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O Batalhão em Madrid. Ano de 1950.

DESLOCAÇÃO DE TODO O BATALHÃO COLEGIAL (CERCA DE 350 ALUNOS) A MADRID, NO VERÃO DE

1950,

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MAIS “STAFF” DE CERCA DE 50 OFICIAIS E ENQUADRANTES NUM TOTAL DE 400 PESSOAS

Não sabemos se por virtude da visita do Generalíssimo Franco a Portugal de 22 a 27 de Outubro de 1947, que foi um êxito (e a ênfase nesse sentimento foi referida pelo próprio Franco aquando da audiência que concedeu à Delegação de Alunos e Oficiais nesta deslocação do Colégio), se pelos argumentos referidos à época e que tiveram a ver com a homenagem às Forças Armadas Espanholas que detiveram os exércitos napoleónicos na Guerra Peninsular, como oficialmente foi referido, ou ainda se visava um reforço da entente política Franco/Salazar no pós-Guerra Civil Espanhola e pós-2.ª Guerra Mundial, a verdade é que Espanha se preparou da melhor maneira para receber o Batalhão do Colégio Militar com cerca de 350 alunos, o Director (Brigadeiro Pereira do Vale), o Sub-director (Tenente-Coronel Vieira da Fonseca), o Secretário (Major Coelho Sampaio), doze Professores (Majores Lacerda Machado, Bastos de Carvalho e Garcia de Brito, Capitães Vicente Teixeira, Botelho de Medeiros, Alves de Moura, Manito Torres e Júlio Martins, Tenentes Cristovão Lima e Jaime Mota, Dr. Peixoto da Fonseca e Prof Jaime da Silva), nove Oficiais Instrutores e de enquadramento geral (Capitães Júlio Cruz, Cardoso, Nogueira de Freitas, Reinaldo Duarte e Silveira, Tenentes Araújo e Santos Moreira, Alferes Pereira de Carvalho e Nuno Vitoria, um médico (Capitão Seixas Serra), um administrativo (Tenente Esteves Martins), um Enfermeiro, quatro Sargentos, vários Serventes e Terno de Clarins. Viajaram ainda o Tenente-Coronel Chaby (49/1910), autor teatral e Augusto de Figueiredo, actor do Teatro Nacional D. Maria II e grande amigo do Colégio, num total de cerca de 400 pessoas. Qualquer que tenha sido o leitmotiv, o facto é que o Colégio Militar foi a Madrid, em representação das Forças Armadas Portuguesas, homenagear o Generalíssimo Franco, o Governo de Espanha e as Forças Armadas Espanholas que tinham vencido a Guerra Civil, e alguns dos seus heróis.

A Raz O Desta Interven O Nesta Altura

Os Antigos Alunos protagonistas do acontecimento já fizeram 80 anos, ou para lá caminham. Qualquer distracção pode ser o desaparecimento do artista. Vamos pelo seguro e não estar à espera de alguma efeméride especial. Até porque o assunto tem muito mais a ver com a génese e espírito do Colégio no seu todo e para a sua História, do que individualmente com as memórias de cada um.

Pessoalmente considero que esta deslocação do Batalhão Colegial a Madrid foi extraordinária de dignidade, de elevação e de grande pundonor, contribuindo decisivamente para a definição/concretização do ADN Colegial, e daí merecer que voltemos à mesma e em toda a sua extensão.

Opera O Log Stica

Independentemente do motivo da deslocação, o que é facto é que se montou

O Batalhão em Madrid

uma gigantesca operação logística sem que houvesse meios ou experiência suficientes para o efeito. E dos 350 «Meninos» devidamente endiabrados, não se perdeu nenhum. «À Colégio» , desenrascámo-nos, e puxámos todos pelo brio e para o mesmo lado.

FONTES CONSULTADAS:

– Relatório-reportagem do Dr. Jaime Silva Mota, professor no Colégio, publicado no Anuário do Colégio Militar de 1950.

– O Colégio Militar em Terras de Espanha – Intervenção do Eduardo Zúquete (20/1945) na Revista nº 103 da AAACM, de Abril/Junho de 1991.

– História do curso de 1943/50 do Ribeiro Mateus (169/1943), com intervenções dele e de outros camaradas do mesmo curso. Eram eles os graduados quando fomos a Madrid.

