

Muitas linhas já se escreveram sobre o ensino no Colégio Militar. Nos tempos mais recentes, não se tem escrito de uma forma positiva, relativamente à questão da qualidade do ensino e ao consequente “ ranking “.
Acontece porém, que o “ranking “, não é suficientemente demonstrativo do projeto educativo do Colégio, porque não avalia um conjunto significativo de valências que existem na vida colegial.
Todos temos orgulho de ter cinco Presidentes da República, que foram Antigos
Alunos do nosso Colégio, mas para a sociedade de hoje e para nós próprios, isso não é suficiente. Relevante é o que acabou de acontecer. Tivemos o José Tribolet 230/59, que acabou de ser Jubilado no IST, como Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Informática, tendo-lhe sido reconhecida a iniciativa inovadora, que sempre o orientou na sua carreira docente.
Tive o privilégio de assistir à sua última aula e de lhe gritar um Zacatraz. Mas também tive o privilégio de ouvir os elogios que o Professor Arlindo Oliveira, o Professor Alan Oppenheim e a Professora Isabel Trancoso lhe fizeram.
Mas como o Colégio, não é só Passado Recente, mas também Presente, acabámos de ter o nosso mais recente antigo Comandante de Batalhão, o Martim Cunha (371/212) que embora não tivesse no seu curriculum escolar a cadeira de Biologia, candidatou- se às Olimpíadas da matéria. Qualificou-se e foi disputá-las à Bolívia. Ficou para grande orgulho nosso em terceiro lugar.
Viva o Colégio, que tantos bons filhos continua a dar à sociedade portuguesa.
Um Zacatraz a todos nós.
ASSEMBLEIA GERAL
Presidente
Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958)
Vice-Presidente João Paulo de Castro e Silva Bessa (200/1957)
1º Secretário António Luis Henriques de Faria Fernandes (454/1970)
2º Secretário Afonso Castelo dos Reis Lopez Scarpa (222/2000)
Presidente Filipe Soares Franco (62/1963)
Vice-Presidente José Francisco Machado Norton Brandão (400/1961)
Secretário Pedro Arantes Lopes de Mendonça (222/1958)
Tesoureiro Pedro Pinho Veloso (429/1986)
1º Vogal José Mário Fidalgo dos Santos (253/1951)
2º Vogal Manuel Agostinho de Castro Freire de Menezes (423/1955)
3º Vogal Marco António Martinho da Silva (456/1983)
4º Vogal João Luis de Mascarenhas e Silva Schoerder Coimbra (54/1984)
5º Vogal Luis Manuel Marques Cóias (190/1990)
1º Vogal Suplente Tiago Simões Baleizão (200/1987)
2º Vogal Suplente Eduardo de Melo Corvacho (343/2002)
3º Vogal Suplente Alikhan Navaz Nadat Ali Sultanali (306/2005)
Presidente António Santos Serra (95/1959)
1º Vogal Eugénio de Campos Ferreira Fernandes (180/1980)
2º Vogal Rui Manuel Gomes Correia dos Santos (225/1981)
1º Vogal Suplente Diogo Rodrigues da Cruz (504/1986)
2º Vogal Suplente Bruno Miguel Fernandes Pires (27/1995)
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL
Fundada em 1965 Nº 217 Outubro/Dezembro - 2019
FUNDADOR Carlos Vieira da Rocha (189/1929)
DIRECTOR
Nuno António Bravo Mira Vaz (277/1950) nunomira.vaz@aaacm.pt
CHEFE DE REDACÇÃO
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957) luisfbarbosa@aaacm.pt
REDACÇÃO
Pedro Manuel do Vale Garrido da Silva (53/1961) José Mário Fidalgo dos Santos (253/1951)
CAPA
Abertura Solene do Ano Lectivo Foto: Leonel Tomáz
ENTIDADE PROPRIETÁRIA E EDITOR
Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar
MORADA DO PROPRIETÁRIO e SEDE DA REDACÇÃO Quartel da Formação - Largo da Luz 1600-498 Lisboa Tel. 217 122 306/8 Fax. 217 122 307
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Os artigos publicados são da responsabilidade dos seus autores. Esta publicação não segue o novo acordo ortográfico.
OEstágio de Graduados para o presente ano lectivo realizou-se entre os dias 1 e 6 de Setembro de 2019, tendo sido abordadas temáticas diversificadas, de entre as quais se destacam “Resolução de conflitos em ambiente escolar” , “Técnicas e métodos de formação” e “Regulamento Interno” . A componente física não foi esquecida, tendo sido ministradas aos futuros Graduados formações no âmbito do treino físico geral e do treino físico de aplicação militar. A inserção deste tipo de formações visou sensibilizar os futuros Graduados para a importância da condição física geral na manutenção do bem-estar físico e psicológico, bem como para a necessidade de preservar os valores da camaradagem e do espírito de sacrifício. A Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar e a Associação de Pais e Encarregados de Educação do Colégio Militar, através dos seus presidentes, tiveram oportunidade de se apresentar aos futuros Graduados no decurso do Estágio.
A Cerimónia de Imposição de Graduações, presidida pelo Director do Colégio Militar, teve lugar nos Claustros no dia 6 de Setembro de 2019 e contou com a presença de toda a família colegial, em particular os familiares dos Alunos Graduados, a convite do Director do Colégio.
Às 14H45 do dia 11 de Outubro, nos velhos e saudosos claustros, sob um sol radioso, começaram a formar as Companhias de Alunos e a Escolta (apeada), enquanto os Alunos do 1º ciclo (escola primária) ocupavam posições na face Sul do piso superior. Uma vez completo, o Batalhão Colegial prestou honras militares à Entidade que presidiu à cerimónia, o Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, Tenente-General Rui Guerra Pereira.
Seguidamente, procedeu-se à integração do Estandarte Nacional na formatura. Com o Batalhão na posição de «apresentar armas», a Banda do Exército tocou o Hino Nacional, que foi cantado, com a habitual e irresistível emoção, por todos os presentes.
O passo seguinte da cerimónia consistiu na apresentação dos 100 novos Alunos do Batalhão Colegial, dos quais 44 oriundos do 1º ciclo do Colégio e 56 oriundos do exterior1. A marcha em formatura dos «ratas», sob o comando da Aluna três estrelas da 1ª Companhia, esteve naturalmente muito longe dos padrões típicos das formaturas colegiais, o que não admira, visto terem apenas um mês de Colégio e
actualmente as formaturas estarem reduzidas a um mínimo. O que se não compreende tão bem é a circunstância, já assinalada em anos anteriores, de alguns deles exibirem dolmans que lhes chegam quase aos joelhos. Em seguida, o «rata» de menor estatura, o nº 390, Martim Dinis Gaspar Lavrador San-
tos, conhecido na gíria por “Batalhãozinho”, foi entregar ao Comandante de Batalhão a réplica da espada de El-Rei D. Carlos, que foi Comandante Honorário do Batalhão Colegial. Recorde-se que esta espada foi oferecida ao Colégio pela Associação dos Antigos Alunos. Recebida a espada, o Comandante
de Batalhão deu ao “Batalhãozinho” um forte abraço, com o qual expressava publicamente a satisfação de todos os Alunos com a entrada dos «ratas» na comunidade colegial.
Seguiu-se a alocução do Comandante de Batalhão, Aluno nº220, Pedro Manuel Lopes Raposo no decurso da qual assinalou ser imperativo que não sejam cometidos erros que possam comprometer a integridade ou reputação do Colégio. “(...) Assim, quero pedir a todos vós, membros da família colegial que, antes de agir, ponderem bem as possíveis consequências dos vossos atos porque qualquer lapso individual será facilmente noticiado como pecado do grupo.
Cabe a todos nós fazer o que está ao nosso dispor para que os valores que esta casa tanto nos ensinou perdurem no tempo para as gerações futuras (…).” Dirigiu-se em seguida aos pais e encarregados de educação, para lhes pedir que participassem de forma activa em todo o seu percurso colegial. Aos professores lembrou que são “(…) uma pedra basilar na educação dos nossos alunos. Numa sociedade em que os rankings escolares têm bastante influência, o projeto educativo do
Colégio começa a ser posto em causa: peço-vos por isso que exijam esforço e empenho, não só dos vossos alunos, mas também de vos próprios (…). ” Aos oficiais que prestam serviço no Colégio recordou que “(…) a comunicação entre alunos e oficiais é imperativa para que o trabalho de todos nós corra da melhor forma. Estais ao serviço de uma instituição que tem à sua responsabilidade mais de 500 jovens dos 10 aos 19 anos de idade, não soldados prontos a ingressar nas fileiras para defender a sua Nação. (…) Peço-vos, por fim, que consigais manter a motivação certa por trás de todas as vossas decisões sem esquecer que a educação dos alunos deve ser sempre a vossa prioridade, não os caprichos dos seus pais (…).” Dirigiu-se depois aos novos «ratas», assegurando-lhes que “(…) é com enorme alegria que vos vejo hoje aqui formados com a nossa farda cor de pinhão. Sou inundado por um sentimento nostálgico com a lembrança do tempo em que ocupava o lugar onde estão hoje. Tal como vocês, não estava verdadeiramente consciente de tudo o que este Colégio representa nem dos valores que tem para nos transmitir. Mas passados sete longos anos, aqui estou, tanto eu como o resto do meu curso: Meninos da Luz
cientes daquilo que é o Colégio e dos valores que esta mesma farda cor de pinhão que envergamos representa: Lealdade, Respeito, Camaradagem (…). ”Por fim, exortou os camaradas do Batalhão Colegial a tomarem consciência de que “(…) nós, alunos, somos a verdadeira razão de ser desta Casa. O futuro do Colégio está nas nossas mãos e serão as nossas atitudes e decisões que o irão definir. Infelizmente, não têm sido as melhores e nós não temos correspondido ao que seria espectável. É desapontante saber que esta Casa dita de excelência não tem estado ao nível dos rankings, e é responsabilidade nossa mudar este panorama. (…) Todos os anos se fala em mudança de comportamentos. Isso é fácil. O difícil é realmente comprometermo-nos a tal. É esse o desafio que faço a todos vós, pois é o nosso dever retribuir a esta Casa um pouco daquilo que ela já tanto nos deu (…).”
Com o Comandante do Batalhão de volta ao seu lugar na formatura, o Tenente-General Rui Guerra Pereira, acompanhado por um reduzido grupo de individualidades, foi homenagear o Fundador do Colégio, Marechal Teixeira Rebelo, depositando uma
coroa de flores junto ao seu busto, no átrio principal do Colégio. A cerimónia foi acompanhada pela fanfarra, que executou em primeiro lugar o toque a silêncio, em seguida o toque de homenagem aos mortos e por fim o toque de alvorada – uma mensagem de esperança para o futuro. A cerimónia militar terminou com a saída do Batalhão Colegial pelo átrio principal para o tradicional desfile em continência perante o busto do Marechal Teixeira Rebelo.
No intervalo de tempo entre a cerimónia militar e a sessão solene no Ginásio, a ZacatraZ visitou o interessante e divertido conjunto de “cartoons” do artista alentejano Luís Afonso, no corredor que liga os claustros à Parada Marechal Teixeira Rebelo. Sob o lema Geocidadanias, a iniciativa da senhora professora Cesaltina Sousa insere-se num programa de âmbito nacional destinado a sensibilizar as comunidades escolares para as questões da sustentabilidade e da cidadania. Nos termos deste evento, os Alunos do Colégio são estimulados a criar os seus próprios “cartoons”, dos quais os mais conseguidos poderão ser premiados.
A cerimónia iniciou-se com o Hino do Colégio, expressivamente cantado por um pequeno grupo de Alunos do 1.º Ciclo e do Batalhão Colegial.
Seguiu-se a alocução do Director do Colégio, Coronel António Salgueiro, da qual se extraem os seguintes trechos:
“(…) Em rescaldo do ano letivo 2018/2019, finalizado por 696 Alunos, importa reter que a taxa de sucesso escolar foi de 100% no 1º ciclo, 97% no 2º ciclo, 98% no 3º ciclo e 97,5% no secundário. No quadro dos exames nacionais, os alunos do 9º ano obtiveram uma média de 67% no exame de Português (60%, foi a média nacional) e 76,6% na Matemática (55%, a média nacional); nos exames nacionais do secundário, registaram-se bons resultados e evolução na Geometria Descritiva, na Biologia e na Físico-Química, enquanto que
na Matemática, em particular, e no Português estivemos abaixo da média nacional, constituindo uma preocupação de urgente inversão. Para além destes dados académicos, importa relevar alguns resultados e meritórias participações de Alunos do CM:
– nas Olimpíadas de Biologia (entre 20.000 alunos de 655 escolas, participação nas finais nacionais dos Alunos 360 Cordeiro e 371 Cunha, (medalha de bronze para Portugal na Final Ibero-Americana, na Bolívia);
– nas Olimpíadas da Cultura Clássica, de Matemática, de Física e de Química e no Campeonato Português de Jogos Matemáticos;
– nas 24horas de Economia e na Cimeira das Democracias do Instituto de Estudos Políticos, na Universidade Católica;
– no International Ecological Film Festival BGreen, em que concorreram mais de 450 spots oriundos de 16 países e fomos finalistas na categoria júnior com Alunos
Um conjunto de Alunos premiados.
do Clube de Multimédia, nos Festivais da Canção e de Curtas Metragens do Colégio Militar;
– no Concurso Completo de Equitação (campeão e vice-campeão nacional junior, Alunos 10 Carvalho e 502 Calado), na LXIII Semana Equestre Militar com um brilhante 1º lugar no “Derby por equipas” e no V Interescolar de Equitação;
– na Esgrima (461 Onofre, medalha de bronze nos campeonatos mediterrânicos, em Cagliari – Itália, 2 Alunos nos campeonatos do mundo na Polónia, vários Alunos medalhados no circuito juvenil escolar e federado e presentes nos melhores lugares do ranking nacional, nos respetivos escalões);
– nas múltiplas apresentações das nossas requisitadas classes especiais de mesa alemã, gímnica feminina e mista de minitrampolins, incluindo o Festival Internacional de Ginástica de Burstadt, na Alemanha;
– no Curso de Verão para Instrumentistas de Cordas (na Ilha de San Simón, Vigo - Espanha), no epílogo de um ano de excelente trabalho da nossa Orquestra e Orfeão, cada vez mais reconhecidos;
– nas competições do Desporto Escolar, em modalidades individuais e coletivas, nomeadamente no Atletismo, Basquetebol, Equitação, Esgrima, Futsal, Judo, Natação e Voleibol.
Somos, de facto, uma Escola ímpar, em que a aposta na formação integral de cada um dos nossos jovens Alunos se autoavalia muito positivamente, com muito orgulho e satisfação, quando observamos estes resultados (…).”
E mais à frente:
“(…) Para este novo ano letivo, para 130 vagas, foram admitidos 116 novos Alunos, dos quais estão matriculados 110: 52 no 1º ciclo, 45 no 2º ciclo, 13 no 3º ciclo. Iniciámos o ano letivo com 729 Alunos matriculados, 190 no 1º ciclo e 539 no Batalhão Colegial.
Concretizando projetos anteriores, iniciou-se a construção de um novo Gimnodesportivo, concluímos a substituição de toda a cobertura do edifício do Corpo de Alunos e estamos prestes a iniciar a substituição da cobertura do edifício do Claustro. Em fase final de concurso, encontra-se a construção do novo edifício para ampliação da área do 1º ciclo.
Registe-se que o internato feminino continua lotado, sinal inequívoco de que se justifica a necessidade de, a curto prazo, promover a conclusão da construção da 2ª fase do edifício projetado (…).”
E finalmente:
”(…) O ensino não superior ministrado nos Estabelecimentos Militares de Ensino respeita, na íntegra, os princípios do Sistema Educativo Português, diferenciando-se pela disponibilidade de internato e por uma oferta formativa de matriz militar assente numa sólida educação moral,
intelectual e física, numa formação comportamental inspirada nas virtudes e qualidades militares e numa exigente disciplina em todas as atividades.
A qualidade desta diferenciação deve medir-se pela disponibilidade e condições do internato, pela apetência da comunidade educativa envolvida, pela procura gerada e, naturalmente, pelo sucesso escolar dos nossos Alunos, materializado no posicionamento nos rankings nacionais e no mérito do desempenho profissional dos nossos antigos alunos.
Acreditamos que o nosso Projeto Educativo é, de facto, diferenciador em si mesmo. Além das características já enunciadas, consubstancia uma oferta multidisciplinar e multifacetada, plena de opções curriculares bastante completas e atrativas, realizadas num espaço escolar a caminho da excelência. Importa, pois, concretizá-lo, exigindo de cada um de nós, militares e civis, docentes e discentes, Pais e Encarregados de Educação e Antigos Alunos, a máxima entrega e confiança no que realizamos (…).”
Seguidamente, perante um Ginásio completamente cheio, a Senhora Professora Anabela Teixeira proferiu a Lição Inaugural, subordinada ao tema «Património do Colégio Militar: espaços, objectos e práticas», começando por dar nota de que “(…) a importância do património do Colégio Militar é bastante mais abrangente, sobretudo se considerado no conjunto. Inclui edifícios, colecções e objectos cuja qualidade, quantidade, singularidade e coerência científicas e artísticas o projectam para um nível nacional e internacional (…) ” para depois dizer ao que vinha: “(…) Está no centro dos objectivos propostos para esta lição apresentar várias possibilidades de participação da comunidade colegial nas práticas da preservação e divulgação do património do Colégio Militar. Propõe-se, especialmente aos alunos, um exercí -
cio de cidadania e participação social que lhes permitirá conhecer melhor para melhor valorizar os espaços, colecções e objectos históricos (…).”
Concluída a Lição Inaugural, passou-se à entrega de prémios, medalhas e diplomas aos Alunos e Antigos Alunos. Na linha do comentário feito há um ano a respeito do elevado número de medalhados, ZacatraZ insiste na ideia de que a recompensa tem tanto maior significado quanto menor for o número dos distinguidos. Após a distribuição das medalhas, procedeu-se à distribuição de Diplomas e Cartas de Curso aos Alunos que frequentaram no ano lectivo transacto o 12º ano.
A encerrar a cerimónia foi cantado o Hino Nacional por toda a assistência.
Uma característica distintiva do Batalhão de Alunos do Colégio Militar é a sua farda «cor de pinhão», da qual os Alunos e Antigos Alunos tanto se orgulham.
Sendo a farda «cor de pinhão» um dos nossos traços identitários mais fortes, considerámos interessante divulgar um pouco da história dos uniformes do Colégio Militar, desde a sua fundação, assinalando, o como, o quando e o porquê, da adopção da farda «cor de pinhão» e a sua subsequente evolução.
O que se segue, tomou como base a «História do Colégio Militar», da autoria de José Alberto da Costa Matos (96/1950), onde a questão dos uniformes colegiais é tratada com grande desenvolvimento, rigor e pormenor, ocupando cerca de 70 páginas da sua valiosíssima obra. Outra obra consultada foi «300 anos de Uniformes Militares do Exército de Portugal 1660 – 1960», da autoria de Manuel A. Ribeiro Rodrigues.
Quando em 1802 se fundou o Colégio da Feitoria, na dependência do Regimento de Artilharia da Corte, os Alunos usavam a farda do próprio regimento, dado possuírem a qualidade de praças do mesmo, por aí
se encontrarem do antecedente alistados. Segundo o plano de uniformes do Exército então em vigor, estabelecido em 1764, no tempo do Conde de Lippe, a farda do Regimento de Artilharia da Corte era composta por uma casaca azul, com bandas azuis, com gola e canhões pretos, forro vermelho e com galões e botões brancos. A véstia (colete) era azul e os calções, que chegavam um pouco abaixo do joelho, pois eram usados juntamente com polainas, eram igualmente azuis.
Em 1806, sendo D. João o Príncipe Regente do Reino, foi decretado um novo plano de uniformes para o Exército. Os Alunos do Colégio da Feitoria continuaram a fardar como os militares do Regimento de Artilharia da Corte, ao qual continuavam a pertencer. A farda (designação então dada ao casaco do uniforme) era de pano azul ferrete, sem bandas, forro encarnado, guarnecida de vivos também encarnados, com dragonas do mesmo pano azul com vivos encarnados, tendo a parte da frente da farda um comprimento um pouco abaixo da linha da cintura, abotoando por 8 botões grandes, lisos, de metal amarelo. A gola da farda era VERDE, cor ainda hoje usada na gola da nossa farda. A pantalona (designação então dada às calças) era de pano azul ferrete, como o da farda.
Em 1814, o Colégio foi oficializado, por portaria de 7 de Janeiro desse ano, que lhe atribuiu estatutos provisórios e o transferiu para o sítio da Luz, para o edifício até aí usado como Hospital de Nossa Senhora dos Prazeres. Os Estatutos então aprovados descreviam da seguinte forma o fardamento de parada:
«Os colegiais usarão da farda do padrão de Infantaria, de pano azul ferrete, forrada, e avivada de encarnado, com gola de veludo VERDE e botões amarelos, pantalona azul ferrete no Inverno e de algodão branco no Verão, polainas de pano preto, com botões do mesmo, sapatos abotinados….».
O fardamento de parada incluía uma barretina, que era a barretina padrão de Infantaria. Note-se que a gola VERDE se mantinha, sendo a cor distintiva do Colégio (as cores das golas variavam de regimento para regimento, permitindo a sua identificação).
Para além do uniforme de parada, era também regulamentado um uniforme de polícia, que era o que bastante mais tarde se veio a designar, por uniforme de serviço interno. No que se segue focar-nos-emos essencialmente no fardamento de parada.
Em 1816, é publicado o «Alvará e Regulamento para o Real Collegio Militar», que, no que respeitava a fardamento, muito pouco alterava em relação ao disposto em 1814. Em 1814, as letras iniciais inscritas na barretina indicavam que D. João era Príncipe Regente. Em 1816, já indicavam o mesmo D.João como Rei, face ao recente falecimento de sua mãe, D. Maria I (ao tempo a corte ainda se encontrava no Brasil). O uniforme do regulamento de 1816
de 1834). A característica mais marcante do uniforme de Caçadores era então a sua cor CASTANHA. O plano de uniformes indicava «Farda curta, de pano cor de saragoça, com peitos pretos, assertoada pelo direito com duas ordens de oito botões,……., calça da cor da farda». O que na altura se chamava pano de saragoça, era um tecido grosso de lã, primitivamente fabricado em Espanha, na cidade de Saragoça. A farda de Caçadores tinha a gola de cor variável consoante as unidades,
manteve-se em vigor por mais de 20 anos, até 1837, atravessando o período das «Guerras Liberais» . Terminadas as «Guerras Liberais», com a assinatura da Convenção de Évora Monte e a ascensão ao trono da Rainha D. Maria II, em 1834, foi decidido estabelecer um novo plano de uniformes para o Exército. Três anos mais tarde, por Decreto de 23 de Maio de 1837, determinou a Rainha D. Maria II que «o uniforme actual dos alunos e empregados do Colégio Militar, seja substituído pelo de Caçadores». O uniforme de Caçadores estava na altura regulamentado pelo referido plano de uniformes (decreto de 25 de Outubro
mas no caso da farda dos Alunos do Colégio manteve-se a sua gola de cor VERDE, que já vinha do ano de 1814. A barretina de Caçadores era alta, de cor preta, à semelhança do peitilho e dos punhos da farda, e com um penacho VERDE, cor essa que ainda se mantém nos penachos de hoje.
Foi pois no longínquo ano de 1837, há quase dois séculos, que os Alunos do Colégio começaram a fardar de «cor de pinhão». A designação «cor de pinhão» não é uma invenção colegial, é a designação regulamentar, usada mais tarde, para caracterizar a cor da farda das tropas de Caçadores.
A adopção da farda de Caçadores foi na altura uma distinção extraordinária para o Colégio. Na realidade, o Rei D. Pedro IV, o “Rei Soldado” que era Coronel Honorário de Caçadores nº5, usava o uniforme de Caçadores em vida e, por sua vontade expressa, usou-a também na morte, na sua urna. Admite-se que a Rainha, sua filha, tenha honrado o Colégio com tal distinção, tendo em consideração o alto apreço e até amizade, que seu pai tinha por Agos-
tinho José Freire, Director do Colégio de 1834 a 1836 e pelo seu sucessor João José da Cunha Fidié, seus fieis companheiros durante as «Guerras Liberais». Quando a Rainha D. Maria II, acompanhada de seu marido, visitou o Colégio, em Maio de 1840, foi recebida pelos Alunos com os seus novos uniformes de Caçadores, o que a deixou muito bem impressionada. Em 1849, veio juntar-se ao novo uniforme uma peça de agasalho suplementar, um capote, facto a que não terá sido estranha a transferência do Colégio para as instalações, gélidas no Inverno, do convento de Mafra. O capote era de briche
(pano de lã grossa semelhante à saragoça) ou de pano, de cor da fardeta e calça, abotoado com botões pretos até à altura do joelho. Admitia-se que, para os Alunos mais novos, o capote se pudesse estender até, pouco mais ou menos, ao artelho e que para os mais velhos ficasse a meia altura entre os joelhos e os artelhos. Em 1851, dá-se uma reorganização do Colégio, prevendo-se então que os Alunos «terão uniforme especial». Com efeito, no
Em Abril de 1856, é adoptado pelo Exército um novo plano de uniformes, que, no seu artigo 12º, previa alterações aos uniformes do Colégio Militar, alterações essas que depois de várias considerações acabaram por não se concretizar. Da troca de correspondência então trocada, é de particular interesse um ofício, datado de 22/7/1856, do Director do Colégio, General Augusto Xavier Palmeirim, para o ministério da Guerra, em que este escreve «Os Alunos
Em 1866, o General Palmeirim propõe que seja aumentado o comprimento das fardas (que na parte da frente terminavam pouco abaixo da cintura), dado os Alunos estarem em fase de crescimento, fazendo com que as fardas lhes ficassem curtas, do que resultava «a maioria das vezes, para os alunos uma desagradável e até menos decente aparência militar, vendo-se-lhe, não raro, e ao mais leve movimento do tronco, aparecer a camisa entre o bordo inferior da farda
4 1849 - O primeiro capote usado em Mafra.
ano seguinte, em 1852, é decretado um novo plano de uniformes para o Colégio, no qual se indicava «Os Alunos terão farda de pano, com abas curtas como as dos Corpos de Caçadores do Exército…….as calças serão de pano igual em cor ao da farda». É de salientar, que desde 1834 as fardas de Caçadores tinham sofrido um conjunto de alterações, sendo a mais significativa a supressão do peitilho negro da farda e a sua substituição por um assertoado com duas filas de oito botões cada, de metal amarelo. Os punhos da farda continuavam a ser pretos. A barretina passou a ter uma configuração semelhante à da barretina usual, mas com vivos verdes e sem penacho.
usarão de sobrecasacas curtas, de cor de pinhão,…….». Já então se usava a designação «cor de pinhão»
Em 1861, o General Palmeirim, que estava então pela segunda vez à frente do Colégio, como seu Director, propôs algumas alterações ao uniforme, que foram aceites pelo ministro. Destacam-se das alterações introduzidas, as seguintes: substituição das barretinas em uso por kepis de pala horizontal, supressão das dragonas chamadas rolos e substituição das divisas nos canhões das fardas, correspondentes às graduações, por coroas de metal dourado, colocadas nos ombros, em cima de presilhas.
