Biografia do diabo brasileiro issuu

Copyright©2015 por Jaziel Guerreiro Martins Todos os direitos reservados por: A.D. SANTOS EDITORA Al. Júlia da Costa, 215 80410-070 Curitiba – Paraná – Brasil +55(41)3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br

Capa: Adilson Proc Revisão: R. C. C. Gomes Editoração: Manoel Menezes Acompanhamento editorial: Priscila Laranjeira Impressão e acabamento: Gráfica Impressul

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) MARTINS, Jaziel Guerreiro Biografia do Diabo Brasileiro / Jaziel Guerreiro Martins – A.D. Santos Editora, Curitiba, 2015. 176 páginas.

ISBN – 978.85.7459-362-3 1. Teologia Social Cristã (Atitudes do Cristianismo frente aos assuntos seculares e outras religiões) CDD: 261 1ª Edição: Julho / 2015 – 2.000 exemplares.

Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.

Edição e Distribuição:

Prefácio

É

com seriedade que o livro de Jaziel Guerreiro Martins, mestre pela Universty of Birmingham, Inglaterra, e doutor pela UMESP, Brasil, é recebido pelo público. Coordenador e professor titular na Faculdade Teológica Batista do Paraná o autor confronta sua rica formação intelectual à prática docente e pastoral. Um dos resultados desse labor teológico é a obra que ora é apresentada. Trata-se de uma reflexão antropológico-teológica cujo propósito é traçar uma biografia do “diabo brasileiro”.

Longe da complexidade que o próprio tema sugere, o autor introduz, de forma didática e simples, alguns temas da demonologia cristã. Busca compreender o porquê da sensibilização de muitos pregadores, evangélicos ou católicos, acerca do demônio e dos exorcismos, como solução de todos os problemas existenciais. Onde estaria a raiz deste culto que funciona como “empresa sagrada”, alternativa ao império do medo e do terror? Essa “empresa”, favorável à psicologia de massa e a uma teologia da prosperidade, atende à demanda de segurança, cura e libertação? Jaziel conduz, de forma agradável, sua pesquisa acerca do sincretismo religioso no Brasil, observando que esta realidade produz uma matriz favorável ao diabo formatando-o segundo os anseios e necessidades da própria cultura. i

Nesta linha, vê-se que o demônio não é novo, nova é a forma de lidar com ele. Jaziel se aventura a passear pela história da demonologia, a fim de encontrar as origens desta matriz e certificar-se da nova cara do diabo. Vai à teologia dos Pais da Igreja, ao Cristianismo Medieval, à Idade Moderna até chegar ao cenário de uma religiosidade popular do século XVIII, onde se constata, no Brasil, uma “demonopráxis” sui generis.

A cosmovisão medieval, como observa o autor, sugeria o espaço abaixo do Equador como uma região inferior, habitação das legiões satânicas. Esta visão denunciava não só a relação entre os brancos europeus e os nativos americanos, mas uma nova face do diabo. Com a colonização, e a nova situação escravocrata, esta visão se alarga e, de forma sincrética, personagens do imaginário religioso europeu, indígena e africano se reúnem formatando uma “demonopráxis” mais sincrética.

Atualmente, além desses pressupostos, o autor vê na formulação da demonologia brasileira, o papel importante da tradição judaico-cristã, do protestantismo e do pentecostalismo oriundos dos Estados Unidos. Ressaltando o campo evangélico o autor aponta para um componente importante na civilização protestante-bíblico-norte-americana. Enviados ao Brasil os missionários norte-americanos teriam que computar as conversões individuais e, além de negligenciarem as lutas pela justiça e liberdade coletiva, centravam-se na oposião ao Catolicismo, ii

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entendido como a religião do demônio. Muitos, oriundos do Catolicismo, depois de convertidos, se embrenharam nesta luta, porém ligados ao campo simbólico anterior. Engatilhava-se uma mistura do Catolicismo popular, do protestantismo pentecostal americano e os cultos afro-brasileiros.

