Editorial Revista “ZACATRAZ”
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Presidente da Direcção José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973)
Editorial Camaradas Mais um ano civil está a terminar e por isso é natural que, também na nossa ZacatraZ, façamos um ponto de situação e sistematizemos os desafios e compromissos do próximo ano. Como não podia deixar de ser, comecemos pelo Nosso Colégio. O Colégio Militar tem actualmente 734 Alunos, dos quais, 174 são do 1º Ciclo (a antiga Primária), portanto todos externos, e os restantes, 560, integram o Batalhão Colegial (que engloba o 2º Ciclo, 3º Ciclo e Secundário). No que se refere à composição do Batalhão Colegial, com 560 Alunos, 391 são internos e 169 são externos. Dos 391 Alunos Internos do Batalhão Colegial, 275 são do género Masculino e 116 do género Feminino. Atente-se, no entanto, quanto ao numero de Alunas Internas, que a capacidade do alojamento feminino está esgotada, pelo que estão em lista de espera para “migrarem” para Alunas Internas um numero significativo de Alunas Externas. Dos 169 Alunos Externos do Batalhão Colegial, 89 são do género Masculino e 80 do género Feminino. Em resumo, a amplitude etária dos Alunos do Colégio Militar, estende-se dos 5 anos aos 18 anos, em regimes de frequência interno masculino, externo masculino, interno feminino e externo feminino. Como facilmente se constata o Colégio Militar de hoje é muito distinto do de outros tempos. Mas a sociedade também o é e, por vezes, nesta as mudanças foram até mais profundas.
É com esta realidade incontornável, de uma sociedade em profunda mutação e de um Colégio que procura ajustar-se e enfrentar os novos desafios, que vamos ter que delinear o nosso caminho. Nesse percurso temos por certo onde não devemos transigir: por um lado a contínua afirmação da Instituição Colégio Militar, em tudo o que ela consiste e representa, nomeadamente nos seus princípios, valores e tradições; por outro, a persistência na reafirmação do Colégio Militar como escola de Excelência Académica, Cultural e Desportiva. Continuamos também certos que, embora as batalhas que se antecipam sejam difíceis, esta grande Família Colegial que integramos, mais uma vez não vai permitir que o Colégio Militar soçobre. Reiterando esta certeza, permitam-me realçar dois inequívocos sinais de esperança: - A salutar convergência de objectivos, entre a Associação de Antigos Alunos do Colégio Militar e a Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos do Colégio Militar, na defesa intransigente da matriz valorativa caracterizadora do Colégio e na sua reafirmação como escola de Excelência; - A nova Direcção constituída por dois Oficias de elevadíssimo nível: o Director Coronel de Artilharia António Emídio da Silva Salgueiro (461/1972) e o Subdirector Tenente-Coronel de Cavalaria Rui Miguel de Sousa Ribeiro Rebordão de Brito (1/1982). O tempo é de esperança e não pode ser de outra forma. Vamos TODOS à luta porque o desafio é muito grande.
Quanto à Nossa Associação, uma breve referencia aos desafios do próximo ano. Relativamente ao Prédio Militar 34 (PM34), em reunião com o General Rovisco Duarte, actual CEME, foi assegurado que a tutela não pretende a saída da AAACM e da AAAIO daquela infraestrutura, tendo sido assumido que ambas as Associações iriam estudar e propor um plano de utilização dos restantes espaços do PM34 – para além das sedes e lar - compaginável com os objectos sociais de ambas as Associações e com a classificação de domínio publico do imóvel. Por fim, no que se refere às actividades da AAACM para o próximo ano, informamos que delas daremos conhecimento mais pormenorizado em plano formal concebido para o efeito. Concluindo, como o nosso Colégio nos ensinou, queremos deixar a justa nota de gratidão para com a anterior Direcção. Ao Coronel Tirocinado de Artilharia José Domingos Sardinha Dias, que de forma sublime entranhou o espírito colegial, ao Tenente-Coronel de Artilharia António José Ruivo Grilo (338/1978), anterior Subdirector, e ao Tenente-Coronel de Cavalaria Bernardo Luís da Silveira e Lorena Lopes da Ponte (80/1980), anterior Comandante do Corpo de Alunos, o nosso profundo agradecimento pelo empenhamento e dedicação a esta Casa. Camaradas Um sentido voto de Boas Festas
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Ficha Técnica
CORPOS SOCIAIS DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRIÉNIO 2016-2018
Ficha Técnica PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL Fundada em 1965 Nº 205 Outubro/Dezembro - 2016 FUNDADOR Carlos Vieira da Rocha (189/1929)
ASSEMBLEIA GERAL Presidente Vice-Presidente 1º Secretário 2º Secretário
DIRECTOR Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949)
Raul Miguel Socorro Folques - 380/1952 José António Pina de Bastos e Silva - 67/1957 António Luís Henriques de Faria Fernandes 454/1970 Pedro Gonçalo Coelho Nunes de Melo - 51/1982
CHEFE DE REDACÇÃO Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957) REDACÇÃO Nuno António Bravo Mira Vaz (277/1950) Pedro Manuel do Vale Garrido da Silva (53/1961) Gonçalo Miguel de Matos Gonçalves (105/1984)
DIRECÇÃO Presidente Vice-Presidente Secretário Tesoureiro 1º Vogal 2º Vogal 3º Vogal 4º Vogal 5º Vogal 1º Vogal Suplente 2º Vogal Suplente 3º Vogal Suplente
José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo - 591/1973 Artur Manuel de Spínola e Santos Pardal - 587/1961 João Eduardo Correia Barrento Sabbo - 17/1967 Luís Manuel Borges de Albuquerque Nogueira - 323/1969 Francisco Eduardo Moreira da Silva Alves - 392/1954 António Vítor Reynaud da Fonseca Ribeiro - 43/1968 José Miguel Teixeira de Faria - 2/1969 José Maria Gouveia de Azevedo e Bourbon - 598/1971 João Pedro Mendes Carreiro Gomes - 390/1983 Gonçalo Miguel de Matos Gonçalves - 105/1984 Tiago Simões Baleizão - 200/1987 Manuel Soares Albergaria Felgueiras e Sousa - 498/2006
CAPA Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa ©Foto Leonel Tomaz ENTIDADE PROPRIETÁRIA E EDITOR Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar MORADA DO PROPRIETÁRIO e SEDE DA REDACÇÃO Quartel da Formação - Largo da Luz 1600-498 Lisboa Tel. 217 122 306/8 Fax. 217 122 307 TIRAGEM - 1350 exemplares DEPÓSITO LEGAL Nº 79856/94 DESIGN E EXECUÇÃO GRÁFICA: Tm. (+351) 933 738 866 Tel. (+351) 213 937 020 info@smash.pt www.smash.pt
CONSELHO FISCAL Presidente 1º Vogal 2º Vogal 1º Vogal Suplente 2º Vogal Suplente
Manuel Ramos de Sousa Sebastião - 604/1961 Rui Joaquim Azevedo de Avelar - 25/1960 Eugénio de Campos Ferreira Fernandes - 180/1980 Rui Manuel Gomes Correia dos Santos – 225/1981 Bruno Miguel Fernandes Pires - 27/1995
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DA AAACM Isenta de registo na Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), ao abrigo do nº 1 da alínea a), do Artigo 12º do Decreto Regulamentar nº 8/99, de 9 de Junho. Os artigos publicados são da responsabilidade dos seus autores. Esta publicação não segue o novo acordo ortográfico.
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Sumário
15 Curso de 1956/1963
Romagem dos 60 Anos de Entrada
16 Curso de 1969/1976
Romagem dos 40 Anos de Saída
17 Curso de 1976/1984
Romagem dos 40 Anos de Entrada
18 Curso de 1983/1991
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19 Curso de 1988/1996
Abertura Solene
Romagem dos 25 Anos de Saída Romagem dos 20 Anos de Saída
20 Curso de 1991/1999
Presidente da República no Colégio Militar
11 Antigos Alunos em Destaque Ricardo Manuel Simões Bayão Horta (25/1946)
Romagem dos 25 Anos de Entrada
21 113º Aniversário da AAACM
Homenagem à “Velha Guarda”
26 Jantar Anual da Associação no Pestana Palace Hotel
27 Colégio Militar
Berço de Grandes Portugueses
36 Rafael Ferreira Durão (11/1941) Um Herói à espera de justiça
38 A Barretina
Virgilio Vicente de Matos (180/1919)
39 Greve da Fome de 1962 50 Entrevistado para o Diário de Notícias
João Miguel Vicente Carita (370/1981)
52 Nambuangongo 1961
José Júlio da Silva de Santana Pereira (8/1949)
55 Novos Graduados 57 Director Cessante do Colégio
Coronel Tirocinado de Artilharia José Domingos Sardinha Dias
58 Novo Director do Colégio
Coronel António Emídio da Silva Salgueiro (461/1972)
59 Novo Subdirector do Colégio
Tenente-Coronel Rui Miguel de Sousa Ribeiro Rebordão de Brito (1/1982)
60 Novo Comandante do Corpo de Alunos
Tenente-Coronel Sérgio Nuno Silveira Castanho
61 O Tambor
Júlio Dantas (114/1887)
65 Allegro
A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
74 Encontro de Comandantes do Batalhão 2016 75 António Barrento (40/1948) Olho do Furacão - O Fim do Fim - Timor
76 Antigos Alunos nas Artes e nas Letras 79 Restolho Um projecto diferente
80 Breves Apontamentos Fotos com significado
81 Um por Todos Todos por Um
82 Visita Informal ao Colégio Militar
Ministro de Estado, Coordenador dos Assuntos Sociais e Ministro da Educação de Timor Leste
83 Dois Episódios 81 Rir faz bem
O meu animal favorito
85 Os que nos deixaram
“Desenho da autoria de Fernando Edgard Collet-Meygret de Mendonça Perry da Câmara (143/1940), oferecido à Revista ZacatraZ”
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Abertura Solene Ano Lectivo 2016/2017
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
Abertura Solene* Ano Lectivo 2016/2017
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o passado dia 24 de Outubro teve lugar a tradicional abertura solene do ano lectivo no Colégio Militar, que este ano não teve a bênção de S. Pedro. As cerimónias iniciaram-se nos Claustros com um tecto baixo de nuvens cinzentas bem carregadas, que deu de imediato lugar a uma chuva contínua, de mais de uma hora de duração, levando a que o Batalhão ficasse com os uniformes encharcados da cabeça aos pés. Esta zanga de S. Pedro, fez-me lembrar um desfile de 3 de Março, aqui há uns 10 anos atrás, em que o Batalhão desceu a Avenida com a água da chuva formando regatos junto aos lancis dos passeios da mesma. Normalmente estes fenómenos meteorológicos não impressionam os militares. Dantes dizia-se «El-Rei manda marchar, não manda chover». Posteriormente dizia-se «chuva civil não molha militar». Não sei se a chuva persistente que caiu era militar ou civil, mas que os nossos pequenos militares ficaram completamente encharcados, disso ninguém teve dúvidas. Mas não vacilaram. Todos se comportaram estoicamente, fazendo jus aos pergaminhos do Colégio. À chegada aos claustros deparei com várias novidades. Dentro dos claustros estavam montados dois toldos, um grande cobrindo a passadeira vermelha onde se iria instalar o Presidente da Republica e outras altas entidades suas acompanhantes e outro
* Todas as fotografias deste artigo são da autoria de Leonel Tomaz (Antigo Aluno Honorário)
mais pequeno, sob o qual estava instalado o púlpito, a partir do qual seriam lidos os discursos. Dadas as condições meteorológicas estes toldos foram providenciais, tendo porém o inconveniente de taparem parte das vistas ao público postado no andar superior dos claustros. Outra novidade foi o facto de haver cadeiras para as entidades postadas na passadeira vermelha, bem como para os convidados colocados à sua retaguarda, sob as arcadas dos claustros. As cadeiras dão sem dúvida conforto aos convidados e permitem pôr ordem na sua disposição, mas constituem um obstáculo à saída do Batalhão pelo átrio principal, fazendo continência à esquerda, ao busto do nosso Marechal, como foi determinado em Ordem de Serviço, há mais de 100 anos, no ano longínquo do centenário do Colégio, em 1903, e como foi religiosamente praticado ao longo desses mesmos anos. Não deu para ver como a manobra seria este ano efectuada, pois o Batalhão acabou, como adiante veremos, por não desfilar. Ainda novidade, foi o facto de os Alunos do 1º ciclo (a antiga Escola Primária) terem sido colocados no andar superior dos claustros, em vez de estarem no piso inferior em conjunto com os convidados, o que causava alguma confusão. Por último, assinala-se o facto de os repórteres da comunicação social terem sido também colocados
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no andar superior dos Claustros. Compareceram este ano em grande número, o que atribuo ao facto de as cerimónias terem sido presididas pelo Presidente da Republica, pois nos últimos anos têm primado pela ausência. Como geralmente só lhes interessa o sensacionalismo e o escândalo, confesso que não tenho sentido a sua falta. A cerimónia militar iniciou-se, como é dos regulamentos, com a apresentação das companhias ao Comandante do Batalhão. Também aqui deparei com duas novidades, a presença do Ajudante de Comandante do Batalhão e o facto de as baionetas caladas nas armas dos Alunos se apresentarem embainhadas, em vez de as bainhas estarem suspensas dos cintos, como desde sempre se fez. Regozijei-me com a reactivação da função Ajudante de Comandante do Batalhão, pela qual durante anos pugnei (não tivesse eu também sido Ajudante de Comandante do Batalhão). Estranhei a situação das baionetas. Há tempos atrás soou-me que havia vozes que defendiam a supressão da baioneta calada na espingarda, dada a sua potencial perigosidade para as «crianças». Agora surge uma situação intermédia, que é a baioneta calada, mas embainhada. Acho que esta questão é uma falsa questão, ou como agora se diz, um «não problema». De facto, tanto quanto é do meu conhecimento, e já tenho cerca de 60 anos de vida como militar (incluindo os anos no Colégio), nunca ninguém se feriu no Colégio no manejo de arma com as baionetas caladas e desembainhadas. Problemas tem o Colégio, mas não este. Espero que se volte à boa prática das baionetas desembainhadas, para no próximo 3 de Março voltarmos a ter na Avenida aquela visão única de cerca de 500 baionetas, impecavelmente limpas, faiscantes à luz esplendorosa do sol de Lisboa. Tendo o Batalhão ficado pronto, procedeu-se à integração da Bandeira Nacional na formatura. A Bandeira com a sua escolta avançou e o Batalhão, em continência, apresentou armas e entoou o Hino Nacional, no que foi acompanhado por toda a assistência. Este é sempre um momento impressionante, em que pousamos o olhar na nossa Bandeira carregada de condecorações (a Bandeira mais condecorada do Exército Português) e em que nos vem à mente, como que em marcha triunfal, a plêiade de «filhos do Colégio» que com os seus feitos notáveis justificaram essas condecorações. Integrada a Bandeira na formatura, tudo ficou pronto para receber o Presidente da Republica, que
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compareceu com a pontualidade própria dos militares. O Batalhão apresentou armas e de novo se entoou o Hino Nacional. Seguiu-se a entrada nos claustros e a apresentação dos novos Alunos, ou seja, dos «ratas», a que agora chamam «turistas». A designação de «ratas» parece que fica agora para mais tarde. Criou-se assim uma situação de «pré-ratas», dando-se agora a sua integração de pleno direito no Batalhão só após o compromisso de honra, que decorre no 1º de Dezembro. Como pontos positivos da apresentação dos «ratas» aponto, o seu aprumo, a sua marcha já muito correcta, tendo em consideração a sua es-
cassíssima experiência, e o facto de se apresentarem de luvas calçadas, como é exigido em actos de serviço. Como ponto negativo, o fardamento inaceitável de um grande número de novos Alunos. Há Alunos com dólmans que lhe descem até quase aos joelhos e mangas que quase lhes cobrem as mãos. Há dólmans tão folgados que mais parecem capotes ou saias. Um Aluno que estava á minha frente tinha 7 botões no dólmen em vez dos 8 regulamentares. Enfim, uma situação que se tem vindo a repetir, ano após ano, como se não tivesse possibilidade de solução. Não desistiremos de chamar a atenção para esta situação, enquanto a mesma não for resolvida. Temos esperança de voltar a ver os Alunos bem fardados. Não será preciso um milagre. Feita a apresentação dos novos Alunos e a leitura do artigo da Ordem de Serviço com o seu aumento ao efectivo do Batalhão Colegial, foi a vez de se fazer a entrega ao Aluno Comandante do Batalhão da réplica da espada de El-Rei D. Carlos, que quando menino foi Comandante de Batalhão Honorário. A partir de agora e até ao final do ano lectivo, será com esta espada que o Comandante do Batalhão desempenhará as suas funções, em todos os actos públicos da vida colegial. A entrega da espada foi feita pelo «Batalhãozinho», que de seguida foi envolvido por um grande abraço do Comandante do Batalhão, ficando pendurado nos braços deste último, dada a grande diferença de estatura entre ambos. Foi a forma simbólica de o Comandante do Batalhão abraçar todos os novos Alunos. A seguir a este ritual foi a vez do Comandante do Batalhão discursar, dando-lhes então as boas vindas:
Os livros do Bicentenário foram entregues ao Senhor Presidente da República pelo Ajudante do Comandante do Batalhão
«Senhor Presidente da República, Excelência Em nome de toda a Comunidade Colegial permita-me que me dirija a Vossa Excelência agradecendo a sua presença nesta importante cerimónia, que marca o início de um novo ano lectivo. Exmº Senhor Ministro da Defesa Nacional Exmº Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército Exmº Senhor Director do Colégio Militar Exmos Senhores Convidados Digníssima Família Colegial Sendo a primeira vez que discurso nestes seculares e intemporais claustros começo por referir que o Colégio, que conhecemos actualmente, distingue-se do que então existia aquando da minha entrada. Durante os 213 anos de história desta tão nobre Instituição ocorreram várias mudanças sendo a última, talvez uma das mais radicais. Relembro, no entanto, que o Colégio to-
Foi entregue Ao Senhor Presidente da República, cópia do Processo Escolar de sua Mãe, Aluna Maria das Neves Fernandes Duarte Rebelo de Sousa (IO-59/1929)
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das ultrapassou e esta não foi excepção. Este é o novo Colégio Militar. Este é o nosso Colégio que, com respeito e gratidão pelo passado, olha o presente e planeia o futuro. Senhores Oficiais, Sargentos e Praças desta Casa, Estamos a começar mais um ano repleto de adversidades que só com a continuidade do trabalho em equipa poderão ser ultrapassadas. Nunca esquecendo que o nosso lema é SERVIR, esperamos que, em conjunto, possamos unir esforços no sentido de contribuir para o bom funcionamento desta Instituição, do Exército e de Portugal. Pais e Encarregados de Educação, Como Comandante de Batalhão, quero agradecer-vos a confiança que depositastes no Projecto Educativo do Colégio Militar. É minha função, como graduado e irmão mais velho, assegurar o bem-estar dos vossos filhos, como agregador do espírito Colegial de todos os que nesta Casa estudam, tendo como objectivo formá-los como verdadeiros Meninos da Luz. Faço aqui um apelo à vossa cooperação, para que
nos ajudem a garantir a estabilidade necessária ao mais saudável ambiente entre todos os membros da Comunidade Colegial, sejam pais, antigos alunos, corpo docente, militares desta Casa e, principalmente, nós: os alunos deste Colégio Militar, a sua verdadeira razão de existir. Senhores Professores, Contamos convosco para nos assegurarem a melhor formação académica possível, seja através do vosso exemplo, dedicação e empenho, seja mediante as aulas e as tarefas que nos esperam, com exigência e rigor. Sabemos que o sucesso do resultado final só será possível se pudermos contar com a vossa ajuda, aliada ao nosso estudo. Sabemos que não basta sermos um exemplo de excelência pessoal, é fulcral que também tenhamos êxito na vertente académica. Camaradas meus irmãos, Quero desejar-vos boa sorte para este ano lectivo, que alcancem todos os vossos objectivos e realizem os vossos sonhos. O espelho do vosso esforço e do vosso trabalho reflectir-se-à seguramente nos resultados escolares e nas vossas aspirações. Está na hora de nos afirmarmos como Meninos da Luz, mantendo sempre bem presente os Valores que nos distinguem. Não nos podemos acomodar: devemos ser exigentes connosco próprios e assumir as nossas responsabilidades. Como sempre, e a exemplo do que ocorreu no Colégio, temos de nos adaptar, fazendo face a todas as exigências da sociedade, porque a mudança é constante, e juntos faremos a diferença! Finalistas, A nostalgia que sinto ao olhar para vós nestes claustros é inexplicável. Foi ontem, há sete anos, que aqui formámos pela primeira vez como “Turistas”, todos com um sorriso na cara. Irmãos, não podemos baixar os braços. Os deveres inerentes a sermos finalistas e graduados
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deste Colégio exigem muito da nossa parte. Durante sete anos recebemos, um conjunto de princípios e valores como a honestidade, a lealdade, a coragem, a camaradagem e o espírito de corpo. Está na altura de retribuirmos o que o Colégio fez por nós. Peço-vos que no final deste ano, prevendo as saudosas lágrimas que certamente marcarão esta etapa na nossa vida, nestes mesmos claustros, seja possível aqui voltarmos com o sentimento do dever cumprido. Que nessa altura possamos sentir o que tão bem se expressa nestas palavras de Martin Luther King: “Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutámos para que o melhor fosse feito”. Futuros “Ratas”, Inicia-se aqui a vossa jornada. Agora parece-vos ser longa, mas passará num abrir e fechar de olhos. Agarrem esta oportunidade única na vossa vida. Aproveitem todos os momentos passados nesta casa que, embora parecendo infindáveis, no final, aperceber-se-ão que o não eram. Ainda assim, serão esses mesmos momentos que vos marcarão para sempre. Por isso, dêem tudo por tudo pelo nosso Colégio e pela nossa Pátria, tendo por base o Código de Honra, o nosso Lema e a Divisa desta Casa, “Um por todos Todos por um”. Vocês são agora o futuro. Lembrem-se sempre de que o sucesso resulta do trabalho árduo e continuado e que, face à adversidade, a palavra de ordem é: Nunca desistir! Só assim será possível elevarem-se no âmbito académico e atingirem os vossos objectivos. Deixo-vos com as sábias palavras do nosso Fundador, Marechal António Teixeira Rebello, que em tempos disse: “Nas empresas desta natureza é necessário ter por máxima: fazer as coisas completamente ou não as empreender”.» Concluído o discurso do Comandante do Batalhão, que considero notável e revelador duma grande maturidade para a sua idade, deu-se a saída da formatura dos novos Alunos, que de novo marcharam já com um acerto assinalável. Seguiu-se o discurso do Director do Colégio, Coronel Tirocinado de Artilharia José Domingos Sardinha Dias, que disse:
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«Senhor Presidente da República, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa. Excelência, Aceite os nossos cumprimentos de boas vindas e permita que lhe manifeste, em nome de toda a Família Colegial e do Exército, a enorme satisfação e o apreço que sentimos, ao recebermos hoje na nossa Casa, o Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas. A presença de Vossa Excelência, a presidir à Abertura Solene das Aulas, sensibiliza-nos de modo muito especial e constitui uma honra para todos quantos servem neste Colégio, muito particularmente para os seus alunos, o que é para todos nós sentido, como o reconhecimento da importância deste Estabelecimento Militar de Ensino, que ao longo da sua longa existência, se tem constituído como uma referência ao serviço da Educação e da Formação dos nossos jovens. Senhor Ministro da Defesa Nacional Senhor Professor Doutor Adriano Moreira Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército, meu General Senhor Chefe da Casa Militar do Presidente da República Excelências Exmo. Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Carnide Exmo. Senhor Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército Exmos. Senhores Oficiais Generais, Exmo. Senhor MGen Director de Educação, Exmos. Senhores Oficiais que me antecederam no cargo de Director deste Colégio, Exmo. Senhor Director do Instituto dos Pupilos do Exército, Exmos. Senhores Presidentes da Associação de Antigos Alunos e da Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos do Colégio Militar, Exmas. Entidades instituidoras de prémios Exmos. Senhores Professores, Exmos Senhores Oficiais, Sargentos, Praças e Funcionários Civis Exmos Pais, Encarregados de Educação e Comunidade Colegial em geral, Exmas. Entidades convidadas, Minhas Senhoras e Meus Senhores, A todos vós, o nosso profundo agradecimento por se terem associado a este evento, que marca o início de mais um ano lectivo. A vossa presença é interpretada como um sinal da estima que vos
merece esta bicentenária Instituição Educativa, o que para nós, constitui um forte estímulo e um elevado privilégio. A todos, o nosso bem-haja. Antes de tudo e de nos referirmos ao que perspectivamos que venha a ser mais um ano lectivo, importa salientar que a solenidade com que encaramos esta cerimónia, resulta do interesse e da importância que continuamos a dar à educação, ao ensino e à formação dos nossos alunos. Não é sequer necessário recordar o quão fundamental é a qualidade, a consistência e o sucesso da educação e do ensino para o progresso e para o desenvolvimento de qualquer Sociedade. Neste âmbito, em Portugal, o Colégio Militar, ao longo dos seus 213 anos de existência, tem contribuído significativamente para este desiderato, dotando os seus alunos, não só de uma preparação académica e cultural de excelência, mas também de uma rigorosa formação ética e cívica, e de uma forte capacidade de decisão e de liderança, tudo isto, em concordância com o necessário e exigente desenvolvimento físico. Hoje, continuamos a fazer justiça a este legado. Respeitando a matriz identitária de formação militar que norteou a criação do Colégio, esta continua a ser uma “Casa” onde os predicados cuidar, educar e formar, são conjugados por toda a comunidade colegial, e na qual, a essência da sua divisa «Um por todos Todos por um» une sucessivas gerações de alunos. Distinto dos demais projectos educativos em Portugal, através da vivência quotidiana dos valores e das virtudes militares é transmitido aos nossos alunos o sentido do dever, a honra, a dignidade, a disciplina, o civismo, a honestidade, a solidariedade e a importância da gratidão, determinantes na formação do seu carácter. Senhor Presidente da República Minhas Senhoras e meus Senhores, Idealizado como uma Instituição dedicada exclusivamente ao regime de internato masculino, e que assim funcionou durante 210 anos, o Colégio Militar soube adaptar-se, nunca perdendo a sua essência e a sua identidade, as marcas distintivas desta Casa, que nos mantém como um pilar incontornável na formação de cidadãos, que reconhecendo a importância da Instituição Militar, estão prontos a servir o país em todos os sectores de actividade.
É esta obra e esta herança educativa, gizada há 213 anos pelo então Coronel Teixeira Rebello, com provas mais do que dadas, que nos responsabiliza a todos, no sentido de continuarmos a garantir a formação integral dos nossos alunos, num espaço onde se pretende que se sintam integrados, acarinhados e felizes, e que se identifiquem com um modelo de aprendizagem e de vivência assente na autonomia, na liberdade, na igualdade e no respeito mútuo. É esta obra e esta herança educativa que, não obstante as polémicas que, ciclicamente, teimam em envolver o nosso Colégio, garantem a nossa vitalidade e crescimento, traduzida este ano na admissão de mais 163 novos alunos e no quarto ano consecutivo em que o seu efectivo não para de aumentar, o que acabou por esgotar as nossas capacidades ao nível das salas de aula, das infraestruturas desportivas e do internato feminino. É por isso preponderante que se dê início à construção do novo pavilhão gimnodesportivo, e que se considere a expansão do internato feminino, para o qual existe, há dois anos, lista de espera, para as alunas que pretendem optar por este regime. É esta obra e esta herança educativa que nos permitem realçar os bons resultados obtidos nos diferentes níveis de escolaridade, embora tenhamos de continuar a apostar em estratégias motivacionais e intervenções coerentes e sustentadas de natureza pedagógica, que nos conduzam a uma melhor, performance académica, sobretudo no que à disciplina de matemática diz respeito. Neste âmbito, estamos confiantes de que, apesar dos desafios que exigem a reinvenção de concepções e práticas antigas, a aposta na qualidade da aprendizagem e a acção estratégica na sala de aula, associada a uma cultura de rigor, que se deve pautar pela exigência e pelo sentido de responsabilidade, traduzir-se-á numa maior eficiência e numa melhoria do aproveitamento escolar. É esta obra e esta herança educativa que, para além da componente académica nos impeliu a participar em múltiplas e variadas cerimónias militares, palestras, visitas de estudo, projectos de solidariedade social, concursos, eventos culturais e acontecimentos desportivos, quer a nível nacional quer internacional, que contribuíram de forma assinalável para fortalecer a excelente imagem e o prestígio do nosso Colégio.
Abertura Solene Ano Lectivo 2016/2017
Senhor Presidente, Sendo a Educação o reflexo de um processo harmonioso entre Professores, Pais e Alunos, permita-me que lhes dirija agora a palavra: Aos Professores, exorto-vos a que, com dedicação, empenho e disciplina implementem em contexto de sala de aula os modelos e as ferramentas cognitivas e intelectuais, necessárias à consolidação do nosso projecto educativo. Aos pais, convido-vos a participarem e a colaborarem em torno de um objectivo que nos é comum, a Educação dos Vossos Filhos e agradeço-vos desde já o voto de confiança que depositaram nesta Escola. Tudo será feito para corresponder às vossas expectativas. Aos novos alunos e alunas, um alerta: O “caminho” que agora iniciam não é tarefa fácil. A vossa integração na vida do Colégio e vosso sucesso deverá assentar no esforço de cada um, para cumprir os respectivos deveres escolares, mas também na camaradagem que caracteriza e marcará de modo determinante o vosso percurso formativo. Lembrem-se, a partir de agora, é “Um por todos Todos por um”, e saibam que apesar de todas as dificuldades que possam surgir no vosso caminho será sempre um privilégio estudar e pertencer a este Colégio. A todos um grande abraço e votos dos maiores sucessos escolares. Aos alunos que terminaram o Secundário, e que muito recentemente ingressaram no ensino superior, dizer-vos que contamos convosco para que assumam as vossas responsabilidades. Nunca desistam, nem se acomodem, pois sois vós, com a vossa determinação e empenho constantes, que darão continuidade à gloriosa história deste Colégio, e que construirão o caminho do vosso próprio futuro. Aos alunos finalistas Endereço-vos desde já as maiores felicidades, fazendo votos de que este ano seja recordado como um dos momentos mais altos do vosso percurso formativo. Sem nunca descurarem a componente escolar, fundamental na preparação dos desafios do en-
sino superior, aproveitem enquanto alunos graduados esta experiência ímpar, só ao alcance de poucos, tão essencial à vossa formação. Afirmem-se como líderes e como o exemplo, e dignifiquem o nome desta Casa. O Prestígio e o Espírito do Colégio estão nas vossas mãos. Senhor Presidente da República Minhas Senhoras e meus Senhores, Caros Alunos Esta não é uma Escola qualquer. Esta Escola e este legado com mais de dois séculos, é o testemunho vivo da dedicação de todos os que aqui serviram e estudaram ao longo dos tempos. Os Princípios, os Valores e as Tradições que conferiram a este Estabelecimento Militar de Ensino uma identidade única no “panorama do ensino em Portugal”, para além de merecer o nosso respeito e admiração, impõe-nos, sobretudo, a responsabilidade de continuar, com toda a nossa entrega e saber, a torná-lo cada vez mais forte e aliciante. Estamos conscientes das dificuldades e do muito que há por fazer, mas seguros de que tudo será feito, para que o Colégio Militar continue a ser uma Instituição Educativa de referência, assente num projecto forte e singular, há muito definido. Assim, alicerçado numa educação completa e nos princípios e valores identitários da matriz militar, o Colégio, para além dos bons resultados académicos que se traduzam no êxito do acesso ao Ensino Superior, continuará a apostar na preparação dos seus alunos e alunas para que se assumam como verdadeiros líderes e participem activamente na construção de uma sociedade mais justa e interventiva. Termino com a confiança no trabalho de todos e certo da motivação para enfrentarmos o futuro, continuando a praticar um ensino ecléctico, vocacionado para a formação de futuros cidadãos e cidadãs responsáveis, com capacidade de iniciativa, e com a convicção de que queremos continuar a ser uma Instituição da qual o Exército e o País se orgulhem. Um excelente e profícuo ano lectivo para todos.» Concluído o discurso do Director, também ele notável e transmissor de uma forte mensagem de estí-
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mulo e responsabilização de toda a família Colegial, foi a vez de se proceder à entrega da Medalha do Fundador do Colégio Militar, em homenagem ao Marechal António Teixeira Rebello1. A medalha foi entregue ao Antigo Aluno Ruben Filipe Belesteiro Garcia (31/2008), finalista no ano transacto. Seguiu-se uma breve cerimónia de atribuição ao Presidente da Republica da designação de Aluno Honorário do Colégio Militar, sendo-lhe simultaneamente atribuído o número 801. Não considerando os casos do Rei Dom Carlos e do seu filho o Príncipe Dom Luiz Filipe, que foram Comandantes de Batalhão Honorários, trata-se do terceiro Antigo Aluno Honorário. Os dois Alunos Honorários anteriores foram o Professor Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, e o Professor Cavaco Silva, Presidente da Republica. A atribuição do titulo de Aluno Honorário do Colégio Militar foi acompanhada da entrega ao Presidente da Republica de um estojo contendo uma recordação alusiva ao acto, uma Barretina em metal com o número 801 gravado, que foi finalizado com um Zacatraz gritado pelo Porta Guião da nossa Associação, postado à frente do Batalhão, e que foi secundado por todo o Batalhão e Antigos Alunos presentes.
1 Em homenagem ao Fundador do Colégio Militar, destina-se a distinguir Alunos do 12º ano que pela conduta mantida ao longo da sua permanência no Colégio, tenham demonstrado possuir, em elevado grau, os atributos de carácter que melhor correspondam aos princípios educativos do Colégio e melhores garantias ofereçam de dar testemunho do espírito e missão educativa do Colégio Militar. Os Alunos terão de obter em todos os períodos já frequentados no Colégio comportamento igual ou superior a Bom; classificação igual ou superior a 14 valores em Instrução Militar em todos os períodos do Ensino Secundário; e aproveitamento em todas as disciplinas do curso já frequentadas.
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Concluída mais esta parte do programa, foi a vez do Presidente da Republica fazer o seu discurso. Tal como já tinha feito no passado dia 10 de Junho, quando se dirigiu às tropas em parada no Terreiro do Paço, proferiu um discurso breve, mas de peso. Falou cerca de dois minutos e disse tudo o que era essencial. Para apreciação de todos o discurso proferido está em evidência transcrito em caixa integrada neste texto. Gostei do discurso, embora tivesse tido alguma dificuldade para o ouvir, dada a configuração da instalação sonora. O discurso deu-me a esperança de que o Presidente da Republica ficará atento ao que se passa no Colégio, para que seja preservado e defendido e para que se obtenha aquilo que tem faltado nos últimos tempos, que é estabilidade, ao nível da sua Direcção e estrutura de comando, e sossego, para que os Alunos se possam aplicar nos seus estudos, elevando os resultados académicos para os níveis desejados e garantindo-lhe acesso aos cursos superiores que aspiram seguir. A seguir ao seu discurso, o Presidente da Republica retirou-se, sendo-lhe prestadas as honras da ordenança, com o Batalhão em apresentar armas e a banda do Exército tocando o Hino Nacional, entoado também por todos os presentes. Após a retirada do Presidente da Republica as cerimónias foram dadas por terminadas, sem que o Batalhão tivesse desfilado, o que se terá ficado a dever à chuva que caiu de forma ininterrupta desde o início das cerimónias. Penso que os Alunos terão ficado frustrados, pois encharcados por encharcados, levavam as cerimónias até ao fim. Assim ficou-se com a sensação que a chuva era afinal militar e não civil, sendo que os Alunos poderiam mais tarde recordar aquele dia inesquecível em que apesar da inclemência do tempo, tudo se teria feito conforme programado. Não assisti à continuação das cerimónias no Ginásio, tendo tido conhecimento posterior de as mesmas terem sido também abreviadas. Tal como vem acontecendo nos últimos anos, as medalhas foram atribuídas em profusão, o que lhes tira o seu valor e diminui o orgulho e incentivo de as receber. Dada a presença de repórteres da comunicação social na cerimónia, decidi mais tarde, já em casa, ver o telejornal da RTP 1, para me aperceber do tratamento dado às cerimónias ocorridas. A reportagem relativa à cerimónia foi muito breve. A comentadora da cerimónia realçou a brevidade
do discurso do Presidente da Republica, referiu que o Colégio atravessou um ano lectivo passado para esquecer, que culminou com a apresentação da sua demissão pelo anterior Chefe do EstadoMaior do Exército e com um inquérito relativo a uma eventual discriminação dos Alunos em função da sua orientação sexual, que nada concluiu nesse sentido. Terminou dizendo, que agora o Colégio acabara de ser «abençoado» (o termo é da comendadora e as aspas são minhas) com um novo regulamento, em que está escrito, preto no branco, que nenhum Aluno pode ser discriminado em função da sua orientação sexual. A reportagem apresentada merece-me três comentários. O primeiro comentário é relativo à indicação de o ano lectivo passado ser para esquecer. Foi na realidade um ano atribulado, mas não para esquecer, pois temos obrigação de tirar lições dos bons e dos maus momentos. Faltou porém dizer, que o ano classificado como «para esquecer», não correu mal por culpa do Colégio ao nível da sua Direcção ou dos seus Alunos, que se comportaram com uma serenidade exemplar durante o mesmo, não se deixando impressionar pelo «ruído» gerado pela política e pela comunicação social. O segundo comentário é relativo à pretensa «bênção» de que o Colégio foi objecto. Tanto quanto a minha cultura me diz, as bênçãos são dadas por Deus e pelos Santos, não estando nenhum deles envolvido na criação do referido novo regulamento. Recuso-me a considerar como bênção um acto de política. O terceiro comentário é relativo ao facto de o realce da reportagem ser, mais uma vez, a questão sexual. Um espectador que não conheça o Colégio, poderá deduzir que se trata de um Colégio de obcecados sexuais das mais variadas orientações. Se era este o objectivo da reportagem, já a mesma se compreende. Posto isto, sou da opinião que a reportagem apresentada é que é para esquecer, tendo sido lamentavelmente paga por todos nós, dado o caracter público da RTP. Quanto ao carácter «divino» e á qualidade do novo regulamento, na sua vertente realçada pela comentadora, é assunto sobre o qual de momento não me posso pronunciar, dado ainda não ter lido o regulamento. Tenciono lê-lo e pronunciar-me oportunamente sobre o mesmo.