6 1861 - Uniforme, na
e o cós das calças». A proposta incluía ainda outros aspectos, entre eles a retoma do penacho verde na barretina.
As propostas do Director foram sancionadas pelo ministro da Guerra, Fontes Pereira de Melo, que determinou que a farda devia ser «De pano de cor de pinhão, folgada e sem estofo algum. Abas que abranjam toda a roda da cintura, tendo de comprimento um terço da distância desta à gola….». Surgiu assim o dólman comprido, como ainda hoje se usa. No que se referia às calças foi introduzida uma alteração curiosa. As calças eram «de pano igual ao da farda, no In-
verno, e de brim branco, no Verão». A barretina continuou avivada a verde, mas de novo com penacho verde. No que se refere ao fardamento de polícia (de serviço interno) foi determinado que o barrete fosse redondo com um vivo e com um círculo da cor do vivo a meio da copa. É deste feitio o barrete que ainda hoje se usa e já lá vão mais de 150 anos. As calças de cor branca foram de curta duração. Em 1869, o Director determinou a cessação do seu uso.
carnada no Asilo); seleccionou a barretina e o vistoso penacho do Asilo; manteve o negro das granadeiras e dos canhões do Colégio, em vez do encarnado do Asilo; e finalmente deu graciosidade ao conjunto utilizando os vivos encarnados….». Não se dispõe de qualquer exemplar do regulamento de uniformes de 1870, mas dispõe-se de um «Guia para os candidatos e para as famílias dos alunos do Colégio Militar», datado de 1871. Segundo esse guia, o vestuário dos
Em 1870, dá-se uma profunda reorganização do Colégio, sendo no mesmo integrado o Asilo dos Filhos dos Soldados, que tinha sido criado em Mafra em 1863 e que teve como seu primeiro comandante o Major António José da Cunha Salgado (103/1834), que o desenvolveu e lhe deu uniformes muito à imagem dos uniformes do Colégio. Fundidos os dois estabelecimentos, o novo uniforme adoptado para os Alunos tentou aproximar-se o mais possível dos anteriormente usados nos mesmos. Segundo Costa Matos «Manteve o castanho como cor geral, pois era comum a ambos os uniformes; adoptou o verde como cor da gola (era en-
alunos tinha as seguintes características:
- Farda – de pano ou de briche cor de pinhão, com gola verde, botões dourados, vivos encarnados e com rolos de lã preta servindo de dragonas.
- Calças – de tecido e cor idênticos ao da farda, com vivo encarnado metido na costura.
- Capote – de mescla preta, com gola guarnecida de pano verde e sem vivos encarnados (em 1872 foram introduzidos os vivos encarnados).
- Barretina – de feltro preta com penacho verde (em 1872 o pano da barretina passou a ser cor de pinhão, igual ao da farda).
O uniforme de 1870, com as alterações introduzidas em 1871 e 1872 tinha assim
grandes semelhanças com o uniforme actual. No uniforme de 1870 os canhões das mangas da farda e as platinas eram pretas, como era tradicional no uniforme das tropas de Caçadores, havendo testemunho de que só terão passado a ser da cor da farda (cor de pinhão) em 1906.
Em Janeiro de 1872 foi publicada em Ordem de Serviço uma descrição do fardamento com que os Alunos se deviam apresentar numa formatura geral, que continha alguns
pormenores interessantes. Indicava que os vivos encarnados existiam nas fardas e nas calças, indicava que o barrete de polícia (serviço interno) era de cor de pinhão, com vivos encarnados e com botão encarnado no centro da copa (igual ao actual), indicava que o capote tinha vivos vermelhos e guarnições da gola de pano verde (também igual ao actual) e pormenorizava que a barretina devia ter um laço de seda azul e branco (cores da Monarquia) seguro com botão dourado, coroa (coroa real e não a actual coroa mural) colocada entre o laço e as letras RCM. Como veremos, estes adereços da barretina foram alterados com a implantação da República.
Em 1882, foi introduzida uma nova norma. Os Alunos passaram a usar os seus números, em pano escarlate, nas platinas das fardas e dos capotes. Esta determinação foi de curta duração.
Em 1885, foi aprovado um novo plano de uniformes para o Exército, que tornou extensível a cor castanha (cor de pinhão) dos Caçadores aos dólmans da Infantaria. Foi uma alteração de pouca dura, como de imediato se verá.
no barrete de polícia, sendo as calças em mescla azul claro. Felizmente, este plano de uniformes não teve aceitação superior. Em Março de 1898, assume a Direcção do Colégio o carismático Coronel José Estevão de Morais Sarmento (44/1854), homem à frente da sua época, que revolucionou a vivência no Colégio. Seis meses mais tarde publica um plano de uniformes da sua iniciativa, que passou a ser, três anos mais tarde, o Apenso nº2 ao seu «Regulamento Interno do Real Colégio
anos passados, em 1906, resolveu introduzir algumas alterações no uniforme de serviço interno, tendo porém o cuidado de não alterar o «uniforme tradicional» do Colégio. A alteração introduzida no uniforme de serviço interno foi desastrosa, o jaleco do regulamento de 1901 foi substituído por uma espécie de «blusa», que mereceu o seguinte comentário a Costa Matos, «esta blusa mais se assemelhava a um bibe de crianças da instrução primária, conferindo
Em 1892, foi promulgado um novo plano de uniformes para o Exército, passando todas as fardas a ser da cor azul ferrete, deixando assim os Caçadores, com mágoa, de ter a sua característica farda “cor de pinhão”, que envergavam desde a sua fundação no nosso Exército, em 1808. A farda cor de pinhão ficou apenas a ser usada pelo Colégio Militar. Face à situação descrita, no ano seguinte, em 1893, o então Director do Colégio propôs um novo «Plano de uniformes para os Alunos e empregados civis do Real Colégio Militar», em que recuperava a cor azul usada pelo Colégio até 1837, a qual seria usada no dólman, na barretina e
Militar», de 1901. Este regulamento é, ainda hoje, uma peça admirável de pedagogia. Manteve no fundamental o plano de uniformes de 1870, com as modificações de 1871 e de 1872, introduzindo algumas alterações no uniforme de polícia (serviço interno), em que se passou a usar um jaleco de brim cru, passando o capote a ser de mescla preta, com duas abotoaduras paralelas de seis botões cada. O Aluno Comandante de Batalhão passou a usar no uniforme de passeio um vistoso kepi, que deixou de ser usado poucos anos depois, no final da Monarquia. Em meados de 1904, o Coronel Raposo Botelho sucedeu a Morais Sarmento e dois
aos colegiais um ar de asilados, pouco condizente com as características militares do Colégio». A situação era de tal ordem, que o director seguinte do Colégio pediu, em Setembro de 1910, autorização para alterar a blusa, autorização essa que lhe foi dada de imediato, passados apenas quatro dias. Em 5 de Outubro de 1910, dá-se a implantação da República. No dia imediato, é recebida no Colégio uma Circular da Secretaria da Guerra, do seguinte teor, «S. Exª o Ministro da Guerra encarrega-me de dizer a V. Exª que se digne dar as convenientes ordens para que os emblemas dos capacetes, barretinas e bonés usados pelas tropas do digno comando
de V. Exª continuem provisoriamente, conforme o modelo estabelecido, suprimindo-se-lhe porém desde já, o laço azul e branco, a coroa ou as iniciais correlativas». Foi assim que desapareceu da nossa barretina o laço azul e branco, que foi substituído pelo laço verde e vermelho, a coroa real, que foi substituída, 40 anos mais tarde, por uma coroa mural e as iniciais RCM, substituídas pelas iniciais CM. Em 1912 é aprovado um novo «Plano de Uniformes dos Alunos do Colégio Militar». A novidade mais significativa que tinha era a substituição da «blusa» de serviço interno por um casaco de cotim, abotoado do lado esquerdo do corpo por nove botões. Este casaco manteve-se até 1948, quando foi substituído por blusões, iguais aos adoptados pelo Exército na sequência da 2ª Guerra Mundial.
O grande uniforme de 1912 mantém-se praticamente intacto até aos nossos dias, ou seja, há mais de 100 anos, o que ilustra bem o peso da tradição no nosso Colégio. O Plano de 1912 não previu porém o calção de montar, peça importante no Colégio, em que a instrução de equitação é ministrada desde 1834. Para a instrução de equitação usaram-se sempre calções do mesmo tecido
das calças do uniforme de serviço interno, ou seja, de cotim. Em 1921, quando o Colégio foi condecorado com a Ordem da Torre Espada do Valor, Lealdade e Mérito, o Comandante de Batalhão e o seu Ajudante, que desfilaram montados a cavalo, envergavam calções de montar da cor do dólman. Quando o Colégio se apresentou montado a cavalo, em 1947, na cerimónia de entrega do bastão de Marechal ao Presidente da República, Óscar Carmona, usou dólman de pano “cor de pinhão” e calção de cotim. Em 1959, quando a Escolta a Cavalo fez a sua primeira apresentação pública, usaram-se, por iniciativa do Mestre de Equitação, calções de pano de “cor de pinhão” com vivos encarnados, idênticos aos actuais. A única coisa que terá variado é o talhe do calção. Dantes usavam-se os calções mais folgados, imitando a moda lançada pelo Rajá de Jodhpur quando visitou a Inglaterra, hoje usam-se os calções mais justos.
Na sua «História do Colégio Militar», de 2003, Costa Matos terminava o capítulo «Os Uniformes», da seguinte forma: «Talvez seja necessário voltar a regulamentar o uniforme em vigor, fazendo-o novamente com o rigor e minúcia com que se fazia há um século, não só porque isso é conveniente para quem o confecciona, necessário para quem o usa, mas também para quem tem a obrigação de fiscalizar o seu uso».
Esta asserção tem, hoje em dia, tanta ou mais actualidade, do que a que tinha quando escrita pelo seu autor, o que é pena. Como uma imagem vale mais do que mil palavras, apresentamos, como exemplo, a fotografia já publicada na ZacatraZ nº 214, do falecido Henrique Duarte Casquilho Barbosa (426/1933), impecavelmente fardado. Nunca será demais lutar pela dignificação da nossa farda «cor de pinhão». Aos que hoje a envergam, tem de ser transmitidos os sentimentos de honra e de responsabilidade que tal acto implica. É a herança que receberam dos «caçadores colegiais», que a envergaram com orgulho, durante quase dois séculos, de 1837 até hoje. É a herança que deverão transmitir aos que lhes sucederem.
No que se refere à evolução da barretina, recomendamos a leitura do artigo «A Barretina do Colégio Militar», da autoria do Dr. Pedro Soares Branco, publicado no nº 213, de Out/Dez. 2018, desta nossa revista. Nele se descreve de forma exaustiva a evolução da barretina até ao presente.
As figuras apresentadas são identicas às da “História do Colégio Militar” de Costa Matos, a quem agradecemos a sua cedência.
14 Uma farda exemplar.
1. Cerca de dois mil anos antes de Cristo (a.C.), os antepassados dos povos germânicos habitavam num território constituído pelo Sul da península da Escandinávia (Noruega e Suécia), pela actual Dinamarca e pelo Schleswig-Hölstein. A Sul (actuais Holanda, Bélgica, França e parte Oeste da Alemanha), as populações eram célticas, da cultura de Hallstatt, e para Leste (Alemanha Oriental, Polónia etc.) as populações eram eslavas e bálticas.
No séc. VI a.C., surgiram as primeiras indicações da expansão germânica para o território Celta a Oeste, ao longo da costa do Mar do Norte. Entretanto, no séc. V a.C., a cultura céltica de La Téne começou a substituir, na França e na Alemanha, a cultura de Hallstatt. No séc. IV a.C., a expansão germânica começou a expulsar tribos gaulesas dos seus territórios: os Parisi deslocaram-se parte para a bacia do Sena e parte para Inglaterra; os Brigantes deslocaram-se da Áustria (Bregentz) para o Norte da Inglaterra; os Boios deslocaram-se da Boémia (República Checa) para o Norte de Itália etc. Ao nosso território terão chegado alguns Brigantes a Trás-os-Montes (Bragança-Brigancia) e alguns Eburones que se terão instalado no Alentejo (Ebura).
No séc. I AD, o território do Norte da actual Polónia encontrava-se ocupado por vários povos provenientes da Escandinávia, com religião, cultura e língua semelhantes: os chamados povos germânicos do Leste. Os mais importantes eram os Godos ou Getas (Gépidas, Greutungs e Thervings), os Vândalos (que mais tarde se separaram em Asdingos e Silingos), os Burgúndios, os Rúgios, os Hérulos e os Skirri. Os Godos, que estavam estabelecidos no Sul da actual Suécia, a Norte dos Daneses e a Sul dos Suecos propriamente ditos, foram os últimos a emigrar, atravessando o mar Báltico para a região costeira entre o Oder e o Vístula.
A emigração, que terá ocorrido durante o séc. I AD, foi conflituosa, pois passou pela expulsão de outros povos germânicos, os Rúgios e os Vândalos, da região. A última vaga de Godos a chegar ao Vístula era constituída pela tribo dos Gépidas. A viagem dos Godos continuou e, no séc. III AD, estes encontravam-se instalados, grosso modo, nos territórios da actual Ucrânia (tribo dos Greutungs), da actual Roménia (tribo dos Thervings) e da actual Hungria (tribo dos Gépidas).
No Leste, os Greutungs entraram em contacto com os Alanos, indoeuropeus de raiz
iraniana que povoavam a região a Leste do rio Don. O contacto com os Alanos, hábeis cavaleiros das estepes, originou a formação de unidades de cavalaria entre os Greutungs. No início do séc. IV, os Greutungs dominavam uma vasta região na forma de uma faixa, que se estendia do Don até ao Báltico, entre o Oder e o Vístula. Alguns autores defendem que os estribos foram importados do Oriente pelos cavaleiros Greutungs que os transmitiram aos Bizantinos (Romanos do Oriente).
Na fronteira do Danúbio, os Thervings mantinham uma situação de guerra intermitente com Roma, sendo que, nos períodos de paz, recebiam subsídios financeiros e participavam como auxiliares no exército imperial. O imperador Constantino usou auxiliares Godos na guerra com a Pérsia. A partir de 250 AD, os Thervings aliados a outras tribos Germânicas lançaram ataques navais contra a Anatólia e a Grécia, percursores dos futuros ataques de pilhagem dos Vikings.
No séc. IV AD, o Cristianismo estava dividido em duas facções: os Trinitários, que seguiam as recomendações do Concílio de Niceia (325 AD) e os Arianos, seguidores do
bispo Ário, que não acreditavam na Trindade. Em 340 AD, o bispo Ariano bizantino Ulfilas começou a converter os Tervingues ao Cristianismo Ariano. Ao longo do século o Cristianismo Ariano propagou-se a muitas tribos Germânicas (Greutungos, Gépidas, Vândalos etc.).
A chegada dos Hunos nos finais do séc. IV, vindos do Oriente, desfez o delicado equilíbrio territorial destes povos. Sob pressão dos Hunos, os Alanos invadiram o território dos Greutungs e derrotaram-nos, tendo morto o seu rei Ermanarico em 370. Na sequência desta derrota, a tribo submeteu-se aos Hu¬nos e, posteriormente, veio a tornar-se conhecida pela tribo dos Ostrogodos (Godos do Leste). Os Gépidas (assim como os Rúgios, os Hérulos e os Skirri) também se tornaram vassalos dos Hunos.
Perante a pressão dos Hunos, os Alanos separaram-se em três grandes grupos: i) O primeiro grupo refugiou-se nas montanhas do Cáucaso, onde os seus descendentes são os actuais Ossetas (de Azes ou Ozes) da Geórgia; ii) O segundo grupo submeteu-se aos Hunos e tornou-se seu vassalo; iii) O terceiro grupo deslocou-se para Oeste,
para o centro da Europa de onde se repartiu entre a Gália e a Hispânia.
Entretanto, um grupo substancial de Greutungs juntou-se aos Thervings e procuraram, em vão, resistir aos Hunos, após o que, parte dos Thervings refugiou-se, com o seu rei Atanarico, nas montanhas dos Cárpatos, enquanto outro grupo, liderado pelos nobres Alavivo e Fritigern, pediu refúgio ao império Romano do Oriente, que os deixou atravessar o Danúbio (375), os desarmou e os concentrou em campos de refugiados (o Imperador Valente tencionava usá-los como auxiliares na guerra com a Pérsia).
Internados, sem condições de sobrevivência (fome), os Thervings rapidamente se rearmaram e revoltaram. Entretanto, um grupo de Greutungs liderados pelos nobres Alateus e Safrax, que tinham atravessado o Danúbio e forçado a entrada no Império, juntaram-se aos Thervings de Alavivo e Fritigern. Outros grupos de godos, nomeadamente os que estavam ao serviço do exército imperial do Oriente, juntaram-se aos anteriores e formaram um grupo étnico que veio, mais tarde, a ser conhecido por Visigodos (Godos do Oeste).
Em 378 AD, o Imperador Valente resolveu atacar um grande grupo de godos que se deslocavam com as famílias, em vagões, perto da cidade de Adrianópolis, situada a Oeste de Constantinopla. Os Thervings, liderados por Fritigern (Alavivo tinha morrido), dispuseram os vagões em círculo e, à frente, formaram uma linha com os seus guerreiros (infantes). O Imperador Valente dispôs o exército imperial numa linha paralela, com a infantaria no meio e a cavalaria nas alas.
Inesperadamente, mas muito oportunamente, a cavalaria de Alateus e Safrax surgiu de trás do círculo de vagões e atacou e desbaratou a cavalaria imperial na ala esquerda, enquanto a infantaria Therving investiu e esmagou a infantaria Romana, tendo morto o imperador Valente.
Na sequência da batalha, após um período de intenso conflito militar em que os Romanos não conseguiram uma vitória decisiva, o imperador Teodósio, sucessor de Valente, assinou em 382 AD um tratado de paz com os Visigodos, em que lhes concedeu terras na Ilíria em troca de colaboração militar. O tratado atribuía aos Visigodos autoridade completa sobre as terras, apenas com a obrigação de prestar apoio militar ao Império contra inimigos externos (foedus).
A Fritigern (Cristão Ariano), que faleceu em 380 AD, veio a suceder, mais tarde, o jovem Alarico (nasceu c. de 370 e faleceu em 410 AD). Em 395, Alarico, da nobre linhagem dos Baltos, foi eleito rei em assembleia dos nobres Thervings, como era costume entre os Godos.
2. Em 392 AD, o jovem imperador romano do Ocidente, Valentiniano II, foi assassinado pelo seu magister militum (mestre dos militares), o franco Arbogasto, que colocou no seu lugar um imperador pagão, Eugénio. Teodósio, o imperador romano do Oriente, Cristão fervoroso, não ficou satisfeito e preparou um exército para atacar o Ocidente. Em 394, os exércitos do Ocidente e do Oriente enfrentaram-se no vale do rio Frígido, perto de Aquileia (a Norte do mar Adriático). A batalha foi feroz e durou dois dias. Na primeira linha do exército do Oriente, 20.000 Visigodos comandados por Alarico contribuíram decisivamente, embora com enormes baixas, para a vitória de Teodósio, que eliminou Eugénio e Arbogasto e assumiu o império do Ocidente.
Em 395, o imperador Teodósio morreu e foi sucedido pelos seus filhos Arcádio, no Oriente, e Honório, no Ocidente. Alarico que, na sequência da batalha do rio Frígido, esperava ser nomeado pelo imperador magister militum do Oriente, ficou desapontado e, à frente do exército Visigodo, começou a saquear a Grécia (Atenas, Corinto, Argos, Esparta etc.) até que Arcádio o nomeou magister militum per Illyricum.
Figura 2 – A Hispânia em 418. Note-se que: i) os Vândalos Asdingos estavam a Norte dos Suevos; ii) a fronteira entre Suevos e Alanos era o Douro e não o Tejo; iii) a Leste, o reino dos Alanos acabava bem longe do mar Mediterrâneo: a costa era romana.
Em 401, provavelmente por sugestão de Arcádio, Alarico entrou em Itália onde foi detido pelo magister militum Estilicão, filho de pai Vândalo e protegido do imperador Teodósio, na batalha de Pollentia, no Piemonte, e na batalha de Verona, após o que retirou para a Ilíria, em 403.
Em 407, na sequência da invasão da Gália por Vândalos, Alanos e Suevos, Estilicão procurou o apoio de Alarico. O imperador Honório, ao saber de negociações entre os dois, mandou prender e executar Estilicão e incitou o massacre dos auxiliares militares godos incorporados no exército romano e das suas famílias. Os que escaparam (c. de 30.000) refugiaram-se junto de Alarico, estacionado na Ilíria.
Em Setembro de 408, Alarico, à frente de um poderoso exército, encontrava-se às portas de Roma, enquanto o imperador Honório se
encerrava na inexpugnável cidade de Ravena, no Adriático. Durante cerca de dois anos o exército de Alarico deambulou pela Itália, saqueou cidades e libertou 40.000 escravos godos. Em Agosto de 410, Alarico tomou Roma que saqueou “moderadamente” (poupou igrejas) durante três dias e onde aprisionou Gala Placídia, meia-irmã de Honório e de Arcádio. Após o saque, Alarico marchou para a Calábria onde começou os preparativos para invadir, com todo o seu povo, o Norte de África, mas morreu inesperadamente.
3. A Alarico sucedeu o seu cunhado Ataulfo que conduziu os Godos para o Sul da Gália, a pedido do imperador Honório, para bloquear os exércitos de dois autoproclamados imperadores, o britânico Constantino e o galo Jovino. Ataulfo ocupou parte da Narbonense e da Aquitânia (cf. Figura 2) e fez de Toulouse
a sua capital. Foi nesta altura que estes Godos começaram a ser designados por Visigodos.
Em 412, Ataulfo e Constâncio, o novo magister militum de Honório, já tinham batido os dois pretendentes Constantino e Jovino, este último aliado a um clã dissidente de Godos. O casamento de Ataulfo com Gala Placídia, em Janeiro de 414, colocou Visigodos e Romanos em rota de colisão. Por ordem de Honório, Constâncio organizou um poderoso exército que incluía forças germânicas do Reno (Francos e Alamanos) e expulsou os Godos da Gália para a Hispânia onde estes se refugiaram na província Tarraconense (Barcelona). Entretanto, o referido clã dissidente de Visigodos, descontente com Ataulfo, organizou o seu assassinato, em Agosto de 415, e colocou um nobre chamado Sigerico no seu lugar. Sigerico foi rei durante uma semana até ser assassinado por apoiantes de Vália, irmão de Ataulfo, que se tornou o novo rei dos Visigodos.
O reinado de Vália (415 a 418) foi marcado pela reconciliação com os Romanos: devolveu-lhes Gala Placídia, que se casou com Constâncio. Foi celebrado um tratado que concedeu, aos Visigodos, a Aquitânia que, juntamente com a Narbonense, passou a constituir o reino federado dos Visigodos com a capital em Toulouse. Foi a pedido dos Romanos que, em 416, Vália lançou uma campanha na Hispânia em que destroçou os exércitos dos Alanos, que ocupavam a Lusitânia, e dos Vândalos Silingos, que ocupavam a Bética: o rei Ataces dos Alanos foi morto em combate e o rei Fridibaldo dos Silingos foi capturado e enviado para Roma. Temendo que os Visigodos esmagassem os Suevos (instalados entre o Douro e o Minho) e os Vândalos Asdingos (instalados na Galiza) e se apoderassem de toda a Hispânia, Constâncio persuadiu os Visigodos a interromper a campanha e a voltar à Gália onde formalizou o reino Visigodo na Aquitânia e parte da Narbonense, com capital em Tolosa (Toulouse). O rei Vália morreu em 418 e sucedeu-lhe Teodorico, filho natural de Alarico, que reinou até 451.
Em 419, os Asdingos deslocaram-se da Galiza para a Bética onde absorveram os Alanos e os Silingos que se submeteram ao rei Gunderico o qual passou a intitular-se rei dos Vândalos e dos Alanos. No caminho, os Asdingos devastaram o reino Suevo (saquearam Braga) que sobreviveu com a ajuda dos Romanos e se expandiu para a Galiza desocupada pelos Asdingos.
4. Teodorico, eleito rei dos Visigodos após a morte de Vália em 418, teve um longo reinado que terminou com a sua morte em batalha em 451. Teodorico teve o início do seu reinado ocupado com a contenção dos Vândalos e Alanos na Bética, até que, em 429, a convite do governador romano do Norte de África, o conde Bonifácio, sob a direcção do novo rei Genserico, irmão e sucessor de Gunderico (falecido em 428), aqueles emigraram para o Norte de África, onde estabeleceram um reino, com capital em Cartago, na Tunísia, que durou cerca de um século.
Em 421 morreu o magíster militum Constâncio e em 423 morreu o imperador Honório deixando Roma em clima de guerra civil para discutir a sucessão. Em 425, Valentiniano III, filho de Constâncio e de Gala Placídia e sobrinho de Honório, foi nomeado imperador do Ocidente com o apoio do imperador do Oriente. Teodorico deu o importante apoio dos Visigodos à sucessão e à regência de Gala, dado que Valentiniano tinha apenas cinco anos.
Os anos seguintes são passados em conflito com os Romanos (426 e 430), com os Francos (435), com os Romanos aliados aos Hunos (438-439) e com os Romanos aliados aos Suevos (446). Em 449, Teodorico faz as pazes com os Suevos, casando uma filha com o rei Requiário (448-456). Após o casamento, tropas suevas e visigodas tomaram Ilerda (Lérida) e devastaram as cercanias de Caesaraugusta (Saragoça) na província Tarraconense, zona de influência romana.