Nesta confusão, segundo o autor, se perdeu não só a forma protestante de interpretar a Bíblia, mas a noção do que de fato seja o batismo no Espírito Santo. Uma nova forma celebrativa entra em cena: o exorcismo e a batalha espiritual atuam “como instrumental de reorganização do universo dos clientes, separando o bem do mal”. Ao redor do “diabo brasileiro” há, ao mesmo tempo, manifestações de glossolalia e possessões redefinindo uma hermenêutica nova em torno do assunto.

O livro é interessante, resgata à teologia evangélica um tema controverso, porém necessário, em dias de turbulência religiosa. Mostra que a demonologia não se reduz em saber quem ganhou a “batalha espiritual” e se a pessoa estava a serviço do diabo antes de sua conversão. Quer ser um trabalho crítico, acima de tudo, pois como se sabe, à luz da Bíblia, só Jesus é digno de toda honra e toda glória.

O presente trabalho leva a pensar na gravidade do mal que, muitas vezes, devido ao seu discurso bem elaborado, chega como “aparência” de bem. É por essas e outras que esta obrea motiva seus leitores, estudantes e agentes de pastoral, a buscar uma reflexão séria, sem a qual dificilmente se pode ressaltar iii

a obra salvífica de Jesus Cristo, ponto de partida de todos que aderem à fé crista.

Dr. Prof. José Neivaldo de Souza Faculdade Teológica Batista do Paraná Faculdade Evangélica do Paraná

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Sumário Introdução............................................................... 1 Capítulo 1.

O enorme fascínio pelo diabo............................. 7 Capítulo 2.

Matriz religiosa brasileira e sincretismo religioso brasileiro............................................................ 23 Capítulo 3.

Religiosidade popular no Brasil Colonial: origem remota da demonopráxis brasileira................... 45 Capítulo 4.

Possessão, exorcismo, demônios e sabás no Brasil Colonial.................................... 73 Capítulo 5.

Catolicismo popular e sincrético no Brasil Colônia: componente fundamental para o desenvolvimento do diabo brasileiro............................... 85 Capítulo 6.

A demonologia da idade média: componente básico para a teorização do diabo brasileiro........................................... 103

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Capítulo 7.

A civilização protestante-bíblico-norte-americana: componente importante na teorização da demonologia evangélica brasileira............. 117 Capítulo 8.

O demônio brasileiro em certos grupos atuais: aspectos da assimilação da demonopráxis e da demonologia brasileira.................................... 127 Considerações Finais........................................... 147 Bibliografia........................................................... 151

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Introdução

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xiste no mundo hoje uma crescente exacerbação da ideia do Mal que pode ser verificada também no contexto religioso do Brasil, particularmente em certos grupos religiosos cristãos, onde se dá grande ênfase à figura do demônio, o qual é um personagem possuidor de poderes quase que infinitos e que estaria em constante luta contra Deus e contra aqueles que procuram manter seus votos de fidelidade a Deus. Acontecem, então, sessões de exorcismo e práticas de expurgar o(s) demônio(s) de seu meio, que têm sido cada vez mais constantes, provocando no imaginário dos fiéis certas crenças e provocando determinadas reações que necessitam ser estudadas e interpretadas teologicamente. É visível a qualquer pessoa o crescimento dos movimentos dessa natureza em que a questão do “demônio” tem recebido grande valor e significado, reacendendo a importância do demoníaco no pensamento teológico, sendo, portanto, extremamente necessária uma análise teológica do assunto. Por isso, o assunto é fundamental nos círculos teológicos e eclesiásticos, tornando uma pesquisa dessa natureza importante para os teólogos, bem como para os líderes das mais diferentes religiões, vindo a se tornar um instrumento para pesquisa e reflexão das pessoas que se interessarem pelo assunto.

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Assim, procura-se estudar a demonologia presente em solo brasileiro, tentando mostrar que esta “doutrina cristã” chega a ocupar todo o espaço da teologia como discurso sobre o sagrado, e, o restante do discurso teológico é formulado a partir da prática e do discurso sobre o demônio.

