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O Batalhão em Madrid

BREVE NOTA BIOGRÁFICA DO GENERAL MILLAN-ASTRAY

O General Millán-Astray, que foi uma figura sempre de primeira linha nas várias homenagens feitas ao Colégio Militar, apresentou-se fardado e com condecorações. Era o «peito mais condecorado» das Forças Armadas Espanholas. Tinha condecorações de vários Países. Era também o oficial mais mutilado e Presidente da Associação dos Mutilados de Guerra. Não tinha um olho, usando uma pala preta, não tinha um braço, usando a manga pendurada, faltava-lhe boa parte da carne e dos músculos na bacia – sequelas de uma gangrena – e coxeava. Era por conseguinte uma figura entre o sinistro e o duro. Metia porém respeito e suscitava curiosidade, quanto mais não fosse aos mais jovens.

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Muito embora seja hoje apodado de fascista, tenham feito desaparecer as suas estátuas e alterado a toponímia das Ruas e Avenidas com o seu nome, dando azo a alguma polémica, o que é verdade é que Millán-Astray foi sempre o primeiro a chegar às cerimónias públicas em honra do Colégio Militar, sendo muito participativo nas mesmas. E hoje, aqui e agora, estamos a contar uma história do Colégio Militar de 1950, e não a apreciação política de uma figura histórica.

Na época (1950), as grandes referências em Espanha eram o General Franco, o Governo por si liderado, as Forças Armadas que ganharam a Guerra Civil, e ainda, de certo modo, o General Millán-Astray, uma figura curiosíssima a que vale a pena dedicar umas linhas.

Nasceu em 1879. Aos 17 anos gradua-se na Academia Militar de Toledo e, como sub-tenente, foi voluntário para as Filipinas onde pratica actos heróicos e é ferido. Vai depois para Marrocos, onde passa a maior parte da sua vida militar a lutar em diversos conflitos armados e onde sofre os ferimentos que ostentava na altura da visita.

Millán-Astray tinha um desígnio: criar um corpo militar de elite à semelhança da Legião Estrangeira Francesa, para combater no Norte de África. Depois de muitos anos de luta, concluiu com aproveitamento o Curso do Estado Maior e, com a patente de major, foi a França estudar a organização da Legião Estrangeira francesa. A Legião Estrangeira espanhola foi finalmente criada por Decreto Real de 28 de Janeiro de 1920, com o nome de Tercio de Extranjeros, e o seu primeiro comandante foi o tenente-coronel de Infantaria José Millán-Astray Terreros, tendo Francisco Franco como primeiro adjunto. Foi este nucleo inicial de “La Legion” o alfobre das forças que permitiram o assalto ao poder por parte do General Franco.

O Batalhão em Madrid

Como voy a traducir mi emoción, nuestra emoción? No lo sé. Saludarle como saludaríamos al hospitalário Pueblo de Madrid? No, porque eso resultaria convencional e frio. Quiero decirle del honor y de la honda emoción que nos há causado la presencia y las palabras amigas del Comandante de la Legion, el romântico que supo dar tan bien su mística a esa misma Legion, su espiritualidade, y toda su alma.

Si, más que su fuerte inteligência, la Legion tiene su alma, el alma entera de un soldado, de un poeta y de un valiente como todos los hijos de esta noble tierra de Espanha. Nos habian dicho, lo habiamos leido, que el herói no tenia un ojo y un brazo. Si, sabíamos de sus cicatrices gloriosas, de su gran valor, pero yo como todos, no me he dado cuenta pues sobrelevando a todo se impuso imediatamente a nosotros su figura radiante, de un inspirado o de un apostol, de uno más de esta tierra de tantos Santos.

Y digo Vd mi General que nos tenia amor, y digo también que todas las casas y museus de Madrid y Escorial, esa mansion que es la gloria de la arquitectura espanhola, todo cuanto es grande en Espanha nos hablaria de Portugal, Pátria tan querida y tan amada. Verdad que si, mi General, pues al dejar Lisboa ya sabíamos que entrar en Espanha más no es que alejarse uno. Portugal e Espanha, aunque dos Pátrias distintas e igualmente nobles, son todavia un todo por la inspiración. Portugueses e Espanholes han caminhado sempre como amigos, han sido por los siglos gloriosos legionários de la causa más levantada, la causa de la cristandad.

Que emociones! Desde la frontera todo há sido para nosotros viva emoción, pues tantos nombres de pueblos han acordado nuestros recuerdos e nuestra exaltación patriótica. Con su sangre generosa, portugueses e espanholes han hecho la campanha de liberacion y como desde en- tonces tenemos de nuestros corazones la heroica Legion e su muy honrado, noble e valiente fundador, ahora que tuvimos la gran ventura de conocer su Jefe, que sea para saludarle y en su hijo tan noble la noble y amiga Espanha.

Viva Espanha!Viva Portugal!

Millán-Astray voltou a emocionar-se. Foi muito difícil de ver e ouvir. No final dos emotivos e pequenos discursos, subiu ao palco o «rata» mais pequeno do Batalhão (agora chama-se-lhe Batalhãozinho), que era o Ghira (37/1949) – que já está na terra da verdade. Millán-Astray pega numa das suas condecorações (uma roseta amarela e vermelha, por conseguinte espanhola) e pendura-a no peito do pequeno Pechincha. Portaria especial assinada pelo Ministro da Defesa Santos Costa autoriza-lo-ia a usar a condecoração. A malta no princípio gozava com o Pechincha e este sentia-se inchado com a medalha. Mas depois começou a chatear-se e tirou a condecoração.

A sessão terminou com o Hino Português e o Hino Espanhol entoados pelos 350 alunos do Batalhão. Esta versão da letra do hino Espanhol foi tão treinada em Portugal sob a direcção impecável do professor Jaime Silva, que ainda hoje, com 79 anos e sem nunca ter pertencido ao Orfeão, a sei de cor.