Palavras do Presidente da República Senhor Ministro da Defesa Nacional, Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército, Excelências, Senhores Convidados, Família do Colégio Militar, Jovens, Quando se tem a vossa idade, os actos pesam muito mais do que as palavras, ouvidos de outro modo, as palavras devem ser poucas e claras. Por isso, hoje, o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, só vos quer dizer três palavras. Primeira - Portugal é o que é devido ao papel das nossas Forças Armadas há quase nove séculos e só será o que quisermos, que seja, se pudermos continuar a contar com as nossas Forças Armadas dedicadas, competentes, leais servidoras do interesse nacional. Segunda - vós sois privilegiados, por ser-se de uma Instituição como o Colégio Militar, é pertencer-se a uma Escola de valores, de formação de serviço nacional. E aqueles de entre vós que escolherdes duradouramente a carreira militar, ficareis a ser parte integrante dessa componente única da identidade nacional. Terceira - o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas tem muito orgulho no passado, no presente e no futuro do Colégio Militar e só espera, que cada um de vós possa afirmar um dia, no termo de uma vida que está agora a começar, eu servi Portugal com o meu estudo, a minha vontade, a minha humildade, o meu patriotismo. Se assim for, terá valido a pena ter vivido os anos únicos de educação, de camaradagem e de descoberta do futuro nesta grande Casa que é o Colégio Militar.
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Antigos alunos
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Ricardo Manuel Simões Bayão Horta (25/1946) Professor Emérito pela Universidade de Lisboa
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o passado dia 26 de Outubro, no Salão Nobre do Instituto Superior Técnico, teve lugar a cerimónia de atribuição da Insígnia de Professor Emérito ao Professor Doutor Ricardo Bayão Horta. O Título de Professor Emérito é concedido pela Universidade de Lisboa, de modo excepcional, aos professores catedráticos, que se distinguiram pela sua acção e prestígio adquirido no seu campo académico e científico, e pela sua contribuição para a projecção nacional e internacional desta Universidade. A atribuição desta distinção honorífica resulta do relevante contributo dado, pelo agraciado, ao avanço do ensino, da ciência e da cultura. A abertura da cerimónia esteve a cargo do Professor Arlindo de Oliveira, Presidente do Instituto Superior Técnico, tendo sido encerrada pelo Professor António Cruz Serra, Reitor da Universidade de Lisboa. A mesa foi constituída pelo Homenageado, pelo Presidente do IST e pelo Reitor da Universidade de Lisboa, pelo General António Ramalho Eanes, pelo Dr. Rui Machete, pelo General Joaquim Rocha Vieira (127/1950), pelo Professor Rogério Colaço e pelo Doutor Rodrigo Lino Santos. Das diferentes intervenções, serão feitos destaques e citações das palavras proferidas. Ricardo Manuel Simões Bayão Horta, nasceu a 19 de Novembro de 1936, foi admitido no Colégio Militar em 1946, com o número 25, concluin-
do o curso em 1953, ano em que foi graduado Comandante do Batalhão. Em 1956 foi 2º Assistente no Instituto Superior Técnico (IST) – Tecnologia Química, aí tendo concluído, em 1959, o curso de Engenheiro Químico-Industrial. Na University of Birmingham, UK, Departamento de Industrial Metallurgy, obtém a graduação de Master of Science (MSc) em 1966 e, dois anos mais tarde, o Doutoramento (PhD). No IST é Doutor em Engenharia (1975), Professor Extraordinário, Concurso de Provas Públicas (1975), Professor Catedrático (1979) e Professor Catedrático Jubilado (2006). Ao longo da sua vida exerceu uma intensa actividade profissional e política que se iniciou em 1960 na Siderurgia Nacional, sendo Membro da equipa de projecto e instalação da indústria siderúrgica em Portugal. Tendo suspendido, de 1965 a 1968, a actividade em Portugal enquanto durou a sua permanência na University of Birmingham, UK, regressou à Siderurgia Nacional integrando a equipa de concepção, projecto e instalação da expansão da Siderurgia para produtos planos laminados a frio e nova fábrica integrada de produtos longos (Maia). Secretário Geral da Siderurgia Nacional (1974), Secretário de Estado da Energia e Minas – 1º Governo Constitucional (1977), Secretário de Estado da Indústria (1980), Ministro da Indústria e Energia (1981), Ministro da Defesa Nacional
(1983), Membro do Conselho Superior do Banco Comercial Português (1985), Membro português a título individual do IRDAC (Industrial Research and Development Advisory Committee), UE (1986-1991), Presidente fundador da Promindústria – Sociedade Portuguesa de Capital de Risco (1987-1992), Presidente da Companhia Industrial de Resinas Sintéticas, Cires, desde 1988, Membro da Assembleia Europeia da Ciência e Tecnologia (1993-1996), Conselheiro de estratégia industrial da Atlansider SGPS - Siderurgia do Atlântico, empresa holding resultante da reprivatização da Siderurgia Nacional, EP desde 1996, Presidente do Conselho Directivo do Forum para a Competitividade (1994-1996), Membro do Conselho Nacional de Educação (1996-2000) e Presidente do Conselho de Administração da Cimpor – Cimentos de Portugal, SGPS (2001-2010). Desde 1956, exerceu Actividade Docente no Departamento de Engenharia Química, Departamento de Engenharia Metalúrgica, Departamento de Engenharia de Materiais e Departamento de Engenharia e Gestão Industrial, do IST, e Actividade Académica centrada na interacção Universidade/ Indústria a nível da docência, investigação e preparação de licenciados e pós-graduados para as respectivas carreiras profissionais. Foi co-fundador do Departamento de Engenharia de Materiais no IST e Fundador do Instituto de Ciência e Tecnologia de Materiais.
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O Professor Ricardo Manuel Simões Bayão Horta, tendo à sua direita o Professor Arlindo Oliveira, Presidente do IST e à sua esquerda o Professor António Cruz Serra, Reitor da Universidade de Lisboa, na cerimónia da atribuição da insígnia de Professor Emérito da Universidade de Lisboa.
Desenvolveu projectos de investigação contribuindo para o reforço e alargamento de acervo tecnológico nacional na área de Ciência de Materiais. Autor de diversos trabalhos, conferências e de publicações nacionais e estrangeiras. Co-autor de duas patentes de processo e produto conducentes à alteração tecnológica da indústria cimenteira com o objectivo de drástica redução das emissões de CO2. É condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo e diversas condecorações estrangeiras. Conselheiro do Conselho Supremo da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, Membro da Associação dos Antigos Alunos do Instituto Superior Técnico, Membro da Organização dos Antigos Alunos da Universidade de Birmingham, UK, Membro Conselheiro da Ordem dos Engenheiros e Membro da Academia de Engenharia.
Professor Ricardo Baião Horta e Professor António Cruz Serra
©Fotos IST
Com o Salão Nobre do IST completamente cheio com personalidades, familiares, amigos e discípulos que o quiseram acompanhar no acto de outorga da honrosa distinção que a Universidade de Lisboa lhe conferiu, usaram da palavra o General
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António Ramalho Eanes, o Dr Rui Machete, o General Joaquim Rocha Vieira, o Professor Rogério Colaço e o Doutor Rodrigo Lino Santos. Na impossibilidade de transcrição integral de todas as intervenções, retirámos alguns excertos significativos do que foi dito. “Ricardo Manuel Simões Bayão Horta tem várias dezenas, talvez centenas, de filhos e netos, entre os quais eu e o Rodrigo, que os seus filhos e netos biológicos, não conhecem: os seus alunos ao longo de 60 anos de ensino aqui no Técnico. Muito deles aqui presentes também.” “... entrou para o Colégio Militar, onde veio a ser Comandante do Batalhão em 1953. Eu não andei no Colégio Militar por isso não sei bem o que é ser Comandante do Batalhão. Mas deduzo que deve ser uma coisa muito importante porque tenho três amigos que o foram e que mo referem frequentemente como tendo sido um dos momentos mais altos das suas vidas.” ”... descobri pelo menos dois dos segredos que norteiam a sua vida. O primeiro segredo é o de ter uma visão profunda, complexa e elaborada sobre todas as coisas, mas não complicada nem intricada. Onde outros (como eu muitas vezes) complicam, aumentam atrito, dissipam energia, bloqueiam e finalmente param, o Prof. Bayão Horta descomplica sempre. É o chamado segredo do bom senso.” “O segundo segredo é o segredo de pôr sempre as pessoas, todas as pessoas, em primeiro lugar. O que importa são as pessoas. São as pessoas que fazem as coisas, que fazem as instituições, as empresas, as descobertas científicas, as famílias, os países. Tudo. E o Prof Bayão Horta há muito que percebeu isso (provavelmente desde sempre: nasceu com ele), ensina-o e pratica-o. É o chamado segredo do respeito pelo outro.” “É muitíssimo raro, quase impossível, encontrar estas duas qualidades numa mesma pessoa. E por isso o Prof Bayão Horta é um português atípico e é um privilégio para mim tê-lo conhecido.” “Pertenço à geração de Bayão Horta, conheço-o desde os anos que vivemos em conjunto no Colégio Militar, ...”
“O Colégio Militar forma e prepara homens para que saibam enfrentar e superar as suas circunstâncias, quaisquer que elas sejam.” “Este é um desígnio que permanece para lá das mudanças das épocas, mas é em cada curso em concreto, em cada corpo de alunos, em cada Batalhão Colegial, que se estabelece a vivência que dá conteúdo a esse desígnio em cada época.” “... vivência que transmite aos programas educativos formais um suplemento de formação ética e de sentido da responsabilidade, onde a solidariedade e a afirmação da responsabilidade colectiva mantêm o sentido de individualidade e de autonomia de cada um dos seus membros, que têm de provar, perante si e perante os outros, que são merecedores de pertencer a essa comunidade de princípios e de comportamentos.” “Ricardo Bayão Horta era um exemplo que todos respeitavam e que permanece hoje, na nossa memória, como referencial dos nossos valores.” “... o tempo, e as circunstâncias, do Instituto Superior Técnico ... ... outro nível de responsabilidades, mas onde os valores transmitidos no Colégio Militar tinham a melhor oportunidade de concretização, oferecendo os conhecimentos indispensáveis para a integração no processo de modernização da economia e da sociedade portuguesas.” “O percurso de vida do meu amigo Ricardo Bayão Horta ... ... constitui um desafio para as novas gerações. Ele foi o homem que soube ser mais do que as suas circunstâncias. Com determinação, ciência e talento, soube abrir possibilidades para a construção do futuro.” “Todas as gerações têm de enfrentar desafios novos, mas é mais forte a mobilização quando se conhece o caminho.” “... com o seu exemplo, com a sua obra, com o que fez, deixa-nos uma linha de rumo que mostra como fazer o que tem de ser feito para se percorrer esse caminho.”
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“Quem tem o privilégio de privar com o Ricardo, sabe bem como a Escola onde começou a sua aprendizagem e educação, o seu querido Colégio Militar, foi a ambiência propícia para a formação do seu carácter, o modo carinhoso e grato como recorda os professores que mais o sensibilizaram, agradecendo-lhes a introdução cuidadosa e delicada nas primeiras realidades e asperezas do mundo que vão transformando a criança num jovem e, depois, o jovem num adulto, evidenciam, simultaneamente, a categoria invulgar da Instituição que frequentou, e a valia do “Menino da Luz” que se ia tornando homem. Os eventos e experiências, que ainda hoje rememora, com prazer e admiração dele e, também, da nossa, são exemplos magníficos de uma pedagogia que a massificação do ensino vai fazendo rarear.” “A camaradagem que perdura entre os que passaram pelo Colégio Militar é, ainda agora, um esteio sólido da entreajuda e estabilidade de relações entre os antigos camaradas que, quantas vezes, continuam a identificar-se entre si melhor pelo antigo número do que pelo seu nome civil.” “A Pátria - a expressão causa, por vezes, hoje, certa estranheza ao ser usada - também muito tem beneficiado do seu saber e trabalho ...” “... uma vida de reconhecido sucesso, porque trabalhou com competência, dedicação e verdade nas instituições de que recebeu o dom do ensino e da educação (o Colégio Militar, o Instituto Superior Técnico e a Universidade de Birmingham) e aquelas que serviu como docente exemplar (o Instituto Superior Técnico) ou como governante de organizações empresariais e de executivos nacionais ...” “... enquanto aluno dessa que foi notável escola de formação de líderes, o Colégio Militar, aprende que só bem se comanda quando bem se sabe ser comandado ... ... nomeado Comandante do Batalhão Colegial, cargo cuja dificuldade e exigência só bem compreenderá quem conhece as exigências, as dificuldades e a competição de uma comunidade de jovens, em que todos bem se conhecem porque convivem 24 horas sobre 24 horas, em situação de múltipla diversidade e
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contínua interacção, juízo do mérito escolar e do ético, revelado na sistemática interacção comunitária estudantil-militar;” “Na sua carreira de mérito e sucesso ... visando alcançar o seu grande propósito de docência e a possibilidade de fazer ciência e investigação e de esta se expressar, socialmente, como dom a oferecer aos jovens estudantes ... ... se encontrará razão, em parte pelo menos, para o seu exigente mestrado e doutoramento na Universidade de Birmingham;” “Muitas, e algumas bem grandes, foram as empresas que governou ou em cuja governação teve papel relevante, como é o caso da Cimpor e da Siderurgia Nacional. Em todas, com grande exigência concorrencial, soube bem governar, melhorando os seus produtos, os seus processos produtivos, a sua estratégia, procurando sempre que o sucesso fosse percepcionado, por todos, como obra de todos, de toda a comunidade da empresa.” “Terá sido a consciência cidadã da sua responsabilidade social que, num período político difícil, de crispação e, não raro, de pesadelo mesmo, o levou a interromper a sua carreira académica e profissional para se dedicar, com total empenhamento, ao serviço público, durante mais de 7 anos.” “Ocasião tive de apreciar a excelência das suas qualidades, entre elas, a de liderança, a executiva e a da imaginação criativa, a um tempo original, ousada, mas pragmática.” “Condições políticas não teve para reformar o Colégio Militar e o Instituto de Odivelas, de ma-
neira que, guardando a sua distintividade, se tornassem escolas de referência no País e nos PALOP. Escolas de referência, estas, cuja frequência fosse ambicionada pelos melhores alunos (independentemente do seu estatuto social ou familiar, oferecendo bolsas e admitindo apenas pelo mérito). Assim se permitiria, também, manter e estimular a relação afectiva que ainda existia entre cidadãos dos PALOP e de Portugal, gerada por centenas de anos de convivência.”
submissão, aprendi o exercício da liderança natural (fui Comandante do Batalhão Colegial com 15 anos), a importância da solidariedade sem conivência e o exercício da legítima afirmação individual sem vedetismo prejudicial do interesse colectivo. Como ele próprio já referiu, o General e também Engenheiro Vasco Rocha Vieira é meu camarada do Colégio Militar e é com grande satisfação que vejo na assistência várias gerações de antigos alunos.”
Ricardo Bayão Horta agradeceu as intervenções dos membros da Mesa, dizendo que “é com natural emoção e orgulho, mas sincera humildade, que recebo esta honrosa distinção que a Universidade de Lisboa decidiu atribuir-me.”
“Entrei em 1953 (com 16 anos) no Instituto Superior Técnico para a especialidade de Engenharia Química Industrial (como então se chamava). Beneficiando das lições e conselhos de grandes Professores dessa época com quem tive o privilégio de conviver, bem cedo no curso, aprendi a importância crucial da investigação científica como actividade estruturante e estimuladora da capacidade intelectual e como força motriz do progresso e desenvolvimento e me habituei a olhar para a Tecnologia como ciência com impacto económico e para a Engenharia como ciência com impacto económico e social. É na interacção da ciência, da economia e da sociedade que está, em meu entender, a beleza, a grandeza e a importância para a humanidade do exercício do ensino e da prática da Engenharia.”
“As diversas intervenções focaram naturalmente os diferentes aspectos caracterizadores da minha carreira académica, profissional e política de mais de 60 anos e que, apesar dos meus quase 80 anos de vida ainda não terminou...” “... ... algumas muito breves considerações sobre os vectores marcantes deste pensamento que norteou as decisões mais relevantes ao longo da minha carreira... ... a matriz estrutural deste pensamento orientador deve-se á minha Família e a duas Instituições de Educação centenárias – o Colégio Militar (213 anos) e o Instituto Superior Técnico (105 anos).” “Ao Colégio Militar devo a minha matriz educativa estrutural, com o sentido do dever e do serviço de cidadania responsável como referências fundamentais. No Colégio Militar, entre os 9 e os 16 anos, aprendi a importância e o respeito pela disciplina sem seguidismo ou
Vladimiro José das Neves Coelho (115/1972) Contra-Almirante
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Decreto do Presidente da República nº 93/2016, de 20 de Outubro, confirma a promoção ao posto de Contra-Almirante, do Comodoro, da classe da Marinha, Vladimiro José́ das Neves Coelho, efectuada por deliberação de 10 de Outubro de 2016 do Conselho de Chefes de Estado-Maior e aprovada por despacho do Ministro da Defesa Nacional de 14 do mesmo mês.
Curso de 1956/1963 Romagem dos 60 Anos de Entrada
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Curso de 1956/1963 Romagem dos 60 Anos de Entrada 11 de Novembro de 2016
Curso 1956/1963 – 60 Anos de Entrada – 11 de Novembro de 2016 ©Foto Leonel Tomaz
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ecorridos sessenta anos da entrada no Colégio, nesta Romagem de Saudade estiveram presentes, como convidado, Álvaro Manuel Vilares Cepeda (238/1937), João Manuel Ribeiro da Fonseca Calixto (314/1947), José Eduardo Fernandes de Sanches Osório (210/1951) e os componentes do Curso Pedro Manuel Vilaça Ferreira de Castro (1/1956), Francisco Xavier Barros Cardoso de Meneses 6/1956), Joaquim da Costa Barradas (7/1956), José Manuel Albuquerque Cabral Sacadura (14/1954), Pedro Braga Abecasis (15/1956), Manuel Barroso Silvério Marques (18/1956), Ângelo Manuel Gerald Queirós da Fonseca (38/1957), João Rafael Malheiro Dias de Campos (40/1956), Carlos José Rodrigues Ferreira Quaresma (55/1965), Luís Fernando Cordeiro Falcão Mena (77/1955), Rui Alexandre Carita Silvestre (115/1956), José Paulo Ferreira Saraiva Cabral (142/1958), Henri-
que Corga Vasconcelos Dias (155/1955), António Manuel Pereira Figueiredo Cardoso (181/1956), João Virgílio Soeiro da Costa (196/1956), Abel Nuno Corte Real Araújo Pereira (201/1955), Nuno Rodrigo Santos Pereira (216/1958), Francisco Manuel Geraldo de Faria Paulino (265/1956), José Manuel Freire Nogueira (271/1956), Jorge Pedro de Almeida Cabral (278/1955), Manuel Augusto Moutinho da Silva Pereira (292/1955), Eurico Jorge Henriques Paes (306/1957), Manuel Dimas Silva Cordeiro (310/1956), Matias José Paulino Valente (312/1957), José Francisco Campos Ribeiro Filipe (313/1957), Jorge de Sousa da Veiga Torres (317/1956), José Eduardo Rosado Pinto (329/1956), Mário José Roncon dos Santos (333/1955), Luís Filipe Melo e Sousa Pardal (340/1956), Henrique José Pessoa de Freitas de Moraes (345/1956), Dúlio José da Silva Pinto e Simas (349/1956), Armando António Santos
Martins (351/1956), Américo José Guimarães Fernandes Henriques (352/1956), João Manuel da Silveira Malheiro de Távora (364/1957), Joaquim Manuel de Sousa Vaz Ferreira (372/1957), José Fernando Decoppet dos Santos Coelho (379/1957), Pedro Maria da Costa Maya (407/1955), José Manuel Vasconcelos e Silva Magalhães (409/1955), Manuel Agostinho Castro Freire de Menezes (423/1955), António Manuel Rosas Leitão (441/1958) e José Luís Rodrigues Portero (476/1958).
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Curso de 1969/1976 Romagem dos 40 Anos de Saída
Curso de 1969/1976 Romagem dos 40 Anos de Saída 30 de Setembro de 2016
Curso 1969/1976 – 40 Anos de Saída – 30 de Setembro de 2016 ©Foto Leonel Tomaz
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ecorridos quarenta anos da saída do Colégio, nesta Romagem de Saudade estiveram presentes, como convidado o Mestre de Equitação Coronel José Miguel Cabedo e os Antigos Alunos Rui Manuel Botelho do Amaral dos Santos Patrício (1/1968), José Miguel Teixeira de Faria (2/1969), Roberto Pedro Peig Dória Durão (37/1970), António Vítor Reynaud da Fonseca Ribeiro (43/1968), José Henrique Damas Mora Ponces de Carvalho (47/1969), Carlos Manuel Castelo Branco do Espirito Santo (50/1968), António Augusto Andrade Correia (54/1969), José Manuel Amado Correia de Araújo (112/1969), José Carlos Pereira de Matos Duque (123/1968), Vasco de Vasconcelos Porto Cordeiro da Silveira (126/1969), Delfim da Fonseca Osório Nunes (141/1968), Pedro Miguel Prazeres Fuzeta da Ponte (143/1969), Henrique Manuel de Carmona Catarino
(155/1969), Edgar Coutinho de Abreu Proença (186/1969), Eduardo Manuel Abreu de Oliveira Pegado (205/1969), Fernando José Loureiro Ramires Ramos (211/1968), António João Aires Pimenta da Gama 294/1968), Luis Manuel Borges de Albuquerque Nogueira (323/1969), Gonçalo Nuno Serrão Sirgado Arnaut Pombeiro (372/1969), Rodrigo João Marques Frazão (382/1967), Duarte Rui Aniceto Dias Marques (408/1969), Luis Manuel Carvalheira Gomes Marques (427/1969), Duarte Marques Lynce de Faria (446/1970), António Luis Henriques de Faria Fernandes (454/1970), José Manuel Rodrigues Salgueiro dos Santos (465/1968), António Manuel Mira Alves Pinto (468/1969), Pedro Luis da Câmara Santa Bárbara (512/1969), Mário António Marques Barbosa (516/1970), João Palma Leal Bebiano Cepas (517/1970), João Francisco Ramalho Ortigão Delgado
(531/1969), João Manuel Sanches Roma Moreira Lobo (572/1969), António Xavier Lobato de Faria Menezes (568/1969), João Paulo Pereira de Lima Duarte Ferreira (584/1969), José António Paulo (672/1970), João Manuel de Castro Palha Ribeiro Telles (676/1970)
Curso de 1976/1984 Romagem dos 40 Anos de Entrada
Curso de 1976/1984 Romagem dos 40 Anos de Entrada 14 de Outubro de 2016
Curso 1976/1984 – 40 Anos de Entrada – 14 de Outubro de 2016 ©Foto Leonel Tomaz
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ecorridos quarenta anos da entrada do Colégio, nesta Romagem de Saudade estiveram presentes, como convidado, o Major Nelson da Silva Pereira e os Antigos Alunos Rui Jorge Pestana Gomes do Souto (12/1976), João Carlos Gil da Silva Ribeiro (18/1976), Manuel João Correia do Nascimento Pereira (38/1976), João Miguel Potier Rodeia (54/1976), Francisco Maria Sarmento Cavaleiro de Ferreira (58/1977), Luís Miguel Quita Cardoso de Oliveira (102/1976), Rui Manuel Melita Madureira (104/1976), João Miguel Nóbrega Alfara Guerreiro (129/1975), Nuno Alberto Rodrigues Santos Loureiro (136/1976), José Nuno Filipe Cortes Lopes (163/1976), Jorge Miguel Paisley Dias Antunes (224/1976), Paulo Alexandre Ventura Prates de Figueiredo Delfino (252/1977), Jacinto Paulo Alves Ribeiro (260/1976), Rui Pedro Rosa Ferreira Rodrigues (323/1976), Pedro
Duarte da Rocha Ferreira (362/1977), António João Gomes Correia dos Santos (392/1975), Francisco José Ferreira Duarte (394/1976), José Eduardo Cacela Pesquinha da Silva (404/1974), Carlos Manuel Pereira do Nascimento Neves Oliveira (408/1976), António José Mota Teixeira (441/1977), Fernando Manuel Baptista Coelho Pereira (448/1976), Paulo Jorge de Barros Pires Trigo (462/1976), Armando José Alcobia da Silva Martins (469/1976), Rodrigo Aguiar Oliveira Barcelos Nascimento (482/1976), João Nuno Hipólito Pires Mateus (490/1977), Armando Rui Costa Carneiro Neves de Matos (491/1976), Paulo Alexandre de Almeida Alves Monteiro (501/1977), Rui Miguel Laboreiro Risques da Costa Ferreira (516/1976), António Manuel Ramalho Ortigão Delegado (531/1976), Paulo Henrique Vitorino Soares Monge (568/1976).
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Curso de 1983/1991 Romagem dos 25 Anos de Saída
Curso de 1983/1991 Romagem dos 25 Anos de Saída 28 de Outubro de 2016
Curso 1983/1991 – 25 Anos de Saída –28 de Outubro de 2016 ©Foto Leonel Tomaz
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ecorridos vinte e cinco anos da saída do Colégio, nesta Romagem de Saudade estiveram presentes, como convidado, o Professor José Manuel da Sena Neves e os Antigos Alunos Rodrigo Maria de Abreu Seabra de Albuquerque (6/1983), Mário Jorge Fidalgo Balas de Matos (28/1983), Nuno Miguel Almeida e Sousa Elias de Sousa (57/1982), Carlos Alexandre da Fonseca Pires (141/1982), Paulo Jorge da Fonseca Cunha e Martins de Almeida (150/1983), André Dias Alves Correia (154/1983), Fausto da Silva Delca Lopes do Pombal (178/1983), José Miguel Varela Anastácio de Azevedo Barroso (189/1983), Gonçalo Nuno Oliveira de Bastos e Silva (193/1983), Luís Carlos da Silva Serafim (237/1983), Tiago Nuno Neto Jerónimo dos Reis Morais (241/1983), Artur José Coelho Alves Neto Rodrigues (280/1982), Pedro
Filipe Paulo Marinho Falcão (330/1983), João Pedro Mendes Carreiro Gomes (390/1983), Bruno de Melo Alves Pinto (413/1983), Francisco Nascimento (418/1983), José Miguel Paes Godinho (434/1983), José António Fernandes Amaral (442/1983), Vitor Ricardo Venâncio Cardoso (443/1983), Pedro Miguel Saraiva
Pinheiro (447/1983), Luís Miguel da Silva Esteves (453/1983), Duarte Nuno de Bastos e Silva Marques Moreira (457/1983), Paulo Tiago de Oliveira Rodrigues Alves Costa (465/1983), Telmo Lau Hing (466/1983), Luís Gabriel Barbosa Vicente Rodrigues (468/1983), Alexandre Manuel de Moura Teixeira Vieira (482/1983).
Curso de 1988/1996 Romagem dos 20 Anos de Saída
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Curso de 1988/1996 Romagem dos 20 Anos de Saída 4 de Novembro de 2016
Curso 1988/1996 – 20 Anos de Saída –4 de Novembro de 2016 ©Foto Leonel Tomaz
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ecorridos vinte anos da saída do Colégio, nesta Romagem de Saudade estiveram presentes os Antigos Alunos Tito Eurico Miranda Fernandes (15/1988), Rui José Moreira Calmão (59/1988), Frederico António Aniceto Ferronha (90/1988), Hugo Barros Caldeira ( 153/1988), Eduardo Augusto Pinto Basto Metzner (174/1988), Amâncio Nuno Ferreira Santos (182/1988), Hugo Emanuel Camilo Quintela (196/1988), Tiago Manuel Santiago dos Santos Alves (249/1988), Óscar António Piçarra de Castro Graça Ferreira (279/1987), Eduardo Scarlatti (282/1989), Pedro Ricardo Pardal Alves (288/1988), Paulo Sérgio Boavida e Sousa (295/1987), Nuno Miguel Teixeira Ribeiro (310/1989), Paulo Jorge Vieira Varanda (321/1989), Miguel Henrique Dias Sereno (331/1988), Luís Miguel Gomes Gonçalves (348/1987), José Miguel Cara Nova Camacho
da Cruz (352/1988), Valter Filipe Soeiro da Cunha (422/1988), Ricardo José Maia Carrilho (470/1988), Mário Miguel Costa e Sousa Pires
Robalo (476/1988) e Joaquim Bruno Cavaleiro da Conceição (479/1988).
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Curso de 1991/1999 Romagem dos 25 Anos de Entrada
Curso de 1991/1999 Romagem dos 25 Anos de Entrada 30 de Setembro de 2016
Curso 1991/1999 – 25 Anos de Entrada –30 de Setembro de 2016 ©Foto Leonel Tomaz
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ecorridos vinte e cinco anos da entrada do Colégio, nesta Romagem de Saudade estiveram presentes os Antigos Alunos Pedro Miguel Martins Ares (47/1990), Hugo Ribeiro Silva Pugsley Inocêncio (92/1991), Ricardo Jorge de Almada Oliveira Pereira Dias (98/1990) Filipe Joaquim Coutinho Pires Marques (178/1991), Ricardo Jorge Cardoso da Silva (188/1991), Pedro Miguel Tomás Silva (189/1991), André Lapão Mendes Alpalhão (193/1991), Pedro António Macedo Alves (216/1991, André Bragança Alves Lopes (224/1992), João Fernandes Tomaz Roque Martins (226/1991), António Nuno Coimbra e Cruz Vaz Antunes (257/1990), Alexandre Rúben Barrocoso Palminha Janeiro (303/1992), João Frederico de Brito Limpo Serra Braz (340/1992), Moacyr Omar do Rosário Pires Nunes (345/1991), Carlos Eduardo Pereira Veloso (420/1991).
113º Aniversário da AAACM Homenagem à “Velha Guarda”
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Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
113º Aniversário da AAACM Homenagem à “Velha Guarda”
©Foto Leonel Tomaz
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ste ano a Homenagem à “Velha Guarda” teve lugar a 26 de Outubro e não a 23 (data da fundação da Associação) por ser Domingo e no dia seguinte (24) se realizar a Abertura Solene do Ano Lectivo com a presença do Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Após a concentração dos Antigos Alunos no Átrio da Porta Principal do Colégio, na Biblioteca, pelo Presidente da AAACM, José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973), foram dadas as boas-vindas “acentuando a importância dos Antigos Alunos no sucesso do Projecto Educativo do Colégio Militar, projec-
to este que é para a vida e portanto não se esgota dentro daquelas paredes.” Sublinhou ainda que “a Homenagem à “Velha Guarda”, além de uma Romagem à Casa Mãe, significa ainda uma sentida homenagem aos mais velhos de entre os nossos, pelo seu saber e vivência. Mas a presença dos Antigos Alunos da Velha Guarda significa igualmente a afirmação de um Projecto Educativo distinto de todos os outros, pelo papel que os Antigos Alunos e Alunos Actuais assumem na constituição de uma Comunidade Colegial, que é sem duvida uma das razões de sucesso desse projecto”.
Na Tomada de Posse do Conselho das Tradições, foi referido que “a Associação de Antigos Alunos do Colégio Militar orgulha-se de ser guardiã e divulgadora dos valores e identidade do Colégio, projectando-o no futuro, através da acção e coesão dos que nesses valores se identificam e revêem.” Cordeiro de Araújo, referiu ainda que “o «Conselho das Tradições», é um órgão de conselho e de apoio da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, já previsto no Protocolo de Cooperação entre o Exército/Colégio Militar e a AAACM, firmado a 1 de Março de 2009.” Embora previsto desde essa altura não tinha
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113º Aniversário da AAACM Homenagem à “Velha Guarda”
©Foto Leonel Tomaz
sido implementado, mas agora que “o Colégio passou por um profundo processo de reestruturação, faz todo o sentido dar-lhe vida, tendo como finalidade proceder à validação do registo das tradições do Colégio Militar e sua evolução”. O primeiro Conselho das Tradições assumiu funções, com a seguinte constituição: > Presidente da Direcção da AAACM, que é o coordenador do Conselho, José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973); > Aluno Comandante do Batalhão, em funções, Tomás de Sousa Bastos (192/2009); > Presidente do Conselho Supremo, Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958) > Presidente do Conselho de Delegados de Curso, Carlos Jorge Rodrigues Valdrez (354/1987); > Responsável pelo Pelouro do Património Histórico e Cultural, Francisco Eduardo Moreira da Silva Alves (392/1954); > Memória viva da nossa História Colegial, José Alberto da Costa Matos (96/1950). Formalizado o início de funções, este Conselho irá dedicar-se desde já a tarefas de pesquisa, análise evolutiva e registo das tradições do Colégio Militar. No âmbito da missão da AAACM, no apoio aos Alunos do CM e na divulgação das antigas vivências colegiais, José Cordeiro de Araújo (591/1973) entregou simbolicamente ao Comandante do Batalhão Tomás Bastos (192/2009), os primeiros livros sobre temas colegiais que se destinam às Salas de Leitura e irão permitir o conhecimento e divulgação de temas da vida colegial e de episódios significativos do internato de outros tempos.
©Foto Leonel Tomaz
No âmbito desta iniciativa referiu que este “plano de aconchego ao internato colegial”, será complementado por outras acções da Associação. O Aluno Comandante do Batalhão agradeceu e salientou a importância da presença dos Antigos Alunos. Com destino à Biblioteca da Associação, por Antigos Alunos foram doadas algumas obras de grande valor para a história e conhecimento do passado do Colégio Militar. José Cordeiro de Araújo salientou a importância destas doações, estando a Associação a procurar catalogar todo o espólio que constitui o acervo da nossa biblioteca, considerando esta tarefa de especial significado para a Comunidade Colegial. As obras mais significativas serão oportunamente digitalizadas, permitindo uma ampla divulgação por todos os Antigos Alunos e concretizando os seguintes objectivos: ampla divulgação do património colegial, acesso expedito a obras de relevo da vida colegial e sua preservação, evitando problemas de manuseamento. Neste acto foram doadas e entregues à Associação as seguintes obras: > Alvará e Regulamento para o Real Colégio Militar da Luz, Lisboa, Edição Régia datada de 1816 por Fernando José Cortês Pinto Seixas (24/1957); > Memoria Historica e Descriptiva do Real Collegio Militar da autoria do Major de Cavalaria Fernando da Costa Maya, bisavô do dador Pedro Maria da Costa Maya (407/1955), > A Fundação e o Fundador, Edição da Imprensa Nacional de 1903, escrito “Por ocasião
do 1º Centenário da Fundação do Real Collegio Militar” da autoria do Capitão José Justino Teixeira Botelho (63/1874), por Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958). Na apresentação dp livro doado à Associação, Fernando José Cortês Pinto Seixas (24/1957) disse que “somos diariamente bombardeados por sinais ou imagens de coisas que nos pretendem impingir e para a maior parte delas, inconscientemente, protegemo-nos não lhes dando a importância ou a atenção que o seu tamanho, a sua mensagem, pretendem transmitir. Há símbolos, porém, que nos são queridos e que nos captam a atenção muito mais rapidamente. É o caso dos símbolos do nosso Colégio com que ocasionalmente deparamos. É a barretina na lapela do casaco com que nos cruzamos no restaurante, na rua, no cinema, que nos faz parar e cumprimentar o nosso camarada com um «Eu sou fulano tal, número tal, do ano tal» e do outro lado correspondem-nos ao cumprimento e assim começa muitas vezes uma conversa, sempre que o tempo o permite. São os postais que às vezes descobrimos num alfarrabista ou uma estatueta num antiquário. Neste caso saltou-me à vista o nome do Colégio Militar num alfarrabista que tinha este livro que agora ofereci à nossa Associação e que comprei por impulso sem ter tempo de o ler. Afinal, trata-se de um documento que, não sendo muito raro, é difícil de encontrar, datado de 1816. Nessa altura com a protecção dos Ingleses, a Corte estava refugiada no Brasil e D. João VI,
113º Aniversário da AAACM Homenagem à “Velha Guarda”
eleito Rei de Portugal, dos Algarves e do Brasil, reinava do seu palácio no Rio de Janeiro, encontrando-se em Portugal os seus homens de confiança que constituíam a regência do nosso País. Foi um período conturbado com ameaças estrangeiras e revoltas internas misturadas com alguma contestação do povo pelo facto do Rei de Portugal se encontrar do outro lado do Atlântico. Não obstante, e é isso que importa e que se traduz neste regulamento, o chefe superior da nação tinha e teve o tempo necessário para supervisionar os interesses do reino em Portugal. Assim, é publicado este Alvará e Regulamento sobre o funcionamento do nosso Colégio, tendo posto o Rei e os seus Assessores todo o cuidado nos aspectos morais, éticos e funcionais deste Regulamento que em tantos aspectos se parece ainda com algumas das normas que regem o Colégio actualmente. A educação física, moral e ética, as hierarquias, a preparação dos jovens tanto física como académica são o lastro deste regulamento que é salpicado ainda de actividades de que ainda hoje nos levam a sorrir, como as classes de dança, mas que para a época faziam parte da educação de um futuro militar. Não me alargo mais nestas considerações e convido-os a consultar este manual que agora doei à nossa Associação e que certamente vos fará sentir orgulhosos do que foi o nosso passado.”