O relacionamento de Teodorico com o magister millitum romano Flávio Aécio nunca foi bom. Aécio tinha um bom relacionamento
com os Hunos, que usava frequentemente como mercenários, e liderou-os num terrível massacre dos Burgúndios (436) que inspirou a epopeia germânica “Niebelungenlied”. Em (438 e 439) um exército romano-huno invadiu o reino dos Visigodos e foi repelido a muito custo por Teodorico. Em 451, comandado por Átila, um poderoso exército de Hunos e seus vassalos (Alanos do Leste, Ostrogodos, Gépidas, Rúgios, Hérulos, Turíngios, Skirri, Burgúndios do Leste, Francos Ripuários etc.) invadiu a Gália e pôs cerco a Aurelianus (Orleães), que era defendida pelos Alanos da Gália liderados pelo seu rei Sangiban. O magister millitum Aécio acorreu rapidamente com um pequeno número de tropas e tentou mobilizar uma frente local contra o exército de Átila. Após intensas negociações, intermediadas pelo senador Avito, amigo de Teodorico, este decidiu juntar-se a Alanos da Gália, Francos Sálios, Burgúndios da Sapáudia (Sabóia), Saxões, Bretões etc. Quando o exército imperial se aproximou de Orleães, o exército de Átila levantou o cerco e deslocou-se para Leste, para os “Campos Cataláunicos”, perto de Troyes, onde se preparou para receber os imperiais. Na formação de batalha, os Visigodos, sob Teodorico e seu filho mais velho Torismundo, ocuparam a ala direita, os Alanos, sob Sangiban, ocuparam o centro e os restantes aliados, sob Aécio, ocuparam a ala esquerda. Na linha dos Hunos, os Ostrogodos, sob os irmãos Valamir, Thiudimer e Vidimer, enfrentaram os Visigodos, os Hunos e os Alanos de Leste, sob Andag, ocuparam o centro e os restantes aliados, Gépidas, sob Ardaric, etc., enfrentaram a ala esquerda imperial.
Apesar da morte do rei Teodorico no início do confronto, os Visigodos resolveram a batalha. Conduzidos por Torismundo, conseguiram bater os Ostrogodos e inflectiram para a esquerda, para o centro, onde os Hunos e os Alanos de Andag, que estavam a pressionar os Alanos de Sangiban, foram obrigados a retirar, no que foram acompanhados pela sua ala direita (Gépidas etc.). As forças de Átila refugiaram-se no círculo de vagões que transportavam as bagagens e foram cercadas
pelos imperiais que, no entanto, não aproveitaram a ocasião para as liquidar.
Manifestando o habitual cinismo político romano, Aécio convenceu Torismundo a retirar com os Visigodos para Tolosa, para consolidar a sucessão ao trono do pai, e também o rei franco Merovech a retirar para as suas terras. Aécio temia que ao destruir os Hunos, os Visigodos ficassem com demasiado poder no Império. De qualquer modo, o resultado da batalha foi estruturante para a Europa: se Átila a tivesse ganho, a Europa de hoje seria concerteza diferente.
5. Torismundo sucedeu a seu pai Teodorico em 451 e herdou o antagonismo deste com Aécio. Após Torismundo tentar tomar Arles aos romanos, Aécio começou a conspirar com Teodorico (II) e Frederico, irmãos mais novos de Torismundo, e induziu-os a assassiná-lo, o que veio a acontecer em 453. O novo rei Teodorico II adoptou uma política pró-romana e começou por ajudar a dominar as revoltas de camponeses (bagaudas) em curso na Tarraconense (453454). Entretanto, o imperador Valentiniano III mandou assassinar Flávio Aécio (454) e foi assassinado (455) por dois oficiais fiéis a Aécio.
Em 455, o Senado Romano elegeu o senador Petrónio Máximo como novo imperador. Petrónio não resistiu ao saque de Roma pelos Vândalos de Genserico (foi morto pela população de Roma) e Teodorico II aproveitou a anarquia reinante para entrar em Roma com o exército Visigodo e obrigar o Senado a eleger, como imperador, o senador Avito, amigo do pai Teodorico e dos Visigodos. Ainda em 455, o imperador Avito nomeou como magister militum utrusque o Suevo Requimer (405 a 472), filho do rei Suevo Réquila e de uma filha do rei Visigodo Vália, portanto, irmão do rei Requiário (448-456). Requimer, que tinha feito carreira no exército Romano, tal como muitos outros bárbaros germânicos, e era próximo de Aécio, veio a ser o “imperador sombra”, nomeando e assassinando imperadores de acordo com as suas conveniências até à sua morte em 472.
6. Após a morte do imperador Valentiniano III, em 455, o Senado Romano elegeu o senador Petrónio Máximo como novo imperador. Petrónio não resistiu ao saque de Roma pelos Vândalos de Genserico (foi morto pela população de Roma) e Teodorico II aproveitou a anarquia reinante para entrar em Roma com o exército Visigodo e obrigar o Senado a eleger, como imperador, o senador Avito, amigo de seu pai Teodorico e, em geral, dos Visigodos.
Na Hispânia, os Suevos, baseados na Galécia, dominavam a Lusitânia e a Bética e invadiam as províncias ainda romanas da Cartaginense e da Tarraconense em incursões de pilhagem. Assim o fez Requiário, em 456, levando os Hispano-romanos a pedir a ajuda de Teodorico II. Este rapidamente atravessou os Pirinéus com o exército Visigodo e um contingente Burgúndio, liderado pelo rei Gundioc (os burgúndios eram, na altura, federados), e enfrentou e derrotou o exército de Requiário junto ao rio Orbigo, perto de Astorga. Requiário, em fuga, foi perseguido até ao Porto, preso e executado pelo seu cunhado Teodorico II, que instalou, no governo do reino, Agiulfo, chefe de um clã Suevo que lhe era favorável.
Sem anexar o reino Suevo, Teodorico II, reduziu-o geograficamente à Lusitânia, a Norte do Tejo, e à Galécia. A hesitação na anexação do reino Suevo, que só foi concretizada em 585, poderá ter sido causada pela deposição do imperador Avito e pela sua substituição pelo imperador Majoriano, promovidas pelo novo magíster militum utrusque, o Suevo Requimer. De volta a Tolosa, Teodorico não reconheceu Majoriano, que retaliou e reconquistou Arles aos Visigodos e obrigou-os a um tratado de paz desfavorável. Apesar de tudo, Teodorico conseguiu consolidar a presença Visigoda no Sul da Gália e definir o rio Loire como fronteira com os Francos.
7. Em 466, Teodorico foi assassinado pelo seu irmão mais novo Eurico. Eurico, que reinou de 466 a 484, e é mais conhecido pela compilação legislativa Codex Euricianus, foi responsável pela ocupação da Hispânia não
Sueva. Paulatinamente, os Visigodos foram guarnecendo as praças das grandes cidades da Tarraconense, da Cartaginense, da Bética e do Sul da Lusitânia. Quando morreu, de morte natural, Eurico deixou o reino mais poderoso da Europa Ocidental, que juntava o Sul da Gália à Hispânia não Sueva nem Basca.
Alarico II, que sucedeu a seu irmão, reinou de 484 a 507 e teve que enfrentar, sem sucesso, a expansão dos Francos a Norte. O Franco Clóvis (Clodewech-Ludwig-Louis), que foi eleito rei dos Francos Sálios em 481, esmagou os Alamanos em 497, na batalha de Tolbiac, e começou a cobiçar o Sul da Gália Visigótico. Em 507, o rei Clóvis à frente do exército dos Francos e do exército dos Burgúndios atravessou o rio Loire. Em Maio, perto de Poitiers, nos Campi Vogladensi (Vouillé), deu-se uma grande batalha em que o exército Visigodo foi esmagado e o rei Alarico II foi morto. Seguiu-se a conquista total do Sul da Gália, com excepção da Septimânia, uma pequena faixa mediterrânica junto à Hispânia.
Sucedeu a Alarico II, seu filho bastardo Gesaleico (Gaisalaiks) que reinou entre 507 e 510 e procurou parar a investida dos Francos e mudou a corte, primeiro para Narbonne (na Septimânia) e depois para Barcino (Barcelona). Alarico tinha um filho legítimo, Amalarico, neto do rei Ostrogodo de Itália, Teodorico o Grande, que contribuiu para conter a expansão dos Francos. Em 510, Teodorico enviou um exército Ostrogodo para a Hispânia e derrotou Gesaleico que se refugiou junto dos Vândalos no Norte de África. Os Ostrogodos impuseram o jovem Amalarico, com nove anos, como rei aos Visigodos. Amalarico governou entre 511 e 536, sendo que, até 526, foi tutelado pelo seu avô Teodorico o Grande. O apoio da potência Ostrogoda ajudou o reino Visigodo a consolidar a sua presença na Hispânia e a conter as ambições dos Francos.
8. Após a morte de Átila, as tribos germânicas dominadas pelos Hunos revoltaram-se. Em 454 deu-se uma feroz batalha na Panó-
nia (província romana que abrangia a actual Hungria) em que os germânicos, liderados pelo rei Ardarico dos Gépidas, esmagaram os Hunos e mataram Ellac, o filho e herdeiro de Átila. Nesse mesmo ano, nasceu Teodorico, filho do rei Ostrogodo Teodemiro. Na sequência de um acordo entre Teodemiro e o imperador do Oriente Leo I, os Ostrogodos estabeleceram-se na Panónia como federados (foederati) e entregaram Teodorico como refém. Dos 10 aos 18 anos, Teodorico recebeu um tratamento e uma educação privilegiada na corte de Constantinopla sob a protecção do imperador Leo I e, posteriormente, do imperador Zenão.
Em 475, Teodorico foi eleito rei dos Ostrogodos, em 483 foi nomeado, por Zenão, magister militum do Oriente e em 484 foi nomeado cônsul Romano. Na sequência do fim do império do Ocidente e do seu governo pelo rei germânico Odoacro (ex-militar romano), o imperador Zenão ordenou a Teodorico que tomasse conta da Itália, que este invadiu, em 489, com 250.000 Ostrogodos. Teodorico derrubou Odoacro com dificuldade e tornou-se, em 493, rei de Itália que governou excelentemente até à sua morte em 526.
9. Em 510 AD, Teodorico o Grande enviou um exército Ostrogodo para a Hispânia, liderado pelo nobre Têudis, para proteger os Visigodos das investidas dos Francos e instalar o seu neto Amalarico no trono (511 a 531). Teodorico ficou regente do reino Visigodo até à sua morte em 526, altura em que Amalarico assumiu o governo pleno do reino Visigodo.
Casado com Clotilde, irmã do rei Clóvis, Amalarico maltratava-a a ponto de a colocar à beira da morte e provocar uma invasão do exército Franco sob o comando de Childeberto I. Os Francos derrotaram os Visigodos em Narbonne e apossaram-se da rainha Clotilde. Em 531, Amalarico foi assassinado numa igreja em Barcelona e a nobreza Visigoda elegeu o nobre Ostrogodo Têudis para seu rei (531 a 548).
Durante o seu reinado, Têudis esforçou-se por conciliar o Cristianismo Ariano dos Visigodos com o Cristianismo Trinitário da população da Hispânia. Em 531, mudou a corte de Barcelona para Mérida. Em 541, teve que enfrentar os Francos, que invadiram a Hispânia, assolaram o vale do Ebro e puseram cerco a Saragoça. O cerco foi levantado e os Francos repelidos pelo exército Visigodo sob o comando do duque Teudiselo que veio a suceder a Têudis quando este foi assassinado em 548.
10. O Ostrogodo Teudiselo (548 e 549) foi assassinado em 549 por uma facção que promoveu a ascensão ao poder do nobre Visigodo Agila (549 a 554) que substituiu o poder “tolerante” dos Ostrogodos pelo poder “menos tolerante” dos Visigodos. Entretanto, o nobre Visigodo Atanagildo, partidário da linha “tolerante”, liderou uma revolta baseada nas províncias do Sul (Bética). Perante um certo impasse na guerra civil resultante, Atanagildo pediu ajuda aos Bizantinos que, estabelecidos no Norte de África, enviaram um exército para a Hispânia comandado pelo magíster militum Libério (552). Com o apoio dos Bizantinos, Atanagildo conseguiu enfraquecer Agila que, refugiado em Mérida, acabou por ser assassinado pelos seus partidários, que apoiaram a eleição de Atanagildo como novo rei dos Visigodos.
Atanagildo (554 a 567), que deslocou a corte para Toledo (554), cedo percebeu que o preço a pagar pela ajuda dos Bizantinos ia ser muito elevado. Com efeito, o imperador do Oriente Justiniano (527 a 565) pretendia reconstituir o império Romano do Ocidente, reconquistou o Norte de África aos Vândalos (533), a Itália aos Ostrogodos (535 a 554) e aproveitou a sua intervenção na Hispânia (552) para se apropriar de um território que ia do Algarve a Valência, com capital em Cartagena, que designou por Spania.
Quando Atanagildo faleceu (567), devido a causas naturais, os Visigodos elegeram como rei Liuva (567 a 572), que associou ao trono o seu irmão Leovigildo (568 a 586). Liuva, em
Narbonne, governava a Septimânia, que defendeu de diversos ataques dos Francos, enquanto Leovigildo, em Toledo, era responsável pela Hispânia. Leovigildo conquistou Córdova (572) aos Bizantinos e reduziu a Spania a uma faixa costeira (ver Figura) que veio a ser totalmente conquistada em 625, no reinado de Suintila (621 a 631).
Com base no antigo código de Eurico, Leovigildo fez publicar um código civil que contemplava toda a população da Hispânia, acabando com a proibição de casamentos mistos (entre godos e não godos) etc. Também promoveu a construção da cidade real de Recópolis (desaparecida) a Leste de Toledo (ver Figura).
Leovigildo tinha dois filhos, Hermenegildo e Recaredo, e entregou a Hermenegildo o governo da Bética. Entretanto Hermenegildo converteu-se ao Cristianismo Trinitário e entrou em conflito com o pai, que era Cristão Ariano. Aliado ao rei Suevo Miro, também Cristão Trinitário, Hermenegildo foi derrotado e aprisionado pelo pai numa batalha onde o rei Suevo foi morto. Hermenegildo foi posteriormente morto na prisão e o reino Suevo, até aí independente, foi anexado (585) pelos Visigodos.
O reino Visigodo atingiu, em 585 (ver Figura), uma configuração geográfica próxima daquela que os Mouros encontraram quando invadiram a Hispânia em 711. Derrotado o rei Rodrigo nas margens do Guadalete, os muçulmanos tomaram rapidamente conta da Hispânia. No entanto, um pequeno núcleo de guerreiros Visigodos liderados por Pelágio, primo do rei Rodrigo, resistiu nas serranias das Astúrias. Desse núcleo de guerreiros, veio a nascer o reino das Astúrias, depois Leão. Podemos considerar o reino das Astúrias como descendente do reino Visigodo e, com mais generalidade, podemos ver as raízes de Portugal no antigo reino Suevo.
A Viagem do Allegro
A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
Depois de quebrarmos a espectativa da mítica passagem do canal do Panamá e começarmos a navegar finalmente no Oceano Pacífico, a cidade do Panamá seria o nosso próximo porto de abrigo, ficando amarrados na marina do Flamengo. As marinas são sempre para nós uma incógnita, pois para quem chega do mar, depois de uns dias de viagem, espera encontrar nestes locais, instalações seguras para o barco e que
disponibilizem na sua envolvente, serviços de apoio que permitam preparar o veleiro e também a sua tripulação para a “perna” seguinte. Felizmente que o “Flamengo” tinha tudo isto, para além de uma variedade de restaurantes e bares de ótima qualidade, todos com “IF”. Infelizmente poucas são as marinas que têm instalada uma rede deste moderno bem essencial, por forma a que, as tripulações sem saírem das suas embar-
cações, possam trabalhar no PC, com acesso direto à “internet”
No fim do dia, depois de terminada a faina do barco, a Teresa Gago e eu relaxávamos numa sossegada esplanada, saboreando uma refrescante e apetitosa sangria “flamenga”, aproveitando o “Free IF” do bar para atualizar o nosso correio eletrónico. Fazendo quartel general na marina, iniciá-
mos a visita à cidade do Panamá, capital do país com o mesmo nome, banhada pelo Oceano Pacífico, sendo um dos maiores e mais importantes centros urbanos da América Latina. O canal do Panamá e o turismo são as principais fontes de riqueza da cidade e do próprio país. Fundada pelos espanhóis, pelo explorador Pedro Aries Dávila, em 1519, e segundo informações que obtivemos no Gabinete de Turismo, foi um grande interposto comercial nas rotas do ouro e da prata, que os espanhóis mantiveram durante a ocupação colonial em territórios da América do Sul.
A cidade divide-se em duas zonas completamente distintas ― a cidade velha e a nova. Este nítido contraste deve-se ao facto de na
tino, esta situação de ruína é hoje a principal atração turística da “Velha Cidade”.
Em relação à cidade nova, verifica-se que é um conjunto urbanístico moderno com ruas bem traçadas e prédios altíssimos habilmente lançados. Como temos verificado noutras terras do Caribe e também da América Latina, as infraestruturas urbanas de eletricidade e comunicações não são construídas em condutas subterrâneas, mas sim por linhas aéreas, formando uma teia infinita de cabos e caixas, ligados a outros tantos postes. Este sistema desfeia consideravelmente qualquer cidade, por mais bonita que ela seja. Um local a não perder é a visita a um miradouro, que para além de ser um ponto historicamente importante para o país, tem
reboliço frenético dos grandes centros turísticos que, atualmente, são escolhidos por uma grande percentagem de pessoas, como destino preferencial das suas “merecidas” férias. Tudo isto aliado a uma beleza natural fora do comum.
Com rumo da agulha 120º, vento fraco por través e amurados a estibordo, (vento a entrar por estibordo do barco), envergámos o “genaker”, (vela para ser lançada à proa, bastante ensacada e construída de tecido muito fino) que nos ajudou, com o pouco vento que soprava, a velejar comodamente até ao nosso destino.
Passámos primeiramente pelas ilhas de Pachequilla e Pacheca, deixando-as por
“Velha Cidade” ter-se registado um grande terramoto que a destruiu quase por completo e mais tarde, por um ato de pirataria, um enorme incêndio devorou grande parte do que restava do seu casario. Apesar do esforço já feito para a sua reconstrução, aquando da nossa visita, verificámos que existem ainda fortes sinais destas duas catástrofes, mas a cidade evidencia, sem réstia de dúvida, uma traça arquitetónica com fortes origens espanholas. Por ironia e, talvez, força do des-
uma vista soberba, simultaneamente para as duas cidades e para o canal. Estivemos cerca de quatro dias no Panamá, sendo as últimas horas destinadas a preparar e abastecer o barco para a curta viagem até ao Arquipélago de Las Perlas, situado a poucas milhas a S.W. da cidade do Panamá. São ilhas que hasteiam a bandeira panamiana e para já com pouquíssima oferta turística, o que contribui para uma excelente e repousante estadia, em contraste com o
estibordo, para finalmente chegar a Mogo-Mogo, depois de navegarmos 42 milhas náuticas (N/M), em oito horas, o que corresponde a uma repousante média de 5.25 milhas por hora (M/H). Já sabíamos que não existia nenhuma marina por estas paradisíacas paragens – é só paisagem, é tudo beleza – por isso ficámos ao ferro entre Mogo- Mogo e Chapera. Com água a rondar os 30º, o banho de mar era o programa forte da nossa estadia, para
além das reuniões e piqueniques com os nossos amigos dos restantes barcos.
As ilhas são muito perto uma das outras e depois de dois dias em Mogo-Mogo, zarpámos para Contadora, que não sendo a maior é a mais importante ilha do arquipélago. Disseram-nos que o seu nome provém dos primórdios da colonização espanhola, por este local ter sido um entreposto comercial de pérolas, e como tal, aqui seriam primeiramente contadas e posteriormente transacionadas. Todas as ilhas são impressionantes, desde a cor da água à temperatura e à floresta tropical.
A Margarida e o Ricardo, que saíram do “Allegro” no Panamá, vieram de “ferry” até
lizado, mas por se tornar o protagonista de uma história que se desenrolou à volta do meu chapéu.
O meu chapéu de pano azul, desbotadíssimo, comprado nas Canárias em 2000, aquando da viagem comemorativa dos 500 anos da descoberta do Brasil, caiu ao mar, quando chegávamos ao canal do Panamá. Foi ao fundo sem mais aparecer. Apesar de gasto, estimava-o pelo bom serviço que me tinha prestado ao longo de vários anos, mas também por ter sido um grande companheiro, durante quatro travessias do Atlântico Norte e uma do Sul. Com o sol abrasador que se faz sentir nestas paragens, impunha-se comprar outro do mesmo género, de pano forte de algodão, gros-
cente e importante perda, amavelmente ajudou-me a procurar um novo chapéu. Julgávamos que seria tarefa fácil comprar um parecido com o anterior, numa loja de desporto. Puro engano nosso! Claro que não esperávamos encontrar os caríssimos, mas magníficos chapéus australianos, nem mesmo os seus congéneres canadianos da “Tilley“, que adoro, mas qualquer coisa dentro do género daquele que se perdeu. Procurámos por “Seca e Meca“, calcorreámos as ruas principais da cidade, entrámos numa infinidade de casas ligadas ao desporto e nada nos agradou verdadeiramente. Por fim, acabei por comprar um chapéu que, apesar de não ser do meu inteiro agrado, tinha muito boa apresentação, confecionado em tecido poliéster verde garrafa,
Contadora, ficando instalados num hotel local. Aproveitámos esta curta estadia para com eles darmos uma volta e conhecer também as ilhas mais próximas, muitas delas desertas. Alugámos uma lancha a motor ao Charly, que para além de proprietário e piloto, foi um valioso cicerone, não só na escolha do percurso, mas também nas informações que ia prestando ao longo da viagem. O “comandante Charly”, como eu lhe chamava, foi para mim a figura de proa da nossa viagem, não só pelo trabalho rea-
so para não deixar passar o sol e, também, o mínimo de calor e que tivesse, como o outro, uma fita para o prender ao pescoço. Esta fita tem de estar sempre posta ― senão é fatal ― quando mal se conta, o vento sopra…. e lá vai o chapéu….. Ao velho, de cor azul desbotado, coitado, não lhe valeu de nada ter fita, não estava posta!….
Chegados à cidade do Panamá, por se tratar de uma grande cidade, a Teresa Gago partilhando do meu desgosto, por tão re-
impermeável, com uma aba bastante larga e fita para o prender ao pescoço. Eu tinha que ter alguma coisa para me proteger do sol e, dentro dos estoques disponíveis, foi a melhor escolha.
Aqui é que entra o “Comandante Charly”, pois quando entrámos para o seu barco, reparei que ele trazia um chapéu de pano grosso de algodão, que, em novo e lavado, seria de cor branca; naquele mesmo instante, o dito chapéu tinha um aspeto
A Viagem do Allegro A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a
horroroso, velho, de cor castanho de tanta sujidade que tinha – “o verdadeiro chapéu de um pobre” -. Mas o raio do chapéu, debaixo daquela visível falta de cuidados primários de higiene, tinha uma pinta muito especial, facto que levou a minha atenção a fixar nele um segundo olhar mais seletivo. E foi aí que, para meu grande espanto, descobri que se tratava mesmo de um verdadeiro “Tilley”
Mas como era possível?! Pensei logo em propor-lhe uma troca pelo o meu, mas não sabia se o Charly aceitaria, como não aceitou, dizendo:
― “O meu chapéu é muito velho e sujo, já o encontrei há uns anos, em contrapartida
― “O.K. “Comandante”, tem razão, de qualquer forma eu aceito esta diferença de aspecto, porque gosto do seu, mas primeiramente vamos ver se o seu chapéu me serve”.
Possivelmente, com um ar muito pouco arrojado, talvez mesmo enojado, mas tinha que ser, trocámos os respetivos chapéus. Impecável, pareciam que tinham sido comprados por medida!
O Charly quando se viu de chapéu novo na cabeça, comprado na Capital, imaginou a figuraça que iria fazer quando chegasse à sua povoação. Seria um acontecimento para ser notícia durante alguns dias. Eu, igualmente satisfeito, comecei a pensar
De seguida, apertei-lhe a mão para selar o acontecimento e iniciámos a viagem programada, ele já com o seu novo chapéu, eu como era de prever ainda não…..
Visitámos a ilha de Saboga e a povoação com o mesmo nome. Lamentável e infelizmente esta e outras aldeias são de uma pobreza impressionante, não há nada para fazer, a esperança de uma vida melhor é quase nula, e nota-se, de forma generalizada, uma resignação total à fatalidade da existência daquela gente. As pessoas parecem arrastar a sua própria infelicidade, rodeadas de muitas crianças malcuidadas, cães, cabras e galinhas, que vivem espalhados pelas ruas, procurando a sombra das casas e das poucas árvores, fugindo ao
o do Senhor é muito bonito e novo “. Eu contrapus, dizendo: ― “Realmente o meu é novo, comprei-o ontem no Panamá, aqui, com a minha amiga Teresa, mas eu gosto muito do seu, mesmo velho e sujo…”
― “Não aceito… porque isto não é bom negócio para o Senhor”, disse o Charly Voltei novamente à carga, pois não queria perder aquele achado, numa situação tão inesperada e num lugar tão remoto e primitivo:
como seria o “Tilley”, depois de uma boa barrela, maneiras ou melhor ângulos diferentes de ver a vida.
Aproveitando o ponto alto da situação, sem deixar arrefecer a mente do “Comandante”, nem perder o objetivo principal do meu achado, rematei:
- “Os chapéus servem aos dois e ficam-nos muito bem. Por isso, “Comandante”, negócio fechado.”
calor tórrido que se faz sentir durante as horas mais quentes do dia. As construções mais bem cuidadas são a igreja, o posto da guarda aeronaval e o centro de saúde que recebe a visita do médico uma vez por mês! Para casos mais complicados são transferidos para o hospital de Contadora ou de avião ou de helicóptero desta ilha para a cidade do Panamá. A escolaridade possível é lecionada até à sétima classe. Todo este triste e arrepiante quadro contrasta com uma beleza natural ímpar.
Continuámos a nossa viagem por entre ilhas e ilhotas, aproveitando sempre os melhores locais para mergulhar em zonas de maior concentração de corais, plantas e peixes. Esta escolha só é possível nestas águas cuja transparência é quase total, não sendo preciso ser um especialista em mergulho, basta ter óculos e um respirador, que a natureza vem ter com os nossos olhos. É impressionante!....
