século XIV ( João Preto , acompanhou o Rei D. João I ao cerco de Tui e ali pereceu em 1398 , dando prova de grande lealdade e bravura, pelo que veio a merecer circunstanciada referência ao cronista Fernão Lopes - crónica de D. João I , II parte, cap. CLXIX).

Será que o apelido Preto tem algo a ver com o ‘não-ser-totalmente-de-raça-branca’?(embora a definição de ser pertencente à ‘raça-branca’ ou não, seja algo ‘volátil’, e se formos pela composição do sangue de cada um, somos capazes de ter umas surpresas).

Por estranho que pareça – por vezes o que parece, não o é – isso diz respeito, no meu caso, ao meu apelido Franco e não ao apelido Preto. Na parte final do século XIX, um colono português em Cabo Verde, de apelido Franco, teve uma filha duma caboverdeana, perfilhou-a e trouxe-a para a ’metrópole’ quando regressou. O médico António Justiniano da Luz Preto, natural de Se -

simbra, (que viria a ser o meu avô paterno) casou com ela em 1912.

Lembro-me desse meu avô me contar que, quando nesse ano de 1912 chegou a Vila Nova de Ourém ― actualmente a cidade de Ourém ― para ser o médico e ‘delegado de saúde’ de todo um concelho rural (com extensas áreas ocupadas por pinhais e com algumas serrações de madeira) a população – uns 25.000 residentes distribuídos geográficamente por Vila Nova de Ourém e por um ‘sem número’ de aldeias e ‘lugares’ – estava muito satisfeita por finalmente voltar a ter um médico (desde a morte do anterior que não havia um único médico no concelho (!) e em caso de necessidade tinham que ir a Leiria ou Tomar, cidades a mais de 20 kms de distância, sendo que as estradas e os meios de transporte eram ... os de 1912, evidentemente). Tendo-se lamentado antecipadamente do ‘azar’ que tinham tido do ‘governo central’ logo lhes ter enviado um médico preto (só um preto se podia chamar Preto, certo?!) tinha sido uma dupla satisfação para aquelas gentes do Portugal ‘profundo’ que foi receber o médico à estação do combóio que vinha de Lisboa ( ‘Chão-de-Maçãs’ assim se chamava, a uns 15 kms de distância da Vila), ver que afinal o médico era branco... só a mulher é que era algo ‘morena’ ...eheheh!

Quanto a Lisboa, a longínqua ‘capital do império’ , essa, estava a mais de 150 kms e era ‘outro mundo’ .

Chega de explicações sobre nomes e sobre o ´Portugal do início do século XX’ ... Que alívio (dirão os leitores)!

E será que a composição do meu sangue reflecte essa origem (ou desvaneceu-se totalmente)?

Não há nada como mandar analisar. Foi o que fiz para obter um resultado claro para a composição do meu sangue (sabiam que existem, devidamente referenciadas, muitas dezenas de áreas geográficas no mundo, cada uma delas com composições sanguíneas características e portanto, identificáveis?).

Eis então o meu ADN, por ‘áreas geográficas’ de sangue (‘inherited blood’):

• 67,8% Ibérico

• 10,3% Europeu do Norte e Ocidental

• 10,0% Norte-Africano

• 6,4% Italiano

• 3,0% Africano Ocidental

• 2,5% Nigeriano

E se juntarmos a isto os tipos de sangue A e Rh+ (globalmente, 85/90% dos seres humanos são Rh+, os restantes serão Rh-) já sei tudo o que me interessa sobre o meu nome e sobre o meu sangue!

Informações básicas sobre os vários tipos de sangue (incluindo o factor Rh):

“Os cientistas acreditam que as diferenças de tipos sanguíneos decorreram de vantagens evolutivas adquiridas ao longo dos anos em relação a infecções”; os tipos de sangue são: A, B, AB ou O; e eles podem ser Rh positivos ou negativos. O que determina qual será o sangue de cada um, são as características genéticas herdadas dos pais...

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é convosco
O Título

NOTA:

Se uma pessoa receber uma transfusão de sangue não compatível com o seu, a reação do seu próprio organismo ao ‘invasor’ pode causar-lhe a morte.

O factor Rh – abreviatura de Rhesus Factor – foi descoberto em 1937 por Karl Landsteiner and Alexander S. Wiener que assim o designaram por ser devido a uma proteína similar à proteína que vive na superfície dos glóbulos vermelhos do sangue do ‘Rhesus monkey’.

A descoberta das incompatibilidades criadas pelas variantes possíveis neste factor Rh permitiram explicar a morte até então inexplicável de muitos recém nascidos (aparentemente devida a ‘anemias’ extraordinárias). Até ser descoberta uma solução médica para evitar a morte de bébés devido a consequências directas de um dos progenitores ‘ser’ Rh+ (quando os glóbulos vermelhos do sangue têm o antígeno RhD, como os ‘antepassados primatas’) e o outro ‘ser’ Rh- (quando não têm o antígeno RhD), muitos milhares (milhões?) morreram de ‘anemia’.

NOTA:

Os antígenos são proteínas. A título de curiosidade, eis a distribuição da população portuguesa pelos oito tipos de sangue:

EM PORTUGAL

TIPO O + 36,3%

TIPO A+ 40% TIPO B+ 6,6%

TIPO AB+ 2,9 TIPO O- 6% TIPO A- 6,6% TIPO B- 1,1% TIPO AB- 0,5%

Ligando o sangue à vida, acho interessante referir que – segundo as informações da PORDATA – todos aqueles que, como eu, nasceram em 1940, atingirão a sua ‘esperança média de vida’ quando fizerem 81 anos em 2021. Com o ‘vírus chinês’ ou sem ele, temos que ter a consciência de que VIVER é cada vez mais PERIGOSO! E será filosóficamente aliciante, viver em ‘tempo emprestado’

No entanto (voltando por momentos à composição do sangue) e por uma irmã minha mais nova, ter falecido com alguns meses de idade devido a problemas relacionados precisamente com o factor sanguíneo Rh (incompatibilidade entre o sangue da mãe e do feto), decidi ir aprofundar um pouco essa área. Não indo descrever o que aprendi (seria demasiado detalhe), descobri algo de inesperado, que foi uma novidade total para mim e que quero partilhar convosco.

Alguma vez ouviram falar em ‘sangue dourado’ (golden blood)?

É um tipo de sangue cujo Rh é NULO (não é + nem é -)

Em termos concretos, os seus glóbulos vermelhos não possuem nenhum dos 61 tipos de antígenos que podem existir no sistema Rh (dos 342 existentes e que consoante a sua combinação e prevalência definem o tipo de sangue que cada pessoa tem). Tal tipo de sangue foi detectado pela primeira vez em 1961 numa mulher aborígene australiana e a probabilidade matemática é que só uma em cada 6 milhões de pessoas tenha Rh NULO (o que – a acontecer de facto – significa que só umas 1.300 pessoas no mundo serão portadoras desse ‘sangue dourado’ ).

43 O+ O+/A+/B+/AB+ O+/OGives Receives A+ A+/AB+ A+/A-/O+/OB+ B+/AB+ B+/B-/O+/OAB+ Everyone AB+ B- B+/B-/AB+/ABA- A+/A-/AB+/AB- A-/OO- Everyone OB-/OAB+/AB-AB-/A-/B-/O - ABBood Type COMPATIBILIDADE ENTRE OS VÁRIOS TIPOS DE SANGUE (PARA TRANSFUSÕES)
O Título é convosco

No entanto, só estão actualmente identificadas menos de 50 pessoas (43) com Rh NULO (O 2º tipo de sangue mais raro é o ‘AB-‘ e estima-se que globalmente, 1% das pessoas o tenham...ou seja, perto de 80 milhões de pessoas).

Chama-se ‘sangue dourado’ porque é um dador universal no que respeita ao sistema Rh (por não possuir nenhum dos 61 antígenos passíveis de criar incompatibilidades) mas...só aceita receber uma transfusão de outro sangue igualmente dourado , o que é um problema latente de enorme gravidade e risco para os seus possuidores.

Exemplo dum caso real ― ‘Thomas X.’, suiço, tinha 10 anos quando numa análise ao sangue no Hospital Universitário de Genève foi descoberto que ele tinha ‘sangue dourado’. A partir da maioridade, passou a viajar periodicamente para Paris e/ou Amsterdão para extrair e depositar uma dose do seu sangue num banco de sangue para seu uso posterior ou para autorizar o seu uso a quem dele necessitar desesperadamente (as burocracias levaram-no a desistir de fazer isso na Suiça por ser ‘um pesadelo burocrático’ passar legalmente a fronteira suiça transportando, se necessário, o seu sangue para uma transfusão fora da Suiça).

Ao longo das minhas investigações deparei com uma referência a que o sangue do tipo Rh- poderia ter uma origem ... extraterrestre!

E – ‘porque (acreditando ou não no assunto em causa) a investigação me diverte’ – parti, curioso como sempre, à descoberta de ‘novidades’, entrando no reino do ‘imaterial’, da mitologia e da ficção!

E desde já vos digo que – se estiverem interessados ou simplesmente curiosos em fazerem uma ‘digressão’ pelo vasto tema dos extra-terrestres e das suas eventuais interacções com os humanos através dos séculos (?!?) – visitem o website ‘gaia’

NOTA:

Gaia é na mitologia grega, a Mãe-Terra.

E ‘para não se perderem por lá’, podem começar pelo ‘link’: https://www.gaia.com/article/rh-negative-blood-type-alien

Depois de gastar algum tempo a ‘investigar’, parece-me que de facto deparei com muita mitologia e ficção não comprováveis (embora eu pessoalmente considere que a eventual existência de ‘extra-terrestres’ seja filosóficamente lógica pois – em minha opinião – só um ser humano arrogante pode pensar que somos a única raça inteligente de todo o Universo...’a que propósito’!?!). No en-

tanto ‘Onde estão as outras’? continua a ser uma pergunta sem resposta.

Eis alguns dos pontos marcantes que acho de interesse referir, relativamente à ‘excursão investigadora’ que fiz (durante a qual normalmente extravaso a área do tema específico que provocou essa mesma investigação):

- Terá o factor Rh- origens extra-terrestres? Eis parte duma argumentação básica utilizada:

Todos os primatas existentes neste planeta são Rh+, excepto 10 a 15% dos seres humanos. Se a teoria da evolução for válida (descendendo todos nós de antepassados primatas) não deveríamos ser todos, Rh+, como eles? Sim. Mas não somos. Os 10 a 15% de seres humanos que têm Rh-, são diferentes. Será que têm origens (interferências genéticas) ‘extra terrestres’?

Encontrei uma referência específica ao ‘país basco’ onde uns 30 a 40% da população têm Rh- (o que é uma situação anormal, com uma explicação desconhecida).

É no entanto factual que os bascos possuem uma linguagem com características não relacionadas com qualquer outra língua europeia. Muitos bascos têm uma vértebra extra, temperatura corporal abaixo do normal, alta pressão arterial, enorme acuidade visual e sensitividade anormal aos raios solares (e não, não abordaremos em detalhe, o ‘IQ’ e a intuição, que é dito estarem acima dos valores normais).

Muitas hipóteses já foram postas. Umas são triviais (ficaram isolados durante milhares de anos e portanto, preservaram a sua língua e toda a sua panóplia genética).

Outras, nem tanto, como o que está por exemplo descrito no livro de Enoque, antepassado de Noé (Book of Enoch).

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O Título é convosco

O Título é convosco

Enoque foi o nome dado a um dos personagens bíblicos mais peculiares e misteriosos das Escrituras. Nasceu, segundo os escritos judeus, na sétima geração depois de Adão, sendo filho de Jarede, e pai de Matusalém. Enoque chama-se Idris no Alcorão e é – para os islâmicos – um profeta predecessor de Noé. (Acho que pela primeira vez tenho no mesmo parágrafo, referências à Bíblia, aos judeus e ao Alcorão, o que considero ‘notável’!).

O Livro de Enoque é extremamente polémico, por abordar questões sexuais e raciais. Uma das polémicas é que certos ‘anjos’ desceram dos céus e tiveram relações sexuais com mulheres, gerando descendentes ‘híbridos’

Alguns desses descendentes sobreviveram ao grande dilúvio bíblico (dando assim ‘vida’ ao factor Rh-).

Outra polémica é que, de acordo com uma descrição no livro de Enoque, Adão e Eva tiveram alguns filhos negros, mas Adão era branco ( o que indica que Eva era negra). Nos tempos que atravessamos, digamos que é, ‘filosoficamente interessante’.

Os Anunáqui

Segundo uns, os Anunáqui, cujo significado pode ser entendido como “os que vieram do céu” são um grupo de ‘divindades’ sumérias, acádias e babilónicas. Os Anunáqui seriam descendentes de Anu, o deus sumério do céu, e da sua consorte, a deusa da terra, Ki Segundo outros, o aparecimento do homem no planeta Terra relaciona-se geneticamente com uma civilização do planeta Nibiru, e ocorreu há aproximadamente 7000 anos, na região da Mesopotâmia, entre os rios Eufrates e Tigre.

E se quiserem estar entretidos durante uns 13 minutos, usem o ‘link’ indicado

a seguir para verem e ouvirem uma brasileira simpática a falar sobre os Anunáqui, sobre os Sumérios e sobre ‘o maior mistério da história da humanidade’...diz ela, (e não faz o caso por menos).

https://www.youtube.com/watch?v=SYpbGcBlGN8

Enfim, há para todos os gostos... basta ‘investigar’...

Eu disse que ia entrar no reino do ‘imate-

rial’, da mitologia e da ficção, não disse? Bem dito, melhor feito...

Para terminar… continuo à procura dum título adequado para o texto que escrevi e sinto que não o encontro.

‘Divagações e Investigações’? ‘Àcerca de tudo e de nada’?

Não me parece. (Embora quando comecei a escrever este texto não tivesse uma idéia precisa sobre o que iria lá incluir e onde terminaria...mas isso, acontece-me muitas vezes). Tal como disse no início: O título é convosco!

’Carpe diem... quam minimum credula postero’. ‘Aproveitem o dia ... e confiem o mínimo possível no amanhã’

Antigo selo Sumério retratando os Anunáqui.

Fiquem bem. Até à próxima.

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Alouette III

O Adeus a uma «Grande Máquina»

Alouette III O Adeus a uma «Grande Máquina»

Todos os que participaram na Guerra do Ultramar, entre os quais se contam, segundo estimamos, para cima de um milhar de Antigos Alunos, sabem bem o importantíssimo papel na mesma desempenhado pelos helicópteros.