– História de La Legion, de Luis E. Togores

– Biografia de Millán -Astray, de Paul Preston

– Las 3 Espanhas del 36, de Paul Preston

– La guerre d’Espagne, de Hugh Thomas

As fotografias foram cedidas pelo Rui Lobo da Costa (160/1943)

Desloca O Para Madrid

A deslocação para Madrid fez-se em comboio, entre a Estação do Rossio (Lisboa) e a Estação das Delícias (Madrid).

CHEGADA A MADRID Estação das Delícias.

Chegámos ao fim da tarde. Muito calor. À nossa espera, além de elementos da

Comunidade Portuguesa e familiares, estavam os representantes do Estado Espanhol e de Portugal. Estavam também os Generais Millán-Astray a título pessoal e como grande amigo dos Portugueses e Hernandez Vidal, este em representação do Capitan-General Muñoz Grandes, Ministro da Defesa de Espanha, e outras individualidades, que trocaram impressões com o Embaixador de Portugal em Madrid, Cônsul-Geral e Adido Militar de Portugal em Madrid, Governador Militar de Lisboa e Comandante Geral da PSP. Ali se encontravam também representações do Estado-Maior de todos os Corpos e Armas da Guarnição de Madrid. (é importante referi-lo).

A presença de tantas personalidades e jornalistas dos vários meios de comunicação social e da Rádio Nacional de Espanha confirmava que a visita tinha sido tratada ao pormenor, com muito interesse e amplamente divulgada. Havia uma grande ânsia em entrevistar «los niños del Colegio Militar».

O Desembarque

Apesar do cansaço e da muita sede, e em vez da balbúrdia habitual, os alunos desembarcaram das carruagens, cada um com o seu saco, e formaram alinhados no cais, dentro da maior disciplina. Esta «exibição» à chegada deu logo para causar óptima impressão a todos os presentes. Não houve qualquer confusão. Houve espanto, houve admiração.

Rea O Da Comunica O Social Espanhola

Jornal Madrid de 20/6/50

“Los chicos del Colégio Militar ya estan en Espanha. Con la impaciência que sempre produce una ciudad desconoci - da, saben permanecer en los vagones, assomados a las ventanillas, en disciplinado silencio…. A una señal, las cuatro companhias del juvenil batallón se escalonan en el andem milagrosamente. Frente a ellos, y sin que sepamos cómo, las maletas – casi todas iguales – forman paralelamente. Hay un montón de garrafas de agua, ya vazias, que demonstran cómo há sido de feroz la exigente temperatura de la jornada.”

O Director do Colégio e dois alunos transmitem as suas primeiras impressões aos microfones da Radio Nacional de Espanha.

Instala O

Em Villaverde, nos subúrbios de Madrid, nas magnificas instalações da Escuela de Automovilismo del Ejercito. De pé direito muito alto, as portas tinham a encimá-las para o lado de dentro, grandes fotografias emolduradas de Franco e Carmona.

No dia seguinte, nós, os «ratas» , comprámos uma bola de futebol, afastámos as camas, e arrancámos com uma grande «ringalhada» . O entusiasmo foi tão grande que um pontapé com mais força atirou com Franco e Carmona ao chão, partindo as respectivas molduras e o vidro das mesmas. Molduras no caixote do lixo, varridela dos vidros e continua a futebolada.

2ºDIA-3ªFEIRA-20/6/50

MANHÃ DEDICADA AOS CUMPRIMENTOS ÀS AUTORIDADES MILITARES E CIVIS.

O Director, Sub-Director, Oficiais Superiores e uma Delegação de Alunos composta pelo Comandante de Batalhão, Ajudante e Comandantes de Companhia, acompanhados pelo General Pereira Coutinho,

Governador Militar de Lisboa, e Tenente-Coronel Carmelo Medrano, Adido Militar de Espanha em Lisboa, visitam o Estado-Maior Central, o Subsecretário do Exército de Terra, General Alcubilla, Director-Geral do Ensino Militar e General Ungria, da Capitania General e Governador Militar de Madrid. Apresentam cumprimentos também ao Alcalde de Madrid, D. Miguel Alvarez.

Tarde

No enorme Teatro Madrid teve lugar o Espectáculo Cultural que atraiu àquele vasto recinto cerca de duas mil pessoas. Estavam presentes o nosso Embaixador, altas individualidades civis e militares, deputações dos três Exércitos Espanhóis, alunos das Escolas Militares, da Frente de Juventude e muitos Portugueses. Vamos tentar descrever toda a cerimónia.