Este livro visa proporcionar uma importante contribuição advinda do ressurgimento e do recrudescimento da questão do mal, que esteve presente em outros períodos da história humana, particularmente na tradição cristã, na Idade Média em especial, com ênfase na dicotomia do Bem e do Mal, que é enfaticamente asseverada em terras brasileiras em pleno século XXI. Procuraremos mostrar e analisar historicamente as origens remotas e recentes das práticas e crenças sobre o demônio brasileiro, proporcionando, assim, um melhor entendimento do imaginário popular das pessoas deste país, bem como ajudando no entendimento e na interpretação da forte presença da crença dicotômica do Bem e do Mal na mente brasileira.

Ao se descrever a demonopráxis1 e a demonologia2 de certas igrejas brasileiras da atualidade, e verificar que seu discurso sobre o diabo tem sido o 1 “Demonopráxis é o termo usado para indicar toda a prática demonológica como, por exemplo, as possessões, exorcismos, sabás, magias, incorporações, e elementos presentes nos cultos de “batalha espiritual”.

2 Demonologia é o estudo da doutrina cristã acerca do diabo e dos demônios, bem como de suas atividades. É uma parte da Teologia que visa explicar a origem e função desses seres tidos no Cristianismo como anjos caídos.

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eixo principal de sua teologia, procura-se, investigar quais seriam as origens remotas e recentes dessa crença propagada por algumas igrejas neopentecostais, determinadas igrejas pentecostais e até certas igrejas históricas isoladas. Onde estariam as raízes dessa “demonopráxis” e dessa “demonologia”?

Estaria a gênese de seu pensamento diretamente vinculada apenas à tradição judaico-cristã ou deveríamos buscar dentro da matriz religiosa brasileira os elementos que fizeram formar e desenvolver dentro dessas Igrejas tal ênfase no demoníaco? Qual o papel desempenhado pelo sincretismo religioso brasileiro e pelo Catolicismo popular brasileiro desde a sua chegada no Brasil em 1500? O diabo tão odiado e combatido por alguns grupos religiosos seria um diabo cuja teorização se retira da Bíblia ou é um diabo formatado cultural e historicamente em solo brasileiro? É a isso que se propõe a responder os estudos aqui abordados.

Não trabalharemos a demonologia sob a ótica teológica. No entanto, não se debaterão aqui os textos bíblicos que falam sobre o diabo nem se abordará o desenvolvimento teológico da ideia cristã sobre o demônio. É óbvio que a crença no diabo sempre foi a forma que o cristianismo de todos os tempos encontrou para explicar sua própria maldade e ignorância, medos e ódios, invejas e violências. Para isso, nada melhor do que outro livro a ser escrito futuramente que trate desse ser potentíssimo, abaixo apenas da divindade criadora, fisicamente semelhante ao 3

homem, a quem era e é atribuído aquilo que os seres humanos não têm coragem de atribuir a si mesmos.

Mostraremos a exacerbação na história brasileira de um ser potentíssimo, arquirrival de Deus que serve em nossa cultura como um bode expiatório.

O ser humano não seria, portanto, responsável por nenhum mal; o diabo brasileiro é culpado de tudo.

O demônio brasileiro, como o conhecemos hoje, é fruto do advento do cristianismo, mas ele tem suas particularidades, exclusividades e nuances só vistas, cridas e propagadas em solo brasileiro. Por isso, estuda-se nessa abordagem, apenas e exclusivamente o diabo com a cara brasileira, após se verificar prováveis influências no imaginário cristão brasileiro que foram se formando com o passar do tempo.

Tomamos como referencial histórico para a formatação do diabo brasileiro a matriz religiosa brasileira e o sincretismo religioso que está presente em nosso povo, enfatizado por vários autores, especialmente Pierre Sanchis. Também serão importantes as descrições do imaginário religioso brasileiro, principalmente aquelas feitas por Laura de Mello e Souza, professora de História Moderna na Universidade de São Paulo desde 1983, pesquisadora de ponta em nossa historiografia, a qual escreveu duas importantes obras sobre a temática em discussão: O diabo e a Terra de Santa Cruz, escrita em 1986 e que já está na quinta reimpressão e, Inferno Atlântico, obra escrita em 1993.