Foram de três tipos os helicópteros que actuaram na Guerra do Ultramar. Os primeiros a actuar, foram os helicópteros Alouette II ( AL II ), de designação oficial Sud-Aviation SE - 3130 Alouette II, que actuaram, a partir de 1961, na 2ª Região Aérea, em Angola, onde estavam colocados na Base Aérea nº. 9 (BA 9), em Luanda, e no Aeródromo Base nº. 3 (AB 3), no Negage. Verificando-se que as capacidades operacionais destes helicópteros eram limitadas, foi decidido substitui-los por helicópteros com maiores capacidades. A desejada substituição teve início em 1963, ano em que começaram a operar, na 2ª Região Aérea, os Alouette III ( AL III ), de designação oficial Sud-Aviation SE – 3160 Alouet-

te III, que foram utilizados até ao final da guerra e muito para além da mesma, até ao presente ano de 2020. O terceiro tipo de helicópteros usados foram os Pumas , de designação oficial Sud-Aviation SA – 330 Puma, que actuaram já na fase final da guerra, a partir de 1970, primeiro em Angola, a partir da BA 9, em Luanda, e de seguida, também em Moçambique, a partir do Aeródromo Base nº 7 (AB 7), em Tete. Os Pumas eram, porém, helicópteros muito diferentes dos anteriores. Eram helicópteros bastante maiores e mais pesados e com capacidades operacionais bem distintas. Enquanto que um AL III tinha um peso em vazio de 1.143 Kg e podia ter um peso máximo de 2.200 kg, um Puma tinha um peso em vazio de 3.290 Kg e podia ter um peso máximo de 6.400 kg. O número de Pumas usado pela Força Aérea Portuguesa (FAP) foi apenas de 13.

Dada a situação descrita, quando se fala de helicópteros na Guerra do Ultramar, o que nos ocorre de imediato

à mente é o AL III . O total de aeronaves deste tipo operado pela Força Aérea foi de cerca de 140 (136?142? Há versões divergentes). Nas operações na Guerra do Ultramar ficaram destruídos cerca de 30 helicópteros AL III , tendo perecido 30 tripulantes. Portugal foi o primeiro país no mundo a usar os AL III em combate. Os franceses, quando decidiram construir esta aeronave, tinham como objectivo a sua utilização na guerra da Argélia, mas esta guerra terminou antes dos helicópteros estarem aptos para operações de combate.

O AL III foi uma «GRANDE MÁQUINA», que deixou as melhores recordações naqueles que o operaram e naqueles que foram no mesmo transportados, para as mais variadas finalidades. Incluimo-nos no número destes últimos, sendo testemunhas da utilidade e fiabilidade deste magnífico helicóptero. Era uma máquina muito manobrável e extremamente versátil. Segundo o testemunho dos

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Alouette III

O Adeus a uma «Grande Máquina»

nossos pilotos era uma «máquina simples, extraordinária, que perdoava os pilotos» . Se juntarmos a isto, a competência, a experiência (que se ia ganhando em campanha), a abnegação, a coragem e, quantas vezes, a temeridade dos nossos pilotos, temos a explicação para as manobras quase impossíveis que chegavam a fazer, quando era preciso resolver uma situação operacional mais «difícil» , ou salvar um camarada ferido, que, se não fosse imediatamente evacuado, podia morrer no terreno, a esvair-se em sangue. Nesses momentos de verdade, a tudo se sobrepunha a missão e se aplicava o lema dos pilotos dos helicópteros, de «Nunca deixar ninguém no mato ou na picada» . Quando os combatentes no terreno sabiam, que, se houvesse azar, podiam contar com o auxílio dos helicópteros, sentiam-se logo mais seguros. Quando os combatentes no terreno ficavam feridos e lhes diziam que o «heli» vinha a caminho, renascia-lhes o ânimo. Quando co -

meçavam a ouvir o ruído inconfundível do rotor do helicóptero em aproximação, era como se estivessem a ouvir «música celestial» . Quando do helicóptero saía uma enfermeira pára-quedista, que lhes dizia «vamos tratar de ti» , era para eles como se já estivessem meio curados. Muitos, mesmo muitos, são os combatentes que nunca esquecerão que a sua vida se ficou a dever aos «homens dos helicópteros».

Os primeiros 12 AL III da FAP foram recebidos em 1963 e enviados directamente de França para Angola, tal era a falta que aí faziam. O primeiro voo em Angola realizou-se a 18/6/1963. Estes helicópteros foram colocados na Esquadra 94, da BA 9, em Luanda, fazendo destacamentos em vários Aeródromos de Manobra e de Recurso. Quando a guerra se estendeu à frente Leste, o Aeródromo de Recurso do Luso sofreu um grande incremento e recebeu os AL III do AB 4, de Henrique de Carvalho.

Em Moçambique, os AL III começaram a operar em 1967. As suas bases de apoio eram o AB 5, em Nacala, e o AB 7, em Tete. A Esquadra 503 do AB 5 esteve estacionada durante anos em Nampula, e mantinha destacamentos em Mueda e Vila Cabral. A Esquadra 703 de Tete, mantinha destacamentos em Furancungo e Mutarara.

Na Guiné, os AL III começaram a operar no final de 1965, integrados na Esquadra 122 da BA 12, em Bissalanca, que era a única Unidade Base existente na província.

Os AL III executaram no Ultramar todo o tipo de missões possíveis: transporte geral, transporte de tropas, nos chamados heliassaltos, evacuação de feridos, apoio táctico, quando na configuração designada por helicanhão, e outras. Na configuração de helicanhão tinham montado atrás das cadeiras do piloto e do mecânico um canhão de 20mm MG – 151, que disparava através da

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Alouette III em operação.

Alouette III

porta do lado esquerdo. Era uma arma temível, com um grande poder de fogo, de que resultaram, na gíria militar, as suas designações «lobo mau» , ou «tubarão» .

Os AL III podiam transportar um número máximo de 6 combatentes. No caso de evacuações de feridos, podiam transportar duas macas e mais dois passageiros.

Terminada a Guerra do Ultramar, os AL III que ficaram na FAP foram colocados na BA 3, em Tancos, onde durante o período da guerra se tinha feito a instrução de pilotos de helicópteros, e na BA 6, no Montijo. O efectivo total de AL III , em 1978, era de 36 unidades, estando reduzido a 26 uma década mais tarde (1988). Em 1993, os AL III existentes foram todos reunidos na Esquadra 552 de Tancos, que foi transferida para a BA 11, em Beja.

Tal como na guerra, também em tempo de paz os AL III tiveram uma actividade muito diversificada de transporte geral, de vigilância e reconhecimento, de busca e salvamento e, nos últimos anos, de combate a incêndios.

As Esquadras que operaram os AL III chegaram a constituir «patrulhas aéreas» , para exibição em «meetings» aeronáuticos ou em cerimónias militares. A primeira «patrulha» foi constituída em 1976, em Tancos, sendo composta por quatro helicópteros. Estas patrulhas tinham a designação «Rotores de Portugal»

Cerca de 25 anos depois do final da guerra do Ultramar, os AL III e as suas tripulações foram chamados a desempenhar uma missão da maior importância no exterior. Essa missão decorreu no antigo Timor português e teve uma duração superior

a dois anos. Poucos se recordarão dessa missão, pelo que a lembramos de seguida.

Em 1975, Timor Leste foi ocupado militarmente pelas tropas da Indonésia, negando assim à população a sua autodeterminação. Durante mais de duas dezenas de anos, os timorenses foram brutalmente oprimidos pelas forças ocupantes. Depois do episódio trágico que ficou conhecido como «o massacre do cemitério de Santa Cruz» , a opinião pública internacional despertou finalmente para a tragédia do povo timorense, tendo sido muito importantes na altura as grandes manifestações de solidariedade para com o povo timorense feitas em Portugal. Em Maio de 1999, sob os auspícios do Secretário - Geral das Nações Unidas, foi decidido fazer um referendo sobre a independência do território, ou a sua integração definitiva na Indoné -

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Alouette III na Guerra do Ultramar.
O Adeus a uma «Grande Máquina»

Alouette III

O Adeus a uma «Grande Máquina»

sia. O referendo realizou-se em 30 de Agosto de 1999. Apesar da intimidação exercida pela tropa ocupante sobre a população, esta acorreu em peso às urnas de voto. O resultado do referendo foi claríssimo, a população votou, em esmagadora maioria, pela independência. Apesar deste resultado, as forças indonésias e as milícias afectas às mesmas, começaram a exercer represálias sobre as populações. As Nações Unidas, pressionadas pela opinião pública internacional, decidiram intervir. A sua intervenção consistiu em pôr no terreno, num primeiro tempo, uma força de interposição de paz «International Force East Timor» (INTERFET) e, num segundo tempo, numa fase de transição para a independência, uma força de manutenção de paz, integrada na «United Nations Transitional Administration East Timor» (UNTAET) entidade responsável pela administração do território na fase

de transição para a independência, que veio a ocorrer, a 20 de Maio de 2002, com a criação da República Democrática de Timor – Leste.

Portugal integrou o dispositivo de forças das Nações Unidas e, em Fevereiro de 2000, enviou um contingente militar para Timor Leste. A FAP contribuiu com o «Destacamento Aéreo de Helicópteros» , para um período previsto inicialmente de um ano, mas que acabou por ser prolongado. O contingente português partiu da BA 11, em Beja, num grande avião cargueiro Antonov An – 124, fretado pelas Nações Unidas, que aterrou em Timor – Leste, a 7 de Fevereiro de 2000. As missões previstas para o «Destacamento Aéreo de Helicópteros» eram de cargas suspensas, de transporte de passageiros e carga geral, evacuações sanitárias, busca e salvamento, missões de patrulhamento, observação e monitorização com forças armadas.

O «Destacamento Aéreo de Helicópteros» era composto por quatro helicópteros AL III, tripulações e pessoal de apoio de diversas especialidades, num total de 30 militares da Força Aérea. A Base de Operações do «Destacamento Aéreo» foi o antigo aeroporto de Díli, então transformado em Heliporto de Díli.

A Operação «Cobra» , que teve lugar de 11 de Setembro a 16 de Outubro de 2000, destinada a «limpar» a zona de Manufahi de vários grupos de milícias, que tinham provocado a fuga da população, foi a primeira acção dos AL III em zona de combate, desde as campanhas de África. Nesta operação deu-se o único acidente com os AL III em Timor, do qual resultaram duas vítimas mortais (dois pára-quedistas), três feridos ligeiros e a perda de um dos AL III do «Destacamento Aéreo»

A permanência do «Destacamento Aéreo» em Timor foi prolongada, a

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Alouette III em missão das Nações Unidas em Timor.

Alouette III

O Adeus a uma «Grande Máquina»

pedido das Nações Unidas, para além do ano inicialmente previsto. O prolongamento foi feito com um efectivo de 25 militares e com três AL III , que foram substituir os iniciais, que tinham esgotado o seu potencial.

Durante o período do destacamento foram voadas 2.725,5 horas, foram transportados 11.671 passageiros e 37,8 toneladas de carga e foi feita a evacuação de 19 doentes e feridos. Foram voadas 2.074 horas em transporte geral, de carga e passageiros, 379 horas em missões de reconhecimento e patrulhamento e 166 horas em transporte e colocação de tropas.

A permanência em Timor foi sendo prolongada sucessivamente, até cerca de dois anos e meio. O «Destacamento Aéreo» terminou a sua missão no dia 31 de Julho de 2002, já depois da independência do novo país. Foi uma acção da FAP que dignificou o País na cena internacional, mas de que poucos se lembrarão.

Todas as armas ou equipamentos têm um dado período de vida útil. Por melhor que sejam, não se podem eternizar. Em 2016, a FAP já só dispunha de seis AL III operacionais. Nesse ano, tornou-se evidente que os AL III tinham de ser substituídos a muito curto prazo. Subitamente, verificou-se uma escassez de sobressalentes no mercado, o único reparador de motores existente deixou de existir, o que se verificou também com centros de reparação autorizados a efectuar as grandes inspecções. Face a esta situação, a FAP lançou, em Maio de 2017, um concurso para a aquisição de novos helicópteros para substituição dos AL III . O helicóptero escolhido neste concurso foi o AW119 Koala . O contrato de aquisição foi assinado no final de Dezem -

bro de 2017 e recebeu o visto do Tribunal de Contas, em Julho de 2018.

O final do Processo de Aceitação e de Certificação dos dois primeiros Koalas da FAP, teve lugar em Córdoba, em Espanha, a 16 de Fevereiro de 2019. De seguida, os dois novos helicópteros da FAP descolaram de Córdoba. Cerca de 45 minutos mais tarde, atingiram a fronteira portuguesa, onde os esperavam os dois AL III disponíveis da Esquadra 552, passando os quatro helicópteros a voar em formação até à BA 11, em Beja, onde eram esperados na placa por todo o pessoal da Esquadra 552, Zangões. Foi o início do RENDER DA GUARDA. A entrega dos restantes 3 Koalas adquiridos estava prevista efectuar-se em duas fases, com final em 2020.

O ano de 2020 marca o final da vida dos AL III na FAP. Os AL III prestaram 57 (CINQUENTA E SETE) anos de serviço a Portugal. Pode-se dizer, que foram 57 ANOS de SERVIÇOS DISTINTOS Foi uma carreira verdadeiramente extraordinária, de uma longevidade sem paralelo. Os AL III ganharam por mérito próprio um lugar na «Galeria das Aeronaves Notáveis» , que a FAP operou. Aqueles que os pilotaram e aqueles que por eles foram evacuados e salvos durante a Guerra do Ultramar, jamais os esquecerão. Também não os esquecerão, aqueles que nos quarenta e cinco anos seguintes o pilotaram, em missões, dos mais variados tipo, de apoio às populações.

Durante as cerimónias do dia 10 de Junho, que têm lugar, todos os anos, junto ao Monumento aos Mortos da Guerra do Ultramar, frente ao Forte do Bom Sucesso, em Lisboa, os AL III estiveram sempre presentes, fazendo a largada de pára-quedistas, que desciam sobre a multidão. Várias vezes vimos antigos combatentes de olhos

postos no céu, seguindo emocionados as evoluções do AL III . Porquê aquela emoção? Perguntem-lhes. Eles explicar-vos-ão.

Este é o nosso ADEUS ao AL III , uma «MÁQUINA EXTRAORDINÁRIA» , que tão bons serviços prestou a Portugal.

Esta é a nossa HOMENAGEM aos pilotos dos AL III , em particular aos Antigos Alunos do Colégio Militar componentes desse grupo selecto. Não os podendo mencionar todos, aqui recordamos o falecido Luis Fernando Almada de Oliveira (125/1945), que foi do antecedente recordado nas páginas do número 201 da ZacatraZ , de Outubro/Dezembro de 2015, no artigo «Um Bravo Esquecido» . Foi comandante da Esquadra de helicópteros nº. 94, da BA 9, em Luanda. Para aqueles que agora lhes sucedem, pilotando os Koalas , aqui ficam os nossos votos de BONS VOOS.