O dia acabou com um bom e animado jantar no Hotel Romântico, onde estavam as tripulações dos outros veleiros que desde as Caraíbas navegavam nas mesmas águas que o “Allegro”.
Foi também a hora da despedida do simpático casal, Margarida e Ricardo, que fizeram
O “dingui” a ser içado para o barco, para depois ser esvaziado, dobrado, tarefa nada fácil para este bote, e, finalmente, estivado na loca da proa. Estas operações dão trabalho, mas são essenciais para se navegar com alguma segurança em alto mar. Viajar com o “bote” amarrado à vante do mastro ou mesmo dobrado é um risco tremendo. A força brutal do mar ao entrar pela proa ou pela amura de bombordo ou de estibordo, se encontrar uma superfície resistente exposta à sua força, varre tudo que encontra pela frente. Têm-se registado casos em que os “dinguis” são arrastados borda fora e os próprios convés arrancados! Nas travessias e mesmo em pequenas etapas é frequente encontrar situações, previstas ou não pela meteorologia, que ventos de 40/45 nós,
30/35 nós, com rajadas de 42. O mar que era de pequena vaga passou inevitavelmente para 4 metros. Foi assim durante toda a noite, uma noite para esquecer. Para poupar o piloto automático, desligámo-lo e levámos o barco à mão. Pagámos bem caro os dois dias de pastorícia nas maravilhosas ilhas de Las Perlas. Mesmo com estas condições, a cozinha do “Allegro” não fechou, tendo preparado uma boa sopa de legumes, tipo creme, que fez as delícias dos restantes comensais. No mar uma sopa quente servida à hora do jantar é um “menu” ideal para repor os níveis a qualquer tripulação!
E por falar em tripulação, temos mais uma tripulante para além da guarnição base, a grande velejadora lisboeta Teresa Gago que
parte da tripulação desde Santa Lúcia. Esperamos vê-los mais tarde, novamente como tripulantes, a partir da Indonésia.
Hoje é sexta feira, 13, do mês de fevereiro de 2015, mas não é dia de azar. Perfaz 140 dias que entrei no “Allegro”, na cidade de Lagos. Como não me deitei cedo, acordei mais tarde que o habitual e já a restante tripulação estava na faina do convés, ultimando os preparativos para a largada rumo a Galápagos, que estava prevista para as 11 horas da manhã.
transformaram por completo o estado do mar, podendo as vagas atingirem, com facilidade, os 4/5 metros de altura! Desta forma, todo o cuidado é pouco e no “Allegro” este princípio era tomado à risca.
A pontualidade é muito bonita e às 11 horas largámos para Galápagos, com vento de 20 nós pela popa e mar bastante despenteado. No fim da tarde o vento rondou para a alheta de estibordo e refrescou, (na gíria náutica significa aumentou de intensidade), para
entrou no Canal do Panamá e nos acompanhará até Galápagos. Como foi dito anteriormente, a Teresa é médica, por isso nesta perna, tivemos três médicos a bordo, ou seja, a maior concentração no mundo de clínicos por metro quadrado, dentro de um veleiro!!!
Com mais uma tripulante a bordo tivemos que refazer o plano dos quartos, não dos de dormir, pois num barco têm o nome de camarotes, mas os quartos de
serviço. Em alguns veleiros, não existe nenhuma escala durante o dia, só à noite é que são atribuídos períodos fixos ou rotativos de trabalho. No “Allegro”, e a meu ver muito bem, os quartos funcionam fixos 24 horas, por isso há sempre um responsável pelo governo do barco, independentemente de outros trabalhos necessários, como a cozinha, limpezas, manutenção e reparações.
Felizmente que, durante a manhã, os elementos da natureza foram “dormir”, acalmaram e deixaram-nos repousar, depois de uma noite muito cansativa, principalmente para o homem do leme que agarrado à roda tinha que governar o barco. O tempo continuou calmo e ao pôr do sol o comandante, Luís Adão, propôs um drink. A Teresa pre-
Zacatraz e não só, nesta zona do globo, fica aqui um aviso à navegação.
Coordenadas das ilhas: Ilha dos Cocos: 05º 32´,042 N; 087º 03´, 808 W Ilhota: 03º 58´,03 N; 081º 35´,12W
Os três dias seguintes foram feitos com uma navegação muito calma, pouco vento e mar chão, alternando as bolinas folgadas com largos bem abertos, mareações ideais para enorme genoa que o “Allegro” enverga. Foi com esta paz bem merecida, depois de sofrer os efeitos daquela tormenta que passámos a linha do equador. A passagem mítica da linha do equador, pela primeira vez, é sempre um acontecimento festejado com certo ritual, mesmo nos pequenos veleiros.
para o localizar. Um perigo para a navegação noturna, mesmo tendo instalados os aparelhos habituais e necessários para viajar de noite. Aqui fica mais um aviso à navegação.
Rocha ou Ilha Tapeadora: Lat.- 00º 46´,3 S; Long.- 089º 57´,6 W
Um pouco para sul encontrámos mais um rochedo, este também sinalizado na cartografia, mas com um farol (Haja Deus)! Julgo não ser de mais colocar mais um aviso à navegação.
Rochedo: Lat. 05º 35´,7 S; Long. 089º 37´,6
Pelas 8 horas e 40 minutos chegámos ao porto de Baquerizo, na Baía Moreno, ilha de Cristobal, no arquipélago de Galápagos.
parou três gins e um “Martini” para o Luís. O mar está sempre alerta para nos pregar partidas e, desta vez, foi mesmo à Teresa: uma inesperada e improvável onda entrou por estibordo e a nossa amiga, para salvar um gin, entornou os três ao mesmo tempo – batismo do mar.
Ao segundo dia de viagem, encontrámos duas pequenas ilhas na nossa rota, ao largo do Equador e que podem constituir um perigo iminente. Para os futuros velejadores do
Toda a tripulação do “Allegro” já tinha passado o equador noutras viagens, mas nem por isso deixámos de festejar o acontecimento com a abertura de um saboroso e refrescante espumante.
No quinto dia de viagem tínhamos o arquipélago de Galápagos na nossa proa. A aproximação foi feita com cuidados redobrados, pois a cartografia sinalizava uma pequena ilhota, melhor dizendo, um rochedo, a cerca de três milhas da costa sem qualquer farol
Fizemos uma boa viagem, tranquila a partir do segundo dia, navegando 850 milhas náuticas em 5 dias, 12 horas e 20 minutos. Estava concluída mais uma travessia das muitas que ainda teremos pela frente e que espero ter coragem e saber para as contar e os meus leitores paciência para as ler.
“E SIGA A MARINHA”
Aconvite do Nelson Lourenço (377/82) aceitei participar no jantar-convívio da Conselho de Delegados de Curso com uma conversa informal sobre tema à minha escolha. Dado o ambiente colegial, transgeracional, optei por uma reflexão sobre o futuro do Colégio, assunto recorrente nas preocupações dos presentes. Dessa conversa, por sugestão do Luís Barbosa (71/57), chefe de Redação da ZacatraZ , aqui dou nota.
À margem do objetivo da conversa mas como nota introdutória, comecei por me situar em relação ao Colégio. Aluno de “tempo inteiro”, sem família em Lisboa (natural do Porto viera pela primeira vez à capital para as provas de admissão), numa época em que, com exceção dos 6º e 7º anos só havia uma saída por mês, passava no Colégio os fins-de-semana salvo, de quando em vez, um convite para casa de um amigo. No 3º ano os meus pais foram para a Guiné (só voltaria a ver o meu pai já cadete da Escola do Exército enquanto a minha mãe veio uma vez à metrópole), ficava no Colégio em algumas férias, incluindo a Feitoria no verão, intercaladas
com convites de amigos colegiais e a casa de uma tia no Porto. O Colégio era a minha casa, a “malta” a minha segunda família. As primeiras paixonetas e leviandades namoradeiras foram entre as suas manas e primas. Saído do Colégio mantive-me sempre muito ligado à casa, casei com a prima de um ex-aluno através do qual conhecera, fui aí oficial comandante da 4ª e interinamente do Corpo de Alunos e, quando o meu único filho varão concluiu a escola primária a opção da mãe e do pai estava tomada – Colégio Militar.
Nesta segunda e alargada família consolidou-se o núcleo duro, o “meu curso” , 1943-1950. Apesar de na maioria militares e por isso afetados pela dispersão a que entre 1954 a 1975 a guerra colonial nos sujeitou, manteve-se coeso e hoje, os que sobrevivem a caminho dos 90, continuam a juntar-se com frequência e a acompanhar de perto os mútuos percursos de vida. Não devendo aqui alargar-me sobre esta matéria acrescento que, em 2015, publicámos o Livro do Curso 1943-1950 – Foi assim…, um calhamaço de 430 páginas em formato A4
que é o “Calixto” coletivo do curso. Está na AAACM para quem tenha curiosidade de conhecer.
É habitual, na conversa entre ex-alunos nomeadamente quando se dirigem aos mais novos, a alusão ao “meu tempo…” Só que o Colégio já está perto dos 220 anos e o tempo muda. Nasceu no fim da monarquia absoluta sob influência da revolução francesa, cresceu com a guerra civil entre liberais e absolutistas, tornou-se adulto com a monarquia constitucional, amadureceu com a implantação da república e o período agitado que se seguiu, resistiu à ditadura do estado novo, viveu o 25 de Abril e o PREC, adaptou-se à democracia constitucional. Com a instituição militar sempre envolvida nestas roturas muitos ex-alunos, civis e militares, nelas participaram ativamente e em barricadas opostas. Salvo raras exceções a sua amizade e coesão em torno do essencial relativo ao Colégio não saía ferida. Como exemplarmente escreveu há quase cem anos Pereira Coelho (56/1889), no Diário de Notícias (16jun1928): «Tu lá quem és? Um avançado? Um conservador?
Um ateu? Um crente? Um desventurado? Um triunfador? Um vencido? Que importa? Estiveste no Colégio Militar? (…) És meu irmão.»
Para cada geração, para cada um de nós, o Colégio é o “do meu tempo” . Mas o Colégio do nosso tempo não é o tempo dos nossos pais, muito menos dos nossos avós, como não é o tempo dos nossos filhos e dos nossos netos. O do tempo do meu filho, 1968-76, não me pareceu muito diferente do meu. Valores, identidade, tradições, relações, dia-a-dia colegial, apesar do novo internato não eram outros, na sua essência. Creio que terá sido na década de 80 que se acentuou o efeito da aceleração histórica em resultado de uma dinâmica global herdada da década de 60, não apenas em Portugal mas também em Portugal, não apenas no Colégio mas também no Colégio. Face às mudanças civilizacionais e comportamentais que prosseguem e atingem a sociedade em geral, a sobrevivência do Colégio não se fará contra elas mas na capacidade de, acompanhando-as, garantir o essencial da sua identidade. O espírito do “Menino da Luz” , que ra -
dica num fundo ético e cívico, afirma-se na relação de camaradagem, confiança, solidariedade, cumplicidade, igualdade, sentido do coletivo, na gestão quase autónoma da vida no internato, no culto da tradição sem prejuízo da iniciativa, na conciliação do desenrascanço e da responsabilidade, da autodisciplina e de uma saudável rebeldia, frutos da experiência prolongada adquirida no rigor da vida para-castrense. Nós, que o vivemos, entendemos isto.
O Colégio conheceu grandes mudanças nas últimas décadas, em particular com a viragem do século. Das que julgo mais significativas, umas classifico-as de “virtuosas” , porque de efeitos benéficos e facilmente assimiláveis pela identidade colegial:
A. a indiscriminação de classe dos militares que optam pelo Colégio para a formação dos filhos, pondo fim à segregação elitista entre Colégio e Pupilos;
B. a admissão de jovens oriundos dos PALOP, cultivando o convívio cosmopolita e laços de solidariedade com povos com os quais mantemos laços fraternais;
C. a abertura do ensino primário, que antecipa o contato com o Colégio e é um patamar incentivador para a transição para o internato;
D. a admissão sem distinção de género que, obrigando a adaptações na vivência do internato, é compatível com os novos parâmetros de convivência da juventude e se tem revelado como uma mais-valia.
Finalistas em 1949/1950.
Outras, algumas meras tentativas que não vingaram mas podem regressar por capricho das tutelas, são mais perversas e suscetíveis, essas sim, de subverter a “essência imaterial” do Colégio, a sua identidade própria:
o externato, gerador de estatutos diferenciados entre “alunos residentes”, internos, e “alunos visitantes”, externos, prejudica o espírito de corpo, apanágio do Colégio, que se fomenta na partilha de espaços e tempos livres, no recreio do alto da quinta, no geral, como alguém muito bem disse o mais significativo dos viveiros do espírito colegial (Zúquete, 20/1945); o externo será sempre o outro;
a admissão tardia, contraria o período longo em que se forma o espírito de solidariedade, hábitos que se adquirem na convivência desde tenra idade e em cuja consolidação os primeiros anos são fundamentais;
C. o economicismo, ou seja, a preocupação de que o Colégio seja uma instituição lucrativa, em prejuízo da sua vocação social e formativa como uma mais-valia para a nação, o que tem reflexos no universo dos possíveis candidatos transformando-o num colégio para filhos de ricos.
Este último aspeto tem a ver com uma questão de fundo, a que chamo existencial e que nunca vi resolvida: o que é o Colégio Militar? É uma escola de formação de militares, ou uma escola de apoio social aos militares? Pouco adianto além do enunciado da questão pois é tema que exigiria largo espaço de análise. Apenas uma nota.
O Colégio nasceu como obra de apoio social para filhos de militares. Dado que, porém,
funcionava num quartel, com professores militares, uma vida e disciplina interna de tipo castrense (como de resto em muitas instituições de ensino da época em regime de internato não militares), o Colégio era incentivador de futuros militares e foi institucionalizado nesse sentido. No tempo mais recente, predominando o serviço militar geral e obrigatório (SMO), os alunos saíam graduados em sargentos-cadetes habilitados com o 1º ciclo do curso de oficiais milicianos (COM) e beneficiavam de vantagens nas admissões às escolas superiores militares. A componente escola de preparação militar equiparava-se à obra social e os alunos tinham compensações na sua incorporação militar, quer no acesso ao Quadro Permanente quer ao SMO.
Com o fim do SMO e das condições vantajosas no acesso às academias militares essa compensação perdeu-se. Aliás, com a baixíssima taxa de ingresso de ex-alunos nas academias militares verificada nas últimas décadas, se essa era uma função essencial então o Colégio falhou rotundamente. Pode dizer-se que a prepara-
ção militar dos alunos do Colégio perdeu sentido útil. O que não quer dizer que a educação tipo castrense numa escola que até se chama militar deixe de fazer sentido, dados os seus benefícios formativos e educativos.
Penso ser questão que não pode deixar de vir a ser equacionada.
O interesse por esta matéria aguçou-me a curiosidade sobre a evolução de instituições estrangeiras semelhantes. Encontrei uma escola francesa que me parece ter tido muitas afinidades com o nosso Colégio da qual até terá recebido alguma influência. Não fiz um estudo de fundo, apenas recolhi alguns dados que aqui partilho.
O Prytanée Militaire nasceu em 1808, em pleno regime napoleónico. É quase nosso contemporâneo. Porém, enquanto o nosso nasceu de raiz o Prytanée tinha antecedentes, resultou da evolução do Collège Royal, jesuíta, fundado em 1604 que já evoluíra para a École Militaire em 1764. Após várias designações
e localizações fixou-se em La Flèche, 260 Km a ocidente de Paris e é, desde 1870, o Prytanée National Militaire. A gravura reproduzida datada de 1895, evidencia a proximidade do uniforme, do ambiente envolvente, a mãe despedindo-se do filho, provável “rata” no nosso calão ancestral, sob o olhar austero do avô (ex-aluno?) e o ar protetor do aluno mais velho, ao fundo, num enquadramento que lembra os nossos claustros.
O Prytanée continua a ser uma escola sob tutela militar, tem como principais objetivos o apoio social e o incentivo à carreira militar, incluindo aulas opcionais preparatórias para acesso às academias militares. Mantém o internato, um uniforme ainda que mais civilista, abriu-se a ambos os sexos desde 1983. É um dos seis Liceus de Defesa Nacional existentes em França, já datando todos os outros da segunda metade do século XX. A recolha sumária a que procedi e as fotos juntas indiciam que a educação castrense é regra mas a instrução militar se limitará aos mais velhos. Não parece estar aberto a alunos oriun-
dos de outros países francófonos porque a França tem outro critério, apoia a criação e funcionamento de colégios tipo Prytanée nesses países, que existem já no Senegal, Benin. Gabão e Burkina Faso.
Para concluir mais uma afinidade. Em 1880 fundou-se a Association Amicale des Anciens Élèves du Prytanée National Militaire (AAAEPNM), cujos objetivos são:
A. manutenção dos laços entre os antigos alunos;
B. solidariedade para com os mais necessitados, ex-alunos, viúvas e órfãos;
C. contribuição para o desenvolvimento da educação na escola;
D. conservação e proteção do património moral e histórico do Prytanée. Em 2004, na comemoração dos 400 anos do Collège Royal e 200
do Ptytanée Militaire, François Fillon, ministro da Educação Nacional, em discurso oficial, afirmou: «Tant que la France vivra, le Prytanée sera». É a consciência do significado profundo de uma instituição nacional. Aguardo o momento oportuno em que também um responsável político português ouse afirmar: Haja Portugal haverá o Colégio Militar.
No passado dia 23 de Outubro, celebrámos mais um aniversário da nossa Associação, com a tradicional romagem da Velha Guarda ao Colégio, para mais uma vez matarmos saudades da nossa Casa Mãe, revendo as vetustas paredes dos nossos Claustros, para homenagearmos a figura do Marechal Teixeira Rebelo, fundador do Colégio, e também para olharmos para o presente e para o futuro, vendo como está hoje o Colégio e ouvindo, da sua Direcção, quais são os seus planos para o futuro da instituição.
Da forma habitual, concentrámo-nos nos Claustros, para, a partir daí, ocuparmos o átrio de entrada do edifício, o primitivo Hospital de Nossa Senhora dos Prazeres, onde se encontra o busto do Marechal fundador do Colégio. Concentrada no átrio, a meia centena de Antigos Alunos que responderam à chamada e com todos na posição de sentido, foi deposta uma coroa de flores na base do busto do nosso Marechal, ao que se seguiu um minuto de respeitoso silêncio, guardado em sua memória. Sendo este um gesto repetido todos os anos, não deixa porém de nos comover e de nos dar que pensar. O nosso
Marechal foi de facto um homem de uma visão e de uma clarividência extraordinárias. A sua obra já atravessou dois séculos, em que o País sofreu enormes mudanças, convulsões e vicissitudes. O Colégio atravessou e atravessa períodos de grandes dificuldades, mas segue sempre em frente, continuando a ser uma instituição modelar na Educação e no Ensino em Portugal.
Seguiu-se uma sessão no Anfiteatro do Colégio, em que começou por usar da palavra o Presidente da Direcção da nossa Associação, para agradecer à Direcção do Colégio a sua disponibilidade para nos receber. Sucedeu-lhe, no uso da palavra, o Director do Colégio, que fez uma exposição interessantíssima sobre a realidade colegial dos dias de hoje, bem diferente
e bem mais difícil do que a realidade dos nossos dias de Alunos, em que tudo funcionava no automático, tendo então o Exército capacidade de fornecer ao Colégio todos os meios necessários à sua vivência. Os efectivos de pessoal auxiliar e de praças são agora diminutos (já só há 12 praças no Colégio…..), o que faz com que a enorme maioria de serviços necessários ao normal desenrolar da vida colegial seja agora contratada no mercado, às mais variadas empresas prestadoras de serviços. Até os tratadores dos cavalos, que cuidam também das instalações do complexo da equitação do Colégio, são actualmente contratados a uma empresa de serviços. A alimentação é fornecida por outra empresa. O refeitório funciona agora em regime de self-service , por não haver pessoal para servir às mesas. São tudo factores de perturbação, que muito dificultam a gestão do Colégio e que naturalmente prejudicam a coesão da comunidade que diariamente estuda, vive e serve no Colégio.
Fomos também informados pelo Director, das obras em curso no Colégio. As obras são contínuas, dada a dimensão das instalações existentes. A cobertura do edifício do Corpo de Alunos acabou de ser toda renovada. Segue-se agora a renovação da cobertura do edifício dos Claustros. A camarata do lado Leste da 2ª companhia foi isolada do resto das instalações da companhia, foi ligada ao edifício de internato das alunas e transformada em camarata para as mesmas. Está em estado avançado de construção um amplo pavilhão desportivo, no local do antecedente ocupado pela pista do aeromodelismo. Planeia-se a construção de mais um edifício para internato de alunas, o que provavelmente não virá a ser necessário, face à continuada diminuição de alunos
em regime de internato. Talvez o que se imponha sejam mais adaptações das instalações já existentes.
Concluída a exposição do Director, que foi objecto de aplauso geral no seu final, seguiu-se um período de perguntas e respostas, para esclarecimento adicional da assistência. Encerrada a sessão, foi a vez de os Antigos Alunos assinarem o Livro de Honra do Colégio.
Do Anfiteatro seguimos todos para o extremo Leste da Parada Teixeira Rebelo, para aí assistirmos ao acender da chama colegial, junto ao monumento comemorativo do 175º aniversário do Colégio Militar. Enquadrando o monumento, encontravam-se, fardados de gala e armados de sabre, dois graduados da Escolta, o seu Comandante e o Cerra-Fila, sendo que este ano temos uma Aluna na função de Cerra-Fila.
Acesa a chama colegial pelo Antigo Aluno mais antigo presente, D. Agostinho de Souza Coutinho (15/1934), dirigimo-nos de seguida para a «Enferma» , para na sua escadaria tirarmos a tradicional fotografia de grupo, acompanhados dos nossos sucessores, alguns deles meninos e meninas da instrução primária, agora designada por 1º ciclo.
Feita a fotografia de grupo, que acompanha a presente reportagem, deslocámo-nos para a Parada Serpa Pinto, frente ao edifício do Corpo de Alunos, onde já nos esperava, devidamente formado, o Batalhão Colegial. Observando o comando do Batalhão formado, observámos que havia alguém em falta. Esse alguém, era o Ajudante do Comandante de Batalhão. Fomos mais tarde informados que este ano essa graduação não foi atribuída. Esperemos que tal seja uma questão circunstancial, pois, tal como já afirmamos há muitos anos, consideramos que é importante que esta função seja preen -
chida, sobretudo em paradas e desfiles, para não se deixar o Comandante de Batalhão isolado e sozinho, sem possibilidade de enviar alguém a pedir informações ou a transmitir ordens.
Assistimos ao desfile do Batalhão, com os Alunos a marcharem com garbo e aplicação, suscitando-nos porém a sua marcha dois comentários. A marcha é agora feita com ruidosos batimentos no chão, a cada duas passadas. É um tipo de marcha desgastante, que não é natural e que não é a marcha tradicional do Colégio. A marcha é ainda feita com um movimento dos braços que também não é natural. Quando o braço desce, o seu movimento é interrompido abruptamente quando chega ao plano do tronco, em vez de se deixar o braço balançar naturalmente, indo até à retaguarda do plano do tronco. Resulta de tudo isto, uma marcha crispada, pouco natural e cansativa para os seus executantes, sobretudo os de menor idade. Gostaríamos que se voltasse à simplicidade da marcha tradicional, que não sendo
espalhafatosa, era sempre vistosa e alegre, quando bem executada. Presumo que seria a marcha que fez com que, no dizer de Ramalho Ortigão, um «frisson» percorresse a multidão no Rossio, aquando da primeira aparição pública do Colégio, no longínquo ano de 1882 , na parada em honra dos Reis de Espanha, então de visita a Portugal. Concluído o desfile, todos nos dirigimos ao refeitório para aí almoçarmos. Chegados ao refeitório, com os Alunos todos em sentido, postados juntos aos seus lugares nas mesas, fomos saudados por um vibrante Zacatraz entoado por mais de 500 Alunos, o que é sempre um momento de grande impacto. Os Antigos Alunos responderam com outro Zacatraz, a que os Alunos também se associaram, criando um momento de forte união entre todos os presentes. Os Zacatraz entoados por Antigos Alunos e Alunos, deram para perceber que há uma nítida diferença entre eles. Os Alunos, depois de gritarem «Ala! Ala!» , gritam «Arriba» , de forma sincopada e em três tempos, «A- RI-BA». Os Antigos Alunos
gritam «Arriba» , a um tempo só, mas alguns de forma abreviada, ouvindo-se apenas «RIBA» . A meu ver, estão ambos errados, estão ambos a precisar de correcção pela nossa autoridade máxima em tradições colegiais, José Alberto da Costa Matos (96/1950). A minha opinião é a seguinte. «Arriba» está correctíssimo. Foi esse o grito, que em boa hora inspirou aqueles que nos antecederam. Era esse o grito dos valentes pescadores da Póvoa de Varzim, no século passado, na sua faina, no final da pesca, ao alarem, praia acima, os seus pesados lanchões a remos, apenas com a força dos seus corpos, ajudados pelas suas mulheres. O que não está correcto, é dizer a palavra de forma sincopada, destacando as suas três sílabas. A palavra deve ser dita de forma natural, mas enérgica. É um grito de incitamento, não é um lamento. E mais não digo. Quem tiver dúvidas, consulte o Costa Matos, sempre disponível para a todos atender.
No final do almoço o Nuno Vilares Cepeda (310/1941) recordou-nos a figura
de Valentino Dinis Tavares Galhardo (395/1939), recentemente falecido, que, tal como ele, foi durante anos oficial comandante de companhia no Colégio, onde granjeou o respeito e a estima dos seus Alunos, pela forma exigente, correcta e justa, com que os soube sempre comandar.
Concluída a refeição, voltámos até junto ao monumento ao 175º aniversário do Colégio, para aí se proceder ao acto de apagar a chama colegial.
Foi mais uma agradável jornada de confraternização, em que tivemos mais uma oportunidade de testemunhar o enorme empenho com que a actual Direcção do Colégio continua a conduzir os destinos do mesmo.
A «Velha Guarda» presente na reunião, no que toca ao espírito, de velha não tinha nada. Mantém-se de espírito jovem, tendo reinado a boa disposição. Como dizia o General Mac Arthur, a pele do nosso rosto pode enrugar-se com a idade, mas não podemos deixar que a pele da nossa alma se
enrugue. Para inspirar os membros da «Velha Guarda» em geral, e não apenas os presentes na reunião, deixo aqui as seguintes reflexões, de autor que desconheço.