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Evidentemente, não conseguiremos contemplar todos os aspectos demonológicos de determinados cultos brasileiros, pois isto é por demais abrangente e quase inesgotável. O propósito é, ao contrário, circunscrever-se dentro da demonopráxis e da demonologia existente em nossa pátria, em que se procura mostrar que o discurso teórico advém da extrema valorização de uma prática de exorcismo realizada durante o tempo do Brasil Colonial para a partir dessa práxis se estabelecer uma doutrina que é o eixo hermenêutico de toda a teologia propagada por essas igrejas.

A pesquisa realizada sobre este tema procura salientar de uma forma abrangente e profunda a importância de uma análise histórico-cultural sobre o diabo brasileiro. Espera-se que, ao entrar em contato com o material produzido, haja interesse em se continuar a pesquisar essa crença sob a perspectiva sociológica e teológica. O desafio em prosseguir nessa linha é grandioso. Ainda existem caminhos a serem percorridos em busca de respostas, bem como do aperfeiçoamento de pesquisas já existentes. Os temas sobre a demonologia brasileira são quase inesgotáveis. Vale a pena procurar as “pérolas” escondidas nessa área.

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O ENORME FASCÍNIO PELO DIABO

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bem verdade que desde sempre o demônio tem fascinado a humanidade em geral; mesmo a sociedade atual, científica e denominada por alguns de pós-moderna não consegue viver sem ele, pois tal crença ajuda a identificar e até a exorcizar os impulsos primários de determinadas pessoas. Sempre foi assim: aquilo que lembra ao ser humano que ele é animal, como por exemplo, a excreção, o vômito, a violência, a doença, a morte e o aspecto grotesco do sexo, é considerado como algo demoníaco. Em contraste, é divino tudo aquilo que lhe dá a impressão de que ele pode se colocar acima dos outros animais, como por exemplo, a razão, a inteligência, o amor, a renúncia aos instintos básicos e o aspecto sublime do sexo.

Ao longo da história, o diabo tem sido uma das figuras centrais do imaginário, tanto do cristianismo quanto de alguns outros grupos religiosos. A crença na sua existência tem sido geralmente atribuída à necessidade de se personificar um elemento como o representante do mal. É o desejo de encontrar coerência entre a fé num único Deus, bondoso e misericordioso, com a desgostosa presença do mal 1. O enorme fascínio pelo diabo

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no mundo. Como explicar a existência da maldade ou a procedência de certos acontecimentos que não se encaixam dentro do conceito de bondade, justiça e santidade divinas, senão atribuir a um ser pessoal todas essas manifestações maléficas e injustas?

Como explicar a existência da maldade ou a procedência de certos acontecimentos que não se encaixam dentro do conceito de bondade, justiça e santidade divinas, senão atribuir a um ser pessoal todas essas manifestações maléficas e injustas?

Em certo sentido, não seria exagero asseverar que ele tem sido redescoberto em nossos dias e como alguém com muita vivacidade que age com muita intensidade. No início de um novo milênio, ele parece estar vivo e atuante, e em alguns círculos religiosos brasileiros aparece com os super poderes de outrora. E, como não poderia deixar de ser numa sociedade brasileira marcada pelo sincretismo e pela superstição, a idéia do demônio encontrou no Brasil um campo vasto no imaginário religioso de grande parte da população religiosa.

Há vários círculos cristãos que tentam convencer seus fiéis e a humanidade de que o demônio existe, que ele é um ser pessoal e exerce um tremendo poder quase que absoluto sobre as pessoas. Escritores católicos e protestantes tratam da existência do diabo e dos demônios, descrevendo sua origem, sua natureza e suas atividades. Pregadores cristãos 8

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sensibilizam boa parte da população com os exorcismos espetaculares realizados em seus templos, intervindo em um mercado de necessitados em que as pessoas estão completamente desiludidas com os meios convencionais de solução de seus problemas existenciais, bem como dos problemas de saúde. É nesse contexto todo que emerge a “demonopráxis” e a “demonologia” de certos grupos religiosos brasileiros.