NOTA FINAL:

O presente texto baseou-se em: - Artigo «FIM DE UMA ERA. Descanso ao anjo da guarda de um milhão» da edição de 28 de Junho de 2020, do jornal diário «Correio da Manhã» , de Sérgio A. Vitorino, feito com a colaboração do Tenente General Piloto Aviador Alfredo Cruz.

-«Aeronaves Militares Portuguesas no Século XX». Autor Adelino Cardoso. Edição: Essencial.

- «AW 119 MK II KOALA. O novo Sistema de Armas da Força Aérea» . Artigo do Tenente Coronel Engº Aeronáutico Mendes Sentieiro, na revista MAIS ALTO, nº 437, JAN/FEV 2019.

- «Repúblika Demokrática Timor-Leste. A Força Aérea no outro lado do Mundo» . Artigo do Brigadeiro General Piloto Aviador Palma de Figueiredo, na revista MAIS ALTO, Número Especial, de 1 de Julho de 2019.

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O longo caminho para a vacina

O longo caminho para a vacina

Em tempo de pandemia, quando por todo o mundo grandes empresas farmacêuticas e reputados laboratórios universitários conjugam esforços para criar uma vacina contra a Covid-19, parece oportuno recordar os primeiros procedimentos deliberadamente efectuados pelo homem com o propósito de alcançar aquilo a que hoje chamamos imunidade.

Num programa do National Public Radio (NPR) dos EUA, 1 a bióloga Josepha Steinhauer sugeriu que Tucidides (c. 460 AC – c. 400 AC), o famoso autor da Guerra do Peloponeso , ao descrever um surto de varíola 2 que dizimou grande parte da população de Atenas há mais de dois mil e quatrocentos anos, foi quem primeiro chamou a atenção para a circunstância de alguns indivíduos recuperados da doença poderem contactar os doentes sem serem reinfectados. Aquilo a que hoje chamamos imunidade – a capacidade de pessoas que sobrevivem à doença não serem reinfec -

tadas e poderem, portanto, tratar de futuros doentes – é pois conhecida pelo menos desde c. 430 AC. Mas a verdade é que, nessa altura, ninguém fazia a menor ideia das razões para que assim acontecesse.

As epidemias de varíola repetiram-se ao longo de milhares de anos. A doença chegou à Europa vinda da China através da «rota da seda» e os europeus levaram-na para a América, onde muito contribuiu para o declínio dos impérios Inca e Azteca, estimando-se que tenha morto em todo o mundo milhões de pessoas (cerca de 30% de todos os infetados). E aqueles que sobreviveram guardaram para sempre sinais dela por todo o corpo.

No decurso da Idade Média, alguém na China terá pensado: se as pessoas infectadas que não morrem ficam imunes, não haverá um processo de as tornar imunes de forma artificial? Se assim o pensou, melhor o fez: retirou pus das feridas de pessoas que estivessem no auge

da infecção e não de feridas já secas, porque era necessário um vírus vivo, um «ingrediente activo» , algo que só existia nas feridas abertas; estas pústulas foram esmagadas num almofariz até se transformarem num pó que foi acondicionado num recipiente de vidro; posteriormente, foi soprada uma pequena porção para o interior do nariz da pessoa que se queria imunizar. Os resultados não foram totalmente encorajadores, mas a verdade é que as taxas de mortalidade entre os «vacinados» foram inferiores às dos não «vacinados» . Com o tempo, as iniciativas de imunização tomaram rumos diversos. Um tal Sydenham (1624–1689), por exemplo, proibia a utilização de aquecimento nos quartos, as janelas deviam estar permanentemente abertas, os lençóis e cobertores só podiam cobrir os doentes até ao peito e estes deviam ingerir doze garrafas pequenas de cerveja por dia. 3

Os diferentes processos foram reproduzidos um pouco por todo o

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Nuno António Bravo Mira Vaz
277/1950

O longo caminho para a vacina

mundo sem grandes progressos até que, por volta de 1715, a aristocrata inglesa Mary Wortley Montagu foi infectada. Recuperou, mas perdeu as pestanas e na cara, anteriormente bonita, ficaram para sempre os sinais da varíola. Em 1717, o seu marido foi nomeado embaixador britânico na Turquia. Lady Montagu estava tão obcecada com a prevenção das consequências desastrosas da varíola que, em Março de 1718, ordenou ao médico da embaixada, Charles Maitland, que inoculasse o seu filho de cinco anos. O sucesso do procedimento encorajou-a a repeti-lo já em Londres, em Abril de 1721, na pessoa da sua filha de quatro anos, na presença dos médicos da corte. Finalmente, em Abril de 1722, Maitland inoculou com sucesso duas filhas da princesa de Gales.

Os últimos desenvolvimentos encorajaram o monarca inglês George I a patrocinar uma experiência inédita: usar como cobaias seis homens que em 1721 aguardavam a consumação da pena de morte na cadeia de Newgate. O sistema possuía uma lógica indestrutível: o pior que lhes podia acontecer era antecipar o momento da morte; e caso sobrevivessem, eram automaticamente amnistiados. Todos aquiesceram e todos sobreviveram à infecção.

As cobaias seguintes foram onze crianças e todas sobreviveram. A real experiência foi então declarada um sucesso e, a partir de 1746, havia em Inglaterra um hospital encarregado deste processo de inoculação. A inoculação expandiu-se rapidamente pelo mundo, infelizmente nem sempre da forma mais correcta. Com efeito, constatando que as classes mais ricas estavam

dispostas a pagar bom preço para se verem livres da doença, alguns médicos recomendavam dispendiosos tratamentos que incluíam interdição de comer durante semanas e ingestão de químicos que provocavam náuseas e vómitos. Apesar dos resultados gerais serem positivos, alguns «imunizados» acabavam por sucumbir à doença e, pior do que isso, antes de morrer transmitiam a doença a outras pessoas, gerando nova epidemia.

Finalmente, em finais do século XVIII, pessoas que lidavam com vacas leiteiras aperceberam-se de que estas exibiam por vezes nas tetas pústulas semelhantes às da varíola, as quais, por razões desconhecidas, não as afectavam. E foi então que Edward Jenner 4 entrou em cena. Em 1789 observou, nas tetas de algumas vacas, feridas semelhantes às provocadas pela varíola no corpo dos humanos, e constatou que os animais sofriam de uma versão mais

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Edward Jenner.

1 https://www.npr.org/transcripts/869798010?t=1598009017204:

2 No original, smallpox. Alguns autores sugerem porém que podia tratar-se de peste ou de sífilis.

3 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1200696/

4 Médico britânico nascido a 17 de Maio de 1749 em Berkeley, onde morreu em 26 de Janeiro de 1823. Aos 14 anos tornou-se aprendiz do cirurgião local, mas mais tarde estudou em Londres, tendo voltado em 1772 para Berkeley, onde se dedicou ao exercício da medicina.

5 Podem encontrar-se referências a experiência idênticas feitas anteriormente, como por exemplo a do médico inglês John Fewster em 1768, ou a do proprietário rural Benjamin Jesty, que conseguiu induzir imunidade com cowpox na própria mulher e em dois filhos durante uma epidemia de varíola em 1774. Mas, por não terem sido comunicadas à Royal Society, estas experiências não foram oficialmente reconhecidas.

6 Jenner doou a Phipps uma casa em Berkeley, a qual se tornou no Edward Jenner Museum entre 1968 and 1982.

7 Em 1797 ele relatou a sua experiência à Royal Society, mas as provas apresentadas foram consideradas insuficientes. Decidiu então realizar novas inoculações, inclusive no próprio filho. Em 1798, o trabalho de Jenner foi reconhecido e publicado.

leve da doença, a chamada cowpox ou «varíola bovina» . Além disso, verificou que as mulheres que ordenhavam as vacas, quando infectadas com varíola, contraíam uma versão mais suave da doença, acabando por suspeitar de que tal se devia à prévia infecção com cowpox. Finalmente, em 1796, decidiu inocular 5 o filho do seu jardineiro, um rapaz de oito anos chamado James Phipps 6 , usando pus recolhido das bolhas das mãos de Sarah Nelmes, uma das mulheres que ordenhavam as suas vacas. O menino apresentou alguns sintomas e pequenas lesões típicas da varíola, mas recuperou rapidamente. Animado, Jenner retirou líquido da ferida de um paciente com varíola e inoculou novamente o garoto com esse material. James Phipps não desenvolveu varíola. 7

Naturalmente, o uso da cowpox para a inoculação prévia do vírus vaccinia generalizou-se e ao processo de imunização passou a chamar-se vacina . A imunidade à varíola humana – uma das doenças epidémicas mais mortais da humanidade e que só foi considerou erradicada pela Organização Mundial de Saúde na década de 1980 –constitui indiscutivelmente uma das grandes vitórias do espírito humano.

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A inoculação de James Phipps – litografia de Gaston Mélingue (c. 1894).
O longo caminho para a vacina

Antigos

Alunos

nas Artes e nas Letras

Antigos Alunos nas Artes e nas Letras

LITERATURA E COLÉGIO MILITAR

Segundo o nosso saudoso e grande professor Jaime Mota , «Literatura portuguesa é o conjunto de documentos, escritos originariamente em Português, em prosa ou em verso, capazes de produzirem no leitor uma emoção estética, quer pela excelência da ideia, quer pela beleza dos elementos formais» , cito de memória.

Esta definição apoiou-me em vários Júris em que participei, quer no âmbito da Literatura, quer até no das Artes Plásticas.

Tive, também, a sorte de ter privado com alguns vultos da nossa Literatura conhecidos na época, como os escritores Sophia de Mello Breyner Andresen, Fernando Namora, Manuel Ferreira ou David Mourão-Ferreira, de quem fui aluno, em Românicas, na Faculdade de Letras.

Sophia Andresen ― com quem convivi quando eu era responsável por uma emissão semanal do programa Contraponto, de José Manuel Nunes, na Radiodifusão Portuguesa – partilhou algo que também não esqueci: «se puder escrever uma frase com três palavras, não a escreva com quatro» ou «tão importante como saber escrever é saber cortar ou podar um texto» , cito, também, de memória.

Fernando Namora foi, talvez, o meu principal «guru» na época, mas, passados bastantes anos, ao reler a sua obra já não me causa a mesma «emoção estética» … O tempo raramente perdoa; no caso dele, o principal contra que deteto, agora, é parecer-me demasiado pessimista, principalmente nos tempos atuais.

Outro autor que me marcou, embora não seja contemporâneo, mas de

que ouvi falar pela primeira vez ao Mota, nas aulas do Colégio, foi Eça de Queiroz , de quem penso ter lido tudo que foi publicado. Ao reler, pareceu-me menos «datado» do que Fernando Namora, embora mais antigo. De qualquer modo, julgo que já só dois livros dele me continuam a produzir a referida «emoção estética» : Os Maias, apesar de demasiados estrangeirismos, e A Cidade e as Serras , de que já não consegui fazer a 3.ª leitura, devido ao tamanho de letra…

Não resisto a reproduzir uma frase de Os Maias , edição de 1951, de Lello e Irmão Ed., de pág. 373 do 2.º volume: «Mas se amanhã houvesse uma bernarda, esse exército com que os senhores querem acabar, por ser uma escola de vadiagem, é que lhes havia de guardar as costas... É bom falar, ter muita filosofia! Mas quando elas chegam, se não há

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Manuel Júlio Matias Barão da Cunha 150/1948

Antigos Alunos nas Artes e nas Letras

meia-dúzia de baionetas prontas, então são as cólicas!...».

E, quanto ao livro A Cidade e as Serras , recordo que a personagem principal, Jacinto, residia numa boa casa em Paris, na avenida dos Campos Elísios, n.º 202, antes de se ter deliciado com arroz de favas, em Portugal, motivo de provas escritas colegiais.

Quando estive em Paris, na data histórica de 1975.11.25, visitei o José Eduardo Sanches Osório (210/1951), tendo-me ele autografado a 3.ª edição do seu livro El Engaño del 25 de Abril en Portugal , da Sedmay Ediciones, que comprara em Madrid. Este nosso camarada colegial, depois engenheiro e licenciado em Direito, tinha estado no quartel de Engenharia, na Pontinha, próximo do Colégio, noutra data histórica, 1974.04.25. Depois foi diretor-geral de Informação e ministro da Comunicação Social, antes de sair para França.

O Sanches Osório morava próximo dos Campos Elísios, só que a numeração da avenida não chegava ao 202…

Aproveito para recordar outro camarada colegial, o saudoso António (Alarcão) Perestrelo da Silva , que entrou em 1946, com o n.º 202, mas acabou por fazer os exames do 7.º ano, em 1955, conjuntamente connosco, seguindo com alguns de nós para a Escola do Exército, como os, entretanto, também falecidos Marinho Falcão/35, António Tamagnini Belo/185, que mudou para Medicina, Luís Dias Antunes/221 e Tito Xavier/335. Restamos: José Carvalho Araújo/170, que foi para a Força Aérea, Filomeno Garcia/311, Rui Soares/332, José Roncon/333 (Marinha) e eu próprio, MBC/150.

O «Chico» Perestrelo, que fez carreira na Polícia Aérea, foi, também, um poeta, com obra publicada…

Recordo, ainda, outro camarada com obra publicada, o João Nobre de Carvalho , nascido em Goa, em 1940, n.º 248, de 1952/57, contra-almirante, condecorado com quatro medalhas de Serviços Distintos, sendo duas com palma (Angola e Guiné), autor de vários livros, incluindo Laranja Maculada, terrorismo no mar português, segurança é preciso!

Julgo ser um livro invulgar que só poderia ter sido escrito por alguém muito ligado ao mar e bastante viajado. É editado pelo ex-aluno vice-almirante Henrique Alexandre da Fonseca, n.º 47, de 1956/63, nascido em 1946; e prefaciado pelo almirante José Manuel Castanho Paes, nascido em 1942, nos Açores, aluno n.º 228, de 1952/59.

