Atas das 5ªs Conferências do Museu de Lamego/CITCEM

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Atas das 5 CONFERÊNCIAS DO MUSEU DE LAMEGO / CITCEM 2017 06 de outubro

DOURO INTERIOR | EXTERIOR ARTE E IMAGEM

PORTO


organização

Liga dos Amigos do Museu de Lamego

Lamego

apoios

PORTO


Conferências

CENTRO DE INVESTIGAÇÃO TRANSDISCIPLINAR

6 de outubro

2017

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Disponível online em www.museudelamego.gov.pt


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FICHA TÉCNICA

ORGANIZAÇÃO Museu de Lamego [ML] | Direção Regional de Cultura do Norte [DRCN] Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» [CITCEM] | Faculdade de Letras da Universidade do Porto [FLUP] AUTORES Fernando Faria Paulino [CIAC - ISMAI] Hugo Barreira [DCTP-FLUP | CITCEM] Lúcia Rosas [DCTP-FLUP | CITCEM] Nuno Resende [DCTP-FLUP | CITCEM] DESIGN GRÁFICO Paula Pinto [Museu de Lamego | Direção Regional de Cultura do Norte] IMAGEM DE CAPA “Visitação” [pormenor], Vasco Fernandes, 1506-1511 © Museu de Lamego | Direção Regional de Cultura do Norte EDIÇÃO Museu de Lamego | Direção Regional de Cultura do Norte DATA DE EDIÇÃO Julho de 2018 e-ISBN 978-989-99516-7-9 O conteúdo dos textos, direitos de imagem e opção ortográca são da responsabilidade dos autores. APOIOS Liga dos Amigos do Museu de Lamego Município de Lamego Hotel Lamego SoltaGiga Casa de Santo António, Britiande ESTGL – Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Lamego ABREVIATURAS CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» DCTP - Departamento de Ciências e Técnicas do Património DRCN - Direção Regional de Cultura do Norte FLUP - Faculdade de Letras da Universidade do Porto ISMAI - Instituto Universitário da Maia ML - Museu de Lamego

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ÍNDICE

Conferência de abertura QUANTO DOURO CONHECEMOS? NUNO RESENDE

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Conferência PATRIMÓNIO VERNACULAR DO ALTO DOURO VINHATEIRO. VALORES, USOS E TRANSFORMAÇÃO LÚCIA ROSAS

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Conferência DOURO DAS IMAGENS E DO IMAGINÁRIO A(S) IMAGEM(S) DO DOURO, PATRIMÓNIO E IDENTIDADE FERNANDO FARIA PAULINO

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Conferência DOURO: DAS MARGENS E DOS MOVIMENTOS DAS IMAGENS HUGO BARREIRA

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CONFERÊNCIA DE ABERTURA QUANTO DOURO CONHECEMOS? Nuno Resende

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RESUMO Tendo como mote o tema das V Conferências Museu de Lamego «Douro: Interior/exterior» pretende-se apresentar e discutir algumas problemáticas e questões relativas a abordagens integradas sobre temas de História da Arte e Património. A inexistência de inventários nacionais, visões congregantes sobre história e património, uma falta de planeamento pedagógico no âmbito da educação e interpretação patrimoniais, exige, por parte da investigação cientíca uma reavaliação e revisitação dos temas tradicionais. O Douro surge, assim, como laboratório para esta discussão, propondo-se novas perspectivas e caminhos, regressando aos temas que deniram as ideias interiores e exteriores do Douro português.

ABSTRACT With the motto theme of the V Conference Lamego Museum "Douro: Exterior / Interior " we intend to present and discuss some issues and questions concerning the integrated approaches themes of Art History and Heritage. The absence of national inventories, congregative views on history and heritage, a lack of pedagogical planning in the area of heritage education and heritage interpretation, requires, on the part of scientists, a re-evaluation and revisiting of traditional themes. The Douro thus emerges as a laboratory for this discussion, proposing new perspectives and ways returning to the themes that dened the interior and exterior ideas of the Portuguese region of Douro.

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PALAVRAS-CHAVE:

Douro, património, inventário, História da Arte.

KEYWORDS:

Douro, heritage, History of Art, cultural inventory.


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QUANTO DOURO CONHECEMOS? NUNO RESENDE U. Porto – Faculdade de Letras / DCTP Investigador do CITCEM

Em 1965, o fotógrafo, cineasta, historiador de arte e ensaísta Ernesto de Sousa (1921-1988) escrevia, a propósito do estudo da escultura em Portugal que, no respeitante a questões de método de investigação nesta área, existiam quatro entraves: «Uma incompleta inventariação dos monumentos existentes; Raros estudos de ordem estética sobre esses monumentos; Ausência de estudos de relacionação (raros e isolados esforços no sentido da investigação comparativista); Deciência documental (ausência de um trabalho sistemático relativamente às fontes de informação)» (Sousa 1965, 18). Estas considerações podem, com o devido respeito pelo trabalho daquele autor, ser extrapoladas para a questão do património português em geral. De 1965 (e ainda antes) até hoje pouco mudou: a inventariação geral do património cultural português continua por cumprir; os estudos sobre monumentos resumem-se a abordagens monográcas e, cito novamente o autor, quase exclusivamente através de «páginas de texto preenchidas com citações, notas e outro estendal erudito» (Sousa 1965, 21), sem qualquer análise estética formal, considerações sobre o ambiente histórico, determinantes sociais e ideológicas e, acrescentaríamos, sem visões prospectivas de interpretação e educação patrimoniais. As historiograas parecem não conhecer ainda a era do 3D, do tempo das ferramentas capazes de insuar vida no conhecimento teórico, de o aplicar de forma prática na sociedade. Reconhecemos que estamos perante um problema complexo, que toca o mundo académico e a sociedade civil e decorre também de uma descuidada e fraca visão prospectiva dos nossos técnicos, burocratas e governantes – talvez um dos maiores entraves ao desenvolvimento de uma cultura de visão de conjunto. De facto a prioridade em relação ao património faz-se, em Portugal, segundo uma estranha hierarquia: o investimento na salvaguarda patrimonial deve ser do interior para o exterior, supercial - visual mas pouco táctil. Ou seja, uma espécie de intervenção fachadista que cria elegantes cenários, mas sem actores.

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Em Portugal temos cultivado o mau hábito de começar a casa pelo telhado. Uma política focada na arquitecturalização – permitam-me o neologismo – dos espaços, mais preocupada com o restauro (o que nem é o pior) as adaptações e com a volumetrização dos edifícios históricos, esquece o sentido original do lugar, dos usos diacrónicos funcionais dos espaços, porque os desconhece ou não os compreende. Desviamo-nos um pouco do assunto, mas não nos afastámos da ideia inicial. O título desta apresentação recorda o de um congresso que, através da Diocese de Lamego, tivemos a oportunidade de organizar em 2007 na sequência do encerramento da 2.ª fase de inventário do património religioso cultural móvel daquela instituição. Intitulou-se «primeiro» na esperança de poder tornar-se regular. Não subsistindo já qualquer expectativa nesse sentido, julgo que as Conferências do Museu de Lamego/CITCEM colmatam hoje essa lacuna numa cidade e numa região que, pelas suas características geográcas e históricas clamam por atenção. Ora título em epígrafe sugeria que se discutisse, conhecesse e apelasse à ideia de conjunto: quanto Douro e não que Douros conhecemos. Os Douros que existem já os sabemos bem: existe o Douro do rio e da sua faina, que hoje é turística, o Douro vinhateiro; o Douro da ferrovia, o Douro económico, o Douro geográco, o Douro etnográco etc. Infelizmente não conhecemos bem o Douro Religioso, nem tão tanto quanto desejaríamos o Douro arqueológico e já veremos porquê. Mas mais do que os tipos de Douros que conhecemos, abundantemente glosados pelo marketing turístico interessa saber quanto do Douro conhecemos. E já então, em 2007 havíamos reconhecido essa necessidade. Entre os materiais que a organização daquele Congresso disponibilizou seguia um cd contendo uma listagem bibliográca sobre estudos de conjunto realizados por investigadores ligados ao Douro no último século. Os estudos de conjunto são olhares globalizantes sobre um tema, categoria ou objecto que permite a comparação com outras realidades, nacionais ou internacionais, utilizando ou aplicando metodologias com grelhas de análise idênticas. Ora, depois da recolha bibliográca elaborada pudemos vericar que, não obstante a existência de alguns valiosos estudos de conjunto, a maioria destes para além de desactualizada (grande parte da sua produção situava-se ainda durante o Estado Novo) reectia necessidades de conhecimento muito diversas das actuais quer em termos de salvaguarda do património (a própria noção de património mudara) quer em termos de promoção cultural. Dava-se primazia à etnograa, às grandes arquitecturas, às artes decorativas, etc. Tudo servia para assinalar o pitoresco, a dicotomia artesanato/arte, plasmada em ideias ou nomes mais ou menos trabalhados em função do referencial estrangeiro. O Turismo, não é necessário frisá-lo, constitui actualmente a nossa indústria mais importante. E se, há 40 ou 50 anos era fácil satisfazer o turista com frases feitas, associações directas entre paisagem e sol, clichés sobre heroísmo, bairrismos e regionalismo, com o pitoresco, o artesanato e o folclore hoje é mais difícil satisfazer um auditório ávido por informação especíca e especializada. Ainda que esta se exija servida em abundância, como a fast food dos restaurantes norte-americanos, deve ser nutritiva o suciente para satisfazer o cliente. Talvez a comparação não seja a melhor, mas ajuda a compreender que praticamente desde o Estado Novo andamos a vender os mesmos produtos: paisagem, (alguns) monumentos e artesanato, convencidos dos seus nutrientes.

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A explicação reside num facto aparentemente simples: o que conhecíamos em 1940, nas vésperas da grande exposição sobre o Mundo Português conhecemo-lo hoje e «pouco» mais. Talvez exageremos, mas se é certo que a investigação nas nossas Universidades aumentou exponencialmente, que os arquivos têm novos e melhores recursos e ferramentas de investigação, que os museus estão melhor apetrechados e ainda que este panorama reecte o aumento da pequena fatia orçamental destinada ao vago mundo designado por «da cultura», não acedemos ainda, da mesma forma que o cidadão britânico ou francês acedem, à informação sobre o seu património – que aliás está devidamente registado e disponibilizado em plataformas como a o English Heritage ou o Joconde. Então qual a razão deste atraso? O que é que pode estar na base desta permanência de modelos, da reutilização da informação produzida durante o Estado Novo e que continua a alimentar os nossos roteiros turísticos, as nossas monograas, e até as «grandes» ideias dos homens da III República? Qual a razão para este aparente desprezo pelo reconhecimento e gestão dos nossos patrimónios? Poderíamos começar por analisar o impacto das mensagens políticas, culturais e turísticoideológicas do estado novismo as quais eram efectivamente atraentes. O próprio desenho gráco das publicações está aí para o provar. Mas estes aspectos nos não interessam. Interessa sim, olhar com atenção o substrato cultural que alimentou aquela propaganda: as maravilhosas obras da «portugalidade», o românico e a medievalidade, os grandes feitos militares e náuticos. Não era apenas o nacionalismo e as ideologias rácicas que alimentaram este mundo de heroísmo, era outrossim o conforto das mensagens e apresentação de grandes e reconhecíveis objectos - recortes bem modelados de uma História de bocados. Neste universo de fragmentos, poucos têm sido os que se propõem, como Ernesto de Sousa o fez em 1965, a contar uma história global. Sem elementos estatísticos é costume dizer-se que 70 a 80% do património português é de carácter religioso; são igrejas, santuários, catedrais, ermidas, a maior parte do conjunto das principais colecções museológicas. Mas que termos de comparação temos? Sabemos efectivamente quantas igrejas existem no país? Quantas ermidas ou capelas? Sabemos, por exemplo, quantos cruzeiros se erguem no território português? Não, não sabemos. Pior, não conheceremos se não uma ínma parte do nosso património nacional, se o denirmos como o dene a Lei de bases 107/2001: todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização (apud Nabais&Silva 2006). É aqui que pretendíamos chegar. Sem elementos contabilísticos e estatísticos não é possível conhecer nem gerir nem rentabilizar. Os princípios básicos da gestão assentam no reconhecimento nos recursos disponíveis, neste caso os bens patrimoniais (culturais, móveis, imóveis ou imateriais) e na sua gestão. Para tal é necessário um inventário e um balanço desses recursos para potenciá-los o que, no caso da cultura não passa pela alienação, venda ou troca, mas pela rentabilização através da salvaguarda, promoção e fruição. Este planeamento não pode começar pelo m como tem sido feito em Portugal, onde temos hoje mil e uma rotas patrimoniais e culturais, mas não conhecemos na totalidade o património que herdámos. Ocasionalmente e graças a descobertas fortuitas de estudos isolados aparece um monumento valioso, uma peça excepcional num contexto supostamente já bem conhecido ou estudado pela

