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Hailé Selassié I Foi há 60 Anos

há 60 Anos Hailé Selassié I

SUA ALTEZA O IMPERADOR HAILÉ SELASSIÉ I, DA ETIÓPIA.

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Corria ameno, soalheiro e quente o mês de Julho de 1959. Estava eu em plenas férias grandes, na transição do 4º para o 5º ano do Colégio, naquele estado de estupor, que os italianos classificam como o «dolce fare niente», quando, para surpresa nossa, nos entra pela casa dentro uma carta proveniente do Colégio, algo assaz estranho naquela época do ano. Fiquei a olhar para a carta com alguma apreensão. Não devia vir ali nenhuma surpresa agradável. Como a carta era dirigida ao meu pai, tivemos de aguardar a sua chegada a casa, para saber o que é que ali vinha. Chegado a casa o patriarca e aberta a carta, confirmou-se a minha suspeita. Não era nada de bom. Eu era convocado, sem margem para qualquer dúvida, para me apresentar no Colégio, a fim de tomar parte numa cerimónia militar. Já não me recordo qual foi o impropério que mentalmente proferi, pois a sua verbalização, diante do meu pai, estava fora de questão. Naquela época e sendo o meu pai militar, nem nos cru- zou o espirito a hipótese de se inventar um impedimento qualquer e deixar de comparecer. O resultado foi óbvio. No dia marcado para a apresentação, lá me meti no autocarro para Lisboa e de seguida no eléctrico para Carnide, fardadinho, de língua de fora com o calor e de maleta na mão, com meia dúzia de peças de roupa, incluindo a barretina, granadeiras e luvas brancas, indispensáveis para a cerimónia.

Chegado ao Colégio, lá fui dar com a maior parte da malta do meu curso residente em Lisboa e arredores. Os da província não tinham sido convocados. Havia um sentimento de azia geral, que foi rapidamente ultrapassado, com cada um a contar as peripécias mais mirabolantes, verdadeiras ou inventadas, das suas férias abusivamente interrompidas.

Reunido todo o pessoal, fomos informados que iriamos participar, passado um dia ou dois, na grande parada militar a realizar no Terreiro do Paço, de recepção ao Imperador Hailé Selassié I, da Etiópia, que vinha em visita de estado a Portugal. Na altura nem sonhávamos com o que era

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política, pelo que, tanto o objectivo como o «timing» daquela visita, nada nos dizia. O objectivo era simples, era o de mostrar ao mundo que Portugal tinha nações amigas em África, que concordavam com a nossa política ultramarina. O «timing» era ditado pelo crescente peso que iam tendo nas Nações Unidas os países que se opunham à mesma política, nomeadamente os novos países africanos, acabados de entrar na cena internacional.

Alheados de tudo isto, que nos passava ao lado, lá fomos nós, em manhã quente e soalheira, para o Terreiro do Paço, tomar parte em mais uma parada, onde, como de costume, tínhamos atrás de nós os Pupilos do Exército, também eles com as suas férias interrompidas para a mesma cerimónia. Eram 4.500 homens em parada. O Terreiro do Paço coberto de tropa, como era possível naquele tempo. A cerimónia foi como que uma repetição da chegada a Lisboa, dois anos antes, em 1957, da Rainha Isabel II de Inglaterra. O

Imperador chegou num navio da nossa Armada, o escoltador oceânico «Nuno Tristão» , que o deve ter ido buscar a Setúbal ou Sesimbra, para ele entrar directamente para a nossa «Sala de Honra» , o Terreiro do Paço. O navio fundeou em frente ao Cais das Colunas, embarcando então o Imperador na galeota real, que o trouxe até ao cais, onde o esperava o nosso Presidente da República, Almirante Américo Tomaz.