4ªFEIRA-21/6/50

Chegou o grande dia da apresentação pública, oficial e solene como Batalhão, na homenagem aos Heróis da Independência.

Manh

Oferta Da Palma De Bronze

No Paseo del Prado, depois da revista dos Generais Muñoz Grandes e Pereira Coutinho ao Batalhão armado e em grande uniforme, e perante enorme multidão, o Colégio foi oferecer a Palma de Bronze, dedicada aos Heróis da Guerra Peninsular. Após a revista, quatro alunos colocam na base do monumento evocativo a Palma

O Batalhão em Madrid

de Bronze, o «metal de que é feita a espinha dorsal dos heróis». O terno de clarins toca a marcha de continência e perante grande silêncio, o General Pereira Coutinho explica como Portugal rendia homenagem ao heroísmo de Espanha. Gesto e palavras calaram bem fundo no coração dos nossos vizinhos, como realçou o General Muñoz Grandes.

Desfile

Em seguida processou-se um dos pontos mais altos da nossa visita a terras de Espanha.

Com o stress idêntico às paradas do 3 de Março, mas agora com as responsabilidades inerentes a uma representação no estrangeiro, por isso com uma dupla ou tripla pressão, de grande uniforme, armados, de baioneta calada, o Batalhão Colegial desfilou pela Calvo Sotelo até à Castelhana e desta até ao magnífico pa - lácio onde está instalada a Embaixada de Portugal. Em frente de nove, ocupando toda a faixa, com os passeios cheios de gente, o desfile era aberto por elementos da Frente de Juventude e formações dos Colégios dos Orfãos do Exército e da Marinha de Espanha. O Batalhão Colegial desfilou atrás deles perante o Embaixador de Portugal, os Generais Muñoz Grandes, Millán-Astray, Barron e Aymat, Almirante Heras, Brigadeiro Pereira do Vale e Tenente-Coronel Vieira da Fonseca, Oficiais e Professores do Colégio e muitas outras individualidades.

O Colégio fez um desfile memorável de presença, de alinhamento permanente, de passo muito certo e cadenciado, com quatro Companhias, desde os ratas da 1ª, até aos veteranos da 4ª. Quem assistia, e era muita gente, estava extasiada, fazendo os seus comentários para o vizinho do lado:

“Mira los chicos , caramba”

Fim Do Desfile

Ao chegar à Embaixada, o Batalhão destroçou e espalhou-se pelos jardins, salões e escadarias do edifício do rés-do-chão ao 3º andar, até ao magnífico terraço onde estavam os convidados vips, cada vez mais, e a entourage de enquadramento do Colégio.

O esforço e a fome eram mais que muitos. Nuestros hermanos não aprendem com ninguém a tomar as refeições a tempo e horas. Nós estávamos com fome desde o meio-dia. O almoço, oferecido pelo Embaixador de Portugal, começou a ser servido. Vinham criados desde o rés-do-chão a subir as escadarias com grandes travessas com lagostas e outras iguarias. A fome da malta era mais que muita e começou a desaparecer o conteúdo das travessas à medida que os criados subiam as escadarias com as mesmas a caminho dos vips que estavam no terraço. Isto foi feito com tanta frequência e com tanta intensidade que os oficiais enquadrantes do

Colegio tiveram que vir escoltar os criados desde o rés-do-chão para garantir que chegasse «qualquer coisinha» ao terraço, onde até aí só tinham tido direito a bebidas.

Tarde Aranjuez

Para repousar do grande esforço da manhã e um pouco da tarde fomos visitar os idílicos jardins de Aranjuez com os seus múltiplos jogos de água, belíssimas esplanadas, passeios de barco na confluência do Tejo e do Jarama, além dos magníficos gelados. Foi bem saborosa a merenda encomendada pelos oficiais do Estado-Maior espanhol.

DIA 22/6/50-5ªFEIRA

Manh

O dia de grande canícula começa na Escola de Educação Física do Exército, onde, na presença das entidades militares e civis, «arrancamos» com uma grande exibição de natação e saltos para a água, numa magnífica piscina da própria Escola.

Exibi O De Gin Stica

Depois, na pista de atletismo, o nosso Batalhão faz uma exibição sobejamente treinada em Lisboa com esquema da responsabilidade do Tenente Araújo e seus adjuntos. Esta exibição também ficou gravada na nossa digressão. Entrada retumbante e saltos de plinto e sobre baionetas deixaram impressionados os oficiais espanhóis e todos os convidados, além de demonstrarem o alto nível de Educação Física praticado no Colégio Militar. A demonstração foi de tão bom nível que os representantes espanhóis solicitaram que a mesma fosse repetida em Madrid, o que era impossível devido à intensidade do nosso programa.

O Batalhão em Madrid

Tarde Em Toledo

Penosa subida e espectacular recepção pelos Heróis do Alcazar. Guarda de honra com os sobreviventes. Começa a visita. Em grupo e guiados pelos próprios defensores, eis-nos no histórico gabinete do Coronel Moscardó. O Embaixador de Portugal explica o facto histórico aos alunos, e um dos sobreviventes conta a história daquele Santuário do Patriotismo.

Foi a pé firme, de farda castanha e em sentido, que respeitosamente ouvimos todas estas intervenções. O sol era intenso e o cansaço da manhã um facto. Houve alguns que não aguentaram, flectiram os joelhos e desmaiaram. Mas o camarada do lado não ia em seu auxílio. Isso era serviço para o médico e enfermeiro. Os Espanhóis ficaram incrédulos com esta atitude de gente muito cumpridora, respeitadora e valente. Este apontamento ficou para consolidar a memória futura.

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