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O Reconhecimento Internacional da Reocupação de Quionga1

Em 25 de Setembro de 1919, no âmbito dos trabalhos da Conferência de Paz de Paris, o Conselho Supremo das Potências Aliadas fixou a fronteira Norte de Moçambique ao longo do rio Rovuma, reconhecendo de forma explícita a pertença do território de Quionga a Portugal. Como é que se chegou a isto?

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No decurso do Congresso de Viena de 1815, os países participantes tentaram encontrar a fórmula para um novo «equilíbrio de poder» entre as grandes potências da Europa, que impedisse, ou no mínimo dificultasse, a eclosão de conflitos armados intra-europeus. Tratava-se, no essencial, de institucionalizar um sistema de congressos diplomáticos periódicos com vista à obtenção de consensos. Infelizmente, as expectativas auspiciosas criadas pela oratória política não se confirmaram e o século XIX ficou marcado sobretudo por movimentações sociais e políticas que reclamavam justamente a revisão das fronteiras estabelecidas no dito Congresso.

Como seria de esperar, as divergências entre países europeus tiveram repercussões mais ou menos violentas nas suas possessões afri- canas e asiáticas, onde as interferências estrangeiras potenciaram as primeiras afirmações locais de resistência ao colonialismo. O perigo maior para Portugal provinha da Alemanha2 que, empenhada em provocar danos ao imperialismo inglês, não hesitava em apoiar as reivindicações belgas e francesas em África, ao mesmo tempo que dava passos no sentido da criação do seu próprio império colonial. O perigo era real: em 1876, na Conferência Geográfica de Bruxelas –onde Portugal não se fez representar –, foi criada a Association Internationale pour l’Exploration et la Civilisation de l’Afrique Centrale, a qual, com o apoio alemão e francês, reivindicava para si toda a margem direita do rio Congo, incluindo Cabinda, Molembo e Nóqui. Em sentido contrário movimentava-se a Inglaterra, que assinou com Portugal, em 1884, numa altura em que se discutiam as fronteiras do novo Estado do Congo, pretendido por Leopoldo II da Bélgica, um tratado reconhecendo a soberania portuguesa nas duas margens do rio.

As divergências tornaram-se de tal forma inconciliáveis que os governos alemão e francês organizaram uma conferência in- ternacional destinada a discutir o futuro do colonialismo em África. A Conferência de Berlim veio a realizar-se entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, com o objectivo oficial de «associar os indígenas de África à Civilização». Participaram nela a Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Império Alemão, Império Otomano, Inglaterra, Itália, Portugal, Rússia, Suécia-Noruega (em união até 1905) e EUA.

O Reconhecimento Internacional da Reocupação de Quionga

O Acto Geral da Conferência compreendia seis capítulos. No 1.º decretava-se a liberdade do comércio na bacia do rio Congo; no 2.º estabeleciam-se as regras para o tráfico de escravos, tanto em terra como no mar; o 3.º e o 4.º tratavam da navegabilidade no rio Congo e o 5.º ocupava-se da navegabilidade no rio Niger; o 6.º era o que trazia maiores preocupações para Portugal, ao estabelecer o princípio da necessidade de ocupação efectiva para a posse legítima de um território costeiro africano. Contudo, dado que as normas aprovadas não se referiam ao hinterland, “(…) a «definição exacta das possessões actuais» ficou excluída em Berlim, tendo ainda em conta que muitas regiões permaneciam desconhecidas. Só posteriormente, no fim do século, é que, com as expedições para o sertão, se construirá o desenho de uma carta política da África (…).”3

Portugal tentou antecipar-se a conclusões que se adivinhavam contrárias aos seus interesses, assinando com os Príncipes, Governadores e Chefes de Cabinda, em 1 de Fevereiro de 1885, o Tratado de Simulambuco, nos termos do qual se obrigava a manter a integridade dos territórios sob o seu protectorado e a respeitar e fazer respeitar os usos e costumes dos locais.4 Terá sido o único sucesso português numa conjuntura em que os restantes Estados entendiam que os domínios de Portugal em África se integravam na órbita política e económica dos interesses britânicos.

Num contexto em que os interesses dos diferentes países frequentemente se entrechocavam, a Inglaterra, que dependia do apoio alemão nos diferendos com a França surgidos aquando da construção do canal do Suez (1859-1869), optou afinal por não assumir as suas obrigações no quadro da aliança luso-britânica, num processo de distanciamento que culminou com o Ultimato de 1890.5 As consequências danosas para os interesses portugueses em África não se fizeram esperar, designadamente em Moçambique, onde a delimitação da fronteira Norte com a África Oriental Alemã sofreu sucessivos impasses até que, em 1884, a bandeira alemã foi arvorada no chamado triângulo de Quionga – uma área de cerca de 450 quilómetros quadrados, situado na margem sul da foz do Rovuma, onde existiam terrenos potencialmente valiosos para culturas de palmares e arrozais –, um facto consumado que entregava aos alemães o controlo do estuário do rio.

A situação manteve-se até que, em 9 de Março de 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal. Logo que tomou conhecimento desta declaração, o Governador Geral de Moçambique ordenou às forças militares estacionadas em Porto Amélia que reocupassem Quionga. “(…) O interesse do Governo da Metrópole e do Governador Geral de Moçambique, em que a expedição tomasse como objectivo imediato a ocupação de Quionga, era compreensível, não só para reparar uma afronta, mas também para atingir o objectivo militar de cooperar com os ingleses, ocupando a margem sul do Rovuma na parte mais rica junto à sua foz, tendo em vista passar para a margem norte e ocupar território inimigo (…)”6.

Quinze dias mais tarde estava formado um Destacamento misto sob o comando do major Portugal da Silveira, integrando uma Companhia do Batalhão de Infantaria

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