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historiograa. Mas era desconhecido porque não fora previamente identicado, reconhecido e devidamente assinalado para conservação e estudo. Na década de 1980 Portugal deveria ter aproveitado o embalo europeu e iniciado um processo exaustivo de inventariação do seu património. Trinta anos depois teria formado equipas de estudo e catalogação, teria uma base de dados para académicos, estudantes e população em geral e conheceria o alcance geográco e físico dos monumentos à sua guarda e à guarda de outras instituições, com o rigor que se pede a uma empresa que gere o seu capital. Hoje tem inventários parcelares e completamente desfasados entre si na linguagem operativa de catalogação e na relação dos próprios ambientes, como o SIPA e o MatrizNet que apenas integram aquela décima (?) parte do património cultural identicado em território português. Como nota, apenas, salientamos o facto de que, num esforço recente as dioceses portuguesas começaram ou recomeçaram o seu próprio trabalho de inventário e um novo sistema de catalogação entrou no mercado, criando uma terceira plataforma de informação digital sobre o património: o InArte. O passo é tardio, mas gigante, todavia continuamos atrasados e de costas voltadas. É impossível que em 2017 não pensemos de forma intertextual, ou seja, que ainda operemos um mundo fragmentado. Temos necessidade de relacionar objectos, temas, geograas e cronologias e não deambular de cheiro em cheiro à busca dos mesmos elementos ou elementos semelhantes para construir uma imagem global destruída ou estilhada pelos nossos antecessores. 1

Voltemos ao Douro, ao Douro do património religioso, dos mosteiros e das ordens religiosas. Quanto deste Douro conhecemos? Temos os mosteiros de Cister felizmente salvaguardados pelo pensamento integrador do Projecto do Vale do Varosa, da lavra do Doutor Luís Sebastian; temos ainda por conhecer devidamente o papel dos franciscanos, o fenómeno eremítico (ainda tão explorado), tantos recolhimentos e conventos – a maior parte abandonados ou votados a usos extravagantes. Temos, pois, as casas monásticas, a estrutura física que a arquitectura moderna tem devolvido, em alguns casos à sua volumetria (ou extravasando-a como já referimos) atribuindo-lhe novos usos. Fachadas renovadas, envolvências limpas e iluminadas, interiores vazios. Vazios porquê? Onde pára o recheio? O mobiliário, as esculturas religiosas, as alfaias litúrgicas, os paramentos, as bibliotecas e os arquivos? Uns dirão que foram roubados, outros incorporados em colecções museológicas e cada um das hipóteses tem fundamento. Os decretos de 1834 e 1911 favoreceram efectivamente o furto e a dispersão das peças – actos irreversíveis. Mas se há 50 anos era impossível organizar a informação dispersa e com ela recriar trajectos e reconstituir espaços, hoje com os avanços informáticos toda esta informação poderia ser relacionada através de simples hiperligações – existissem os canais e os inventários para isso. Continuamos a ver e estudar um país de retalhos. Até há 10 anos, antes dos inventários diocesanos, o mundo artístico e cultural já observado pelo duriense Virgílio Correia, continuava a ser perceptível apenas através das colecções museológicas nacionais. Os historiadores de arte revolviam-se nesta autofagia de modelos, formas e estilos, porque as igrejas do interior eram distantes e nem todos tinham o espírito de Aarão de Lacerda para lançar-se por estradas sinuosas nas serranias da Beira em busca tesouros ignotos. Hoje, os novos programas de inventário têm revelado um país muito mais rico.

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A este propósito leiam-se as reexões de João Soalheiro (Soalheiro 2000).

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Mas os exemplos desta pulverização do conhecimento não cam por aqui. As famosas cartas arqueológicas municipais, exemplo particular da visão anacrónica dos nossos técnicos, serviram pouco mais que para alimentar o espírito bairrista de freguesias e municípios. E uma carta arqueológica nacional? Ou antes uma carta cultural, congregante e operativa? Se o inventário fosse um desígnio nacional não só as várias rotas culturais e turísticas abundantes no território português poderiam ter muito mais que oferecer do que sol, paisagem, gastronomia e folclore, o próprio país saberia quanto património tem e que melhores usos lhe poderia dar. Não há soluções imediatistas para estes problemas. Nem as conferências do Museu de Lamego as resolverão, com certeza. Mas a sua existência contribui certamente para não deixar morrer a ideia com que iniciámos este texto: quanto Douro conhecemos? Que Douro conhecemos? O mote para os V Encontros do Museu de Lamego/CITCEM foram «Douro: Interior/Exterior. Imagem e Arte». Duas representações espelhadas da nossa ideia de Douro: um universo visto de dentro e de fora, constituído por imagens «reais» e construídas, sejam as do senso comum, sejam as dos políticos e governantes, que lhes dão o uso conveniente, segundo as suas conveniências imediatas, sejam, ainda, as imagens do Douro dos temas académicos. Um espelho partido que reecte a mesma imagem, mas em bocados diversos. Dois objetivos principais decorrem destas conferências: o primeiro procurar novos caminhos de investigação, sem rejeitar os antigos e o segundo retomar velhos temas com novas formas de ver. Por isso endereçámos convites a especialistas que em áreas diversas pudessem ou regressar ao Douro, revendo-o, ou observando-o de novo, com olhares mais atentos sobre novas questões, como o cinema, ou questões a rever, como o património vernacular ou as artes decorativas. Todos aceitaram o nosso repto, resposta que muito agradecemos. Esperamos que do imaginário do Douro, que sobre nós paira, possamos criar uma representação tridimensional, a qual não deixando de ser onírica, possa corresponder à dimensão do território e das suas potencialidades.

REFERÊNCIAS Nabais, J. C. and S. T. d. Silva (2006). Direito do património cultural. Coimbra: Edições Almedina. Soalheiro, J., coord. (2000). Inventário, que futuro? Porto: Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa. Sousa, E. d. (1965). Para o estudo da Escultura Portuguesa. Porto: Edição ECMA.

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CONFERÊNCIA PATRIMÓNIO VERNACULAR DO ALTO DOURO VINHATEIRO. VALORES, USOS E TRANSFORMAÇÃO Lúcia Rosas

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RESUMO O património vernacular, conforme está internacionalmente denido, caracteriza-se por um modo de construir emanado da própria comunidade; um conhecimento tradicional da composição e da construção que é transmitido de modo informal; uma resposta ecaz às necessidades funcionais, sociais e ambientais e uma aplicação das técnicas tradicionais. Sendo uma arquitetura sem arquitetos, a arquitetura vernacular tem qualidades funcionais e técnicas, mostrando-nos por vezes perfeitas adaptações aos sítios e às funções. Contudo, o confronto com a realidade e a vontade de conservação tornam a questão bem mais complexa. A desadequação das arquiteturas ao modo de vida e de produção do presente, já há muito que determinou a sua obsolescência. A conservação desta arquitetura apresenta-se como um exercício pleno de problemas onde hoje se projetam sentimentos de nostalgia e se encontra vasta matéria de uma visão mítica do equilíbrio entre o homem e a natureza.

ABSTRACT The vernacular heritage, as it is internationally dened is characterized by a manner of building shared by the community; a traditional expertise in design and construction which is transmitted informally; an effective response to functional, social and environmental constraints and a effective application of traditional construction systems and crafts. As an architecture without architects, the vernacular architecture has functional and technical qualities, sometimes showing us perfect adaptations to the sites and functions. However, the confrontation with reality and the will to preserve it makes the matter much more complex. The maladjustment of the architectures to the way of life and production of the present, has long determined its obsolescence. The preservation of this architecture presents itself as an exercise full of problems where today feelings of nostalgia are projected and there is vast matter of a mythical vision of the balance between man and nature.

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PALAVRAS-CHAVE:

Arquitetura vernacular / património / habitação / Provezende

KEYWORDS: Vernacular architecture / heritage / habitation / Provezende


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PATRIMÓNIO VERNACULAR DO ALTO DOURO VINHATEIRO. VALORES, USOS E TRANSFORMAÇÃO LÚCIA ROSAS Departamento de Ciências e Técnicas do Património Faculdade de Letras da Universidade do Porto CITCEM (Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória) lrosas@letras.up.pt

A arquitetura vernacular/popular/tradicional, sobretudo a do mundo rural, exerce hoje um imenso fascínio. Esta arquitetura, e as aldeias onde se insere, desperta sentimentos de nostalgia de um mundo em desaparecimento onde os valores de identidade, autenticidade, veracidade, tradição e a percepção de um equilíbrio entre o homem e a natureza se projetam e procuram. Contudo esta percepção não é mais que uma imagem idealizada que esquece os problemas que afetam o mundo rural, como a deserticação, a pobreza, a falta de emprego, o encerramento de equipamentos públicos e a dureza do trabalho no campo. Os turistas que optam pelo mundo rural como destino encaram a arquitetura popular como uma expressão da cultura nacional portuguesa, como um símbolo de tradição que só o campo conserva, imagem que também projetam nos seus habitantes, mais genuínos do que a população urbana. O processo de miticação do mundo rural como depositário de valores puros, em contraste com o mundo urbano corrompido, tem fundas raízes históricas sendo já um tópico da literatura greco-romana. Sá de Miranda e Bernardim Ribeiro, entre outros escritores do século XVI, exaltam esses valores da natureza humanizada e puricadora dos males da civilização. O mesmo fará Eça de Queiroz na Cidade e as Serras. Já no quadro conceptual do património, Ramalho Ortigão entendia que viabilidade da sua conservação residia nas virtudes intocadas do povo, guardião das tradições e da cultura material do passado. O progresso, próprio da vida das capitais e nelas necessário, e o cosmopolitismo desgasta e desnacionalizam o indivíduo. A forma de conservar a cultura material consistia em afastar as vilas e aldeias do caminho do progresso. "Elas são em Portugal as reclusas guardadoras da casa portuguesa, da integridade do seu lar, do respeito dos seus penates, da interpretação autêntica dos seus arcanos. Representar o passado é a sua missão, o seu destino, a sua força, o seu proveito e o seu encanto" (Ortigão 1905). O mito da pureza do povo, incorruptível e imune aos males da civilização assoma aqui, e ele impedirá Ramalho Ortigão, entre outros, de entenderem a impossibilidade de tal desígnio porque, bom ou mau o progresso é sempre apelativo e inevitável, e porque, o património só o é, não quando a veneração intelectual pretende xá-lo, mas quando a comunidade o assume e toma consciência dele. 1

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Silva, Luís 2009. Casas no Campo: um estudo do turismo em espaço rural em Portugal. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais: 81. Silva, Luís 2009. Casas no Campo: um estudo do turismo em espaço rural em Portugal. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais: 82. Cfr. Almeida, C. A. Ferreira de 1993. Património - Riegl e Hoje. Sep. da Revista da Faculdade de Letras. História, 2ª. série, v. 10, Porto: 407-416.