A ação decorre no Paquistão (capítulo Escravos de Palmo e Meio ),

onde começa a preparação para a condição de mártires fanáticos; seguindo-se referência a Al Qaeda e ao seu chefe Osama Bin Laden, o Sheik ; passando para Portugal, a «Laranja» , em Al Andaluz , península Ibérica, anteriormente ocupado pelos Árabes, onde vive um médico saudita ― no Alto da Barra, em Oeiras (muito próximo da Feitoria do Colégio Militar), ― e em que a população e os seus governantes, aparentemente, não revelam grandes preocupações com a segurança, embora «as barbas do vizinho já tenham ardido»

Após mais um capítulo no Oriente, incluindo pirataria na Somália, regressa-se a Portugal, assistindo-se ao delinear de um plano terrorista por parte do médico saudita e referindo-se a escultura em bronze Mergulho da Baleia , do grande escultor Augusto Cid (infelizmente já falecido), situada no litoral de Oeiras, próximo da Feitoria e do Alto da Barra…

Recordando a definição dada pelo Mota, aplico-a a este livro, por me parecer uma «ideia» bem oportuna, a de alertar para riscos atuais; e pela «forma» da escrita e da estruturação do livro, incluindo locais de ação e personagens interessantes, como o novo diretor-geral, prioritariamente preocupado com a mudança do mobiliário do gabinete de trabalho…

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A importância do amarelo para a felicidade dos Antigos Alunos

Saí do Colégio em 1957 e desde então não foram poucas as vezes que comi amarelo. Para além de todas aquelas em que o comi no Colégio – fosse nos diversos jantares de confraternização do 3 de Março ou nos almoços servidos durante as reuniões de curso –, também o comi em casa de antigos camaradas que com alguma regularidade me convidavam para o efeito. As opiniões acerca da qualidade dos vários amarelos servidos ao longo dos anos variam muito, mas contêm um denominador comum: «no meu tempo é que o amarelo era bom».

Eu próprio formei distintas opiniões sobre a qualidade relativa das diferentes versões do dito. Porque em certas ocasiões a saudade mandava mais do que o sabor e noutras acontecia o contrário, fui alternando opiniões favoráveis e desfavoráveis, sem jamais atribuir grande importância à questão.

Ora, encontrando-me neste momento a actualizar os Índices da Revista da

nossa Associação, deparei-me logo no n.º 1 com uma «Receita do amarelo de carne».1 E no n.º 2, o próprio Director da Revista dá a conhecer nacos da correspondência que lhe foi dirigida a propósito do magno problema do amarelo.

No n.º 50, o tema reaparece, desta feita com uma receita de amarelo de bacalhau. Tive que render-me à evidência: o amarelo é uma peça essencial da tradição colegial. Tão essencial que cobre inúmeras gerações. Mas como veremos, nem sempre de forma consensual.

Na referida Revista n.º 1, publicada em 1965, o Antigo Aluno Arriaga Tavares (como se percebe do seu texto, saiu do Colégio em 1915, mas desconhece-se quando entrou e qual era o seu número) aborda a questão em carta para o Director:2

“(…) No passado Sábado estive no Colégio para celebrar 50 anos de saída (!!! irra que estou velho…) e deram-me o célebre amarelo, que não era «amarelo» mas «preto», nem nada do «autêntico

amarelo» que se comia no meu tempo, e não sei se no seu. Há 25 anos promovi um almoço em minha casa com os meus camaradas de Artilharia e simultaneamente do Colégio e, para tal, veio o cozinheiro dali fazer o «autêntico» amarelo e os pastéis de bacalhau.

(…) A receita na Revista é do «preto», com batatas «esterlicadas», e carne e poucos ovos, quando o verdadeiro amarelo é feito com chouriço ou bacalhau, com bastantes ovos e batatas mal fritas, moles e pegadas umas às outras…

(…) PS: se puder colaborarei na Revista, mas a receita do «amarelo», do verdadeiro, terá de ser rectificada.

J. Paula Santos (349/1938) questiona no n.º 49 da Revista da AAACM, p. 36, a «perpetuidade» do amarelo de carne nos convívios colegiais. Depois de esclarecer que só conheceu o amarelo da carne quando já era Antigo Aluno, atira-se ao problema: “(…) Foram bem sucedidos na experiência do amarelo de

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277/1950
Nuno
António Bravo Mira Vaz
A importância do amarelo para a felicidade dos Antigos Alunos

carne confecionado pelas vossas «Meninas»? Confessem-se. Não tenham receio de dizer que não vos soube como no Colégio. Se o disserem sei que não cometem qualquer injustiça para com Aquelas que sempre vos têm acompanhado nos bons e maus momentos da vida. A razão, bastante simples aliás, é que há condimentos que só o Colégio fornece. São o contacto com a suas seculares paredes, o passear sob os claustros (confidentes de tantos sonhos e desilusões), o convívio com os antigos camaradas (colegiais, entenda-se), etc…E, sobretudo, aquele que não há no mercado – e não é por falta de divisas ¬– para o qual não há remédio: a idade que tínhamos no tempo dessas refeições (…).

Será que na nossa grande família não há descontentes em número suficiente que queiram juntar a sua à minha voz para reivindicarmos, também, o célebre «batata frita» com o agora Ex (mas não aluno) fiel amigo e a «celebérrima» (para o nosso tempo) «batata frita com carne de porco», por exemplo?

(…) Agradeço a colaboração de todos para a resolução do desiderato. Se para tanto for necessário – e aí estaria uma razão de peso para mais uma reunião de amizade e confraternização – convocar-se-ia um plenário para a Associação ou, consoante o número de aderentes, para o Colégio. Então, proceder-se-ia a um referendo, por voto secreto, para decidir se temos de ficar eternamente vinculados a papar amarelo de carne, representativo de certa época, ou se poderíamos vir a acalentar a esperança de voltarmos também a saborear outras comidinhas do «nosso tempo» e doutros (…).”3

O comentário de J. Paula Santos, ao referir especificamente o amarelo de carne, remete para outro assunto de «transcendente importância», qual seja o da designação correcta do prato. Di-

ferentemente de Arriaga Tavares, que chama «preto» ao amarelo de carne, J. Paula Santos afirma que o que é preciso é distinguir entre amarelo de carne4 e amarelo de bacalhau.5 Além disso, parece legítimo concluir-se do texto deste Antigo Aluno que entre 1915 e 1938 o amarelo terá sido excluído da culinária colegial. Esta conclusão terá contudo de ser confrontada com outras cartas ao Director incluídas no n.º 1 da Revista e que sugerem a permanência do amarelo no referido período. Uma senhora não identificada confessa:

“Com que emoção li o número 1 da vossa Revista e acreditem quando vi a receita do «amarelo» voltei 30 anos atrás, tinha então 16 anos. Sou viúva por causa do amarelo e não se riam, pois passo a explicar.

Na altura tinha um namorico com um rapaz do Colégio que teria os seus 19 anos e que ainda por lá andava, pois, nos estudos, não era brilhante. Por ser dos mais antigos comandava a 7.ª Companhia o que lhe dava grande alegria pois achava que era posição de destaque entre os seus camaradas. Pois nesse dia «trágico» de Abril, Domingo, dia de saída, havia com muito custo arranjado com outros amigos da nossa idade um pic-nic a Sintra, escalada à serra e não sei que mais. Contava enfim passar um dia agradável com o simpático menino da Luz dos meus sonhos e Sábado quando ele me telefonou contei-lhe os projectos para o dia seguinte. Sabem o que me respondeu: que tinha um desafio de foot-ball da parte da manhã com os «pupilos» e que depois havia um almoço formidável à base de «amarelo». Fiquei «encarnada» de raiva, humilhada, vexada, e mandei-o passear que não o queria ver mais. O meu «galã», como hoje diria a gente nova, parece que pouco se importou com as minhas ameaças foi comer o «amarelo» e nunca mais me procurou. Resultado: casei mais tarde

com alguém que me fez feliz mas durante pouco tempo, pois fiquei viúva após alguns anos de casada. Mas calculem que o «menino da Luz» em causa ficou solteiro, é coronel na reserva, bem conservado, sempre muito direito, fala-me com grande amizade sempre que me encontra, já se esqueceu de tudo mas eu é que cada vez que o vejo penso: «ai se não fosse o amarelo…» Não façam troça de mim mas pensei que achassem graça a esta historieta”.

Outra senhora não identificada, casada com um Antigo Aluno, lamentava-se:

“(…) nem calculam os trabalhos em que me meteram, o meu marido ficou doido com a receita mas a cozinheira não correspondeu ao que se esperava. A batata ficou solta e o meu marido diz que elas (as rodelas) devem ficar bem molhadas e coladas umas às outras, que tem carne de mais e ovos de menos, que no Colégio repetia normalmente quatro vezes (que bruto…), que arranjasse outra cozinheira… enfim uma pequena tragédia conjugal. O cozinheiro do Colégio não podia vir a casa ensinar-nos?”

Por fim, a própria cozinheira mencionada no parágrafo anterior, vem desabafar:

“(…) fiz tal e qual como escreviam lá no vosso jornal, a minha senhora ia lendo e eu fazia tudo como ela mandava, parece que faltava o chouriço mas lá não vinha, o senhor ficou mal disposto, e queria que a senhora viesse para a cozinha, eu cá disse logo que iria para outra casa pois não admitia desconsiderações, a senhora chorou e o patrão saiu pela porta fora dizendo que estava farto de comer porcarias. Eu gosto dos senhores mas desde aquele dia que o senhor pergunta aos domingos: há amarelo (…)?”

O amarelo já foi também objecto de poesia. No n.º 55 consta a seguinte

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A importância do amarelo para a felicidade dos Antigos Alunos

versalhada apresentada pelo António Herculano de Miranda Dias (292/1925) no final do jantar de confraternização dos cursos de 1925 a 1929, realizado em 1979:

“Oh, Malta! Sabeis, o que nos faz falta? Hoje, Na vida? É este «amarelo» Manjar sem paralelo, Iguaria Que obriga A este ambiente, Próprio, Sem igual, Quente pela amizade E pela juventude perene Que mantém, Pela vida fora, O Menino da Luz (…)”

No mesmo n. 55, p. 85, numa rubrica dedicada a divulgar o «dicionário colegial», Henrique Alves Baptista (Ext. de 1920) propõe a seguinte definição de «amarelos»:

O nome que lhes foi dado como iguaria «sui generis» terá a sua origem no aspecto com que ficam depois da sua fritura, que lembrará o dos botões de metal dourado – os «amarelos» – quando «puxados ao coco», das fardas. Assim, para nós, «limpar os amarelos» tanto pode significar uma «limpeza» total às travessas onde os ovos da respectiva receita são servidos, como, sendo-se militar, serem limpos com «Solarine» ou outro limpa-metais, aqueles botões.

Finalmente, bem mais perto do tempo presente, uma mãe publicou no blogue «Oficina das patitas», 6 o seguinte texto:

Ao escrever este post, delicio-me a imaginar o sorriso de felicidade do meu fifi mais velho quando deparar com esta receita. Passo a explicar:

O meu fifi mais velho foi um “Menino da Luz”, ou seja, foi aluno do Colégio Militar.

Uma instituição em que a honra e a camaradagem imperam, onde são ensinados os caminhos e são abertos os horizontes aos alunos que têm o privilégio de o frequentar.

O amarelo de carne faz parte do cardápio do refeitório, nos dias de festa. É um prato de tal forma apreciado que, todos os anos, no dia 3 de Março, data da celebração do aniversário do Colégio, depois do desfile do Batalhão Colegial, nas suas fardas da cor de pinhão, pela Av. Da Liberdade, é servido um almoço onde são convidados os alunos e os ex-alunos, e onde é servido o amarelo de carne. Não sei se realmente apreciam mesmo este prato ou se é pelo facto de se sentirem meninos, novamente, a verdade é que a afluência à sala de refeições é muito grande, nesse dia.

E depois do Zacatraz, sentam-se à mesa entre gargalhadas, brincadeiras e piadas, pois voltam à adolescência.

No post, a mãe oferece a sua própria interpretação da receita, mas disso já estamos servidos. Importa bem mais ressalvar a homenagem desta senhora ao nosso Colégio, que registamos com muito prazer.

Por razões compreensíveis, o amarelo não integra as actuais ementas colegiais. Mas seja «de carne» ou « de bacalhau» , com batatas esterlicadas ou enxutas, com mais ou menos ovos, a verdade é que ele continua bem vivo no imaginário de muitos Antigos Alunos. Por quanto tempo, ninguém sabe. Congratulemo-nos então com o seu inconfundível sabor enquanto a saudade exigir e a saúde no-lo permitir.

1 Revista da AAACM, n.º 1, p. 50: Receita do amarelo de carne (ou batata frita com carne desfiada)

Quantidades por pessoa: 600 gr. de batata frita, 150 gr. de carne, um ovo e meio

Execução:

– fritam-se as batatas

– a carne pode ser cozida, esfolada ou assada; depois de esfriar, desfia-se bem

– deita-se a carne numa frigideira com banha, juntam-se os ovos e mexe-se até ficar tudo bem misturado – mistura-se tudo com a batata frita

2 Revista da AAACM n.º 2, p. 74

3 Revista da AAACM n.º 47, pp. 71-74

4 In https://oficinadaspapitas.blogs.sapo.pt/46503.html: Uma mãe de AA propõe a seguinte receita do amarelo de carne:

– Quantidades (sem especificar o número de pessoas): 300g de carne de vaca para cozer, 6 ovos, 2 colheres de sopa de banha, batatas fritas palha, sal e pimenta a gosto, azeitonas ou alcaparras para enfeitar ( facultativo)

– Execução:

– Cozer a carne de vaca em água temperada com sal. Se for no modo tradicional, isto é, sem ser em panela de pressão, demora cerca de 1,5h.

– Após a carne estar cozida, retirar do tacho e deixar arrefecer. Desfiar a carne, deixando-a em “palitos” fininhos. Levar uma frigideira ao lume com a banha, deixar derreter e fritar nela a carne cozida e desfiada. Temperar com sal e pimenta.

– Bater os ovos numa taça à parte, juntar 3 colheres de sopa de leite, bater mais um pouco e juntar os ovos batidos à carne na frigideira. Ir mexendo e separando com a colher de pau os grumos que se formam.

– Agora, a forma tradicional e mais saborosa, manda que se descasque batatas, se partam em palitos fininhos e se fritem em óleo bem quente, não deixando fritar muito. Somente o suficiente para alourar.

Porém, e para facilitar a vida e encurtar o tempo de execução, pode-se colocar batata palha de compra num prato e colocar por cima o preparado de carne e ovo. Decorar com alcaparras ou azeitonas e servir de imediato, acompanhado com uma salada verde.

5 Na Revista da AAACM n.º 50, p. 113, Paula Santos oferece a sua receita do amarelo de bacalhau

Quantidades por pessoa: 150 gr. de bacalhau, 350 gr. de batata nova (400 da velha), 2 ovos e meio, 50 gr. de cebola, 0,3 dcl. de azeite, bastante salsa, sal e pimenta a gosto.