Muitos pregadores estão enfatizando, até com certo exagero, que o diabo é a origem direta das doenças, da miséria, dos desastres e de todos os poderes que afligem a humanidade desde o seu início na Terra. Não se levam em conta as questões físicas, emocionais, psíquicas, políticas, sociais e culturais de um povo que vive na miséria e sem dinheiro para qualquer tratamento de doença, cercado por inúmeras superstições presentes na cultura em que vivemos.

A multidão de seguidores não se importa em engordar a contas bancárias de determinadas Igrejas tidas como evangélicas, com ofertas muito além de generosas, querendo em troca a garantia de que o diabo, amarrado e aprisionado pelas orações, mandingas ou feitiços de seus pastores ou outros líderes religiosos não venha atrapalhar sua saúde, seus negócios ou seus planos.

Ao lado disso, tem havido uma crescente preocupação nos círculos acadêmicos de Teologia, tanto em território brasileiro quanto no exterior, com a 1. O enorme fascínio pelo diabo

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questão do recrudescimento da ênfase sobre o mal. É um assunto assaz importante em um mundo em que os extremismos religiosos, políticos e ideológicos se exasperam. Há uma crescente assimilação da dicotomia entre o Bem e o Mal, sendo dada grande ênfase à figura do mal e do demônio em se tratando de contextos de conflitos e de alteridade.

No contexto exclusivamente religioso, essa problemática pode ser vista com muito maior clareza, pois, ao longo da história humana, a religião tem sido uma das causas de divisão e profundos conflitos entre vários povos de todas as partes do globo, uma bandeira para a guerra, para o exclusivismo, para o ódio e a separação entre os povos. Embora entre intelectuais e alguns líderes religiosos esse preconceito não esteja mais tão presente como fora outrora, percebe-se nitidamente que os grupos fundamentalistas das mais variadas religiões se enclausuram cada vez mais dentro de seus dogmas e sistemas, supervalorizando suas crenças e ritos em detrimento das crenças das outras religiões. Com isso, promovem e aguçam o preconceito religioso, quando se consideram a si mesmos como sendo uma agência exclusiva ou especial das forças divinas na terra e o outro como sendo um representante das forças do mal.

Essa crescente exacerbação da ideia do Mal pode ser verificada também no contexto religioso do Brasil, onde se dá grande ênfase à figura do demônio, o qual é um personagem possuidor de poderes quase que infinitos e que estaria em constante luta contra 10

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aqueles que procuram manter seus votos de fidelidade a Deus. Destarte, sessões de exorcismo e práticas de expurgar o(s) demônio(s) de seu meio têm sido cada vez mais constantes em várias religiões, provocando no imaginário dos fiéis certas crenças e provocando determinadas reações que necessitam ser estudadas e interpretadas teologicamente.

Ao longo da história humana, a religião tem sido uma das causas de divisão e profundos conflitos entre vários povos de todas as partes do globo, uma bandeira para a guerra, para o exclusivismo, para o ódio e a separação entre os povos.

É visível a qualquer pessoa o crescimento dos movimentos que enfatizam a luta renhida entre o Bem e o Mal no mundo e, em particular, no Brasil.

A questão do “demônio” tem recebido grande valor e significado no pensamento religioso, reacendendo a importância do demoníaco no pensamento teológico, sendo, portanto, extremamente necessária uma análise teológica do assunto. Por isso, o assunto é fundamental nos círculos teológicos e eclesiásticos, tornando uma pesquisa dessa natureza importante para os teólogos, bem como para os líderes das mais diferentes religiões, vindo a se tornar um instrumento para pesquisa e reflexão das pessoas que se interessarem pelo assunto.