Pedro Maria da Costa Maya (407/1955), quando apresentou o livro que doou à AAACM, referiu “ser uma pequena obra da autoria de seu bisavô Major de Cavalaria Fernando da Costa Maya, tendo sido escrita e editada em 1903 por ocasião da celebração do 1º Centenário do Real Collegio Militar, onde na altura era professor. Este exemplar esteve sempre na sua família, primeiro pertencendo ao seu avô, António de Sousa Maya (186/1899), e passando depois directamente para si, uma vez que seu pai não tinha sido Aluno do Colégio. Não tendo filhos ou netos Alunos ou Antigos Alunos, decidiu ser a altura de o preservar de maneira menos pessoal e mais duradoura, doando-o á AAACM na celebração do seu 113º Aniversário. É uma pequena obra curiosa a vários títulos. Para além da descrição das instalações, contém quadros explicativos das diversas disciplinas e respectivas cargas horárias e aborda diversos problemas relacionados com o aproveitamento escolar, com a disciplina em geral e com os comportamentos de certos Alunos, problemas com que o Colégio se debatia desde há algum tempo. Nela o autor exprime a convicção de que sob a Direcção do General Moraes Sarmento os mesmos se iriam solucionar.” Relativamente ao livro “A Fundação e o Fundador”, o doador Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958) referiu que «o autor é um dos 100 An-
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tigos Alunos referenciados na obra de José Alberto da Costa Matos (96/1950) - “Colégio Militar – Berço de Grandes Portugueses”, onde é descrito como “General do Exército, académico, pedagogo, historiador e escritor” que, tendo uma vida intensa e variada no Real Collegio Militar, aí regressou em 1925 como seu Director. O livro é uma “narração aos alumnos” que conta a curta história da fundação desde o seu começo na Feitoria e estende-se, relativa e especificamente à fundação, até à ida do Colégio para a Luz em 1813, descrevendo a forma como o Fundador Teixeira Rebello foi engendrando e conseguindo dar corpo e energia ao Colégio, revelando alguns dos seus traços de caracter e contextualizando os acontecimentos com a época em que ocorreram. Entre as muitas descrições que faz, duas serão menos conhecidas da maior parte de todos nós: - “Em 1808 deu elle (o Collegio) os primeiros servidores à Pátria, em dois alumnos que foram servir como cadetes para cavalaria”. - A transcrição de 3 versos de uma “curiosa poesia” que um Sargento fez e dirigiu ao Fundador em 1858 que reforça a tese de que o Colégio começou em 1802: “Há hoje lustros dez e mais seis annos que esse padrão de glória nova ou rara a prol do Exército erigiu à Pátria”
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113º Aniversário da AAACM Homenagem à “Velha Guarda”
©Foto Leonel Tomaz
Dez lustros são 50 anos, mais 6 dá 56, como é escrito em 1858 dá por diferença 1802. Finalmente apresenta a relação de todos os alunos e respectivas biografias que frequentaram a Feitoria até 1813, data em que o Colégio pela primeira vez veio para a Luz.» José Cordeiro de Araújo anunciou estar em curso um conjunto de acções preparatórias da assinatura de Protocolo de colaboração entre a AAACM e a APEEACM, fez a apresentação do Presidente da Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos do Colégio Militar (APEEACM), João Vasco de Sousa de Castro e Quadros (444/1972), e recordou que a AAACM e a APEEACM têm, na sua acção em prol do Colégio, privilegiado uma actuação conjunta que se tem revelado mais eficaz. Nessa perspectiva, sublinhou que a AAACM tem afirmado como um dos seus objectivos prioritários a defesa dos valores e princípios do Colégio, bem como da sua imagem, junto da Sociedade Civil e da Instituição Militar, inerente ao seu património moral, cultural e histórico, ao mesmo tempo que a Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos do Colégio Militar visa a defesa e a promoção dos interesses dos seus Associados em tudo quanto respeita à educação e ensino dos seus filhos e educandos, isto é, dos Alunos do Colégio Militar. Por outro lado, o Projecto Educativo do Colégio Militar pretende manter e aprofundar o espírito de diálogo e de colaboração, numa relação institucionalmente sustentada que tem como pressuposto que tanto a AAACM como a APEEACM, integrando com o Colégio Militar a grande comunidade designada de Família Colegial, visam os mesmos destinatários e têm no essencial objectivos convergentes. Cientes de que a concertação de posições da AAACM e da APEEACM e consequente actuação conjunta tornará mais eficaz e eficiente a prossecução do melhor para o Colégio Militar e seus Alunos, ambas as Associações, na pessoa dos seus presidentes, comprometeram-se a desenvolver acções visando a elaboração de Protocolo de colaboração entre si, visando tais objectivos. Na apresentação de cumprimentos ao Director do Colégio Militar, Coronel Tirocinado de Artilharia José Domingos Sardinha Dias, foi-lhe transmitido um profundo e emotivo agradeci-
mento pelo trabalho desenvolvido, sublinhando a integridade e os princípios evidenciados durante todo o tempo, muito especialmente na crise recente em que o Colégio foi envolvido por quem não o conhece, não o sente e não faz a mínima ideia dos seus Valores. O Director agradeceu as palavras que lhe foram dirigidas, referindo que o Colégio ficará para sempre gravado em si. Pela vivência que teve por força do cargo que desempenhou, não sendo Antigo Aluno, irá senti-lo de igual modo como se tivesse sido. Seguiu-se a assinatura do Livro de Honra, a Homenagem ao Colégio no Monumento do Largo da Luz e ao Marechal Teixeira Rebello no Átrio do Fundador. Os toques regulamentares, a mortos e o de alvorada, foram muito bem executados por elementos da Banda do Exército, aquartelada no Regimento de Artilharia Antiaérea de Queluz. Na Parada Marechal Teixeira Rebello, com guarda de honra da Escolta a pé e a presença de Todos, foi acesa a Chama Colegial, acto em que intervieram o Director do Colégio, o Presidente da AAACM, Francisco José Ferreira de Bastos Moreira (185/1955), o Comandante do Batalhão e o “Batalhãozinho”. Após a tradicional fotografia na escadaria da “Enferma”, o Batalhão que se encontrava
formado na Parada Serpa Pinto, desfilou em continência a que se seguiu o almoço no Refeitório do Corpo de Alunos.
©Foto Leonel Tomaz
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O almoço foi o tradicional “Amarelo” que estava bom e apenas pecava pelo excesso de carne em detrimento da batata frita e do ovo. Na altura esta opinião foi ouvida por diversos Antigos Alunos, opinião com a qual concordo inteiramente e para a qual o remédio é simples, mais económico e a contento generalizado. Antes e no final, com alma e vibrantemente foi dado o Zacatraz, respectivamente, pelo Comandante do Batalhão, Tomás Bastos (192/2009), e pelo Presidente da AAACM, José Cordeiro de Araújo (581/1973). Nesta Jornada de Homenagem que contou com a presença do Presidente e Vice-Presidente da AAACM, respectivamente, José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973) e Artur Manuel de Spínola e Santos Pardal (587/1961), do Presidente do Conselho Supremo Martiniano Nunes Gonçalves (9/1958) e do Presidente da Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos do Colégio Militar Filipe José de Sousa de Castro e Quadros (444/1980), da “Velha Guarda” estiveram presentes os seguintes Antigos Alunos: Dom Agostinho de Sousa Coutinho (15/1934), José Joaquim Fragoso (26/1938), Carlos Frederico Dias Antunes (212/1939), Rogério Fernando Sequeira Taborda e Silva (92/1940), Carlos Fer-
nando Valente Ascensão Campos (12/1942), José Maria Barroso Branco Ló (90/1942), Rui Ernesto Freire Lobo da Costa (160/1943), José Manuel Ferreira de Carvalho Martins (225/1943), António Francisco Martins Marquilhas (67/1944), João Martins Ribeiro Mateus (169/1944), Valdemar Fialho da Costa Neves (223/1945) José Alberto Lopes Carvalheira (301/1946), Francisco Manuel Alcântara Mota Ferreira (307/1947), José Fernando Oliveira Vilar Saraiva (320/1947), Ruy Eduardo Anselmo d’Oliveira Soares (332/1947), João Augusto Oliveira de Ayala Botto (254/1948), António Maria de Almeida Bívar de Sousa (325/1948), Alfredo da Piedade Sério Lopes Rêgo (224/1949), Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949), Manuel Paulo Lalande Vieira Pinto (382/1949), António Manuel Campos Batalha Machado da Graça (63/1950), José Eduardo Martinho Garcia Leandro (94/1950), Morris Artur de Almeida Lewes (160/1950), António José Fonseca Cavaleiro de Ferreira (332/1950), Rui Manuel Ramalho Ortigão Neves (190/1951), José Mário Fidalgo dos Santos (253/1951), José Francisco Latino Tavares (197/1952), João Luís da Costa Estorninho (207/1952), Luís Alberto Santos Pereira (214/1952), João Carlos de Azevedo de Araú-
jo Geraldes (245/1952), Raúl Miguel Socorro Folques (380/1952), António João Martins de Abreu (85/1953), Luiz Manuel Caldeira Pinto (168/1953) Bernardo Manuel Diniz de Ayala (171/1953), José Manuel Albuquerque Cabral de Sacadura (14/1954), Pedro Manuel Almeida Serradas Duarte (192/1954), José Pina Cabral Trindade (101/1955), Carlos Manuel de Sousa Baptista (211/1955), Jorge Pedro de Almeida Cabral (278/1955), José Manuel Fortes dos Santos Ferreira (342/1955), Francisco Xavier Godinho de Abreu Novais (406/1955), Pedro Maria da Costa Maya (407/1955), Joaquim Guilherme Fernandes Correia de Sá das Neves (420/1955), Manuel Agostinho de Castro Freire de Menezes (423/1955), Rui Manuel Marques Pires (437/1955), Manuel José Matos Almeida (262/1956), Mário João Conde de Carvalho Pereira (275/1956) e Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa (71/1957).
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Jantar Anual da Associação no Pestana Palace Hotel
Jantar Anual da Associação no Pestana Palace Hotel
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ealizou-se no passado dia 25 de Novembro o Jantar Anual da Associação, encontro de Antigos Alunos que se vem verificando de alguns anos a esta parte, onde tem lugar a entrega dos Prémios Barretina e são dadas as boas-vindas aos novos Antigos Alunos que completaram o curso do Colégio no ano lectivo transacto, sendo-lhes entregues as Barretinas para usar na lapela.
AMOR AO COLÉGIO MILITAR
Tenente-General Carlos Alberto de Carvalho dos Reis Professor Carlos da Cunha Perdigão Silva
Carlos Francisco da Silva do Rio Carvalho (307/1971)
COLÉGIO MILITAR NO MUNDO
José Manuel Simões Ramos de Campos (319/1950) João Luís de Mascarenhas e Silva Shoerder Coimbra (54/1984)
João Manuel Ribeiro da Fonseca Calixto (314/1947) José Manuel de Mello Sousa Uva (466/1959) Bernardo Manuel de Almeida e Vasconcelos Diniz Ayala (171/1980) Nuno Correia Barrento de Lemos Pires (345/1975)
©Foto Sérgio Garcia (326/1985)
No próximo número será dada notícia pormenorizada do acontecimento e transcritas as palavras proferidas na altura pelo Presidente da Associação, José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (587/1961) e pelos agraciados com os Prémios Barretina 2016, seguidamente indicados.
AMIGOS DO COLÉGIO MILITAR
ANTIGO ALUNO USA A BARRETINA
DEDICAÇÃO
DESPORTO Roberto Pedro Peig Dória Durão (37/1970) Paulo Daniel Beckert Rodrigues (157/1971)
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Colégio Militar Berço de Grandes Portugueses
José Alberto da Costa Matos 96/1950
Colégio Militar
Berço de Grandes Portugueses
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m 2013, no âmbito das comemorações do 210.º aniversário da fundação do Colégio Militar, a AAACM promoveu a edição do livro “Colégio Militar – Berço de Grandes Portugueses” que encerrava o resultado de um trabalho de pesquisa e investigação histórica com o qual procurei dar a conhecer as extraordinárias biografias de uma centena de Antigos Alunos que haviam frequentado o Colégio entre a sua Fundação e o final da 1ª Guerra Mundial, e em cuja conduta como homens e cidadãos podemos encontrar reflectidos valores éticos e morais recebidos enquanto alunos, mesmo se algumas vezes assumiram posições ou atitudes divergentes dos padrões impostos à época, numa demonstração de que a educação recebida no Colégio Militar nunca os impedira de pensar e de agir em liberdade mas em obediência ao dever e à responsabilidade. Nem todos terão tido a oportunidade naquela altura de adquirir o referido livro e, por isso, a direcção da revista “ZacatraZ” decidiu, com início na sua edição n.º 197 (Out/Dez de 2014), ir divulgando nas edições seguintes essas histórias biográficas que, em grande parte, ou quando muito não tão pormenorizadas, não seriam até então do nosso conhecimento.
Esta introdução, quando já vai publicado 1/5 dessas biografias, poderá parecer extemporânea. Mas, se o é, então por que é que acontece, e porquê agora? A leitura de um texto biográfico nem sempre é um exercício especialmente atraente pelo que, após os dois ou três primeiros parágrafos, fazemos “em diagonal” o resto da leitura. Por isso, para tentar prender a curiosidade do leitor e lhe proporcionar antecipadamente umas dicas acerca do que fez o protagonista e onde o fez, cada biografia surge ali ilustrada com várias imagens daquelas que consegui recolher. Mas, se calhar, há quem se limite a observar essas imagens e não leia o texto, não se apercebendo assim de algumas curiosidades subjacentes a esses textos. E daí a justificação desta nota introdutória das três biografias desta edição da “ZacatraZ”, sem a qual o que se segue poderia passar despercebido.
com o n.º 43, em 1824, o ano em que, no mês de Outubro, já visivelmente doente, o Marechal Teixeira Rebelo presidiu pela última vez à sessão da Congregação dos Lentes, vindo a falecer um ano depois. Tavares de Almeida nascera em Montevideo, no Uruguai, e viria a falecer em 1877 do outro lado do Mundo: em Goa. Mas um dos aspectos mais interessantes é que João Tavares de Almeida nasceu em 23 de Outubro de 1816, o que quer dizer que se completam precisamente agora 200 anos. Dois séculos! Aqui fica assinalado esse facto. E já agora, se puderem, leiam a sua história... Vão ver que valeu a pena.
José Alberto da Costa Matos 96/1950
Um dos “Grandes Portugueses” que figuram nesta edição é João Tavares de Almeida, general, governador ultramarino, director do Colégio Militar e comendador da Ordem da Torre e Espada. Uma vida notável que merece a nossa leitura. Entrou no Colégio Militar, como seu aluno e
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Colégio Militar Berço de Grandes Portugueses
João Tavares de Almeida Oficial do Exército, Governador Geral Ultramarino e Director do Colégio Militar
(43/1824)
N
asceu em Montevideu (Uruguai) a 23 de Outubro de 1816, filho de João Tavares de Almeida (que então prestava serviço naquele país) e de Dionísia Maria da Graça. Veio em criança para a Portugal e, em 1824, ingressou como aluno no Colégio Militar, onde teve o n.º 43, aí concluindo o respectivo curso em 1832. Neste ano, o ardor com que os liberais se batiam no “Cerco do Porto” fez com que seguisse de pronto para aquela cidade, apresentando-se aí às forças de D. Pedro, tendo assentado praça como soldado voluntário, a 1 de Dezembro de 1832, para o 1.º Batalhão de Artilharia.
Fortificação, Artilharia e Desenho. Em 1837, a chamada «Revolta dos Marechais» faz com que, pela segunda vez, Tavares de Almeida se envolvesse no conflito. Desta feita, porém, acabaria por ter que fugir para Espanha, sendo demitido dos quadros do Exército de acordo com a Convenção de Chaves. No ano seguinte, a 9 de Maio, regressou ao seu país, jurou a Constituição de 1838, que vigorava há pouco mais de um mês, e é reintegrado do Exército, prosseguindo uma vez mais os seus estudos de Artilharia e Engenharia, de que veio a completar os respectivos cursos.
Aí continuou durante o conflito, ascendendo a cabo em 26 de Fevereiro de 1833, a furriel dias depois, a 2.º sargento em 28 de Junho e a 2.º tenente volvido um mês, no dia 25 de Julho.
Ascendeu a capitão no começo de Junho de 1842 por ter sido designado, como engenheiro, para servir em Cabo Verde como encarregado de trabalhos de fortificação. Neste arquipélago desempenhou funções de Chefe do Estado-Maior desde 21 de Novembro desse ano até Fevereiro do ano seguinte.
Terminada a guerra, foi promovido a 1.º tenente e foi então continuar os seus estudos, frequentando a Academia da Marinha e a de
Em 21 de Março de 1845 partiu para a Guiné com a missão de fortificar o ilhéu do Rei (no rio Geba, frente a Bissau), ali permanecendo
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Bissau e Ilhéu do Rei
em tais tarefas durante mais de quatro anos, até Julho de 1849, sendo entretanto promovido a major em 1847. Pelo zelo posto na execução de tais trabalhos mereceu louvor do ministro da Marinha e Ultramar. Regressado a Lisboa, foi promovido a tenente-coronel em 12 de Novembro desse ano de 1849 e, decorridos dez dias, estava já a caminho de Macau, onde chegou em 30 de Janeiro de 1850. Naquele território respirava-se ainda um ambiente muito marcado pelo assassínio do governador Ferreira do Amaral, que ocorrera cinco meses antes. Assumiu aí o comando do Batalhão daquela cidade e, cumulativamente, as funções de membro do Conselho do Governo de Macau, onde o modo como cumpriu os serviços que lhe foram confiados mereceu sucessivos louvores do respectivo governador. Em 1852, finda a comissão de serviço em Macau, volta para Lisboa onde chegou em 10 de Setembro, indo apresentar-se, no dia seguinte, no Quartel-general da 1.ª Divisão. Quatro anos mais tarde, por decreto de 26 de Dezembro de 1856, foi nomeado governador-geral de Moçambique, sendo por isso promovido a coronel a 4 de Fevereiro de 1857. No mês seguinte, embarcou ao seu destino para cumprir uma comissão que se prolongaria até 1864, durante a qual, em 1861, seria promovido a brigadeiro.
Durante a sua administração, em águas próximas da cidade de Moçambique, fundeou em Novembro de 1857, a barca francesa “Charles et George”, suspeita de transportar escravos, como veio a ser confirmado pelas autoridades portuguesas que nela encontraram 110 negros. Em obediência às instruções específicas de Lisboa no sentido de que as autoridades moçambicanas deviam estar muito atentas ao tráfico de escravos de Moçambique para as colónias francesas de Madagáscar e Reunião, proibindo-o e fazendo cumprir a lei portuguesa, a barca foi apresada e o seu comandante detido e condenado a dois anos de trabalhos públicos. Porém, tendo este apelado para o Tribunal da Relação, foi por isso enviado para a Lisboa, juntamente com a barca sob o comando de um oficial português, aí aportando a 13 de Agosto de 1858. Aconteceu então que, recusando a proposta portuguesa de uma arbitragem internacional para resolução do conflito, a 21 de Outubro de 1858 a França lançou um ultimato a Portugal exigindo a libertação da barca e o pagamento de uma indemnização, sob pena de corte de relações diplomáticas e possível recurso à violência, chegando mesmo a enviar dois navios de guerra para o Tejo. Por conselho a Inglaterra, o governo português lá acabou por pagar a indemnização exigida. Regressado a Lisboa em 1864, foi no ano seguinte promovido a general de brigada,
conservando-se ao serviço do Ministério da Marinha e das Colónias no desempenho de várias comissões. Na sequência da reorganização do Exército de 1869, em 18 de Novembro foi nomeado director da Administração Militar, cargo em que se manteve até ao final de Agosto de 1871, sendo então nomeado director do Real Colégio Militar. Exerceu este cargo apenas por um escasso mês e meio, até 14 de Novembro, por ter pedido exoneração do cargo em manifesta incompatibilidade com o professor Couceiro da Costa, um notável docente que era, simultaneamente, possuidor de um feitio aguerrido e nem sempre reverente. Não teve portanto tempo suficiente para protagonizar qualquer orientação ou melhoria no Colégio, que então tentava, mais uma vez, acomodar-se ao palácio de Mafra, para onde mudara havia um ano. Voltou então ao cargo de director da Administração Militar que exerceu até 23 de Dezembro de 1874, data dos decretos que o promoveram a general de divisão e o fizeram voltar ao ultramar, mas agora como Governador-geral do Estado da Índia. Chegou a Pangim (Goa) em Maio de 1875 mas, decorridos dois anos, em Julho de 1877, adoeceu gravemente, vindo a falecer quase três semanas depois, no dia 24 de Julho, no Palácio de Idalcão.
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O cadáver foi depois embalsamado e, após solenes exéquias, trasladado para a igreja e convento de S. Caetano. Posteriormente, os seus restos mortais vieram para o reino, a bordo do navio “Índia”, chegando a Lisboa a 14 de Maio de 1879, sendo cinco dias depois conduzido com grandes honras e extenso préstito para o cemitério dos Prazeres
Era agraciado com o grau de comendador da Ordem da Torre e Espada, cavaleiro da Ordem de Avis, comendador da Ordem de Cristo, cavaleiro da Ordem de N.ª S.ª da Conceição de Vila Viçosa e condecorado com a medalha com algarismo “3” das Campanhas da Liberdade e ainda com o grau de comendador da Ordem de S. Maurício e S. Lázaro (Itália). Torre e Espada
Avis
Cristo
N.ª Sr.ª Conceição de Vila Viçosa
Campanhas da Liberdade
S. Maurício e S. Lázaro
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Henrique Augusto Perestrelo da Silva Oficial do Exército e Professor
(2/1902)
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asceu em Braga a 2 de Dezembro de 1891, filho de Eduardo Augusto Pereira da Silva e de Maria do Carmo Perestrelo da Silva.
Estudou no Colégio Militar, onde foi admitido como aluno em 1902, sendo-lhe atribuído o n.º 2. Concluiu o curso colegial em 1910, tendo sido graduado em Comandante de Companhia no último ano lectivo. No mesmo ano assentou praça como voluntário no Regimento de Cavalaria n.º 4, ingressando depois na Escola do Exército, onde veio a terminar em 1913 o curso de oficial de Infantaria. Aspirante a oficial para o Regimento de Infantaria n.º 19, veio a ser promovido a alferes a 16 de Novembro de 1914. Com a 1.ª Grande Guerra a fustigar a Europa e as colónias africanas, no começo de 1915 foi nomeado para o 3.º Batalhão do seu Regimento, que iria integrar uma nova expedição a Angola comandada pelo general Pereira de Eça (antigo aluno do Colégio Militar), que levava como missão vingar o “desastre de Naulila” ocorrido a 18 de Dezembro do ano anterior frente a forças alemãs que haviam penetrado a fronteira sul de Angola, e também de pacificar a sublevação dos indígenas da região, liderados por Mandume.
A força expedicionária embarcou a 3 de Fevereiro de 1915 e desembarcou em Moçâmedes vinte dias depois. Em Agosto, depois de efectuadas as tarefas de planeamento, preparação das comunicações e articulação das forças, estas organizaram-se em três destacamentos que convergiriam sobre o Cuanhama partindo de Evale, do Cuamato e do Humbe. Em 17, 18 e 19 de Agosto, o destacamento do Cuanhama, que era acompanhado pelo general Pereira de Eça e tinha como objectivo final N’Giva, onde se situava a embala do soba Mandume, é violentamente atacado nas cacimbas de Môngua onde procurava reabastecer-se de água. No último daqueles dias, com os esquadrões de cavalaria impossibilitados de intervir por estarem reduzidos a apenas a dez montadas, as tropas apeadas conduziram uma corajosa carga sobre o inimigo, que não mais voltou a atacar. Porém, o destacamento estava agora sem víveres, nem munições, nem água e carecia de socorro urgente. O alferes Perestrelo da Silva e a sua companhia partem então do Humbe no dia 21, para se integrarem no destacamento do Cuamato que, em vez de pros-
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Colégio Militar Berço de Grandes Portugueses
seguir para N’Giva, optou por partir em auxílio de Môngua. A caminho da linha de comunicações cujo restabelecimento iria permitir reabastecer as tropas em situação crítica, o destacamento do Cuamato, que integrava agora Perestrelo da Silva, teve ainda que vencer várias resistências bem como o combate da Chana da Mula no dia 24, dia esse em que chegaram ao seu destino após uma notável marcha de 130 km feita em 50 horas. Reunidas e reabastecidas as forças, o destacamento do Cuamato é dissolvido no dia 27 de Agosto e, enquanto em Môngua se constrói um forte, organiza-se com as forças ali concentradas uma coluna, na qual se integram Perestrelo da Silva e a sua companhia e que avançará sobre N’Giva a 2 de Setembro, chegando dois dias depois à embala de Mandumbe, que fora abandonada e incendiada quando da fuga do soba e da sua gente para território além fronteira. Terminadas as acções no Cuanhama e Cuamato, partiu a 27 de Outubro com a sua companhia para o Lubango, marchando depois para Moçâmedes em 12 de Dezembro. Embarcou de regresso à Metrópole três meses depois, a 11 de Março de 1916. Ainda com o posto de alferes, embarcou para França em 20 de Junho de 1917 para o 2.º Depósito de Infantaria do Corpo Expedicionário Português (CEP) passando, a partir de meados de Julho, a fazer parte
do Batalhão de Infantaria n.º 14 que, na Flandres, combateu nas trincheiras dos sectores de Fauquissart e Neuve Chapelle, conhecido como o “Sector da Morte”, e onde a 9 de Abril se travou a Batalha de La Lys. A actuação do já tenente Perestrelo da Silva foi relatada do seguinte modo pelo general Santos Correia: «Em cumprimento da missão recebida do capitão Vale de Andrade, comandante do BI 14, o tenente Perestrelo da Silva, comandante da 2.ª Companhia, ocupou pelas 8 horas o posto de Eton, onde se manteve até perto das 12 horas. Tornada insustentável a ocupação do posto pela violência do bombardeamento alemão, o tenente Perestrelo retirou sobre Bout Deville, onde se encontrava o comandante do Batalhão, com a 3.ª Companhia e um pelotão da 4.ª. Bout Deville foi o centro de uma valorosa resistência. Ferido o capitão Vale de Andrade, assumiu o comando o tenente Perestrelo, que, pela sua competência e pelo exemplo que dava da sua valentia, ganhou a confiança dos seus cooperadores e conseguiu manter sempre elevado o espírito combativo dos que lutavam sob as suas ordens. A massa inimiga aumentava constantemente. A fim de evitar o envolvimento, Perestrelo retirou sobre Clifton (P), sempre combatendo. Encontrou aí uma secção inglesa com duas metralhadoras. Nova e valorosa resistência foi aí efectuada e mantida até
que nova ameaça de envolvimento levou o tenente Perestrelo a retirar, com a secção inglesa, sempre combatendo, sobre Pont Riqueul, onde continuou a resistir até à chegada das forças inglesas. Só então as forças do tenente Perestrelo, exaustas por quatro horas de luta constante e violenta, durante a qual haviam sofrido cerca de 50 mortos e mais de uma centena de feridos, cumprida que fora, com heroísmo, a missão recebida, retiraram ordenadamente em direcção de Merville».
Colégio Militar Berço de Grandes Portugueses
Terminada a 1.ª Grande Guerra, regressou a Lisboa em meados de Abril de 1919 mas, três meses depois, segue de novo para França a fim ser incorporado como Porta-Bandeira no destacamento do CEP representante das tropas portuguesas sob comando do capitão Ribeiro de Carvalho (antigo aluno do Colégio Militar), no desfile da Vitória realizado em Paris, nos Campos Elísios, a 14 de Julho de 1919. Cinco dias depois seguiram para a Bélgica onde foi igualmente Porta-Bandeira na parada militar da Vitória, efectuada em Bruxelas no dia 22, agora sob o comando do Major André Brun, a que assistiram na tribuna de honra, entre outras entidades, o rei Alberto da Bélgica e o deposto D. Manuel II, então no exílio. Promovido a capitão em Março de 1922, ascendeu a major em meados de 1940 e a tenente-coronel em Setembro de 1944.
Torre e Espada
Avis
Prestou serviço no Colégio Militar desde Junho de 1928 até fins de Setembro do 1929, e foi durante vários anos professor do Instituto Profissional dos Pupilos do Exército (IPPE). Em Dezembro de 1944 foi colocado no Regimento de Infantaria n.º 1 como 2.º comandante, cargo em que se manteve até Dezembro de 1945, quando voltou ao IPPE para exercer as funções de subdirector até final de Setembro do ano seguinte. Entretanto, em Maio de 1946 foi nomeado Promotor de Justiça do Supremo Tribunal Militar, que exerceu durante cerca de sete meses.
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Era agraciado com os graus de cavaleiro e de comendador da Ordem da Torre e Espada e de oficial e comendador da Ordem de Avis, e condecorado com a medalha de prata de Valor Militar com palma, 3 Cruzes de Guerra, medalhas de ouro e de prata de Comportamento Exemplar, Comemorativa das Campanhas com as legendas “Sul de Angola 1915-1916” e “França 19171918”, da Vitória e de Mérito da Cruz Vermelha, condecorações estas que se encontram depositadas e expostas no Museu das Oferendas da Liga dos Combatentes, no Mosteiro da Batalha. Era pai do Antigo Aluno António Henrique Trigo Perestrelo de Alarcão e Silva (202/1946).
Passou à situação de reserva a 4 de Fevereiro de 1947, vindo a falecer em Lisboa a 9 de Dezembro de 1954.
Valor Militar
Cruz de Guerra
Comportamento Exemplar
Vitória
Comemorativa das Campanhas
Mérito da CVP
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Colégio Militar Berço de Grandes Portugueses
Hugo de Carvalho Lacerda Castelo Branco Vice-Almirante, Engenheiro Hidrógafo e Professor
(104/1872)
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asceu em Lisboa a 6 de Novembro de 1860, filho de Hugo Goodair de Lacerda Castelo Branco (general de brigada e antigo aluno do Colégio Militar). Tal como seu pai, estudou no Colégio Militar onde foi admitido em 1872, com aluno n.º 104, concluindo o curso colegial em 1877. Enquanto aluno, foi várias vezes premiado pelo seu aproveitamento escolar, a saber: com as medalhas de prata de Gramática Latina e de Desenho Linear em 1872/73; com a medalha de prata de Gramática Inglesa em 1873/74; comas medalhas de prata de Língua Inglesa, de Eloquência e de Desenho de Figura e de Paisagem em 1874/75; e com a medalha de prata de Desenho em 1875/76. Após ter deixado o Colégio assentou praça como voluntário no Regimento de Cavalaria n.º 4, sendo 1.º sargento graduado em aspirante a oficial com licença para fazer os estudos preparatórios na Escola Politécnica. Concluídos estes, em 1879 passou à Companhia de Guardas-Marinhas para, como aspirante a oficial, fazer o curso de Marinha da Escola Naval, o qual concluiu em 1881. Foi então
Aviso “5 de Outubro”
promovido a guarda-marinha, tendo o seu primeiro embarque na canhoneira “Cuanza”. Ascendeu a 2.º tenente em 1885 e, no ano seguinte, concluiu do Curso de Hidrografia, ficando adido ao Corpo de Engenharia Hidrográfica a partir de 1891. Promovido a 1.º tenente em 1889, passou a leccionar na Escola Naval. Foi o seu primeiro lente de Hidrografia, em 1896 e, a partir de 1897 e até 1903, lente da 5.ª Cadeira. Ao longo da sua carreira como oficial de Marinha, ascendeu sucessivamente a capitão-tenente em 1898, a capitão-de-fragata em 1908, a capitão-de-mar-e-guerra em 1914, a contra-almirante em 1917 e, finalmente, a vice-almirante em 1919. Efectuou trabalhos hidrográficos em Moçambique entre 1903 e 1907 e, de 1908 a 1912 foi Chefe dos Serviços de Marinha e Inspector das Obras Públicas. Em 1912 seguiu para Macau, onde foi capitão dos portos, tendo ali também servido no aviso “5 de Outubro” de 1913 a 1916.
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Colégio Militar Berço de Grandes Portugueses
Salientou-se pelos seus estudos e trabalhos portuários e teve também grande relevo nos domínios da geologia, geodesia e topografia. Em 1910 foi eleito deputado às Cortes pelo distrito da Guarda como membro do Partido Nacionalista. Em 1916, foi eleito sócio correspondente da Academia de Ciências e, em 1925, foi delegado à Conferência de Pequim.
Macau - Porto Interior
Era sócio da Sociedade de Meteorologia e Geofísica de Portugal e membro da União Cultural Universal (Sevilha - Espanha).
Observatório de Lourença Marques
Seguiu então para S. Tomé onde, com o comandante Camilo Laroche Semedo, elaborou os anteprojectos dos portos comerciais das ilhas de S. Tomé e do Príncipe. Voltou a Macau em 1920 sendo agora de novo capitão dos portos de Macau, mas também director das Obras Públicas e director das Obras do Porto Interior, o que lhe mereceu ter o seu nome numa das avenidas daquele território, no qual foi também governador interino de Agosto a Dezembro de 1926. Em Moçambique desempenhou o cargo de capitão do porto de Lourenço Marques e de Inhambane e foi organizador dos respectivos serviços portuários.
Avis
Além disso estudou o plano de dragagem do canal Polana, chefiou os Serviços de Marinha, foi Inspector das Obras Públicas e foi também fundador e director do Observatório Campos Rodrigues (antigo aluno do Colégio Militar) em Lourenço Marques. Em Angola chefiou a Missão Hidrográfica desse território. Foi também comandante do navio hidrográfico “5 de Outubro”, consultor técnico das obras do Arsenal do Alfeite (1931/32) e criador da Missão Hidrográfica da Costa de Portugal (1929). Em 1931/32 foi consultor técnico da Junta Autónoma das obras no novo Arsenal.
Santiago
S. Carlos do Mónaco
Para além de muitos trabalhos e conferências publicadas em vários jornais e revistas, escreveu também «Le climat de Madére», «Roteiro da Costa de Portugal (1.ª Parte, entre o Minho e Peniche)», «Reflexões sobre a determinação da latitude» (1891), «O círculo de reflexão com priamus, de Repsold» (1891), «Aparelho para medição de parafusos micrométricos» (1892), «O chronómetro» (1893), «Eclipse do sol de 1900 em Portugal» (1900), «Memória sobre o porto de Macau» (1912) e «Reflexões sobre a defesa marítimo-terrestre de Portugal» (1913). Faleceu em Lisboa a 16 de Dezembro de 1944. Era agraciado com os graus de oficial, grande oficial e grã-cruz da Ordem de Avis e com o grau de comendador da Ordem de Santiago, sendo também condecorado com a medalha de ouro de Comportamento Exemplar, com a medalha de prata de Filantropia e Caridade e com o grau de grande oficial da Ordem de San Carlos (Mónaco).
Comportamento Exemplar
Filantropia e Caridade
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Rafael Ferreira Durão Um Herói à espera de justiça
Nuno António Bravo Mira Vaz 277/1950
Rafael Ferreira Durão (11/1941) Major General Pára-quedista Nasceu a 17 de Maio de 1930 - Faleceu a 29 de Dezembro de 2008
Um Herói à espera de justiça
Q
uando Rafael Durão chegou à guerra, já era oficial superior. A esmagadora maioria dos seus camaradas de igual patente apreciaria a situação como uma espécie de sorte grande: afinal, não teriam de levar cento e cinquenta homens a combater o inimigo, com todos os riscos e incomodidades que isso implicava. Para muitos, comandar um Batalhão significava mandar combater. Mas Rafael Durão não quis ser assim. Quis ser uma excepção, e foi. Na verdade, contam-se pelos dedos das duas mãos os comandantes de Batalhão que fizeram o que ele fez – vestir o camuflado, encher a mochila com rações de combate e repelente para os mosquitos, atestar o cantil com água, lubrificar a espingarda e marchar com os subordinados ao encontro de todos os perigos e de todos os medos. Não quando o rei fazia anos, mas sistematicamente. E os homens seguiam-no sem perguntar aonde iam, seguros de que o seu comandante sempre lá chegaria antes deles. Porque quanto maior era o perigo, mais presente ele se fazia.
Em Julho de 1968, sendo tenente-coronel comandante do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas 21, de Angola, decidiu acompanhar a 3.ª Companhia na execução da Operação
Cerimónias do 10 de Junho de 1972
«Caídos do céu». No dia 11, o pequeno grupo de doze elementos onde se integrava foi emboscado quando se acercava dum acampamento da guerrilha. Em consequência do
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fogo inimigo, foram feridos o próprio comandante e o tenente António Ribeiro Assoreira (220/1951). O estado do jovem oficial era de tal modo grave que o tenente-coronel se ofereceu para ali ficar sozinho, acompanhado apenas da sua pistola, para que o transporte de António Assoreira até ao local duma eventual evacuação por helicóptero pudesse fazer-se com celeridade. Como era timbre das Tropas Pára-quedistas, ambos os feridos foram transportados aos ombros dos camaradas, mas infelizmente o tenente – outro valente – faleceu durante o deslocamento. Na Guiné foi nomeado comandante do Comando de Agrupamento Operacional n.º 1, com sede em Teixeira Pinto, onde se levava a cabo uma importantíssima missão de eliminação da guerrilha e de recuperação de populações. Aqui também Rafael Durão fez o que mais sentia ser o seu dever: acompanhar os seus soldados na execução das acções de combate. Em meados de 1973, quando no Sul da Guiné se viveu uma das situações mais dramáticas de toda a guerra, e o desastre se perfilou como uma possibilidade iminente, foi o coronel Durão que Spínola encarregou de assumir o comando. E a sua pronta e enérgica presença nos locais mais afectados constituiu indubitavelmente um primeiro passo decisivo no caminho da recuperação. Numa vida recheada de actos da maior coragem física e moral, o esboço de resumo que aqui fica, sabe inevitavelmente a pouco. Saberia sempre a pouco, porque não há palavras capazes de retratar com toda a justiça uma vida inteira dedicada ao cumprimento do dever militar com a intransigência, a inteireza de carácter e a modéstia que só estão ao alcance dos grandes homens. No dia 9 de Outubro de 2000, a Chancelaria das Ordens Honoríficas Portuguesas enviou ao Governo duas propostas de agraciamento com a Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito, nos graus de Oficial com palma e de Cavaleiro com palma, para o Major General REF Rafael Ferreira Durão e Coronel RES Raúl Miguel Socorro Folques, respectivamente.
Já tivemos, felizmente, a alegria de assistir à cerimónia militar durante a qual esse grande homem e combatente chamado Raúl Miguel Socorro Folques (380/1952) foi agraciado com a referida condecoração pelo Presidente da República. Rafael Durão, infelizmente já falecido, ainda aguarda que se lhe faça justiça. À família e aos muitos amigos e camaradas que se têm interessado pelo assunto, nunca foram dadas explicações cabais. Insinuam-se, à boca pequena, justificações de natureza política, nunca definitivamente comprovadas. Sejam elas quais forem, convém lembrar que
Rafael Durão se afirmou como Herói da Pátria muito antes das ditas ocorrências. Por tudo o que ele deu à Pátria, recebeu em troca um vergonhoso esquecimento. Nunca é tarde para uma Pátria honrada homenagear os seus Heróis.