Execução:

– Cortam-se as batatas às rodelas, temperam-se de sal e fritam-se, devendo ficar bem passadas mas sem ficarem queimadas ou chupadas.

– O bacalhau, depois de bem demolhado, cozido e limpo de pele e espinhas, desfia-se às lascas miudinhas. Entretanto põe-se a cebola picada muito miudinha, a alourar no azeite. Depois de alourada, junta-se-lhe o bacalhau e deixa-se apurar 10 minutos.

– Entretanto batem-se os ovos e temperam-se de sal e pimenta. Em seguida junta-se-lha a salsa.

– Na frigideira onde alourou o bacalhau, mexem-se os ovos e quando estiverem em massa muito mole junta-se-lhe o bacalhau. Apura-se. Em seguida, sem deixar secar, juntam-se as batatas e mistura-se tudo muito bem, sem deixar secar.

6 https://oficinadaspapitas.blogs.sapo.pt/46503.html, em 24 de Abrilde 2012

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A importância do amarelo para a felicidade dos Antigos Alunos

A Viagem do Allegro Arquipélago de Thuamotus - Ilha de Fakarava

Allegro Arquipélago de Thuamotus Ilha de Fakarava

Do arquipélago das Marquesas ao arquipélago de Thuamotus.

Depois de seis dias e vinte e três horas, passados no arquipélago das Marquesas, na ilha de Hiva-Oa, onde praticamente ficamos prisioneiros das festas da Páscoa e do sistema de abastecimento da ilha, arrancámos às treze horas, para a ilha de Fakarava, no arquipélago de Thuamotus.

A largada não foi fácil, pois o veleiro que estava perto de nós, ao levantar ferro, levou também a reboque o do Allegro, tendo enrolado o cabo à volta do nosso leme. Entretanto, o arinque, (que é uma boia usada para sinalizar a posição do ferro, quando é lançada ao mar, fica ligada por um cabo à amarra) mas com os movimen -

tos de entrada e saída do ferry e dos barcos vizinhos, ensarilhou-se nela, de tal forma, que só mergulhando, foi possível libertá-lo.

Começámos por navegar a motor, enquanto não passámos a zona dos canais que ligam as ilhas próximas de Hiva-Oa – chamadas zonas de

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António Rui Prazeres de Castilho 147/1948

A Viagem do Allegro Arquipélago de Thuamotus - Ilha de Fakarava

aceleração ― e da «sombra de vento» dessas mesmas ilhas, principalmente a de Tahuta. É uma ilha muito montanhosa e enquanto a mantivemos por bombordo, o vento foi sempre muito irregular, ora soprando fraco ou de rajada. Logo que nos livrámos deste local complicado para a navegação, marcámos o rumo direto para o way point que nos levava ao nosso destino – a ilha de FaKarava. Teríamos de navegar 540 milhas, com uma previsão de quatro a quatro dias e meio, dependendo sempre das condições do mar, do vento e do estado do motor. Mas lá fomos singrando, ora à vela ora a motor, sulcando as águas do Pacífico.

de, passámos por ela, a sete milhas, por estibordo.

Esta zona do Pacífico é extremamente perigosa, pois está «salpicada» de pequenas ilhotas e rochedos, que, para além de dificilmente serem detetadas na cartografia, não são visíveis de noite, pois não têm qualquer sinal luminoso a marcar a localização. Nestas terras do «fim do mundo» tudo é possível de encontrar!...

Faltam oitenta milhas para chegar e as condições do Allegro não são as melhores:

tínhamos indicações de não haver oficinas capazes de resolver tais e tantos problemas!

Às 5 horas da manhã, tínhamos farol de entrada do recife à vista e, com o nascer do sol, a ilha de Fakarava e o recorte do atol, pela amura de bombordo.

Com os elementos da cartografia, enfiamentos, rumo 060º, o farol, uma passagem do recife admiravelmente larga, sem vento e com a maré alta, possivelmente no «estofo» , fizemos uma entrada, sem problemas, na imensa lagoa que dá acesso à povoação de Rotoava, através de um canal

No quarto dia de viagem, o Luís Adão recebeu um mail, com um aviso à navegação, da existência de uma pequeníssima ilhota que estaria na nossa rota, para a Ilha de Fakarava. Verificada a cartografia digital, só com vários zooms foi possível encontrar a dita ilhota, cujo nome é Tikfi. Foi marcado um way point , com um resguardo folgado, para sinalizar este perigoso obstáculo e verificado todo o restante percurso. Mais tar-

― não temos gerador para produzir energia.

― o inversor avariou, não há 220w a bordo.

― o aparelho para fazer água doce não pode trabalhar; assim como o frigorífico e o congelador.

Mas estávamos todos bem de saúde e havia a esperança de em Tahiti, repor a situação, porque em Fakarava

muito bem balizado. A aldeia, como todas as outras, são servidas por um cais de atracação do ferry, e esta, para alguns barcos de turismo. Marinas são um luxo para estas paragens, por isso, lançámos o ferro numa zona de areia, salvaguardando qualquer contratempo com corais ― que proliferam por tudo quanto é sítio!

Todos os barcos nossos amigos já se encontravam fundeados. Por isso,

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Foto nº1 Vila de Rotoava. Foto nº2 Igreja

depois de prepararmos o dinghi, fizemos uma ronda por todos eles, tendo parado no Aretha , um Oyster 54, da Nichola e do Casper, para tomar um café. Falo neste casal, porque para além de serem muitíssimo simpáticos, viajam à volta do mundo, com três filhos de 3, 8 e 12 anos. Estudam no barco e fazem os exames em terra, em escolas inglesas – outras vidas… vidas diferentes!!!

Felizmente que a ilha tem pelo lado de dentro do cais do ferry, um pequeno porto de abrigo, em cimento, onde se podem amarrar, com segurança, os dinghis, em contraste com

A Viagem do Allegro Arquipélago de Thuamotus - Ilha de Fakarava

lindas e não menos famosas pérolas negras, que são a principal fonte de riqueza e de trabalho da Ilha. Fomos ao centro de mergulho para marcar uma hora, porque o Luís e eu gostávamos de fazer um mergulho com garrafas, pois sabíamos que o local é magnífico. Ambos possuíamos certificados internacionais de mergulho, atualizados. Com grande surpresa nossa, e principalmente minha, não me deixaram mergulhar― tinha mais de 70 anos, e pela lei francesa, com esta idade, teria de fazer-me acompanhar por uma declaração médica e de um seguro específico para mergulho!!!! Já não se pode ser velho ― em Fran -

simples, mas com pormenores fora do normal e com um recorte giríssimo, difícil de encontrar. Está situado à borda de água, envolvido por uma ampla varanda. O restaurante é da Elda, que, enquanto preparava o jantar - uns belos mahi-mahi - (é o nosso dourado) - e punha a mesa, vimos o marido chegar da pesca com vários atuns.

Notámos que alguns cães, pertencentes à casa, entravam e ladravam, com frequência na água, mas não percebíamos o por quê? A nossa curiosidade levou-nos até lá e reparámos com grande surpresa, que os animais estavam a ladrar para uns

alguns locais, com pontões em madeira velha e pregos que furam os barcos! Visitámos a pequena aldeia de Rotoava que, para nossa surpresa, é uma povoação muito bem cuidada, com os edifícios principais situados ao longo de uma rua pavimentada, marginal à lagoa – a Câmara Municipal, duas Igrejas, os Correios, com ATM, um pequeno Hospital e a Escola. As lojas vendem de tudo um pouco e numa delas encontrámos as

ça e nas suas Colónias, a Polinésia Francesa. O Luís teve sorte, mergulhou num recife, com uma paisagem de sonho e uma enorme diversidade de peixes, incluindo tubarões.

Como já tinha mergulhado em Galápagos, com a nossa amiga Teresa Gago, nunca previa uma situação destas.

Para minimizar este inesperado episódio, jantámos num restaurante muito

tubarões que se encontravam mesmo junto a terra e que viviam num grande recinto retangular, fechado por uma forte rede de arame! Os tubarões mediam cerca de dois metros e aproximavam-se desta maneira, para comerem as tripas dos atuns que o pescador lhes lançava. Os cães ficavam excitadíssimos e perguntámos se eles não mordiam. Responderam que não ― por vezes os cães é que mordiam os tubarões!!!

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Foto nº3 Pôr do sol. Foto nº4 Bar na água.

A Viagem do Allegro Arquipélago de Thuamotus - Ilha de Fakarava

Terminado o delicioso jantar, repleto de surpresas inacreditáveis, que, só nestas paragens do fim do mundo, são possíveis de ver e viver, a Elda levou-nos de volta para o Allegro.

De manhã recebemos a visita do Andy, do yate Pentagrama , que veio ver o que se passava com a eletricidade do barco ― avarias que nos causam muitos contratempos. O Andy é um «tapa furos» , no bom sentido da palavra, pois sabe quase tudo o que diz respeito a barcos, tendo resolvido bastantes problemas, junto dos veleiros que nos acompanham. Conseguiu Foto

reparar o inversor. É uma pessoa muito simpática, dedicada e uma figura sui géneris, mesmo original. Usa habitualmente um brinco na orelha esquerda, que é uma «manilha» do barco!

Nestes dois dias de estadia ainda conseguimos visitar uma estância de pérolas.

Tivemos pena de não estar mais tempo nesta Ilha, mas era urgente zar-

parmos para Tahiti, onde tínhamos a esperança de ver resolvidos todos os problemas elétricos e outros que gostaríamos que não aparecessem.

…….E SIGA A MARINHA…..

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nº5 Luís Adão a sair do mergulho. Foto nº6 Tubarões. Foto nº7 Fotografia do Andy.

As duas bandeiras

No número 218 da ZacatraZ, de Janeiro/Março de 2019, publicámos o artigo «Os Caçadores» em que se descreveu a forma como surgiram as tropas de Caçadores no seio do Exército Português, no início do século XIX, no decurso da Guerra Peninsular. Nesse artigo lembrámos que a nossa farda «cor de pinhão» teve origem na farda das tropas de Caçadores, por determinação da Rainha D. Maria II, no ano de 1837,que assim quis homenagear seu Pai, D. Pedro IV, o «Rei Soldado» , que foi Coronel Honorário do Batalhão de Caçadores nº. 5.

No número 220 da ZacatraZ, de Julho/Setembro de 2020, no artigo «O Colégio Militar e a Guerra Peninsular» , lembrámos os primeiros Antigos Alunos do Colégio, que pereceram em combate, no decurso dessa guerra e homenageámos as tropas portuguesas que na mesma participaram, de forma prestigiante para o nosso Exército e para Portugal.

No presente artigo pretendemos recordar «duas relíquias da Guerra Peninsular» , duas bandeiras de duas Unidades que na mesma se distinguiram, que foram confiadas à guarda do Colégio Militar, em 1852,

que de seguida se perderam e que, na década de 50 do século passado, foram substituídas por duas réplicas, que continuam nos dias de hoje à guarda do Colégio, no seu Museu.

Quem visite o Museu do Colégio Militar, pode observar que no mesmo estão expostas duas bandeiras honoríficas, as Bandeiras do Regimento de Infantaria nº 9 e do Batalhão

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Réplica da Bandeira do Batalhão de Caçadores nº11.
As duas Bandeiras

de Caçadores nº 11. A história circunstanciada destas duas bandeiras pode ser lida na «História do Colégio Militar» , de José Alberto da Costa Matos (96/1950). No que se segue, apresentamos um brevíssimo resumo da mesma.

Em 1852, quando o Colégio atravessava um período difícil da sua história, encontrando-se instalado, pela primeira vez, no Convento de Mafra (1848 – 1858), a Rainha D. Maria II «com o intuito de estimular o ânimo de alunos, professores e demais elementos que serviam a estrutura colegial» decidiu ter um gesto de apreço para com o Colégio, confiando ao «esclarecido cuidado e guarda» do Colégio, «para ahi serem colocadas e respeitadas em logar distincto, as primitivas bandeiras dos antigos Regimento de Infantaria nº 9, e Batalhão de Caçadores nº11, até aqui conservadas no Arsenal do Exército». Estas bandeiras tinham sido conferidas a estas duas Unidades, bem como aos Regimentos de Infantaria nº 11, 21 e 23 e ao Batalhão de Caçadores nº7, por Decreto de 13 de Novembro de 1813, do Príncipe Regente D. João (então no Brasil), na sequência do heróico comportamento daquelas Unidades, no decurso da Guerra Peninsular, na batalha de Victoria, ferida no Norte de Espanha, a 21 de Junho do mesmo ano.

No decreto de 13 de Novembro de 1813,o Príncipe Regente começava por sublinhar o testemunho que tinha recebido dos comandantes dos exércitos aliados, nos seguintes termos «tendo visto com a mais viva satisfação os relevantes elogios, com que aqueles invictos generais louvaram a intrepidez, o brio, a destemida resolução e o decisivo

entusiasmo, com que atacaram as tropas inimigas, nas fortes posições que ocupavam e de que foram desalojadas com imensas perdas, assim de combatentes como de artilharia e bagagens» , dizendo, mais adiante, «foi reconhecido e publicado que não haverá infantaria na Europa melhor do que a infantaria portugueza» . Face ao reconhecimento deste comportamento heróico das tropas, indicava de seguida o Príncipe Regente, as honrarias com que agraciava os quatro regimentos de infantaria, dizendo «hei por bem premiá-los com a nobre recompensa e a distinta honra que os torne notáveis; sou por isso servido que nas bandeiras dos sobreditos 4 regimen -

tos de infantaria nº 9, 11, 21 e 23, que compunham as duas brigadas, circundando as minhas reais armas, haja a seguinte inscrição em letras de ouro: «Julgueis qual é mais excelente – Se ser do Mundo Rei, se de tal gente». De acordo com o decreto, estas bandeiras deviam ser conservadas, para memória, em cada um dos quatro regimentos «enquanto existir vivo algum oficial, oficial inferior ou soldado, dos que assistissem à batalha de Victória e só deverá terminar em cada corpo, com a morte de cada um desses indivíduos» . Quanto aos dois batalhões de Caçadores, a distinção ainda foi maior. Aos batalhões não era atribuída bandeira. A título excep -

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Réplica da Bandeira do Regimento de Infantaria nº 9. As duas Bandeiras

As duas Bandeiras

cional, o Príncipe Regente atribuiu bandeira aos batalhões de Caçadores nº 7 e 11, também conhecidos por batalhões de Caçadores da Guarda e da Feira, determinando a seguinte disposição para as mesmas «Ficando as minhas reais armas no centro e, logo abaixo, uma palma circundada pela inscrição «Distintos vós sereis na luza história – Com os louros que colhestes na Victória» ».

