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Pesquisa

Mito X História: Religião Africana no Brasil. Por Júlio Cesar Rouberte

A

muito temos observado que existem

conhecimentos Jeje a liturgia de outras nações do

poucos trabalhos acadêmicos sobre o

candomblé, como o Angola e Keto fundando assim

tema

Brasil

o Jeje do Rio de Janeiro. Nota-se essa junção de

no

nações pelo título de Tata que ele carrega, título da

Candomblé. Qual a vantagem disso? O iniciado

nação Angola, pois se fosse no Jeje de Cachoeiro

domina os segredos da religião enquanto o

ele seria Hongbono Fomutinho de Osun(Oxum).

realizados

por

religião

Africana

Historiadores

no

iniciados

Historiador domina o meio acadêmico, a junção dos dois beneficiaria a Historiografia Brasileira. Com isso colocamos a disposição da Historiografia a nossa condição de Vodunon (sacerdote do culto Vodun a que fui iniciado no ano de 1988) devo

No Jeje Mahi os Voduns estão divididos por 3 famílias, a família Nagô, a família Kaviuno e a família de Dan. 

Família Nagô: Azansu, Ogun, Agué, Odé, Osun

salientar que meu olhar para o referido tema é de

(Oxum), iyemoja (yemanja), Oya (yanssan),

uma visão acadêmica e não sacerdotal.

Nãnã e Olissa.

Antes de começar a desenvolver o tema desse

Badé, Loko (Yroko), Avlekete (Averekete),

artigo faremos algumas explicações para que o

Akronbé (Akarunbé), Bogun e Jokolatino, Aziri.

leitor se familiarize com alguns aspectos do culto Vodun de liturgia Jeje Mahi de Cachoeiro de São Felix, BA. Menciono o Jeje Mahi Cachoeirano, pois

Família Kavionu ou Kaviuno: Kpossu, Sogbo,

Família de Dan:

Bessen, Akotoguem,

Guemguem, Jiku.

existe o Jeje Mahi do Rio de Janeiro que apesar de

A família Nagô é considerada da terra, a Kaviuno

ter sido trazido pelo finado Tata Fomutinho do kwe

do céu, e a de Dan faz a ligação do céu com a terra.

Seja Hunde também de Cachoeiro, tem muitas

Cada família possui um seu (exu) representante ou

diferenças na sua liturgia, pois Fomutinho não fora

guardião, vejam bem, não estamos falando de exu

consagrado sacerdote pela Seja Hunde, e ao chegar

de Umbanda, pois para o candomblé eles não são

em terras cariocas Fomutinho somou aos seus

exus, são catiços. Estamos falando de seu (exu)


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Vodun, são eles, legbara da família Kaviuno, Tiriri

Reza a lenda que durante o período de expansão

da família Nagô e Sorokwe (xoroquê) da família de

a filha do Rei de Adja-Tado que se chamava

Dan. Também temos o Vodun feminino Aizan

Aligbono perdera-se com outras jovens na floresta,

ligado a ancestralidade.

as jovens se depararam com uma Pantera (Kpó ou

Principais casas de Jeje Mahi. 

 

Pó em português), todas correram do animal. Mas Aligbono não conseguiu escapar da Pantera e não

Zo Godo Bogun Malé Hunde. Casa matriz

retornou a seus pais, só aparecendo bem mais tarde

fundada por Ludovina Pessoa Altamira em

declarando que a Pantera havia lhe deflorado. Com

Salvador, BA.

o passar do tempo à princesa percebe que

Kwe Sejá Hunde. Também fundada por

engravidara da Pantera. Dessa união ilícita,

Ludovina em Cachoeiro de São Felix, BA.

Aligbono dá à luz a um menino que fora chamado

Hunkpame Hunto Loji. Fundada por Maria

de Agassu (filho do adultério). Nesse exato ponto

Luiza (Gaiyaku Luiza).

vemos uma influência direta da Religião do Vodun, já que no Togo a Pantera e a manifestação de

Essas são as casas de referência da Nação Jeje

Hevioso dentro da floresta. Então Aligbono não

Mahi. Esperamos que essas notas tenham ajudado

engravidara de um animal, tendo em vista que a

um pouco a conhecer a História da Nação, que são

fertilização seria impossível, e sim do Vodun

passadas de geração em geração dentro dos

Hevioso na forma de Pantera. Já para o

terreiros de forma Oral, pois a religião Africana é

Antropólogo Luís Nicolau Parés2 afirma que Agassu

Oralidade. Agora podemos adentrar no tema deste

seria marido de Aligbono e não seu filho.

artigo.