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A Barretina Virgilio Vicente de Matos (180/1919)
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
A Barretina Virgilio Vicente de Matos (180/1919)
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á uns largos meses atrás, recebi uma sugestão do nosso camarada Antigo Aluno General José Luís Almiro Canelhas (302/1936), no sentido de apresentar na ZacatraZ um artigo lembrando aos mais novos a identidade do Antigo Aluno que desenhou a barretina com que nos identificamos como Antigos Alunos. É a barretina que foi adoptada como símbolo da nossa Associação, estando representada no seu guião. Esse Antigo Aluno, que o nosso camarada Almiro Canelhas pretende, e muito bem, que não caia no esquecimento, é o 180/1919, de seu nome completo Virgílio Vicente de Matos. Dado ter sido criada a tradição de proceder, no Jantar Anual da Associação, à distribuição dos «Prémios Barretina» e tendo-se no mês de Novembro procedido, pela décima vez, à distribuição de tais prémios, pareceu-me ser esta a altura oportuna para responder à sugestão que me foi dirigida. Nesse sentido, passo a transcrever a história da nossa barretina, que nos é contada, em detalhe, no livro «Para lá do Colégio Militar, uma Associação centenária», da autoria dos Antigos Alunos Rui Figueiredo de Barros (62/1936) e Gonçalo Figueiredo de Barros (440/1967), editado pela nossa Associação, em Outubro de 2008. «A BARRETINA A barretina é o sinal. É o símbolo na lapela, na gravata, no autocolante do carro. É o sinal de convergência de quem não se conhece… … mas se conhece. Quem és tu? De que ano és? A ideia nasceu em 1938, quando o Comandante José Soares de Oliveira (154/1913), director da
revista Defesa Nacional, convidou o 180 de 1919, o então tenente de Artilharia Virgílio Vicente de Matos, para ilustrar a cobertura de um estojo que continha as medalhas colegiais, oferecido ao Prof. Doutor António de Oliveira Salazar, no dia em que recebeu a distinção de Aluno Honorário do Colégio Militar. Recorde-se, a propósito, que nessa época, era frequente os assuntos de interesse para o Colégio serem tratados nas páginas daquela Revista, devido certamente à grande dedicação que o 154 de 1913 tinha por esta Instituição. Lembrou-se, então, o Tenente Virgílio de Matos de recorrer à barretina, desenhando-a em feliz perspectiva. E assim surgiu, no ano seguinte, o emblema que passou a representar a comunidade dos Antigos Alunos do Colégio Militar e que mais tarde, o próprio Colégio, também, adoptou como um dos seus símbolos. A Barretina passou assim a substituir as letras maiúsculas C e M entrelaçadas.» A Barretina tem assim cerca de 80 anos. Mas as letras C e M entrelaçadas não foram substituídas pela Barretina. Ainda hoje são usadas, nomeadamente nas camisolas da ginástica. Desde que me conheço, me lembro da Barretina, usada com orgulho na lapela dos seus casacos pelos meus tios Antigos Alunos, João Salgueiro Pinto Ribeiro (47/1935) e João Rogério Conde Pereira, (222/1939). Dada a data da criação da Barretina, terão sido dos primeiros a usá-las. Ao apresentar este artigo sobre a Barretina, não posso deixar de recordar a bela poesia com esse
título, dita pela primeira vez, em Dezembro de 1998, pelo seu autor, o inesquecível António Herculano de Miranda Dias (292/1925), Antigo Aluno exemplar, cujo nome foi dado à sala do restaurante agora designado «Jardim da Luz», situado no edifício da Formação. «A BARRETINA É aquela coisa pequenina Que se usa À altura do coração Como uma condecoração Ou um brasão de família E que nos lembra A devoção de fazer Como deve ser feito A barretina Representa um jeito De autenticidade De verdade Do ser Como deve ser»
A Greve da Fome de 1962
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Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
A Greve da Fome de 1962 Introdução
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á muito que tinha intenção de escrever algo sobre a designada «greve da fome de 1962», que foi desencadeada pelo meu Curso, no nosso ano de finalistas. Por uma razão ou outra, a empresa foi sucessivamente adiada e os anos foram passando, sem que o fizesse. No fundo, devo reconhecer que as razões do adiamento terão sido simples: o tema ainda hoje é complexo e delicado, podendo ser passível de várias interpretações, e as consequências do que então ocorreu não foram agradáveis para ninguém. O que então se passou esteve na origem de uma grande cisão no meu Curso e creio que também no Curso a seguir ao meu. Essa cisão levou muitos anos a ser ultrapassada. Houve uma reconciliação geral, para a qual todos contribuímos, havendo, no entanto, um camarada de Curso, que foi expulso, que creio que nunca mais voltou ao Colégio. Dos restantes quatro Alunos do 7º ano então expulsos, dois, entretanto já faleceram, um deles em Cabinda, numa emboscada na Guerra do Ultramar, outro vive no Canadá, de onde vem regularmente para as nossas reuniões de Curso, e o Comandante de Batalhão também se tem juntado a nós, mas com muito menos assiduidade. Nos últimos tempos houve várias sugestões para que o tema fosse tratado nas páginas da ZacatraZ, sendo que um dos que mais insistiram para que isso ocorresse foi o Pedro Manuel do Vale Garrido da Silva(53/1961), que era «rata» quando tudo se passou, tendo por esse
facto recordações do mesmo de natureza diferente das dos mais velhos. Há meses atrás, por sugestão do Pedro Garrido, promovemos uma reunião na Associação, para troca de impressões sobre o assunto, na qual participei conjuntamente com o António Filipe Nunes Salvador Tribolet (61/1956), Aluno do 7º ano à data dos acontecimentos, o Eurico Jorge Henriques Paes (306/1957) e o Manuel Agostinho de Castro Freire de Menezes (423/1955), Alunos do 6ºano à mesma data, e o próprio Pedro Garrido. Como seria de esperar, verificou-se nessa reunião que aqueles que na altura estavam no 6º ano eram os que tinham uma visão mais completa dos acontecimentos, dado os que então estavam no 7º ano terem vivido os acontecimentos no Colégio apenas um par de horas, pois após o almoço em que tudo começou foram postos fora do Colégio, só podendo voltar ao mesmo após o cumprimento de dez dias de suspensão, que lhes foram de seguida impostos. Na reunião que decorreu na Associação, o Eurico Paes apresentou-se com o seu testemunho escrito dos acontecimentos, testemunho muito valioso que foi atentamente escutado pelos presentes e corroborado pelo Manuel Menezes, que teve idêntica vivência dos acontecimentos. A leitura do documento foi seguida de troca de impressões, o mais ampla possível, sobre os longínquos acontecimentos de há mais de cinquenta anos atrás, em que procurámos ajudar-nos uns aos outros a colmatar naturais falhas das nossas memórias, transcorrido todo este tempo.
Aqui chegados, acho que estamos em altura adequada para relatar os acontecimentos, com a maior objectividade que for possível, para que todos aqueles que não os viveram possam ter, pelo menos, conhecimento geral daquilo que se passou. Penso que a única pessoa que até hoje escreveu sobre o assunto foi Rui Manuel de Sá Leal (502/1959) no seu livro «RATAS – Memórias do Colégio de há 50 anos», que pode ser consultado na pequena biblioteca da nossa Associação. Nesse seu livro Sá Leal homenageia aqueles que foram as principais vítimas dos acontecimentos, que foram os 12 Alunos expulsos do Colégio (5 do 7º ano e 7 do 6ºano). Os acontecimentos transcenderam a síntese que ele apresenta, o que, no entanto, não envolve qualquer demérito da sua obra, de grande valor, que tinha, porém, objectivos completamente distintos dos do presente artigo. Por uma questão de sistematização, este artigo é composto pelo meu testemunho, baseado nas minhas recordações pessoais, pelo testemunho dos então Alunos do 6º ano, pelo testemunho do então «rata» Pedro Garrido e pela versão oficial dos factos, tal como é muito sumariamente referida nos documentos oficiais do Colégio (Ordens de Serviço e Anuário). Termino o artigo com umas breves «Notas Finais» consideradas pertinentes, que não pretendem constituir conclusões de tudo aquilo que se passou.
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A Greve da Fome de 1962
Alunos do 7º Ano da Turma A
Alunos do 7º Ano da Turma B
O meu testemunho
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udo começou para mim na tarde de um dia de Fevereiro de 1962, na sala de estudo do 7º ano, situada sensivelmente por baixo da «Aula da Santa», onde me encontrava com alguns camaradas de Curso, durante a hora do recreio. Entrou então na sala um Aluno do 6º ano, com um ar nervoso e alterado, que nos comunicou que acabava de ser punido com uma pena de prisão, por ter sido apanhado numa cena de «cabulanço» numa prova escrita de inglês, cujo professor era o Almodôvar, um dos muito poucos professores civis que então leccionava no Colégio. O referido Aluno considerava que o castigo que lhe tinha sido aplicado era um verdadeiro exagero e apelou ali aos Alunos do 7º ano para que fizessem algo, para impedir ou corrigir aquela injustiça. Terminou o seu apelo dizendo «Façam alguma coisa», após o que saiu da sala. Os Alunos do 7º ano presentes na sala, que eram em pequeno número, comentaram entre si o facto, não se tendo tirado qualquer conclusão. Recordo-me de ter achado todo o episódio relatado estranho, por não esperar da parte do Almodôvar uma participação à Direcção por causa do incidente ali descrito e por me parecer também exagerada uma pena de prisão por causa de uma cena de «cabulanço». Para aqueles que não conheceram o Almodôvar, de alcunha o «Teatcher», refiro que era um professor que tinha um ar castiço, com uma figura de galã de cinema reformado, sempre impecavelmente vestido, penteado e perfumado, com
fama de mulherengo e com um bom relacionamento com os seus alunos. Os Alunos gostavam dele e consideravam-no um professor à parte, uma pincelada de cor no universo algo cinzento do Colégio daquela época. Eventuais cenas de «cabulanço» nas suas provas era de esperar que fossem directamente resolvidas entre ele e os infractores, com um zero na prova, ou algo desse género, e não com participações à Direcção. Para se ter uma ideia do que eram as suas aulas no 6º e 7º ano, posso dizer que na maioria dos sumários constava apenas «Cartoons and Jokes». Muitas das anedotas metiam mulheres, o que nos punha imediatamente atentos à matéria, e as chamadas orais consistiam em contar alguma das anedotas dadas nas aulas anteriores. Em ar de paródia, íamos aprendendo inglês sem dar por isso. Nesse mesmo dia à noite, não me recordo se entre o jantar e o recolher ou se após o recolher, o 7º ano reuniu na sala de leitura da 3ª Companhia, para discutir o assunto e resolver o que se iria fazer. Penso que a iniciativa da reunião partiu dos graduados da 4ª Companhia, á qual pertencia o Aluno queixoso, mas não o posso assegurar. A reunião decorreu de forma agitada, havendo opiniões díspares acerca do que se deveria fazer. Durante o desenrolar da discussão a posição do conjunto dos participantes foi variando, tendo-se chegado a pôr a hipótese de apenas a 4ª Companhia protagonizar uma manifestação colectiva, hipótese essa que foi abandonada, acabando por se decidir que todo o Batalhão
iria recusar-se a comer ao almoço do dia seguinte, como forma de protesto colectivo. A decisão implicava a continuação da recusa de comer enquanto não fossem libertos da prisão os Alunos castigados. Durante os anos entretanto passados, pensei que não teria havido qualquer aproximação prévia à Direcção, antes de começar a boiada, no sentido de se alcançar qualquer plataforma de entendimento que a evitasse. Faço esta observação, por nos últimos anos ter tido conhecimento de uma versão dos factos segundo a qual, na manhã que antecedeu o início da manifestação, teria havido uma reunião do Comandante de Batalhão e dos quatro Comandantes de Companhia com a Direcção, no sentido de se obter a libertação dos presos e evitar a manifestação. Não me recordava dessa reunião. Verifiquei agora que a reunião ocorreu, sem êxito, sendo mencionada nos textos das punições impostas, em Ordem de Serviço, ao Comandante do Batalhão e aos quatro Comandantes de Companhia. À hora do almoço, o Batalhão desfila na parada, da forma habitual, e dirige-se para o refeitório. Chegados ao refeitório, o Comandante do Batalhão deu ordem de sentar, ficando todo o Batalhão sentado e quedo, sem tocar nas terrinas de sopa colocadas sobre as mesas. O oficial de dia foi apanhado de surpresa pelos acontecimentos, perguntou o que se passava e foi informado da situação. Logo de imediato chegou ao refeitório o Subdirector que, confrontado com os acontecimentos, deu
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Refeitório onde teve lugar a Greve da Fome
ordem expressa ao Comandante de Batalhão para que se começasse a comer, ordem essa que não foi cumprida, mesmo depois de repetida. Face a esta situação foi dada ordem para as Companhias voltarem aos respectivos Gerais e o Comandante do Batalhão e os Comandantes de Companhia foram convocados pela Direcção para serem ouvidos. A seguir ao almoço, que não foi tomado, os Alunos seguiram para as aulas, com excepção do 7º ano que foi informado que iria ser punido com uma pena de suspensão, pelo que deveria abandonar o Colégio. Os Alunos que não tinham família em Lisboa deviam seguir para a Feitoria, para dar tempo para se organizar com as suas famílias as suas idas para casa. Embora eu tivesse família em Lisboa, optei por seguir também para a Feitoria, o que foi aceite. Não me recordo que tenha havido qualquer reunião do 7º ano antes de abandonarmos o Colégio. As coisas correram com celeridade, o que atribuo à urgência da Direcção em ver os graduados fora do Colégio. Graduados eramos todos, pois no nosso curso não havia furriéis. O desenrolar dos acontecimentos descritos deu-me, logo na ocasião, a noção de que a nossa actuação não tinha sido a mais apropriada aos fins em vista e que, a continuar, só iria dar origem a mais desgraça. Assim sendo, antes de partir para a Feitoria, decidi deixar uma breve mensagem aos Alunos do 6º ano, no sentido de os mesmos pararem de imediato a greve encetada. A mensagem
foi deixada de forma a ser encontrada pelo Aluno do 4º ano que dormia na cama ao lado da minha, juntamente com um recado para ele ir à 4ª Companhia entregar a mensagem aos Alunos do 6º ano. Esse Aluno comunicou-me mais tarde que tinha feito o que eu lhe pedira, não tendo tido porém a minha mensagem qualquer efeito. Segui para a Feitoria com mais um pequeno grupo, onde ficámos um curto período de tempo, que no meu caso não terá ultrapassado os dois dias. Recordo que na noite em que dormi na Feitoria foi também lá dormir um instrutor nosso, alferes miliciano Antigo Aluno, com quem conversámos sobre o sucedido. Tendo seguido da Feitoria para casa, aí permaneci durante os dias da pena de suspensão. Durante esse período fui uma vez até ao largo da Luz, para saber como é que as coisas iam evoluindo no Colégio, mas não deu para obter qualquer informação de interesse, pois não era fácil o contacto com o interior do Colégio. Houve ainda uma tentativa de reunião de alguns elementos do curso, em casa de um dos comandantes de Companhia. Desloquei-me a sua casa, mas a reunião acabou por não se realizar, dado o seu pai, que estava ausente em
África, ter informado, sobre a hora da reunião, que não autorizava a mesma na sua casa. Ainda durante o período da suspensão do 7º ano ocorreu o 3 de Março. Não houve desfile na Avenida. Apenas houve uma curta cerimónia no Colégio, nos Claustros, a que não assisti por estarmos impedidos de entrar no Colégio durante o período da suspensão. Fui informado do que lá se passou pelo meu irmão mais velho, então já Antigo Aluno, que lá se deslocou. Na cerimónia efectuada o Batalhão foi comandado pelos Alunos do 6º ano. Desempenhou então as funções de Comandante de Batalhão o Aluno Pedro Braga
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Abecassis (15/1956), que viria a ser Comandante do Batalhão no ano lectivo seguinte. Ao longo de todos os anos entretanto passados, nunca tinha visto qualquer fotografia dessa cerimónia, até que há uns meses atrás me foi dado ver a fotografia que ele tinha da mesma, em que comandava o Batalhão sem ter qualquer graduação. Terminado o período da suspensão, o 7º ano apresentou-se no Colégio desfalcado dos cinco comandantes entretanto expulsos. Seguiu-se uma série de abates ao Batalhão Colegial de outros Alunos que foram autorizados pelos seus pais a saírem do Colégio, em sinal de solidariedade para com os seus camaradas expulsos. Outros tentaram fazê-lo, mas não obtiveram autorização paterna. O 7º ano acabou por ficar reduzido a cerca de metade do seu efectivo. Eu era Ajudante de Comandante de Batalhão e fui nomeado para o desempenho das funções de Comandante de Batalhão, não recebendo a graduação correspondente. Chegado ao Colégio, ao saber desta nomeação, apresentei-me ao Subdirector e declarei que não queria aquelas funções, que não queria comandar o que quer que fosse e que queria ser desgraduado. Não foi aceite qualquer das minhas pretensões e acabei a comandar o Batalhão até ao final do ano lectivo. As Companhias passaram a ser comandadas pelos graduados remanescentes mais antigos. A estrutura de comando ficou reduzida ao mínimo. No que se refere ao 6º ano, teve o mesmo 7 Alunos expulsos, havendo também um conjunto de Alunos cujos pais os autorizaram a sair do Colégio, em solidariedade para com os Alunos expulsos. O final do ano lectivo foi muito penoso, tendo-se instalado no Colégio um ambiente horrível. Os Alunos do 7º ano que ficaram no Colégio passaram a ser considerados por muitos como uns cobardes, que não tinham tido a coragem de sair do Colégio, em solidariedade com os seus camaradas expulsos. Foram muitos os olhares de desprezo em relação aos graduados. Recordo que, no almoço do dia da festa de encerramento do ano lectivo, houve um Aluno da 3ª Companhia que resolveu pôr no lugar do graduado da sua mesa uma carta de jogar, o clássico ás de copas, símbolo de cobardia. Regressados os Alunos à 3ª Companhia foi dada ordem para que o Aluno autor daquele acto se acusasse, o que ele fez de imediato, honra lhe
seja feita. Acabou por ser castigado na ocasião, por mim e pelos graduados da Companhia, naquele dia que se queria de festa. Recordo que compareceram à festa do fim do ano nada menos do que três ministros, que acabaram a passar revista em conjunto ao Batalhão. Os três ministros presentes foram o ministro do Exército, General Mário Silva, o ministro da Marinha Almirante Quintanilha Mendonça Dias e o ministro das Obras Pública Engenheiro Arantes de Oliveira. Presumo que tivessem curiosidade em ver as caras dos protagonistas da «rebelião». Para finalizar, refiro que 1962 foi um ano de crise académica nas Universidades de Lisboa e de Coimbra, crise essa que tinha conotações políticas, ou seja, era de oposição ao regime. Houve quem pusesse na altura a questão de uma eventual relação entre essa crise e os acontecimentos ocorridos no Colégio. Não houve qualquer relação. Em dada ocasião, o Subdirector tomou a iniciativa de me informar que tinha sido expressamente questionado acerca dessa eventualidade e que tinha respondido negando qualquer relação. Tudo o que ocorreu foi, de facto, um episódio da vida interna do Colégio. Em resultado de tudo o que se passou só concluíram o 7º ano no Colégio 23 alunos, a quem foi dada a classificação de «Mau» a comportamento, não podendo assim receber qualquer prémio ou medalha.
Testemunho de Eurico Paes (306/1957), Aluno do 6º ano Enquadramento temporal O evento ocorre no rescaldo das greves académicas de 1961/62, que transbordaram para os liceus, decorrentes do choque social que a chamada popular para a defesa militar do Ultramar feita pelo governo de Salazar provocou na juventude dessa época (quem não se lembra da famosa frase do então chefe do Governo: “Para Angola rapidamente e em força!”). A greve passou-se durante o 2º período do ano lectivo de 1961/62. Antecedentes Dureza e firmeza excessivas relativamente aos Alunos por parte do Subdirector do Colégio perante a
passividade do Director, homem incondicional do regime, que tudo aceitava sem reagir. Dias antes do acontecimento, dois Alunos duma das turmas do 6º ano (o meu ano) fizeram-se substituir num “ponto” que o professor de inglês prático (o Almodôvar) tinha inusitadamente marcado (não era costume haver “pontos” na aula de inglês prático) por dois outros tipos do ano abaixo (o 5ºano) que, por serem bons alunos, forçaram a substitui-los, julgando que o Almodôvar não daria por isso. Mas, azar dos Távoras, o Almodôvar deu por isso e, despeitado, desabafou com o Subdirector, que o obrigou a participar oficialmente da tramóia. Do resultado desta participação, o Subdirector puniu os dois prevaricadores do 6º ano com 2 ou 3 dias de prisão (naqueles tempos havia uma prisão no Colégio, como acontece em todas as unidades militares). Factos Reagindo indignados a tal punição, que consideraram excessiva, os alunos do 6º ano (o ano dos que foram presos) propuseram aos graduados (do ano acima, o 7º) que algo se fizesse para mostrar à direcção do Colégio que tinha sido demasiado violenta no castigo. Ficou assim resolvido que, no dia seguinte, fosse feito um “levantamento de rancho” (acção grave prevista no Regulamento de Disciplina Militar) por parte de todo o Batalhão, onde só se podia comer pão e beber água às refeições, até que os punidos saíssem da prisão e o Director e o Subdirector fossem substituídos. Os graduados de todas as companhias transmitiram esta decisão aos alunos de todos os anos e asseguraram-se de que ninguém “furava” a greve. Fomos para o almoço do dia seguinte formados e a marchar como habitualmente e ninguém tocou em nada durante o período da refeição. Seguiram-se as aulas como de costume e durante a tarde os graduados (todos do 7º ano) foram suspensos da frequência do Colégio e mandados para casa, tendo sido substituídos pelos alunos do 6º ano, que passaram provisoriamente a graduados. Ao fim da tarde desse primeiro dia de greve (ninguém tinha almoçado nem lanchado) o Sub chamou-nos para nos dizer que contava connosco para acabar com a greve, sem se aperceber que a greve tinha sido ideia nossa. Fomos seguidamente para o refeitório para o jantar habitual e ninguém comeu.
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Passou-se o segundo dia todo sem comer (íamos a marchar para o refeitório como sempre mas, lá chegados, só comíamos pão e bebíamos água), depois das aulas do dia, que decorriam normalmente. As refeições tinham sido melhoradas para ver se nos tentavam a comer (com sumos de laranja e bolinhos secos nas mesas) e alguns miúdos da 1ª e da 2ª companhias choravam de fome, sem perceberem a razão pela qual não os deixávamos comer. Foi então criada uma comissão informal de alunos do 6º ano que se encontrava à noite secretamente, depois do toque de recolher, nos limites da quinta (onde hoje é a 2ª circular) com alguns alunos do 7º ano (já suspensos) que lhes entregavam latas de conserva e de leite condensado e bolachas, que iam directamente para a 1ª e 2ª companhias para dar aos miúdos nas camaratas, depois do toque de silêncio. As aulas continuaram no dia seguinte como se nada estivesse a acontecer no Colégio. Ao lanche do segundo dia, recordo-me que deram bolas de Berlim envolvidas em açúcar (coisa nunca vista) que foram distribuídas uma a uma a todo o batalhão formado nos gerais das companhias, de fileiras abertas viradas uma para a outra, no meio das quais passava um cesto de verga cheio dessas bolas de Berlim levado por dois fâmulos, seguido pelo oficial de dia, que intimava os alunos um por um a retirar o bolo que lhe estava destinado. Assim aconteceu, mas ninguém comeu as bolas. Foram directas para os bolsos das calças de cada um e colocadas à noite, com determinação, dentro dos pratos de sopa ao jantar no refeitório. É claro que já sem açúcar nenhum a envolve-las. No fim da manhã do terceiro dia, antes da formatura do almoço, o 6º ano (graduados provisórios) foi todo chamado ao comando do Corpo de Alunos (sala por cima da entrada do colégio novo) para ouvir o Subdirector, que mandara dizer querer falar connosco em conjunto. Nunca eu (e creio que a maioria de nós) tinha entrado naquela sala, grande, rectangular, com uma mesa de madeira enorme que ocupava quase toda a sala e na ponta da qual estava o Sub, de pé, envergando calções e botas de montar a cavalo. Mandando-nos colocar também de pé à volta da dita mesa gigante, começa a falar sem preâmbulos começando por dizer, com voz austera, que nós o tínhamos decepcionado, pois confiara em nós entregando-nos o Batalhão para que acabássemos com a greve - lembro-me duma tirada onde o Sub, fungando, empurra com
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3 de Marco – O Aluno Pedro Braga Abecassis (15/1956), no comando do Batalhão sem graduação
desdém estudado, um grande cinzeiro de vidro que estava diante dele, dizendo ao mesmo tempo e em tom de queixa: “Fazerem-me isto a mim, um ex-aluno!”. Logo a seguir, puxa de um maço de papel de folhas A4 com uns dizeres previamente dactilografados e, enquanto nos ameaça de expulsão do Colégio se não acabássemos com a greve da fome imediatamente, começa a distribuir folha por folha, uma para cada um de nós, na qual estava escrito que nos sujeitávamos conscientemente às punições previstas no RDM, caso não acabássemos imediatamente com a greve. O primeiro de nós (o que teve o azar de ficar ao lado dele) assinou com a caneta que ele lhe meteu entre os dedos e todos nós fizemos o mesmo a seguir. Depois de recolhidas as nossas declarações assinadas, mandou-nos sair com desdém. Reunimo-nos imediatamente na sala de leitura da 4ª companhia e combinamos, no meio de grande agitação, que se algum de nós fosse expulso, todos os outros sairiam voluntariamente do Colégio em solidariedade com os visados. A greve prosseguiu durante o almoço que se seguiu e, depois das aulas da tarde, recebemos (só os do 6º ano) ordem para nos fardarmos de gala e ir formados e a marchar até à Biblioteca no Colégio velho. Assim fizemos, um pouco aflitos, pois adivinhávamos que nada de bom nos esperaria. Chegados à biblioteca, fomos mandados colocar-nos perfilados em duas filas num dos lados da mesa instalada no centro da sala, enquanto do ou-
tro lado se encontravam, de pé, também fardados com a farda nº 1, o Subdirector e atrás dele o brigadeiro Director, o comandante do Corpo de Alunos e alguns outros oficiais em serviço no Colégio. Sem preâmbulos, o Subdirector dá uma ordem seca ao comandante do Corpo de Alunos para este ler a Ordem de Serviço desse dia. Com voz monocórdica, o comandante do Corpo de Alunos começa a ler linha por linha o que lá vinha escrito, até ser interrompido pelo Subdirector, que lhe ordena irritado: “Passe directamente para a secção das punições”, acrescentando em voz alta, solenemente: “Os alunos aqui presentes que agora forem mencionados dão um passo em frente!”. E, logo depois, o comandante do Corpo de Alunos anunciou a expulsão do Comandante do Batalhão, Matos Silva (288/1955), e dos quatro comandantes de companhia (todos suspensos em casa com o resto do 7º ano). Seguidamente, enumera um a um mais 7 alunos (todos do 6º ano, ali presentes) que iam dando um passo em frente à medida que ouviam o seu número e nome. Logo de seguida, o Subdirector profere em voz de comando: “Aos alunos acabados de ser expulsos aqui presentes (os que tinham dado um passo em frente), direita volver e em frente marche em direcção à porta de armas e rua! Todos os outros podem regressar às suas companhias.” Mal os nossos camaradas expulsos saem da sala, corremos todos para o primeiro andar do colégio velho onde estávamos e da janela da sala que dá
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para o Largo da Luz, onde, estupefactos, fardados de gala e sem saber o que fazer, se encontravam os companheiros injustamente expulsos. Jurámos mutuamente entre Zacatrazes e lágrimas que não voltaríamos ao Colégio no domingo seguinte (era uma sexta-feira e no sábado a seguir tinha sido decretada saída geral). Creio que nesse dia os que ficaram já jantaram normalmente. Consequências Os alunos do 6º ano expulsos foram seleccionados pelas notas de comportamento, uma vez que tivemos o cuidado de nunca fazer ressaltar qualquer liderança no processo. Foi uma acção conjunta e todos fomos responsáveis por ela. No domingo seguinte apenas 2 ou 3 de nós não voltaram ao Colégio. E no fim do ano lectivo mais 3 ou 4 saíram voluntariamente do Colégio. Os restantes ficaram para o ano seguinte para concluir o curso liceal no Colégio. O Director e o Subdirector foram substituídos no final desse ano lectivo e tudo voltou à normalidade. O nosso curso (1956-1963) ficou muito dividido, tal como, creio, o curso anterior (o dos graduados) com esta aventura. Ao fim de 55 anos, muitos já morreram e outros desapareceram. Mas o espirito do Colégio Militar continua vivo nas novas gerações.
Testemunho de Pedro Garrido (53/1961), “Rata” Aluno do 1º ano Uma Fantástica Fantasia À data dos acontecimentos, era rata, então com 10 anos de idade e cerca de 5 meses de Colégio. Como facilmente se compreenderá, era ainda totalmente verde e imaturo para que a memória dos acontecimentos, tivesse então feito algum sentido para mim. Ora com toda esta tarimba (?!) de Colégio e de vida, os nossos leitores não devem esperar conclusões e experiências elaboradas, mas podem, apesar disso tudo, ficar com uma pequena ideia, daquilo que os nossos infantis olhos e pensamentos então retiveram. De facto, quando hoje penso no que foi essa experiência, tenho o espírito contaminado por tudo aquilo que vários camaradas me foram contando, do que eu próprio fui pesquisando nos anos que se seguiram e, acima de tudo, do que eu pensei que
tivesse acontecido nesses três dias excepcionais. Apesar disso tudo, fiz um esforço para expurgar tudo aquilo de que só muito tempo depois tive conhecimento, bem como dos raciocínios e conclusões a que fui chegando ao longo do tempo. Esta tarefa não foi nada fácil, pois o que dela resultou — foi muito pouco, somente alguns flashes dispersos! Mas devo dizer que, muito mais importante que esses flashes, a coisa mais fantástica que ficou inconscientemente gravada na minha memória, foi o mito! Tal como qualquer outro mito, a Greve da Fome foi uma coisa fantástica e inexplicável, que povoou intensamente a nossa fantasia. Foi o non plus ultra de uma geração colegial! Mas voltando à memória inocente desse mês de Fevereiro de 1962, e às tais imagens dispersas e já muito desfocadas, duas ou três são muito nítidas: a) O João Passarinho (59/1960), que era o chefe de turma do 1º A, era quem distribuía a bolama na nossa turma; b) Outra imagem forte que retive, foi de um bando de miúdos, a invadir a horta do Colégio, para arrancar nabos crus e comê-los. Abençoada greve, ainda hoje adoro nabos; c) Lembro-me também, embora mais vagamente, de à noite na camarata, alguns de nós chorarem, fosse por fome, fosse por nada perceberem do que se estava a passar; Um pouco mais vagamente ainda, recordo-me de outras coisas, tais como o facto de haver muitos pais e alunos suspensos, que conseguiam introduzir no Colégio, as célebres malas de cartão castanho do nosso enxoval, cheias de latas de conservas e outros pitéus, que nas condições que então estávamos a viver, eram autênticos petiscos. Muito mais difuso, mais como uma coisa sentida, do que como um conhecimento elaborado, foi uma forte sensação, sensação essa que foi, com toda a certeza, o primeiro e o mais forte sentimento do que era a camaradagem. Confiarmos nos nossos camaradas mais velhos e seguir aquilo que nos diziam, sabendo que o que nos era pedido, embora nós então não o compreendêssemos, era certo e justo. E muito importante, toda aquela solidariedade entre nós todos na distribuição da bolama, sem ninguém a esconder nada dos outros. Essa sensação, foi tão forte, quanto difícil de
explicar. Mas a verdade é que me deixou marcas para toda a vida. Finalmente, passados 54 anos, aparece pela primeira vez, uma descrição completa do que se passou. Mas se este artigo fica inquestionavelmente como marco e referência, é natural que possam ainda aparecer outras contribuições, despidas de quaisquer condicionalismos traumáticos daqueles que viveram os acontecimentos, principalmente daqueles que assumiram de uma ou outra forma responsabilidades na greve. Três dias parece muito pouco tempo, mas a extensão e implicações que geraram foram imensas, particularmente ao nível do 7º e 6º anos de então. Estes três dias ultrapassaram em muito as razões próximas da greve. Como geralmente acontece com os eventos históricos, a realidade acaba por ir muito além das suas causas primeiras. Estou convencido que a Greve da Fome de 1962, abriu uma pequena caixa de Pandora que tocou tudo e todos e que libertou alguns espíritos, que não eram de modo nenhum expectáveis nesses dias. Se nos cursos do 6º e 7º anos a malta se dividiu e zangou, criando desconfianças e azedumes que só mais tarde foram resolvidos, para nós, os mais novos, a greve foi acima de tudo uma fantástica fantasia, que povoou o nosso imaginário durante dezenas de anos e nos iniciou, desde logo, em alguns dos mistérios da Alma Colegial.
Festa do Final do Ano - A Escolta a Cavalo e a chegada do Ministro do Exército
A Greve da Fome de 1962
A versão oficial dos factos
O.S. nº 45, 22/02/1962 (5ª feira)
Ordens de Serviço Apresento de seguida o que se encontra registado nas Ordens de Serviço (O.S.) do Colégio.
- Artº 15º Disciplina Que aprova a resolução por unanimidade do Conselho Pedagógico e de Disciplina, na sua sessão de ontem, 21, e para o efeito determina:
O.S. nº 42, de 19/02/1962 (2ª feira). - Artº 7º Punições. b) Que puni com 3 dias de reclusão o aluno X, por deliberadamente se ter feito substituir numa prova escrita por outro aluno. Atende-se ao seu bom comportamento anterior. Este aluno dá hoje entrada na prisão ao toque de Ordem. (Intencionalmente omitimos a identidade deste aluno). c) Que puni com 3 dias de reclusão o aluno Y, por deliberadamente se ter feito substituir numa prova escrita por outro aluno. Atende-se ao seu bom comportamento anterior. (Intencionalmente omitimos a identidade deste aluno). d) Que puni com 3 dias de privação de férias os alunos W e Z por se terem prestado a substituir dois camaradas numa prova escrita. Atende-se ao seu bom comportamento anterior. Foram estes os acontecimentos que levaram á greve da fome iniciada no dia seguinte. O.S. nº43, de 20/02/1962 (3ª feira) - Artº 17º Convocação. Convoco o Conselho Pedagógico e disciplinar para uma reunião no dia 21, 4ª feira, às 16h00, na sala da Biblioteca. Resultado imediato da greve iniciada. Entretanto os alunos do 7º ano foram todos suspensos, sem que tal constasse na O.S. O.S. nº44, de 21/02/1962 (4ªfeira) - Artº 10º Prisão a) Que amanhã, ao render da parada, seja solto da prisão o aluno X. b) Que amanhã, ao toque de Ordem, dê entrada na prisão, para cumprimento da pena que lhe foi imposta, conforme publicado na alínea c) do artº 13º da O.S. nº 42, de 19 do corrente, o aluno Y. Forma de evitar o convívio na prisão dos dois alunos castigados.
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a) Que seja nomeado o Major de Artilharia Jorge do Carmo Vieira para organizar o Processo Disciplinar relativo aos alunos nº 288 Matos Silva, 315 Nogueira, 408 Marques, 437 Pires e 290 Costa. Estes alunos estão suspensos da frequência do Colégio desde 20 do corrente e até completa conclusão do processo, nos termos do parágrafo 1º do artº44 do Decreto 34093. Tratava-se dos Comandantes do Batalhão e das 4 Companhias. a) Que aos alunos do 7º ano não constantes da alínea a) seja instaurado um processo de averiguações, como complemento do processo disciplinar referido na mesma alínea. Estes alunos aguardam na sua residência a conclusão deste processo.
Festa do Final do Ano - Os 3 Ministros passam revista à Guarda de Honra
Nunca fui ouvido em processo de averiguações. b) Que seja nomeado o Major de Infantaria Joaquim Gouveia para organizar o Processo Disciplinar relativo ao aluno nº 149 Soares. Este aluno, já falecido, teve um processo à parte, por já haver do antecedente questões disciplinares com o mesmo. Estava-se assim a preparar-lhe um tratamento específico e mais gravoso do que o dos restantes alunos, o que veio a ocorrer. - Artº 16º Aulas Que até ordem em contrário cessam as actividades escolares relativas ao 7º ano. - Artº 17º Aluno de dia ao Batalhão Que até ordem em contrário cessa a nomeação do aluno de dia ao Batalhão. O.S. nº 46, 23/02/1962 (6ª feira) - Artº 10º Serviço de Saúde a) Que ontem teve alta de abonado de dieta o aluno nº 5.
Este aluno era do 7º ano. Estaria há dois dias fora do Colégio, devido à suspensão colectiva dos alunos do 7º ano. O.S. nº 47, 24/02/1962 (sábado) - Artº 12º Prisão Que amanhã ao render da parada seja solto da prisão o aluno Y. - Artº 13º Punições Que ao abrigo do artigo nº 44 do Decreto nº34093 e ouvido o Conselho Pedagógico e Disciplinar impõe a pena de expulsão aos alunos: 7 – Joaquim da Costa Barradas 278 – Jorge Pedro de Almeida Cabral 341 - Arménio João Marques Vicente 375 – José Agostinho da Silva Baptista 391 – João Furtado de Azevedo Coutinho 411 – Mário Miguel dos Santos Sanches 428 – José Luís de Arriaga Pinto Basto Estes foram os 7 alunos do 6º ano expulsos. A publicação de uma pena sem a indicação dos
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factos justificativos da mesma terá sido algo inédito. Como veremos, as justificações das expulsões só foram publicadas em Ordem de Serviço dias mais tarde. O.S. nº 48, 26/02/2016 (2ª feira) - Artº 10º Abates Que em virtude da publicação no artigo 13º da O.S. nº 47 de 24 do corrente, sejam abatidos ao efectivo do Batalhão Colegial desde a mesma data os seguintes alunos:7, 278, 341, 391, 375, 411 e 428. Os nomes destes alunos constam da Ordem de Serviço anterior. O.S. nº 49, 27/02/1962 (3ªfeira) Que amanhã ao 10º tempo têm aula de Orfeão as 3ª e 4ª vozes do Batalhão. Formam no Geral junto à Capela. Os alunos que constituem as 3ª vozes são comandados pelo aluno nº 27 e os que constituem as 4ª vozes pelo aluno nº 271. Os dois alunos designados eram do 6º ano. Até esta data não há qualquer outra indicação, em Ordens de Serviço, de terem sido atribuídas quaisquer funções de comando a alunos do 6º ano.
dos ex-alunos falecidos e de todos os que serviram o Colégio. Às 12h00 - Formatura geral do Batalhão nos Claustros e revista por S.Exª o Brigadeiro Director. Às 12h00 – Continência às insígnias dos exalunos mortos pela Pátria no Ultramar. General Carlos Miguel Lopes da Silva Freire Tenente- Coronel João Horta Galvão Ferreira de Lima e retirada daquelas insígnias para a Sala de Armas, junto ao lampadário. Palavras de exortação pelo professor Capitão Júlio Martins. Às 12h15 – Desfile do Batalhão perante o Busto do Fundador. Às 15h00 – Recepção do Colégio aos ex-alunos. O «ambiente do momento nacional» referido devia-se à guerra em Angola, que se tinha iniciado no ano anterior. As «circunstâncias particulares da vida do Colégio» era um eufemismo relativo aos factos anteriormente descritos e aqueles ainda por descrever. - Artº 17º Férias de Carnaval Os alunos podem sair para férias após as cerimónias militares do dia 2, devendo regressar ao Colégio até às 22h30 do dia 7 de Março pf.