Segundo se pode ler na primeira página do Diário de Lisboa, de 26 de Julho de 1959, um domingo, o Presidente da República «vestia a farda de almirante, com a banda das três Ordens e a roseta da Torre e Espada», enquanto que a sua mulher «A srª D. Gertrudes Rodrigues Tomaz, com um vestido de seda «imprimé» com pequenas flores negras sobre fundo lilás, trazia «capeline», luvas altas, carteira e sapatos de um azul forte». Era assim a imprensa da época, que descrevia em pormenor a «toilette» da primeira dama.

Obviamente que não reparei em nenhum dos pormenores indicados no Diário de Lisboa. Quando passei, marchando e olhando à direita, em frente da tribuna, a minha atenção ia toda concentrada no Imperador, o «Negus» , vindo lá das profundezas de África, das terras do lendário «Prestes João» . Do que me recordo mais, é de que ele trazia um chapéu emplumado com plumas brancas de avestruz. Era de tez escura, como seria de esperar, e não era de grande estatura, pelo contrário, era baixinho.

Depois de passarmos em continência em frente à tribuna, contornámos o Terreiro do Paço, de onde saímos através do Arco da Rua Augusta, marchando em seguida, ao longo da mesma, até ao Rossio, ou aos Restauradores, onde embarcámos nos autocarros, de regresso ao Colégio. Em todo o trajecto, nós e os Pupilos fomos muito aplaudidos pela multidão e os comandantes das duas companhias rivais, foram em competição, para ver quem conseguia elevar mais a voz ao dar as suas ordens. Bons tempos. A rivalidade não se esbatia, mesmo com o sol a pino sobre as nossas cabeças.

O número, de 26/7/1959, do Diário de Lisboa atrás referido, tinha um artigo de primeira página, explicando aos leitores o significado da visita. Era o seguinte o teor do artigo:

«Tem o significado simbólico de um reencontro amigo a chegada a Lisboa do Imperador da Etiópia. A bordo de um navio português, viajando ao abrigo da nossa bandeira e escoltado por marinheiros de Portugal, Hailé Selassié I entrou hoje a barra do Tejo, donde partiram há séculos os emissários que estabeleceram os primeiros contactos entre as terras longínquas do reino cristão da África Oriental e a velha Europa. Esta visita histórica vem contribuir, sem dú - nobreza e dignidade, que não podemos deixar passar despercebidos.

Descendente directo do Menlik, o primeiro filho de Salomão e da rainha do Sabá, Hailé Selassié I tem honrado bem essa notável ascendência, numa acção que se caracteriza, pela inteligência, pela bravura e pela ponderação com que tem sabido defender a integridade da sua pátria e com que procura contribuir para o seu progressivo desenvolvimento, sem esquecer nunca as nações amigas ligadas à história da sua terra.

Não tem carácter politico esta visita, mas pelo sentido que lhe emprestam os laços que unem, há tanto, a Etiópia a Portugal, e pela expressão que tiveram sempre, mesmo em certas horas difíceis dos nossos dias, as relações entre as duas nações amigas, cumpre-nos saudar, com todo o calor do nosso coração, o ilustre visitante,

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quer caracter politico. Quem lhe reconhecesse esse caracter, era certamente vesgo ou preconceituoso.

Naquele domingo quente, de Julho de 1959, o Imperador seguiu do Terreiro do Paço para o palácio de Queluz, onde ficou instalado. Nos dias seguintes visitou alguns locais históricos e recordo-me que foi visitar o campo de instrução militar de Santa Margarida, onde mais uma vez foi recebido com as devidas honras militares. Se bem me recordo, nessa visita foi-lhe entregue, com a solenidade própria do acto, a espada de general do Exército Português. Constou, na altura, que a tinha recebido sem entusiasmo, pois acharia que o devido seria a entrega de uma espada de marechal.

Eu e os meus camaradas daquela escaldante jornada de Julho de 1959, podemos dizer que contribuímos com o suor dos

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O Colégio Militar no Brasil em 1959

Pedro Miguel Roldão de Barros 218/1953

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