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Joaquim de Vasconcelos, no contexto do debate oitocentista sobre a existência de uma arte original portuguesa, pretendeu demonstrar que a originalidade da arte portuguesa residia nas industrias populares e caseiras, cujo alento emanava da alma popular. As várias exposições que realizou tinham como objetivo demonstrar que o povo é o nosso maior artista. A ciência das Academias e das escolas não soubera conservar as formas de arte tradicionais, de que a família rústica era o el depositário. Em Vasconcelos não encontramos a necessidade de cristalização do passado para a conservação do património. Pelo contrário, o retomar das artes tradicionais é entendido como uma das formas do progresso artístico e industrial. 4

A tomada de consciência do valor patrimonial de monumentos, arquiteturas, paisagens antrópicas, objetos, natureza, etc. decorre sempre da eminência da sua perda. As alterações demográcas no mundo rural, já patentes na década de 1960 devido ao fenómeno da emigração, são hoje muito mais notórias. A deserticação do campo e a alteração profunda da matriz em que assentava a economia rural obrigam a uma alteração do paradigma de análise da arquitetura vernacular. O património vernacular, tal como está internacionalmente denido (ICOMOS, 1999), caracteriza-se por um modo de construir emanado da própria comunidade; um reconhecível carácter local ou regional ligado ao território, uma coerência de estilo, forma e aparência assim como o uso de tipos arquitectónicos tradicionalmente reconhecidos; um conhecimento tradicional da composição e da construção que é transmitido de modo informal; uma resposta ecaz às necessidades funcionais, sociais e ambientais e uma aplicação de sistemas, ofícios e técnicas tradicionais de construção. A Carta do Património Vernacular Construído recomenda que governos e autoridades devem reconhecer o direito de todas as comunidades a manter o seu modo de vida tradicional, a protegê-lo através de todos os meios possíveis e legá-lo às gerações futuras. Embora a função deste tipo de documento seja essencialmente a de denir princípios orientadores, a Carta traduz uma visão atemporal da arquitetura vernacular e da sua conservação, assente num desígnio certamente utópico: o da manutenção do modo de vida tradicional. A vontade de atribuir a este património uma condição atemporal e a-histórica contraria a natureza sistémica e mutante da cultura, que não se pode conservar estática, mas sim preservar através da transmissão do conhecimento e da informação sobre a diversidade de soluções conseguidas no devir pela capacidade humana de aprender, acumulando e inovando. Este património está muito ligado à paisagem, aos homens, aos seus trabalhos agrícolas, aos seus hábitos e aos materiais de construção locais, aspetos que se alteraram substancialmente nos últimos cinquenta anos. Enquanto se mantém vivo, o património vernacular necessita de mudar e de se adaptar constantemente para continuar a responder às necessidades sociais, sob pena de ser abandonado por obsoleto. Sendo uma arquitetura sem arquitetos, a arquitetura vernacular tem qualidades funcionais e valores etnográcos e até técnicos, mostrando-nos por vezes perfeitas adaptações 5

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Rosas, Lúcia 1997. “Joaquim de Vasconcelos e a valorização das artes industriais” in Almodovar, A., Alves, J., Garcia, M. P. (org.) Rodrigues de Freitas: a obra e os contextos. Actas do Colóquio. Porto: C.L.C./F.L.U.P: 229-238. Soeiro, Teresa, Rosas, Lúcia, Fauvrelle, Natália 2002. O Património vernacular construído do Alto Douro. Vinhateiro: ritmos e valores. Douro – Estudos & Documentos, Poro: Faculdade de Letras do Porto/GHEVID, vol. VII (14), (4.º): 148. Soeiro, Teresa, Rosas, Lúcia, Fauvrelle, Natália 2002. O Património vernacular construído do Alto Douro. Vinhateiro: ritmos e valores. Douro – Estudos & Documentos, Poro: Faculdade de Letras do Porto/GHEVID, vol. VII (14), (4.º): 147.

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aos sítios e às funções. C. A. Ferreira de Almeida questiona: “Neste universo da arquitetura popular, que construções a preservar? Como selecionar as obras ou conjuntos a proteger” (Almeida 1998, 15). Propondo novas categorias de classicação do património, o autor integra a arquitetura popular na categoria dos imóveis de interesse paroquial uma vez que a freguesia é a comunidade organizada com mais fundas raízes. A gestão deste património deverá incentivar reformas de qualidade e tolerar eventuais mudanças ou mesmo destruições, desde que motivadas pelo bem comum ou em favor de soluções de melhor qualidade. 8

Conforme a Carta do Património Vernacular Construído realça, as estruturas vernaculares constituem um património muito vulnerável, já que são confrontadas com graves problemas de obsolescência, de equilíbrio interno e de integração. É então necessário procurar formas mais criativas e mais ajustadas à atualidade para o conservar. A mutação do mundo rural, já visível nos anos de 1960, teve uma rápida aceleração nas últimas décadas. João Leal, num texto que dedica à tematização da arquitetura popular no século XX português, sublinha que os inquéritos à habitação rural e popular foram produzidos numa época em que o país era essencialmente rural. A população ativa na agricultura, nos anos de 1960, correspondia a 40% da população portuguesa, enquanto hoje se reduz a cerca de 6 a 8%. Os inquéritos a que se refere João Leal são o Inquérito à Habitação Rural (1942-47), o Inquérito à Arquitetura Popular (realizado nos anos 50 e publicado em 1961) e as investigações de Ernesto Veiga de Oliveira e dos seus colaboradores. Conjuntamente com o movimento da Casa Portuguesa (nais do século XIX e as décadas de 1940/1950) estes estudos representam quatro formas diferentes de olhar a arquitetura popular. Entre o nacionalismo da Casa Portuguesa, a atenção à miséria do Inquérito à Habitação Rural, a pesquisa das potencialidades modernas da arquitetura popular (Inquérito à Arquitetura Popular) e a valorização das funções produtivas dessa arquitetura (Ernesto Veiga de Oliveira, Jorge Dias, Fernando Galhano, Benjamim Enes Pereira) denem-se quatro enfoques que enformaram diferentes modos de olhar a arquitetura popular. Estas diferentes perspetivas, ainda que em graus diversos, marcam ainda hoje a ideia comum à maioria da população sobre o que é a arquitetura popular. 9

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João Leal enuncia duas grandes questões a que se propõe responder. “Como é que o tópico da arquitetura popular emergiu, se desenvolveu, foi pensado e discutido ao longo desse período de tempo? Como é que a arquitetura popular, de um não-objecto, se transformou num objecto reconhecido, aceite, apreciado, que faz hoje parte – de modo quase natural – das categorias de senso comum das classes médias e de outros grupos sociais, inclusivamente populares?” (Leal 2009, 5).

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Almeida, C. A. Ferreira de 1998. Património. O seu entendimento e a sua gestão. Porto: Edições Etnos:15. Almeida, C. A. Ferreira de 1998. Património. O seu entendimento e a sua gestão. Porto: Edições Etnos 1998: 24-25. Leal, João 2009. Arquitetos, engenheiros, antropólogos: estudos sobre a arquitetura popular ao longo do século XX português. Porto: Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva: 63-64. Leal, João 2009. Arquitetos, engenheiros, antropólogos: estudos sobre a arquitetura popular ao longo do século XX português. Porto: Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva: 61. Leal, João 2009. Arquitetos, engenheiros, antropólogos: estudos sobre a arquitetura popular ao longo do século XX português. Porto: Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva: 61.

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O movimento da Casa Portuguesa procurou um tipo de habitação popular que seria carateristicamente português e defendeu a institucionalização de um formulário arquitectónico adaptado às exigências da vida moderna inspirado naquele modelo de habitação. É contra o ideário da Casa Portuguesa e com o objetivo de sublinhar a diversidade regional que, sob um olhar modernista, são apreciadas as construções estudadas no Inquérito à Arquitetura Popular. “As soluções mais elogiadas são as que partilham os critérios arquitectónicos do modernismo: adaptação ao meio e funcionalismo, verdade dos materiais, soluções de serialidade, etc.” (Leal 2009, 48). O Inquérito à Habitação Rural centrou-se na recolha das condições de habitação dos camponeses com o objetivo de melhorar essas condições, de forma a contribuir para o desenvolvimento da agricultura. Os autores deste inquérito não apresentam uma visão idealizada nem da vida no campo nem da arquitetura popular. São constantes as referências às condições miseráveis da habitação rural, à falta de higiene dos seus habitantes e à promiscuidade favorecida pelos espaços exíguos da habitação. É curioso notar como os resultados deste inquérito tiveram uma muito menor repercussão na opinião pública do que qualquer outro. O movimento da Casa Portuguesa continua a ter os seus admiradores, e até uma atual renovada atenção, ainda que com propostas dialogantes com formas mais contemporâneas ou recongurando a nova arquitetura vernacular que se implanta na periferia das aldeias e ao longo das estradas. O Inquérito à Habitação Popular xou uma imagem benévola do mundo rural ao centrar-se nas qualidades formais e funcionais da arquitetura, marcando, ainda hoje, o gosto e diversos programas e projetos de requalicação ou conservação. 12

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A atenção à arquitetura popular por parte dos antropólogos e etnólogos do Museu Nacional de Etnograa, que trabalharam com Ernesto Veiga de Oliveira, centrou-se principalmente no estudo do ponto de vista etnográco e antropológico, enfatizando, na conguração da casa rural, a sua função produtiva. Se hoje a arquitetura popular é património, este fenómeno deve-se, em boa parte, aos quatro inquéritos analisados por João Leal. O que sem dúvida também contribuiu para a sua patrimonialização foi a obsolescência, o abandono, a ruína, o desaparecimento e a presença progressivamente mais impositiva da arquitetura dissonante. Foi sobretudo a partir dos meados do século XX que os materiais tradicionais locais foram sendo substituídos por outros produzidos industrialmente: tijolo, blocos de cimento e betão. Segundo Manuel C. Teixeira se “numa primeira fase estes novos materiais permitiam tornar mais económica a construção, sem que aparentemente as formas tradicionais viessem a ser signicativamente subvertidas, em breve as propriedades físicas desses materiais e a sua lógica dimensional acabaram por se impor e por inuenciar as formas e as proporções das casas, dando origem a novas tipologias arquitectónicas que se foram generalizando.” (Teixeira 2013, 159)

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Leal, João 2009. Arquitetos, engenheiros, antropólogos: estudos sobre a arquitetura popular ao longo do século XX português. Porto: Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva: 6. Leal, João 2009. Arquitetos, engenheiros, antropólogos: estudos sobre a arquitetura popular ao longo do século XX português. Porto: Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva: 10.

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Como refere Isabel Raposo as novas construções populares, “sobretudo em meio rural, tendem ainda a ser consideradas como agressões estéticas por muitos arquitetos que se têm interessado, sobretudo, nos seus inquéritos sobre o habitat popular, pelo equilíbrio entre a natureza, os homens e as formas do edicado das sociedades pré-industriais”. (Raposo 2016, 197) No mundo rural, e na sua arquitetura tradicional, tem sido projetada uma visão mítica do equilíbrio entre o homem e a natureza, como já notou Camille Wells. O autor começa por perguntar o que é a arquitetura vernacular, considerando que, segundo um ponto de vista convencional, a arquitetura vernacular é o que é antigo, rural, artesanal e construído com materiais e formas tradicionais para uso doméstico ou agrícola. Implícita ou explicitamente a esta atitude está presente a noção de que as construções vernaculares são os vestígios frágeis de um tempo pré-industrial e agrário, quando a vida era mais cooperativa, mais humana e, através do trabalho manual, também mais nobre. 14

A propósito dessa arquitetura dissonante João Leal lança um desao: “o de estudar essas novas expressões da arquitetura popular e/ou vernácula de acordo com uma concepção renovada do que é hoje o popular” (Leal 2009, 66). O autor refere-se a Garcia Canclini e ao modo como este sublinha, na sua obra Culturas Híbridas (1998), a necessidade de nos separamos de concepções de matriz romântica sobre o popular: “o popular não é só o rural; o popular não é só o passado (...). O popular não são apenas as formas “autênticas”, que o século XX emblematizou, são também as formas híbridas, impuras e até “sujas” de produção material no presente do espaço habitado que o século XXI deve integrar na sua agenda de pesquisa” (Leal 2009, 67). As formas híbridas e sujas já estavam presentes no território percorrido pelos arquitetos que realizaram o Inquérito à Arquitetura Popular. Nem todas as fotograas foram publicadas sendo excluídos os exemplares designados de malfeitorias: as casas dos brasileiros, a arte nova popular, os primeiros sinais de um progresso mal assimilado, a arquitetura popular mais vulgar. Sublinha João Leal que estas exclusões não foram deliberadas, mas sim a consequência de um olhar sobre o popular que “ao mesmo tempo que projetava luz sobre algumas arquiteturas, deixava outras na penumbra”. (Leal 2011, 73) 15

Para reetir sobre as questões enunciadas escolhemos a aldeia de Provezende (Sabrosa). No concelho de Sabrosa alguma preocupação com o ordenamento territorial tem contribuído para mitigar as dissonâncias excessivas provenientes da expansão dos aglomerados. O seu património, rico, diverso e de qualidade, compreende as arquiteturas nobres de habitação, as arquiteturas de produção, antigas e contemporâneas, as construções vernaculares, o desenho urbano, a arquitetura religiosa e a arquitetura pública de função cultural. A qualidade do património mais antigo tem sido causa e efeito da qualidade também patente na construção contemporânea, de que são exemplos o armazém de estágio e envelhecimento de vinhos da Quinta do Portal (Celeirós) de Siza Vieira e o Espaço Miguel Torga (S. Martinho de Anta) de Souto Moura.

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Wells, Camille 1986. Old Claims and New Demands: Vernacular Architecture Studies Today. Perspectives in Vernacular Architecture II. Columbia: University of Missouri Press, vol. 2: 1. Leal, João 2011. Entre o vernáculo e o híbrido: a partir do inquérito à arquitetura popular em Portugal. Joelho. Revista de Cultura Arquitectónica, n.º 2, abril. Coimbra: Editorial do Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra: 72.