O.S. nº 50, 28/02/1962 (4ª feira) - Artº 14º Abates a) Que seja abatido ao efectivo do Batalhão Colegial, desde ontem, a pedido da sua família, o aluno nº 52 Luís Filipe Espiga de Almeida. Do 6º ano A. Presumimos que este abate terá sido consequência dos acontecimentos anteriormente descritos. Se assim foi, trata-se do primeiro abate voluntário. - Artº 16º - Cerimónia do aniversário do Colégio. Que dado o facto do aniversário do Colégio recair no presente ano em período de férias de Carnaval tenham os actos comemorativos lugar no dia 2 e se reduzam, dado o ambiente do momento nacional e as circunstâncias particulares da vida do Colégio, a uma cerimónia íntima, dentro do seguinte programa. Às 11h00 – Entronização do Santíssimo na Capela do Colégio, seguida de missa em intenção
- Artº 19 Punições a) Que seja punido com a pena de expulsão o aluno nº 288 João Manuel Reis de Matos Silva «por sendo Comandante de Batalhão, ter após uma diligência impertinente, junto do Subdirector e na presença dos Alunos Comandantes de Companhia, no sentido de alterar um castigo de camaradas seus, que haviam cometido uma fraude, posteriormente e em consequência da negativa recebida, se ter negado no refeitório a obedecer à ordem pessoal e directa daquele mesmo oficial, para que comesse, e ter levado o Batalhão a uma manifestação colectiva donde além do mais resultaram sérios inconvenientes para a formação dos alunos mais novos e gravíssimos prejuízos para o prestígio e bom nome do Colégio Militar». b) Que seja punido com a pena de expulsão o aluno nº 408 Miguel Barroso Silvério Marques «porque tendo acompanhado o Comandante de Batalhão numa diligência impertinente, junto do
Subdirector, no sentido de ser alterado o castigo de camaradas seus que haviam cometido uma fraude, posteriormente e em consequência da negativa recebida, se ter negado individualmente a cumprir a ordem pessoal e directa daquele oficial para que comesse e levado a Companhia que comandava a uma manifestação colectiva, donde, além de mais, resultaram sérios inconvenientes para a formação dos alunos mais novos e gravíssimo prejuízo para o prestigio e bom nome do Colégio Militar». c) Que seja punido com a pena de expulsão o aluno nº 315 António Mário Leitão Pinheiro de Gusmão Nogueira (justificativo idêntico ao da alínea b) anterior). d) Que seja punido com a pena de expulsão o aluno nº 290 Luciano de Carvalho Costa (justificativo idêntico ao da alínea b) anterior). e) Que seja punido com a pena de expulsão o aluno nº437 Rui Manuel Marques Pires (justificativo idêntico ao da alínea b) anterior). De notar a classificação de «impertinente» da diligência conjunta efectuada pelos 5 Comandantes, numa tentativa de evitar o recurso a medidas extremas. - Artº 20º Abates – Aditamento Que em virtude do publicado no artigo anterior, sejam abatidos ao efectivo do Batalhão desde hoje os alunos nº 288, 315, 408, 437 e 290 Os nomes destes alunos constam do artigo anterior. O.S. nº 51, 01/03/1962 (5ªfeira) - Artº 17º 159º Aniversário da Fundação Que em aditamento ao artigo 16º da O.S. nº 50, de ontem. a) Alteração do horário das cerimónias b) Guarda de Honra ao Altar. Porta-Bandeira – aluno nº346 Porta Guião – aluno nº18 Escolta ao Altar – alunos nº 97, 362, 329 e 372. Eram todos alunos do 6º ano. - Artº 19º Disciplina – Punições Pena de desgraduação. Aluno nº 205 Manuel António Salgueiro Lopes, aluno nº 250 Luís Manuel Paulitos Pires Gonçalves e aluno nº 371 Carlos Manuel Ferreira e Costa.
A Greve da Fome de 1962
graduação do aluno três estrelas da 4ª Companhia. Pena de suspensão até ao fim do ano. Aluno nº 149 Henrique José de Gouveia Soares. Este aluno era duas estrelas da 4ª companhia. A pena especial que lhe foi aplicada resultava de outras questões disciplinares, como anteriormente referimos. a) Pune com 10 (dez) dias de suspensão, a contar de 21 de Fevereiro último inclusive, cada um dos seguintes alunos: 5, 61, 71, 100, 136, 206, 250, 262, 274, 285, 298, 334,353, 358, 371, 410,421, 429,101,111, 185,186,205,2 19,227,238,261,264,307,311 ,320,330,335,388,406 e 412. «Por terem promovido e tomado parte numa manifestação colectiva, durante a Alunos na Festa do Final do Ano Alunos na Festa do Final do Ano qual os alunos do Batalhão se abstiveram de comer nor«Porque exercendo funções de comando malmente as suas refeições e donde, além do conscientemente favoreceu um acto de mais, resultaram sérios inconvenientes para indisciplina colectiva e donde, além do mais, a formação dos alunos mais novos e gravíssiresultaram sérios inconvenientes para a mo prejuízo para o prestígio e bom nome do formação de alunos mais novos e gravíssimos Colégio Militar». prejuízos para o prestígio e bom nome do b) Que em consequência do castigo inicial seja Colégio Militar». desgraduado o aluno nº 149 Henrique José de Tratava-se dos alunos três estrelas respec- Gouveia Soares. tivamente das 2ª, 3ª e 1ª Companhias. Nas Era o complemento da suspensão até ao final Ordens de Serviço não encontrámos a des- do ano.
Esgrima na Festa do Final do Ano
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O.S. nº 52, 02/03/1962 (6ª feira) Nada consta no aspecto disciplinar. Foi o dia das cerimónias do 159º aniversário do Colégio. O.S. nº 53, 03/03/1962 (sábado) - Artº 13º Punições Que são do seguinte teor as redacções relativas aos castigos a que se refere o artigo 13º da O.S. nº47, de 24 do mês findo. Trata-se das justificações das expulsões dos alunos do 6º ano ocorridas uma semana antes. Aluno nº 375 «Porque tomou parte numa manifestação colectiva onde foi elemento orientador de alunos mais novos e não obstante a prevenção que lhe foi feita pelo Subdirector e pelo Comandante de Companhia do risco que corria insistindo em actos de indisciplina daquela ordem, neles persistiu com inconveniente para a saúde dos seus camaradas e grave prejuízos para a reputação da casa que o educa. Agrava o seu procedimento o seu deficiente comportamento anterior e a sua falta de aptidão em educação física». De notar que a «falta de aptidão em educação física» era uma agravante de um acto de indisciplina. Aluno nº 391 (Texto justificativo igual ao anterior, tendo como agravante do seu procedimento «a desobediência manifestada ao seu Comandante de Companhia durante o período em que decorreram os acontecimentos»). Aluno nº 7 (Texto justificativo igual ao anterior, tendo como agravante do seu procedimento «o seu deficiente comportamento anterior»).
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A Greve da Fome de 1962
Aluno nº 278 (Texto justificativo igual ao anterior, tendo como agravante «o seu deficiente comportamento anterior e a sua falta de aplicação escolar»). Aluno nº341 (Texto justificativo igual ao anterior, tendo como agravante «o seu deficiente comportamento anterior e a sua falta de aptidão em educação física»). Aluno nº 411 (Texto justificativo igual ao anterior, tendo como agravante «o seu deficiente comportamento anterior e a sua falta de aptidão em educação física»). Aluno nº 428 (Texto justificativo igual ao anterior, tendo como agravante «o seu deficiente comportamento anterior»). Era difícil apontar ao 428 falta de aptidão em educação física. Era um dos melhores atletas dos dois cursos por onde passou. O.S. nº 54, 05/03/1962 (2ª feira) - Artº 14º Punições As punições continuam, sendo 15 alunos castigados (14 do 7ºano e 1 do 6ºano) por factos ocorridos em Janeiro e Fevereiro, com 1 a 4 dias de privação. Os alunos castigados foram os seguintes: 320, 238, 285, 346, 219, 437, 149, de novo 219, 353, de novo 320, 261, 408, de novo 149, 288, de novo 149 e 279.
Judo na Festa do Final do Ano
Terá sido uma espécie de ajuste de contas final, feito de forma inacreditável. O aluno 437 já tinha sido expulso. O aluno 149 já tinha sido suspenso até ao final do ano e desgraduado. O aluno 408 já tinha sido expulso. O aluno 288 já tinha sido expulso. O aluno 279 tinha sido abatido ao efectivo do Batalhão, a pedido da sua família, na véspera do início da «greve». Era o desnorte completo. O.S. nº55, 06/03/2016 (4ª feira de «cinzas», dia de regresso ao Colégio no final das Férias de Carnaval). - Artº 7º - Estudos Que até ordem em contrário todos os alunos do 7º ano passam a estudar na Sala de Estudos do referido ano. - Artº 8º - Graduações de Alunos Que em virtude da publicação dos artigos 19º das Ordens de Serviço 50 e 51 respectivamente de 28 de Fevereiro e de 1 do corrente, se observe o seguinte: a) Com as suas actuais graduações passam a desempenhar as funções que a cada um se indica os seguintes alunos: > Comandante de Batalhão – Aluno nº 71 > Ajudante de Comandante de Batalhão – Aluno nº 186 > Porta-Bandeira – Aluno nº 285
> Porta Guião – Aluno nº 429 > Comandante da Escolta – Aluno nº 61 Todos os restantes passam a pertencer à 4ª Companhia. Os alunos 285, 429 e 61 mantinham as suas funções. É omissa a situação dos alunos 206 e 410. Supunha-se que passariam para a 4ª Companhia, como furriéis, todos os alunos desgraduados, o que não veio a ocorrer, por a grande maioria deles ter sido abatida ao efectivo do Batalhão a pedido das suas famílias. Várias funções anteriormente indicadas foram rapidamente alteradas por ter havido seguidamente mais alunos abatidos ao efectivo do Batalhão, a pedido das suas famílias. Na Ordem de serviço nº 56 e seguintes dá-se o abate ao Batalhão Colegial, a pedido das suas famílias, de uma série de alunos seguidamente apresentada, sendo esta apresentação feita por ordem cronológica das suas saídas. Os abates só terminaram com o início do 3º período de aulas, a seguir às férias da Páscoa. Alunos do 7º ano – 262, 5, 238, 412, 250, 219, 388, 149, 136, 264, 334, 205, 227 e 206 (14, Alunos). Alunos do 6º ano - 51 e 292 (2 alunos). Na Ordem de Serviço nº 97, de 25/4/1962, data em que terminaram as Férias da Páscoa, são indicadas as alterações a fazer na distribuição dos
A Greve da Fome de 1962
Graduações
1ª Companhia
2ª Companhia
3ª Companhia
4ª Companhia
Cmdt
421
320
101
5
1º Cmdt de pelotão
307
111
334
227
2º Cmdt de pelotão
330,100,274
298,406,264
358,388,219
185,311,335
412
353
238
136,261
Cmdt de secção
Graduações atribuídas no final das Férias de Carnaval (O.S Nº 55)
graduados por Companhias, fruto dos abates voluntários ao efectivo do Batalhão Colegial. As alterações efectuadas foram as seguintes: > O aluno nº 61, Comandante da Escolta, passa a acumular estas funções com as funções de Comandante da 4ª Companhia. > O aluno nº 429, Porta Guião, passa a acumular estas funções com as funções de 1º Comandante de pelotão da 3ª Companhia. > Os alunos 311 e 410 transitam da 4ª para a 3ª Companhia, onde passam a exercer funções de Comando. E assim ficou a estrutura de comando do Batalhão até ao final do ano lectivo. Anuário do Colégio Militar do ano lectivo de 1961/1962 Pode-se dizer que o Anuário é omisso em relação ao que ocorreu no Colégio e que foi retractado nas Ordens de Serviço. No entanto detecta-se, que algo de estranho ocorreu, nas seguintes partes do anuário: > 159º Aniversário do Colégio. É referido que a comemoração do aniversário não teve a «costumada solenidade festiva, devido ao ambiente do momento nacional e a circunstâncias da vida colegial». > Disciplina. Consta a expulsão de 5 alunos do 7ºano e de 7 alunos do 6ºano. Constam as baixas de graduação e as suspensões, embora com números errados. > Relação dos Alunos que concluíram o curso. Concluíram o curso apenas 23 alunos.
> Relação dos alunos premiados Apenas foi premiado um aluno do 6º ano, com um prémio que se presume que não teria a obrigatoriedade de o aluno ter um bom comportamento. Do 7º ano ninguém foi premiado. Decreto nº 34.093, de 8 de Novembro de 1944 Este Decreto, que estava em vigor à data dos acontecimentos descritos, é o que estabelece a Reforma do Colégio Militar de 1944. No meu tempo como aluno não tinha conhecimento deste documento. Havia na altura quem julgasse que estávamos abrangidos pelo Regulamento de Disciplina Militar (RDM), o que não era o caso. Como aquele Decreto é referido nos textos justificativos de algumas das punições, apresento de seguida as penas disciplinares no mesmo previstas, conforme a gravidade das faltas: 1ª - Admoestação; 2ª – Ordem de saída da aula; 3ª – Repreensão; 4ª – Privação de receber visitas nos dias permitidos; 5ª – Reclusão até oito dias; 6ª – Privação de saída do Colégio até seis meses; 7ª – Baixa de graduação; 8ª – Suspensão de frequência durante o ano lectivo; 9ª – Repreensão pública em Ordem Do Colégio; 10ª – Expulsão. As penas 7ª a 10ª eram da competência do Director e implicavam um processo disciplinar, de que se daria conhecimento ao encarregado de educação, facultando-lhe que o acompanhasse. Este preceito não foi cumprido, em particular em relação aos alunos do 6º ano expulsos, a quem não foi levantado qualquer processo disciplinar. O Director tinha competência, durante a instrução do processo disciplinar, para suspender o alu-
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no delinquente da frequência do Colégio. Foi esta medida aplicada aos alunos do 7º ano que foram suspensos do Colégio. Como referi anteriormente, nunca fui ouvido em processo disciplinar. Notas Finais É muito difícil fazer hoje juízos relativos ao que se passou naquele tempo no Colégio. A Sociedade, o Exército, o Colégio e as mentalidades, eram abissalmente diferentes do que são agora. Não posso dizer o que faria se o tempo voltasse atrás, pois é impossível pôr a cabeça de um homem de 70 anos sobre os ombros de um rapaz de 16 anos. No entanto, ao escrever este artigo, várias vezes me ocorreu a seguinte frase que os ingleses usam: «Para se ser velho e sensato, tem de se começar por ser jovem e estúpido». Considerando esta frase, apenas posso dizer que os Alunos se comportaram de acordo com a sua juventude, enquanto que a Direcção de então, embora não fosse formada por velhos, poderia ter actuado com mais sensatez. Mas isto é uma opinião meramente pessoal. Agradeço ao Eurico Paes e ao Pedro Garrido as suas preciosas colaborações.
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Entrevistado para o Diário de Notícias João Miguel Vicente Carita (370/1981)
Entrevistado para o Diário de Notícias a 23 de Agosto de 2016
João Miguel Vicente Carita (370/1981)
João Miguel Vicente Carita (370/1981) foi piloto operacional nos helicópteros Alouette III e agora é piloto comandante dos EH-101
“Nunca sofri um susto a voar helicópteros. Não nos podemos assustar lá em cima” Entrevista reproduzida na ZacatraZ por amável deferência do Jornalista do Diário de Notícias Manuel Carlos Freire e aquiescência do nosso Camarada entrevistado, registando o bom acolhimento e pronta resposta de ambos à nossa solicitação.
Entrevistado para o Diário de Notícias João Miguel Vicente Carita (370/1981)
V
ida de militar. Entrevista a João Miguel Carita, Tenente-coronel piloto-aviador da Força Aérea. Com 6150 horas de voo em helicópteros e sem punições, tem particular orgulho no prémio internacional de serviço humanitário com que a Esquadra 751 foi distinguida em 2015. O que é que o levou a escolher a carreira militar? Com nove anos prestei provas de ingresso para o Colégio Militar e com 10 estava na formatura de Compromisso de Honra dos novos alunos. Jurei um Código de Honra e senti que foi o meu primeiro dia como militar. Claro que a passagem por aquela escola militar iria ser a influência natural da minha escolha de querer servir nas Forças Armadas. Os valores e princípios intemporais que adquiri fizeram com que os quisesse continuar a seguir na vida profissional. Isso também o levou a preferir a Força Aérea aos outros ramos? Antes de finalizar o 12º ano no Colégio Militar conversei com ex--alunos que tinham ingressado na Academia da Força Aérea, na Academia Militar, na Escola Naval, também na Escola Superior de Polícia, e concluí que a forma mais prestigiante e meritória para mim seria servir o País na Força Aérea.
Sofreu algum susto? Sustos? Só de viação... Nunca sofri nenhum “susto” a voar helicópteros. Não nos podemos assustar lá em cima. Temos de ter sempre uma reacção válida, eficaz, racional e decisiva, que não é susto, de forma a resolver problemas. Assustar tira-nos essa faculdade racional de reagirmos da melhor forma ao inesperado, porque é algo emotivo. Todos temos licença de condução de veículos, mas nem todos são pilotos de Formula 1. Tem de haver um estudo regular, completo e rigoroso da máquina que voamos. Que estão sempre a evoluir... Na vida, quanto mais se vive mais se aprende. Na aviação, quanto mais se aprende mais se vive. A tecnologia está sempre a evoluir na aviação e, com ela, os procedimentos de se fazerem as coisas. O que hoje são verdades e nos dão segurança, amanhã poderão ser acções que nos poderão matar aos comandos de outra máquina detentora de tecnologia diferente. A aviação está em constante evolução e não podemos cair na tentação de fazermos com que a experiência adquirida seja a repetição do mesmo erro. Que diferenças entre o Puma e o EH-101?
Quando é que entrou? Em 1990, para piloto-aviador. Porquê helicópteros em vez de caças ou aeronaves de transporte? Sempre tive uma paixão pelo voo das aeronaves de asa rotativa. À medida que observava e estudava o helicóptero, mais me apaixonava pela sua versatilidade e capacidades únicas. Os pilotos-aviadores são pilotos de aviões, mas só alguns são também de helicópteros. Lembro-me de no 2.º ano de Academia ter apanhado uma boleia em Tancos, no Alouette III, e no final do voo ter decidido que era mesmo helicópteros que eu queria voar. Mais tarde fui-me apercebendo do seu papel importantíssimo na Busca e Salvamento e senti o dever de me empenhar a fundo no estudo e na pilotagem para ajudar a salvar outras pessoas.
Na sua génese nenhuma. O pilotar é feito da mesma forma. O EH, por ser uma máquina mais complexa com toda a sua tecnologia e computação inerentes, tem capacidade de voar sozinho e de acordo com pequenos inputs que o piloto lhe dá. Mas nessa fase de voo automático o piloto não voa. Simplesmente supervisiona, sendo ele um gestor de sistemas. No Puma tinha sempre de ter as mãos nos comandos, obrigá-lo a voar. No EH-101, se estiver a voar em modo manual é igual. Quais foram as suas experiências mais marcantes? Todas as vezes que salvei uma vida no mar foram uma experiência marcante e sem excepção. Mas não esqueço a noite de Natal do ano 2000, em que estava de serviço no Montijo como piloto comandante e com o Puma
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salvámos 22 náufragos do navio Coral Bulker, que se afundava ao largo de Viana do Castelo numa noite de grande temporal. Se não fôssemos nós todos eles teriam possivelmente morrido. O mais negativo de todos estes 20 anos ao serviço de Portugal foi ter visto a minha filha crescer às prestações. A minha família passou muitos natais e os demais momentos familiares importantes sem a minha presença, em virtude de estar a exercer o meu dever como militar e piloto da Esquadra 751. Como o tempo não volta atrás perdi muita coisa com os meus, sempre em favor de outros e da instituição que sirvo. Que diferenças encontra entre ser militar e civil? Desde os nove anos que sou militar e sei muito bem o que é ser militar, por conseguinte nunca soube o que era ser civil. Acredito que o que está escrito no Estatuto dos Militares das Forças Armadas espelhe bem o que é ser militar, especialmente em termos de direitos e deveres extraordinários. Quem na vida normal não tenha esses deveres e direitos extraordinários é um não militar, nos quais se inserem os civis. Por comparação deve residir aí a diferença... Como vê o papel das Forças Armadas num país como Portugal? Vejo-as como pilar essencial da própria soberania. São um instrumento de acção do Estado, sendo que no caso português tem sido mais frequente a sua intervenção nas operações de apoio à paz. A frequência dessas intervenções militares e a capacidade demonstrada nas variadas tipologias de missões são uma afirmação do país no plano internacional. Nunca poderemos esquecer que temos a obrigação e o dever de preservar a Pátria, segura de terceiros ou de interesses de terceiros que não os nacionais. Se assim não for... desde o ano de 1143 que muitos portugueses morreram em vão.
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Nambuangongo 1961 José Júlio da Silva de Santana Pereira (8/1949)
Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
Nambuangongo 1961 José Júlio da Silva de Santana Pereira (8/1949)
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o passado dia 9 de Agosto, recebi de um amigo meu uma mensagem de mail recordando que nesse dia se perfaziam 55 anos sobre a reconquista pelo Exército Português da povoação de Nambuangongo, na região dos Dembos, no Norte de Angola, a cerca de 200 km de Luanda, durante a operação «Viriato». Referia o meu amigo nessa mensagem, que coube ao pelotão do Alferes Santana Pereira a honra de hastear a Bandeira Nacional na igreja semidestruída da povoação. A mensagem recebida fez o meu espirito voar 55 anos para trás, para as férias que passei no distante Verão de 1961, na transição entre os meus 6º e
7º ano no Colégio, quando recebemos a notícia da tomada de Nambuangongo pelas tropas portuguesas, noticia essa que encheu de júbilo toda a Nação. A comunidade colegial mais jubilosa ficou, ao saber do papel relevante que teve nessa acção o Antigo Aluno José Júlio da Silva de Santana Pereira, o 8 de 1949, saído poucos anos antes do Colégio. Os Alunos mais velhos lembravam-se bem dele, dado ter sido «sorja» da 2ª quando o meu curso estava no 2º ano. Para relembrar esse importante episódio do início da Guerra do Ultramar, socorri-me do livro intitulado «Guerra Colonial», edição do Diário de Noticias, de 1998, da autoria de Aniceto Afonso e Matos Gomes, ambos Coronéis do Exército. Desse livro extraí o trecho da História do Batalhão de Caçadores 96, em que se integrava o Alferes Santana Pereira, que a seguir se apresenta «A entrada da coluna em Nambuangongo fez-se às 17h45 de 9/8/1961 com o pelotão de caçadores do Alferes José da Silva de Santana Pereira no escalão testa da vanguarda. Foi assim materializada a resolução firme e decidida em que se achavam todos os oficiais, sargentos e praças do Batalhão de Caçadores 96, conduzidos pelo seu comandante Tenente-Coronel Armando da Silva Maçanita, de ocupar Nambuangongo antes de 10/8/1961. A povoação de Nambuangongo achava-se deserta, com as habitações destruídas e incendiadas, embora algumas incompletamente, entre estas a igreja da missão católica que estava destelhada.
Ao cair da tarde, cerca das 18 horas, depois de rapidamente montado o dispositivo de vigilância, perante uma formatura em que participavam formações dos escalões presentes, a Bandeira Nacional foi erguida no topo da torre da igreja, pelo segundo-sargento Lúcio Agostinho dos Santos da Secção de Operações e Informações, coadjuvado pelo primeiro-cabo nº 894/60, Carlos Alberto da Silva Gomes, recebendo as honras militares do estilo, ao som do toque de continência. E assim, perante a viva emoção de todos os presentes, a Bandeira Nacional voltou a tremular sobre a colina de Nambuangongo…… Para que tal fosse possível os caçadores do 96 tiveram de vencer inúmeras dificuldade, remover numerosos obstáculos, penosamente abrir caminhos por matas cerradas donde o inimigo emboscado flagelava as colunas, repelir furiosos ataques, explorar e bater matas e sanzalas, perseguir os bandoleiros e procurá-los nos seus refúgios. Todas essas acções, levadas a efeito sob o comando do Tenente-Coronel Armando da Silva Maçanita, beneficiando da cooperação da Força Aérea Portuguesa e de um pelotão de sapadores de engenharia, foram realizadas a custo de muitos sacrifícios e esforços generosamente oferecidos à Pátria, de que são testemunho os vinte e um feridos e os sete camaradas mortos, cujas campas ficaram a balizar o itinerário do Batalhão de Caçadores 96…… Do sacrifício exigido pela tomada de Nambuangongo, participaram também três feridos e dois mor-
Nambuangongo 1961 José Júlio da Silva de Santana Pereira (8/1949)
Operação VIRIATO – Itinerários de progressão
Progressão no itinerário
Remoção de abatizes
tos pertencentes à CCE 78 e ao pelotão de sapadores da Companhia de Sapadores 123, além de um guia civil gravemente ferido». Dado a maioria dos Antigos Alunos que lêem a ZacatraZ não serem ainda nascidos quando se deu o início da Guerra do Ultramar, em Angola, pareceu-me curial apresentar uma descrição muito sumária dos factos principais então ocorridos, terminando com a «Operação Viriato», que culminou com a tomada de Nambuangongo. É usual datar o início da guerra em Angola em 15 de Março de 1961, tendo havido um primeiro prenúncio da mesma em Janeiro, na Baixa de Cassange, onde decorreram vários incidentes com os agricultores locais que se revoltaram, e um segundo prenúncio a 4 de Fevereiro, em Luanda, onde foram atacadas a Casa de Reclusão Militar, a Esquadra da Polícia Móvel e a Cadeia de S. Paulo. O dia 15 de Março de 1961, foi um dia de terror no Noroeste de Angola, entre a cidade de Luanda e a fronteira Norte da província com o antigo Congo Belga, que tinha obtido a sua independência no ano anterior (1960). Nesse dia foram atacadas de surpresa várias povoações e numerosas fazendas, onde se fazia a cultura do café, tendo sido barbaramente chacinados centenas de europeus e milhares de trabalhadores africanos, por africanos aliciados pelo movimento independentista União dos Povos de Angola (UPA), dirigido a partir de Leopoldeville (actual Kinshasa), por Holden Roberto, que tinha o apoio declarado de numerosos estados africanos recém-criados e as simpatias, ou apoio encapotado, dos Estados Unidos da América. Os massacres continuaram durante semanas, tendo morrido cerca de 800 europeus e 6000 africanos.
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O ataque generalizado de 15 de Março apanhou completamente de surpresa as autoridades portuguesas, bem como os fazendeiros e comerciantes que viviam dispersos pelas áreas atacadas, a designada área dos Dembos e uma área mais a Norte na zona da fronteira anteriormente mencionada. Ficaram para a história os nomes de muitas das povoações e fazendas atacadas das quais cito, a título de exemplo, Cuimba, Canda, Madimba, Quibala, Zala, Nambuangongo, Bessa Monteiro, Quitexe, Aldeia Viçosa e Vista Alegre. Houve uma povoação que se tornou um símbolo da resistência da população europeia no Norte de Angola, foi a povoação de Mucaba, composta por uma dúzia de casas e uma igreja. A resistência durou duas semanas, terminando com a população toda refugiada na igreja, sob a chefia de Herminio Sena, chefe de posto. Esses homens ficaram conhecidos para a história como os «Heróis de Mucaba». Angola estava impreparada para a guerra. Os efectivos militares da província resumiam-se a 1500 militares metropolitanos e 5000 militares africanos. Havia dois regimentos de Infantaria, em Luanda e Nova Lisboa (agora Huambo) e um grupo de Cavalaria em Silva Porto (agora Bié). Face à situação criada era urgente proceder à reocupação das povoações e fazendas atacadas pelos guerrilheiros, reafirmando a soberania nacional. Dada a vastidão das áreas a pacificar, a tarefa a executar era ciclópica e exigia o reforço maciço e urgente dos meios militares da província, o que não estava planeado pelo governo de então, chefiado por Oliveira Salazar. A Nação seguia com ansiedade as notícias que chegavam diariamente de Angola e esperava uma reacção enérgica do governo. Essa reacção acabou por chegar com a assunção da pasta da Defesa Nacional pelo próprio Oliveira Salazar, que explicou esse facto à Nação por meio de uma mensagem transmitida pela rádio e pela televisão no dia 13/4/1961, praticamente um mês após os ataques terroristas. A mensagem, curta e simples, foi a seguinte: «Se é precisa uma explicação para o facto de assumir a pasta da Defesa Nacional mesmo antes da remodelação do Governo que se verificará a seguir, a explicação pode concretizar-se numa palavra e essa é Angola.
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Pareceu que a concentração de poderes da Presidência do Conselho e da Defesa Nacional bem como a alteração de alguns altos postos noutros sectores das forças armadas facilitaria e abreviaria as providências necessárias para a defesa eficaz da província e a garantia da vida, do trabalho e do sossego das populações. Andar rapidamente e em força é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão. Como um só dia pode poupar sacrifícios e vidas, é necessário não desperdiçar desse dia uma só hora para que Portugal faça o esforço que lhe é exigido a fim de defender Angola e com ela a integridade da Nação». Foi com base neste discurso que surgiu a frase que ficou célebre «Para Angola, rapidamente e em força», que Salazar nunca terá proferido. A 21 de Abril segue para Angola no Paquete «Niassa» o primeiro grande contingente de tropas. A 1 de Maio esse contingente chega a Luanda, onde desfila na Avenida Marginal e é recebido apoteoticamente pela população local. Com os reforços de tropas chegadas é possível concretizar a reocupação do Norte da Província. A prioridade então estabelecida foi a da reocupação de Nambuangongo, povoação de difícil acesso na zona dos Dembos e que a UPA considerava como sendo o seu santuário inexpugnável. Para dificultar o acesso à povoação, a UPA destruiu pontões e pontes e cortou as picadas de acesso com numerosas valas e abatises (enormes árvores derrubadas atravessadas sobre as picadas), em zonas de mata muito densa que impediam a saída das viaturas das picadas.
A Bandeira Nacional hasteada na Igreja de Nambuangongo
Viaturas do Batalhão de Caçadores 96, em Nambuangongo
A operação planeada para reocupar Nambuangongo recebeu a designação de «Operação Viriato». A operação Viriato iniciou-se em 10 de Julho e desenrolou-se através da progressão de três unidades: dois Batalhões de Caçadores e um Esquadrão de Cavalaria, por três eixos de ataque convergentes sobre o objectivo Nambuangongo. As unidades empenhadas e os trajectos seguidos foram os seguintes: > Batalhão de Caçadores 96, sob o comando do Tenente Coronel Armando Maçanita, seguiu o eixo Santa Eulália- Nambuangongo. > Batalhão de Caçadores 114, sob o comando do Tenente Coronel Henrique de Oliveira Rodrigues, seguiu o eixo Caxito- Nambuangongo. > Esquadrão de Cavalaria 149, sob o comando do Capitão Rui Abrantes, seguiu o eixo AmbrizNambuangongo. As unidades empenhadas iniciaram as suas acções em datas diferentes, tendo os eixos a per-
correr extensões diversas, apresentando os seus percursos dificuldades bem distintas, em que se incluía obviamente a reacção do inimigo à progressão. Essa reacção incluía valas, abatises e destruições de pontes e pontões, bem como flagelações intensas pelo fogo das armas sobre as colunas em progressão. Como se referiu, a primeira unidade a chegar ao objectivo, em 9/8/1961, foi o Batalhão de Caçadores 96, do comando do Tenente Coronel Maçanita e onde se integrava o Alferes Santana Pereira, constituindo com o seu pelotão o escalão testa da coluna. A primeira grande dificuldade que esta coluna enfrentou foi a travessia do rio Dange que teve de ser feita através de jangadas construídas no local para o efeito, para o transporte de viaturas. Na remoção e transposição de obstáculos foi notável a acção do pelotão de sapadores de Engenharia comandado pelo Alferes Jardim Gonçalves (muitos anos mais tarde presidente do banco BCP). O Tenente Coronel Maçanita, faleceu em Portimão, sua terra natal, em 2005, com a idade de 88 anos. O Alferes Santana Pereira (8/1949) fez parte do numeroso curso de saída do Colégio em 1957, que terá sido um dos cursos que maior empenhamento teve na Guerra do Ultramar. Todos começaram a guerra em 1961 como alferes. Os oficiais do quadro fizeram em geral 3 a 4 comissões no Ultramar, a maioria das vezes directamente em actividade operacional. Alguns dos que foram oficiais milicianos chegaram a ser chamados duas vezes a cumprir o serviço militar. Após a guerra Santana Pereira prestou serviço no Colégio, onde foi comandante do Corpo de Alunos. Morreu prematuramente no posto de Tenente Coronel. É digno e justo recordá-lo e homenageá-lo.
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o passado dia 7 de Setembro de 2016, ocorreu no Colégio a cerimónia de imposição das graduações para o ano lectivo de 2016/2017. Foi a primeira cerimónia relativa a este ano, sendo presidida pelo Director do Colégio, Coronel Tirocinado de Artilharia José Domingos Sardinha Dias. A cerimónia decorreu nos Claustros, apresentando-se os Alunos a graduar em formatura, em farda de serviço interno, muito conveniente naquele dia, dada a alta temperatura atmosférica reinante. A assistência ao acto era composta, essencialmente, por oficiais, professores e outro pessoal em serviço no Colégio, pelas famílias dos Alunos a graduar e por Antigos Alunos, a grande maioria graduados do ano lectivo anterior, que vinham ver quem eram os seus sucessores nas funções por si anteriormente desempenhadas. A cerimónia iniciou-se com uma alocução do Director aos Alunos a graduar, em que focou a responsabilidade e os deveres inerentes às funções que lhes iam ser cometidas. Terminada a alocução foi indicado que as graduações a atribuir estavam de acordo com o publicado na Ordem de Serviço do dia anterior, seguindo-se a sua imposição.
Foram graduados um total de 46 Alunos, sendo 42 do 12º ano, em que se incluíam 12 Alunas, e 4 do 11º ano. Todos os Alunos e Alunas do 12ºano são internos, pelo que todos foram graduados, não havendo, como houve no ano lectivo passado, Alunas externas que ficaram «furriéis». Este facto é a meu ver muito positivo, para a coesão do curso e para o próprio Batalhão. Como é habitual a imposição das graduações começou pelo Comandante de Batalhão, que recebeu a primeira salva de palmas da manhã. Á medida que os Alunos eram chamados, vinham à frente, para receber as suas graduações, sendo esse trajecto e o seu inverso feito em passo de corrida, à moda dos fuzileiros, com o corpo inclinado para a frente e dando uma «patada» no chão, de quatro em quatro passos, para marcar a cadência da corrida. Surpreendeu-me este procedimento, que segundo me informaram, foi iniciado no Colégio há uns anos atrás. «Modernices», dirão os velhos como eu. «Tradição», dirão os actuais Alunos. Como todas as tradições terão tido algum dia o seu início, esta poderá vir a ser mais uma. Pessoalmente gostaria que os Alunos marchassem, em vez de correrem. Acho que seria mais estético e que daria outra sole-
nidade à cerimónia. A corrida, a meu ver, pode dar ideia que há urgência em despachar uma cerimónia, que para os Alunos nela envolvidos é do maior significado. Devo porém admitir que o actual procedimento é bem mais digno do que aquele que vivi no meu ano de finalista. Nesse ano, como era então usual, não havia qualquer cerimónia pública. Os Alunos finalistas entravam para a Sala de Armas, juntamente com a Direcção e os oficiais do Corpo de Alunos, sendo-lhes impostas as graduações, praticamente sem qualquer cerimonial. Na altura as graduações eram impostas de surpresa, sem que nós tivéssemos qualquer conhecimento prévio das mesmas e sem que soubéssemos quais teriam sido os critérios que teriam presidido à sua distribuição, a menos da atribuição da graduação de Comandante de Batalhão, que era obrigatoriamente atribuída ao melhor Aluno do Curso em termos de aplicação literária, podendo ser mais ou menos «nabo» nas «práticas». Não foi o caso do meu curso, em que o Comandante de Batalhão exibia no seu peito várias medalhas de «práticas», num tempo em que a sua atribuição era muito parcimoniosa. O anúncio das graduações era como a abertura de uma caixinha de
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©Foto Sérgio Garcia (326/1985)
surpresas. Actualmente os Alunos são avisados, previamente à cerimónia, sobre as graduações que irão ser atribuídas e têm uma palavra a dizer sobre as mesmas, dando eles próprios a sua opinião. No meu tempo, há 55 anos atrás, sugeri que assim fosse feito. Fui olhado de lado e considerado um elemento de fiabilidade duvidosa, a dar para o subversivo, por pôr em causa a capacidade dos senhores Oficiais para encontrarem, por si só, a solução mais adequada, justa e de acordo com os superiores interesses do Colégio. Eram os tempos que então se viviam. Voltando ao presente e à cerimónia agora vivida, notei os seguintes factos: > A função de Porta Guião foi este ano atribuída a uma Aluna, graduada como é habitual com duas estrelas. > Houve mais Alunas graduadas com duas estrelas, como comandantes de pelotão. No ano passado só houve Alunas graduadas com uma estrela, ou seja, «sorjas». > Foi atribuída a graduação de Ajudante de Comandante de Batalhão, o que já não acontecia há uns anos largos. Regozijei-me com este último facto, por dois motivos: por eu próprio ter tido esta graduação e por o Comandante de Batalhão deixar de andar sozinho, «despernado», sem ninguém que o pudesse auxiliar ou transmitir qualquer ordem que quisesse dar a terceiros.