― Não é velho aquele que perde os cabelos, mas sim a sua última esperança.
― Não é velho aquele que transporta no seu coração o amor sempre ardente.
― Não é velho o que mantém fé em si mesmo, o que vive saudavelmente alegre, convencido de que para o coração não há idade.
ÚNICO PRESIDENTE DA «PRIMEIRA REPÚBLICA» A TERMINAR O MANDATO DE QUATRO ANOS.
O conhecido político nasceu em Vale da Vinha, Penacova, em 27 de Julho de 1866 e morreu em Lisboa em 31 de Outubro de 1929. Casou em 1910 com Maria Joana Queiroga, de quem teve uma filha.
Completou o ensino liceal no Liceu Central de Coimbra e, em 1889, ingressou no curso de Medicina da Universidade na mesma cidade, tendo finalizando o curso em 1895. Nos tempos de estudante, viveu intensamente o descontentamento provocado na sociedade portuguesa pelo Ultimato Inglês e, como muitos outros cidadãos, acusava a família real de cedência aos interesses coloniais da Inglaterra em África. Ainda aluno de Medicina, publicou no jornal académico Ultimatum um artigo que ficou famoso, intitulado «Bragança, o último»1, que foi considera-
do insultuoso para o rei D. Carlos, tendo sido condenado por um tribunal a três meses de prisão.
Concluído o curso, foi exercer medicina primeiro para Angola e depois para S. Tomé e Príncipe, donde regressou em 1903 para ir estagiar em França durante um ano.
Militante do Partido Republicano, foi eleito deputado em 1905. No ano seguinte, em plena Câmara dos Deputados da Monarquia, perante uma força militar que ali fora para expulsar os deputados republicanos, subiu a uma cadeira para reclamar a instauração imediata da República.
Generalizadamente reconhecido como um dos maiores tribunos da «Primeira República», os seus discursos inflamavam a assistência aos comícios republicanos, mas valeram-lhe muitos dissabores e novas penas de prisão, como por ocasião de uma tentativa revolucionária em Janeiro de 1908, dias antes do assassinato do rei D. Carlos e do príncipe D. Luís Filipe.
Em Outubro de 1910, instaurada a República, assumiu a pasta do Interior do Governo Provisório chefiado por Teófilo Braga, sendo posteriormente, por diversas vezes, ministro e deputado. No decurso de 1911, as crescentes desinteligências no seio do Partido Republicano conduziram em 1912 à dissidência: em 24 de Fevereiro, António José de Almeida fundou o Partido Evolucionista e três dias mais tarde Brito Camacho fundou o Partido da União Republicana; a facção dominante, chefiada por Afonso Costa, fundou o Partido Republicano Democrático.
António José de Almeida tomou posse como sexto Presidente da República em 5 de Outubro de 1919. Foi o único Presidente da «Primeira República» a terminar o mandato de quatro anos para que fora eleito (1919-1923), tendo no decurso dele dado posse a dezasseis Governos (seriam dezassete se se contasse com o “Governo dos Cinco Minutos” liderado por Francisco Fernandes Costa, que foi nomeado a 15 de Janeiro de 1920 e exonerado nesse mesmo dia, sem ter tomado posse) 2. De entre os acontecimen -
tos relevantes ocorridos durante o seu mandato, salienta-se, a 19 de Outubro de 1921, o levantamento de sectores republicanos radicais da Marinha e da GNR contra o governo liberal de António Granjo. Nessa noite, um grupo de
marinheiros, soldados da GNR e civis armados, sequestraram e mataram a tiro, entre outros políticos, António Granjo, José Carlos da Maia e Machado Santos.
1 “(…) Não se encontra em ponto algum do país um único homem, ou seja católico ou protestante, monárquico ou republicano, padre ou secular, bacharel ou sacristão, ou faça parte da nobreza ou pertença à plebe, que perante a lei não seja responsável. Donde se conclui que El-Rei D. Carlos de Bragança não é um homem! (…) Donde se conclui que El-Rei D. Carlos de Bragança é um animal! (…) Entendo, pois, que o melhor será, quando os canhões começarem aos urros e quando o sangue principiar a correr, metê-lo numa das gaiolas centrais do Jardim Zoológico, fazer-lhe aí uma cama de palha e deixá-lo ficar muito tranquilo e muito descansado (…)”. 2 “(…) Os ministros reuniram pela primeira e última vez no gabinete do chefe do Governo, na Junta de Crédito Público. Segundo contou o próprio Fernandes Costa, na sua carta de demissão, «o edifício foi invadido, em tumulto, por muitas pessoas, enquanto muitas mais se aglomeravam nas portas do edifício, as quais, em altas invectivas contra o referido ministério, protestavam contra a sua constituição, reclamando a formação de um ministério nacional». Foi assim inviabilizada à força a solução Fernandes Costa.
Chamada a intervir, a GNR – recentemente reforçada em homens e equipamento e entregue à chefia de militares radicais para compensar a influência conservadora no exército – não mexeu uma «palha» para proteger os ministros. Perante a passividade daquela força militarizada, Fernandes Costa (…) esperou que os ânimos acalmassem. E, tal como estava combinado, foi ter com o presidente António José de Almeida ao palácio de Belém – já não para tomar posse mas para lhe apresentar a demissão (…)”. (https://www.vortexmag.net/historias-da-1a-republica-portuguesa-o-governo-que-so-durou-5-minutos/).
CRUZEIRO, Maria Manuela, Pezarat Correia. Do lado certo da História, Âncora editora, Lisboa, 2018
CÂMARA, Maria João da, Sanches Osório. Memórias de uma revolução, Oficina do Livro, Alfragide, 2019
Dois Antigos Alunos que participaram no 25 de Abril e que têm do «Processo Revolucionário em Curso» perspectivas divergentes.
O primeiro livro consiste na transcrição de uma longa entrevista, enquanto o segundo é uma narrativa na terceira pessoa. Mas ambos são, no essencial, interessantes histórias de vida, com um enfoque especial nos anos de 1974 e 1975.
Os dois protagonistas acabaram em trincheiras opostas no decurso do PREC, mas tanto no início como no final das suas histórias registam-se coincidências. O avô e o pai de Pezarat Correia eram militares. O pai, por ter participado na primeira revolta mili -
tar contra o regime instaurado em 28 de Maio de 1926, foi deportado para Angola por dois anos, findos os quais reingressou no Exército, continuando a fazer oposição ao Estado Novo. Convidado pelo Governador da Guiné, serviu ali 15 anos. Os dois avôs de Sanches Osório eram também militares. O paterno morreu em Goa e o materno combateu em Angola no tempo de Norton de Matos. Pezarat Correia e Sanches Osório foram alunos do Colégio Militar: o primeiro foi o 10 de 1943 e o segundo o 210 de 1951.
Tanto Pezarat Correia como Sanches Osório se posicionaram muito cedo na oposição ao Estado Novo, embora por vias distintas, pois o primeiro era re -
publicano e agnóstico e o segundo monárquico e católico fervoroso. No final da década de 1950 ambos apoiaram a candidatura de Humberto Delgado à presidência da República. A partir daí, sem abandonarem o posicionamento crítico ao salazarismo 1 , seguiram caminhos separados até 1973: Pezarat Correia, oficial de Infantaria, vai para a Índia portuguesa cumprir a primeira de seis comissões de serviço em territórios ultramarinos, enquanto Sanches Osório, após terminar a licenciatura em Engenharia Militar, cumpre em Angola uma única comissão de serviço.
O «Congresso dos Combatentes» , realizado em Junho de 1973, vai juntá-los na contestação activa ao regime políti -
co vigente, e em breve estarão empenhados no «Movimento dos Capitães» e no golpe militar do 25 de Abril. Uma vez que Pezarat Correia cumpre serviço em Angola, é de lá que assiste aos acontecimentos; Sanches Osório está colocado na Metrópole e é protagonista importante na preparação e na conduta do golpe. Ambos são chamados a desempenhar importantes funções: Sanches Osório é nomeado porta-voz da Junta de Salvação Nacional e posteriormente torna-se Ministro da Comunicação Social do II Governo Provisório como; Pezarat Correia integra a Comissão de Angola do MFA, facto que lhe permite testemunhar em lugar privilegiado os primeiros passos do difícil processo de descolonização.
Em 28 de Setembro de 1974, as manobras a favor e contra a anunciada manifestação popular de apoio ao Presidente Spínola convencem Sanches Osório de que o poder se encontrava na rua, e de que esta era controlada pelo Partido Comunista Português (PCP). Perante a evidência de que emergira no MFA uma facção defensora de um modelo marxista colectivista, no dia 29 de Setembro de 1974 sai do Governo e passa à situação militar de licença ilimitada, filiando-se então no Partido da Democracia Cristã (PDC), do qual se torna Secretário-Geral. Os acontecimentos nunca cabalmente esclarecidos do dia 11 de Março de 1975 são o detonador definitivo da rotura entre as perspectivas que os dois Antigos Alunos tinham relativamente ao Processo Revolucionário em Curso (PRC). Na sequência do golpe, a sede do PDC foi assaltada e o Partido ilegalizado. Avisado de que ia ser preso por alegada participação no golpe, Sanches Osório partiu para o exílio, onde escreveu O equívoco do 25 de Abril 2 , no qual denuncia a deriva totalitária do 25 de Abril. Mais tarde rumou a Paris, onde participou na organização
do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) e onde colaborou, no segundo semestre de 1975, na preparação do plano «Maria da Fonte» , destinado a convencer a Igreja católica a participar de forma activa na resistência aos avanços do totalitarismo.
Terminada a comissão em Angola, Pezarat Correia regressou à Metrópole e, em Março de 1975, foi designado para integrar o «Conselho da Revolução» Em Julho desse ano tomou posse do comando da Região Militar do Sul, território da Reforma Agrária – uma função que ele considera empolgante. Aí passou o «verão quente» empenhado em que as Unidades sob seu comando estivessem «alinhadas com o processo revolucionário» , enquanto zelava pela legalidade da Reforma Agrária. Conforme confessou à entrevistadora, o modelo final da Reforma Agrária foi «uma das suas maiores desilusões».
O exercício de importantes funções militares e políticas não impediram Pezarat Correia de, face aos desenvolvimentos do PREC, alinhar com os subscritores do «Documento dos Nove» nas vésperas do 25 de Novembro de 1975. Sanches Osório, por sua vez, tendo constatado que a situação política decorrente dos acontecimentos ocorridos nesta data era consentânea com os seus objectivos de liberdade e democracia, decide deixar o MDLP e regressar a Portugal. Após um breve período de prisão em Caxias foi reintegrado nas Forças Armadas, tendo passado à reserva em 1977. Nessa situação resolve participar activamente na vida política e, entre outras actividades, foi eleito, em 1979, deputado por Lisboa nas listas do CDS. Quanto a Pezarat Correia, opta por prosseguir a carreira militar, tendo passado à reserva em 1986, com a patente de brigadeiro.
Na parte final das suas histórias de vida, voltam as coincidências: entre 1996 e 2003, para além de publicar um número significativo de livros e artigos, Pezarat Correia leccionou Geopolítica e Geostratégia na Faculdade de Economia da Universidade do Coimbra, onde se doutorou em Relações Internacionais em 2017. Sanches Osório, que em 1987 se licenciou em Direito, ministrou diversas cadeiras relacionadas como o Direito em Universidades e na Academia Militar.
Divergências à parte, ambos os livros fornecem aos leitores amplos motivos de interesse. Na verdade, tendo vivido por dentro, em lugares de enorme responsabilidade, acontecimentos absolutamente cruciais na caminhada do país para a democracia, os dois biografados dão a conhecer pormenores que muito contribuem para a compreensão de um período agitado, controverso, e que foi intensamente vivido pelos portugueses.
1 Pezarat só não participa na Abrilada de 1961 porque foi mobilizado para Moçambique, onde presta serviço por duas vezes, entre 1961 e 1963 e entre 1964 e 1966.
2 A situação então vivida é descrita a páginas 250: “(…) O Exército não existe. Não existe sequer o Estado. Os refugiados ocupam os bancos, os padres organizam revoltas, os soldados negam-se a ser soldados (…)”.
Em quatro artigos anteriores que enviei para a “Zacatraz” contei algumas situações em que me encontrei durante a minha estadia no Lugenda.
Houve quem lesse essas histórias, houve quem as comentasse e até houve quem “me desse positiva no trabalho”. Mas o comentário mais frequente que ouvi foi: “Então estávamos nós aqui cheios de pena do “Soldado que vai p´rá guerra” e outros fados parecidos; nós aqui a pagarmos impostos para suportar o sacrifício dos nossos jovens que vão defender a fé e o império, coitadinhos; e afinal aquilo era “porreiro”, passeatas, ir ver o combóio, andar no rio, batuques, uma reinação pegada !!! “
Bem, não era bem assim. Vejamos: Estive no Lugenda 366 dias; cheguei a 16 ou 17 de Fevereiro de 1965, saí a 17 ou 18 de Fevereiro de 1966. E é verdade: durante esse tempo, mais os quinze dias que andei de Lourenço Marques para Nampula, de Nampula para Vila Cabral, desta para o Lugenda, passando em Nova Freixo, Maúa e Marrupa, vivi algumas situações giríssimas, que a maioria da juventude de agora não conhece e dificilmente pode experimentar. Não quer dizer que as circunstâncias
fossem boas ou desejáveis, mas no meio de tudo, houve coisas originais, positivas. Mas, claro, não era para a “reinação” que nós para lá íamos. Posso estimar que, daqueles 366 dias uns 16 – ou, vá lá, 26 – foram giros e deixaram uma óptima recordação. Já contei alguns; os outros 350 dias – ou, vá lá, 340 – não foram tão simpáticos, nem me deixaram grande tema para mais histórias. Posso dizer que desses 340, houve muitos que “não foram pera doce”.
Apesar de tudo (e apesar de que, quando embarquei já era casado, tinha-nos nascido o Manel, um mês e meio antes, claro que não podiam ir para o Lugenda, e só o voltei a ver quando já tinha 20 meses) não me posso queixar muito, particularmente se me lembrar de outros companheiros que estiveram muito pior do que eu. Nunca entrei em combate, nunca tive que disparar contra ninguém nem creio que alguém tenha disparado sobre mim (se alguém disparou, falhou!); a zona onde estive, se bem que em “zona de guerra”, entalada entre o Cabo Delgado e o Niassa, estava afastada das áreas de combate activo, estava-se em relativo sossego num território que, embora muito quente, até era razoavelmente aprazível; nem eu nem
ninguém daquele meu destacamento teve acidentes dignos de nota, nem problemas de saúde graves; e, ainda por cima (pode parecer pouco, mas não foi), estive a trabalhar activamente em funções da profissão que eu tinha escolhido.
A nossa missão era construir uma ponte sobre o Rio Lugenda. Rio que era bastante grande; ponte com mais de 400 metros de comprimento. “Quando estiver pronta, comunique!”, ouvi; “Sim senhor, meu capitão, com certeza, vou já tratar disso”!!!
É claro que uma coisa é dizer, outra é acontecer. Éramos uma equipe de uns 18 ou 19, uns três carpinteiros, dois pedreiros, um estucador, um mineiro, um pastor da serra, um marceneiro, dois desempregados militantes, dois condutores, dois da agricultura, um mecânico, um tipo que já tinha manobrado um bulldozer, enfim, uma equipe que qualquer engenheiro com experiência de empreitadas reconhece ser a ideal para fazer uma ponte de 400 m, sobre um rio, por vezes muito caudaloso, no meio do mato africano! Tinha um sargento condutor de obra, o Sargento António Teixeira, que foi a pedra fundamental da equipa, quem mais “empurrou
Pedreira –
da britadeira à mão.
o camião
punha-se a
a
para
maxilas... e
tudo o que viesse!! a carroça”, quem estava sempre onde devia estar, a fazer o que devia; tinha o furriel Artur Dias, que tinha andado na escola técnica, tinha aprendido serralharia e soldadura, sempre reinadio, mas óptimo
colaborador, sempre a ajudar em tudo; houve, ainda dois furriéis que por lá passaram e ajudaram, mas durante menos tempo; e toda aquela equipe, sempre disponível e sempre a querer fazer. Foi o que
valeu, senão, com um chefe acabadinho de sair do Técnico, quase sem nenhuma experiência de obras (tinha feito um estágio de dois meses numa construção), “havias de ter ponte, havias !!!”.
Era tudo obra de betão armado. Quer dizer, necessitava-se de cimento, areia, brita e água, para fazer betão; varões de aço para as armaduras; moldes metálicos e madeira para cofragens; madeira para entivações, porque tínhamos que cavar até à rocha; gasóleo; máquinas para o trabalho – betoneira, grua (não querias mais nada?), vibradores, escavadoras (idem), camiões; pessoal capaz de fazer as coisas. Era fácil!
Cimento, gasóleo, varões de aço, moldes metálicos, vinham de Nampula, “no problem”, a não ser que as passagens em Nova Freixo, Maúa e Marrupa eram sujeitas a pequenos “saneamentos”, dos sacos de cimento “que estavam rotos” e dos bidões de gasóleo “que pingavam”;
Areia e água, estávamos num rio, era o que faltava se não houvesse areia e água! Brita? Isso era um pouco mais complicado. Para começar mandávamos homens apanhar seixos dos areais do rio. Fizemos uns caixotes de 80cm x 80cm x 80cm ~ meio metro cúbico. Tarefa: “quando enche caixote, está a ganhar dois dias.” Definimos a granulometria: maior que castanha de caju, menor que caroço de manga! Deu para começar mas, evidentemente, o rendimento era miserável. Mesmo com quatro caixotes não conseguíamos encher dois por dia, não dava para mais de uns três ou quatro metros cúbicos de betão por semana. Acabou por ter que vir uma britadeira (eu, oficial, engenheiro, director da obra, comandante militar da zona, nunca tinha visto nenhuma!!!) e abrimos uma pedreira. Veio um compressor e martelos pneumáticos; o “tipo que já tinha manobrado um bulldozer” ficou encarregue da pedreira. Era ele que perfurava a rocha, mas era o furriel que carregava os furos e os fazia explodir. Mas a varas de perfuração eram estreitas e muito curtas; a exploração da pedreira era do mais primitivo, faria o Ramsés rebolar-se a rir !!! Mas era o que havia e com a brita-
deira afinou-se a granulometria da brita: era tudo o que viesse!! E começou-se a produzir brita para a obra.
Dêem-me o benefício da dúvida: produziram-se, assim, mais de 400 metros cúbicos de brita em sete meses, quase 60 por mês!
Madeira, bem, de vez em quando chegava um camião com tábuas (descontando as que, no caminho, alguém verificava que estavam partidas e era melhor descarregar, para não partirem as outras !!!), mas, que diabo, estávamos no mato, havia árvores, havia bambú, havia serras, façam-se homens, desenrasquem-se !!! Além da britadeira tínhamos camiões de boa qualidade (um dos quais se colocava debaixo da saída da britadeira), betoneira de 250 litros na frente de obra, um gerador.....não era preciso mais nada, tínhamos o necessário. Até porque tínhamos uma equipa maravilha!
E pronto, vamos a isto, vamos a “ela” (a ponte).
Para começar, onde é que ela deve ficar?
Tínhamos que chegar até à rocha. Era preciso entivar e escavar fundo.
Depois era preciso fazer um pequeno “ataque” (com pequenas cargas explosivas) à rocha granítica onde se betonavam as sapatas e, depois, só faltava montar armaduras e cofragens e betonar os pilares.
(Nota: As tábuas que se vêem atravessadas sobre os moldes metálicos também
8 – Para memória futura !!
serviam para instalar os “vibradores de cofragem”: Uns tipos a saltitar em cima das tábuas !!!)
Fizemos as primeiras betonagens em Julho de 1965. E deixámos uma recordação, para memória futura.
E pronto, foi o que se conseguiu fazer. Em Fevereiro de 1966, altura em que foi feita esta última fotografia, a Companhia de Engenharia 521, sediada em Vila Cabral e à qual eu fora “acrescentado” , acabou a comissão e regressou à Metrópole. Eu fui substituído no Lugenda por outro colega, o Vasconcelos, e enviado para Nampula, onde fiquei até Setembro.
O Vasconcelos fez tudo o que pôde, mas teve bastante menos sorte do que eu. Para começar, o nosso grupo já tinha feito todos os “pilares fáceis”! Faltavam uns quatro na zona de águas altas, onde o rio tinha, mesmo em época seca, mais de cinco metros de água. Não, definitivamente não, a tropa “não tinha pedalada” para isso. Ele não pôde fazer mais do que os
encontros da ponte, acabar as cabeças dos pilares “quase acabados”, talvez um dos pilares da água. E, para lhe piorar as coisas, aconteceu que tinha avançado mais do que uma companhia operacional para Mecula e seu distrito, toda a zona se tornou
militarizada, de intervenção activa; quatro ou cinco meses depois de eu de ali sair, rebentou uma mina na estrada que ia para Marrupa; creio que não houve feridos nem grandes estragos, mas .... acabou o sossego e a boa vizinhança. Tenho a convicção de que o meu substituto não pôde andar a visitar as aldeias, a assistir e conviver com os batuques, creio mesmo que passou a ter um pelotão operacional a dar-lhe cobertura na zona da obra e no acampamento. Uma permanente preocupação, uma chatice que eu não sofri e que, evidentemente, limitou as possibilidades dele e lhe deve ter “tramado” a boa disposição.
Entretanto, em 28 de Abril de 1966, o Notícias de Lourenço Marques publicou uma curta notícia sobre a ponte em que anunciava que o tabuleiro iria ser metálico. Contactei-os, enviaram-me um original da fotografia aérea, que mostra como estava a ponte nesse Abril de 66.
Mais tarde – e inevitavelmente – a construção dos pilares da zona de águas fundas e o tabuleiro (que julgo que acabou por ser de betão pré-esforçado) foram adjudicados e construídos por uma empresa de obras públicas (quem? não sei!).
E a ponte foi acabada. Espero que não haja problemas ou impedimentos, mas como eu nunca mais tive ocasião de lá voltar, fui agora “vasculhar” no Google Earth e lá está ela, perfeitamente visível em (12º 27´30” S; 37º 39’ 40” E), como se percebe deste excerto que, com a devida vénia, de lá tirei.
Noto que há alteração do local em relação ao que eu conheci há 50 anos: no meu tempo o leito principal do rio era encostado a Norte, à “margem de lá”, onde se situavam os tais três ou quatro pilares que não conseguimos fazer; agora (em 2016, segundo o G.E.) e, aparentemente, em época seca, parece correr pelo meio do
E também lá estava, no Google Earth, em cima do encontro sul da ponte, uma bolinha azul que indica a presença de uma fotografia. Fui ver, lá estava a foto que parece recente, com autor identificado como sendo o Sr. Hupe Verlag, a quem peço que me desculpe o abuso de a copiar para aqui. Mas não pude (nem tentei!) resistir!
É que, além do mais, esta fotografia fez-me lembrar daquele “turra” que entrou
nas comunicações rádio das nossas tropas e disse: “digam ao alferes do Lugenda que vá trabalhando na ponte, esteja à vontade, nós não o vamos chatear, até o ajudamos; ele está a trabalhar para nós!!!” (1). E esta foto demonstra bem que o “sacana do turra”, a gozar connosco, estava cheio de razão; e palavra de honra que isso não me chateia absolutamente nada, até me dá imenso prazer ver que o que andámos a fazer na tropa ficou feito e ainda hoje continua a ser útil.
1“Mensagens, cifras e desabafos” in “Zacatraz”, no 216 de Julho/Setembro de 2019.
A Composição do Batalhão (2019/2020)
Dado o interesse em seguir, ao longo dos anos, a evolução da composição do Batalhão Colegial, apresentamos de seguida a análise da situação, face aos dados relativos ao início do presente ano lectivo, após conclusão do processo de admissões. Apresentam-se os referidos dados no Quadro 1
A análise do Quadro 1 permite-nos algumas observações, que passamos a apresentar.
- Total de Alunos masculinos internos É de apenas 191, o que corresponde a 36,2% do Batalhão.
Pela primeira vez o número total de Alunos masculinos internos fica abaixo dos 200,
representando apenas pouco mais de um terço do Batalhão. Face a esta situação e tal como já prevíamos o ano passado, uma das camaratas do internato dos Alunos do sexo masculino foi adaptada para Alunos do sexo feminino, com as devidas obras de separação entre as instalações de Alunos dos dois sexos. Mesmo assim, espaço nas camaratas para os Alunos não parece faltar.
- Total dos Alunos masculinos externos Continua a subir, atingindo já os 112, o que corresponde a 21,2% do Batalhão.
Tínhamos referido o ano passado, que seria desejável, que Alunos externos, a partir do 7º ano, constituíssem uma excepção. Já há 58 Alunos masculinos nestas condições, ou seja, fora do internato, que, como é geralmente reconhecido, é o local privilegiado para o desenvolvimento da camaradagem e da fraternidade colegial.
- Total de Alunas internas Teve um acréscimo significativo, passando de 117 para 151, o que corresponde a 28,6% do Batalhão. O acréscimo referido, ficou a dever-se à disponibilização de uma nova camarata para as Alunas. Verifica-se, que enquanto a procura do internato pelos Alunos vem diminuindo significativamente, o inverso se verifica com o universo das Alunas. Veremos o que nos reserva o futuro.
- Total de Alunas externas Diminuiu em relação ao ano anterior, passando de 87 para 74, o que corresponde a 14,0% do Batalhão.
Esta diminuição já era prevista o ano passado, desde que aumentasse a capacidade do internato feminino, o que veio a acontecer.
Para além dos quatro pontos referidos, consideramos de salientar mais os seguintes pontos:
- 5ºANO
O número total de Alunas igualou o número total de Alunos (42), o que corresponde ao peso crescente que as Alunas vão tendo no Colégio. Há mais Alunas internas (20) do que Alunos internos (13). É a primeira vez que esta situação ocorre.
- 1º ciclo (5º e 6º anos) O número total de Alunos e Alunas internos é de apenas 71.
- Percentagem de Alunas no Batalhão As Alunas já representam 43% do efectivo do Batalhão.
- Percentagem de Externos no Batalhão Os Externos (Alunas e Alunos) já representam 35% do efectivo do Batalhão.
No Quadro 2 apresenta-se a evolução da composição do Batalhão ao longo dos últimos 5 anos (anos de existência do internato feminino).
A análise do Quadro 2 permite verificar o seguinte:
― Efectivo total do Batalhão. Após o pico de 574 Alunos, atingido no ano de 2016/2017, o efectivo total mantém-se estável, em cerca de 530 Alunos. Consideramos este total razoável. Um quantitativo de Alunos superior torna difícil o conhecimento mútuo dos mesmos.