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As construções mais recentes destinadas à habitação – edicadas desde há cerca de dez anos até ao presente – seguem modelos muito semelhantes em vários aglomerados do concelho [FIG. 1]: Sabrosa, S. Martinho de Anta, Passos, Celeirós, Vilarinho de S. Romão, estando especialmente concentradas em novos arruamentos que extravasam os perímetros mais antigos [FIG. 2]. Se algumas destas habitações se destinam a férias dos emigrantes, estando desabitadas a maior parte do ano, não será rigoroso dizer que o seu modelo se forjou na casa encomendada por emigrantes. Este modelo carateriza-se por uma implantação em parcelas amplas, cando a casa afastada da rua ou da estrada, e por uma horizontalidade dos volumes [FIG. 3]. É comum que estas novas construções se desenvolvam em um ou dois pisos, num sentido inverso à casa dos emigrantes construída entre as décadas de 1960 e 1980 que privilegiava a construção em altura, muitas vezes rematada por uma torre ou por altos telhados de acentuado pendor. As casas mais recentes, cujo modelo é recorrente em todo o país, parecem replicar as casas de férias e de aldeamentos turísticos, comuns a Portugal e Espanha, com referências a alguma arquitetura mediterrânica e aos modelos do movimento da Casa Portuguesa, como os alpendres, as chaminés, os beirais e as cores utilizadas nos revestimentos.

FIG. 1 – Casa de habitação (Sabrosa)

FIG. 3 – Casa de habitação (Passos, Sabrosa)

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FIG. 2 – Casa de habitação (Passos, Sabrosa)


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Concentrando-nos agora na aldeia de Provezende apresentamos a caraterização de quarto tipos de habitação popular/vernacular: 1) a casa de pequenas dimensões, que ocupa principalmente o núcleo mais compacto e central, construída em xisto, sendo o piso térreo destinado ao armazenamento e o piso superior à habitação, apresentado, por vezes, uma escada paralela à fachada [FIG. 4]; 2) a casa de maior escala, formalmente semelhante à anterior mas que utiliza com mais frequência padieiras de granito, apresenta vãos mais amplos e permite melhores condições de habitabilidade [FIGS. 5 E 6]; 3) a casa rústica, que deixa propositadamente a pedra à vista, mimetizando a construção mais antiga e acrescentando elementos decorativos de antiga função agrícola [FIG. 7]; 4) a casa de construção recente que se ergue em parcelas isoladas, afastada da rua, aproveitando o terreno para usufruir de um jardim, adopta amplas varandas abalaustradas ou alpendres e vãos de iluminação de acentuada dimensão [FIG. 8]. Esta tipologia implanta-se na periferia norte e oeste do núcleo mais denso, tendo ampliado um arruamento antes ocupado unicamente pela escola primária, dos meados do século XX, e por duas ou três casas de habitação. A implantação de novas construções nesta via resulta hoje numa ocupação linear, que se estende para ocidente comunicando com a via de ligação aos aglomerados vizinhos. Contudo, esta implantação não corresponde a uma elevada densidade construtiva, uma vez que as casas, apesar da sua escala, ocupam grandes parcelas. Nesta tipologia de habitação estão ausentes as culturas agrícolas. As construções destinadas à produção de vinho, azeite ou ao armazenamento de produtos, máquinas e alfaias agrícolas adotam formas e materiais industriais o que lhes retira a conguração própria deste tipo de construção em arquiteturas mais antigas, tornando-as não identicáveis com a sua função.

FIG. 4 – Casa de habitação – tipologia 1 (Provezende)

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FIG. 5 – Casa de habitação – tipologia 2 (Provezende) - Direitos autorais. Créditos: Nisa Félix, 2016

FIG. 6 – Casa de habitação – tipologia 2 (Provezende)

FIG. 7 – Casa de habitação – tipologia 3 (Provezende)

FIG. 8 – Casas de habitação – tipologia 4 (Provezende)

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Pensamos que este tipo de habitação se carateriza por adoptar formas e soluções claramente opostas não somente ao mundo rural mas também ao mundo do trabalho. Apesar de normalmente serem caraterizadas como arquiteturas urbanas, que certamente também o são, cremos que a imagem que projetam dos seus proprietários não radica exatamente no seu carácter urbano mas sim na sua aparência de arquiteturas de lazer, apesar de os seus habitantes trabalharem na agricultura. A arquitetura popular antiga recorda tempos nada dignicantes. Recorda a dureza do trabalho, a pobreza e mesmo a miséria, a ausência de higiene, a promiscuidade, condições de vida já tão distantes do presente que quem não as viveu ou conheceu delas não tem uma real consciência que permita entender a opção da população por casas dissonantes. Nesta aparência de arquiteturas de lazer haverá algo de comum entre esta tipologia de habitação e as casas dos brasileiros de torna-viagem dos nais do século XIX e início do século XX. Implantadas tendencialmente em grandes parcelas e afastadas da rua, as casas dos brasileiros, quando construídas no mundo rural, incorporam um jardim, amplas varandas envidraçadas, caramanchões, fontes e grutas ngidas, onde é notória a ausência de culturas agrícolas. São habitações de férias, de vilegiatura, opostas à casa rural e ao mundo do trabalho agrícola. Certamente que há muitas diferenças, e não unicamente formais, entre a habitação dos emigrantes de torna-viagem enriquecidos e o tipo de habitação que nos últimos anos tem merecido a preferência dos habitantes de Provezende. Queremos deixar claro que a comparação que estabelecemos é unicamente ao nível dessa vontade de oposição ao mundo rural e ao mundo do trabalho. Sobre a arquitetura de emigrantes regressados do Brasil ou de África na segunda metade do século XIX e início do século XX, tem reetido Domingos Tavares considerando que “sempre foi grande a disponibilidade mental destes novos-ricos para a ruptura, aceitando a importação do internacional como fator diferenciador e testemunho de êxito, na representação do regresso às terras de origem” (Tavares 2015, 12). A preferência por casas com vista, airosas, erguidas em lugares desafogados em contraste com as casas pobres concentradas no núcleo mais denso da aldeia, onde rareavam ou eram mesmo ausentes os vãos de iluminação, construídas com os materiais da região, às quais se associavam as construções adjetivas relacionadas com a transformação dos produtos agrícolas e a criação de animais, tem também uma outra motivação: a higiene ou melhor, a sua amostragem nas cores claras utilizadas nos revestimentos exteriores, branco, amarelo, cor de salmão, azul claro, nos materiais do interior, tijoleiras e mármores e nas amplas janelas. Se esta tipologia tem sido preferencial nos últimos dez anos é atualmente notório, por parte da população, um maior interesse pelas casas antigas, que adquiriram um prestígio certamente despertado pelas estruturas destinadas ao turismo que valorizam essas arquiteturas. Há também valores estéticos de gosto pelo valor da paisagem já assimilados pelos residentes, fenómeno que nos parece muito recente. Estas mudanças de gosto devem ser encaradas como uma oportunidade para a reocupação e requalicação de casas antigas, e até pequenas, pela população residente ou pela população que atualmente vive na cidade e aí regressa no m de semana e nas férias. Na verdade esta reocupação já está em curso. Se há dois anos as casas que correspondem à primeira tipologia – habitação de pequenas dimensões, que ocupa principalmente o núcleo mais compacto e central, construída em xisto sendo o piso térreo destinado ao armazenamento e o piso superior à habitação, apresentando por vezes uma escada

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paralela à fachada e alpendre – estavam, na sua maioria, desocupadas e parcialmente arruinadas, sendo o núcleo central do aglomerado aquele onde se registava um maior abandono, é hoje notória uma reocupação. A conguração destas habitações, depois de terem sido alvo de obras, é variada. Em alguns exemplares a casa manteve a cércea e a volumetria originais tendo sido rebocada e pintada de cores claras apresentando, por vezes, um rodapé de cor negra, corrimão de madeira e balaustrada também de madeira onde assenta o alpendre [FIG. 9]. Outros exemplares optam por deixar o material de construção à vista e aproveitam o piso térreo também para habitação, alterando a dimensão dos vãos. A fachada recebe elementos de tipicação do mundo rural, como panelas de ferro e pipas assentes em mísulas [FIG. 10]. Uma outra solução atesta uma intervenção mínima. A pedra é deixada à vista não havendo alteração na morfologia nem na dimensão ou arranjo dos vãos [FIG. 11]. Sublinhamos que nesta caraterização nos referimos unicamente às soluções aplicadas nos últimos dois anos. Em Provesende há outras formas de alteração muito mais intrusivas que obliteraram completamente as caraterísticas construtivas e formais da habitação vernacular. No entanto, parece registar-se agora uma tendência que revela um maior apreço pelas construções mais antigas, ora tipicando-as ora mantendo a sua expressão original.

FIG.S 9, 10 e 11 – Casa de habitação (Provezende)

A estruturas destinadas ao turismo em Provezende caracterizam-se atualmente por três tipologias: a) a casa nobre requalicada que aproveita os valores estéticos dos materiais e das formas com uma intervenção mínima no arranjo de construções anteriormente desprezadas, como os cardanhos; b) a casa construída em xisto, formalmente semelhante às habitações de pequena escala mas com vãos mais amplos e uma dimensão que permite melhores condições de habitabilidade. Esta tipologia não acusa qualquer alteração no exterior; c) a construção nova já realizada com a nalidade de se destinar ao turismo que mimetiza aspetos mais epidérmicos da construção antiga, articulando muros em xisto com alçados e volumes contemporâneos e com referências ao mundo rural, como a plantação de ramadas no jardim.

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Atendendo a este panorama parece-nos possível e realista que as estruturas dedicadas ao turismo ocupem arquiteturas vernaculares com condições de habitabilidade, sendo desejável que não se obliterem os materiais e formas originais dessas construções. Uma maior expansão da aldeia num continuum de conguração suburbana pode ser evitada se os habitantes continuarem a ocupar as construções mais antigas, certamente as que têm viabilidade para as atuais condições de vida. A motivação também cabe às tutelas que devem atender ao património de forma mais exível, conferindo-lhe um caráter menos dualista, frequentemente presente nas soluções de requalicação, e que tem como postulado, implícita ou explicitamente: o que é antigo é bom, o que é novo é mau. Fornecendo projetos de requalicação adaptados à realidade que atendam às necessidades, capacidade nanceira e vontade da população, será possível hoje manter uma boa parte da arquitetura vernacular mais antiga com usos mais dignicantes. Será possível também controlar a expansão da nova arquitetura vernacular não a conotando necessariamente com o mau gosto, de forma a que os seus proprietários não se sintam excluídos porque dessa forma mais se excluirão. De outro modo a arquitetura popular mais antiga acabará por ser abandonada na sua totalidade. Certamente que não é esse o futuro que desejamos para um património vernacular cuja qualidade formal e visual nos vai seduzindo há décadas.

BIBLIOGRAFIA Almeida, C. A. Ferreira de 1998. Património. O seu entendimento e a sua gestão. Porto: Edições Etnos. Almeida, C. A. Ferreira de 1993. “Património - Riegl e Hoje”. Sep. da Revista da Faculdade de Letras. História, 2. série, v. 10, Porto: 407-416. Leal, João 2009. Arquitetos, engenheiros, antropólogos: estudos sobre a arquitetura popular ao longo do século XX português. Porto: Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva. Leal, João 2011. “Entre o vernáculo e o híbrido: a partir do inquérito à arquitetura popular em Portugal”. Joelho. Revista de Cultura Arquitectónica, n.º 2, abril. Coimbra: Editorial do Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra: 68-83. Ortigão, Ramalho 1905. Um brado a favor dos monumentos, Diário de Noticias, Lisboa, n.º 17, Maio.

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Raposo, Isabel 2016. “Transformação da habitação popular em meio rural em Portugal na segunda metade do século XX”. In André, Paula; Sambricio, Carlos, coord. Arquitetura Popular. Tradição e Vanguarda. Tradición e Vanguardia. Lisboa: ISCTE: 193-254. Rosas, Lúcia 1997. “Joaquim de Vasconcelos e a valorização das artes industriais” in Almodovar, A., Alves, J., Garcia, M. P. (org.) Rodrigues de Freitas: a obra e os contextos. Actas do Colóquio. Porto: C.L.C./F.L.U.P.: 229-238. Silva, Luís 2009. Casas no Campo: um estudo do turismo em espaço rural em Portugal. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais. Soeiro, Teresa, Rosas, Lúcia, Fauvrelle, Natália 2002. “O Património vernacular construído do Alto Douro. Vinhateiro: ritmos e valores”. Douro – Estudos & Documentos, Porto: Faculdade de Letras do Porto/GHEVID, vol. VII (14), (4.º): 147-163. Tavares, Domingos 2015. Casas de Brasileiro. Erudito e Popular na Arquitetura dos Torna-Viagem. Porto: Dafne Editora. Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Teixeira, Manuel C. 2013. “Popular, Tradicional, Regional, Português, Nacional”. In Actas do Colóquio Internacional de Arquitectura Popular. Arcos de Valdevez: Município de Arcos de Valdevez: 153-163. Wells, Camille 1986. Old Claims and New Demands: Vernacular Architecture Studies Today. Perspectives in Vernacular Architecture II. Columbia: University of Missouri Press, vol. 2, 1986: 1-10.

