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Ensaio

O DESAMPARO DOS LIVRES. Por Pedro Henrique Mello Abrahim Fernandes

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o reino de Bragança teria, notadamente já que a família real interessante discutir perderia todo o apoio os motivos que político dos fazendeiros do influenciaram o vale do paraíba. 4 Logo, o movimento abolicionista no fim da escravidão Brasil. José Murilo e implicaria no rompimento Carvalho, diria que a forte das relações entre influência dos movimentos fazendeiros e à monarquia; abolicionistas inglês e Esta, por sua vez, americano, no Brasil, seriam enfraquecida, daria espaço um dos fortes fatores da a um novo modelo de libertação dos escravos, 1 governo. mas que, por assim sendo, o nosso processo de libertação Um erro comum e até se daria mais de forma ingênuo, é acreditar que a 2 política e humanista. É abolição fora uma manobra nesse contexto político que única e exclusivamente surgem as primeiras leis política da família real. Não abolicionistas, que foi. É necessário entender o gradativamente iriam contexto histórico e as modificando os hábitos da migalhas históricas sociedade Brasileira deixadas, a mudança escravista. Como todo gradativa das mentalidades processo histórico, esses Lei Áurea que foram alimentadas movimentos tiveram uma pelas ousadas lutas dos consequência. Em 13 de movimentos abolicionistas, aliás, ousadia foi a tônica de maio de 1888, a Lei Áurea fora sancionada, e o impacto atuação dos negros que lutavam contra a escravidão, popular desta lei não só conferia nova visibilidade à Inclusive s vésperas da abolição.5 Hoje possuímos obras 3 Princesa Isabel, mas como a toda Monarquia, contudo, de historiadores que evidenciam essa luta, inclusive de essa manobra política não impediria o iminente fim que 1

CARVALHO, José Murilo. O papel das religiões: Como as igrejas influenciaram os movimentos abolicionistas no Brasil. Revista de História da Biblioteca Nacional: A era da escravidão, edição de bolso. Rio de Janeiro, volume 2, p.83-p.84, 2009. 2 Idem. 3 SCHWARCZ, Lilia. Abolição como dádiva! Popular, a lei áurea deu nova visibilidade a Princesa Isabel e à Monarquia. Revista de História

da Biblioteca Nacional: A era da escravidão, edição de bolso. Rio de Janeiro, volume 2, p.88-p.90, 2009. 4 Idem. 5 ALBUQUERQUE, Wlamyra Resende. Cor que faz diferença: O fim da escravidão não foi algo decidido apenas pelos senhores brancos e doutores do império. Revista de História da Biblioteca Nacional: A era da escravidão, edição de bolso. Rio de Janeiro, volume 2, p.91p.93, 2009.


G N A R U S | 40 brancos que ajudavam, em casos, a fuga de negros. A abolição se tornara iminente na segunda metade do século XIX, o que fez com que muitas pessoas procurassem empregados ou anunciassem vagas de serviços, buscando honestidade, fidelidade, habilidosos neste ou naquele serviço, não importando, tanto, a cor da pele. Gilberto Freyre foi um dos primeiros estudiosos brasileiros a explorar os anúncios de jornais como fontes históricas em suas pesquisas. Destaco um anúncio em particular que exemplifica o citado acima:

“Precisa-se de um cozinheiro, de conduta afiançada; branco ou de cor, livre ou escravo, para a casa do Dr. Eloy Ottoni, na Rua da Imperatriz, n. 8.” (O Farol, Juiz de Fora, Minas Gerais, 04/10/1883)

Nota-se a necessidade de uma política assistencialista a esses ex-escravos que ao serem libertos, não estavam ‘’despreparados’’ para a liberdade como afirma Florestan Fernandes em sua obra ‘’A integração do negro na sociedade de Classes’’,9 e sim, desamparados por ela. Pedro Henrique Mello Abrahim Fernandes: É graduando em licenciatura plena em História pela Universidade Cândido Mendes de Santa Cruz.

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Ao observar o anúncio, notamos que o senhor busca um funcionário que atenda um mínimo de exigências ‘’morais’’, relevando, nesse caso, a cor da pele. Se notarmos ainda a data do anúncio, veremos uma proximidade com o ano em que a abolição fora sancionada, podemos concluir a ideia, anteriormente exposta, da mudança nos hábitos e na mentalidade da sociedade brasileira. Entretanto, um dos maiores dilemas dos escravos recém libertos, seria a questão dos direitos civis, pois, sem a compreensão de que a abolição seria um ‘’movimento coletivo’’, os libertos permaneciam atados aos jogos das relações pessoais, suas contraprestações e deveres: Chave do personalismo e próprio clientelismo,6 Ou seja, criou-se uma nova versão para uma estrutura antiga em que as relações privadas se impunham sobre as esferas públicas de atuação. Diversos projetos abolicionistas foram expostos no final do século XIX.7 A historiadora Maria Alice Rezende de Carvalho cita o de André Rebouças, engenheiro militar, que participou da luta pelo abolicionismo no final do século XIX. Rebouças acreditava que a libertação dos escravos, por si só não seria suficiente, a abolição deveria ser uma etapa inicial, seguida de uma necessária eliminação do monopólio da terra, pois a autonomia individual só seria possível com a transformação do ex-escravo em pequeno produtor independente.8

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SCHWARCZ, Lilia. Abolição como dádiva! Popular, a lei áurea deu nova visibilidade a Princesa Isabel e à Monarquia. Revista de História da Biblioteca Nacional: A era da escravidão, edição de bolso. Rio de Janeiro, volume 2, p.88-p.90, 2009. 7 CARVALHO, Maria Alice Rezende. Liberdade é terra: O projeto radical e abolicionista de André Rebouças. Revista de História da

Biblioteca Nacional: A era da escravidão, edição de bolso. Rio de Janeiro, volume 2, p.85-p.87, 2009. 8 Idem. 9 FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1978.


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