Procuramos fazer uma leitura e investigação da demonologia estabelecida no Brasil, tentando mos1. O enorme fascínio pelo diabo

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trar que esta “doutrina cristã” chega a ocupar todo o espaço da Teologia como discurso sobre Deus, o divino e o sagrado em alguns círculos religiosos. O restante do discurso teológico, tais como Cristologia, Soteriologia, Trindade e Eclesiologia, dentre outros, é formulado a partir da prática e do discurso sobre o demônio. A principal função deste é de fornecer um instrumento de interpretação ou “interpretante” da existência ou da condição humana, manifestando-se no comportamento total, individual e coletivo das pessoas que frequentam determinados ritos religiosos. As práticas realizadas em certos rituais implicam determinadas crenças ou ideias, pensamentos, sentimentos, emoções, fragmentos de explicação e compreensão, formulados como discursos cuja tonalidade geral é uma espécie de “maniqueísmo” religioso, ético e moral.

A pergunta que se levanta nessa problemática é a seguinte: Onde estariam as raízes da “demonopráxis” e da “demonologia” crida, cultuada e propagada por determinados grupos religiosos no Brasil? Estaria a gênese desse pensamento direta e exclusivamente vinculada apenas à tradição judaico-cristã ou deveríamos buscar dentro da matriz religiosa brasileira os elementos que fizeram formar e desenvolver no Brasil essa ênfase no demoníaco? Qual o papel desempenhado pelo sincretismo religioso brasileiro e pela tradição cristã, especialmente pelo neopentecostalismo, na formulação da demonologia difundida hoje no Brasil em igrejas neopentecostais, pentecostais e 12

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até em igrejas denominadas históricas? É a isso que se propõe a presente pesquisa.

A pergunta que se levanta nessa problemática é a seguinte: Onde estariam as raízes da “demonopráxis” e da “demonologia” crida, cultuada e propagada por determinados grupos religiosos no Brasil?

Há determinados fatores que levam muitas pessoas a buscarem e construir um sentido para suas vidas em liturgias que enfatizam o demoníaco e na sua forma em que esses rituais veem o mundo. Há algo que se encontra dentro desses rituais que não se encontra em outros lugares. Já que a ênfase no demoníaco é o elemento explicativo principal de toda a realidade, haveriam obviamente algumas funções dentro desses grupos religiosos que não são encontradas em outros grupos religiosos. Caso contrário, esses rituais não estariam repletos de pessoas que buscam algum significado de sua existência. A mídia realmente tem o um papel importante, com certeza; mas seria só isso? Querendo ou não, a ênfase demonológica presente em alguns grupos religiosos ajuda a construir um sentido que vem norteando profundamente as pessoas que a procuram: elas veem o mundo através de uma lógica própria e possuem uma experiência da criação de sentido que vivenciam dentro de um ritual que é baseado em uma ênfase exacerbada sobre o(s) demônio(s).

1. O enorme fascínio pelo diabo

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Assim sendo, a demonologia tem sido usada como uma ressignificação e superação do sofrimento humano. Quando se entra no universo de um ritual que enfatiza o demoníaco, percebe-se a existência de um aspecto que está sempre presente na experiência religiosa dos fiéis e que, sem esse elemento, não existiria o grande crescimento de certas igrejas; aliás, essas igrejas nem mesmo existiriam: é a demonologia com seus mais variados aspectos, principalmente o fenômeno do exorcismo que faz com que elas cresçam. O fato é que cura, conversão e prosperidade, aspectos muito enfatizados nesses cultos, estão unidos e interligados a um eixo comum que é a demonologia. Por esse motivo, é preferível falar de um único eixo principal - a demonologia - que explica e justifica a existência dos outros elementos verificáveis na vida humana.

A crença no diabo sempre foi a forma que o cristianismo de todos os tempos encontrou para explicar sua própria maldade e ignorância, medos e ódios, invejas e violências. Para isso, nada melhor do que um ser potentíssimo, abaixo apenas da divindade criadora, fisicamente semelhante ao homem, a quem era e é atribuído tudo aquilo que os seres humanos não têm coragem de atribuir a si mesmos.

O ser humano não seria, portanto, responsável por nenhum mal; o diabo é culpado de tudo. O demônio, como o conhecemos hoje no Brasil, não é fruto direto apenas do advento do Cristianismo, produto da crença de que Deus é totalmente bondade e, 14

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