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CONFERÊNCIA DOURO DAS IMAGENS E DO IMAGINÁRIO A(s) imagem(s) do Douro, património e identidade Fernando Faria Paulino

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RESUMO A imagem do Douro é uma imagem socialmente construída, mediatizada, fruto de uma totalidade de outras representações visuais, que remetem predominantemente a região para a relação Douro / paisagem / vitivinicultura, e na qual o papel protagonizado pela paisagem / imagem é determinante. São inúmeras as imagens que ao longo dos tempos apresentam esta relação na representação do Douro. Este processo de selecção e valorização da paisagem na região do Douro é de tal forma evidente, que o papel por ela desempenhado parece ser determinante na identidade de toda a região.

ABSTRACT The image of the Douro Valley is a socially constructed image, mediatized, the result of a number of other visual representations, which refer predominantly to Douro / landscape / winemaking, and in which the role played by the landscape / image is decisive. There are countless images that over time present this relationship in the representation of the Douro. This process of selection and appreciation of the landscape in the Douro region is so evident that the role played by it seems to be decisive in the identity of the whole region.

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PALAVRAS-CHAVE:

Douro, imagens, património, identidade, paisagem

KEYWORDS: Douro, images, heritage, identity, landscape


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DOURO DAS IMAGENS E DO IMAGINÁRIO

A(s) imagem(s) do Douro, património e identidade FERNANDO FARIA PAULINO Instituto Universitário da Maia - ISMAI, Portugal CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação fpaulino@docentes.ismai.pt

Quando, em Dezembro de 2001, a região do Alto Douro Vinhateiro (no norte de Portugal) integrou a lista de Património da Humanidade da UNESCO enquanto Paisagem Cultural, o Alto Douro ganhou uma outra visibilidade mediática, que muitos pensaram ser o motor potenciador de uma região portuguesa que apresentava graves problemas sócio-económicos, considerada como sendo uma das 6 regiões mais desfavorecidas do País. Uma acentuada perda demográca e envelhecimento da população, com uma profunda ligação ao sector primário, apresentando taxas de produtividade baixíssimas – exceptuando-se o caso do vinho – e uma mão-de-obra enfraquecida, era este o retrato geral da região de Trás-os-Montes e Alto Douro. 1

Cercada pelas montanhas transmontanas e da região das beiras, o Vale do Douro é abrigado dos ventos húmidos pelas serras graníticas do Marão e do Montemuro. As suas vinhas, cultivadas em terrenos graníticos e xistosos, são sujeitas a Verões extremamente quentes e secos e a Invernos rudes e prolongados com muita geada e neve.

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De acordo com a classicação da UNESCO o Alto Douro Vinhateiro surge categorizado enquanto bem natural e cultural.

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A Região Demarcada do Douro – estende-se para além do limite dos 13 concelhos administrativos que compõem a Região, correspondendo a uma área de aproximadamente 250.000ha dos quais cerca de 25.000 fazem parte da área territorial classicada pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade. O terreno, no qual desenvolvi pesquisa durante 5 anos, ultrapassou os limites do território, rompeu as fronteiras culturais da “demarcação”. A noção de território surgia como uma relação íntima entre natureza e cultura, ultrapassando essa falsa dicotomia, remetendo para o carácter holístico do conceito. O território agurava-se como um fenómeno no qual convergiam diversas dimensões: o habitat com os seus respectivos recursos, a propriedade e respectivas regras que a regulamentam, a relação entre grupos (locais, sazonais – trabalhadores ou visitantes) e os signicados do respectivo espaço territorializado (Região Demarcada e Área classicada). 2

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A região do Alto Douro Vinhateiro, elevada a Património Mundial da UNESCO em 2001, enquanto paisagem cultural, surgia referenciada com enormes potencialidades para tornar-se como um dos mais importantes destinos turísticos em Portugal, facto para o qual o papel desempenhado pela sua imagem foi e continua a ser primordial na sua divulgação e promoção. Aliás, o valor da imagem em todo o processo de elevação do Alto Douro Vinhateiro a Património Mundial da Humanidade foi inquestionável. Foram centenas de imagens utilizadas ao longo do processo que acompanharam a respectiva candidatura, que culminou com a decisão positiva da UNESCO. É com base nestes fundamentos, e tendo ainda em consideração o facto do Alto Douro, para além de Património Mundial da Humanidade, ser considerado um espaço com um conjunto de elementos que o caracterizam como sendo uma “paisagem cultural evolutiva” numa constante relação Homem (cultura) / natureza, cuja ocupação humana remonta ao paleolítico (gravuras rupestres do Vale do Côa), e ainda tendo sido sujeita a um permanente cruzamento de povos e culturas ao longo dos séculos que, toda esta vasta região encerra enormes potencialidades ao nível do turismo cultural (natural). 4

A paisagem cultural do Alto Douro encontra-se assim profundamente ligado à imagem (a sua imagem ao nível do património paisagístico, a sua imagem da diversidade de património cultural existente ou a sua imagem de marca – o vinho do Porto). Mas há outras questões que surgem intimamente ligadas à noção de património: a monumentalização, o conceito de patrimonialização bem como a noção de autenticidade. O próprio processo de Candidatura do Douro a Património da Humanidade refere-se à autenticidade e ao carácter distintivo da região enquanto elementos determinantes do Alto Douro, na elevação da região a Património Mundial da Humanidade. 5

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Mesão Frio, Peso da Régua, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira, Vila Nova de Foz Côa, Torre de Moncorvo, Carrazeda de Ansiães, Alijó, Sabrosa, Vila Real e Santa Marta de Penaguião. Território distingue-se de espaço físico. Este último apresenta-se sobre diversas dimensões (aéreo, ecológico, terrestre, marítimo,..) pressupondo por vezes “a ideia, embora ilusória, de naturalidade, de espaço virgem incólume de actividade humana” (Santos, 2002: 200). Território é um espaço de acção social, de referência identitária e de representações de pertença, um espaço físico ocupado pelo homem enquanto área geográca de actividade económica e política (idem: 200-201). Entendida aqui no seu sentido mais lato e abrangente – das imagens materiais às imateriais. Questões às quais regressarei ao longo da investigação, sendo na actualidade intensamente exploradas pela actividade turística.

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Relativamente ao conceito de patrimonialização, a noção de património esteve desde sempre sobretudo ligada à herança familiar, tendo sido na actualidade recriada, adquirindo outros signicados: património cultural, material, imaterial... Quando o mundo rural se moderniza, multiplicam-se os museus etnográcos, criam-se novos destinos turísticos nos designados “espaços de autenticidade” que procuram captar a população urbana. Recriam-se festas e manifestações culturais com o objectivo de atrair turistas, revaloriza-se o artesanato e a tradição. Conguram-se assim novas modalidades de apropriação e reapropriação do popular e do tradicional, agora enformados sob a designação de “património”. Brian O'Neill refere-se a uma “monumentalização cultural”, isto é, “cultura e cultura popular (...) fundidas num mesmo processo de imitação, e exaltação despreocupadas e a-críticas” (2006: 354). A elevação do Alto Douro Vinhateiro a Património da Humanidade adquiriu um sentido de emblematização, patrimonialização e turisticação a nível regional. O apoio institucional – pela UNESCO – tornou-se algo fundamental para o desenvolvimento das noções de identidade, comunidade, história, tradição e património colectivo. Tratam-se de processos de “patrimonialização” de uma actividade sócio-económica através da reconguração da noção de “tradição”. Como armaram Eric Hobsbawm e Terence Ranger, “inventar tradições (...) é essencialmente um processo de formalização e ritualização caracterizado por referências ao passado, mesmo que apenas através da imposição da repetição” (1984: 4) e, numa lógica de actuação no plano económico, essencialmente com ns turísticos, qualquer tradição patrimonializada coloca o local onde ocorre, no mapa do turismo internacional. Qualquer referência ao Douro – território – implica uma imediata relação a um dos vinhos produzidos nessa região: o vinho do Porto. Esse elemento estabelece a ponte entre dois espaços distintos, Douro e Porto, separados entre si em pouco mais de 100 quilómetros, duas realidades sócio-culturais diferentes – um espaço rural e uma zona urbana – , bem como duas realidades económicas igualmente distintas – de um lado uma economia essencialmente baseada no sector agrícola, do outro uma economia baseada na indústria e serviços, remetendo-nos tais realidades para duas actividades diferenciadas: a região do Douro ligada à produção, a cidade do Porto ligada à recepção / consumo (entendendo-se de uma forma mais ampla a armazenagem, a distribuição e a exportação). Estas duas realidades distintas, motivadas essencialmente por uma separação física, moldaram as imagens que se foram produzindo ao longo dos anos sobre a paisagem cultural do Alto Douro. A morfologia do Douro dicultou durante longos anos a comunicação terrestre entre essa região e o resto do país, à excepção, apesar das precárias ligações existentes, da ligação com a cidade do Porto. Para a aproximação desses dois espaços, contribuíram as inúmeras melhorias das vias de comunicação existentes e a construção de novas acessibilidades. D. Maria I manda rasgar a barreira do Cachão da Valeira em 1791, permitindo a navegação uvial ao longo de toda a extensão do Douro vinhateiro, a Companhia do Alto Douro manda construir, nos nais de Setecentos e princípios de Oitocentos, a ligação por estrada entre Régua, Mesão Frio e Amarante, permitido a ligação ao Porto, e surge no nal do século

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XIX, início do século XX, a linha férrea do Vale do Douro. Alves Redol (1979: 275), referindo-se ao comboio, escreve nos anos 40: “ Ao Douro chegou outra vida. Viajaram comerciantes, prostitutas, ladrões, técnicos e turistas – uma humanidade toda diferente. Os que lá viviam sentiram-se oprimidos, como se lhes tivessem invadido o lar e os quisessem expulsar. Vieram todos os vícios. E tentações e crimes. Deszeram-se famílias e nasceram novas terras. Das que existiam, algumas largaram-se como cidades e outras morreram denhadas. A tradição mirrou-se e cou guardada no coração dos velhos. Chegaram a Sociedade por Acções e o Banco. Vieram a Usura e a Letra. Desembarcaram o Papel Selado e o Fisco. Era uma vida nova.”