O Espect Culo Cultural

Apresentação do Orfeão do 1º ciclo, dirigido pelo professor Jaime Silva, que interpretou música religiosa e canções populares portuguesas. Seguiu-se um diálogo em verso do Tenente-Coronel Carlos Afonso Chaby (49/1910), intitulado «O Colégio Militar», uma história da nossa casa bem narrada e bem representada, que forneceu aos nossos vizinhos uma ideia geral dos aspectos mais salientes da vida colegial, dos seus heróis e das suas virtudes. Os alunos Martins Zúquete (20/1945) e Almeida Bruno (230/1945) foram os fiéis interpretes.

Em seguida, o aluno Monroy Garcia (38/1942) – filho de pai português e de mãe espanhola – interpretou dum modo muito profissional, em castelhano, o «Monólogo do Vaqueiro», de Gil Vicente. Prosseguiu-se com «Todo o Mundo e Ninguém», diálogo admirável de ironia e crítica social, notavelmente interpretado pe- los alunos Vieira Lopes (59/1943), Villa de Freitas (94/1942), Nuno Bivar (121/1943) e Marquilhas (67/1944). Estas interpretações foram ensaiadas em Lisboa no Teatro D. Maria II, sob direcção do actor Augusto de Figueiredo, do elenco daquele Teatro e grande amigo do Colégio.

Finalmente o Orfeão do Batalhão interpretou variadas peças, e a fechar ouviram-se os Hinos Português e Espanhol, tendo este último causado grande admiração na assistência, QUE NUNCA O OUVIRA CANTADO, e a que as quatro vozes dos alunos adicionaram um conteúdo épico que provocou muita, mas mesmo muita, emoção.

Para que fique bem entendido, o Hino Espanhol chama-se Marcha Imperial e é um dos poucos Hinos Nacionais que não têm letra oficial. Os outros são os da Bósnia-Herzegovina, Kosovo e San Marino.

Foi aqui no Teatro Madrid que se desenvolveu outro acto marcante. O General Millán-Astray, que era um ultra do regime franquista, foi dos primeiros a estar presente a esta cerimónia. Talvez em comparação com o espectro partidário de hoje, poderia ser classificado como um independente de extrema direita. Esta figura sui generis, nas suas aparições públicas, deslocava-se com uma guarda pessoal de seis legionários com cerca de dois metros de altura com patilhas ruivas ou ruças até ao queixo, que ele próprio criou.

O Batalhão em Madrid

Millán-Astray tinha um aspecto marcado. A pala preta, a falta do braço e a falta de carne e músculo na anca por virtude da cura de uma gangrena, e o coxear, davam-lhe um aspecto diferente do comum dos mortais. Isto para miúdos de dez anos era muito marcante e ficava gravado para toda a vida. Millán-Astray acercou-se do microfone e decidiu fazer aquilo a que chamou: Alocução aos Cavalheiros Alunos do Ba- talhão Escolar do Colégio Militar de Portugal. Com voz embargada disse:

Portuguesinhos queridos (começando a chorar pelo único olho que tinha): Bem-vindos sejais à vossa própria casa: Espanha. Portugal também é a casa dos espanhóis. Recebemo-vos com verdadeiro amor. Sois Portugueses, Portugal é um dos Impérios maiores e mais fortes do Mundo Inteiro. Portugal e a Espanha são os primeiros no cristianismo, no amor a Jesus Cristo, na bravura, na honra e no valor. Portugueses e Espanhóis foram os primeiros que deram a volta ao Mundo; descobriram a América e Oceania, vós o Brasil, nós a Hispano-América.

Aqui, em todos os sítios vos receberão com carinho. Tudo o que vereis – as ruas, os museus, o Escorial –, todas as grandezas de Espanha vos lembrarão Lisboa, alfacinhas queridos, meus filhos. Recebam o coração deste soldado mutilado espanhol, também mutilado de Honra do Exército Português; deste soldado Fundador da Heróica Legião Espanhola, da qual metade dos fundadores, aqueles que mais glória e sangue deram à Legião Espanhola chamo também dentro do meu coração, Legião Portuguesa.

Viva Portugal! Viva Espanha! A este pequeno discurso respondeu o aluno Monroy Garcia (38/1942), graduado da 1ª Companhia e excelente jogador de hóquei em patins, em perfeito castelhano:

Mi ilustrissimo general:

Quiso honrarnos vuestra excelência hablando a los Meninos da Luz. Pues permitame vuestra excelência que yo pida permisso para decirle unas poucas palabras. Sin valor pues son palabras de un joven, ellas son todavia la expression de nuestro sentir, la sencillez de nuestro corazon y amistad, de toda nuestra amistad.

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