Tirando o caso do Aluno Comandante de Batalhão, os Alunos foram chamados por grupos, começando pelos Comandantes de Companhia e acabando nos Comandantes de Secção. Antes de voltarem aos seus lugares na formatura, os Alunos acabados de graduar eram rodeados pelos seus familiares e amigos, que os felicitavam efusivamente. Este foi quanto a mim, o ponto fraco da cerimónia. Há pessoas que não têm a mais pequena ideia de como se ataviarem para uma cerimónia militar. Não sei se foi pelo facto de ainda ser Verão e de estar calor, havia gente que estava ataviada como se dali seguisse directamente para a praia. Viu-se de tudo, desde um homem de calção vermelho a dar para o cor-de-rosa, com uma bainha inferior em xadrez de padrão vermelho e azul, outro homem de casaco pelas costas, homens com a fralda da camisa por fora das calças, um rapaz de boné enfiado na cabeça e de ténis brancos, até uma menina com um fato de treino do Colégio e ténis cor de rosa. Será que era uma Aluna que considerava tal vestimenta adequada, por ainda estar de férias, ou seria a mana de um Aluno, a quem pediu o fato de treino emprestado? Sugiro que a Direcção da Associação de Pais e Encarregados de Educação tome qualquer acção discreta e pedagógica neste aspecto, para não se ter de elaborar algo do tipo «Manual de vestimenta adequada às cerimónias militares» para uso dos familiares dos Alunos e respectivos convidados. Concluída a imposição das graduações, seguiu-se um acto que eu desconhecia existir, do género de juramento de bandeira da tropa, o designado
«Compromisso de Honra do Aluno Graduado». Tal como num juramento de bandeira, os Alunos repetiram em uníssono o texto do compromisso que lhes foi lido e que reza assim: “Assumo, com perfeita consciência e sentido das responsabilidades, as funções de graduado que me são confiadas, comprometendo-me a exercê-las no respeito por mim próprio e pelos outros com inteira lealdade e de forma digna, honrando o Colégio Militar.” Foi um momento importante e em boa hora criado, para lembrar bem aos graduados que não podem exercer a seu bel-prazer e sem quaisquer restrições a autoridade em que foram investidos, devendo comandar pelo exemplo, que lhes dá o ascendente moral para exigirem que os outros os sigam. Tive no meu tempo um ou outro graduado déspota, a quem teria feito bem a leitura, interpretação e meditação sobre o código de honra agora em vigor. De seguida deu-se o encerramento da cerimónia, tendo o novo Comandante de Batalhão dado ordem de destroçar à formatura, ao que se seguiu um vibrante Zacatraz pelo Colégio, em que os novos graduados foram secundados pelos Alunos e Antigos Alunos ali presentes. Tudo terminou com um almoço, para o qual a Direcção do Colégio convidou todos os presentes. Tenho de confessar que gostei da cerimónia, com excepção daquele ponto fraco referido, a que o Colégio é alheio. Sinal dos tempos.
Director Cessante do Colégio Coronel Tirocinado de Artilharia José Domingos Sardinha Dias
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Director Cessante do Colégio
José Domingos Sardinha Dias Coronel Tirocinado de Artilharia
empenhada como se evidenciou na defesa desta Instituição que comandou com zelo, brilho e elevada competência. O Director cessante será sempre lembrado como um Amigo do Colégio Militar, que continuadamente o serviu bem e na perspectiva do seu engrandecimento, mesmo em detrimento dos seus interesses pessoais. A carreira militar do Coronel Sardinha Dias é reveladora do seu mérito, confirmado pelos inúmeros louvores e condecorações que lhe foram outorgadas.
16 de Novembro de 2016 cessou as funções de Director do Colégio Militar, o Senhor Coronel Tirocinado de Artilharia José Domingos Sardinha Dias.
A
Neste âmbito, destacamos na sua personalidade a matriz de valores e a dignidade com que a todo o momento assumiu a defesa do Colégio Militar e do seu Projecto Educativo.
Embora o seu exercício tenha durado pouco mais de um ano, é inegável que foi tempo suficiente para deixar um cunho muito positivo pela forma e competência como desempenhou as funções de Director do Colégio Militar.
De tracto afável e sempre muito determinado nas suas convicções, o Coronel Sardinha Dias deixa marca. Não sendo Antigo Aluno, entranhou exemplarmente o espírito que emana dos seculares Claustros, o que se demonstra pela forma tão intensamente
Estará sempre entre nós, no seio da Família Colegial a que pertence e muito dignifica. O Director e o Corpo Redactorial da revista ZacatraZ cumprimentam o Senhor Coronel Tirocinado de Artilharia José Domingos Sardinha Dias, desejando-lhe a maior felicidade na companhia dos seus Familiares, com a concretização de todos os seus objectivos na continuação do percurso de vida que abraçou.
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Novo Director do Colégio Coronel António Emídio da Silva Salgueiro (461/1972)
Novo Director do Colégio
António Emídio da Silva Salgueiro (461/1972)
Coronel de Artilharia
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Coronel de Artilharia António Emídio da Silva Salgueiro nasceu em Montemor-o-Novo, a 10 de Novembro de 1962 e, em 1972, foi admitido no Colégio com o número 461. Na Academia Militar concluiu a Licenciatura em Ciências Militares, após o que passou a integrar o Quadro Permanente da Arma de Artilharia. A sua promoção ao actual posto teve lugar a 13 de Abril de 2006. Colocado em Outubro de 1984 na Escola Prática de Artilharia desempenhou funções de Instrutor e Comandante de Pelotão no Grupo de Instrução. Entre 1985 e 1991 desempenhou funções de Instrutor de Educação Física, Comandante de Pelotão e de Companhia de Instrução, Comandante de
Companhia de Alunos e Chefe do Gabinete Coordenador do Ensino e da Instrução no 1º Batalhão de Alunos na Academia Militar. Em 1991 e 1992 frequentou o Curso de Promoção a Oficial Superior, tendo sido posteriormente colocado no Regimento de Artilharia de Lisboa onde exerceu funções de Comandante do Grupo de Instrução e Chefe da Secção de Instrução. Entre 1993 e 1995, foi Adjunto do Chefe do Grupo Disciplinar de Preparação e Treino Militar, Chefe do Gabinete de Apoio à Instrução e Director de Curso do Exército do 1º Ano de Formação Geral Comum na Academia Militar. De 1996 a 2006 desempenhou funções na Região Militar do Sul (RMS), tendo sido Comandante da Unidade de Apoio do Quartel-General, Comandante do Grupo de Instrução da Escola Prática de Artilharia, Subchefe e Chefe do Estado-Maior Interino no Comando da RMS, 2º Comandante da Escola Prática de Artilharia e Chefe de Gabinete do Tenente-General Comandante, cargo que desempenhou até à extinção da RMS em Julho de 2006. Em 15 de Julho de 2006, assumiu as funções de Chefe de Gabinete do Tenente-General Comandante da Instrução e Doutrina e, em 6 de Junho de 2007, as de Chefe do Estado-Maior do Comando da Instrução e Doutrina, em exercício de funções, cargo para o qual foi formalmente nomeado em 25 de Julho de 2007. Colocado no Comando das Forças Terrestres em 16 de Agosto de 2010 foi indigitado para Comandante do 1º Contingente Nacional – Força Nacional Destacada para o Teatro do Afeganistão, cuja missão neste Teatro de Operações (TO) decorreu de 17 de Outubro de 2010 a 17 de Abril de 2011. Em 11 de
Julho de 2011 assumiu o cargo de Chefe do Estado-Maior do Comando das Forças Terrestres, cargo que desempenhou até 23 de Novembro de 2012. De Janeiro de 2013 a Julho de 2016 desempenhou o cargo de Adido de Defesa junto da Embaixada de Portugal em Brasília, acumulando idênticas funções em Buenos Aires, Santiago do Chile e Montevideu. Da sua folha de serviços constam treze louvores concedidos, um pelo General Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, dois pelo General Chefe do Estado-Maior do Exército e os restantes por oficiais Generais e outras Entidades Militares. Possui as seguintes condecorações: Ordem Militar de Avis – Grande Oficial, duas Medalhas de Serviços Distintos Grau Prata, Medalhas de Mérito Militar de 1ª e 2ª Classes, duas Medalhas D. Afonso Henriques, Patrono do Exército, 1ª Classe e uma de 2ª Classe, Medalha Comemorativa de Comissão de Serviços Especiais das Forças Armadas, Medalha NATO ISAF, Medalha de Comportamento Exemplar Grau Ouro, Medalha do Pacificador do Exército Brasileiro e Medalha Mérito Santos-Dumont da Força Aérea Brasileira. O Director e o Corpo Redactorial da ZacatraZ cumprimentam o novo Director do Colégio Militar, o nosso Camarada Antigo Aluno Coronel de Artilharia António Emídio da Silva Salgueiro, felicitando-o pela honrosa missão em que foi investido que será, seguramente, desempenhada com o maior sucesso na defesa dos superiores interesses desta Instituição multi-secular, dos seus Alunos, dos seus leais Servidores e de toda a Família Colegial.
Novo Subdirector do Colégio Tenente-Coronel Rui Miguel de Sousa Ribeiro Rebordão de Brito (1/1982)
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Novo Subdirector do Colégio
Rui Miguel de Sousa Ribeiro Rebordão de Brito (1/1982)
Tenente-Coronel de Cavalaria
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asceu em Lisboa, ingressou no Colégio em 1982, donde seguiu para a Academia Militar em 1990 e foi promovido ao actual posto em Janeiro de 2015. Da sua formação destacam-se os seguintes cursos: - Mestrado em Ciências Militares, Ramo Cavalaria, da Academia Militar (1990 a 1995); - Curso de Operações Irregulares, do Centro de Instrução de Operações Especiais (1995); - Curso de Estado-Maior Exército e Curso de Estado-Maior Conjunto, do Instituto de Estudos Superiores Militares (2007 a 2009); - Pós-Graduação em Estudos da Paz e da Guerra, da Universidade Autónoma de Lisboa (2002);
- Mestrado em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais, da Universidade Autónoma de Lisboa, subordinado ao tema “As implicações estratégicas do crescimento chinês na região Ásia-Pacífico”, tendo obtido o grau de Mestre (2010). Ao longo da sua carreira militar prestou serviço nas seguintes unidades: - No Regimento de Lanceiros 2, como Comandante de Pelotão de Instrução, de Pelotão de Polícia do Exército, de Esquadrão de Polícia do Exército, Companhia de Polícia Militar da NRF9 e Oficial Coordenador da Área Informática (1995 a 2006); - Na Academia Militar, como Professor da Cadeira de Táctica de Cavalaria (2001 a 2002); - Na Escola Prática de Cavalaria, como Comandante do Esquadrão de Comando, Chefe da Subsecção de Avaliação, Director do Curso de Formação de Sargentos e Oficial Coordenador da Área Informática (2002 a 2004); - No Colégio Militar, como Comandante da 1ª Companhia de Alunos (2004 a 2006); - No CFT, como Adjunto da Repartição de Planos (2009 a 2012); - Na Presidência da República, como Ajudante de Campo de S. Exa. o Presidente da República (2012 a 2016). Integrou as seguintes missões nas Forças Nacionais Destacadas e no âmbito da Cooperação Técnico-Militar: - Na Allied Mobile Force – Land (AMF-L), da NATO, como Comandante de Pelotão de Polícia Militar (1996); - Na Stabilization Force II (SFORII), da NATO, como Comandante de Pelotão de Polícia do Exército e
Oficial de Preboste do Agrupamento ALFA (1998); - Na República de Cabo Verde, como Chefe da Assessoria de Polícia Militar (2004 a 2005); - Na International Security and Assistance Force (ISAF), da NATO, no AFEGANISTÃO, como Oficial de Operações da Operational, Mentoring and Liaison Team (OMLT) da KABUL Capital Divison (2010). Da sua folha de serviços constam 10 louvores e foi agraciado com as seguintes condecorações: Comendador da Ordem Militar de Avis, Medalha de Mérito Militar - 2ª Classe, Medalha de Mérito Militar - 3ª Classe, Medalha da Cruz de S. Jorge 2ª Classe; Medalha Afonso Henriques - 2ª Classe, Medalha Comportamento Exemplar - Grau Prata, Medalhas Comemorativas das Comissões de Serviços Especiais das Forças Armadas – BiH1998, Cabo Verde 2005 e Afeganistão 2010, Medalhas NATO Ex-Jugoslávia e Afeganistão. Ao nosso Camarada Antigo Aluno desejamos os maiores êxitos na complexa e difícil missão em que foi investido, concretizando todos os objectivos de engrandecimento e defesa do nosso Colégio e, bem assim, as metas pessoais no percurso da sua Carreira Militar.
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Novo Comandante do Corpo de Alunos Tenente-Coronel Sérgio Nuno Silveira Castanho
Novo Comandante do Corpo de Alunos
Sérgio Nuno Silveira Castanho Tenente-Coronel de Infantaria Comando
N
asceu em Lisboa, ingressou na Academia Militar em 1991 e foi promovido ao actual posto em Janeiro de 2016. Da sua formação destacam-se os seguintes cursos: Licenciatura em Ciências Militares, Ramo Infantaria, da Academia Militar (1991 a 1996); - Curso de Comandos, do Centro de Instrução de Operações Especiais (1996); - Curso de Operações Irregulares, do Centro de Instrução de Operações Especiais (1997); - Curso de Combate em Áreas Edificadas (1998); - Curso Avançado de Combate em Áreas Edificadas e Curso Avançado de Operações de Apoio à Paz (2005); - Curso de Informação Cartográfica, Curso de Cartografia Digital e Curso de PCMAP (2006);
- Curso de Operador de Prevenção de Alcoolismo e Toxicodependência, (2012); - Curso Nato “Lessons Learned Staff Officer”, em 2013. Ao longo da sua carreira militar prestou serviço nas seguintes unidades: - No Regimento de Infantaria Nº2, como Comandante de Pelotão de Instrução, de 1997 a 1998; - No 1º Batalhão de Infantaria Mecanizado, como Comandante de Pelotão de Atiradores; de 1998 a 1999; - Na Academia Militar, como Instrutor e 2º Comandante da 2ª Companhia de Alunos, de 1999 a 2000; - No Regimento de Infantaria Nº1, como Comandante da Companhia de Comando e Serviços, Instrutor dos Cursos de Comandos, Comandante da 2ª Companhia de Comandos e Chefe da Secção de Logística, de 2000 a 2006; - No Instituto Geográfico do Exército, como Chefe da Secção de Gestão da Informação, Chefe da Secção de Operações, Chefe da Secção de Pessoal, Comandante da Unidade de Apoio Geográfico e Oficial Geógrafo do Núcleo Permanente do Estado Maior da Força de Reacção Imediata, de 2006 a 2012; - Na Escola Prática de Infantaria, como Chefe da Secção de Programação Avaliação e Estudos Técnicos, Director do Curso de Promoção a Capitão das Armas e Serviços, Director do Curso de Promoção a Sargento-Ajudante de Infantaria, Comandante do Batalhão de Formação Militar Geral e Membro da Comissão Instaladora da Escola das Armas, de 2012 a 2013;
- Na Escola das Armas, como Oficial Adjunto do Departamento de Planeamento e Programação, de 2013 a 2014; - No Colégio Militar, como 2º Comandante do Corpo de Alunos, de 2014 a 2016 e como Comandante do Corpo de Alunos desde 29 de Setembro de 2016. Integrou as seguintes missões nas Forças Nacionais Destacadas e no âmbito da Cooperação Técnico-Militar: - Na Stabilization Force II (SFORII), da NATO, como Comandante de Pelotão de Atiradores do 3º Batalhão de Infantaria Motorizado (1999); - Na República de CABO VERDE, Director Técnico do Projecto Nº2 - ESCOLA MILITAR (2013 a 2014). Da sua folha de serviços constam 9 louvores e foi agraciado com as seguintes condecorações: Medalha de Mérito Militar, 2ª Classe; Medalha D. Afonso Henriques, 2ª Classe; Medalha Comportamento Exemplar, Grau Prata; Medalhas Comemorativas das Comissões de Serviços Especiais das Forças Armadas – BiH1999; Medalhas NATO Bósnia e Herzegovina. Ao Senhor Comandante do Corpo de Alunos desejamos os maiores sucessos na delicada e difícil missão que vai desempenhar, concretizando todos os objectivos do melhor enquadramento dos Alunos do Colégio e, ao mesmo tempo, com os maiores êxitos no percurso da sua Carreira Militar.
O Tambor Júlio Dantas (114/1887)
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Luís Filipe Ribeiro Ferreira Barbosa 71/1957
O Tambor
Júlio Dantas (114/1887)
A
o escrever o artigo «A Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão», publicado no nº 204, de Julho/Setembro de 2016, da ZacatraZ, lembrei-me de um belo conto relacionado com a Legião Portuguesa, que li na minha adolescência, nos meus tempos no Colégio. O conto intitulava-se «O Tambor», era da autoria de Júlio Dantas, o 114 de 1887, escritor de renome da primeira metade do século passado, e fazia parte do seu livro «Pátria Portuguesa». Júlio Dantas tinha uma personalidade multifacetada, foi médico, escritor, dramaturgo, diplomata e político (quatro vezes ministro), tendo sido Presidente da Academia de Ciências. A sua obra mais conhecida terá sido a peça teatral «A Ceia dos Cardeais», que era incluída nas Selectas Literárias adoptadas na cadeira de Português do ensino liceal e que foi levada á cena no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, por ocasião do 150º aniversário do Colégio, em 3 de Março de 1953, sendo o elenco de actores formado exclusivamente por Antigos Alunos. «O Tambor» ficou-me a rufar na cabeça e não descansei enquanto não encontrei um exemplar da «Pátria Portuguesa» num alfarrabista. Comprei-o de imediato e deliciei-me a reler o conto, cujo título retivera, todos estes anos, na memória. O conto tem como personagem principal um ferrador ribatejano, cujo filho, um rapazito de 14 anos, partira com a Legião Portuguesa para Fran-
ça, sem conhecimento do pai. Deixo no entanto ao próprio Júlio Dantas, com a sua primorosa pena, a apresentação desta mesma personagem. «Mestre Brás, homem às direitas, ribatejano duro, achamboirado, braceiro, quadrado de ombros e aberto de coração, era, por volta de 1814, o ferrador de Manique do Intendente. Seis anos antes, não havia ainda, por todo esse Ribatejo, maior alegria, viola mais viçosa e mais bem sapateado fandango. Mas depois que o filho – o único filho que tinha – lhe abalara certa noite da terra, pela calada, sem um trouxo de roupa ou a cruz de uma bênção, para seguir, com um tambor às costas, a leva de tropas que ia a caminho de França – mestre Brás nunca mais foi o mesmo homem, deu em entristecer com se trouxesse a morte consigo, e enquanto a forja ardia, enquanto os cornozelos de ferro se atarracavam na bigorna e os cascos chamuscados das bestas fumegavam, levava ele as tardes à porta da loja, sentado num banco sem dar palavra, alheado, esquecido, um ferragoulo de saragoça pelos ombros, a cabeça ferrada ao peito, um perdigueiro velho a lamber-lhe as mãos.» Desde que seu filho partira, mestre Brás só tinha recebido três cartas dele, assim descritas pelo autor:
«Uma de Burgos, escrita em marcha, pedindo perdão, dizendo que estivera para desertar, ralado de saudades; outra de Baiona, doido de alegria, contando que vira o Imperador montado num cavalo branco, seguido de generais cobertos de oiro, a passar revista, a galope, às tropas portuguesas; a última, datada de 4 de Julho de 1809, precisamente das vésperas de Wagram, escrita à noite, no bivaque, à luz das fogueiras, sobre a pele do tambor, pedindo a bênção ao pai e dizendo-lhe que o seu regimento, ao amanhecer, entrava em fogo.»
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As três cartas foram-lhe lidas e relidas por uma sobrinha sua. Á força de as ouvir repetidas, vezes sem conta, já as sabia de cor. A estas três cartas seguiu-se o mais completo silêncio e mestre Brás deu em cismar que o seu filho poderia ter morrido. Quando Portugal foi invadido pelo exército de Massena, mestre Brás ainda teve a esperança de que o seu filho viesse com ele. Depressa essa esperança se desvaneceu, quando soube que apenas um pequeno número de oficiais portugueses viera nesse exército. Mestre Brás desanimou por completo e deixou de trabalhar. Segundo o autor, «Levava as tardes à porta, com o perdigueiro, dormitando, e as manhãs fechado no sobrado, em cima, atirado sobre um baú, a arquejar de soluços, a repetir de cor, como uma oração, as três cartas do filho. Amor de pai, - que tudo o mais é ar! Um dia, quando lhe levava o almoço, a sobrinha espreitou à porta; viu-o sentado na cama, com um corno de pólvora ao pé, carregando de quartos e fazendo a escorva a uma escopeta velha; entrou na alcova assustada, a gritar, mestre Brás afagou-a, meteu a arma ao canto de um armário e avisou, tranquilo: No dia em que me disserem que o meu filho morreu, despejo aquela clavina na cabeça!» Quando em Abril de 1814, se soube em Portugal que Napoleão abdicara e que os homens da Legião Portuguesa voltariam a Portugal, mestre Brás ganhou nova alma e preparou-se para a chegada do seu filho. Até que uma bela manhã, entrou na loja um homem desempenado, com um capote cobrindo os restos de uma farda parda de sargento, que perguntou por mestre Brás. Disseram-lhe que estava em cima, na sua casa, ao que ele retorquiu «Digam-lhe que está aqui o Miguel, da Azambuja, que chegou de França e lhe traz notícias do filho». Os moços da oficina ficaram em suspenso e contaram-lhe a jura que mestre Brás tinha feito de rebentar com os miolos se soubesse da morte do filho, ao que o Miguel retorquiu «Não tem dúvida, deixem-no comigo». Subiu o Miguel ao andar superior da casa e aí se fechou com mestre Brás, para poderem falar à vontade. Miguel contou então «como lhe vira o filho em Salamanca, marchando, de tambor às costas, batido do sol quente de
Espanha, á frente do 3 de Infantaria», contou «o baptismo de fogo de Saragoça, em que o pequeno tambor, os cabelos ao vento, a boca negra de morder cartuxos, agarrado a uma espingarda maior do que ele, aguentara a fuzilaria, sorrindo.» Mestre Brás ouvia atónito, chorando e rindo, e Miguel continuou «Vocemecê sabe lá, desde a Espanha até esse fim do mundo da Rússia, como a gente se cobriu de glória! Quando era preciso marchar e morrer,- lá iam à frente os portugueses! Negros , alegres, ardidos do sol, com as barretinas chapeadas de cobre, as baionetas adiante dos olhos, faiscando nas cargas, - quantas vezes nós nos atirámos para a morte a cantar as cantigas da nossa terra! E o Imperador – juro-lhe mestre Brás por estas três divisas! – já não via outra coisa senão os portugueses! «Quem são aqueles carvoeiros que se batem como leões?» - perguntou ele em Wagram. E quando lhe disseram que era a legião, que eramos nós, o Imperador empinou-se nos estribos e gritou aos marechais: - Que on me ménage
les portugais! – Poupem-me os portugueses, que são os melhores soldados do mundo!». Mestre Brás perguntou então «Estava lá também o meu filho?», ao que Miguel retorquiu «Estávamos todos mestre Brás. A gente não largava o Imperador, nem ele a nós». Miguel contou de seguida «as cargas gloriosas de Ebersdorf, faulhantes de baionetas portuguesas; os horrores da retirada da Rússia, marcha interminável de farrapos, entre gelos eternos e aldeias devastadas; o frio, a fome, os cossacos, os olhos vermelhos de oftalmias, os festins de cavalos mortos, as revoadas negras de corvos crocitando sobre a neve branca; mostrava-lhe, voltado para o sol que entrava de chapada pelo quarto, as cicatrizes que lhe cortavam o peito e a cara, uma sabrada em Wagram, uma baionetada em Smolensk, uma bala em Saragoça – as divisas e o bastão de sargento em Moscovo. - Só me faltou morrer, mestre Brás, para ser feliz!» A descrição da odisseia das campanhas prossegue no conto, que termina deste modo:
O Tambor Júlio Dantas (114/1887)
«Miguel contou como um pequeno tambor da meia brigada do bravo coronel Pégo se tinha coberto de glória na véspera de Wagram. O corpo de exército do duque de Reggio, onde estava incorporada a legião portuguesa, passara o Danúbio em pontes de barcos, debaixo de um céu negro de tempestade. A trovoada rugia; a artilharia atroava; pesadas cordas de água fustigavam, chicoteavam, assobiavam nos penachos vermelhos dos kaulbachs da guarda, nos schakos enormes chapeados de cobre, nas baionetas que se alinhavam, lampejando em colunas de batalhão, sobre as massas escuras dos capotes… ... O Imperador, rodeado do seu estado-maior, expedia ordens. Soavam clarins; tilintavam sabres nos estribos. De repente, já ante-manhã, das alturas de Rutzendorf, duas baterias austríacas, de emboscada, apoiadas nas tropas do arquiduque Carlos, romperam fogo. Napoleão mandou a divisão de Oudinot desalojá-los e tomar a posição à baioneta. Mas o fogo da metralha, estoirando, abriu clareiras de sangue, varreu pelotões inteiros; as tropas do duque de Reggio, colunas espantadas de galuchos, fugiram, como pardais, - e os três Batalhões portugueses, que ocupavam a retaguarda, pardos, compactos, serenos, encontraram-se frente a frente do inimigo. O fogo das baterias recrudesceu; clarões de inferno, coroando as cristas da posição, vomitavam metralha; quebrado o primeiro ímpeto, os batalhões, esfrangalhados, unidos ainda pela bravura do coronel Pégo e do valentíssimo Stwart, que os animavam, que lhes gritavam, que os sacudiam: - «Para a frente! Para a frente!», - recusavam-se já a marchar, iam dispersar-se, fugir. Então, o tenente-coronel Baltazar Ferreira Sarmento, erguido sobre o cavalo, a espada no ar, apontou aos soldados estupefactos um pequeno tambor da legião, que indiferente ao perigo, os cabelos ao vento, o peito às balas, enorme na sua bravura, avançava sozinho montanha acima, batendo a carga. Atrás daquela criança, que era um herói, os batalhões, negros de pólvora, unidos como um só homem, caíram à baioneta sobre os austríacos, rugindo, uivando, cantando. Estava tomada a posição. Dali a pouco, no campo, perante o cadáver do pequeno tambor caído de bruços e crivado de metralha, o coronel Pégo, com as lágrimas nos olhos, contava a Napoleão e aos marechais como aquele pequeno de catorze anos conduzira à vitória os batalhões por-
tugueses. Os soldados choravam. O sol rompia o nevoeiro da manhã. E enquanto Oudinot comovido, cobria com a sua capa cinzenta de marechal o corpo mutilado, Napoleão, tirando do peito a sua própria cruz da Legião de Honra, deixou-a cair sobre o cadáver do pequeno tambor. Foi então – continuou Miguel- que eu avancei, negro de sangue e de pólvora, e disse ao Imperador: - «Sire, conheço o pai deste rapaz; deixe-me levar-lhe a cruz, em vez de o enterrar com ela!» E diante do velho ferrador, que tremia e chorava em silêncio, Miguel levantou-se do banco de castanho, descobriu-se, tirou da algibeira do capote uma pequena cruz de oiro presa a uma fita vermelha, e disse, entregando-lha solenemente: -Aqui tem mestre Brás a Legião de Honra que o seu filho ganhou. Daí por diante o velho ferrador de Manique nunca mais pensou em mudar a escorva à escopeta, e só pedia a Deus que lhe desse vida para poder contar a toda a gente a glória do filho.» Era esta a prosa magnifica de Júlio Dantas. Quis o destino, que fosse eu o aluno que foi nomeado para chefiar a representação do Colégio no funeral de Júlio Dantas, em Maio de 1962, quando eu desempenhava funções de Comandante do Batalhão Colegial. Para que todos saibam quem foi Júlio Dantas apresentamos a seguir a este artigo, a sua biografia, tal como consta do livro «O Colégio Militar na Toponímia Portuguesa» do historiador do nosso Colégio José Alberto da Costa Matos (96/1950). Não posso terminar este artigo, sem apresentar o pequeno texto que Júlio Dantas escreveu, num dos seus livros, para caracterizar o «seu» e «nosso» Colégio. Esse pequeno texto tinha o título «Escola de Homens» e foi publicado no seu livro «Páginas de Memórias». Era o seguinte o seu teor: «Os rapazes do Colégio Militar podiam não aprender a ter juízo, mas todos aprendiam a não ter medo. Para a formação da nossa personalidade concorria, não só o que nos ensinavam os mestres, mas o que nós ensinávamos uns aos outros, a lição do aprumo, da dignidade, da obrigação, da solidariedade moral, da disciplina sem subserviência, da cortesia sem bajulação. Por isso o Colégio da Luz, apesar dos defeitos e das carências que no meu tempo o caracterizavam, foi sempre
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uma escola de «homens», que entravam na vida de cabeça levantada, servindo o desinteresse, falando com desassombro e quando era preciso lutando com intrepidez». Proponho que este texto extraordinário, caído no esquecimento, seja afixado no Museu Colegial, a par do texto de Ramalho Ortigão, que já aí se encontra, relativo à primeira apresentação do Colégio em paradas militares. Se os Alunos gravarem nas suas mentes as palavras de Júlio Dantas, já lhes valeu a pena terem frequentado o Colégio. Biografia de Júlio Dantas (114/1887) que consta no livro “O Colégio Militar na toponímia portuguesa”, da autoria de José Alberto da Costa Matos (96/1950): “Nasceu em Lagos a 19 de Maio de 1876, filho do escritor Casimiro Augusto Vanez Dantas e de Maria Augusta Pereira de Eça. Foi aluno do Colégio Militar, tendo sido admitido em 1887 com o n.º 114. Em 1891, completou o respectivo curso, durante o qual foi distinguido com as medalhas de prata do 2.º ano de Francês, do 3.º ano de Desenho e de Comportamento Exemplar, sendo também graduado em comandante de Esquadra no ano lectivo de 1890-91, ascendendo neste último ano a comandante de Secção. Por serem necessárias para o curso que escolhera, deixou o Colégio em 1891 para fazer as cadeiras de grego e alemão no Liceu de Lisboa. Frequentou depois os preparatórios na Escola Politécnica e, de seguida, a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa onde, em 1899, completou a licenciatura em Medicina. No ano seguinte fez as provas do chamado Acto Grande, defendendo a tese “Pintores e Poetas de Rilhafoles”, que tratava das manifestações artísticas dos loucos. Em 1902 foi requisitado como médico para o Exército, ingressando como alferes no Corpo de Médicos Militares. Seria promovido a tenente no ano seguinte. Em Novembro de 1910 foi colocado na Guarda Republicana e, em 1924, por o ter requerido, é desligado das suas obrigações militares como capitão médico na reforma. Refira-se que Júlio Dantas nunca tez clínica privada, exercendo apenas nos hospitais e no exercício de funções militares.
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Em 1906 exerceu o cargo de Comissário do Governo junto do Teatro de D. Maria II. Dois anos depois, em 1908, foi eleito sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa e, em 1913, seu sócio efectivo. O seu prestígio impunha-se de tal modo que, em 1921, foi eleito presidente da classe de Letras e, no ano seguinte, presidente da Academia, cargo este para que seria várias vezes reeleito. Em 20 de Outubro de 1932 foi mesmo eleito sócio de Mérito da Academia. Era também membro da Academia Espanhola, da Academia de História de Madrid e membro honorário e “colegial berçário” do Colégio de Santo Ildefonso da Universidade de Alcalá de Henares. Em 1909, mediante concurso de provas públicas, assumiu as funções de professor e director da Secção Dramática do Conservatório e, por decreto de Junho de 1912, o de Inspector das Bibliotecas Eruditas e Arquivos, vindo também a ser Inspector do Conservatório Nacional. Foi parlamentar em quatro legislaturas: a primeira em 1905, como deputado eleito pelo círculo de Coimbra; em 1918, como senador pelas Belas Artes; e em 1921 e 1926, como senador pelo distrito de Leiria. Presidiu ao Directório do Partido Nacionalista, tendo sido seu líder no Senado. Em Fevereiro de 1914 recebeu o primeiro convite para fazer parte de um governo da República, na circunstância o que foi presidido por
Bernardino Machado. Júlio Dantas, porém, declinou o convite por entender não possuir preparação para exercer a pasta que lhe era proposta: a dos Negócios Estrangeiros. Na fase final da 1.ª Grande Guerra foi nomeado para proceder à organização técnica e à instalação provisória do Museu Português da Grande Guerra, vindo a ser louvado pelo Secretário de Estado da Guerra, pelo trabalho produzido. Por quatro vezes desempenhou funções ministeriais: duas em 1920, sobraçando a pasta de Instrução Pública (primeiro no governo de António Granjo e depois no de Álvaro de Castro, antigo aluno do Colégio Militar): outras duas, em 1921 e 1923, como titular da pasta dos Negócios Estrangeiros (nos governos de Cunha Leal e de Ginestal Machado). No exercício da sua acção como diplomata destacam-se: a missão ao Brasil, em 1923 e, em 1926, a missão a Londres para liquidação das dívidas de guerra à Grã-Bretanha.. A partir de 1934 passou a fazer parte da Comissão de Cooperação Intelectual da Sociedade das Nações e, desde 1936, tornou-se membro da Câmara Corporativa e do respectivo Conselho da Presidência. Em 1941, presidiu à embaixada especial que se deslocou ao Brasil para agradecer a sua participação nas Comemorações dos oito séculos de Portugal. Colaborou com quase todos os jornais portugueses: Diário Ilustrado, Novidades, Correio da Manhã, Ilustração Portuguesa, Primeiro de Janeiro e Comércio do Porto. Colaborou também no Correio da Manhã, do Brasil e no La Nación, da Argentina. Legou-nos uma vasta obra literária, da qual se salientam: No campo da poesia: Nada (1896) e Sonetos (1916). Na prosa: A Severa (1901), Outros tempos (1909), Figuras de ontem e de hoje (1914), Pátria Portuguesa(1914), Ao ouvido de Madame X (1915), O amor em Portugal no século XVIII (1915), Mulheres (1916), Eles e elas (1918), Espadas e Rosas (1919), Como elas amam (1920), Abelhas doiradas (1920), Os galos de Apolo (1921), Arte de amar (1922), O heroísmo, a elegância, o amor (1923), Eva (1925); Cartas de Londres (1927), Eterno Feminino
(1929), Contos (1930), Alta Roda (1932), As inimigas do homem (1933), Viagens em Espanha (1936) e Marcha Triunfal (1954). No teatro: O que morreu de amor (1899), Víriato Trágico(1900), A Severa (1901), O Caminheiro (1901), Crucificados (1902), A Ceia dos Cardeais, (a sua obra mais representada, estreada em 1902), D. Beltrão de Fígueiroa (1902); Paço de Veiros (1903); Um serão nas Laranjeiras (1904); Rei Lear (adaptação da tragédia de Shakespeare, 1906); Rosas de todo o ano (1907); Máter Dolorosa (1908); Santa Inquisição (1910); O Primeiro Beijo (1911); D. Ramon de Capichuela (1912); O Reposteiro Verde (1912); 1023 (1914); Soror Maríana (1915); Carlota Joaquina (1919) e Frei António das Chagas (1947). Muitas das suas obras, especialmente as de teatro, estão traduzidas em castelhano, francês, italiano, inglês, alemão, sueco, dinamarquês e japonês. Foram transpostas para ópera: A Ceia dos Cardeais, As rosas de todo o ano (2 óperas), Soror Mariana (2 óperas) e O que morreu de amor, A Severa foi aproveitada para uma zarzuela, uma opereta e para o primeiro fonofilme português. O Reposteiro verde serviu de argumento para um dos mais antigos filmes mudos portugueses, sob o título Frei Bonifácio. Foi um dos fundadores, em 1925, da Sociedade Portuguesa de Autores. Faleceu em Lisboa, a 25 de Maio de 1962. Era agraciado com as grã-cruzes da Ordem de Santiago da Espada, da Ordem de Cristo e da Ordem Cruzeiro do Sul (Brasil), e com o grau de grande oficial da Legião de Honra (França) e comendador da Ordem do Império Britânico.”
Allegro A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
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António Rui Prazeres de Castilho 147/1948
Allegro
A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina Luís Adão e da Manuela Adão. Será uma descrição simples, pessoal, tal e qual a vi, vivi e senti.
Introdução
A
Direcção da ZacatraZ achou por bem noticiar no seu número 200, comemorativo também dos 50 anos da publicação, o início da volta do mundo do Allegro, com o título, “Allegro – A Volta ao Mundo do Veleiro – onde também navega a Barretina“, tendo-me solicitado para escrever um breve relato dos primeiros momentos desta viagem. Estava já na Austrália quando recebi com entusiasmo este pedido, pois não esperava tão cedo colaborar com a ZacatraZ, visto ter ficado combinado com Gonçalo Salema, só apresentar a descrição total da volta ao mundo, quando chegasse a Portugal.
A opção havia sido tomada por motivos relacionados com a falta de meios de comunicação entre os locais visitados e Portugal (W.F)! Desta forma, foi preparada uma pequena notícia da partida de Lagos até Cabo Verde, a respectiva cobertura fotográfica e o resumo do programa previsto até ao fim desta nossa aventura. Sendo assim, e de acordo com a Direcção da revista, sairá a partir de agora, – que a volta terminou - a restante descrição da viagem. Não pretendo fazer um diário de bordo, pois isso seria fastidioso, nem tão pouco um “blog”, publicado a seu tempo, em lugar próprio, da autoria do
Quero fazer uma referência muito especial ao facto de levarmos a minha Barretina. De forma alguma quis imitar o nosso Camarada alpinista, Ângelo Eduardo Manso Felgueiras e Sousa (498/1976), mas sim, seguir um grande exemplo deste fantástico Aventureiro, demonstrando também o amor e o reconhecimento por tudo o que o Colégio Militar nos legou, querendo mais uma vez e de uma maneira singular, abrir os olhos a alguns portugueses que teimam em destruir uma Instituição Bicentenária que, ao longo dos anos, formou milhares de portugueses que se distinguiram pelo seu valor nos mais variadíssimos campos da vida nacional e mundial, deixando ao país e ao mundo, todo o seu amor e saber. Classifico esta gente ou de mal-intencionada ou incapaz de compreender o potencial valor do Colégio Militar e, teimosamente, tentar por todos os meios desvalorizar uma obra que faz parte do património da nossa Nação.