Foi contudo essa morfologia acidentada do terreno que permitiu à região do Alto Douro as condições geológicas e climáticas ideais para produzir um vinho único, tornando-a progressivamente numa região predominantemente vinhateira. O Alto Douro Vinhateiro representa, ainda na actualidade, o resultado do trabalho do homem no domínio da natureza. Henrique de Barros (in Pinto da Costa, 1997) escreveu a este propósito em 1943 que “o Douro actual é, mais do que qualquer outra região portuguesa, obra exclusiva do homem, produto apenas do espírito criador da espécie”. Orlando Ribeiro acrescentaria

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em 1945, o seguinte: “Para a vinha (...), se ergueu, na escadaria dos geios, uma das mais extraordinárias paisagens rurais construídas que se conhecem no mundo” (Ribeiro, 1987: 151). Em 2001, a região do Alto Douro Vinhateiro é elevada a Património Mundial da UNESCO enquanto paisagem cultural. A candidatura da região a Património da Humanidade surge justicada como sendo “a mais antiga região vitícola demarcada e regulamentada do mundo”, representando a “paisagem cultural do Alto Douro uma obra combinada do homem e da natureza”. A candidatura referese ainda à região como “uma paisagem cultural viva, testemunho notável de uma tradição cultural antiga, e, simultaneamente de uma civilização viva, centrada na viticultura de qualidade desenvolvida em condições ambientais difíceis”. É ainda referido na Justicação da Inscrição o facto de a “paisagem duriense” constituir “um exemplo singular da relação humana com os elementos naturais”, salientando-se ainda o facto de que “só a obtenção de um produto natural único, de qualidade excepcional e elevado retorno económico como o vinho do Porto, poderia justicar o esforço sobre-humano, que sensorialmente se traduz nesta obra-prima colectiva, uma paisagem de autor anónimo” (Bianchi-de-Aguiar, Candidatura Nacional do Douro Vinhateiro a Património da Humanidade). Dos contactos que mantive ao longo do trabalho de terreno entre 2005 e 2010, nas relações que fui estabelecendo com os actores sociais, bem como na análise que vinha a efectuar das estratégias de comunicação presentes na região, o facto que mais dúvidas me levantava residia precisamente na exploração da noção de “uma paisagem de autor anónimo”. A noção de paisagem surge na Europa apenas no séc. XVI, isto é, no início da modernidade. Tal noção surge em primeiro lugar ao nível da representação imagética, pictórica, seguindo-se mais tarde o aparecimento da representação verbal, landschap, primeiro em holandês e posteriormente nas restantes línguas germânicas (landskap, Landschaft, landscape). Com a palavra pretendia-se designar uma ideia, a de conguração de terreno. Nas línguas latinas, um suxo junta-se à palavra “país” (paisagem, paesaggio, paysage, paisaje), tentando transmitir a ideia de conjunto, isto é, visto de uma só vez (Martinet, 1984:62). Com efeito, em termos imagéticos, a noção de paisagem aparece na Flandres, em cerca de 1420, numa pintura de Robert Campin “La Madone à l'écran d'osier”. Literalmente a noção de paisagem referia-se a uma vista através de uma janela. A janela funcionaria como um enquadramento dentro do enquadramento da própria pintura, que isolava, que recortava e que instituía o país em paisagem (Berque, 1994). Obviamente que as paisagens desde cedo guraram na pintura, mas apenas enquanto elemento acessório, emblemático ou simbólico, numa profunda relação com o campo, com a natureza e em que a essência da representação se centrava numa gura religiosa ou num determinado mito que motivava a pintura, isto é, o meio ambiente não era o elemento principal da representação.

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Mas a história da representação das paisagens e da sua profunda relação com o campo, conduz-nos ao longo de um percurso, no qual, o habitante da paisagem, o camponês, dela irá desaparecer de uma forma gradual. Tal acontecimento parece ter origem no facto de o olhar construído ser um olhar externo à paisagem. O processo de industrialização e consequente modernização da agricultura foi-se traduzindo no m do agricultor, e em certa medida, no afastamento do homem - o camponês - da paisagem. 6

A paisagem moderna, instituída pelo homem da cidade, é igualmente o resultado de uma espécie de deslocamento da cidade para o campo, por parte do homem citadino. Para ele, o campo é em primeiro lugar a natureza e a paisagem. Daí todas as tentativas de preservação de signos que marcam a ruralidade, a arquitectura rústica, o tradicional, opondo-se fortemente à proliferação de signos que marcam a economia moderna, tais como postes de alta tensão, painéis publicitários ou mais recentemente os parques eólicos. 7

O desaparecimento progressivo do homem na imagem da paisagem coincide com o enfraquecimento do estatuto social do camponês, permitindo ao citadino modelar e construir as representações da paisagem. Ao longo dos séculos passou-se da representação do camponês inserido no seu espaço, a paisagem, para uma representação do seu trabalho, seguindo-se a representação das marcas do seu trabalho na paisagem (Prado, 1996). O camponês desaparece assim progressivamente da representação paisagística. O homem sofre um processo de naturalização, enquanto que a paisagem passa por um processo de antropomorzação (“paisagem cultural”). Tais processos estão presentes quando abordamos a paisagem enquanto representação resultante da actividade turística. No entanto, a paisagem enquanto representação, analisada desse mesmo ponto de vista turístico, terá igualmente de ter em consideração a questão da mediação, denida enquanto processos de comunicação que se desenvolvem entre um espaço físico e um espaço discursivo, entre cultura local e cultura global, entre “natureza” e “cultura”. Esta oposição natureza / cultura não tem uma aplicação prática na geograa moderna. A paisagem não pode ser nunca colocada na sua totalidade do lado da natureza nessa oposição. A pintura ou a fotograa de uma paisagem é, antes de mais, um acto cultural em vez de algo natural. Desta forma, a paisagem surge como o resultado de uma mediação entre o homem e o seu meio ambiente. Enquanto representação da natureza, uma paisagem é o resultado de uma construção humana, o resultado de um olhar. 8

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O desenvolvimento acelerado do turismo moderno começa apenas a partir dos anos 1870 do século XIX, um pouco por toda Europa. É o tempo do romantismo, uma época na qual se gloricou a natureza e a paisagem e que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do turismo. A construção de parque eólicos motiva um grande número de conversas, discussões e posições antagónicas entre turistas e habitantes de zonas nas quais são instalados os respectivos parques. O turista, proveniente da cidade, constrói um olhar negativo sobre esses elementos que descaracterizam a paisagem, e lhe conferem um estatuto de não-autenticidade, anti-natura. O camponês vê na construção dos parques uma mais-valia, uma fonte de rendimento, na medida em que vende terrenos já não explorados ou de difícil acesso para a prática agrícola. O espaço rural deixa de ser única e exclusivamente um espaço de produção (agrário) para converter-se em espaço de consumo (turístico). O espaço rural reelabora novas produções (paisagem, ruralidade, tranquilidade, raízes, identidades) passa a ser pensado como um produto construído para ser consumido. Uma mudança cultural segundo Agustín Santana (2000).

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John Urry ao armar que o olhar do turista é dirigido a aspectos da paisagem que o separa das suas experiências quotidianas, refere-se a aspectos que foram trabalhados para produzirem tais efeitos. Na maioria das vezes, trata-se de um olhar estático, a partir de um ponto topográco elevado, como por exemplo um miradouro ou um “ponto de vista ocial”. O olhar é dirigido por antecipação e imaginação, enquanto resultado das narrativas promocionais da indústria turística. Urry sublinha ainda que a expectativa é “construída e mantida por uma variedade de práticas não-turísticas, tais como o cinema, a televisão, a literatura, as revistas, (...) que constroem e reforçam o olhar (1996:18). 9

Tanto os turistas como os locais turísticos, nomeadamente as paisagens culturais, são manipulados de forma a que o olhar recaia sobre aquilo que se espera que o olhar veja. O olhar é assim construído através de signos e, a actividade turística é, ela própria, uma colecção de signos (Urry, 1996: 18). Tal como Jonathan Culler refere, os turistas actuam enquanto semióticos, lendo paisagens, signicantes com signicados pré-estabelecidos, provenientes dos mais variados discursos sobre turismo e viagens (1981: 128). Quando um turista vê um casal a beijar-se em Paris, aquilo que o seu olhar capta é uma “Paris intemporal e romântica”. O turista procura incessantemente signos nos espaços que percorre: signos do “típico comportamento italiano, cenas orientais exemplares, as típicas autoestradas americanas, os pubs tradicionais ingleses” (Culler, 1981:127) e, no caso da região do Douro, as típicas vinhas plantadas em socalcos. É neste sentido que o acto de fotografar uma paisagem é para o turista um processo de apropriação pessoal. O turista segue determinados signos até ao seu destino, tendo este já recebido a designação de “atracção”. Chegado ao local, o turista é confrontado com signos que denem e justicam essa “atracção”, denem a paisagem, denem o que deve ser visto e nalguns casos a forma como deverá ser visto. 10

Trata-se de signos que motivam o turista a seguir em direcção a uma experienciação autêntica do espaço. Mas, a par destes, o turista encontra ainda signos metalinguísticos. Signos que estabelecem os limites do local, denem áreas e que permitem a mediação entre turista e signicante, a paisagem (caso dos miradouros). É desta forma que quando o turista visita um determinado espaço, que foi designado enquanto paisagem turística, encontra-se não só na presença de uma paisagem física, como

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Cfr. Hipermédia “Cultura Visual e Turismo no Alto Douro Vinhateiro” (Paulino, 2008), Texto 3, pág. 3, [bloco cinema], Pilot Guides (2004), Globe Trekker: Portugal & Azores. O vídeo (pertencente à colecção de vídeo-guias turísticos da Pilot Guides / Lonely Planet) inicia-se com a narradora a percorrer um trilho em terra batida, rodeada por alguma vegetação, produzindo o seguinte discurso perante a câmara: “ Praticamente todos os turistas que visitam este país [Portugal] vão directamente até ao sol e às praias do sul. Isso está correcto, mas trata-se de um lugar com muito mais para ver. Tem uma grande história e tradição, participou na conquista do Novo Mundo, está cheio de rituais e folclore, tem paisagens incríveis. Trata-se de um país com uma personalidade muito marcada, uma personalidade que muito pouca gente conhece... isto é Portugal!”, apontando para a paisagem duriense. Metonimicamente estava construída a imagem de Portugal. Sob a forma de placas informativas, direccionais, mapas de localização espacial (“você está aqui”). V. Hipermédia “Cultura Visual e Turismo no Alto Douro Vinhateiro” (Paulino, 2008), Texto 2, pág. 4, animação de placas sinaléticas. No caso do Alto Douro Vinhateiro Património da Humanidade, a demarcação do território com ns turísticos é igualmente explorada, V. Hipermédia “Cultura Visual e Turismo no Alto Douro Vinhateiro” (Paulino, 2008), Texto 3, pág. 11.

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igualmente na presença de uma paisagem semiótica. Jonathan Culler (1981) ao comparar o turista a um semiótico, refere-se ao facto daquele ser constantemente submetido a exercícios de leitura de cidades, culturas, paisagens, sempre enquanto sistemas de signos.

Contudo, este exercício não se limita ao acto de recepção ou de apropriação. Assim que o turista pressiona o obturador da sua câmara fotográca ou carrega no botão de gravação da sua câmara de vídeo, transforma um acto de consumo num acto de produção. Em muitos casos baseado em relações intertextuais. As paisagens, enquanto locais turísticos, prestam-se a este tipo de relações, ao nível da sua produção de sentido, a interacções entre espaço físico e espaço imaginado, a processos de reinterpretação da própria paisagem. Teoricamente, o nível de leituras seria innito, dependendo exclusivamente do seu leitor, na prática, tal facto não se verica, dado que os locais turísticos apresentam inúmeras vezes leituras convencionais ou dominantes. O Alto Douro vinhateiro, denido enquanto paisagem cultural, é um exemplo paradigmático de todo o exposto. A imagem do Douro é uma imagem socialmente construída, mediatizada, fruto de uma

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totalidade de outras representações visuais, que remetem predominantemente a região para a relação Douro / paisagem / vitivinicultura e na qual o papel protagonizado pela paisagem é determinante. São inúmeras as imagens que ao longo dos tempos apresentam esta relação na representação do Douro. Ao nível das representações visuais, as aguarelas, as gravuras, os óleos e os desenhos ocupam um lugar de destaque no Douro. James Forrester, nome ligado a toda a região do Douro e ao vinho do Porto, deixou numerosos testemunhos. Para além dele, destacam-se os nomes de William Prater e Susan Dockery, cujas pinturas integram actualmente a colecção Sandeman. A pintura no Douro surge essencialmente associada a nomes ingleses, os quais, tal como refere António Barreto, “vinham ver o Douro, ou fazer negócio, e não resistiam, pintavam” (1993: 44-45). Também Veloso Salgado, António Carneiro ou Álvaro Siza, guram entre aqueles que igualmente construíram um olhar sobre o Douro. 11

Pouco tempo após a invenção da fotograa, entre 1854 e 1857, Joseph James Forrester, realizava os primeiros ensaios fotográcos na região do Douro. Também Frederick William Flower deixou um importante conjunto de calótipos fotográcos realizados entre 1845 e 1859. Mais tarde, igualmente Emílio Biel e Domingos Alvão, duas referências incontornáveis na história da fotograa em Portugal, realizam inúmeros trabalhos fotográcos no Alto Douro. Biel trabalhou nos princípios de século XX, começando por retratar a expansão e implementação do Caminho de Ferro do Douro, ilustrando mais tarde fotogracamente a obra de Manuel Monteiro, datada de 1911, «O Douro – Principais Quintas, Navegação, Culturas, Paisagens e Costumes». Cerca de trinta anos mais tarde, Domingos Alvão e os seus sucessores, realizam a maior e a mais completa investigação fotográca do rio Douro e de toda a região (Sena, 1998). Foram milhares de fotograas as realizadas nos anos 40 do séc. passado, para o Instituto do Vinho do Porto. Actualmente, em grande medida fruto dos trabalhos fotográcos desenvolvidos por Biel e Alvão, o Douro é uma das regiões portuguesas mais fotogracamente documentada. Tais trabalhos facultam-nos o acesso preciso às técnicas de carregamento dos barcos rabelos, ao transporte das pipas, como se efectuava a navegação ao longo do rio Douro, ou como se organizavam as pausas no trabalho ou as refeições durante o período das vindimas (Barreto, 1993: 41-42). Com a construção da linha de caminho de ferro do Douro, o comboio chega ao Pinhão, considerado centro geográco da Região Demarcada do Douro e onde se situam muitas das quintas produtoras do vinho do Porto. O edifício da Estação de Caminhos de Ferro do Pinhão, construída no nal do séc. XIX, possui variadíssimos painéis de azulejos. Trata-se de uma completa representação visual dos costumes da região, dos transportes (barcos rabelos e carros de bois) das vinhas, socalcos, quintas e aldeias, sempre acompanhadas da impressionante paisagem duriense (Ferreira, 1999). Mas a arte do azulejo surge espalhada por toda a região do Douro. Alguns painéis são representativos de aspectos ligados à actividade da região (Pinhão e Peso da Régua), outros ainda apresentam narrativas (Lenda de 3

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Uma grande parte da colecção pode ser vista no Museu da Sandeman, situado nas caves em Vila Nova de Gaia.