― Alunos masculinos internos. Nos últimos 5 anos verificou-se um decréscimo contínuo de Alunos nesta situação. A perda é assinalável, passando o total de 275 para 191. A manter-se esta tendência, dentro de poucos anos o internato será maioritariamente feminino
― Alunos masculinos externos. Nos últimos 5 anos o número de Alunos nesta situação quase que duplicou, passando de 63 para 112. Verifica-se uma preferência crescente dos Alunos, ou dos Pais dos Alunos,
pelo externato, o que, compromete, a nosso ver, a coesão do Batalhão e a manutenção do «Espirito do Colégio».
― Alunas internas e externas.
A situação relativa das Alunas internas e externas era completamente condicionada, até ao presente ano lectivo, pela capacidade do alojamento existente para as Alunas. Face à criação de uma nova camarata para as Alunas, o número de Alunas internas aumentou de imediato, passando de 117 a 151, enquanto que o número de Alunas Externas passou de 87 para 74. Nos quatro anos anteriores a percentagem de Alunas do Batalhão era estável, variando entre os 37 e os 39%. Este ano a mesma percentagem subiu para os 43%.
A transição do 9º para o 10ºano, situação não analisável nos quadros apresentados, era uma questão preocupante, pois estava a verificar-se uma tendência para haver uma redução significativa do número de Alunos nesta transição, com saída de Alunos para outros estabeleci-
mentos de ensino. Faziam-no no sentido de obterem melhores classificações nos exames nacionais do 12º ano, garantindo-lhes melhores condições de acesso ao ensino superior. Nos últimos 3 anos a situação verificada foi a seguinte:
> a quebra foi de 85 para 56 Ano de 2018 / 2018
> a quebra foi de 83 para 55 Ano de 2019 / 2020
> a quebra foi de 66 para 58
Verifica-se que a quebra no presente ano foi menos significativa do que nos anos anteriores. Das conclusões apresentadas realçam -se as seguintes:
- O aumento continuo da percentagem de Alunos e Alunas em regime de externato (actualmente 35%).
- O aumento continuo da percentagem de Alunas no Batalhão (actualmente 43%). Poucos previam, há 5anos atrás, os valores actualmente atingidos.
Realizou-se no passado dia 28 de Setembro o 1º Torneio de Padel da AAACM no Rackets Pro EUL, com a participação de 60 jogadores. Chegados ao Estádio Universitário de Lisboa, todos os jogadores foram recebidos pela AAACM e brindados com um “Welcome Kit”, que além de prendas para cada um, cortesia dos nossos patrocinadores, também tinha a t-shirt alusiva ao evento. O torneio primou pela boa disposição, camaradagem e sã competitividade. Os jogos, além de competitivos, tiveram um enorme ambiente Colegial, tal como o ambiente de
quem assistia fora dos campos. A competição teve Pares Mistos e Duplas Masculinas. Nos pares mistos, tivemos avô e neta, marido e mulher, amigo e amiga, a competirem entre todos, de forma extraordinária. As duplas masculinas foram divididas em categorias, 3 e 4, conforme o nível dos jogadores. Entre vencidos e vencedores, mantendo um espírito de fraternidade que é nosso apanágio, houve a distribuição de prémios. Após os prémios terminámos o dia com um grande churrasco, num ambiente de diversão e de convívio.
No fim uma pergunta consensual: Quando é o próximo?!
Agradeço toda a colaboração, espírito de equipa, ajuda e boa disposição da Sra. Sofia Feijão, nova na Secretaria da AAACM e da Dra. Alina Nogueira, sem a quais não teria sido possível a realização do torneio. O meu muito obrigado às duas!
Obrigado aos jogadores e a todos que compareceram nesta iniciativa da nossa Associação!
Grande jornada Colegial!
Masculinos 3 - Grupo A
Vencedores: Vitor Marques (49/1979) e Luis Grincho (541/1978)
Finalistas: Luis Macedo (7/1988) e Ricardo Carrilho (470/1988)
Masculinos 3 - Grupo B
Vencedores: Humberto Oliveira (360/1978) e Rodrigo Melo
Finalistas: João Martins (226/1991) e André Duarte
Masculinos 4
Vencedores: Pedro Ayres (48/1981) e Rui Anselmo (68/1981) Finalistas: Tiago Pires Duarte (488/1988) e António Francisco
Vencedores: Ricardo Carrilho (470/1988) e Filipa Rocha Páris Finalistas: Roberto Durão (37/1970) e Susana Matias
JUBILAÇÃO DO 230/1959, JOSÉ MANUEL NUNES SALVADOR TRIBOLET
No passado dia 23 de Setembro, no Centro de Congressos do Instituto Superior Técnico (IST) ocorreu a Cerimónia de Jubilação do José Tribolet (230/59), 69 anos, Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Informática do Instituto Superior Técnico.
Estudou no IST e no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é ex-Presidente do Departamento de Engenharia Informática do IST e fundador do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento (INESC).
O Centro de Congressos foi pequeno para a cerca de meio milhar de presentes, entre familiares, amigos, colegas “filhos científicos” e muitas gerações de alunos.
O Colégio esteve presente através de uma delegação composta por oito alu - José Manuel
nos e a Associação pelo Presidente e Vice-Presidente da Direcção, Presidente da Mesa da Assembleia Geral e membros do Conselho Supremo, encontrando-se ainda na sala camaradas de Curso e amigos do Colégio.
Abriu a cerimónia o Presidente do IST – Professor Arlindo Oliveira – que se referiu a “um docente que teve impacto na vida de tanta gente” e fez referência ao “entusiasmo e competência que o Professor coloca em tudo e é inspirador para todos nós”, terminando com o agradecimento pelo “contributo ímpar do Professor Tribolet para com o Técnico, a Universidade e o País”.
Seguiu-se a aparição em palco do Professor Alan Oppenheim, docente do MIT “pai científico do homenageado”, que se deslocou expressamente dos EUA para estar presente na “homenagem ao aluno, colega e amigo”, q ue teve para com o Professor Tribolet palavras elogiosas para “esta carreira extraordinária”.
Foram ainda destacados pelos seus discípulos académicos, sendo seu porta-voz a Professora Isabel Trancoso , “o papel pioneiro do professor na introdução da lecionação de processamento digital de sinais no Instituto Superior Técnico e em Portugal, naquela que, hoje em dia, é uma das mais fortes áreas de atividade da escola com uma grande projeção internacional”.
A capacidade de liderança, o contributo inigualável, a visão, a dedicação, o lado humano, e a personalidade desafiadora foram algumas das caraterísticas usadas para definir o professor José Tribolet nos vídeos enviados pelos seus alunos, colegas de investigação e pelo colega de curso, António Guterres.
Referindo a enorme importância que teve a sua educação no Colégio Militar
e a sua formação no IST, Tribolet agradeceu as palavras que lhe foram dirigidas por todos os que falaram, referindo-se ainda “à profissão que não trocava por nada” , e dizendo que “Uma das coisas que mais gozo me deu nesta profissão é a capacidade de nos vermos no futuro através dos nossos alunos. Vê-los a evoluir, a criar valor em tempo real”.
Antes de terminar a sessão o Professor deu a sua última aula subordinada ao tema “O papel da Engenharia Organizacional na construção de uma sociedade centrada e controlada pela Humanidade”, concluindo que “‘Engenheirar” as organizações é a única forma de assegurarmos que o controlo é sempre dos humanos, é a única estratégica possível para não sermos controlados pelas máquinas”.
A mesa que presidiu à sessão.
Finalmente o Reitor da Universidade de Lisboa, Professor António Cruz Serra, encerrou a sessão afirmando que “Se há algo que define, antes de tudo, o professor José Tribolet é, e foi, o seu grande desejo de que Portugal mudasse para melhor e o seu empenho em criar condições para isso. Acho que isso antes de tudo mais, e depois a sua criatividade, claro”.
No fim, dois representantes da Delegação de Alunos do Colégio, subiram ao palco e entregaram ao Tribolet em nome do Colégio, uma Barretina Platinada, seguindo-se um Zacatraz, pelo “dois trinta” e pelo Colégio, lançado pelo Presidente da Direcção da nossa Associação no que foi secundado, com grande estrondo, por todos os Alunos e Antigos Alunos presentes.
Posteriormente, e em agradecimento dirigido ao Presidente do Conselho Supremo pela presença de membros do Conselho na sessão, o “dois trinta” escreveu:
“Venho agradecer a vossa presença, em particular a representação do Conselho Supremo, na cerimónia da minha aula de Jubilação no IST, no passado dia 23 de Setembro.
Confesso que foi muito gratificante constatar a significativa delegação de alunos do CM, de Antigos Alunos, e de membros da Direção da AAACM e do Conselho Supremo. E ouvir o nosso Zacatraz no final da sessão, perante toda aquela audiência de meio milhar de colegas, alunos e antigos alunos do Técnico, e dos ilustres convida -
dos me causou um arrepio inesquecível.
A oferta da Barretina Platinada com que a malta do CM me presenteou vale mais que todas as distinções que tenho tido até agora, situando-se sim no mesmo plano que as medalhas que recebi no Colégio e a distinção que me foi conferida pela AAACM há uns anos atrás.
Grato para sempre.
José Tribolet 230/59
Como é do conhecimento geral, a nova Direcção da nossa Associação aproveitou os meses de Verão, para proceder a uma série de melhoramentos no Quartel da Formação, incluindo a remodelação das salas da sede da Associação, com o objectivo de as tornar mais atractivas para a sua fruição pelos Antigos Alunos, fazendo da nossa sede um ponto de encontro e de convívio dos mesmos.
Concluídas as obras, decidiu-se proceder de imediato à actualização da nossa galeria de fotografias dos antigos Presidentes da Direcção da nossa Associação, por meio da inclusão na mesma, da fotografia do Presidente da Direcção cessante, José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973). Para o descerramento da referida fotografia foi promovida uma cerimónia muito singela, no passado dia 30 de Setembro, na sede da Associação. A cerimónia foi presidida pelo actual Presidente da Direcção, Filipe Soares Franco (62/1963) e teve a presença do Presidente do Conselho Supremo da Associação e de membros da Direcção actual e da Direcção cessante da Associação. Foi mais uma oportunidade que tivemos para transmitir ao Cordeiro de Araújo o nosso apreço pelo seu notável desempenho do cargo de Presidente da Direcção da Associação, no qual foi de uma entrega inexcedível, não regateando quaisquer esforços em prol da Associação e do Colégio. Á cerimónia sucedeu-se um agradável convívio, em que já pudemos disfrutar das novas condições que a sede da Associação agora nos oferece.
ARevista de Marinha é uma publicação periódica bimensal, cujo tema central é o Mar. Este tema é abordado na mesma nas suas múltiplas facetas, com destaque para os assuntos relativos às ciências do mar, às actividades portuárias e às Marinhas de Guerra, de Comércio, de Pesca e de Recreio, quer de Portugal, quer de outros Estados lusófonos. Trata-se de uma revista de créditos mais do que firmados, com uma longa história de mais de 80 anos (mais de mil números publicados), história essa bem conhecida dos Antigos Alunos dedicados à causa do Mar, particularmente os homens que envergaram ou envergam a farda do botão da âncora. O fundador da revista foi Maurício de Oliveira, homem
com um vastíssimo currículo na divulgação do tema do Mar. O actual Editor e Director da revista é o Vice-Almirante Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca, Antigo Aluno 47, do curso de entrada no Colégio em 1956. Concluída uma longa e brilhante carreira na Armada, Alexandre da Fonseca, como é conhecido entre os seus amigos, contínua assim, apaixonadamente, a dedicar-se à causa do Mar. Com um conjunto de colaboradores de grande qualidade e com todo o seu empenho pessoal, tem mantido a Revista de Marinha num nível de excelência, que é reconhecido pelos seus numerosos e assíduos leitores. No número 1009, de Maio/Junho de 2019, da Revista de Marinha, Alexandre da Fonseca
dedicou um artigo da sua revista à nossa (também dele) ZacatraZ. Nele fez a apresentação da nossa revista e comentou o seu número 214, relativo a Janeiro/Março de 2019. O seu comentário elogioso sensibilizou-nos e aqui o agradecemos. Para que todos possam tomar conhecimento do referido artigo dedicado à ZacatraZ, aqui o reproduzimos. A ZacatraZ endereça à Revista de Marinha e ao seu Editor/Director os votos de continuação de uma excelente «navegação», mantendo sempre bem viva a chama do farol da sua causa. Bem hajam!
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957)
Chefe da RedaçãoAevolução de qualquer meio de locomoção pode servir para escrever um artigo (tudo depende do detalhe que se quiser utilizar) mas – eventualmente – nenhum tem mais direito a ser o tema principal dum texto que a bicicleta. O seu preço acessível, a capacidade de oferecer um meio de deslocação sempre disponível a uma velocidade apreciável, o custo mínimo da sua manutenção e a revolução social que provocou são características inexistentes em qualquer outro meio de locomoção.
Só quem nunca fez passeios de bicicleta em grupo, numa qualquer zona rústica do nosso país, é que não se lembra da alegria despreocupada vivida pelos adolescentes participantes (com a minha idade, já assumo com total à vontade que quase nada me fica mal, muito menos ser saudosista).
Relembro que Yves Montand (que foi um extraordinário intérprete da música francesa e que possuía uma voz melodiosa única) tinha uma canção sobre a bicicleta (La Bicyclette) que só tinha qualidades: era melancólicamente alegre, pequena, simples e linda. Isso mesmo: alegre, pequena, simples e linda. Como a ‘Paulette’, que todos amávamos! Ah, a ‘Paulette’!?! O que é que a vida terá feito dela?
Para aqueles que a quiserem recordar (ou conhecer a canção – e não a ‘Paulette’ ) aqui vai um ‘link’ (espero que alguns gostem):
https://www.youtube.com/watch?v=eoHjQs6C4UY
Mas vamos então começar pelo ‘princípio’ (ou mesmo um pouco antes).
Tudo começou com o aparecimento na Alemanha da ‘draisine’ (1817) ... e foi preciso alguém inventar ‘o que faltava’ (roda pedaleira, corrente, pedais,...) para chegarmos à bicicleta! E isso não aconteceu dum dia para o outro (e não vou indicar o nome dum inventor para a bicicleta, tantos são os nomes daqueles que aparecem como intervenientes nessa evolução).
No entanto, a tal ‘draisine’ continua a ser muito útil à miudagem dos nossos dias!
Após o aparecimento do sistema de locomoção apropriado (basicamente, pedais com movimento circular, roda traseira pedaleira e corrente) a bicicleta começou a evoluir e a ser uma solução extremamente útil para curtas, médias e longas deslocações.
Uma das variantes até contemplava a eventual falta de equilíbrio (para isso tinha 4 rodas) e a possibilidade do ‘ciclista’ levar com ele um elemento feminino.
A evolução da bicicleta com o tempo.
As mulheres no século XIX tinham muito pouca (ou nenhuma) liberdade de movimentos. Só saíam de casa com o marido ou com um/a ‘chaperon/ne’. A bicicleta deu-lhes a possibilidade de se deslocarem – sozinhas – a kms de distância (muito para além da rua onde viviam e/ou das lojas locais onde faziam as compras).
Quando as bicicletas começaram a ter um ‘design’ próprio para mulheres: ausência da união horizontal do chamado ‘quadro’ da bicicleta, guiadores mais altos que o selim (explicaremos porquê) e protecção da corrente para evitar que as saias se sujassem e/ou prendessem nela) a revolução social estava em marcha e seria imparável não obstante uma área de objecções que iria – embora acabasse por ser derrotada – atrasar sobremaneira o ritmo desta revolução.
Estamos a referirmo-nos a uma zona biológica feminina que não era considerado aceitável (e/ou minimamente ‘decente’ ) estar em contacto com algo que pudesse de qualquer maneira representar/provocar estímulos de natureza sexual.
Esta situação já vinha de longe e basta recordarmos a limitação que as mulheres tinham para ‘andar a cavalo’ , tendo que usar ‘selas femininas’ que só tinham esse objectivo.
A ‘guerra’ movida pela sociedade masculina contra a emancipação da mulher tomou vários aspectos, desde anedotas a dar a entender que o lugar da mulher era junto a uma máquina de costura e não a ‘andar de bicicleta’ dum lado para o outro, sem qualquer controle (que ‘horror’ !) a anúncios a apresentar os selins ‘Duplex’ de bicicleta, que todas as mulheres deviam usar, para conseguirem o objectivo
atrás referido (e que seriam os únicos que deviam ser usados por aquelas que queriam ser consideradas minimamente ‘decentes’ pela sociedade ...não obstante já ‘andarem de bicicleta’ ).
legenda.
Existem actualmente à venda ‘selins duplos’ para serem instalados em todo o tipo de bicicletas (para aqueles/as que querem – ou necessitam – passear de bicicleta, cómodamente sentados).
― Minha querida, porque vens vestida com um traje próprio para ‘andar de bicicleta’ ?
― Não achas próprio?
― Tu não tens uma bicicleta!
― Mas tenho uma máquina de costura! Por este mesmo motivo (precisamente com o mesmo objectivo) as bicicletas femininas eram todas apresentadas com o guiador bastante mais alto que o selim – e com as suas extremidades viradas para dentro (porque a mulher tem braços mais curtos) – levando a mulher a estar na bicicleta com o corpo erecto (e sentada) e nunca como o homem ‘anda de bicicleta’ (normalmente com o corpo inclinado para a frente e com o selim entre as pernas).
A bicicleta foi pois uma ajuda determinante na emancipação da mulher, permitindo-lhe uma liberdade de movimentos ‘para além da rua onde vivia’ (e não só para toda e qualquer mulher casada, mas igualmente para mulheres com profissões com necessidade de liberdade de deslocação, nomeadamente – e como exemplo da progressiva emancipação feminina – as médicas dos finais do século XIX, que precisavam de se deslocar para os hospitais e/ou ir visitar os seus doentes).
Qual será a próxima fase da evolução da bicicleta? Talvez a ‘NuBike’ (o seu inventor é o americano Rodger Parker) e teremos de aguardar para ver se a sua invenção vai aparecer em massa no mercado ou não.
A energia produzida pelo ciclista é muito melhor aproveitada (o movimento vertical das pernas nos pedais – para cima e para baixo – desperdiça muito menos energia que o movimento circular das pernas actualmente necessário).
A não existência no exterior da bicicleta da ‘corrente e da actual roda pedaleira’ evita paragens forçadas devido à corrente ter ‘saltado ou ter-se partido’ e protege o vestuário do óleo sempre presente e de ser deteriorado pelos eventuais ‘saltos da corrente’ no mecanismo actual.
O movimento vertical das pernas nos pedais (vertical para cima e para baixo) é muito menos agressivo para as articulações dos joelhos e dos tornozelos. Veremos o que o futuro e o desenvolvimento tecnológico reservam para a bicicleta.
O que é que a vida terá feito da ‘Paulette’? Possivelmente nunca mais andou de bicicleta...
Martim Cunha (371/2012): Medalha de Bronze de um Olímpico do Colégio Militar.
O seguinte texto é da autoria do Dr. Rui Farinha – “Prémio Barretina – Amigos do Colégio Militar” em 2014 – professor do Colégio, a quem se devem resultados que, no plano nacional, situaram a disciplina de Biologia no 16º lugar no ranking (Observador, NOVA SBE) no ano lectivo 2017/18 (12º ano).
A postura humilde que o Dr. Rui Farinha, enquanto Mestre, assume no presente artigo, não pode, aqui, deixar de ser realçada, sendo justo destacar o seu contributo para o 3º lugar do Antigo Aluno Martim Cunha nas Olimpíadas de Biologia.
Nota: O ”Prémio Barretina - Amigos do Colégio Militar” distingue personalidades, que não sejam Antigos Alunos, ou entidades, que tenham contribuído de forma notável para a concretização da missão do Colégio Militar, para a afirmação da Instituição e para o sucesso do seu Projecto Educativo.
Para vencer - material ou imaterialmente - três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinível, mas real, a que, à falta de melhor nome, se chama sorte.
Fernando PessoaPouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento, que se sintam humildes. É assim que as espigas sem grãos erguem desdenhosamente a cabeça para o Céu, enquanto as cheias as baixam para a terra, sua mãe.
As Olimpíadas Portuguesas de Biologia (OPB) são uma competição científica portuguesa na área de Biologia, tendo tido a sua primeira edição em 2010, sob o nome “I Olimpíadas Nacionais de Biologia”. Nas Olimpíadas Portuguesas de Biologia Júnior participam alunos do 9.º ano e, nas Olim-
píadas Portuguesas de Biologia Sénior, alunos do 10.º ao 12.º anos. São centenas as escolas e milhares os alunos que todos os anos concorrem. Estas Olimpíadas, além de atribuírem prémios aos dez melhores classificados de cada um dos anos referidos, e também aos seus professores, selecionam os melhores oito alunos da classificação geral para representarem Portugal, anualmente, nas Olimpíadas Internacionais de Biologia – OIB (os primeiros quatro classificados) e nas Olimpíadas Ibero-americanas de Biologia –OIAB (os classificados entre as quinta e oitava posições).
No início do ano letivo de 2018/2019, naquela que já se ergue como uma tradição no Colégio Militar, os professores do Grupo Disciplinar de Ciências lançaram o repto aos seus alunos: participar, pela primeira vez ou “mais uma vez” , nas Olimpíadas de Biologia. Clarice Lispector referiu que: “Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir” . As Olimpíadas de Biologia constituem, assim, um momento em
que os alunos podem “aprender a ir” . Alguns alunos, motivados, quem sabe, pelo histórico de participações anteriores, em que alunos do Colégio alcançaram bons resultados, mostraram desde logo vontade e disponibilidade para participar. Outros, sem conhecerem bem o desafio, também se inscreveram.
O professor Coordenador partilhou, com alguns alunos com que se cruzava, experiências vividas com os alunos e enquanto docente reforçou que se tratava de uma oportunidade única mesmo que, no presente, não antevissem que assim era. Se os alunos do ensino secundário, principalmente esses, conseguissem ultrapassar as duas primeiras eliminatórias e obtivessem uma boa classificação nas difíceis provas da terceira, embarcariam numa aventura ímpar que lhes traria novas valências e memórias afetivas para a vida. Entre eles estava o Martim Cunha, a frequentar o 12.º ano de escolaridade e Comandante de Batalhão.
A 16 de janeiro de 2019 realizou-se a primeira eliminatória e o “371” foi apurado para a segunda, que decorreu no dia 13 de março. A 3 de abril, numa feliz caixa de correio eletrónico de professor Coordenador, recebe-se a seguinte mensagem da Ordem dos Biólogos: “É com enorme satisfação que informamos que a sua Escola tem o aluno abaixo indicado, entre os 50 primeiros classificados da Classificação Geral nas Olimpíadas Portuguesas de Biologia, 2019: Martim Cunha.”
A incontida alegria levou o professor Coordenador ao encontro do aluno para lhe transmitir a notícia: estava apurado para a grande final que decorreria no dia 27 de abril, na Universidade do Algarve (Campus de Gambelas)!
Por entre aulas e testes no Colégio, o Martim procurou preparar-se o melhor possível. Socorreu-se de alguns livros, entre os quais figurava aquele que é o símbolo que
transita por entre as mãos dos Olímpicos portugueses, que o deixam como legado aos que os sucedem: o “Biology” do Campbell, como é conhecido por todos os biólogos. No dia 25 de abril, feriado, enquanto outros poderiam descansar, o Martim esteve no Colégio Militar, juntamente com o professor Coordenador, a preparar-se para as provas práticas. Tinha-se lesionado num dos pés uns dias
antes e, apesar do apoio extra e não académico das muletas, o único apoio com que poderia contar agora era o da sua história de vida, o do seu conhecimento e o da sua indómita vontade de ser bem-sucedido e de representar o Colégio Militar ao mais alto nível. Nada sabia acerca do que o esperava. Tinha apenas uma breve ideia de que as provas se revestiam de um elevado grau de dificuldade (não
fosse a Ordem dos Biólogos fazer, como é expectável, uma seleção fina dos alunos que representam Portugal no estrangeiro). Sabia que iria digladiar-se com práticas laboratoriais que nunca tinha explorado e que iam muito além dos conteúdos abordados ao longo dos dois anos da disciplina de Biologia e Geologia. Apesar da lesão, garantida a segurança, conseguiu conduzir ao longo dos mais de 300 km para representar o Colégio na Universidade do Algarve. Aí se reuniram os 50 alunos selecionados – os que tinham alcançado os melhores resultados do país. Como sempre sucede nos eventos organizados pela Ordem dos Biólogos, para além das provas e do desempenho académico, estimula-se o convívio, a partilha de conhecimentos e a troca de experiências. Afinal, são jovens. E estariam reunidos durante três dias (de 26 a 28 de abril). Assim, nesse fim de semana, as atividades formais foram complementadas com atividades não tão formais, mas sempre pedagógicas, como por exemplo uma visita guiada às áreas reservadas do Zoomarine. Independentemente dos resultados que viesse a obter, a sua resiliência, a sua motivação e o orgulho em representar o “seu” Colégio, eram já motivos de vitória.
No dia 3 de maio, recebe-se a seguinte mensagem, remetida pela Ordem dos Biólogos: “É com enorme prazer que informamos que os(as) aluno(as) Martim Cunha, ficou(aram) classificado(s) entre os 10 primeiros classificados da Classificação do 12º ano das Olimpíadas Portuguesas de Biologia 2019, pelos que vimos convidar o(a) Professor(a) Responsável, o(a) aluno(a) e seus familiares para a cerimónia de entrega dos prémios, que se irá realizar no próximo dia 25 de maio de 2019 pelas 15:00 h no Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva, em Lisboa. […] A posição final do(a) seu(sua) aluno(a), na classificação geral, só será conhecida nessa cerimónia. A classificação final será posteriormente colocada no sítio da internet das OPB2019”.
Ser professor é ser maior sempre que um dos nossos alunos se agiganta, o que agora acontecia. A dúvida sobre o resultado final misturava-se com o orgulho. As contrações do miocárdio assumiram uma cadência que, em adulto, já não se mostravam costumeiras…
No dia da cerimónia, num auditório Mariano Gago completamente cheio de alunos e professores notáveis assim como de personalidades diversas dos mais variados quadrantes da sociedade, a emoção transbordava de uns para outros: do Cunha para os seus familiares, para os professores e para o Senhor Diretor, presente no evento que se tem mostrado um apoiante incondicional deste evento!