Tripulação No número 200 da ZacatraZ não foi possível apresentar as pessoas que foram contactadas pelo Luís Adão para fazerem parte da tripulação do seu veleiro “Allegro”, um Trintella 45 que desloca 16
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Allegro A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
toneladas, dispondo de um moderno equipamento de navegação, transmissões e segurança que incluem plotter com GPS, AIS, radar, sonda, piloto automático, VHF, gerador de corrente 220 V, piloto de vento, gerador eólico, hidrogerador e balsa. Torna-se oportuno dar a conhecer os velejadores que se disponibilizaram e aceitaram este grande desafio - fazer parte da tripulação de um veleiro português que tem como objectivo dar a volta ao mundo. Com os dados de que disponho, vou tentar resumidamente, apresentar os tripulantes convidados pelo Luís Adão, incluindo como é óbvio, o próprio Luís e a Manuela. Começo por afirmar que não existem tripulações ideais! Existem sim tripulações possíveis. O mesmo digo em relação às viagens, há apenas viagens possíveis! Podem esquecer, é utopia, nem na mente dos mais poetas….
apreciação de qualidade, como devem esperar, não ponho ”fora da borda“ o comandante. A ele, como responsável máximo do veleiro, entre muitas outras tarefas, cabe-lhe a difícil missão de saber lidar com todos em geral e particularmente com cada tripulante que escolheu, contribuindo de forma inequívoca para o correcto e eficiente desempenho das tarefas que diariamente são necessárias. Para além deste atributo, existe um outro não menos importante e que exige também uma sensibilidade muito especial - saber criar a bordo um ambiente agradável e harmonioso, para que todos se sintam felizes, dentro de um espaço tão reduzido, que é um veleiro, podendo gozar plena e alegremente o prazer de velejar em contacto directo com a natureza, ao mesmo tempo tão bela e gigantesca. Definir o número de tripulantes também não é
especialmente o da vela grande sem enrolador; a distância a percorrer, cerca de 35.000 milhas náuticas; navegar em zonas que à partida podem ser complicadas, como o Oceano Pacífico e junto à costa leste da Austrália, na denominada grande barreira de coral; parte do Oceano Índico, principalmente perto da costa da África do Sul e do Cabo das Agulhas; no Oceano Atlântico, no Cabo das Tormentas e na região dos Açores; nas “pernas“ mais longas e por isso muito mais cansativas. Com o desenrolar do projecto foram sendo ajustadas soluções julgadas mais ou menos realistas, tendo sempre presente, como factor principal, a segurança. Mas as variáveis para encontrar um número “redondo” de tripulantes não ficam por aqui. Se por um lado mais pessoas aliviam o trabalho, por outro
1º plano: Ricardo Silva Pinto, Anne Marie, Margarida Gomes, 2º plano: Teresa Gago, Rui Castilho, Luís Adão, Manuela Adão, Rita Bebiano, José Pedro Kaizenstein
Não é tarefa fácil para o comandante de um veleiro a escolha dos tripulantes, quer em qualidade quer em quantidade, principalmente tratando-se de uma viagem tão longa como esta. Em qualidade, porque “cada um é como cada um”, tem a sua personalidade própria como pessoa e um perfil diferente como marinheiro. Nesta
fácil porque, para lá de subjectivo, depende de vários factores como o tamanho da embarcação, o tipo de armação, os automatismos e outros. Para o caso do “Allegro” e da viagem a realizar foram tomados em conta: ser um veleiro com uma manobra lenta e pesada, onde parte do trabalho das velas se faz a partir do mastro,
lado, a logística da alimentação dispara substancialmente em todas as direcções: maior quantidade de alimentos a adquirir; necessidade de mais espaços reservados para a sua estiva (despensa); problemas acrescidos com os alimentos que necessitam de frio, pois os frigoríficos e os congeladores são máquinas
Allegro A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
muito importantes para a gestão da cozinha, mas também muito sensíveis, (ou não fosse eu cozinheiro de bordo); a organização das refeições e a sua própria confecção. Outro problema relacionado com o número de tripulantes é o espaço real disponível da embarcação para, “comodamente”, instalar todas as pessoas. A tripulação inicial para dar a volta ao mundo foi constituída por três pessoas: o Luís Adão, a Manuela Adão e eu. Quando fui convidado pelo Luís comprometi-me a fazer a volta completa, caso ele estivesse de acordo. As minhas palavras, se bem me lembro, foram: “Entro em Lagos e saio em Lagos”. Esta foi sempre a minha aposta para a tripulação da volta, sabendo de antemão que para
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da do comandante. Ele estava convicto, sendo facilmente defensável a sua ideia, que uma tripulação constituída apenas por três pessoas, era insuficiente para um projecto da dimensão da “Volta ao Mundo”. Assim, foram convidados a Teresa Gago e o Pedro Gameiro, ambos médicos, que dentro das suas disponibilidades profissionais, reforçariam apenas duas pernas entre Las Perlas-Galápagos e Maurícias-Cape Town, respectivamente. As preocupações do Luís, alicerçadas num conjunto de condicionantes que envolviam não só a viagem, mas também a embarcação, levaram-no a repensar, mais uma vez, o número de tripulantes. Foi assim que surgiram o Pedro Katzenstain e a Rita Bebiano que com o Luís, a Manuela e eu passaríamos a constituir a tripulação fixa para dar a volta ao mundo.
Dados dos diferentes tripulantes (à data de 2014)
Para completar a lista de convidados falta falar no Ricardo Silva Pinto e na Margarida Gomes.
deira (6 viagens), Açores (3 viagens), Mediterrâneo (1 viagem), Travessia do Atlântico Norte (4 viagens), Travessia do Atlântico Sul (1 viagem) e Brasil 500.
Luís Maria Pedroso Adão (164/1960) 64 anos, Médico, Patrão de Alto Mar, com experiência náutica como tripulante em navegação local e na ARC 2004 e como skipper na Costa Atlântica portuguesa e espanhola, no Mediterrâneo, na Madeira e Brasil 500. Manuela Gonçalves Abranches de Magalhães Adão 63 anos, Médica, Patrão de Alto Mar, com experiência náutica como tripulante na Costa portuguesa, no Mediterrâneo, na Madeira, ARC 2004 e Brasil 500. António Rui Prazeres de Castilho (147/1948) 77 anos, Geómetra, Patrão de Costa, com experiência náutica como tripulante na Costa portuguesa, Ma-
Observando a Cartografia digital
três pessoas, seria uma viagem com dificuldades, com momentos cansativos, com quartos de oito horas, distribuídos ao longo do dia para cada um. Enfim, uma viagem muito dura, mas a tal “viagem possível”. Feliz ou infelizmente, o tempo e a experiência o ditaram, a minha perspectiva era diferente
Este casal faria duas “pernas”: Santa Lúcia – Canal de Panamá e Musket Cove – Bali. A Anne Marie à partida faria o Canal do Panamá.
Anne Marie 70 anos, Pianista, Marinheira, experiência náutica como tripulante Madeira (2 viagens).
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Allegro A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
Teresa Gago 57 anos, Médica, Patrão de Costa, experiência náutica como tripulante Brasil 500, experiência náutica como skipper Costa Portuguesa e Costa Espanhola. Pedro Gameiro 57 anos, Médico, Patrão de Alto Mar, experiência náutica como skipper Costa Portuguese e Espanhola, Açores (3 viagens), Canárias, Brasil 500 e Oceano Indico (Cape Town-Moçambique/ Pemba). Ricardo Silva Pinto 60 anos, Arquitecto – Professor Universitário, Patrão de Alto Mar, experiência náutica como tripulante na Costa do Brasil e experiência náutica como skipper no Mediterrâneo.
Rita Bebiano 54 anos, Designer, Patrão de Vela e Motor.
Largamos das Canárias para Cabo Verde no dia 9 de Novembro de 2014, às 13 horas, depois de uma longa estadia de 26 dias, em Las Palmas. Vimos e revimos a ilha a cidade e tudo que ela tem para nos dar, ou melhor dizendo, para nos vender. É uma verdadeira metrópole, com um poder de oferta igual ao das grandes cidades do continente. Centros comerciais, hotéis, supermercados, cinemas, restaurantes e bares encontram-se por tudo quanto é sítio. É um óptimo local para preparar o reabastecimento do barco com vista à travessia do Atlântico. O primeiro dia de viagem não foi pacífico, pois os canais entre as ilhas são zonas onde
são sempre desagradáveis para um primeiro dia de viagem, depois de uma paragem mais que suficiente, por terras de Sua Majestade, o Senhor Filipe VI, Rei de Espanha. Alguns dos nossos marinheiros acusaram negativamente o balanço forte e contínuo da embarcação, com pequenos registos de normalíssimas indisposições. Para amenizar este desconforto, que não é de todo agradável, só quem anda no mar sabe, e ao qual os franceses apelidam muito bem de “mal de mer”, o cozinheiro de serviço ao Allegro, preparou um menu especial para ocorrências deste tipo, a que chama pomposamente de “Hospital Rice“. Trata-se de um simples arroz espapaçado, feito com a calda de cozer um pouco de galinha, mas que se torna de uma eficácia curativa e preventiva fantástica, com vista a possíveis tormentas!!!. Salvo me-
normalmente se instalam ventos fortes e mar bastante agitado, conhecidos pelos velejadores por “zonas de aceleração“. No arquipélago das Canárias este fenómeno é normal e ao qual nós não escapamos, tendo aguentado ventos constantes de 38 nós, picos de 45 e ondas a rondarem os 4 metros. Claro que não houve perigo, mas foi necessária uma tomada de atenção para os elementares procedimentos de segurança. Estas situações
lhor opinião, e querendo fazer um pouco de graça, onde por vezes se instala a desgraça, os resultados positivos que esta milagrosa receita provoca no organismo, “zona ventral superior”, são de tal maneira evidentes que, durante a volta ao mundo, o “Hospital Rice”, foi quase uma constante para os almoços do primeiro dia de viagem. Os dias que se seguiram foram mais calmos, ventos fracos de popa ou de alheta e mar de pequena vaga, alternados por vezes com vento e mar mais
Canárias – Cabo Verde
Alto Mar profundo e azul
Margarida Gomes 53 anos, Arquitecta, Patrão de Costa, experiência náutica como tripulante na costa do Brasil e Mediterrâneo. José Pedro Katzenstein 57 anos, Negociador de Compras, Patrão de Alto Mar, experiência náutica como tripulante Brasil 500, experiência náutica como skipper na Costa portuguesa e na Madeira.
Allegro A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
agitados. O resultado estava à vista, pois percorremos 850 milhas náuticas, em 7 dias, tendo chegado à ilha de São Vicente, cidade do Mindelo a 16 de Novembro de 2014, pelas 14 horas e 30 minutos. Para cumprir o programa pré-estabelecido, quanto mais tempo se demora na viagem, menos tempo nos resta para visitar os lindíssimos locais que nos esperam, conhecer as suas gentes, culturas, costumes, onde está incluído, como é óbvio, a gastronomia. Ela é sempre rica em sabores diferentes dos habituais da nossa terra, variando de país para país, como nos foi dado reconhecer ao longo desta longa viagem. A paragem em São Vicente foi a quarta visita a esta Ilha, mas nem por isso a estadia deixou de ser igualmente agradável. Sempre consegui encontrar aqui pequenas coisas, novas e diferentes, mas sempre com o mesmo denominador
Rui, Luís, Manuela e José Pedro
comum – o valor, a simpatia da sua gente e um invulgar e saudoso recorte de Portugal. Apesar de só termos ficado quatro dias em São Vicente, conseguimos dar um grande passeio pela ilha, deliciarmo-nos com um bom banho na Baía das Gatas e um saboroso churrasco na Praia Grande. O almoço foi acompanhado com música cabo-verdiana, executada por um conjunto local. O seu ritmo, com raízes tipicamente africanas, é absolutamente contagiante, de tal forma que não deixava
ninguém indiferente ao seu batuque, pondo todo o “mundo” a balançar. Pela vivência ao longo de uma vintena de anos, por terras de África, eu sou especialmente atingido pela magia desta música, que entra no sangue, percorre-o e sai fluida, debaixo das mais variadas expressões corporais. Na segunda-feira, dia 17 de Novembro, tivemos uma notícia muito desagradável e de certo modo inesperada, quando o José Pedro comunicou ao Luís Adão que ele e a Rita não tinham condições para continuar a viagem, tendo desistido definitivamente do seu projecto inicial: - Fazerem parte da tripulação do Allegro. Tive muitíssima pena desta decisão, pois foi um casal com quem me identifiquei logo de início e esperava tê-los durante mais tempo como bons amigos e óptimos companheiros de viagem. Bons amigos sim, mas companheiros de viagem, não foi possível.
Manuela, ao fundo o Mindelo
Transcrevo a notícia publicada pelo Allegro em “Mensagens enviadas para o blog do WCC de 19.11.2014 a 06.12.2014: “A estadia em Cabo Verde foi demasiado curta e muito marcada pelo abandono do projecto pelos dois tripulantes mais recentes - o Zé Pedro e a Rita. Foi com muita pena que tivemos que aceitar a sua decisão. Tivéramos momentos muito agradáveis de interajuda e convívio entre todos nós, que vimos
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terminar de uma forma súbita e nunca esperada. Ficam as boas recordações.” Cabo Verde, oficialmente República de Cabo Verde, é um arquipélago formado por dez ilhas vulcânicas na região central do Oceano Atlântico Norte, a cerca de 280 milhas da costa da África Ocidental, com as coordenadas 14º 55´ N e 23º 31´ W, com um horário de -1 (UTC) e uma área total aproximada de 4.000 quilómetros quadrados. Presentemente existe um vulcão activo, na ilha do Fogo, que é o ponto mais elevado do arquipélago. A última erupção registou-se em 2014. A capital é a cidade da Praia sendo a mais populosa do arquipélago. Estas ilhas foram descobertas pelos navegadores portugueses no século XV, mais propriamente em 1460, fazendo parte de Império Colonial Português até 1975, ano da sua independência. As ilhas eram desa-
Aproximação a São Vicente
bitadas, tendo sido colonizadas logo após esta data. As primeiras a serem povoadas foram as de Santiago e Fogo. Os cabo-verdianos são descendentes, na sua maioria, de portugueses e de africanos. Grande parte da sua população emigrou para outros países, principalmente Portugal, Estados Unidos e França, de modo que há mais cabo-verdianos a residir no estrangeiro que no próprio país.
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Allegro A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
Os cabo-verdianos são na sua maioria católicos, representando 85% da população religiosa. Existem outras igrejas, com destaque para os protestantes e grupos adventistas, para além dos muçulmanos e judeus. Todas elas foram progressivamente fazendo o seu trabalho de catequização, continuando minoritariamente implantadas em Cabo Verde. A liberdade de religião é garantida pela Constituição e respeitada pelo governo, havendo boas relações entre as diversas confissões religiosas. O arquipélago desenvolveu-se atendendo á sua localização geográfica, ficando entre as principais rotas de navegação da Europa, Índia e Austrália. Hoje em dia, o turismo é o principal responsável pelo desenvolvimento da economia do país bem como do investimento estrangeiro. O clima é quente durante todo o ano, beneficiando da corrente do Golfo, que modera a média geral das suas temperaturas.
José Pedro e a Bandeira de Cortesia (Cabo Verde) para a adriça de Estibordo (EB)
sentemente um forte contributo para uma melhor assimilação das novas tecnologias e da integração do seu tecido humano com os imigrantes e turistas que os visitam. Historicamente, a designação portuguesa de “Cabo Verde” foi recentemente adoptada pelo governo, passando a ser utilizado para fins oficiais, nomeadamente na Organização das Nações Unidas (ONU). O português foi sempre a língua oficial do Estado, ministrado nas escolas, usado na administração pública, na imprensa e nas publicações. A língua nacional de Cabo Verde é o crioulo cabo-verdiano, denominada como ”a língua do povo“. Cabo Verde é membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O francês e o inglês são leccionados no ensino secundário e falados em algumas ilhas de acordo com o idioma de origem dos povos que para lá imigraram.
ção. De outra forma, era pouco provável ou mesmo impensável um entendimento entre eles, atendendo à extensão dos territórios, à enorme quantidade de etnias, falando cada uma os seus próprios dialectos. Da experiência que tive ao longo de duas décadas em Angola e Moçambique, não estou a imaginar de todo, um cuanhama, etnia do sul de Angola, a dialogar com um natural de Luanda, falando quimbundo!
Cabo Verde Santa Lúcia (Caraíbas) A travessia do Atlântico para as Caraíbas, passando por Cabo Verde, foi sempre a rota que mais me agradou, não só por razões técnicas de navegação, ligadas à corrente do Golfo e aos próprios ventos alísios,
Fotografias do MINDELO – Palácio do Governo, réplica da Torre de Belém, Mercado Municipal, Café Lisboa, Monumento a Luís de Camões no largo principal, Baía das Gatas, Música na praia, Rapariga Cabo-Verdiana, Rui e as vendedeiras de peixe, Montanha com perfil humano, Monumento a Sá da Bandeira.
A paisagem, a riqueza cultural, com grande componente na área da música e a simpatia natural dos cabo-verdianos, são factores primordiais na escolha dos destinos turísticos dos estrangeiros. Teremos que acrescentar ainda que o nível geral de cultura deste povo foi sempre muito superior aos nativos das outas colónias portuguesas, sendo pre-
O valor e a força da nossa língua, espalhada por todo o antigo espaço ultramarino português ao longo de cinco séculos, contribui actualmente, depois da formação dos novos Estados, para a união dos seus povos, sendo ainda um forte elo de ligação e de comunica-
mas também por razões sentimentais relacionados com a nossa História. A estadia em Cabo Verde foi muito curta, apenas quatro dias, porque como já disse, gosto desta terra e da gente do Mindelo. Depois de algumas compras e atestarmos o depósito de gasóleo, largá-
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mos às 13 horas, do dia 19 de Novembro de 2014, rumo à ilha de Santa Lúcia, nas Caraíbas. Com velas rizadas, pois normalmente o vento sopra forte no canal que separa as ilhas de S. Vicente e S. Antão, com vaga cheia nas zonas de maior aceleração, tínhamos pela frente uma das maiores “pernas” da volta, 2300 milhas náuticas, com uma previsão de dezasseis a dezoito dias de mar, dependendo da chegada e da força dos alísios. Iniciámos também a viagem com uma tripulação reduzida a três elementos, que passaria a ser a tripulação base do “Allegro“ - o Luís Adão, a Manuela Adão e eu. Desta forma tivemos que combinar novamente os “quartos”, para que o serviço e o descanso fossem distribuídos o melhor possível por todos os membros da tripulação. Optámos por fazer durante o dia, um “quarto” de quatro horas, cada um, e durante a
Largada de São Vicente com destino a Santa Lúcia
noite, dois turnos de duas horas. Estes turnos, na sua generalidade, poderiam ou não coincidir com outros trabalhos a realizar, como seja os de manutenção, limpezas, comunicações e cozinha. Ao tripulante de serviço cabe-lhe principalmente, controlar o comportamento da embarcação, o tráfego da navegação e a difícil tarefa de detectar, se possível, os inúmeros obstáculos espalhados pelo
mar, tal como, contentores, bóias garradas, troncos de árvores e animais de grande porte, como baleias e cachalotes; a afinação das velas de acordo com a direcção do vento e o estado do mar; aproximação de tempestades que eventualmente não estejam previstas nas informações meteorológicas; casos particularmente isolados de perturbações atmosféricas, comuns entre as latitudes 10/12o Norte e Sul, podendo ser denominados borrascas tropicais e aos quais os ingleses chamam de “squalls”. Caracterizam-se por alterações rápidas do estado do tempo, nomeadamente a aproximação progressiva de nuvens negras, ventos e chuvas fortes, acompanhadas inevitavelmente de mar muito encapelado. A duração destes episódios ronda os 20 a 45 minutos. As suas posições e deslocações podem ser observadas á vista e complementarmente, com auxílio das imagens fornecidas pelo radar. A actua-
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O posto de trabalho, no caso do “Allegro”, para o tripulante de serviço, é normalmente no poço, avante ou à ré da roda de leme. Em qualquer dos casos, ali, ele encontra-se na melhor posição para manobrar o barco, ver e verificar toda a instrumentação disponível. Passada a zona de aceleração entre as ilhas, ficamos à sombra de Santo Antão, com vento muito fraco que se prolongou durante toda a noite. Para não atrasar a viagem logo de início, o Comandante decidiu ligar o motor, o que na gíria chamamos de “vento do porão”. A viagem correu bem, com as refeições do pleno agrado da tripulação. Optámos por uma refeição completa ao almoço e ao jantar apenas sopa e uma sobremesa. Raramente se cozinhavam sopas ditas de pacote, pois foram comprados todos os ingredientes necessários para que fos-
“Massada de fiambre”
ção do “Homem de Quarto”, expressão, como é óbvio, sem discriminação para as Marinheiras, tem de ser rápida e eficiente e por vezes com pedido de auxílio a outro tripulante. Verificando-se situações mais complicadas o piloto automático tem que ser desligado, passando a embarcação a ser governado à mão e se for necessário reduzir “pano” (reduzir a área vélica).
se possível, diariamente, preparar menus diferentes. A Manuela, especialista nesta matéria, deliciou-nos com as suas boas receitas. Num barco uma boa sopa, quentinha, à noite, é um rico manjar. Os almoços normalmente foram feitos por mim, após ter saído do meu “quarto”, ao meio dia. Se os aparelhos de frio e o gerador não nos deixarem ficar mal, uma boa cozinha a
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bordo contribui decisivamente para manter o moral da tripulação em alta. Os ventos alísios apareceram novamente, entrando ora de popa ora de alheta, provocando na embarcação um movimento em parafuso, bombordo/estibordo, muito desconfortável. Este tipo de mareação seria uma constante durante quase a totalidade da volta ao mundo e para a qual o “Allegro” não estava preparado, bem como a sua tripulação!!!. Tudo seria mais fácil se para além de dois paus de “spi” existentes houvesse um conjunto de acessórios próprios para envergar as velas em tesoura. Para quem está menos familiarizado com termos náuticos, montar em tesoura, é colocar a vela grande e a genoa em bordos diferentes e para que esta última fique estabilizada, monta-se-lhe o pau de “spi”. Assim o barco ganha mais estabilidade aumentando significativamente a velocidade. Um barco a velejar com ângu-
se mantivesse estável e fizesse andar o “Allegro”. Este processo não é de forma alguma o ideal, mas o possível, atendendo às circunstâncias do momento, acarretando consigo o grave problema de tornar mais longas as distâncias entre os pontos de largada e de destino. Como é evidente, para quem tem conhecimentos de vela, as distâncias a percorrer entre uma mareação à popa e outra mais orçada são significativamente diferentes. Não só por esta razão, mas por outras, nomeadamente as relacionadas com o tipo de construção do “Allegro”, o número de dias que tivemos de mar foi sempre superior ao dos outros barcos que navegavam nas mesmas águas. O projecto da nossa viagem foi pensado com paragem em Cabo Verde, solução que pessoalmente me agradou muitíssimo, como já anteriormente deixei manifestado, por isso a ideia que defendo no parágrafo seguinte é apenas uma solução que poderá ser
Luís após manobra na proa, equipado com todos os meios de segurança
los de vento entre os 160/180o, sem pau de “spi”, não consegue manter a genoa “cheia”, porque ela é esventada constantemente pela grande. Esta é a forma de navegar mais usada em viagens de cruzeiro, com tripulações reduzidas e/ou menos experientes, onde não há necessidade de atingir e manter velocidades de regata, utilizando uma outra vela, o balão. É um sistema cómodo, fácil de montar e seguro, pois desmonta-se total ou parcialmente caso se verifiquem alterações nas condições meteorológicas. Foi sempre o processo utilizado em todas as travessias que fiz, incluindo a chamada Brasil 500. A solução que se adoptou foi arrear a vela grande, navegar só com a genoa, orçando ligeiramente para ganhar ângulo de vento, conseguindo assim que ela
sertos sul-africanos. Fez comigo parte da tripulação em quatro travessias do Atlântico Norte, no “Vole Au Vent”, do Frederico Blanc de Sousa e em algumas “pernas” da volta ao mundo, com outro barco. Com ela não há falta de bom peixe a bordo, contribuindo, sem dúvida, para uma cozinha com menus mais ricos e variados. O pescado salta directamente do mar para dentro da panela! O Luís e a Manuela também vinham artilhados com material de pesca “XPTO” mas, mesmo assim, só conseguiram arpoar um pequeno dourado que infelizmente para nós e para felicidade dele, fugiu no último momento para a sua casa! Começava-se a sentir uma subida significativa na temperatura da água do mar à medida que nos aproximávamos do Equador. O espectáculo de observar e fotografar os golfinhos foi sempre fascinante. A velocidade com que acom-
Luís observando o comportamento da vela
encarada para barcos com menos possibilidades de navegar com ventos de popa. A largada das Canárias directamente para as Caraíbas, Santa Lúcia, é particularmente favorável para aqueles barcos, atendendo a que apanham os alísios com melhor ângulo de vento, isto é, com a possibilidade de velejar mais cedo e mais tempo entre um largo bastante folgado e uma alheta. A pesca não foi o nosso forte. Apesar de ter levado todo o material necessário, escolhido por uma amiga que faz parte da equipa feminina portuguesa de pesca ao corrico, a Maria João Gaioso, não consegui pescar nada. Nítida falta de jeito. Para além de pescadora e praticar outros desportos radicais como o ski na neve e na água, adora fazer safaris pelos de-
panhavam a embarcação, como cruzavam a proa e saltavam, tudo isto dava a nítida sensação de brincarem uns com os outros e mesmo com o próprio veleiro. São momentos imperdíveis e que quando acontecem fazem parte das coisas belas que a natureza no seu esplendor infindável oferece a quem por espírito de aventura, paixão ou outra causa, entra em contacto directo com ELA. Quase em simultâneo apareceram os peixes voadores que executavam os seus voos de uma forma muito peculiar, abanando vertiginosamente as suas barbatanas ventrais, altamente desenvolvidas, funcionando como se fossem asas. Vão saltando nas ondas, de crista em crista, aproveitando também a barbatana caudal para se man-
Allegro A Volta ao Mundo do Veleiro onde também navegou a Barretina
terem, em voos rasantes, à superfície das águas. Como eles, as lulas têm os mesmos predadores, os golfinhos, e ambos quando se sentem perseguidos fogem voando a toda a força, com saltos mais altos que os habituais, caindo com grande frequência no convés dos barcos. Pela manhã e quando o tempo o permite, um dos tripulantes passa revista ao convés deitando ao mar as lulas e os peixes voadores que se encontram mortos. Dizem que os ingleses gostam de comer, ao pequeno almoço, os peixes voadores. Num dia contámos vinte e um…. rico pequeno almoço que eles perderam…! No mar, para mim, todas as avarias são graves, com a diferença que umas são mais que outras. No nono dia de navegação o tubo de saída de escape do gerador avariou-se deixando sair água salgada para o fundo do barco na zona do motor e no salão junto
Como as desgraças nunca vêm sozinhas a chuva e a falta de vento chegaram para complicar a situação. O motor foi ligado para abreviarmos a chegada, contando já neste momento com catorze dias de viagem. Os primeiros indícios de aproximação a terra eram já visíveis pois começámos a descobrir algumas aves marinhas que normalmente se encontram mais junto à costa, como as gaivotas e as fragatas. Alguns golfinhos vieram dar-nos também as boas vindas com as habituais passagens pelo casco e saltos acrobáticos. Pela primeira vez apareceram longos, largos e espessos cordões de algas que cruzavam a nossa rota e que por precaução nos obrigavam a alterar o rumo. Possivelmente alguma corrente marítima de superfície terá arrastado para estas paragens aquela imensa quantidade de vegetação.
à escada. As Peixe voador que aterrou no convés do Allegro bombas de fundo foram postas a funcionar pois a água já che- A silhueta da ilha começou a ficar desenhada no gava aos paneiros. Para reduzir o consumo de ener- horizonte, inicialmente as zonas com cotas mais gia o congelador e o frigorífico foram desligados. altas e finalmente toda a orla marítima NW passou Faltavam ainda oito a nove dias para chegarmos a estar visível. Para compensar todos estes contraa Santa Lúcia e os alimentos que se encontravam tempos da chegada a lua apareceu majestosa, na no congelador estavam em risco de se perderem. sua máxima força quer em luz quer em tamanho, Entretanto as torneiras dos lavatórios das casas se tínhamos lua cheia. banho e das bacias da cozinha não deitavam água Rodámos a ilha pelo Norte passando pelo Cabo porque as bombas eléctricas que alimentavam es- Pointe, deixando Martinica por estibordo. O vensas torneiras ficaram debaixo de água. Valeu que o to saltou para a proa, fraco de 4/5 nós, navegan“Allegro” tem instalado um circuito de bombas de do nós a motor desde alguns dias. Continuámos pé que abastece de água doce estas bacias e uma a navegar dando resguardo ao cabo Pigeon Point outra bomba de pé de água salgada, para a cozi- para entrar na grande baía de Gros Islet e finalnha. O problema das águas ficou provisoriamente mente chegar à tão desejada, por toda a tripularesolvido. ção, marina de Rodnay Bay, a 7 de Dezembro de
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2014. Foram necessários 18 dias e 5 horas para cobrirmos a distância de 2.252 m/n, entre São Vicente (Cabo Verde) e Santa Lúcia, nas Caraíbas. Valeu a pena, digo eu, depois de uma prova destas. O mesmo sentimento transparecia na cara do Luís e da Manuela. Não competimos com ninguém a não ser connosco e com a própria natureza. Com ambos, a competição foi dura. Para mim, graças a Deus, chegámos são e salvos ao nosso porto de abrigo. Não vim para esta aventura para provar nada a ninguém, mas sim para realizar um sonho de marinheiro que até então via os barcos partir… e ficava tristemente em terra, olhando o MAR. Abracei este projecto, a convite do Luís, com toda a força que me restava, física e mental, pois sabia que não seria tarefa fácil enfrentar todos os obstáculos com que seria confrontado. Voluntária e consciente-
Ao largo, o Mediterrané II
mente aceitei ser agora juiz de mim próprio (coisa rara). Passei neste teste Cabo Verde- Santa Lúcia! O Luís e a Manuela, independentemente do juízo particular e pessoal que têm desta etapa, publicaram no “blog” do” Allegro” o seguinte testemunho que passo a transcrever: “É tão bom chegar! Estamos muito contentes com a travessia - momentos melhores, outros menos bons, alguns problemas, um tempo assim assim, mas globalmente estamos satisfeitos uns com os outros e com a experiência.”
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Encontro de Comandantes do Batalhão 2016
Encontro de Comandantes do Batalhão 2016
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o passado dia 23 de Setembro, sob o sol poente do equinócio, a Feitoria abriu os braços para receber os participantes num momento muito especial: a passagem do galão do Comandante do Batalhão cessante, Manuel Vasconcelos (99/2008), ao novo Comandante do Batalhão, Tomás Bastos (192/2009), testemunhada por 18 Antigos Comandantes do Batalhão do Colégio. Este evento simples, mas cheio de simbolismo, nasceu há 3 anos por sugestão do Nuno Raposo (196/2006), Comandante do Batalhão de 2013 e, desde a primeira hora, foi acolhido com entusiasmo por várias gerações de Comandantes do Batalhão que foram convidados a partilhar o momento. Tal como nos anos anteriores, foi uma noite de grande comunhão Colegial, de troca de experiências e de união em torno daquilo que, independentemente das idades, nos preenche a todos: os valores e o espírito único do Colégio Militar. Após um primeiro momento em que o Manuel Vasconcelos (99/2008) brindou todos os presentes com um resumo do seu ano como Comandante do Batalhão, tocou para o jantar e ninguém se fez rogado. Com o amarelo na mesa e 64 anos de histórias para partilhar, o repasto correu com grande animação e a conversa fluiu naturalmente até que último bago de arroz doce se evaporou dos pratos. Depois, chegou o momento alto da noite. Perante o olhar perfilado de todos, o Tomás Bastos (192/2009) recebeu o galão de Comandante do Batalhão do Manuel Vasconcelos, que “embru-
lhou” o momento com as palavras sábias que se atribuem ao almirante norte-americano Thomas C. Hart (1877-1971): Dai-nos forças, Senhor, para aceitar com serenidade tudo o que não possa ser mudado. Dai-nos coragem para mudar o que pode e deve ser mudado. E dai-nos sabedoria para distinguir uma coisa da outra. A palavra final ficou para o Eduardo Zúquete (20/1945), que lembrou a importância desta partilha única entre Comandantes do Batalhão e a necessidade de se manter sempre vivo o espírito do Geral colegial, onde nascem os fios, laços e nós que unem gerações de Alunos e de Antigos Alunos. Tudo terminou com um Allez Allez à Votre Santé e um justo agradecimento ao incansável Jorge Manuel Noronha da Silveira Alves Caetano (641/1974), Comandante do Batalhão de 1981, e a todos os que o ajudam a organizar este momento. Já era noite alta quando nos despedimos com a certeza de que, para o ano, cá estaremos de novo para celebrar o facto de sermos, todos, um só. João Miguel Moura dos Santos da Costa Taveira 325/1974 – Comandante do Batalhão 1980/81
Participaram neste encontro os seguintes Comandantes do Batalhão 20/1945 Eduardo Maria Rato Martins Zúquete 285/1948 Luís Gonzaga de Castro Mendes de Almeida 176/1952 Luís Filipe Reis Thomaz 268/1953 Carlos Alberto Guerra da Silva Beja 15/1956 Pedro Braga Abecasis 463/1965 João Mesquita de Faro Viana 69/1971 Diogo Jorge Ventura Oliveira e Carmo 325/1974 João Miguel Moura dos Santos da Costa Taveira 641/1974 Jorge Manuel Noronha da Silveira Alves Caetano 200/1987 Tiago Simões Baleizão 87/1990 Nuno Miguel Taipa Leandro Domingues 94/1993 Francisco Nuno Girão Vieira Lamy da Fontoura 53/1995 João José Meira Dantas 57/2004 António Maria Mendes de Almeida Cavaleiro de Ferreira 306/2005 Alykhan Navaz Madatali Sultanali 591/2007 Francisco José de Jesus Santana Cordeiro Araújo 99/2008 Manuel Maria Batalha Graça de Almeida e Vasconcelos 192/2009 Tomás de Sousa Bastos
António Barrento (40/1948) Olho do Furacão - O Fim do Fim - Timor
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António Barrento (40/1948)
Olho do Furacão - O Fim do Fim - Timor
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o passado dia 10 de Novembro teve lugar no Anfiteatro General Ivens Ferraz do Instituto Universitário Militar em Lisboa, em cerimónia presidida pelo Comandante do Instituto – Vice-Almirante Edgar Bastos Ribeiro - o lançamento do livro “Olho do Furacão - O Fim do Fim – Timor” da autoria do nosso camarada António Barrento (40/1948), publicado em 136 páginas por Fronteira do Caos Editores. Anfiteatro cheio, apresentação brilhante pelo Dr. Guilherme de Oliveira Martins, obra não menos brilhante: um documento histórico em cinco capítulos: “Nascimento e Fim do Império”, “Da Paz à Guerra”, “Da Guerra à Guerra”, “Da Guerra à Paz” e “Depois do Império”. Tendo como pano de fundo a experiência vivida, na primeira pessoa, no processo de descolonização de Timor na segunda das suas duas comissões (1974-1975), o autor enquadra o
tema no âmbito mais vasto do Império (português), iniciando a descrição do seu início com as discussões em 1415 entre o pai – Rei D. João I – e os filhos relativas à empreitada da conquista de Ceuta, em que o monarca manifestava sérias dúvidas se deveria ou não ser levada a cabo, tendo em conta os elevados custos em vidas e bens. Ao longo da narrativa ressaltam, igualmente, algumas das paixões do autor – a caça - relatando uma breve passagem pela descrição de uma caçada no Alentejo e, atravessando toda a obra - do princípio ao fim -, “o mistério dos Painéis de S. Vicente de Fora? de Nuno Gonçalves?” da segunda metade do Séc. XV em que histórica e academicamente é questionada não só a autoria, mas a identidade de diversas figuras: quem é a “figura nimbada”?...quem é o “Santo dos Painéis”, D. Fernando?... Mas o Olho do Furacão são os acontecimentos em Timor com particular incidência a partir de Agosto de 1975 em que são descritos, com detalhe, os factos vividos, à época, pelas Forças Armadas Portuguesas de que era Chefe de Estado Maior naquela parcela de Portugal. São temas a guerra civil entre facções partidárias, a invasão e ocupação pela Indonésia (que se prolongou por mais de 20 anos), os acontecimentos do Cemitério de Santa Cruz e a acção das milícias indonésias. Refere-se o autor ao massacre do Cemitério de Santa Cruz como “uma ara sacrificial e palco de imagens dolorosas… um marco da importância da informação, quando bem utilizada, e um ponto de viragem da política internacional em relação ao problema da ocupação indonésia e do futuro de Timor”. No último capítulo “Cap. V – Depois do Império” é feita referência ao “simbólico, justo e incompleto” Monumento aos Combatentes do Ultramar em Belém, “simbólico porque está junto à Torre de Belém, que como o nome sugere tem a ver
com o nascimento” (do Império), justo pelo acto de justiça aos “cerca de 10.000 homens que morreram em nome da Pátria – de armas na mão, ou por outras causas” e, incompleto “porque se há uma ou outra pessoa cujo nome lá não deveria estar por não ter morrido a servir a nossa Pátria muitos mais fazem lá falta” … “vários naturais do Ultramar que foram sacrificados, depois da guerra, por terem combatido como portugueses” por Portugal, cujos nomes ali não se encontram…”que fiquem porém no nosso coração…” Caracterizando a dimensão da obra e a sua beleza, o texto termina do seguinte modo: “Então da memória do nosso Império, o que devemos guardar? A Memória, porque não há Nação sem Sonho e sem Memória”
Martiniano Nunes Gonçalves 9/1958
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Antigos Alunos nas Artes e nas Letras
Nuno António Bravo Mira Vaz 277/1950
Antigos Alunos
nas Artes e nas Letras António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947) Cavalo encilhado não passa duas vezes São Paulo, Alexa Cultural, 2009
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ntónio Bacelar Carrelhas foi o 159/1947 e, como tantos outros, saiu do Colégio no final do então 5.º ano para cursar Direito. Advogado e administrador de empresas, trabalhou em Portugal e, a partir de 1977 e durante vinte anos, no Brasil. Orlando Villas Bôas chama-lhe, com boas razões, pisa-mundo, furador de savanas, cerrados e florestas. Na verdade, o autor traz-nos uma visão polícroma dum mundo em plena transformação: a caça grossa em África nas décadas de 1960 e 1970, o modo de vida dos índios Xingu nos anos 1980, a travessia do Sahara e outras peripécias do Paris-Dakar, o garimpo no Brasil interior, uma grande onça a cruzar o pantanal e embrenhar-se na mata fechada, um pôr do sol no altiplano da Patagónia argentina ou o impetuoso choque do Negro com o Solimões para gerar o imenso rio Amazonas. Dele diz, no prefácio, o Embaixador Pinto da França: Deus concedeu-te uma vida longa para que «nos pudesses arrastar
no turbilhão das tuas aventuras, como agora o fazes com este livro onde se projecta um percurso de maravilhamento, que bem se poderia também chamar “Crónicas de Viagens Puras”». Mas António Carrelhas não é apenas um aventureiro sonhador, capaz de pintar todas estas aventuras de forma tão aliciante que todos gostaríamos de tê-lo acompanhado. Gestor de sucesso, colheu em Rio Grande do Sul um ensinamento que tão vivamente o impressionou que o escolheu para título do seu livro: “Cavalo encilhado não passa duas vezes”. Conforme ele próprio aconselha na badana, é preciso aproveitar as boas oportunidades, porque elas dificilmente se repetem. É preciso «incluir-se no mundo, alimentar sonhos e conquistar, a cada dia, a oportunidade de realizá-los. Lembre-se da poetisa Cora Coralina: “mais importante que o destino é a viagem”». Boas viagens é o que te desejo, António Carrelhas.