A cerimónia de apresentação das duas bandeiras oferecidas pela Rainha D. Maria II, só teve lugar dois anos após a sua oferta, já era a Rainha falecida. A descrição dessa cerimónia foi feita por Cunha Viana, na Revista Militar (nº 5, de 15 de Janeiro de 1860) nos seguintes termos:

«A sua inauguração teve lugar no dia 31 de Julho de 1854, assistindo todo o corpo colegial, a oficialidade, e os oficiais inferiores do regimento de infantaria nº7, e as pessoas principais da vila de Mafra.

Havia então no Colégio dois veteranos empregados menores que tinham feito a guerra peninsular nos corpos a que pertenciam as bandeiras. Tinham ao peito a medalha da guerra da independência, e um deles a da torre e espada. O director do Colégio escolheu-os para servirem de porta-bandeira naquela solenidade, servindo de escolta às mesmas um pelotão de jovens educandos.

É impossível descrever a impressão causada no ânimo de todos, por esta função singela, mas patriótica, poética e militar, especialmente quando os dois veteranos, um dos quais já dificilmente se arrastava, derramavam lágrimas pela recordação dos feitos ilustres em que tinham tomado parte e da nova consagra -

ção que viam fazer por este modo às suas bandeiras monumentos. Um deles teve comoção tão forte, que foi necessário ampará-lo. Apesar do silêncio solene que devia reinar enquanto as bandeiras se colocavam no seu lugar, um dos veteranos não se conteve e exclamou: «Sinto não poder pintar bem aos Senhores, como o meu batalhão sabia dar, quando a corneta nos mandava defender o nosso rei e a nossa pátria.

Aquilo é que era ânimo e união: mas hoje! Hoje nada posso!»

As bandeiras foram depois conduzidas à sala de armas onde ficaram em local de destaque, tendo ao seu lado, redigida em português, francês e alemão, uma nota explicativa sobre as mesmas e a razão porque ali se encontravam».

As duas bandeiras oferecidas pela Rainha D. Maria II ao Colégio, já não existem. Com as sucessivas mudanças de instalações que o Colégio sofreu, uma extraviou-se e outra acabou reduzida a pó, quando, na década de 50 do século passado, se tentou a sua transferência do Museu Militar de Lisboa para o Colégio. Inconformado com esta situação, o Capitão Balula Cid, professor do Colégio nessa época, que era um apaixonado estudioso das coisas da história do Colégio, conseguiu o apoio do então director, Brigadeiro Luciano Ernesto da Silva Granate (290/1907), para mandar confeccionar, sob sua orientação, réplicas exactas das duas bandeiras. Executadas as réplicas, no dia 16 de Junho de 1954, mas agora nos claustros na Luz, repetiu-se a cerimónia de apresentação ao Batalhão Colegial das gloriosas bandeiras do Regimento de Infantaria

nº 9 e do Batalhão de Caçadores nº11. Ainda estão felizmente entre nós muitos dos que tomaram parte nessa cerimónia, de enorme significado e carga emocional, e que a podem testemunhar.

A gloriosa bandeira de Caçadores 11, cuja última batalha na Guerra Peninsular foi a Batalha de Toulouse, ferida em 1814, em França, mantem-se à guarda dos «caçadores colegiais» , que com orgulho envergam a sua farda cor de pinhão , à imagem das fardas daqueles Caçadores que levaram Lord Wellington a dizer, que os soldados portugueses eram os seus «galos de combate»

NOTA:

Sabemos que o Museu do Colégio é objeto de visita dos “ratas”, guiados pelos seus graduados. Seria bom que nessas visitas lhes fosse sumáriamente explicada a origem destas duas bandeiras e lhes fossem lidas as inscrições das mesmas, determinadas pelo Princípe Regente D.João, em Novembro de 1813.

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A vivência no Colégio Militar durante a 2ª Guerra Mundial

A vivência no Colégio Militar durante a 2ª Guerra Mundial

Vou contar as minhas recordações do percurso no CM, sendo os primeiros anos em pleno período da guerra de 1939-1945, com base somente na minha memória.

Quando concorri ao CM, em Setembro de 1941, já em plena Segunda Guerra Mundial, só foram admitidos 27 alunos para o 1º ano, em consequência das dificuldades financeiras que o país atravessava devido à guerra, ao contrário dos anos anteriores, em que eram admitidos por volta de 60 alunos. Estas dificuldades estendiam-se a vários aspetos da vida colegial que passo a relatar:

ALIMENTAÇÃO

O que se comia durante este período? No geral comparando com as dificuldades do nosso país, comia-se razoavelmente bem. De notar que nas nossas famílias havia senhas de racionamento para inúmeros géneros como açúcar, carne, etc.

Contudo no Colégio houve na altura singularidades características da época. Ao pequeno-almoço o pão era de segunda (mistura de cereais, pouco refinados para poupar na farinha branca de trigo) que vinha, como os restantes géneros, da Manutenção Militar. O acompanhamento ao pão, como a manteiga era rara, era utilizada margarina, que muitos nunca tinham comido antes. A marmelada, comum anteriormente, foi substituída por doce de batata doce, que consistia numa pasta, que de uma maneira geral não agradava. A bebida continuava a ser café de mistura (cevada e café) com leite, previamente preparada e adoçada.

Certo dia a malta notou que o café com leite, estava amargo e apresentou o problema ao Oficial de Dia. Este foi investigar à copa e verificou que uma grande parte do açúcar para adoçar o café não tinha sido utilizado. Concluiu-se que era colocado sal no café, o que reduzia a quantidade necessária de açúcar, sendo este desviado, bem como

outros géneros. Estes alimentos, retirados indevidamente, eram vendidos no mercado negro. Como consequência foram demitidos o despenseiro e mais 2 ou 3 funcionários.

Durante as refeições, nas mesas de 4 alunos (no refeitório que era no atual museu), não faltava no centro da mesa, uma garrafa de 3 dl com vinho tinto, além do clássico jarro de água. Apesar desta prática ser para todos os anos, não me lembro de terem existido abusos na bebida. Outros tempos!

Os pratos eram os clássicos do CM, como os submarinos (pasteis de bacalhau), croquetes pequenos e saborosos, a planca (carne guisada com batatas, com muito molho), raramente batata frita e o clássico amarelo de carne, em que por vezes a carne era substituída por chouriço.

Não me lembro de terem dado carnes alternativas. No entanto, na rádio à época anunciavam o seguinte slogan:

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A vivência no Colégio Militar durante a 2ª Guerra Mundial

“Ao almoço, ao jantar e à ceia, coma carne de Baleia”. Deste modo na minha família lá se comprou a carne de baleia e fizeram-se almôndegas, sem ninguém saber a proveniência da carne. No entanto, eu comecei logo a dizer: “Esta carne sabe a peixe!”. Não voltou a ser cozinhada a carne de baleia. Ao lanche ― mantinha-se a distribuição da carcaça antes do recreio que uma vez por semana era substituída por um bolo de arroz! Um luxo!

Nos aniversários dos alunos a mesa do aniversariante tinha um cálice de vinho do Porto para cada um, para a realização de um brinde. Sei que esta tradição ainda se mantinha recentemente no percurso colegial do meu neto (310 de 2007).

ENSINO

Nessa época todos os professores eram militares mas, com as dificuldades de recrutamento de Oficiais do Quadro competentes foram admitidos pela primeira vez Oficiais Milicianos licenciados.

Exemplos: Cristóvão de Lima (alcunha Labom), Brazão (alcunha Pipocas), Manito Torres (alcunha Incas), Júlio Martins (alcunha Juju), Abreu Faria (alcunha Pózitos), Alves de Moura (alcunha o Trancas), etc. O que melhorou bastante o ensino com as suas novas pedagogias e conhecimentos.

Salvo erro em 1945 são contratados pela primeira vez dois professores civis: o de inglês e o de francês (Peixoto da Fonseca).

No 1º período de 1943/1944 houve uma grande falta de professores por terem sido chamados para as manobras do Outono de 1943. Foi uma grande concentração de um Corpo de Exército na zona de Tancos, prevendo-se uma invasão premente da nação. Assim no meu ano (3º ano – atual 7ºano), não tivemos aulas de francês nem de matemática em ano de exame do 1º ciclo (atual 2ºciclo, que tinha 3 anos), em que os exames escritos do final do ano letivo, eram nacionais. Mas nós, inconscientes, todos contentes.

INSTRUÇÃO MILITAR (IM)

Face à guerra, a IM era levada muito a sério. O 1º ciclo (atual 2º) só fazia ordem unida e pouco mais. No entanto a partir do 2º ciclo (atual 3º) havia aulas de armamento bastante exigentes, dada a ampla variedade de armas que o Exército possuía. Fazíamos exercícios de pontaria, que depois eram praticados com pistolas de pressão de ar e carabinas Mannlicher adaptadas ao calibre .22. Esse tiro era realizado no pátio da IM (pátio da Infia), contra a parede virada a sul.

O famoso “amarelo de carne”.

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Formação de caças da Royal Air Force (RAF) 2ª Guerra Mundial.

Os alunos do 3º ciclo (atual secundário), além das aulas de armamento, tinham rudimentos de transmissões e nos sábados à tarde saiam do CM para exercícios de campo. Estes realizavam-se para lá da Pontinha, iam e vinham a pé e executavam movimentos táticos de ataque e defesa. A rapaziada regressava extenuada, mas cheia de brio. O instrutor militar era o Capitão Casais, Oficial importante do Estado Novo, amigo do Ministro Santos Costa e do próprio Salazar. Era na altura muito influente na vivência do CM.

EDUCAÇÃO FÍSICA (EF)

Atividade muito relevante, desde os primórdios do CM.

A 15 de Fevereiro de 1941, houve em Portugal o maior ciclone do século XX, que atingiu fundamentalmente o centro e o sul do país. A sua força destruidora fez muitos estragos por

todo o lado, e no CM destruiu completamente, como fosse um baralho de cartas, o ginásio, o picadeiro entre outros estragos. O ginásio que estava preparado para o baile de finalistas, foi pelos ares. Portanto a ginástica passou a fazer-se ao ar livre durante cerca de 3 anos sobre o piso de madeira do ex-ginásio e com a recuperação dos espaldares. Ao fim dos 3 anos o piso apodreceu e passou-se nos dias chuvosos a praticar nos gerais da 1ª e 2ª companhia.

Os campos de jogos eram semelhantes aos atuais com exceção do campo de futebol, que não existia. Esse local era um terreno inclinado. Em 1945 o Reverendo da Conceição (Ré) doutrinou a rapaziada para transformar o dito campo baldio num campo de futebol pelado. Arranjou umas dezenas de carros de mão, pás e enxadas e nós, entusiasmados, enchíamos de terra num lado e despejávamos no outro.

Assim ao fim de um período tivemos um campo de futebol 11. Por fim espalhou-se areão por cima. Pouco depois apareceram 2 cilindros puxados manualmente e até ficou compactado. Podemos considerar que a década de 40 foi para o CM uma das mais brilhantes no atletismo, futebol, voleibol, hóquei em patins e basquetebol. Destes atletas, alguns foram campeões nacionais em juniores e séniores e deram origem ao clube desportivo da AAACM. Nos desportos coletivos as equipas de hóquei em patins e de voleibol mantiveram-se no topo da 1ª divisão.

Os professores de EF eram Oficiais do Exército: o Reverendo (Ré), o Domingos (Dó). A partir de 1944/1945 passaram a estagiar no CM licenciados do INEF (Instituto Nacional de Educação Física), que trouxeram grande dinâmica ao desporto e à ginástica; não posso deixar de mencionar o Fernando Ferreira (Fefé) e o Mendes (Mé).

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Desfile do Batalhão Colegial na Baixa de Lisboa. A vivência no Colégio Militar durante a 2ª Guerra Mundial

A vivência no Colégio Militar durante a 2ª Guerra Mundial

INFLUÊNCIA DA GUERRA NO ESPÍRITO DOS ALUNOS

Como se fossem rivalidades desportivas, existiam alunos pelos alemães e outros pelos aliados.

As embaixadas Inglesa, alemã e italiana promoviam sessões de cinema de propaganda da guerra, para captar a simpatia dos alunos para o seu ponto de vista. Assim fomos à embaixada alemã ver filmes sobre os avanços tecnológicos das armas e dos seus êxitos nas batalhas. A sessão, terminava com um belo lanche. Igualmente a Inglaterra e a Itália promoviam sessões em tudo idênticas, não faltando no final, o lanche. Também davam uns panfletos que levávamos para o CM. Eu e muitos dos meus colegas tínhamos mapas da Europa, onde se iam registando os avanços e recuos das batalhas. Inicialmente maiores avan -

ços dos germânicos e para o fim avanços dos aliados. As notícias sabiam-se pela rádio e por alguns jornais.

Todos colecionávamos recortes dos carros de combate alemães, russos, britânicos e americanos. Alguns tinham miniaturas (brinquedos) correspondentes aos carros de combate, que dando corda se deslocavam, e o canhão lançava umas “chispas”. Também havia a coleção dos aviões (Spitfire, Hurricane, “Mosquitos”, Messerschmitt 109, Stuka, fortalezas voadoras B17, B29, entre outros) e ainda dos navios.

CONCLUSÃO

Neste período conturbado da história mundial ficaram as boas recordações do tempo de estudante no nosso Colégio. Episódios que caracterizavam uma época difícil, mas nós sendo jovens relativizávamos. No ge -

ral existia nas pessoas uma ansiedade e medo permanente na expectativa de ficarmos mais envolvidos no conflito. São histórias que marcam uma vida e que partilho com as novas gerações.

NOTA DA REDAÇÃO:

Como a fotografia do desfile testemunha, na década de 40 ainda não se usavam os cinturões e as cananas com a farda de gala.

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A Europa na 2ª Guerra Mundial. Caças da RAF (superior) e do III Reich (inferior).

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Duarte Rui Aniceto Dias Marques (408/69)

Escritor. Economista

Vence o Campeonato Nacional de Escrita Criativa.

O Duarte Marques (* da 2ª em 1975/76), Licenciado em Economia pela Universidade Católica Portuguesa, venceu a 49ª edição do Campeonato Nacional de Escrita Criativa (CNEC) - considerado um dos prémios mais reconhecidos e populares da literatura em língua portuguesa e que consagra, desde há vários anos, um autor que, pela sua prestação no âmbito de um Concurso, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum.

A decisão foi anunciada no dia 20 de Julho pela Organização do Campeonato Nacional de Escrita Criativa, liderada pelo escritor Pedro Chagas Freitas, escritor com mais de um milhão de exemplares vendidos em todo o mundo.