Antes do anúncio dos resultados do 12.º ano, já as emoções tinham estado ao rubro, e muito para além do que os músculos intercostais suportam: a aluna Carolina Damas Cordeiro (360/2013), do 10.º ano do Colégio Militar, havia alcançado um brilhante 3.º lugar ex-aequo (que lhe permitiria, inclusive, representar Portugal nas EUSO – Olimpíada da Ciência da União Europeia).
Contudo, por se encontrar a frequentar o ano de escolaridade referido, a aluna ainda não podia concorrer às competições internacionais. No entanto, o caminho começava a ser trilhado e um enorme sucesso a aguarda, estamos certos. Começavam a ser anunciados os vencedores do 12.º ano, do 10.º lugar para o 1.º. Não chamaram o Martim durante três intervenções (o que, neste particular, constituía uma excelente notícia). No ecrã gigante do palco ainda não tinha aparecido o seu rosto. Anunciam, entretanto, o 7.º classificado e… era o Cunha. E eis que surge o seu tronco, qual árvore enquadrada em moldura, num ecrã gigante onde se lia: “12.º Ano | 7.º classificado | Martim Leote Cunha | Colégio Militar”. Chamado ao palco, recebe o seu troféu das mãos do Bastonário da Ordem –Professor Doutor José Matos, que se posiciona ao seu lado esquerdo. À sua direita, grata coincidência, posiciona-se o Professor Doutor Francisco Petrucci-Fonseca (13/1963), Presidente do Grupo Lobo e antigo aluno do Colégio. Esta classificação permitia ter esperança na possibilidade de representar, mais do que o Colégio, o seu país!
No palco, com um saco de presentes, e com um sorriso daqueles, o Martim reencontrava alguns dos jovens que conhecera no Algarve e que agora sabiam que se classificaram entre os dez que tinham obtido as melhores classificações do 12.º ano na Olimpíada Sénior. À sua direita espreitava a bandeira nacional – um bom augúrio, talvez.
O músculo cardíaco acelerava os batimentos; nas jugulares, o volume de sangue parecia aumentar: começavam a anunciar os melhores classificados a nível geral. Apesar de a esperança não esmorecer, por entre tantos alunos do país, e depois de provas tão difíceis, a incerteza reinava. Projetam, então, as classificações nacionais e o Martim Cunha alcança o oitavo lugar!
Nenhum dos presentes se conteve, naturalmente. Família, aluno, professores e Senhor Diretor celebravam a conquista: o Cunha acabava de ser apurado para representar Portugal nas Olimpíadas Ibero-americanas de Biologia a realizar em Cochabamba, na Bolívia. Conheceu, ali, os três parceiros de equipa.
O professor confessou que, quando viu o aluno a subir ao palco, se lembrou das palavras de Jorge Luís Borges, que traduzem bem o seu feito: «A uns trezentos ou quatrocentos metros da Pirâmide inclinei-me, peguei num punhado de areia, deixei-o cair silenciosamente um pouco mais longe e disse em voz baixa: “Estou a modificar o Sara”».
A
O primeiro de muitos sorrisos.
Os oito magníficos.
Mais
Em julho, inicia-se um período de intensa e árdua preparação académica de nível universitário. Em diversos locais do país, o Martim Cunha passa horas a falar sobre as mais diversas temáticas relacionadas com aspetos teóricos e práticos da Biologia. Conhece o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Biocant Park – Centro de Inovação em Biotecnologia, um local único, reconhecido internacionalmente (situado em Cantanhede). Viaja também até Peniche para complementar e aprofundar a sua formação. Desde a biossistemática vegetal e animal, à microbiologia, biologia molecular e genética, passando pela evolução e pela ecologia, aborda matérias e contacta com investigadores e laboratórios que poucos jovens do país terão o gosto de conhecer.
A 7 de setembro embarca rumo a Cochabamba, na Bolívia. Parte com a sua equipa, enquadrada pelo Professor Doutor José Matos e pela senhora Professora Paula Castelhano. Numa viagem atribulada, plena de escalas, cruzam-se ideias, ansiedades, expectativas e conhece-se melhor os membros da comitiva. Entre 9 e 13 de setembro realizam-se as provas. O Martim fica incomunicável, sem acesso a qualquer meio tecnológico. Estuda o Campbell – a já referida “bíblia” dos biólogos. Família, amigos e professor, sem poder ouvir a sua voz, esperam por notícias. As “terríveis” provas práticas e as “aterradoras” provas teóricas, deviam ter corrido bem mas… ainda não se sabia. No dia 13, estava tudo feito! A espera, motivada também pela diferença horária, acrescentava horas ao dia. A internet no hotel não era a melhor. E eis que o telefone toca. Na aplicação do WhatsApp surge o rosto do Martim que diz: “Professor… tudo bem? Fiquei em…” E a chamada cai. Nova tentativa, que permite acrescentar “Professor, consegui…”. E cai novamente. Passa-se à escrita: “Falamos por mensagem. A rede está má!”. “Professor, alcancei a medalha de bronze!”. A notícia foi amplamente divulgada e o feito celebrado. O Martim estava de parabéns, naturalmente.
O diploma. A medalha.
Era, agora, oficial: na cerimónia de encerramento da XIII Olimpíada Ibero-Americana, divulgam-se os resultados: o olímpico Martim Leote Cunha, aluno do 12.º ano do Colégio Militar, conquista a medalha de bronze para Portugal
Os restantes elementos da equipa obtêm, também, resultados notáveis. Desde o jornal diário “Público” à Direção Geral de Educação, a notícia das conquistas destes jovens para o país é partilhada com orgulho.
O orgulho e a satisfação do dever cumprido.
As peripécias vividas na Bolívia foram muitas. Acontecimentos marcantes, alguns bizarros, perdurarão na memória destes quatro jovens. A experiência foi única.
Corria o dia 16 de setembro. Aeroporto Humberto Delgado. Lisboa. Foi um dia feliz!
O professor do Martim espera que um dia ele se recorde de que há alguém a quem ele marcou de forma especial e indelével. Nele viu um futuro que já não poderia ser o seu, mas que pôde viver como se fosse.
Esquecemo-nos de referir que…
O melhor é mesmo abordarem o Martim Cunha quando se cruzarem com ele. Estará, estamos certos, a caminho de um outro sucesso e com muitas histórias para contar. Obrigado!
Romagem de 50 Anos de Entrada 25 de Outubro de 2019
Decorridos 50 anos de entrada no Colégio, o curso de 1969/1976 deslocou-se de novo em romagem de saudade à Casa Mãe. Este é um curso peculiar, pois foi durante os seus 6º e 7º ano que ocorreram o «25 de Abril» e o período agitado subsequente, conhecido na altura por «Processo Revolucionário Em Curso». A sua vida no Colégio não foi fácil nessa altura. Como sempre, o Colégio seguiu em frente. Para a posteridade, apresentamos a lista dos numerosos membros do curso que participaram nesta jornada:
Roberto Pedro Peig Dória Durão (37/1970); António Agostinho Gonçalves de Mendonça (38/1969); Mário Correia Barrento de Lemos Pires (40/1969); António Vítor Reynaud da Fonseca Ribeiro (43/1968); José Henrique Damas Mora Ponces de Carvalho (47/1969); Carlos Manuel Castelo Branco do Espírito Santo (50/1968); Diamantino José de Oliveira Moreira Viegas de Carvalho (109/1969); José Manuel Amado Correia de Araújo (112/1969); José Car-
los Pereira de Matos Duque (123/1968); João Francisco Braga Marquilhas (132/1969); Delfim da Fonseca Osório Nunes (141/1968); Pedro Miguel Prazeres Fuzeta da Ponte (143/1969); Rogério Manuel Dias da Silva Castela Jacques (159/1968); Edgar Coutinho de Abreu Proença (186/1969); Eduardo Manuel Abreu de Oliveira Pegado (205/1969); Fernando José Loureiro Ramires Ramos (211/1968); João Eduardo da Costa Limão Gata (264/1969); Luís Manuel Botelho Moreira Guerra (309/1969); Luís Manuel Borges de Albuquerque Nogueira (323/1969); Gonçalo Nuno Serrão Sirgado Arnaut Pombeiro (372/1969); João Manuel Pereira Santos (380/1971); Rodrigo João Marques Frazão (382/1967); Duarte Rui Aniceto Dias Marques (408/1969); Luís Manuel Carvalheira Gomes Marques (427/1969); Duarte Manuel Lynce de Faria (446/1970); Diogo Sassetti Ramada Curto (451/1970); António Luís Henriques de Faria Fernandes (454/1970); Luís Manuel Mena Gravito (462/1969); António Manuel Mira Alves Pinto (468/1969); Francisco Manuel Martin Pereira
do Valle (471/1969); Carlos Manuel Chedas de Sampaio (498/1968); Pedro Luís da Câmara Santa Bárbara (512/1969); João Palma Leal Bebiano Ceppas (517/1970); João Francisco Ramalho Ortigão Delgado (531/1969); Fernando Óscar Peniche de Sousa Moutinho (534/1969); Pedro Alexandre Lourenço Marques Esgalhado (555/1969); António Xavier Lobato de Faria Menezes (568/1969); João Manuel Sanches Roma Moreira Lobo (572/1969); João Paulo Pereira de Lima Duarte Ferreira (584/1969); José Alfredo Madeira Ferreira da Cunha (655/1969); José António Paulo (672/1970); João Manuel de Castro Palha Ribeiro Telles (676/1970).
Romagem de 30 Anos de Entrada 8 de Novembro de 2019
Decorridos 30 anos de Entrada no Colégio, estiveram presentes nesta romagem de saudade os seguintes Antigos Alunos:
Pedro Guedes de Andrade Puppe dos Santos (20/1989), Luís António Oliveira de Deus Alves (30/1989), David José Torres Cruz (31/1989), João Nuno Girão Vieira Lamy da Fontoura (61/1989), Vítor Manuel Jorge Rodrigues (93/1989), Pedro Manuel Castro e Campos de Brito Subtil (78/1989) João Ricardo Rosmaninho Duarte Silva(117/1989), Paulo Jorge Gonçalves Gomes (131/1989), João Frederico Vasconcelos Beleza Vaz (151/1989), Hugo Miguel Martins da Palma Cecília (175/1990), Manuel Nuno Direito de Morais Guerreiro (176/1989), José Ricardo Duarte
Batista Viegas (187/1989), Ricardo Duarte Paiva Floreano (194/1989), Filipe Ricardo Roque Monteiro Maçarico (197/1989), António José Fernandes da Silva Francisco (220/1989), Tiago João Calado Salvado dos Santos (231/1989), João Miguel Raposo Moura Santos (244/1989), Jorge Miguel Faria Conde Rendeiro (255/19899 , Bruno Henrique dos Santos Costa (283/1989), Gonçalo Martins Conde da Costa (294/1989), Miguel Rodrigues da Cruz (304/1989), Nuno Miguel Teixeira Ribeiro (310/1987), Rodrigo Manuel Chalmique Chagas da Silva Lopes (328/1989), José Pedro Silva Severino (357/1989), Renato Emiliano Freitas Gonçalves Ramos (359/1989), António Maria Figueiredo de Barros Côrrea Nunes (440/1989), Júlio Filipe de Campos Gameiro (451/1988).
Romagem de 25 Anos de Entrada 18 de Outubro de 2019
Decorridos 25 anos sobre a sua entrada para o Colégio, o curso de 1994/2002 regressou à Luz, para matar saudades da nossa Casa-Mãe. Estiveram presentes nesta romagem de saudade os seguintes Antigos Alunos:
Rui Eduardo Vieira Barrento Sabbo (11/1994); Sérgio Alexandre Vieira Pombo Mendes (23/1994); Tiago Alexandre Fernandes Vaz (44/1994); José Augusto de Pinho Tavares (61/1994); Duarte Nuno Ribeiro Machado Leite de Castro (69/1994); José Maria Duarte Silva Ferreira Lima (119/1994); Nuno Miguel Gomes Calado (151/1994 ); André Marinho Estrela Soares (159/1994); Tiago Jaime
da Silva Ferreira (198/1993); Ady Fernandes Burity da Silva ( 235/1994); Gustavo André dos Santos Lima (248/1994); João Pedro Bettencourt Jordão de Noronha Krug (252/1994); Tiago Miguel Carmesim Gonçalves (281/1994); João Mário Ferreira Caracol (312/1993); Igor Miguel Portela Carneiro (322/1994); Tiago Manuel de Castro Parente ( 343/1993); Miguel Ângelo Paulo Pousa (371/1994); Ricardo Manuel Machado Dias (373/1994); Vitor Hugo Ferreira Pinto (382/1994); Fábio Micael Guerra Bento (385/1994); Igor Alexandre Loureiro Ezequiel (391/1994); Pedro Rodrigues Mendes (417/1994); João Pedro Pascoal Marvanejo Barreto (428/1994); Guilherme João Cavaco Esperança da Silva (431/1994); Marco Gonçalo Carvalho Seca (437/1994); Gonçalo Francisco de Oliveira Vilela da
Silva (439/1994); Davide Miguel Tavares da Costa Garçia (442/1994); José Ulisses Lemos Pires Ribeiro Braga (446/1994); Manuel Amaral de Ataíde Banazol (447/1994); Paulo Alexandre Ribeiro Martins de Sousa (448/1994); Ridley José Matias Armando (465/1994).
Romagem de 20 Anos de Entrada 27 de Setembro de 2019
Decorridos 20 anos de Entrada no Colégio, estiveram presentes nesta romagem de saudade os seguintes Antigos Alunos:
Salvador Teixeira Beirão Reynaud Ribeiro (43/1996); José Antonio Vinagre Pimenta (77/2001); Guilherme Boulton Trigo Lopes da Costa (85/1999); Nuno José Lopes da Costa Alves Caetano (99/1998; David Emanuel Monteiro Azevedo da Silva (147/1999); João Francisco Serigado Dias Alves (152/1999); Lourenço Sacadura Botte Corrêa Monteiro (171/1999); Mario Miguel Figueiras Arvana (199/1999); João Tiago Varela Henriques Correia (303/2001); Hugo António Magalhães da Costa (318/1999); José Emanuel Viegas Agostinho (460/1999).
DEnquanto aluno, conheci o Capitão Galhardo como oficial comandante de companhia. Embora sendo jovem e um pouco irreverente não pude deixar de apreciar o seu espírito de justiça, a sua correcção para com os alunos e o saudável relacionamento que, connosco, mantinha.
Sendo firme nas suas decisões, não deixava de ser compreensivo para com aqueles camaradas que, como eu, de quando em vez, “pisavam o risco”. Certamente, o seu passado como aluno do nosso Colégio lhe lembrava algumas “patifarias” que então faria.
Mais tarde, cerca de 40 anos depois, ele reformado do exército e eu do ensino, encontrei-o em Tavira, sua terra natal. A partir daí tivemos bons momentos de convívio tendo contactado de perto com sua esposa e filhas.
Lembro-me que, num desses convívios em sua casa, lhe contei um episódio em que ele, capitão Galhardo, tinha participado de forma indirecta.
Eu e mais dois camaradas pensámos ter um reforço alimentar após o toque de silêncio. Se bem pensámos, melhor o executámos.
Saímos por uma janela da 4ª Companhia e fomos até ao armazém de víveres que ficava no piso inferior ao refeitório. Uns queijinhos, um vinho do Porto e umas chouriças foram o resultado deste “golpe de mão”.
Onde os colocar para não serem detectados? Nada melhor que no interior do autoclismo do gabinete do oficial comandante de companhia – Capitão Galhardo.
Foi com um sorriso bem largo que o nosso capitão veio, tantos anos depois, a saber do sucedido.
Como nota final não posso deixar de salientar o seu humanismo expresso nos livros de poemas que publicou. Depois de ter concluído uma licenciatura em História fez ainda mono-
grafias sobre Tavira, terra que ele tanto amava. Ao meu capitão
Um sentido Zacatraz.
Recebi com tristeza a notícia do falecimento daquele que para mim era o «Capitão Galhardo». Era ele o oficial Comandante da 2ª Companhia, quando na mesma fui colocado, ao ingressar no Colégio, para o 3º ano do curso. Se bem me recordo, eramos 13 alunos nessas condições, caídos de pára-quedas num meio que nos era totalmente estranho e a termos de nos integrar, com toda a celeridade, na comunidade formada pelos restantes alunos da companhia, já veteranos daquelas andanças. A acção do Capitão Galhardo foi, a meu ver, muito importante para o êxito dessa integração, sendo também de justiça mencionar a acção dos graduados que então tivemos. O Capitão Galhardo era um bom oficial Comandante de Companhia, exigente, mas justo, e que tinha uma aptidão natural para lidar com o pessoal da Companhia, tendo em conta a sua idade, tratando-nos sempre como responsáveis pelos nossos actos. O pessoal gostava dele e ele sabia-o. Havia empatia, como agora se diz, entre o comandante e os comandados, ou seja, entendíamo-nos bem. Descanse em Paz.
Os que nos deixaram
Nasceu na Nazaré, em 22 de Agosto de 1934, filho de José da Costa Estorninho (Oficial do Exército) e de Maria José da Cunha Gomes Júdice da Costa Estorninho.
Ingressou em Outubro de 1944 no Colégio Militar, onde também foram alunos os seus irmãos José Eugénio da Costa Estorninho (77/1938) e Manuel Nuno da Costa Estorninho (207/1952). Concluído o seu curso no Colégio, ingressou na Escola do Exército, sendo aí contemporâneo dos seus irmãos José Eugénio (Arma de Engenharia) e Fernando Manuel da Costa Estorninho (Arma de Infantaria). Começou por fazer o Curso Geral Preparatório, ao que se seguiu o Curso da Arma de Cavalaria e o tirocínio para oficial da mesma Arma, este último já feito na Escola Prática de Cavalaria.
Foi promovido a Alferes, ingressando assim na Arma de Cavalaria, a 1/11/1956. As promoções subsequentes foram as seguintes: a Tenente em 1/12/1958, a Capitão em 30/6/1961, a Major em 16/1/1970, a Tenente -
-Coronel em 31/12/1976 e finalmente a Coronel em 12/3/1982. No ano lectivo de 1985/86 fez o Curso de Altos Estudos Militares.
Como oficial, serviu em diversas Unidades da sua Arma, nomeadamente nos Regimentos de Cavalaria nº 3, 4, 7 e 8, tendo sido comandante do Regimento de Cavalaria nº 3, em Estremoz. Serviu também na Direcção da Arma de Cavalaria, como inspector, e no Quartel- General da Região Militar do Sul, em Évora, onde desempenhou as funções de Chefe do Estado-Maior. Serviu também na Polícia de Segurança Pública, tendo sido comandante da respectiva Escola Prática, em Vendas Novas.
A nível de Estabelecimentos Militares de Ensino, serviu na Academia Militar e no Colégio Militar. No Colégio exerceu diversas funções, nomeadamente de Mestre de Esgrima, de Comandante de Companhia e finalmente de Comandante do Corpo de Alunos.
Foi quatro vezes mobilizado para comissões de serviço no Ultramar. Começou com uma comissão em Macau (1959-1961), a que se seguiu uma comissão em Moçambique (1963-1965) e duas comissões
em Angola (1967-1970 e 1971-1973). Foi condecorado, entre outras, com a medalha de prata de serviços distintos e a medalha de mérito militar de 1ª classe.
Casou em 1961, em Macau, com Noémia Maria Ferreira do Rosário Estorninho e tiveram dois filhos, Maria João do Rosário Estorninho Pereira da Silva (1962), Catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa, e Luís Miguel do Rosário Estorninho (1965), Engenheiro e ex-aluno 150/75, comandante de batalhão em 1982/1983 e quatro netos, Diogo (1996), finalista de Engenharia do Instituto Superior Técnico, Joana (1999), aluna do 3º ano da Faculdade de Medicina de Lisboa, Sofia (2000), aluna do 2º ano de Bioquímica da Faculdade de Ciências de Lisboa, e Laura (2012) que acabou de iniciar a 1ª classe.
Faleceu em 10 de Setembro de 2019, aos 85 anos.
Que tenha agora o merecido descanso.
Falar do Carlos Vasconcelos é falar de um ser excepcional.
Para além das sua qualidades intrínsecas, a sua formação cívica e humana adquirida no Colégio Militar, que ele amava sinceramente, marcaram profundamente toda a sua vida, como Homem, Militar, Veterinário, Formador da Escola Nacional de Equitação, Monitor de Equitação Terapêutica, acima de tudo como Cidadão.
Cidadão consciente do papel que desempenhava na sociedade – preocupado e solidário com o outro. Esse outro tanto era o Amigo como o Inimigo, o Ser Humano e o Ser Animal, a natureza em toda a sua diversidade.
A Todos e a Tudo tratava com Humanidade, aceitando o Igual e o Diferente.
Deixa uma saudade imensa em todos que com ele conviveram e tiveram o privilégio de o ter como Amigo.
Ninguém era indiferente à sua alegria e simpatia.
Aceitou a morte com a naturalida de de quem aceita, sem revolta, a sua inevitabilidade.
Cumpriu a sua Missão: Ser Feliz. Fazer os outros felizes.
Termino como comecei – falar do Carlos Vasconcelos é falar de um ser excepcional.
OJoão Núncio faleceu inesperadamente no dia 9 do passado mês de Agosto, de doença grave e súbita, no Hospital da Cruz Vermelha, perante o espanto e profunda dor dos seus familiares, amigos e antigos camaradas do Colégio Militar. Foi acompanhado até ao fim da sua vida pela sua mulher Maria João.
O João era filho do grande cavaleiro tauromáquico e Mestre João Branco Núncio, e desde cedo lidou com cavalos e adquiriu um profundo conhecimento da tauromaquia. Era irmão de outro ex-aluno, já falecido, o Francisco Núncio ex-258 (1948).
a Matemática, Ciências Físico - Químicas, Desenho, Inglês e Francês. Nas aulas práticas o seu ponto mais forte era a Equitação, mas também relevante na Esgrima e Educação Física. A graduação que lhe foi atribuída no 7º ano foi “duas estrelas” e “porta-bandeira”, na qual teve muito orgulho, no especial desfile de recepção e guarda de honra, do Colégio Militar, quando o féretro da Rainha D. Amélia desembarcou no Cais das Colunas. No final de curso em Outubro de 1952, além das medalhas respectivas, recebeu o prémio D.Luís (Química) e o bastão com punho em prata, tendo gravado “C.M.” e “Prémio de Equitação”, este entregue pelo Presidente da República, General Craveiro Lopes, como se pode observar na foto anexa. Nas férias de verão, desse ano, 1952, na Foz do Arelho, conheceu a Maria João, sua futura mulher.
O seu desempenho escolar foi relevante como atestam as suas condecorações colegiais, três medalhas de disciplinas teóricas, sendo duas de prata e uma de ouro e quatro medalhas de disciplinas práticas, sendo três de prata e uma de ouro. Nas disciplinas teóricas atingiu classificações na área do “muito bom”
Concluiu o curso de engenharia civil com facilidade e bom nível de desempenho, tendo sido convidado para assistente de Matemáticas Gerais. Aqui também se distinguiu como jogador de volleyball na selecção do I.S.T., uma das melhores a nível nacional e que chegou a sagrar-se campeã nacional. Participou, também, activamente na Juventude Universitária Católica. Licenciou-se em Engenharia Civil.
A relação com a Maria João não progrediu e o João decide entrar no Seminário dos Olivais e seguir a vocação sacerdotal. Concluiu o curso completo que alargou a sua cultura em Filosofia e Teologia. Foi ordenado sacerdote e os pais organizaram uma bela e grandiosa festa em sua honra, tendo o pai afirmado que se um dia saísse da via que tinha escolhido podia contar com todo o apoio da família. Algum tempo depois, num tempo de grande viragem de ideias na Igreja Católica, decide, como outros sacerdotes o fizeram, regressar ao estado laical. Depois o João e a Maria João que se formara em Medicina, voltaram a encontrar-se e decidiram juntar os seus destinos, casaram e constituíram família… Uma bela história de amor.
Durante algum tempo o João trabalhou com o engenheiro Armando Lencastre, notável figura da engenharia portuguesa, em projectos de Hidráulica. Em 1973 o casal vai viver para Londres e o João obtém, o Master of Science e o respectivo diploma ,em 1975, no Imperial College of Science and Technology, em Londres, com a especialidade em Hidráulica. Entretanto a Maria João e o João ficam a trabalhar, ambos em Londres, a Maria João como médica e o João na firma Sir William Halcrow and Partners, onde assume a função de “Business Development Engineer”, trabalhando em projectos de Hidráulica a nível internacional. Entretanto têm dois filhos, a Rita e o
João. A vida é árdua e o filho João adoece gravemente, fazem tudo para o curar, a criança sofre muito, a doença não cede e decidem voltar a Portugal.
Pouco depois e vencendo todas as espectativas contrárias o filho João melhora e caminha rapidamente para a cura. O João continua a trabalhar, em Portugal, agora na firma ProSistemas Ambiente, Engenharia e Gestão Lda, dirigida pelo engenheiro Joaquim Gusmão, de quem o João foi colaborador e grande amigo até ao fim da sua vida. Decidem assumir a propriedade de uma quinta em Alcácer do Sal que lhes pertencia por herança. A quinta estava ocupada na sequência do PREC, por muitas famílias incluindo um guarda republicano com a sua família. A casa principal da quinta não fora ocupada. Graças ao bom senso e sabedoria relacional do João e da Maria João estabelecem-se relações cordiais e respeitadoras com os ocupantes. A pouco e pouco as pessoas ocupantes vão-se retirando e o casal Núncio recupera a propriedade plena desta quinta, que será a base de um novo projecto do João.
Na quinta de Alcácer os filhos João e Rita, prosseguindo o seu caminho educacional, começam a lidar com cavalos desde cedo. Entretanto João começa a desenvolver um projecto de criação e treino de cavalos para toureiros, obtendo relevante sucesso nos resultados, no toureio a cavalo, de alguns nomes importantes nesta actividade. A marca João Núncio, dos cavalos, aparece como um símbolo de qualidade, pelo respectivo desempenho, em praças de touros das mais importantes. Ganha importantes prémios. Entretanto o João escreve dois livros sobre esta temática, com grandes ensinamentos e experiência acumulada e produz um vídeo em que ele comenta touradas de seu pai,
Mestre João Núncio, com importantes detalhes e ensinamentos do toureio a cavalo. Para resumir e expressar esta experiência, contada pela voz do João: “no toureio a cavalo a aproximação ao touro depende em exclusivo do eficiente e habilidoso comando do cavaleiro, na comunicação excelente do cavaleiro ao cavalo, mas depois a fuga, a esquiva à investida do touro, deve o cavaleiro dar rédea livre ao cavalo para que ele exerça todo o seu instinto de sobrevivência e até de criatividade.”