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D. Tedon, em Granja do Tedo), localizados em espaços públicos ou privados (painéis de azulejos da Casa do Brasão, em Tabuaço).

Também a publicidade, ligada ao comércio e exploração do vinho do Porto, deixou importantes testemunhos em imagens. A destacar, haverá que referir a Casa Ramos Pinto, a qual, desde o início da sua actividade em 1880, demonstrou uma especial preocupação com a divulgação da sua marca e com a imagem que dela chegava ao público. Nesse sentido, encomendou dezenas de peças publicitárias a alguns dos mais conceituados artistas da época, quer portugueses quer estrangeiros. Uma especial referência para o cartaz de Leopoldo Metlicovitz, datado de 1922, destinado à Exposição Internacional desse mesmo ano, no Rio de Janeiro. Também a Sandeman oferece-nos inúmeros exemplos de arte publicitária. Um dos logótipos mais conhecidos, internacionalmente, surge em Outubro de 1928 e, com ele, o actual conceito de marca – brand. Tal como a Casa Ramos Pinto, também a Sandeman recorre a reconhecidos artistas da época para a elaboração dos seus cartazes publicitários (Halley, 1990). A exposição Imagens do Vinho do Porto, rótulos e cartazes, organizada pelo Museu do Douro em Fevereiro de 2010, pretendeu elucidar o visitante sobre a importância do cartaz, da embalagem e do

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rótulo do vinho do Porto para a identidade do produto e respectiva comunicação. Elisa Babo refere no catálogo da exposição que “numa época em que o marketing e a comunicação reforçam a sua importância na consolidação de complexas estratégias institucionais, empresariais ou sociais”, o objectivo da exposição foi “difundir múltiplas formas e conteúdos criativos produzidos” (Museu do Douro, 2010: 6). O design das embalagens, dos rótulos e cartazes de vinho do Porto desde cedo desempenhou um papel importante na construção da imagem deste produto enquanto produto internacional. A imagem publicitária continua a ocupar, na actualidade, um lugar de destaque na representação da região do Douro, seja ligada ao comércio do vinho do Porto, seja na promoção do espaço em termos turísticos e culturais. A par da imagem publicitária, também o postal ilustrado tem divulgado a região, explorando, na maioria das vezes, as questões paisagísticas ou aspectos tradicionalmente ligados à região, nomeadamente o barco Rabelo, o vinho do Porto ou as quintas do Douro. O postal ilustrado, de acordo com Moors é “um forte exemplo da ligação entre cultura visual e turismo” (2003: 23). Considerada por Moors uma das primeiras formas de “mass media visuais”, tornaram-se rapidamente o principal meio de comunicar a imagem de um espaço (2003: 23). Neste sentido, Jaffe (1999) já considerara grande a importância dos postais turísticos na promoção de territórios e destinos, convertendo-se num elemento importante da cultura turística, contribuindo para a construção da ideia de paisagem como atracção. Também o cinema, ainda que de uma forma menos visível, tem tido a região do Douro como pano de fundo. Manoel de Oliveira destaca-se dos demais realizadores, tanto ao nível do documentário, com «Douro, Faina Fluvial» datado de 1931, obra vanguardista com inuências de Walter Ruttman, Dziga Vertov e Jean Vigo, como ao nível do cinema de cção, através dos lmes «Vale Abraão» e «Viagem ao Princípio do Mundo». De igual modo, as imagens publicadas em jornais e revistas, destinadas a ilustrar reportagens ou artigos, apelam, na grande maioria das vezes, ao carácter paisagístico da região do Douro, moldando a imagem socialmente construída do Douro – um Douro vitivinícola de carácter eminentemente turístico, desempenhando a paisagem um importante papel. Este processo de selecção e valorização da paisagem na região do Douro é de tal forma evidente, que o papel por ela desempenhado parece ser determinante na identidade de toda a região, e da qual, o seu habitante foi gradualmente desaparecendo. O Alto Douro Vinhateiro enquanto território, surge investido de um conjunto de especicidades e características que levaram à decisão política da UNESCO, de consagrar a uma parte desse território o título de Património da Humanidade. Marcadamente assente em dois eixos fundamentais,

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tal como foi referido, o território surge profundamente moldado pela vitivinicultura e pela paisagem (cultural). Aliás, qualquer um deles legitima o outro. Isto é, sem as condições naturais que o território proporcionou não existiria a actividade vitivinícola, e sem essa actividade não teríamos a paisagem que o Douro oferece. Será, contudo, importante referir que a questão subjacente a essa ligação entre actividade e território é a noção de património, ao estabelecer a distinção relativamente a tantos outros territórios e actividades. O processo de comunicação exalta o carácter paisagístico da região e centraliza-se em termos comunicacionais na paisagem, ou em elementos que simbolicamente para ela remetem. A paisagem parece moldar a comunicação visual, bem como a imagem do território. A publicidade, entendida enquanto “produto de mediação da vida social” (Ribeiro, 2008: 151) actua ao nível de uma construção identitária da região. Uma identidade cujo papel desempenhado pela paisagem em termos comunicacionais assume uma função de naturalização do carácter paisagístico, transformando-se desse modo a paisagem em mito, ou seja num território miticado pela primeira. Toda a comunicação publicitária, destinada a atrair a actividade turística num dado território, projecta uma imagem desse mesmo lugar. Caso tomemos em linha de conta o alcance deste tipo de mensagens publicitárias, facilmente concluímos, que os seus consumidores são afectados no olhar que constroem sobre o país, a região ou os habitantes desse espaço publicitado. Por outro lado, o alcance destas não atinge apenas o potencial visitante da zona ou região. A presença mediática destas mensagens afecta colectivamente todos os leitores levando-os a construir uma dada imagem dos territórios. Pedro Hellín Ortuño refere que o olhar é construído a partir de signos e o turismo representa uma acumulação de signos (2009: 217), acrescentando que “o sistema turístico desenvolve constantemente novos objectos para a visão do turista” (2009: 217). O turismo, entendido enquanto produto de consumo, é o reexo das mudanças sociais características da pós-modernidade (a espectacularização, a procura da autenticidade, ou o retorno ao tradicional), com repercussões ao nível da identidade do destino, que, se devidamente potenciada, irá converter-se em “marca” (Valls, cit. Hellín Ortuño, 2009: 218), isto é, “a marca turística, enquanto síntese de uma determinada identidade” (Hellín Ortuño, 2009: 218). Desta forma, a publicidade turística não inuencia apenas a percepção do destino por parte dos públicos que habitam fora do território publicitado. Também as populações locais são igualmente inuenciadas pelas campanhas publicitárias, bem como ainda pelas imagens projectadas e difundidas pelos mais diversos media (televisão, imprensa, rádio,...), cujos impactos têm consequências no plano identitário dos habitantes locais de um determinado espaço. Desta forma, a (re)descoberta do património local por parte das populações que habitam esse espaço (entendido enquanto destino turístico) assume uma importância decisiva. Importará, por parte

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dos habitantes locais, a tomada de consciência da existência de produtos dentro da sua região, até então pouco valorizados pelos sujeitos. Tal facto implica disfrutar da própria região de forma directa, tomar consciência do desapercebido por ser quotidiano e por tal considerado banal. Assim, as políticas de desenvolvimento local deverão repercutir-se no aumento da consciência colectiva das populações enquanto membros de um território e respectiva integração no interior do mesmo. A publicidade pode desempenhar nesta perspectiva um papel importante, integrando as populações locais, a identidade, os valores de uma região, nas respectivas mensagens publicitárias de âmbito turístico. Aumentando-se a autoestima das populações, enquanto membros de um território e do papel por eles desempenhado na representação e valorização do mesmo, tomam consciência das potencialidades do património local e do papel que detêm no respectivo desenvolvimento da região. Nesta perspectiva, as populações locais bem como o património local apresentam-se como elementos centrais e indissociáveis.

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Entendidos aqui no seu sentido mais lato, bens culturais, património material, imaterial, recursos naturais, bens de natureza gastronómica, entre muitos outros aspetos. Importará referir que muitas comunidades manifestam-se contra a actividade turística, levando em linha de conta os impactos provocados pela mesma. Não sendo o âmbito deste trabalho, em Kuna Yala (território do Panamá), a população kuna, composta por cerca de 60.000 habitantes, dispersa por cerca de 40 ilhas e 12 aldeias litorais, o turismo representa “uma história de confrontos, desencontros e conitos entre os kunas e os não kunas, como igualmente dentro dos próprios kunas” (Pereiro e Inawinapi, 2008: 395), ao defenderem o turismo sustentado com regras muito próprias e totalmente controlado pela população local, outros ao oporem-se totalmente contra toda e qualquer actividade turística (Pereiro e Inawinapi, 2008).

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A região do Alto Douro Vinhateiro cujas estratégias de comunicação se encontram quase que exclusivamente centradas na relação entre paisagem e a actividade vitivinícola, conduz assim à construção de um espaço e de uma identidade mais imaginadas que real, miticando a paisagem e a respectiva relação que esta mantém com a natureza. A publicidade turística transforma a paisagem em mercadoria, em objecto para consumo. Eguizábal (2001: 211) arma que a cultura do ócio favorece o culto pela nostalgia, em particular a nostalgia pela natureza. E, como apenas sentimos nostalgia por aquilo que perdemos, a perda de algo converte-se de imediato em algo de extremamente valioso. A publicidade utiliza, segundo Eguizábal, (2001) manipula a natureza, na construção de um discurso na qual ela assume uma posição simbólica na cultura. Para que a natureza tenha interesse para a publicidade, ela terá de passar por um “processo prévio de reicação” Eguizábal (2001: 211). Situação vericada no Douro, numa forma contínua de reicação da paisagem na qual o homem está conscientemente ausente. Situando-se a publicidade entre a realidade e a cção, ela “cria uma representação do mundo que vai da realidade quotidiana aos mundos mágicos dos produtos publicitários” (Hellín Ortuño, 2007: 40). Pedro Hellín Ortuño acrescenta que as promessas publicitárias apelam à imaginação, rodeadas de processos conotativos, sem necessidade de serem comprovadas, pelo que os seus consumidores disfrutam das mensagens sem terem consciência da “função ideológica que transportam” (Hellín Ortuño, 2007: 282). 14

O vídeo-documentário de carácter antropológico por mim realizado em 2010, “Construtores da Paisagem”, é o resultado de um vasto conjunto de imagens vídeo captadas no decurso do meu trabalho de terreno, representando assim um documento audiovisual, que tenta levantar algumas das problemáticas que foram sendo aqui abordadas. O documentário inicia-se com um excerto da Justicação de Inscrição do Douro Vinhateiro a Património da Humanidade, que transporta para o centro da discussão a paisagem enquanto construção, a relação homem / natureza, a paisagem enquanto “obra prima colectiva de autor anónimo”, “A paisagem do Alto Douro é uma obra combinada do Homem e da natureza, resultante de um processo multisecular de adaptação de técnicas e saberes especícos de cultivo da vinha. É uma paisagem cultural evolutiva e viva, testemunho notável de uma tradição antiga e, simultaneamente, de uma civilização viva, desenvolvida em condições ambientais difíceis.” (Bianchi-de-Aguiar, Justicação de Inscrição do Douro Vinhateiro a Património da Humanidade in Candidatura Nacional do Douro Vinhateiro a Património da Humanidade) Os primeiros planos tentam representar o papel do turista, a chegada de um casal a um dos locais mais míticos da paisagem do Alto Douro, o miradouro de São Leonardo da Galafura, perante a qual 15

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Pedro Hellín Ortuño refere que “o discurso publicitário une os signicados do ser e do parecer, ao ponto de realidade e cção trocarem os seus traços de identidade. (...) A única identidade que perdura é a criada pelo discurso (2007: 283). A força metonímica de São Leonardo da Galafura sacraliza este espaço, tornando-o praticamente num símbolo do Alto Douro Vinhateiro. Para o facto contribui a presença do poema de Miguel Torga inscrito num painel de azulejos existente no local: "O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta" (Miguel Torga, Diário XII).