Contrariando os Historiadores do Museu de Abomey, que afirmam que Aligbono é mãe de

A lenda de Agassu na África e sua relação com os

Agassu. Ainda em seu livro, Parés tenta colocar a

Voduns da família Kaviuno no Brasil.

palavra “Jeje” como sinônimo de uma etnia ainda a

Segundo fontes do Museu de Abomey1, o povo

ser descoberta, não levando em conta que o

Fon. Tem a sua maior expressão Histórica através do

significado desta palavra de origem Yorubana quer

Reino do Dahomey, e na diáspora Africana através

dizer “estrangeiro”, como sugere Vivaldo da Costa

do Vodun. Sua origem está relacionada ao Reino precursor de Adja-Tado que devido a inúmeras campanhas militares se expandiu muito, e cuja capital era Tado (atual togo). No Benim atual essa origem é conhecida como História da migração Aladaxonu, especialmente pela relação e forma Togoudo-Abomey instalada no planalto Gedevi.

1

Contexto da criação do Reino de Danxomé. Arquivo pessoal: Documento enviado por e-mail pelo Museu de Abomey em 30/04/2013.

2

PARÉS, 2007. p. 33.


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Lima.3 Por exemplo: Jeje Mahi, que significa o

A importância de se estudar a origem de Agassu e

estrangeiro de Mahi, ou Jeje Savalu, que significa o

o seu paralelo com os Kaviunos no Brasil vai além de

estrangeiro de Savalu.

sua importância religiosa, pois um guerreiro mítico

Mesmo achando que a hipótese levantada por Vivaldo seja bastante convincente, Parés4 alega que as migrações de estrangeiros Adjas só se deram na área de Porto Novo, a partir de 1724 com a conquista de Allada por Agaja, após o surgimento do termo “jeje” no Brasil. O que Parés não percebe é que o termo “Jeje” sendo de língua yoruba tem a sua origem em Oyó situado no oeste da Nigéria, portanto anterior aos Adjas e até anterior ao surgimento de Porto Novo. O próprio Parés reconhece que suas alegações são inconclusivas5,

fundador de um clã que seus descendentes foram fundadores de vários Reinos na África, como por exemplo o Dahomey e Allada, merecem a nossa atenção, pois segundo os Historiadores do Museu de Abomey, essa migração dos descendentes de Agassu renderam muitos escravos para os Portugueses, e que provavelmente foram trazidos para o Brasil. Qual relação de seus filhos com os Voduns do Jeje de origem de Cachoeiro? Será que o Vodun Aziri também Kaviuno seria alguma princesa descendente de Agassu?

pois em seu próprio livro, ele afirma que a origem

Voltamos nosso olhar acadêmico para as lendas

etimológica do termo permanece em aberto

contadas pelos antigos do culto que foram passadas

precisando de estudos futuros para resolver o

de geração em geração, muitas dessas lendas não

problema.

batem quando as cruzamos com as Histórias do

Voltando a origem de Agassu e o seu paralelo com a família Kaviuno no Brasil. Vejamos alguns Voduns desta família aqui no Brasil pela liturgia do Jeje de Cachoeiro de São Félix -BA: Kpossu (homem pantera ou filho da pantera) pai de Sogbo; Sogbo pai de Badé e de Avlekete; Loko vodun que reside em um Atinça ou árvore sagrada, considerado um Vodun Hunvé (Vodun vivo). Analisemos esse paralelo! Se Kpossu

que é cultuado

nos

Candomblés da Bahia e do Rio de Janeiro é o mesmo Agassu filho de Aligbono então os filhos de Agassu teriam que ser Sogbo e Loko e seus sobrinhos seriam Badé e Avlekete. Agassu ou Kpossu na África é considerado um Vodun étnico fundador sobrenatural de um clã os Agassuvi ou Kpovi6.

continente Africano. Nossa visão de Vodunon não nos impede de enxergar a realidade das divergências encontradas na nossa pesquisa, muito ao contrário, através desses contextos pretendemos chegar mais perto possível dos processos de culto ao Vodun. Uma dessas divergências é sobre o Vodun Avlekete que aqui no Brasil é masculino, e para a nossa surpresa quando conversamos com Alfred Kossa, um dos Historiadores do museu de Abomey nos mandou uma foto de um Vodun feminino de nome Avlekete. Avlekete no Brasil é masculino tido como pescador. Como na África é um Vodun feminino? Como ocorreu essa inversão de gênero aqui no Brasil? Outro fato confuso é com o Vodun Sogbo, no Jeje Mahi ele é masculino e no Jeje mina ele é feminino como sugere Pereira nunes7. Quem está certo? E se levarmos em

3

6

4

7PEREIRA,

Parés, 2007.P. 50. Parés, 2007.P.50. 5 Parés, 2007.P.52.

Contexto da criação do Reino de Danxomé, 30/04/2013 1979.