Enfim, uma vida de grande beleza e tão grande contributo graças à junção num projecto de vida comum entre duas ricas personalidades, Maria João e João Barahona Núncio.
É de justiça afirmar, com clareza que este artigo não teria sido possível sem recorrer ao muito bem organizado arquivo digital da viúva, Exmª Srª Drª Maria João Albuquerque Núncio.
Pedro do Couto Lagido (330/1947)
Era o mais novo de sete irmãos e veio a frequentar o Colégio entre 1952 e 1958, no curso de 1952/59. Pouco falador, mas determinado quando se envolvia, revelou-se muito bom nas aulas práticas.
Em 1958 pertenceu ao grupo que participou, em Bruxelas, no Congresso Mundial de Ginástica. Esta “Classe Especial” veio a merecer um louvor, proposto pelo Mestre de Educação Física «Pela grandeza de ânimo e entusiasmo que revelaram no referido Congresso, e lhes permitiu fazer uma exibição verdadeiramente brilhante, o que foi grandemente ovacionado e apreciado por técnicos estrangeiros de renome mundial presentes».
“Tuda” era a sua alcunha, como evolução de “Batatuda”. No Colégio, com o tempo, as alcunhas ficam mais curtas e passam ao feminino… diz quem sabe.
Terminado o curso liceal, veio a dedicar-se à vida do mar.
«Devia ter ido para cavalaria: eu descendo de gerações de oficiais de cavalaria. O meu avô, o meu tio, o meu irmão mais velho, todos eram oficiais de cavalaria», dizia. «Mas tenho um irmão que se tornou oficial da Marinha
Mercante e fiquei fascinado com a sua escolha: ir para o mar». «O Mar entrou tarde na minha vida, e ficou». E ficou durante 26 anos.
De resto já se havia antes envolvido na vela, no liceu. Tendo finalizado uma regata, num campeonato em Lisboa, em primeiro lugar.
E assim foi até àquele fatídico ano de 1990; a 18 de Outubro, uma quinta feira, pelas 21 horas. Quando o pesqueiro “Ilha de S.Vicente”, que comandava, foi abalroado e afundado, ao largo da Mauritânia, por um navio mercante Grego.
«Naquele dia, pelas nove da noite, eu estava na ponte de comando. Era uma noite igual a tantas outras e navegávamos a cerca de 70 milhas da costa. Tinha sido uma boa safra. Nenhum de nós poderia imaginar o que nos estava reservado. Os naufrágios para nós, homens do mar, são como a lotaria: só acontece aos outros». Ironizava o Falco Pereira, numa entrevista então dada a «O Jornal Ilustrado».
Mas à ironia sobrepôs-se, depois, a dor: «nunca mais volto ao mar!» E manteve. Envolveu-se ainda noutras atividades, mas nunca mais pisou um convés. «Nem nos cacilheiros!» confirmou o seu filho José Miguel.
«Terá sido, do nosso curso, o mais presente na minha vida. Passávamos férias juntos. Ele estava na Escola Náutica e vinha buscar-me, a mim e ao Estorninho* para todos os almoços e jantares do 3 de março. No regresso de Angola, ele morava em St. António dos Cavaleiros. Reuníamos em casa dele, de cada vez que vinha do mar», relata o Carlos Cameirão (394/1952).
E, continuando: «no Colégio ele era muito fechado, introvertido. A relação entre nós era a de todos. Mas depois começámos a conviver mais de perto. Fechado, mas adorava pregar partidas. Convivíamos muito em casa das minhas irmãs em Vila nova de Gaia. Chegava no dia de Natal e às vezes ficava até ao Ano Novo». O acidente marcou-o muito. Gostava muito dos seus homens e não conseguia esquecer aquela tragédia onde ficaram vinte daqueles que comandava e que não conseguiu salvar. Como já antes tinha feito.
Depois começou a trabalhar nos seguros. Muitos conhecemo-lo melhor nessa época. Nos almoços regulares do curso era também dos mais assíduos.
Que marcas de vida terá deixado este antigo aluno? Muitas, seguramente, e em diversos contextos. Mas talvez a mais expressiva tenha sido a sua capacidade de resistência, psicológica e física, aquando do acidente.
No relato à revista «O Jornal Ilustrado»: «estive cerca de sete horas no mar, a ver passarem por mim os navios que participavam na busca. Quando algum barco se aproximava, eu esbracejava, gritava, assobiava. Mas eles não me viam. Era a coisa mais desesperante, eu estar a vê-los e eles a não darem por mim. Andavam à procura de náufragos, apontavam projetores para o mar, mas não me viam».
«Ainda hoje não sei exatamente o que me deu forças e me fez aguentar tanto tempo a nadar, convencido de que era o único sobrevivente…»
À Maria de Fátima, sua mulher, e ao José Miguel, seu filho, bem como à sua família, dedica
O Curso de 1952/59
*Manuel Nuno da Costa Estorninho (207/1952), recentemente falecido
Começou a amar o Colégio antes de entrar. Por essa altura vivia em Elvas, onde o pai comandava Caçadores 8, se não me engano. Como ele tinha gosto em contar, herdou a farda do irmão e não descansou enquanto não a vestiu e o pai o levou à rua fardado! E ainda há poucos meses se orgulhava de ter vestido e mostrado a farda uns dias antes de entrar. Esse orgulho no usar a nossa farda cor de pinhão ficou para sempre. Vejo muitos de nós com o orgulho de termos vestido essa farda, de termos andado no Colégio, mas nunca encontrei ninguém que tivesse uma sensação tão forte de ligação à farda, quase simbiótica. De facto, a recordação da farda, da farda vestida ainda menino nas ruas de Elvas, foi funcionando pela vida fora como uma fonte positiva para a vida. Porém, mais do que a farda foi o Colégio e mais do que o Colégio foram os camaradas do curso.
O Estorninho vivia as recordações do Colégio na amizade aos camaradas. Já passaram quase 70 anos sobre ter sido rata. O Colégio foi mudando. Ele foi vendo as mudanças. Mas não as via de fora, acabava por senti-las por dentro. Mas a sua atitude perante o Colégio continuava imbuída de uma mística especial, sua. Ao longo dos anos, a única coisa que ele mudou no Colégio foi a placa comemorativa e as datas das nossas reuniões de curso. A placa lá vai continuar nos claustros, por cima da porta da passagem para o “pátio dos cães”. O que agora vai mudar é deixar de ser o Estorninho a marcar novas datas. Mas fica para sempre a marca dele, sinal da sua amizade ao Colégio e aos camaradas do curso.
O Estorninho era de facto paradigma da amizade e, muito concretamente, da amizade entre nós. Nunca ninguém o apanhou a dizer mal de outro, antes sempre no bem julgar e bem estimar. Entristecia-se porque alguns do curso se tinham afastado. Rejubilava quando algum voltava ao nosso convívio. Esperava sempre que as coisas corressem bem nesta nossa relação de ex-alunos. Todos nós lhe percebíamos uma atitude profunda e verdadeira de amizade. Todos nós nos sabíamos estimados. Todos nós lhe retribuíamos um pouco dessa amizade. Esperemos bem que essa amizade fique instala -
da nos nossos encontros agora que o Manuel Nuno é um ausente presente.
A sua atitude leva a pensar diferente. Poucos dias depois de ele nos deixar, topei com a quase ode que S. Paulo usou na sua 1ª Carta aos Coríntios (1Cor 13, 4-7) para lhes explicar o que era o amor. Veio-me à lembrança o Estorninho. Pela sua vida, ele reescreveu essa ode à amizade e à camaradagem. Não vale a pena transcrever a Epístola: recordem como o Estorninho foi para nós!
Foi bom ser amigo de um amigo bom!
A notícia do falecimento do 207/1952 já tinha sido dada no nº 216 da ZacatraZ. Recebemos posteriormente este testemunho do 214/1952, seu camarada de curso, que não quisemos deixar de publicar.
O Manuel Nuno da Costa Estorinho era irmão e sucessor do João Luís da Costa Estorinho, cujo falecimento anunciamos neste número da Zacatraz.
Que descansem em paz.
Omeu irmão partiu, o mais velho, o Carlos José.
Partiu e agora chegam as memórias: De como ele se esforçava a ensinar-me a falar Francês, com a ajuda dos livros do Tintin, que o nosso Pai nos trazia de Paris ou de Bruxelas.
Da alegria com que ele e o nosso irmão Manuel Luíz me empurravam de um lado para outro, até eu conseguir andar de bicicleta sozinho.
As semanas que os dois passaram, pouco antes de eu entrar para o Colégio Militar, para me ensinarem a marchar e a manejar uma arma, para me tornarem mais leve a minha integração.
E o gosto que o Carlos José me incutiu pela Cirurgia, tudo o que me ensinou ao longo dos anos da minha formação e, acima de tudo, a maneira de estar na nossa profissão.
Até um dia, meu Irmão!
João Pedro Rodrigues Ferreira Quaresma (213/1965)
Conheci o Carlos Quaresma quando em Outubro de 1956 entrámos juntos para o
Colégio. Os nossos pais eram os dois oficiais da Força Aérea. Desde aí no Colégio, na Faculdade e mais tarde na vida familiar e profissional mantivemos sempre uma relação muito próxima. Nas férias colegiais ia a S. João do Estoril onde o Carlos vivia e passávamos tardes entre a sua casa, o Chalet Mariana, e a praia da Poça, muitas vezes com a companhia do Zé Maria Reis Tomás, o “Bispo”, o 347, também do nosso curso. O convívio tinha como pano de
fundo a bondade da sua mãe e a relação muito informal que mantinha com o pai. No sétimo ano o Carlos foi graduado em duas estrelas da primeira, então comandada pelo Rui Carita, o 115. Foi uma primeira diferente, muito especial pelo ambiente informal e acolhedor que se vivia. Nesse ambiente destacava-se o Carlos pela forma com que se relacionava com os miúdos, que se pode dizer que o adoravam. Esta relação manteve-se nos anos seguintes e ainda hoje por eles é recordada.
Do nosso curso um forte contingente foi para Medicina. Além do Carlos e de mim o 7, Joaquim Barradas, o 317 Jorge Veiga Torres, o Mosca, o 329 José Eduardo Rosado Pinto, em Lisboa e o 18, Manuel Silvério
Marques em Luanda. Em Lisboa no primeiro ano solidariamente chumbámos todos a Anatomia, ou seja, prescrevemos e perdemos o ano. Durante o curso os laços estreitos mantiveram-se, almoçávamos juntos no Convívio Universitário quase todos os dias. Foi durante o curso que o Carlos conheceu a que viria a ser a sua mulher e companheira de toda a vida, a Ivone.
Já durante o curso se tinha manifestado uma forte vocação cirúrgica e, quando chegou a hora de escolher a especialidade, a Cirurgia Geral surgiu naturalmente. Seguiu-se uma extraordinária carreira no Hospital de Cascais, em que percorreu todos os degraus, chegando a Director de Serviço e Director Clínico.
A sua passagem por este hospital, em particular como Director do Serviço de Cirurgia, traduziu-se por uma evolução notável das técnicas cirúrgicas e da organização do Serviço. Por exemplo o trabalho, pioneiro a nível nacional, de implementação generalizada da Cirurgia de Ambulatório. A sua dedicação ao Serviço e aos doentes que a ele recorriam não tinha limites.
Uma história vivenciada por um amigo meu demonstra bem o que era o Carlos Quaresma. Ele acompanhava um doente com uma ferida do dedo da mão, que estava muito edemaciado e em que a aliança impedia a sua sutura. Isto passava-se a meio da noite. O Carlos meteu-os no seu carro, levou-os a casa de um serralheiro que naturalmente estava a dormir, acordou-o pedindo-lhe que cortasse a aliança. Regressados ao hospital a ferida foi suturada a tempo de não haver mais complicações. Em fase mais avançada da sua vida, infelizmente, surgiram problemas graves de saúde que o obrigaram a interromper a vida profissional. Desde aí a sua grande dedicação foi à família, e em particular aos seus seis netos. Nas reuniões anuais do nosso curso era sempre com grande gosto que me contava o último cruzeiro que com
eles tinha feito e me falava do próximo que estava a programar.
Simplicidade, amor à vida, dedicação em tudo o que empreendia e um grande coração, era assim o Carlos Quaresma. A nível pessoal lembrar-me-ei sempre da atenção e carinho que tinha para com os miúdos da primeira que andavam sempre de volta dele, tal como mais tarde nas
nossas conversas se percebia foi o que, do mesmo modo, dedicou aos netos.
Estou a imaginar, lá onde ele está agora, os pequenos anjos acotovelando-se à sua volta, pedindo insistentemente ao Carlos José (como era tratado em família) que organize um cruzeiro e os leve com ele.
Pedro Braga Abecasis (15/1956)Nasceu a 20 de fevereiro de 1963
Faleceu a 13 de Dezembro de 2018
César Canuto (272/73 – Chinês)
O 272. O Canuto. O César. O nosso “Chinês” . Parecia uma regra instituída no nosso tempo do Colégio: na miríade de alcunhas que se inventavam, em cada curso havia, invariavelmente, um “Preto” , um “Chinês” e um “Gordo” ! Mas o nosso era genuíno, um chinês de Macau, o mais velho de três irmãos, todos alunos do Colégio, cada um o “Chinês” do seu curso!
Do César, todos guardamos grata e saudosa memória. Amigo do seu amigo, camarada de corpo inteiro, dava-se bem com toda a gente, todos adoravam o “Chinês” ! O seu sorriso franco, a sua frontalidade, o seu sentido de humor e alguma irreverência, que por vezes raiava a rebeldia, são fontes de muitas recordações presentes na memória de todos nós, nos anos em que tivemos o privilégio de conviver com o “Chinês” no Colégio Militar.
Recordo um sábado, em dia de chá-dançante. Estávamos na sala de leitura da 4ª., a seguir ao almoço e o “Chinês” fumava o seu cigarro (obviamente proibido!) quando, de repente e de forma completamente inesperada, entra o Oficial de dia, na ocasião o tenente Nunes, por alcunha o “Nones” , por ser assim que o próprio pronunciava o nome. Hábil e automaticamente o “Chinês” escondeu o cigarro atrás das costas e, sem exagero, de pé, aguentou dois minutos de “conversa de chacha” com o “Nones” , abanando a mão que segurava o cigarro proibido atrás das costas para que o fumo se dispersasse, os dois com uma tremenda “cara de pau” , o “Nones” a fingir que não via, o “Chinês” , com o ar mais inocente deste mundo, a fingir que não se passava nada… quando o “Nones” , finalmente, saiu, gargalhada geral, a começar pelo próprio “Chinês” !
Saídos do Colégio, os rumos da vida de cada um levaram à ausência e à distância, via o “Chinês” raramente, ou num “3 de Março” , ou em qualquer jantar de curso em que ele, esporadicamente, aparecia. Sempre com o mesmo sorriso travesso que nos aquecia a Alma, sempre com o mesmo feitio rebelde, em perfeito contraste com a sua profissão de bancário e
com a sua condição de pai de família… A doença maldita levou-te cedo de mais, “Chinês” , a tua aura de bom amigo e leal camarada perdurará entre nós enquanto cá estivermos!
Até sempre, amigo, e um enorme ZACATRAZ!!!
Pediram-me para escrever uma nota sobre o “Teso” , talvez pela proximidade que tive com ele durante os anos do Colégio, e dei por mim contente por o poder fazer.
Com a exceção de alguns que, ao longo dos anos, foram mantendo algum tipo de contacto com ele, a verdade é que o Teso passou pelas nossas vidas apenas durante a adolescência. Pessoalmente, perdi-lhe o rasto depois de ele ter saído, creio que antes do 7º ano (não me recordo bem), mas, naqueles 4 ou 5 anos em que partilhamos a camarata, o refeitório, as salas de aula, os campos do colégio, o “Teso” deixou em mim uma marca indelével e que ao longo dos anos nunca morreu completamente, apesar do afastamento. Acima de tudo, a banda de música que formamos (ele, eu, o Preto, o Jorge Sá e o Americano, tendo o Cadela participado a dada altura como compositor de letras) constituiu um pequeno mundo à parte do resto. A banda não valia nada - tocávamos o “The House of the Rising Sun” e pouco mais -, mas ele era claramente a estrela da companhia. Recordo-me de, no âmbito de um evento qualquer do Colégio, termos sido
convidados para tocar na Gulbenkian. Éramos tão mauzinhos que, após o ensaio geral, o responsável pela organização achou melhor preservar a sanidade mental da audiência e retirou-nos do programa. Mas convidou o “Teso” para tocar
já não sei com quem. Enfim, a história pode não ter sido exatamente assim, mas não andou muito longe disto. A verdade é que o “Teso” , alto, esticado, com aquelas compridas camisas aos quadrados abertas até baixo e umas T-shirt’s provocatórias por debaixo, mais do que qualquer um dos outros encarnava o espírito hippy que fez parte integrante dos anos 60 e 70 e tinha imenso jeito para a bateria. Estava-se nas tintas para as aulas, o desporto pouco lhe dizia, e o rigor militar que nos formatava ainda menos. Era um rebelde, contra o sistema. Os Doors eram os seus ídolos, o Jim Morrison o seu modelo, e a bateria uma escapatória para a frustração que o contexto lhe provocava. Nunca se adaptou e escolheu viver nas franjas. Cavava sempre que podia, alinhava em que tudo o que fosse disruptivo, mas tinha um espírito bom, generoso e dócil. Não me recordo de o “Teso” se envolver numa cena de pancadaria e tamanho não lhe faltava. Era impossível não se gostar dele. Era simpático, amigo do seu amigo, pouco exigente com todos, sempre disponível para “uma cena fixe”. Uma daquelas companhias que nunca cansava. Ao longo dos anos fui ouvindo rumores vários,
a vasta maioria em linha com o perfil humano que se começara a desenhar no colégio: que tinha emigrado para o Canadá, onde tocava numa banda, que passava os verões no Algarve a tocar com bandas várias, que tinha sido internado por um problema de saúde, etc. A música e os problemas de saúde eram o denominador comum de todos esses rumores, bem como um óbvio desenquadramento social que o tempo agravou.
Há uns meses atrás o meu primo (o 101/1974) disse-me que tinha sabido, através do irmão do “Teso”, seu camarada de ano, que ia haver um almoço com o “Teso”, que estava com uma saúde bastante debilitada, e que eu deveria juntar-me ao grupo. Disse imediatamente que sim, super entusiasmado! Ia finalmente ver o “Teso” ao fim de todos estes anos. Infelizmente, a minha vida profissional pregou-me uma partida e tive de me ausentar do país exatamente nesse dia, não tendo podido comparecer no almoço. Recebi umas fotos da confraternização no dia seguinte e mal o conheci, pela magreza excessiva e pelos cerca de 40 anos de afastamento. Ainda assim, o sorriso era o mesmo, o sorriso juvenil, inocente e contagioso do meu querido amigo “Teso” , e senti-me transportado para os tempos da banda e para as intermináveis horas passadas no canto coral a arrancar notas desafinadas e a falar de música. Parte-se-me o coração não ter podido ter estado com ele nesse dia. Ninguém o sabia, mas foi uma despedida.
Não quero fazer referências eventualmente injustas e desajustadas face ao afastamento que mantive ao longo de todos estes anos, mas, tanto quanto sei,
o “Teso” nunca teve uma vida fácil. Terá estado sempre desalinhado, sempre em contramão, num mundo que pouco espaço tem para o tipo de vida que ele queria ter. Só posso agradecer ter passado pela minha vida e vou preservar sempre na minha memória aquele sorriso que nunca o deixou, quando quase tudo o mais o foi deixando.
iuguréte ? ……. Bem ao fim da enésima vez percebi que era o iogurte que tinham dado no refeitório.
Faleceu esta semana o meu melhor amigo da adolescência no Colégio Militar. O Luís, alcunha “Tesinho” , tocou bateria numa banda que lá fizemos, onde ainda dei uns guinchos a trautear o “House of the Rising Sun” até perceber que não tinha voz e sair. Mas, o Tesinho era o melhor de todos e fez-se um ótimo baterista, tipo John Bonham. Tão bom que chegou a tocar com os Rádio Macau, mas ele era mais do Metal ...
Depois vieram os anos de chumbo da razia das drogas e acabamos por perder contacto.
Pensei que tinha morrido há mais de 10 anos, foi o que me disseram. Até receber um convite há uns meses do irmão, o Carlos, para um almoço com ele e malta do Colégio perto do lar onde ele estava faz 20 anos. Infelizmente não fui porque ia para o Brasil e esperava pelo próximo almoço para o abraçar ... Descansa em PAZ, amigo.
Era setembro de 1973, quando entrei para o 2º ano do Colégio. Era o 660 do 2º A.
Desde os primeiros dias de aulas tive logo a sensação de que a turma A era a dos putos bem-comportados e santinhos, enquanto as outras turmas, da B à E era pessoal que fazia mais chavasco e andava mais na falca.
Na camarata a minha cama ficava ao lado da do 629, o Açoriano. Era loiro, o que era raro na altura e tinha a pele muito branca, o que contrastava com o resto do pessoal que era quase todo moreno. Eu era ainda mais moreno que a média, por isso, no exagero das alcunhas fiquei o “Preto”! Mas falemos do Açoriano:
Ele era dos Açores, da Ilha Terceira e era difícil perceber o que dizia; tinha sotaque dos Açores, caraças! Quando dizia qualquer coisa o pessoal não percebia e o gajo tinha de repetir várias vezes e, mesmo assim, não dava para perceber!!!
Um dia na camarata o Fernando vira-se para mim e diz: - já bebeste o teu iuguréte? E eu: - O quê? E o gajo: - já bebeste o teu
Outra vez o gajo levou um saco cheio de cerejas e dividiu comigo. Então fizemos um concurso a ver quem é que cuspia os caroços de cereja mais longe. Mas não era no Geral, nem na Parada ou nos “n” Recantos do Colégio. Era na camarata! Cada um deitado na sua cama a cuspir os caroços para as janelas altas em frente! Claro que as camas dos gajos em frente às nossas devem ter ficado cheias de caroços e o chão à volta, também! Mas a malta estava-se a borrifar!!! Próprio da idade, era preciso era fazer confusão!
Uma coisa boa e interessante, era que o pessoal não gozava nem lixava o Açoriano, não fazia bullying como hoje se diz, apesar do gajo ser esquisito a falar. Tenho agora a sensação que isso se devia ao facto de estar ali no Colégio, um bocado entregue à sua sorte: não ia a casa aos fins de semana, só nas férias; falava da Terceira e da Base Aérea com admiração e saudade; era pacato e um bocado solitário, e o pessoal respeitava-o, não era cromo!
Não esteve no Colégio muitos anos, talvez três anos, não sei ao certo quando saiu. Mas o importante é que deve ter sido uma experiência forte para ele, como para todos nós putos, mas mais para ele, vindo de longe e ter de ficar fechado no Colégio meses seguidos. Espero que esses anos marcantes tenham contribuído positivamente para a sua vida!
Zacatraz ao Açoriano!!!
Após a conclusão do seu curso no Colégio Militar, ingressou na Escola do Exército, onde tirou o curso de Cavalaria, seguido do respectivo tirocínio para oficial. Ingressou na Arma de Cavalaria, como Alferes, no ano de 1950, servindo no Regimento de Cavalaria nº6, em que iniciou uma brilhante carreira, que viria a terminar no Colégio Militar, em 1983, no posto de Coronel. Cumpriu quatro comissões de serviço no Ultramar: na Índia, de 1951 a 1953, em Moçambique, de 1964 a 1967, na Guiné, de 1969 a 1970, como 2º comandante do Batalhão de Cavalaria nº2867, e novamente na Guiné, de 1972 a 1974, como 2º comandante do Batalhão de Cavalaria nº 3854.
Na Metrópole serviu nos Regimentos de Cavalaria nº 3, 6 e 8, no Regimento de Lanceiros nº2, no Batalhão de Reconhecimento de Transmissões, no Quartel- General da 1ª Região Militar e no Colégio Militar.
Ao longo da sua carreira foram-lhe concedidos numerosos louvores, bem como as seguintes condecorações: Cavaleiro e Oficial da Ordem Militar de Avis, Me -
dalha de Prata de Serviços Distintos com Palma, Medalha de Mérito Militar de 2ª Classe, Medalhas de Prata e Ouro de Comportamento Exemplar, Medalha de Mérito, Filantropia e Benemerência, Medalha de Bene merência do Instituto de Socorros a Náufragos e Medalha da Cruz Vermelha de Benemerência.
A sua personalidade foi bem retractada neste excerto de um louvor que lhe foi dado pelo Director do Colégio Militar «demonstrou sempre um entusiasmo invulgar, um notabilíssimo espirito de missão e total eficiência. Oficial extraordinariamente aprumado e de porte exemplar, dinâmico e desembaraçado, profissional honesto e competente» , sendo completado este quadro, por este outro excerto de um outro louvor «é de destacar a sua permanente preocupação de completar a instrução dos alunos com uma formação militar baseada nos princípios éticos, no aprumo, no brio e no espirito colegial»
Capitão de Fragata Nasceu a 4 de Outubro de 1934 Faleceu a 10 de Agosto de 2019
A RedaçãoEntrou para o 3º ano do Colégio em 1947.Terminou o seu curso no Colégio em 1952, ingressando de seguida na Escola do Exército, onde fez o que na altura se designava por «ano de preparatórios». Concluídos os «preparatórios», ingressou na Escola Naval, em Outubro de 1953, como cadete, para a classe de Marinha, do curso “D.Diniz”.
Como oficial subalterno, fez várias comissões de embarque e veio a tirar o curso de aperfeiçoamento em Armas Submarinas (A/S).
Após uma carreira de cerca de 20 anos como Oficial da Armada, passou à reserva, a seu pedido, como Capitão de Fragata, em 11 de Abril de 1977. Seguiu para o Brasil, onde trabalhou cerca de 15 anos na área do transporte marítimo, regressando mais tarde a Portugal. Deixa 4 filhos.
Teve um irmão mais novo, também Antigo Aluno, o 326/1947, Luís de Carvalho Wandschneider, o qual, finalizado o curso no Colégio, se formou em medicina e veio a falecer em 2009.
Luís Joel Alves de Azevedo Pascoal (145/1948)