Antigos Alunos nas Artes e nas Letras
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Nuno Correia Barrento de Lemos Pires (345/1975) Wellington, Spínola, Petraeus. O comando holístico da guerra - Nexo Literário, Alcochete, 2014 liente-se desde já – a um efectivo exercício de comando holístico. Que condições são essas? Abreviadamente: coordenação entre Forças Armadas, forças de segurança e forças paramilitares (milícias e empresas privadas de segurança); convergência de interesses e objectivos entre os países e as organizações internacionais envolvidos, com a consequente unidade de esforços; articulação das componentes civil e militar no que respeita às políticas de desenvolvimento e às estratégias de segurança; coerência entre as políticas governamentais, as actividades das organizações internacionais e a conduta das acções militares; e planeamento e acção coordenados em função dos três tempos da guerra: o ante bellum, o in bello e o post bellum.
O
que é uma abordagem holística? É – diz-nos o autor – “o uso de conceitos como interdisciplinaridade, interagências, interdepartamental ou outros, sempre numa perspectiva de ver e analisar problemas e buscar soluções, como um todo”, tomando como certo que, tal como na natureza, o «todo» é “sempre muito maior e mais perfeito do que a simples soma das partes”. Trata-se, portanto, de estudar a forma como agiram em campanha três reputados chefes militares, tendo em vista aquilatar da possibilidade de, a partir dos seus exemplos de acção, se constituir um corpo teórico do comando holístico da guerra. Como nos explica Lemos Pires, os três protagonistas foram seleccionados por se entender que dispuseram na sua acção de comando, ao menos parcialmente, das condições necessárias – e muito difíceis de concretizar, sa-
O comando de Wellington durante a Guerra Peninsular (1807-1814) é o primeiro a ser estudado. Por razões óbvias, uma parte substancial das condições acima enunciadas, dada a sua «modernidade», não são aplicáveis a este estudo de caso. Para Lemos Pires, importa destacar a forma como ele assegurou a coordenação com os Governos de Portugal, Espanha e Grã-Bretanha, a qual lhe permitiu desenvolver linhas de acção militar compatíveis com o exercício das respectivas governações. Governador e Comandante-Chefe na Guiné entre 1968 e 1973, Spínola dispôs como nenhum outro de prerrogativas que lhe permitiram coordenar de forma íntima e permanente a acção militar com a acção psicossocial, buscando não a eliminação do inimigo mas a sua absorção no quadro de uma autonomia progressiva para o território. Para tal, a par duma actividade militar apoiada em quadrícula e intervenção, promoveu a
«africanização» da guerra, construiu infraestruturas de apoio directo às populações, criou os «Congressos do Povo» onde as aspirações dos naturais eram consideradas e tentou estabelecer entendimentos políticos com o vizinho Senegal. Petraeus, por fim, comandou no Iraque e no Afeganistão. No essencial, “propôs uma estratégia e ajudou na elaboração de uma doutrina para a cumprir e, depois, executou-a”. O comando de Petraeus provou que até uma coligação de países, quando devidamente coordenados, é capaz de concretizar relações saudáveis entre uma grande diversidade de entidades militares e civis, num quadro político complexo e em mutação. Infelizmente, e apesar de alguns sucessos significativos no combate contra a insurreição, num caso como noutro pouca gente se preocupou com o que se devia fazer depois de obtida a vitória militar e uma (relativa) estabilização política. Em consequência, ambas as situações descambaram para o caos.
Resposta ao Jiiadismo radical - Nexo Literário, Alcochete, 2016 O autor começa por recordar, com algum detalhe, as origens do fenómeno jiadista radical e a sua evolução, sobretudo a partir do atentado contra as Torres Gémeas em 11 de Setembro de 2001. A resposta de Bush, conforme se veio a descobrir, foi “errada e claramente incompleta, ou seja, mal dirigida contra os verdadeiros originadores da violência”, ao “atacar um Estado quase falhado (Afeganistão) sem ter uma política e vontade estável para fazer um longo state-building posterior”.
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Antigos Alunos nas Artes e nas Letras
Lemos Pires não tem ilusões quanto às soluções para enfrentar o radicalismo jiadista. Sejam elas o que forem, terão de ultrapassar um número significativo de dificuldades. Em primeiro lugar, os radicais não estão disponíveis para discutir ideias ou negociar: eles são os bons, e todos os outros são os maus. Depois, por trás das visões religiosas, perfilam-se promessas de poder efectivo, de variada natureza, para os bons. De enorme significado é também o objectivo anunciado – a construção dum califado com poder à escala mundial. Em quarto lugar, “o combate faz-se de forma descentralizada, moderna e digital”. Por fim, um pouco por todo o mundo, existem factores potenciadores do ambiente de caos que favorece a consolidação dos movimentos radicais.
Esta resenha fica muito longe de fornecer uma ideia precisa do problema e das suas múltiplas complexidades. Só lendo o livro se compreende a natureza e a dimensão das ameaças que impendem sobre o nosso «modo de estar na vida» e as linhas de acção para as enfrentar e vencer. Diz a sabedoria popular que «filho de peixe sabe nadar». Ora o Nuno Lemos Pires é não só «filho de peixe» (General Mário Lemos Pires), como «sobrinho de peixe» (General António Correia Barrento (48/1948). Não admira, portanto, que saiba nadar. Isto é, «pensar».
©Foto Sérgio Garcia (326/1985)
É por isso que as soluções – obrigatoriamente de natureza global – terão de ser aplicadas num horizonte de cinquenta anos, em simultâneo nos planos político, militar,
social e cultural. Quanto às estratégias, devem destacar-se: a estratégia interventiva de combate contra os grupos radicais, a estratégia de contenção destinada a limitar geograficamente o fenómeno e a estratégia reactiva, necessária porque a iniciativa pertence ao inimigo.
ANTIGO ALUNO USA A BARRETINA
Restolho Um projecto diferente!
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Um projecto diferente!
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a Europa, estima-se que cerca de 89 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados, por ano, em toda a cadeia alimentar – produção, transformação, distribuição e consumo. A redução do desperdício alimentar é, hoje em dia, um tema central nas agendas das instituições europeias. A título de exemplo, a Comissão Europeia apelou à redução para metade dos desperdícios alimentares até 2020 e a Assembleia da República declarou 2016 como o ano nacional de combate ao desperdício alimentar. Esta ambição exige um esforço concertado de toda a cadeia de abastecimento alimentar onde todos, e cada um, devem assumir as suas responsabilidades. A AGROMAIS, a AGROTEJO, a Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome (FPBACF) e a ENTRAJUDA juntaram-se no
projecto “RESTOLHO - uma Segunda Colheita para que nada se perca”, totalmente diferenciador no combate ao desperdício alimentar. Este projecto pretende, de uma forma simples e prática, contribuir para o combate ao desperdício alimentar e apoiar quem mais precisa. Os produtores da AGROMAIS/AGROTEJO, aquando da colheita, são obrigados, por falta de valorização comercial, a deixar, nos campos, produto com menores calibres ou ligeiros defeitos. Os Bancos Alimentares Contra a Fome têm contacto diário com instituições de solidariedade social que necessitam destes produtos e a ENTRAJUDA com voluntários que, a título individual ou enquadrados em programas de voluntariado empresarial, querem colaborar numa lógica de intervenção cívica.
Para garantir o sucesso do projecto “basta” juntar vontades e mobilizar parceiros para poderem fazer a recolha da produção que fica nos campos dos nossos produtores, retomando uma prática ancestral, conhecida em português como “restolho” ou “rabisco”. Em 2015, foi possível distribuir 16.650 kg de produtos oriundo do “Restolho”: Batata – 8.375 kg; Pimento – 3.615 kg; Nabo – 2.080 kg; Cebola – 1.450 kg; Abóbora – 500 kg; Tomate – 480 kg; Couve – 150 kg. Desafiado a colaborar no projecto, o Colégio Militar respondeu prontamente. Assim, no passado dia 24 de Setembro, por volta das 10h30, chegaram à Golegã 80 bravos voluntários do nosso Colégio, entre Alunos, Antigos Alunos, Professores, Pais, Familiares e Encarregados de Educação. A recepção do grupo foi feita junto à Igreja Matriz, tendo posteriormente rumado toda a equipa ao campo escolhido na Quinta da Labruja, com o intuito de colher a maior quantidade possível de batata. Como é apanágio do Colégio, a acção decorreu em ambiente de sã camaradagem e entreajuda, sendo de saudar a atitude colaborante e voluntariosa de todo o grupo O resultado da jornada (1.157 kg de batata) foi entregue ao Banco Alimentar de Abrantes, no dia seguinte. Parabéns e obrigado Colégio Militar!
António José Godinho de Carvalho (153/1980) Presidente da Direcção da AGROTEJO
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Breves Apontamentos Fotos com significado
Breves Apontamentos
Fotos com significado Militar, eu?
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asci numa família civil. Não tenho ascendentes nem descendentes militares. Só conheci mais de perto um vizinho militar: um coronel do Exército. De resto, muito boa pessoa. Na minha família não há mais ninguém que tenha frequentado o Colégio.
Mas como? O que havia no meu comportamento que a tinha levado a essa suspeita? Fiz a tropa em Cabo Verde, como tantos outros nos anos 70, mas não seria por isso. É claro que compreendi
©Fotos Francisco Eduardo Moreira da Silva Alves (592/1954)
Entrei para o Colégio, por acaso, embora já antes tivesse frequentado outro colégio como aluno interno. Nessa altura, e nesse colégio, dava-me muito com um amigo da Avenida Guerra Junqueiro, onde eu morava. Pouco sabia da vida e dos colégios. Como os pais desse amigo passavam longas temporadas em África
colocaram-no, a ele e ás irmãs, nos institutos militares. Passado um ano perguntei-lhe como era. Pela cara dele vi que era sítio também para mim e concorri. Havia poucas vagas para civis. Era preciso concurso. Mas fiz as provas e entrei. Passados anos, num organismo público onde trabalhei, fiquei estupefacto por uma colega de trabalho andar a inquirir de outros colegas se eu era militar!
A Barretina no Feminino, a partir de agora!
Zacatraz, o grito que une gerações
logo e tive de esclarecer: que sim, que tinha sido Aluno do Colégio Militar. Percebi então que nós mudamos com os sítios por onde passamos e o Colégio, de facto, tinha-me marcado bastante. E, acredito, que para sempre… Que coisa esta a de um civil até à medula, mas que tem na sua cultura algo, que assume, de militar!
Francisco Eduardo Moreira da Silva Alves 392/1954, Curso de 1952/1959
Um por Todos Todos por Um
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Um por Todos Todos por Um
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18 de Outubro de 2016, em Oeiras, na Livraria Municipal Verney, realizou-se a 149ª tertúlia Fim do Império, onde o lema colegial «Um por todos Todos por um» ficou patente nas 68 pessoas que nela participaram. Nela teve lugar o lançamento da edição geminada do livro, Memórias do Oriente, da autoria de Luís Manuel Dias Antunes (221/1948), já falecido, e que serviu o Colégio como Instrutor, e Memórias de África, do Tenente General do Exército José Fernando Valles de Figueiredo Valente (352/1940), que serviu o Colégio como Director. Tanto ou mais que o valor das obras literárias, fica o exemplo de vida dos autores. José Fernando Valles de Figueiredo Valente (352/1940), a atitude exemplar de grande nobreza na sequência de uma comissão em campanha na Guiné, em 1970/1972, para além dos três filhos do seu casamento, passou a contar com mais três «filhos do coração», dois irmãos de etnia balanta, Roberto Sambé e seu irmão Domingos, filhos de um chefe de povoação, e Mamudo Seidi, filho de
um chefe fula. Este é hoje capitão do nosso Regimento de Comandos e interveio na tertúlia, estando uniformizado e acompanhado pela sua Mulher e dois filhos. Dos irmãos balantas, o Domingos está há muitos anos na Alemanha e o Roberto é engenheiro, tendo também participado e referido a sua formação num colégio de outra Instituição de ensino antiga e prestigiada, a Casa Pia. A descrição da grandeza dos actos praticados pelo 352 de 1940, que tocou fundo em todos os presentes e a todos sensibilizou profundamente, sublinhando o papel desempenhado e o altruísmo revelador de «Um por todos», mas também o reconhecimento e a natural gratidão dos familiares adoptivos e a admiração dos amigos presentes, incluindo um mandinga da Guiné, ex-comando, o que demonstrou o complemento do lema colegial «Todos por um». Entre as várias intervenções, foi recordada uma frase do pai do engenheiro de etnia balanta, em crioulo e referindo-se ao general Figueiredo Valente, «Cá tem branco como este», ou seja, «Não há outro branco igual a este»…
Luís Manuel Dias Antunes (221/1948), um caso semelhante, embora talvez não tão profundo, se passou relativamente a este autor. Enquanto esteve vivo foi o grande pilar dos convívios do Curso e como escreveu no livro o camarada Manuel Paulo Lalande Vieira Pinto (382/1949), «... Conhecia os seus camaradas pelos nomes completos, bem como os respectivos percursos de vida. Mantinha uma base de dados com informações de todos eles, que actualizava permanentemente. Organizava as celebrações e comemorações. Fazia as convocatórias. Dirigia as cerimónias. Pedia e obtinha ajudas humanitárias para os delas necessitados.» Mas se ele viveu num «Um por todos» relativamente ao Curso colegial e à sua Arma de Infantaria, também houve o «Todos por um», na colaboração no seu livro póstumo, por parte de oito Antigos Alunos e de três camaradas do Exército. Colaboração literária de homenagem, na sequência de um apoio regular durante cerca de cinco anos, tempo em que o Luís Dias Antunes esteve condicionado a cadeira de rodas. Foram eles: Luís Gonzaga de Castro Mendes de Almeida (285/1948), Manuel Vieira Pinto (382/1949), Carlos Frederico Dias Antunes (212/1939), irmão do autor, António Carlos Dias da Cunha Nogueira (262/1948), entretanto falecido, António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947), residente no Brasil, Manuel Mário de Oliveira de Seixas Serra (30/1947), Roberto Ferreira Durão (15/1942), Manuel Júlio Matias Barão da Cunha (150/1948) e ainda os Coronéis Rui Marcelino, Walter de Almeida e António Vagos (entretanto falecido). A presença, na mesa do lançamento, do Vice-Presidente da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar Artur Manuel de Spínola e Santos Pardal (587/1961) e o logotipo da AAACM na edição, sublinham ainda mais a camaradagem/solidariedade largamente referida durante a tertúlia, em que participou Pedro Luís Mouzinho Dias Antunes (337/1972), filho do autor Luís Dias Antunes.
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Visita informal ao Colégio Militar
Visita informal ao Colégio Militar
©Foto Leonel Tomaz
Ministro de Estado, Coordenador dos Assuntos Sociais e Ministro da Educação de Timor Leste
O Presidente da AAACM, José Eusébio Pereira Barata Cordeiro de Araújo (591/1973), com a presença do Presidente da APEEACM João Vasco de Sousa de Castro e Quadros (444/1972), entrega ao Dr António da Conceição, Ministro de Estado, Coordenador dos Assuntos Sociais e Ministro da Educação de Timor Leste, a “História do Colégio Militar” da autoria de José Alberto da Costa Matos (96/1950).
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o passado dia 29 de Setembro, o Ministro de Estado, Coordenador dos Assuntos Sociais e Ministro da Educação de Timor Leste, Sr. Dr. António da Conceição, visitou informalmente o Colégio Militar. A Direcção do Colégio Militar, convidou a Direcção da AAACM para acompanhar a visita realizada.
Na sequencia das palavras proferidas pelo Exmº Dr. António da Conceição, que relevou a importância de Instituições deste género para a afirmação da identidade de uma nação, os Presidentes da AAACM e da APEEACM entregaram ao senhor ministro um exemplar da Historia do Colégio Militar da autoria do nosso camarada Costa Matos.
Saliente-se que o Dr. António da Conceição tem actualmente dois filhos a frequentarem o Colégio.
Dois Episódios
Dois Episódios J
osé Augusto Monteiro Torres Pinto Soares (Ext. 1926/1930) descreveu num número bastante antigo da nossa revista – sob o título “A BARRETINA, o que ela transmite” - um acontecimento da vida real, por ele vivido, e que só aconteceu por usar a barretina na lapela do casaco.
Não obstante ter – desde que saí do Colégio em 19571 – sempre usado o nosso distintivo, só recordo duas situações (ambas passadas há mais de 30 anos!) que considero terem interesse suficiente para serem passadas ao papel2.
Março de 1973 Era ao tempo, delegado comercial da IBM para todo o Grupo CUF e o Banco Totta & Açores (BTA) era o meu cliente mais importante. O meu contacto habitual no BTA era o subdirector para a Informática3 (tendo esporadicamente acesso limitado ao director). Devido a um conjunto feliz de circunstâncias, foi-me possível, no entanto, obter uma reunião formal com a Administração do BTA (com a duração prevista de 30 minutos) para expor um projecto que tinha a aprovação plena da direcção de informática. Quando me dirigia, acompanhado do Administrador da IBM em Portugal para a reunião4 ele perguntou-me se eu conhecia pessoalmente algum dos membros da Administração do BTA (dado ser a 1ª vez que ele conseguia ser recebido ao mais alto nível por um cliente
com aquela dimensão e importância). Respondi-lhe que não. Só tinha os seus nomes. A sala do conselho era enorme, cruel e fria nas suas paredes totalmente revestidas de madeira escura e ‘majestática’, criando um ambiente assustador. Ao sermos apresentados pelo director de informática do BTA aos seus administradores, aconteceu que um deles5 me cumprimentou com o habitual aperto de mão formal e dizendo numa expressão indiscutivelmente sincera e amigável: “Olá, estás bom?”.
A Barretina
Lembro-me de ter conseguido responder no mesmo tom: “Eu estou e tu?” para de imediato cumprimentar o membro seguinte da Administração do BTA. Face ao acontecido, a reunião decorreu num tom extremamente simpático e com as formalidades reduzidas ao mínimo, tendo terminado com um sucesso total face aos objectivos pretendidos. Ao regressarmos à IBM, surgiu a pergunta já esperada do meu administrador: com que então não conhecia nenhum membro da Administração do BTA? Como é que explica que um deles – com alguns 20 anos a mais que você – o tenha tratado por tu e ainda por cima você respondeu-lhe nos mesmos termos? Respondi-lhe simplesmente: ‘Não reparou que ambos usávamos a Barretina que os Antigos Alunos do Colégio Militar utilizam para se identificarem?
O meu guião
E deixei-o ficar a pensar, não lhe dando mais explicações. Em 1973
67/1950 – “Porta Guião” 2 Nenhuma delas pretende, no entanto, aproximar-se da qualidade emocional da situação descrita por José Pinto Soares. 3 Naqueles tempos não era “possível” ter contactos directos com membros da Administração de um banco… 4 Não havendo ainda computadores pessoais, o suporte a utilizar tinha sido feito - a cores - por um desenhador profissional, em folhas transparentes, para serem projectadas. 5 Se me recordo correctamente, foi o terceiro, face à ordem sequencial em que se encontravam. 1
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Rir faz bem O meu animal favorito
Julho de 1975 Episódio interessantíssimo ocorrido na IBM durante o chamado “verão quente” de 1975 (em pleno PREC – Processo Revolucionário Em Curso): João Gabriel Passarinho Franco Preto
Entro no elevador , que ia cheio, para descer para a rua. À minha frente, já dentro do elevador, estava o Manuel xxxxxxxx7 (um ano mais novo que eu no Colégio Militar e reconhecido activista de esquerda8). Para sua (dele) infelicidade resolveu limpar o pó imaginário que cobria o meu querido emblema da Barretina, que nunca abandonava a lapela do meu casaco (e que ele nunca usava).
(59/1960)
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“Todo o elevador”’ ficou imediatamente na expectativa, conhecida que era a minha maneira de ser. Lembro-me de ter usado o meu tom mais forte e firme possível de autoridade militar e ter dito, “de cima para baixo”9 com a máxima superioridade vocal e desprezo evidente: está quieto, oh 300! (que era o seu número no Colégio Militar). Foi com deleite que ouvi o silêncio total num elevador cheio de gente, até eu sair no rés-do-chão! Há momentos que nunca se esquecerão (e que dão significado à vida!). Numa população de 500 pessoas (a IBM) tenho a certeza de que até ao final desse dia, todas elas souberam o que tinha acontecido. Lembro-me de ter recebido durante os dias seguintes muitos cumprimentos sorridentes de colegas e estou certo que a nossa Barretina ficou mais conhecida na IBM.
Rir faz bem
Sobre a Honestidade
Algumas pessoas não conseguem aceitar a verdade
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O meu animal favorito
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nossa professora perguntou-me qual o meu animal favorito e eu disse que era o frango frito. Ela disse que a resposta não tinha piada, mas devia estar enganada porque a turma estava toda a rir. Os meus pais ensinaram-me a que eu devia dizer sempre a verdade e isso foi o que eu fiz. O frango frito é o meu animal favorito. Eu contei ao meu pai o que tinha acontecido e ele disse que a minha professora devia ser membro da PETA - People for the Ethical Treatment of Animals, associação cujos membros gostam muitos de todos os animais. Eu também gosto. Especialmente frango, porco e vaca.
No dia seguinte a professora perguntou-me qual era o meu favorito animal vivo. Eu disse-lhe que era o frango. Ela perguntou-me porquê e eu disse que era porque podia passar a ser frango frito. Ela então mandou-me outra vez falar com o director da escola. Ele riu-se e voltou a dizer-me para eu não repetir o que tinha feito. Eu não percebo. Os meus pais ensinaram-me a ser honesto, mas a minha professora não gosta que eu o seja. Hoje, a minha professora perguntou-me qual era o militar famoso que eu mais admirava. Eu disse que era o coronel Sanders**. Adivinhem onde é que eu estou outra vez...
António Rafael Passarinho Franco Preto 67/1950
Com capacidade para umas 12 pessoas Aqueles que o quiserem identificar totalmente, terão elementos suficientes para isso (mas o seu nome não é importante…) 8 O que nessa altura, não só “era de bom tom” como igualmente julgo que transmitia a quem se portava como tal, um sentimento de segurança e quiçá de superioridade intelectual… 9 Acontecia ele ser muito mais baixo que eu…
Mesmo assim, a professora mandou-me falar com o director da escola. Eu contei-lhe o que tinha acontecido e ele também se riu, mas disse-me para eu não repetir o que tinha feito.
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* Traduzido da versão original americana ** O Coronel Harland David Sanders foi um homem de negócios americano conhecido principalmente por ter sido o fundador da cadeia de restaurantes KFC – Kentucky Fried Chicken.
Os que nos deixaram
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Os que nos deixaram João Carlos de Freitas Teixeira Diniz (346/1939) Engenheiro Agrónomo Nasceu a 28 de Fevereiro de 1927 Faleceu a 16 de Outubro de 2016
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hegou à ZacatraZ a notícia do falecimento deste nosso Camarada, ocorrência que muito lamentamos. A Todos os seus Familiares, muito especialmente ao seu Irmão, Luís Manuel de Freitas Teixeira Diniz (110/1936), apresentamos as nossas mais sentidas condolências. Que descanse em paz. A Direcção e a Redacção da ZacatraZ
António Carlos Dias da Cunha Nogueira (262/1948) Engenheiro Agrónomo Nasceu a 14 de Outubro de 1937 Faleceu a 8 de Agosto de 2016
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e bem que estivéssemos informados de problemas de saúde que o afligiam, a notícia do falecimento do António Carlos Dias da Cunha Nogueira, 262 de 1948, o “Manolo”, colheu-nos de surpresa e com brutalidade. Nascera no Brasil, em 14 de Outubro de 1937, filho de pais portugueses, o que lhe conferia dupla nacionalidade. Mas, regressado a Portugal, com a Família, passou a infância em São Martinho da Cortiça, a cerca de 30 quilómetros de Portela da Cerdeira, na Serra do Açor, situada na zona interior da Beira Litoral. Aos 10 anos entrou para o Colégio, onde fez o curso liceal. Era um óptimo amigo e companheiro no Colégio. Bom desportista, era exímio jogador da equipa de futebol, actuando na defesa, participou mais do que uma vez no campeonato da Mocidade, que o Colégio ganhou, em parte graças ao memorável jogo em que ganhámos aos Pupilos do Exército por 3-0.
No 7º ano foi graduado como comandante da 4ª companhia, o que todos achámos apropriado, por lhe reconhecermos o prestígio necessário e as suas qualidades naturais de liderança. Terminado o curso do Colégio formou-se em Engenharia Agronómica, e seguiu para Moçambique, onde também tinha ligações familiares e onde começou a sua carreira profissional. Viveu lá cerca de 10 anos (1964-1973), depois da independência regressou a Portugal, mas por pouco tempo (1974-1975); seguiu então para o Brasil, onde se manteve durante cerca de 20 anos (1975-1994), em São Paulo, onde também se encontrava o Tó Pê Carrelhas (159/1947). Seguiram-se mais cerca de 10 anos em Moçambique (1994-2003), onde veio a casar com a Filomena Nagui, da qual teve dois filhos, o Pedro que hoje conta 18 anos e a Larissa que tem 14. Em 2003 regressou definitivamente a Portugal e voltou às terras de infância, a São Martinho da Cortiça onde residiu até estes dias.
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Os que nos deixaram
José Paulo Vieira Pinho de Aguiar (51/1950) Gestor e Empresário Nasceu a 4 de Junho de 1940 Faleceu a 26 de Janeiro de 2016
José Maria de Avilez Corrêa de Sampaio (367/1949) – Cte 4ª, Pedro do Canto Lagido (330/1947) Cte 1ª, Luís José Passanha Braamcamp Sobral (34/1948) - Cte 3ª, Luís Gonzaga de Castro Mendes de Almeida (285/1948) – Cte Batalhão, José Maria Myre Dores (47/1942) - Cte Batalhão, Guilherme Luís Faria Câncio Martins (126/1948) - Cte 2ª, António Carlos Dias da Cunha Nogueira, «Manolo» (262/1948) - Cte 4ª.
Esta estadia na Beira permitiu que organizasse encontros e reencontros com outros Camaradas do Curso, nomeadamente, com o Ruben de Almeida Mendes Domingues (196/1948), seu vizinho, e o nosso padre Braula Reis. Contam os convivas que numa dessas ocasiões foram obsequiados com um excelente almoço-convívio na sua casa, cozinhado pelas mãos da Filomena, misturando mui agradáveis sabores moçambicanos e indianos. Claro que acabou com alguns convivas a “passar pelas brasas”... Também esteve connosco, em algumas das reuniões de convívio do Curso de 1948, destacando-se uma, realizada na Feitoria, onde foi tirada a fotografia que inclui o Comandantes do Batalhão do nosso ano de entrada, Myre Dores (47/1941).
Na sequência de alguns desses convívios, o «Manolo», com o Luís Luís Gonzaga de Castro Mendes de Almeida (285/1948), o António Pedro Pereira de Bacelar Carrelhas (159/1947), o Manuel Paulo Lalande Vieira Pinto (382/1949) e o Manuel Júlio Matias Barão da Cunha (150/1948), colaborou na edição póstuma do livro do Luís Manuel Dias Antunes (221/1948), “Memórias do Oriente”, reeditado no passado mês de Outubro. Já em Portugal, começou a ter problemas de saúde, submeteu-se a tratamentos e cirurgias que sempre foi enfrentando com coragem e esperança. Mas acabou por ser vencido, infelizmente já não está fisicamente connosco, desde 8 de Agosto... Todos sentimos muito a sua partida, Os Camaradas dos Cursos de entrada de 1948 e de saída de 1956
O Zé Paulo, “Shazan” foi sempre um bom Amigo, aliando à sua natural boa disposição uma excelente camaradagem, alicerçada na vivência colegial. Saídos do Colégio os nossos rumos de vida tiveram percursos muito diferentes e os nossos encontros foram esporádicos, acontecendo nas Romagens do Curso ao Colégio, a primeira das quais em que o encontrei teve lugar a 21 de Maio de 1982 quando se comemoraram os 25 anos da saída. Regressado de Macau após alguns anos de permanência neste Território, retornei aos almoços do Curso que se realizam, desde longa data e se mantêm actualmente, às primeiras quartas-feiras de cada mês. Ao tempo, esses almoços tinham lugar no Restaurante Celta da Rua Gomes Freire. O local era e ainda é péssimo para estacionamento de veículos. Nessas quartas-feiras, o Zé Paulo com um motorista e uma carrinha de uma das suas empresas, fazia um circuito recolhendo alguns de nós (nos quais estava incluído) levando-nos até ao local do almoço. No final, o circuito era feito em percurso inverso até aos locais onde tínhamos sido recolhidos. Estas pequenas viagens eram sempre divertidas, sendo um pretexto para umas boas gargalhadas com as graças e piadas que espontaneamente iam surgindo. Como este Mundo é pequeno, mais tarde conheci na casa do Estoril, dos seus Primos Carminho e Piki, a sua Irmã Maria. Os almoços e a tarde que se seguia foram momentos que se recordam com saudade e que se traduziam numa fraterna convivência resultante da hospitalidade e modo como os donos da casa recebiam os seus convidados. Reformado em 2003 e com o decorrer dos anos o Zé Paulo foi espaçando a sua presença nos almoços das quartas-feiras. Após o Colégio, frequentou o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (até ao 2.º ano). Frequentou diversos Cursos de «Vendas» e de «Marketing» em Lisboa, Londres, Rochester, Birmingham e Cambridge.
Os que nos deixaram
No cumprimento do serviço militar, fez uma comissão de serviço no Ultramar como Alferes Miliciano no Destacamento do Serviço de Material de Díli (Timor - 1963/65). Cumulativamente com esta comissão foi Professor de Inglês no Liceu Nacional de Timor, em Díli (1963 a 1965). De 1966 a 1969 foi Inspector da Mobil. A sua actividade empresarial começou como sócio do OCS Group U.K., fundado pelo seu grande amigo Dereck Goodliffe. Sócio-Gerente das Empresas: Limpotécnica – Sociedade de Limpeza Técnica e Mecânica, Lda., Santiria - Sociedade de Limpeza Técnica e Mecânica, Lda., Cemobe – Cedência de Mão de Obra, Lda., Cannon Higiene Portugal, Lda., Centúria – Segurança Privada, Lda. Sócio da Empresa Sociedade Comercial CROCKER, DELAFORCE & C.ª Lda. Presidente da “Associação de Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares” (1980/1998). Representante de Portugal na “European Federation of Cleaning Industries” (1985/1998). Vice-Presidente da “World Federation of Building Service Contractors” (1998/2002). Foi distinguido com a Medalha Comemorativa das Comissões de Serviço Especiais das Forças Armadas, com a legenda «Timor 1963-1965». A sua paixão clubística caracterizava-se por ser um Sportinguista de gema. Foi Membro do Conselho Fiscal da Associação de Antigos Alunos do Colégio Militar de 1993 a 2001. A Todos os seus Familiares, muito especialmente à sua Mulher Francine, apresentamos as nossas mais sentidas condolências.
Gonçalo Salema Leal de Matos 371/1949
NOTA
As fotografias e os elementos biográficos referidos, foram obtidos no livro “Histórias e Memórias” da autoria de José Alberto da Costa Matos (96/1950).
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Carlos Alberto Branco Martins da Rosa Garoupa (88/1951) Oficial de Marinha - Capitão-Tenente Nasceu a 23 de Agosto de 1941 Faleceu a 24 de Agosto de 2016
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onheci o Garoupa desde que entrei para o Colégio, onde ambos completámos o antigo 7º ano em 1959. O facto de ele ter sido Comandante da 4ª Companhia, já de si permite caracterizar alguns traços da sua personalidade, se considerarmos que essa graduação é normalmente atribuída em resultado de uma apreciação superior que, entre outros eventuais atributos, valoriza sobretudo a boa capacidade de liderança, a proeminência no Curso e o desembaraço físico dos escolhidos para tal cargo. E assim foi de facto: o Garoupa era um líder inato, tinha grande popularidade no curso e era dotado de forte poder e desembaraço físicos. Tanto quanto me lembro, integrou a classe especial de ginástica (que representou o Colégio em Bruxelas), era um exímio jogador de andebol e ganhou várias provas de lançamento do peso em torneios de atletismo. Mas para além desta destacada faceta física, sempre revelou no Curso grande respeito pelas virtudes da camaradagem e da lealdade, aquelas que estão afinal no cerne da nossa formação colegial. No seu relacionamento pessoal era bastante ponderado e calmo, disciplinado e disciplinador, mas revelando também sempre que oportuno um temperamento jovial, com um jeito muito peculiar de fino humor que fazia sorrir mesmo os mais sisudos. Finda a frequência do Colégio, concorremos à Escola Naval, tendo ambos sido admitidos juntamente com mais dois camaradas do nosso Curso
(o 75-Nascimento e o 404-Albuquerque). Embora o diversificado desenvolvimento das carreiras navais de cada um de nós e as vicissitudes da vida nos tenham apontado rumos diferentes nos respectivos percursos profissionais, que naturalmente nos afastaram do convívio mais frequente a que estávamos habituados, nem por isso o afastamento físico me fez esmorecer a sólida amizade e admiração que tinha pelo Garoupa. Os motivos de saúde que infelizmente o forçaram a abandonar a sua promissora carreira naval em capitão-tenente, com apenas 33 anos de idade, levaram-no assim a ter de mudar o rumo da vida e a estabelecer-se em Londres com a família, onde dispunha de melhores cuidados de saúde para acompanhar o seu complexo problema cardíaco. Apesar do profundo desgosto que essa fatalidade certamente para ele representou, soube reagir e adaptar-se a um novo modelo de vida, desvalorizando sempre a doença que o acometeu, em que o permanente apoio da Guida, sua mulher, e as boas recordações da sua carreira naval muito contribuíram para o equilíbrio psicológico que o seu forte carácter lhe permitiu atingir. Dedicou-se com afinco à informática e em pouco tempo atingiu o grau académico de consultor informático, habilitação que lhe proporcionou o exercício dessa função no Consulado-Geral de
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Portugal em Londres e trabalhos em diversas empresas privadas. Quanto à sua carreira naval, apesar de curta, foi bem recheada de intensas e diversificadas experiências, especialmente ao longo das três comissões de serviço que cumpriu no Ultramar: a primeira, como chefe de serviços em dois navios-patrulha em Angola; a segunda, como imediato de uma Companhia de Fuzileiros em Moçambique (Niassa); e a terceira, como comandante do navio-patrulha “Cacine” em Angola (navio que era a “menina” dos seus olhos). Nos intervalos entre comissões, foi instrutor e comandante de companhia na Escola Naval, comandante do draga-minas “Ribeira Grande” e terminou a carreira quando exercia o cargo de imediato da fragata “Almirante Magalhães Corrêa”. O teor dos três louvores individuais que recebeu atesta bem a qualidade dos seus desempenhos profissionais. Passados dezasseis anos de residência em Londres, decidiu regressar definitivamente a Portugal, quando foi informado de que a partir daquela altura a sua situação clínica poderia ser tão bem acompanhada em Lisboa como em Londres. Os seus muitos amigos, entre os quais se incluem naturalmente os camaradas de Curso do Colégio, passaram assim a ter o prazer de retomar com ele um convívio mais assíduo, especialmente nos almoços mensais que o curso vem frequentemente realizando. Embora cientes de que pendia uma espada sobre a cabeça do Garoupa, devido ao progressivo agravamento recente da doença de que padecia, foi com muita consternação que o Curso recebeu a notícia do seu falecimento. Fica-nos a consolação moral de que a sua alma recta e límpida terá certamente o descanso que merece. À sua mulher, Guida, às suas filhas, Rita, Cristina e Ana, ao seu filho Nuno, ao seu irmão Coronel João António Rosa Garoupa (286/1950), ao seu sobrinho Doutor Nuno Manuel Garoupa (286/1980) e a todos os seus demais familiares e amigos, a revista ZacatraZ expressa o seu profundo pesar por este triste acontecimento
José Manuel Castanho Paes 228/1952
Manuel Filipe Gomes Marçalo (478/1964) Engenheiro Civil Nasceu a 19 de Agosto de 1953 Faleceu a 14 de Setembro de 2016
Em memória de um amigo No passado dia 14 de Setembro faleceu o “nosso” Marçalo vítima de doença prolongada. Manuel Filipe Gomes Marçalo nasceu em Quelimane, Moçambique no dia 19 de Agosto de 1953, tendo ingressado no Colégio Militar em 1964 com o número 478. No início sentiu algumas dificuldades de adaptação ao Colégio, devido principalmente ao falecimento do seu Pai, tendo inclusive chumbado o 2º ano. Depois tornou-se num dos melhores alunos do curso tendo sido graduado no 7º ano, comandante da primeira companhia. Integrou o primeiro curso de paraquedistas realizados no Colégio Militar no ano lectivo 1970/1971. Concluídos os estudos no Colégio, entrou na Academia Militar em 1972 no curso de Engenharia Civil, tendo depois passado para o Instituto Superior Técnico (IST) onde terminou a licenciatura. Trabalhou na Câmara Municipal do Fundão onde foi chefe de divisão, tendo representado o Concelho na Associação Nacional de Municípios. Homem de grande valor, inteligente, tranquilo, modesto, sereno, delicado tinha sempre um sorriso nos lábios e era assim que ultrapassava as dificuldades da vida. Foi um exemplar Menino da Luz dignificando e honrando o Colégio Militar nos sítios onde passava. Sempre tive muita admiração pelo Marçalo, porque me ensinou os valores e as virtudes para que um homem se torne um alto valor para a socieda-
de. Foi sempre um Grande exemplo para todos nós. Amigo do seu amigo, todas as sextas-feiras me telefonava para saber como estavam os seus Camaradas de Curso. A coisa que mais gostava era que o fossem visitar, e ainda recentemente um grupo de Antigos Alunos deslocou-se ao Fundão para passar um fim-de-semana com ele e com a sua família. Foi inesquecível. A todos os seus familiares, ao seu filho Miguel e à sua esposa Quina, companheira de toda a vida nos bons e maus momentos e que nunca o abandonou, apresento as minhas mais sentidas condolências. Termino contando uma história que se passou no Colégio e que na altura era famosa dentro e fora do nosso Curso: o Marçalo era o melhor aluno do curso a Geometria Descritiva. Então uma vez no 7º ano o Prof. Jorge de Oliveira de alcunha o “Fá”, ao atribuir a nota de um exame, virou-se para ele e perguntou-lhe: Oh “Fá” querias 20? Pois é, levas 19 porque não és Comandante do Batalhão. Na véspera do seu falecimento relembrei-lhe esta história e ainda lhe consegui ver um último sorriso.
João Manuel Simões Carvalho 464/1964
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