Trata-se de um campeonato disputado em dez jornadas, ao longo de cerca de três meses de prova, em que, em cada semana, é disputada uma jornada. Os inscritos têm sete dias para escrever o texto — sempre em prosa — que lhes é pedido. O júri pontua

cada um dos textos de zero (0) a vinte (20) valores, de acordo com critérios de qualidade, literária e linguística, e originalidade. O vencedor é o autor que somar, no final da décima jornada, mais pontos.

A escritora Luísa Gonçalves refere que «Duarte Marques revela-se um autor do EU, que com a sensibilidade à flor da pele nos oferece uma escrita densa, tremendamente lúcida, de uma honestidade que desconserta e desarma. O autor não se recusa à viagem pelo lado sombrio da condição humana, povoado de sombras e fantasmas, no qual se enlaçam incessantemente os temas recorrentes do vazio, do desencanto e da solidão. Executam uma estranha dança como as folhas no Outono, manipuladas pelos caprichos do vento e da vida, em que a própria imagem da queda lhes acentua a beleza frágil e passageira, apreendida e suspensa por breves momentos, apenas pelo olhar e posteriormente imortalizada pela escrita fortíssima deste encantador escritor. É que Duarte Marques não teme as águas escurecidas, as metáforas dolorosas, com a insana coragem de quem se permite a profundos mergu -

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lhos em territórios onde os outros não ousam. E deambula por labirintos de emoções que de tão verdadeiras chegam a ser impossíveis ou contraditórias, tão fascinantes quanto perturbadoras. Esta genuinidade e transparência são de uma grandeza desconcertante e inesperada e compõem uma obra única, de grande originalidade, reveladora de um ser humano “demasiado humano”, quase irreal.»

Já o escritor José Manuel Arrobas refere quer «Duarte Marques manipula com facilidade ideias, conceitos, sonhos, reflexões, metáforas e até paráfrases, o que dá sempre ao outro a capacidade de interpretar o que expõe, e em que se expõe, mostrando bem como o poeta é um fazedor.»

Duarte Marques respira melhor enquanto escreve. Publicou em duas Antologias de Poesia, “Poética” e “Entre o Sono e o Sonho” , editadas respectivamente pela Minerva Editora e pela Chiado Editora, e é autor de “Golpe de Fogo” , obra também publicada pela Chiado Editora. O seu próximo livro, “Memórias de um Futuro Esquecido” , da Editora Chiado Books, será publicado oportunamente. É vencedor e finalista de vários prémios literários de nível nacional.

José Humberto Baptista Malaquias

Inventor. Engenheiro Electrotécnico

Vencedor de um projecto europeu no contexto COVID-19.

O projeto “The Inventors” ― único projecto português selecionado entre as 380 candidaturas de 36 países ― faz parte da lista das 10 start-ups vencedoras do concurso europeu IMPACT EdTech (programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia), lançado no contexto da COVID-19, que premiou ideias inovadoras para

(84/1974)

responder aos desafios do ensino à distância, com 110.000 euros de financiamento europeu.

José Malaquias - o 84 de 1974, que foi * da 1ª Companhia em 1981/82 - Engenheiro Electrotécnico pelo IST, Mestre em Gestão Comercial e Marketing e Auditor de Defesa Nacional, - com um percurso profissional com mais de 30 anos, é o responsável pelo projeto.

Em 2016 criou a “The Inventors” que desenvolve produtos e programas didáticos para crianças nas áreas das engenharias, artes e criatividade. A “The Inventors” actua em mais de 160 escolas em Portugal, Reino Unido e Holanda e mais de 27 mil crianças já participaram nas actividades com mais de 350 mil experiências foram feitas.

Que projecto vencedor é este?

Perante a crise da COVID-19, a grande maioria dos países europeus implementou a medida de encerramento das escolas, e muitos professores foram forçados a adaptar-se ao ensino à distância apoiado em tecnologias digitais.

É neste contexto que surge a iniciativa IMPACT EdTech , um consórcio europeu que abriu concurso para startups e PME com propostas tecnológicas inovadoras nas áreas do ensino. The Inventors é um dos 25 projetos apoiados neste programa, para fornecer soluções inovadoras que serão testadas nas escolas europeias.

“Esta vitória é um orgulho, mas acima de tudo uma responsabilidade. As ideias desenvolvidas e testadas já em ambiente educacional pela equi -

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pa The Inventors acabam de ganhar uma dimensão enorme. É a pensar nas crianças de amanhã e nas competências do futuro, que vamos trabalhar e acelerar, com o apoio deste programa, as nossas soluções inovadoras para a educação, conforme reconheceu o júri do IMPACT EdTech ”, refere José Malaquias, co-fundador da The Inventors .

Trata-se de um projecto para crianças, com base na ciência, matemática, engenharia, artes e criatividade para as preparar para os desafios do sec XXI.

Fazem-no através de ferramentas – nós trabalhamos muito com electrónica - que permitem a criação de guitarras eléctricas, pianos, jogos de tabuleiro, candeeiros, e por aí fora... É uma plataforma on-line - produzida em tempo record que foi lançada em 16 de Março e registava, em menos de 1 mês, mais de 5.000 familias inscritas - à qual estudantes e escolas podem aceder e gerar várias actividades que podem ser feitas em qualquer lugar, a qualquer hora, seja em casa, seja na escola, tanto por alunos, suas famílias, professores, etc.

Que competências vão faltar às crianças no futuro decorrente da situação da pandemia?

José Malaquias responde (SIC Notícias, 26/10/2020):

“A geração que hoje está no ensino básico vai enfrentar um mundo com muito maior aceleração digital; há estudos que apontam para que 65% dos trabalhos do futuro ainda nem sequer foram inventados, inteligência artificial, automação vão destruir postos de trabalho mas vão criar mais empregos do que aqueles que destroem e que os que hoje existem.

É uma geração que vai colonizar Marte, enfrentar consequências do aquecimento global, por exemplo.

Para enfrentar um mundo mais dinâmico há um crescente consenso na necessidade de trabalharmos com competências que sejam intangíveis, como por exemplo, criatividade, adaptabilidade, resiliência, etc.”

E, pleno de sentimento e convicção, dá à ZACATRAZ a sua definição de “INVENTOR” , aquilo que o seu projecto quer incentivar e ajudar a criar: “Inventor. Que palavra inspiradora. Que conceito dinamizador. O inventor não se limita apenas a desbravar caminhos. O inventor cria-os. Descobre-os na sua cabeça. Inventa-os nos seus cálculos. Constrói-o com as suas mãos. O inventor é um descobridor de soluções e de novas coisas. Coisas que sem a sua capacidade inventiva simplesmente não existiriam. Inventar é criar. É olhar uma folha em branco ou o vazio e conceber um projeto, um objeto, uma melodia, uma máquina, uma teoria, um novo saber.

O inventor é um audaz. É um crente. Alguém que jamais dissocia o não do porquê e que manuseia a imaginação como se fosse o bico de um lápis. Um lápis mágico.

Alguém que usa o saber para inventar e fazer diferente, para fazer o novo. O inventor é um artista, um pássaro à beira do ninho que ousa o voo, o salto no vazio, o salto no desconhecido.

Perante as prementes e gigantescas incertezas de um futuro que já está a acontecer, importa fazer diferente, captar interesse, gerar inventores cada vez mais audazes, descobrir talentos, motivar o cérebro, exercitando-o no manuseamento da lógica, da imaginação e, porque não, de impossibilidades.

Porque o impossível é apenas algo que ainda não se tornou possível, exequível, mas a história da humanidade e das ciências já nos ensinou que o impossível está mais preso a dicionários do que à vida.

Vamos ensinar a mente a dar o salto no vazio, a sair do ninho e a voar, a olhar o mundo como um gigante tubo de ensaio onde tudo pode e deve ser experimentado e verificado. Vamos desencarcerar a imaginação e exercitá-la em toda a sua plasticidade, inventando.”

www.theinventors.io www.facebook.com/theinventors.io www.instagram.com/theinventors.io

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Kiluange N’Toku Noronha Tiny (238/1986)

Jurista

O“menino de ouro angolano das finanças”, Tiny (N’Gunu Tiny), natural de S. Tomé com cidadania angolana desde 2010, formou-se em Direito na Universidade Nova de Lisboa, é filho de Carlos Tiny, antigo Ministro das Relações Exteriores de São Tomé e Príncipe, e líder da holding Emerald Group sediada no Dubai, através da qual é sócio de José

Maria Ricciardi e Jorge Tomé na Optimal Investments, empresa de assessoria financeira.

Considerado em 2017 pelo Choiseul Institute (Paris) um dos 100 mais influentes “Leaders of Tomorrow” de África, foi entre 2012 e 2013 membro do Conselho de Administração da De Beers Investments Angola e CEO do Banco Postal angolano de 2016 a 2018.

A sua ligação ao membro da família real do Abu Dhabi materializou-se através da constituição da HBK Emerald Investments, empresa de consultoria vocacionada para investimentos nas áreas das finanças, petróleo e infraestruturas.

A sua rede empresarial é, também, composta, entre outros, pelo Banko Financial Group, Nest Gen Mining, Nino Oil, Makeba (serviços financeiros através de telemóvel), Optimal Investments e Diaar Limited (Imobiliário).

A sua afirmação em Angola deu-se quando entrou no Escritório de Advogados de Carlos Feijó (seu colega da Universidade Nova e ex-Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil de José Eduardo dos Santos) onde prestou serviços à Sonangol, então liderada por Manuel Vicente, e foi por Carlos Feijó nomeado em 2011 membro da comissão de estruturação e gestão da comissão do mercado de capitais angolano.

Feijó e Tiny são coautores do livro “A Regulação do Gás Natural em Angola” lançado em 2019.

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O título “menino de ouro angolano das finanças” foi-lhe atribuído pela publicação Africa Intelligence, após ter estabelecido a parceria com o xeque do Abu Dhabi, Hamad bin Khalifa bin Mohammed Al Nalyan.

(conteúdos retirados da Rúbrica “Radar África” do Jornal de Negócios de 28 de Julho de 2020).

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António José Ruivo Grilo (338/1978)

Oficial do exército. Agraciado com a Medalha da Defesa Nacional Francesa, grau ouro.

Condecoração pelo Estado Francês.

O 338/1978, Coronel de Artilharia António josé Ruivo Grilo, após um período de 3 anos em que desempenhou as funções de Subdirector do Colégio a que se seguiam 2 anos como Comandante do Regimento de Artilharia Antiaérea nº 1, em Queluz, esteve entre Julho de 2019 e Setembro de 2020 em comissão em Bangui (República Centro Africana) no Quadro da EUTM – European Training Mission como seu 2º Comandante, com a missão de aconselhamento, formação e treino de quadros e tropas.

Por ocasião da cerimónia de transferência do Comando da Missão, o 338/1978, pelo seu trabalho e dedicação reconhecido pelo Estado Francês, foi condecorado com a Medalha da Defesa Nacional Francesa, grau Ouro, concedida pelo Ministro da Defesa.

A medalha, que foi imposta pela Ministra Delegada para as Forças Armadas Francesas, foi criada em 1982 para condecorar militares franceses que se destacam ao serviço da defesa do país, especialmente em operações. Excepcionalmente a medalha pode ser concedida a militares estrangeiros que prestem relevantes serviços em prol da defesa nacional de França.

O António José Grilo encontra-se actualmente a fazer o Curso de Promoção a Oficial General.

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Marco Filipe Menezes Romero (122/2004)

Engenheiro Espacial

ção por uma equipa de cinco juízes de cinco países africanos (Angola incluída) que escolheram os jovens que “quebram os limites do céu e carimbam a pegada africana no espaço”.

O “Top 10 Under-30” é uma iniciativa da Space in Africa, empresa africana de consultoria e media focada em tecnologia espacial, tendo, no corrente ano, a inclusão e diversidade estado no centro da premiação, ao darem oportunidade para os jovens com menos de 30 anos.

Lançado em 2019, em comemoração do 50º aniversário da missão Apollo 11 à Lua, o prémio “Top 10 Under-30” reuniu engenheiros, cientistas, promotores de negócios, pesquisadores, defensores de políticas e académicos de África que contribuíram, não apenas para o desenvolvimento da indústria espacial do seu país, mas também para expandir o conhecimento no crescente sector espacial africano.

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Entre os dez melhores em concurso de jovens engenheiros espaciais entre 13 países africanos.

O Marco Romero foi eleito entre os dez melhores jovens, com menos de 30 anos, da indústria espacial africana, num concurso com mais de 100 inscrições e 31 nomeações exclusivas de 13 países africanos.

A selecção envolveu um meticuloso processo de verificação e classifica -

O organizador do Prémio, Temidayo Isaiah Oniosun, cientista espacial nigeriano fundador da Space in Africa, sublinha o facto de os juízes serem “profissionais respeitados em instituições públicas e privadas, com vasta experiência e conhecimento da indústria espacial africana”.

“Embora a indústria tenha muitos pioneiros importantes, nos últimos tempos a indústria espacial da África está a desfrutar de grandes contribuições de jovens inovadores, engenheiros, empresários, professores e entusiastas de outras partes da indústria”, destaca.

O Marco Romero é engenheiro Aeronáutico, certificado em “Lua do Sistema Solar” pela UK Open University e em “Mars Surviving Principles” pela Monash University da Malásia com uma certificação em GIS e Sensoriamento Remoto do TOPGIS do Centro de Competência da Universidade do Luxemburgo.

Participou na construção do primeiro Satélite Angolano, o Angosat-1, e desempenhou funções no Departamento de Gestão de Projectos do Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional (GGPEN). Apoiou o desenvolvimento de um Programa de Educação e Divulgação Espacial em Angola que se expandiu através de África através de vídeos e histórias em quadrinhos e Pico Satélites.

Expandiu a sua carreira para o Programa Espacial Angolano como especialista em Navegação Balística e Apoio a Operações de Satélite no Centro de Missão e Controlo da Funda.

Actualmente trabalha na Airbus Defense and Space e começou uma missão de observação no Vale Aeroespacial Francês trabalhando nos programas europeus NanoStar, UFO e Gallatea, no desenvolvimento de uma estratégia para implementar um ecossistema de espaço de notícias sustentável em países africanos, independentemente de seu estágio de desenvolvimento espacial.

É Especialista dos quadros do GGPENAngola, encontrando-se a fazer um mestrado na área espacial no Instituto Superior de Aeronáutica do Espaço (ISAE-SUPAERO), em Toulouse, França.