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consideração que na liturgia Jeje Mahi ele é filho de Kpossu, qual dos filhos de Agassu ele seria? Uma outra consideração a ser abordada, é se Nã Agotimé foi a fundadora da casa das Minas como sugere Pereira nunes8 e Ferretti9, como Nã Agotimé não saberia o gênero de Sogbo e de Avlekete se ela pertencia ao Clã dos Agassuvi sendo Mãe de Guezo? Para Alberto da Costa e Silva Nã Agotimé talvez não fora mãe de Guezo, pois em outras tradições ela figura como ama de leite e em outras como sua protetora mas fora por esse chamada de Kpojitó ou Rainha-Mãe por ser a mais importante esposa do Rei na hierarquia de seu arem10. As divergências não param por ai, novamente com Alfred kossa, colocou em sua página do Facebook uma foto de um homem incorporado com Aizan

Avlekete Vodun sereia espirito mural Daagbo Hounon Dodo Palace Ouidah, Benin. (Will Way)

uma divindade masculina, conhecida como o Rei do comercio no Benin. Novamente ficamos surpresos

cultuada no Jeje de uma forma completamente

com a informação, pois Aizan é uma divindade

distinta. Nas casas de Jeje Mahi Aizan tem o seu

Vodunci incorporado pelo Vodun Aizan. 8

Idem, Bidem. 1996.

9FERRETTI,

10

SILVA, 2004. p.103.


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Otutu ou assentamento sagrado no tempo, em céu

grande centro comercial cosmopolita. Então a

aberto dentro do terreno da casa de santo,

informação de que Amar (Aizan) é o Rei do

vinculado aos ancestrais da casa, tem uma grande

comércio, confirmando assim o equívoco da liturgia

importância no culto. Aizan é na liturgia conhecida

Jeje no culto de Aizan. Outra divergência no culto

como a senhora do comércio, esposa de Legbara,

de Aizan, é que aqui no Brasil nos é ensinado de que

em que ponto da História Aizan mudou de gênero

não se incorpara com Aizan, esta alegação cai por

masculino para o feminino? Como surgiu o fato de

terra com a foto postada por Kossa de um homem

ele ser considerado esposa de Legbara aqui no

incorporado pelo vodun. Quem trouxe essa

Brasil? Para alicerçar a informação de Kossa,

informação para o culto aqui no Brasil? Se Aizan é

Alberto da Costa e Silva faz uma referência a Aizan

considerado o Rei do comércio e seu Otutu em

como o Rei

Amar11

impôs em setembro de 1704,

que Franceses, Holandeses, Ingleses e Portugueses o respeito a Huedá proibindo que trouxessem a guerra de sucessão, e ameaçou com fortes multas e expulsão de quem rompesse com a neutralidade de comércio. Graças a Amar Huedá se tornou um

Ouidá fica no centro do comércio. Porque no Brasil ele é ligado a ancestralidade e não ao comercio? No Brasil o ritual ligado a Aizan é chamado de Zandró, que reverenciam a memória dos familiares e antepassados do culto. O Zandró é composto por cânticos, evocações, e muitos preceitos específicos.

Otutu de Aizan no centro do comércio de Ouidah, Benin. 11

SILVA, 2004. p. 45.


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As danças nos rituais do Zandró são feitas sempre

mulheres. Intencionamos continuar a pesquisar

de joelho e tocado com Atabaques e cabaças

estas questões. Para que possamos juntos com os

ornadas com lágrimas de Nossa Senhora, este

Historiadores do Museu de Abomey, trazer uma

eventos são feitos sempre no dia anterior os festivos

nova ótica da religião Africana no Brasil.

abertos ao público.

Júlio Cesar Rouberte é graduando em Licenciatura em História pelas Faculdades Integradas Simonsen.

Cânticos de Aizan: “Aizan eee ó Vodun Aizan bereo Aizan eee ó Vodun Aizan bereo Aizan mono jepona Hungbono é gonoko É Vodun konokun Aizan eee ó Vodun Aizan bereo.”

Quer saber mais? Assista:

“Po gélé aeeeotuut Aizan po gélé aaa Aizan mako izan.” Po gélé Mere na do elo Po gélé aee aee A Iku belô. Cânticos de Zandró: “Valu vava Valu nu kwe lo Valu nu kwe lo”

Em 1998, o cineasta Renato Barbieri e o pesquisador Victor Leonardi percorreram o caminho trilhado pelos africanos feitos escravos no Brasil e conceberam o filme que mostra as afinidades existentes entre comunidades separadas pelo Atlântico.

“Valu vava huntó Manho vaia ye mixó Manho vaia ye mixó Manho vaia gan kutó”

Referências: Detectamos

mais

divergências,

pois

apresentamos algumas encontradas apenas na Nação

Jeje

Mahi,

encontramos

também

divergências em outras Nações. Uma questão que entendemos de suma importância, é o domínio do sexo feminino no controle do culto em terras Brasileiras, diferente de como é na África, que a grande maioria é do sexo masculino. Como aconteceu esta inversão? Será que ela tem a ver com os patrões de alforria muito maiores para as

PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé: História e ritual da nação Jeje na Bahia. Campinas: Unicamp, 2007. SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Felix de Souza, mercador de escravo. Rio de Janeiro: Ed Uerj, 2004. FERRETTI, Sérgio Figueiredo. Querebetan de Zomadonu. Etnografia da Casa das Minas do Maranhão. São Luiz: EdUFMA, 1996 (1985). PRREIRA, Nunes. A Casa das Minas. Culto dos Voduns Jeje no Maranhão. Petrópolis: Vozes, 1979 (1947).


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