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ENTREVISTA: CARLO GINZBURG

O

historiador italiano Carlo Ginzburg indubitavelmente está deixando sua marca na história

da História, obras como “Os Andarilhos do bem”, “História Noturna: decifrando o sabá”, “Mitos, emblemas e sinais”, o emblemático “O Queijo e os Vermes” entre outros fazem

deste professor um dos intelectuais mais notáveis da Itália e do Mundo. Suas obras já foram traduzidas em quinze línguas diferentes. Seus estudos pioneiros sobre a redução da escala e a consequente relevância de pequenos contextos dentro de outros grandes revolucionaram a forma da análise documental. Ginzburg é leitura obrigatória para todos aqueles que pretendem entender os processos da produção historiográfica. Ao conceder a Gnarus sua primeira entrevista a um referencial da produção historiográfica internacional, faz com que nós passemos a considera-lo uma espécie de padrinho da revista. Esperamos que aproveitem tanto quanto nós.


P á g i n a | 33 1 - O que o levou a se interessar pela História? Esta pergunta foi feita a mim muitas vezes: eu não estou certo se respondi da mesma forma. Hoje minha escolha, eu acho, que é influenciada por uma mistura de elementos muito diferentes: ambiental (relacionado à família, social, etc.) e condicionada (casualidade). Mas isso acontece com todos, sempre, para qualquer escolha. Quando menino, eu lia romances, então comecei a ficar interessado pela pintura. Por algum tempo, pensava em ser pintor e romancista (minha mãe era uma escritora), logo percebi que me tornaria um pintor medíocre ou um romancista medíocre, então eu desisti. Quando comecei a faculdade, em Pisa, gostaria de me tornar um historiador de arte, mas eu conheci um professor que mesmo sem querer me fez mudar de ideia. Se tivesse estudado em uma faculdade há cem quilômetros de distância, em Florença, teria insistido naquele projeto e minha vida seria diferente (ai está a casualidade, ou talvez não). Poucos meses depois ele veio a Pisa, para um seminário de um professor de história na Universidade de Florença - um grande estudioso, Delio Cantimori. Com ele, passei uma semana inteira lendo e comentando uma página de um historiador, Jakob Burckhardt. Que a leitura lenta eu nunca esqueci. Logo, li “Les Rois Thaumaturges” do Marc Bloch que me fez perceber que havia livros de história muito diferentes do que imaginava. Assim nasceu a minha escolha. Mas, retrospectivamente, eu percebi que ser historiador me permitiu me ocupar de muitas coisas, incluindo pinturas, romances, escrever sobre a relação entre História e ficção escrita - os temas que tinham me atraído quando era jovem. Eu me considero muito sortudo.

3 - No Brasil a História “está na moda”, um grande aumento do número de publicações deste gênero são destinadas ao público em geral. Como o senhor vê esta popularização da História? Acho que um país como o Brasil, que entrou em um período de mudanças muito profundas e rápidas, isto é, entrou em contato com sua história para entender não apenas como a transformação é possível, mas também compreender como na transformação se perde, de maneira irreversível. Eu não acredito que aquela nostalgia está necessariamente associada com o conhecimento histórico, mas ao sentido de alteração e, portanto, a perda, assim como a conquista do novo.

2 - O seu livro ""Il Formaggio and I Vermi" (O Queijo e os Vermes) se tornou um enorme sucesso. Você esperava tamanha repercussão? Como foi escrever este livro? Absolutamente não, mas devo dizer que, quando eu escrevo um livro nunca penso que será um sucesso ou um fracasso. O que tem contribuído para o sucesso de "O queijo e os vermes"? Em primeiro lugar, eu acho que foi o seu protagonista, o moleiro Menocchio: uma figura verdadeiramente extraordinária. Depois, há as questões que estão no centro do livro: o desafio à autoridade, a relação entre cultura oral e escrita. Questões que afetam a todos, em qualquer sociedade, ou quase.

4 - Hoje, qual o lugar da História na sociedade? É difícil generalizar. Existem alguns fenômenos novos, comuns no Brasil, que usam a História para alcançar reivindicações morais ou materiais, em nome da injustiça no passado por determinados grupos (descendentes de escravos ou ex-escravos, por exemplo). Poderíamos falar no geral da historiografia


P á g i n a | 34 identitária. Mesmo quando se trata de reivindicações que eu acredito serem politicamente legítimos, ocorrem dois riscos: o primeiro está relacionado com a noção de identidade, e o segundo aos métodos utilizados na tentativa de se afirmar retroativamente. Quanto ao primeiro ponto: quando falamos de "identidade", em referência a um grupo, um povo, uma nação, um continente, nós construímos uma entidade fictícia, que projeta nos presentes ou passados certos traços culturais ou de outros gêneros. Aqueles que falam de uma "identidade" italiana ou francesa, europeia, brasileira, etc., fazem para excluir este ou aquele grupo, geralmente minorias, usando de argumentos falso-históricos. E aqui chegamos ao segundo ponto: o uso muitas vezes arbitrário da História pelo o que eu chamei de "História de identidade". Como sempre, o discurso sobre o método (os métodos de história, por exemplo) também é mais ou menos diretamente um discurso político. 5 - O que o senhor entende por saber acadêmico? A pesquisa vem das universidades, mas nem sempre é destinada para um público universitário. Ela se espalhou entre um público mais amplo, os resultados de pesquisas realizadas por especialistas (no âmbito da universidade, mas não necessariamente) são legítimos e, se bem conduzidos, muito úteis. Mas é possível propor uma finalidade diferente, entre um contato simultâneo entre uma plateia de especialistas e um público amplo. Isso é o que eu tentei fazer desde o meu primeiro livro (I Benandanti). Não digo que sempre tive êxito nisso. Trata-se de envolver o leitor, não necessariamente o leitor especialista, no processo de investigação. “O Queijo e os Vermes” pode ser visto como uma experiência neste sentido. 6 - É possível ser um historiador e trabalhar um tema sem estar preocupado com a reflexão teórica? Super possível, e na minha opinião, totalmente legítimo. A maioria dos historiadores não fazem perguntas de caráter teórico. Por outro lado, a grande maioria dos que escrevem sobre a teoria da História nunca esteve envolvido na pesquisa histórica empírica. Esta divergência é comum, mas há exceções. Cito o mais brilhante: Marc Bloch, o grande historiador do século XX. Aqueles que leram “La Société féodale e Apologie pour l’histoire” ou “Métier d’historien” (suas reflexões metodológicas postumamente) irá imediatamente entender o que eu quero dizer.

7 - O senhor considera que a metodologia da Microhistória revolucionou a pesquisa historiográfica? "Revolução" é uma palavra muito enfática. Eu diria que a Micro-história fez perguntas, apresentou as dificuldades, abriu uma frente (em pesquisa e na História) a qual nenhum historiador de hoje pode escapar. 8 - Qual conselho o senhor daria para um estudante iniciante no curso de História? Muitos anos atrás, um amigo me fez esta pergunta, eu disse impulsivamente "Leia muitos romances". Hoje, na frente da moda (em baixa, eu penso: Não é mesmo?) que afirma a impossibilidade de distinguir estritamente entre narrativas históricas e histórias de ficção, eu não responderia da mesma forma, por medo de ser mal interpretado. Eu diria: "leia muitos romances e alguns livros de História" e eu acrescentaria: "a realidade, no presente e no passado, nunca é transparente, é opaca. Precisamos aprender a decifrá-la. Algumas romances e alguns livros de História nos ajudam a fazer isso".


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