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Eduardo Manuel Palma e Santos Alves Carpinteiro (658/1974)

Médico Cirurgião Ortopedista

Aquiles bovino, com elevado grau de purificação, altamente poroso e com orientação ótima de fibras de colagénio tipo I. Estas caraterísticas estimulam uma resposta natural do organismo, de indução de um novo crescimento celular (regeneração) do tendão. O implante assim colocado é remodelado gradualmente ao longo dos seis meses seguintes, deixando uma camada de novo tecido semelhante ao tendão saudável, e aumentando, assim, a espessura do tendão remanescente. O tecido tendinoso recém-induzido compartilha a carga com o tendão nativo, o que reduz a tensão excessiva que é causa da degeneração.

O Regeneten constitui, assim, uma tecnologia única de regeneração de tecidos. “Até agora, a comunidade científica tem falado sempre em reparações. Neste caso, trata-se de um passo mais à frente, pois o objetivo é a regeneração, o que vai muito além da simples reparação. Nós, cirurgiões do ombro, tivemos a fortuna

de sermos pioneiros pois esta tecnologia tem a articulação do ombro como primeiro objeto de aplicação” , explica Eduardo Carpinteiro.

O Regeneten que se encontra disponível nos EUA, Canadá e Austrália, há cerca de cinco anos, já foi aplicado, com bons resultados suportados por estudos consistentes e com boa evidência clínica, em mais de 20 mil cirurgias. Só recentemente a certificação CE foi emitida para esta tecnologia pelo que só agora foi introduzida na Europa. Numa primeira fase, só é efetuada em países e cirurgiões selecionados, tendo sido escolhido em Portugal o Grupo de Cirurgia do Ombro e Cotovelo do Hospital da Luz, reflexo do reconhecimento internacional da experiência dos seus especialistas. “É uma grande oportunidade para o Hospital da Luz e para os doentes que a nós recorrem, pois podem a partir de agora beneficiar deste avanço científico” , salienta Eduardo Carpinteiro.

Médico Cirurgião Ortopedista realiza no Hospital da Luz a primeira regeneração tendinosa do ombro.

A técnica Regeneten foi usada pela primeira vez em Portugal pela equipa do ortopedista Eduardo Carpinteiro.

O Regeneten consiste na aplicação de um derivado de tendão de

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Os que nos deixaram

Agostinho de Souza Coutinho

(15/1934)

leiros. Conjuntamente com mais dois cavaleiros, também Antigos Alunos do Colégio Militar, Luis Falcão Mena e Silva (200/1912) e José Gil de Oliveira Beltrão (231/1916), conquistou a Medalha de Bronze, por equipes, nos Jogos Olímpicos de 1936, os últimos jogos realizados antes do início da 2ª Guerra Mundial. Agostinho de Souza Coutinho fez-se fotografar, nesse dia 2 de Março de 2020, junto ao painel da exposição dedicado a seu pai, foto que aqui reproduzimos. Segundo a

ONOSSO ADEUS AO 15 DE 1934. O 15 de 1934, D. Agostinho de Souza Coutinho, era figura assídua nas datas festivas do Colégio Militar e da Associação dos seus Antigos Alunos. Comparecia regularmente nos jantares anuais que a nossa Associação promove, em que se procede à distribuição anual dos Prémios Barretina. Sendo ele o Antigo Aluno de maior antiguidade presente nesses jantares, tinha, naturalmente e por direito próprio, lugar «reservado» na mesa da Presidência. O último jantar a que compareceu, foi o de 22 de Novembro de 2019. Neste jantar foi admitido, como membro honorário da nossa Associação, o Professor Adriano Moreira. Tive o privilégio de estar com os dois na mesma mesa e presenciar a interessantíssima conversa, que mantiveram durante o

jantar. O compartilhar da mesa com ambos, foi, para além de um privilégio, um prazer.

Também no passado dia 2 de Março de 2020, tinha tido o prazer de estar com Agostinho de Souza Coutinho, quando este compareceu no Colégio, para assistir à homenagem prestada ao Colégio pelo Comité Olímpico Internacional, devido ao papel que o Colégio tem desempenhado, ao longo dos anos, na formação de técnicos, de dirigentes e de atletas, que participaram nas várias edições dos Jogos Olímpicos da era moderna. O Colégio organizou então uma exposição relativa aos cinco cavaleiros medalhados nesses Jogos Olímpicos, que foram Alunos do Colégio Militar. Domingos António de Souza Coutinho (262/1906), pai de Agostinho de Souza Coutinho, foi um desses cinco cava -

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Engenheiro Civil Nasceu a 8 de Novembro de 1923 Faleceu a 26 de Agosto de 2020 D. Agostinho de Souza Coutinho (15/1934) junto da foto de seu pai. Os que nos Deixaram

Os que nos Deixaram

João Armando Soares Pereira de Aragão e Rio

Médico cirurgião

Nasceu a 26 de Dezembro de 1925

Faleceu a 30 de Março de 2020

(10/1937)

exposição patente no Colégio, seu pai, Domingos António de Souza Coutinho, foi Membro Honorário da Sociedade Hípica Portuguesa e Sócio de Mérito da Federação Equestre Portuguesa, distinções que lhe foram atribuídas pela sua notável carreira hípica, primeiro como cavaleiro e, mais tarde, como dirigente e como juiz em provas de hipismo internacionais. Vamos sentir a falta de Agostinho de Souza Coutinho nas nossas festas e nos nossos encontros. Vamos sentir a falta da sua simpatia e do sorriso no rosto, que o caracterizava.

Que descanse em paz!

Mário Pinto Rodrigues de Almeida

(161/1940)

Recebemos na ZacatraZ a notícia do falecimento deste nosso camarada, ocorrência que muito lamentamos. A todos os seus familiares as nossas mais sentidas condolências.

Que descanse em paz.

Como foi noticiado nos meios de comunicação social, o nosso camarada Coronel Mário Pinto Rodrigues de Almeida foi morto no decurso de um assalto, de que foi alvo a sua residência, em Cascais. A todos os seus familiares as nossas mais sentidas condolências por tão trágico acontecimento.

Que descanse em paz.

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O nosso “decano” D. Agostinho de Sousa Coutinho (15/1934) em conversa com o Professor Adriano Moreira. Coronel do Exército Faleceu a 9 de Setembro de 2020

Manuel Carlos Rodrigues Gutierres

(229/1944)

Nasceu a 28 de Março de 1934

Faleceu a 15 de Março de 2020

Amigo de sempre, Manuel Carlos 229/44

Só hoje recebi a notícia que efectivamente nos separou. Agora podes descansar da tua vida atribulada. Em 1944 entrámos os dois para o Colégio e em 1951 saímos para a vida real e voltámos a encontrar-nos na Escola do Exército onde nos formámos em Artilharia, após termos chumbado os dois o mesmo ano, o segundo da Arma. Mas em 1954 nos exercícios finais foste atacado por poliomielite, de que não conseguiste superar. Só nesse ano nos separámos com muita mágoa nossa. No entanto não desististe e formaste-te no curso de Farmácia, onde te dedicaste e licenciaste. Várias vezes durante a nossa vida nos encontrámos, cada um no seu ramo, mas sempre com a amizade cimentada no Colégio. Soube agora que nos deixaste, descansa em paz pois o mereceste. Um abraço meu e de todo o teu curso 1944/51.

Os que nos Deixaram

Luis Fernando Barahona Mira da Silva (16/1949)

OLuís entrou para o Colégio em 1949, para o 1º ano (desse tempo) e fez o curso directo, até ao 7º (idem), sem percalços. Completamente integrado no CM e no seu espírito, fez amizades para o resto da vida, amizades que só agora, de forma trágica, se concluíram. Amizades que lhe vieram do seu espírito franco, companheiro, de inabalável camaradagem e imenso sentido de amizade incondicional. Depois do Colégio foi para o Técnico, formou-se em Engenharia Civil, mas acabou por dedicar a maioria da sua vida às actividades agrícolas, predominantemente na terra que o viu nascer. Pelo meio a tropa, na Metrópole e em Angola, uma estadia de poucos anos no Brasil, mas sempre com regresso marcado para o Redondo. E espalhou boa disposição e amizades por todo o lado em que passou. Do livro de curso do Técnico consta, por alguém que descaradamente tentou copiar

G. Junqueiro, “O Luís, eu conheci-o /era alegre, risonho, reinadio, /sem preocupações. Tivesse uma Aventura para viver/ não havia ilusões, / era vê-lo a correr… /… e punha-se a mexer !

E ri e faz-nos rir este Luís, / esbracejando e contando aventuras / a maioria autênticas loucuras / que chega a não se crer no que nos diz “.

Não, não pensem que ele era um aldrabão, nada disso. O que era de facto era alegre, risonho, reinadio e divertidíssimo a contar histórias.

E um óptimo e grande Amigo.

Vai fazer-nos muita falta.

Para a Andrée e seus filhos o nosso sentimento de tristeza com um abraço amigo da malta do Colégio, do 7º ano de 1955-56.

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Algumas Palavras sobre o falecimento de Manuel Carlos Rodrigues Gutierres. Engenheiro Civil Nasceu a 23 de Julho de 1939 Faleceu a 5 de Agosto de 2020

Os que nos Deixaram

Ruy António de Menezes Fonseca e Silva (369/1949)

Morreu o Rui. Só por escrever estas palavras, sou atravessado por um arrepio.

Não foi só ele que partiu; levou consigo as intermináveis e sempre repetidas histórias que marcaram a nossa vida colegial e as que foram acontecendo ao longo das nossas vidas. Vidas que fomos partilhando desde os tempos colegiais até hoje, passados setenta anos. Depois do Colégio veio a Universidade (ambos nos formámos em Engenharia no IST) e depois as famílias, os filhos, os netos, que foram aparecendo e que, tal como nós, se fizeram amigos.

Passado o período mais intenso da vida profissional, vieram os tempos em que fomos mais avós do que pais, e também aí as nossas vidas seguiram juntas não só no refúgio que, a escassas centenas de metros, construímos em Azeitão, como nas reuniões e almoçaradas que fizemos mais tarde com alguns dos que connosco andaram no CM.

E que saudades desses almoços, das primeiras Quartas-Feiras no Celta , da lampreia organizada pelo Zé Barata Correia, das visitas ao Vitor em Santa Cruz, ou ao João Carlos em Praia d’el Rei.

O Gunga levou uma vida cheia e bem a mereceu.

Alegre, bom aluno, brincalhão, o «mais forte do curso» – título que lhe foi garantido depois de vencer o 4 num combate de murro e pontapé junto ao picadeiro – o Rui manteve todos esses atributos ao longo da vida, deixando um vazio imenso e um rol de amigos que sempre o recordarão com saudade.

Que repouse em paz.

António Fernandes Duarte Silva (59/1950)

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Eduardo Luis de Arriaga Pinto Basto

(318/1954)

Faleceu a 5 de Agosto de 2020

Recebemos na ZacatraZ a notícia do falecimento deste nosso camarada, ocorrência que muito lamentamos. A todos os seus familiares as nossas mais sentidas condolências.

Que descanse em paz.

NOTA BIOGRÁFICA:

Eduardo Luís de Arriaga Pinto Basto. Nasceu em Lisboa a 14 de Maio de 1944. Fez o curso dos liceus no Colégio Militar.

Nos anos de 1962 e 1963 frequentou a Universidade de Cambridge, em Inglaterra, tendo deixado os estudos para seguir uma vocação aeronáutica, alistando-se, como voluntário, na Força Aérea. A partir de 1968 fez parte dos quadros técnicos da TAP onde foi comandante de avião e instrutor. Retirou-se da actividade de voo em 1996 após uma carreira de 32 anos.

Os que nos Deixaram

Carlos António Durão Rosa Santos (22/1959)

Faleceu a 1 de Maio de 2020

Recebemos na ZacatraZ a

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Os

que nos Deixaram

Jorge Gonçalo Arnaut Monroy Vizela Cardoso (232/1980)

Oúltimo voo para o qual estamos escalados.

O comandante Jorge Gonçalo Arnaut Monroy Vizela Cardoso foi, lamentavelmente escalado recentemente para o seu último voo.

Gonçalo Cardoso, como era conhecido, foi um homem como poucos. Além de grande aviador, foi também um grande humanista e um homem com um coração imenso.

O Gonçalo ingressou a sua vida aeronáutica na Força Aérea Portuguesa em janeiro de 1992 na BA1/Sintra tendo sido brevetado a 1 de abril de 1993, dia caricato como dizia “até parecia mentira” . Nesse mesmo ano, foi colocado na BA3/Tancos onde iniciou formação em helicópteros Alouette-III na Esquadra 552.

Em 1994 depois de concluir a sua formação em Alouette-III, foi colocado na BA6/Montijo, onde frequentou com aproveitamento, o curso avançado de helicópteros “pesados” , em SA-330 “PUMA” . Nesta esquadra 751 sob o lema “PARA QUE OS OUTROS VIVAM” ,

Gonçalo conciliou os seus dois propósitos, voar e ajudar os outros, pondo muitas vezes a sua vida em risco de modo a levar o lema avante.

Em 1998 terminou a sua carreira militar coroada com êxitos e sucessos e passou a desempenhar funções de piloto de helicópteros civis ao serviço da companhia Hélisul, sendo que em 1999 mudou a rota da sua vida e ingressou na aviação comercial ao cargo da Sata Internacional no Boeing 737. Por razões conjunturais, em 2004, veio a ingressar nos quadros da família TAP, onde permaneceu até hoje como COMANDANTE “Line Training Capitain” de A-319/20/21 com mais de 15 mil horas voadas.

Para além de toda a sua carreia profissional de excelência, Gonçalo foi mais além. Não apenas pelo ar mas recentemente também por terra, a sua GRANDEZA, INTEGRIDADE, GENEROSIDADE e o seu HUMANISMO falavam mais alto. Gonçalo estava ligado a um projeto da UNICEF para a ajuda de crianças e, em 2018, quando ocorreram os incêndios em Monchique, fez questão de embarcar numa carrinha VolksWagen cheia de mantimentos que ele próprio angariou e partiu em auxílio de outros.

Chegando a Monchique, deparou-se com um senhor quase paraplégico,

arduamente a tentar reconstruir a sua casa. Ao deparar-se com este cenário dantesco, o Gonçalo propôs-se a ajudá-lo, de alma e coração. Tal como em todas outras a iniciativas em que participou, dedicou corpo e alma à causa, acabando por reconstruir a casa do senhor pela sua própria mão e garantindo que nada do que era essencial lhe faltava, dando assim uma forte esperança a este senhor.

Gonçalo era, na sua essência, luz e esperança. Foi, desde sempre, acompanhado pelo seu coração gigante onde todos cabíamos, pela sua vontade de ajudar e pela sua alegria contagiante. Tinha o poder de deixar em todos com quem se cruzava um pouco de si e do seu brilho e embarcou agora no seu voo com destino à eternidade.

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©Foto Leonel Tomaz

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