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dirigem a sua câmara fotográca e congelam o que o olhar vislumbrou. O estereótipo do turista no Alto Douro, a imagem socialmente construída da região dominada pela paisagem. A partir deste ponto assistese a uma sucessão de planos de paisagens, socalcos, vinhas, para nalmente determo-nos no rio. É com este último elemento e a paisagem, como pano de fundo, que temos acesso à continuação do texto relativo à Justicação de Inscrição. “A paisagem duriense constitui um exemplo singular da relação humana com os elementos naturais. Esta adaptação da natureza a um sistema produtivo ancestral, modelou uma paisagem vitícola com uma imagem inconfundível, uma dramática escultura dinâmica, cuja singularidade universal é reconhecida. Só a obtenção de um produto natural único, de excepcional e elevado retorno económico como o vinho do Porto, poderia justicar o esforço sobre-humano, que sensorialmente se traduz nesta obra prima colectiva, uma paisagem de autor anónimo.” (Bianchi-de-Aguiar, Justicação de Inscrição do Douro Vinhateiro a Património da Humanidade in Candidatura Nacional do Douro Vinhateiro a Património da Humanidade) Ao longo do meu percurso de investigação sentia que a relação homem / natureza estava omnipresente na região do Douro, a região era, tal como fui expondo, o resultado de uma construção em diversos domínios. Contudo, a minha inquietude, resultava do facto da ausência do Homem nas representações actuais da paisagem duriense. Tinha consciência que a força do trabalho do homem vinha sendo substituída pela mecanização, contudo o trabalho de terreno colocava-me cada vez mais em contacto com homens e mulheres que ao longo de todo o ano desempenhavam as mais diversas tarefas na actividade vitícola. Confundiam-se com a paisagem. Integrados no território, as representações pareciam desumanizá-los, tornavam-se “objectos”, elementos “anónimos”. Tentei conhecê-los, e o meu interesse recaiu naqueles que eram designados por “serranos”, oriundos das serras que formam o vale do Douro. “Construtores da Paisagem” possibilita o acesso a relatos sobre o passado, uma evocação da memória dos que lá trabalharam. O documentário tenta fazer a ponte entre passado e presente, numa espécie de viagem pelas actividades que desempenhavam, os seus modos de vida, as refeições, o ciclo anual que a viticultura implica. Mas o documentário explora igualmente as relações, por vezes de conito, entre durienses e “serranos”. “Passavam três partes do ano no Douro”, na actualidade, “a serra [de Montemuro] ainda fornece cerca de 40% do pessoal” que trabalha na região duriense. Partiam (e partem) de Montemuro à procura de melhores condições de vida. 16

Elisabete Castro revelou-se o actor social mais crítico, mas proporcionava-me igualmente acesso a profundas reexões que ia tecendo diante da câmara de vídeo, “só quem lá anda [no Douro] é 16

Elisabete Castro, natural de Cotelo (serra de Montemuro), casa e engravida no decorrer do meu trabalho de terreno.

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que imagina o trabalho que aquilo dá, para aquela paisagem car assim bonita!” (53'26''). Elisabete, a par de muitos outros homens e mulheres representavam os “construtores” da paisagem cultural do Alto Douro Vinhateiro. A relação que ela mantinha com a região surge revelada aos 71'40'' do documentário, numa extraordinária metáfora, quando a questiono sobre a razão de se gostar tanto de uma actividade que sicamente tanto exigia. “Tratamos ao longo do ano das videiras como se fosse o nosso lho no ventre; a época das vindimas é o nascimento, altura em que se colhe o fruto” (71'40''). 17

O documentário realizado apresenta ainda perspectivas de futuro para a região, “não há nada comparável no mundo” refere Vítor de Cambres, concluindo Rui Carvalho “que o futuro desta região passa mesmo pelo turismo” tirando partido daquilo que ela tem para oferecer, a paisagem. A imagem do Douro é, tal como já referi, uma imagem socialmente construída, mediatizada, resultado de uma totalidade de outras representações (essencialmente visuais), que remetem constantemente para a inter-relação Douro / paisagem / vitivinicultura, e na qual o papel protagonizado pela paisagem – paisagem cultural – é determinante. No documentário, quando me rero à construção de um muro de uma Quinta em betão, o qual posteriormente estava a ser forrado a xisto, encontro-me perante a questão da “autenticidade”. Rui Carvalho, a este propósito, dizia-me que se tivesse passado por ali um ano mais tarde, tal facto não me teria chamado a atenção. Segundo ele, “o importante é aquilo que se vê e não aquilo que está por dentro.” Perguntava-me a mim próprio se essa não seria a própria metáfora do Douro, o interesse em direccionar o olhar do (potencial) visitante apenas para a paisagem, aquilo que era visível. Este processo de selecção e valorização da paisagem (evolutiva e viva) na região era de tal forma evidente que o papel por ela desempenhado parecia ser determinante na identidade de toda a região, na qual o homem passava ao anonimato, desconhecido, desprovido de identidade. Com o documentário “Construtores da Paisagem” tentei representar a região pela voz daqueles que contribuíram e contribuem para a construção desse território, enquanto paisagem cultural, pelos trabalhadores que acompanham o ciclo da vinha, com um destaque particular para os oriundos da serra de Montemuro – os “serranos” – que permanecem longe dos cartazes turísticos ou da imagem de marca da região, a paisagem cultural duriense.

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Elisabete estava ausente de casa há cerca de 20 dias, participava nas vindimas da Quinta de Nossa Senhora do Monte, e encontrava-se nessa ocasião com seis meses de gravidez.

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CONFERÊNCIA DOURO: DAS MARGENS E DOS MOVIMENTOS DAS IMAGENS Hugo Barreira

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RESUMO Esta comunicação tem por base uma ampla noção do rio Douro enquanto realidade geográca, cultural e antropológica e o seu cruzamento com a imagem em movimento como meio para o documentar e para o representar no seio da cultura visual. Começámos por questionar a presença do rio a partir de uma perspetiva exterior, que assenta no levantamento dos objetos em que este aparece registado. A partir de uma seleção destes objetos, desenvolvemos um conjunto de análises estéticas e técnicas das imagens, procurando perceber os principais pontos de captação visual e sonora e a forma como tal contribuiu para a sua representação e para a signicação das imagens. Por m, questionamos a existência de uma identidade comum aos vários olhares e ao(s) Douro(s) documentado(s) e representado(s).

ABSTRACT This paper is based on a broad notion of the river Douro as a geographic, cultural and anthropological reality and its crossing with the moving image as a means to document it and to represent it within the visual culture. We began by questioning the presence of the river from an external perspective, which is based on the survey of the objects in which its records appear. From a selection of these objects, we developed a set of aesthetic and technical analyzes of the images, trying to perceive the main points from which the visual and sound captures were made and the way in which this contributed to its representation and to the meaning of the images. Finally, we questioned the existence of a common identity to the various views and to the various Douro(s) documented and represented.

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PALAVRAS-CHAVE:

Douro, cultura visual, imagem em movimento, cinema, televisão

KEYWORDS: Douro, visual culture, moving image, cinema, television


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DOURO: DAS MARGENS E DOS MOVIMENTOS DAS IMAGENS HUGO BARREIRA DCTP-FLUP | CITCEM hbarreira@letras.up.pt

I - INTRODUÇÃO O progressivo aumento dos acervos fílmicos disponibilizados em linha tem permitido a utilização da imagem em movimento como fonte para estudos em diversas áreas. Através do controlo do visionamento por parte do investigador, os registos de imagem em movimento podem ser analisados com um grau de profundidade que era, anteriormente, quase impossibilitado pelas condições de consulta e de manuseamento dos suportes analógicos não editados comercialmente. Torna-se, deste modo, possível conhecer e compreender determinados aspetos da cultura visual do século XX que passam, necessariamente, pelos registos cinematográcos de natureza documental, ccional ou amadora. Pretendemos, com esta comunicação, realizar uma primeira abordagem à presença do rio Douro na imagem em movimento tirando partido das potencialidades da disponibilização de acervos em formato digital. Pela natureza do formato, trata-se de um trabalho exploratório e destinado a apresentar um primeiro levantamento em alguns dos principais repositórios ociais, atualmente disponíveis, bem como a elencar um conjunto de questões e parâmetros de análise que poderão contribuir para novos estudos mais aprofundados. A análise da presença do Douro na imagem em movimento constitui o nosso principal objetivo, tendo sido denido o período anterior à construção das barragens e consequentes alterações do caudal e comportamento do rio. Denido o âmbito cronológico para o período compreendido entre 1895 e 1960, foram escolhidos três repositórios: a Cinemateca Digital, com catorze objetos, o Arquivo da RTP, com mais de cinquenta objetos, e o canal da British Pathé na plataforma YouTube, com quatro objetos. 1

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O levantamento propriamente dito foi ainda alargado às edições comerciais de cinema português em suporte digital e a outros canais da plataforma YouTube. Destaca-se a importante presença do Douro na obra do realizador Manoel de Oliveira, a qual foi objeto de uma dissertação de Mestrado em Comunicação Audiovisual e Multimédia da Universidade Lusófona do Porto. Do mesmo modo, o rio 4

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Cinemateca Digital. 2017. http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital.aspx. RTP Arquivos. 2017. https://arquivos.rtp.pt/#sthash.mRGqjkOb.dpbs. British Pathé. 2017. YouTube. https://www.youtube.com/user/britishpathe. Silva, Mário Rui Magalhães da. 2015. “As representações do rio Douro no Cinema de Manoel de Oliveira”. Dissertação de Mestrado. Universidade Lusófona do Porto.

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encontra-se presente em lmes ou sobre a cidade do Porto ou nela rodados, bem como em lmes promocionais relacionados com a cidade ou com o próprio rio. Pelo seu elevado número e afastamento em relação aos propósitos iniciais da comunicação optámos por não os analisar. Estimulados pelo mote das V Conferências do Museu de Lamego / CITCEM, “Douro: interior | exterior”, concebemos, num primeiro momento, uma captação do rio a tendo como referente a imagem mental do movimento das águas observado a partir das margens. Num segundo momento reetimos sobre a captação do movimento ilusório das margens quando a câmara se encontra no próprio rio. A duplicidade e complementaridade das imagens produzidas é, pela sua natureza, indissociável do meio fílmico e da sua capacidade de registar e recriar o movimento, constituindo, deste modo, suporte para novas modalidades de não só documentar mas também de representar o Douro. Ainda a partir deste mote resolvemos entender o rio de uma forma alargada, enquanto realidade geográca, cultural e antropológica. Formulámos três questões de orientação concetual para prepararmos a parametrização da análise, nomeadamente: - Como foi o rio representado? - Como foi o rio documentado? - Existe uma identidade comum aos vários olhares? Assim, começámos por um primeiro olhar, mais lato, sobre a presença do rio na imagem em movimento para, num segundo olhar, atentarmos especicamente no valor destas imagens enquanto registo, salientando, deste confronto, a possibilidade de entendermos um ou vários olhares que, por sua vez, podem construir diferentes rios. Os principais problemas elencados prenderam-se com as alterações que, quer o rio, quer a paisagem marginal foram sofrendo com a construção das barragens. Torna-se, desde já, evidente o valor documental das imagens anteriores à década de 60 do século XX. Estas alterações exacerbaram-se com a modernização das vias de atravessamento, afastando progressivamente o Douro e a sua paisagem marginal do seu estado no século anterior. Veja-se, a título de exemplo, a diferença entre as imagens do rio em dois documentários realizados por Adriano Nazareth, sendo um datado de 1960 e o outro já de 1988, utilizando extensamente a recriação histórica (Nazareth 1988, 200). 5

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Foi então criada uma grelha de análise técnica e estética da presença do Douro nos objetos constituída pelos seguintes itens: - Locais lmados - Pontos de captação das imagens - Existência de captação sonora - Questões de narrativa e de construção das imagens Por razões que se prendem com o formato deste trabalho, selecionámos dos repositórios os objetos mais representativos depois de analisadas as tipologias que poderiam ser denidas. Os objetos 5 6

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Nazareth, Adriano. “Barcos Rabelos”. 1960. https://arquivos.rtp.pt/conteudos/barcos-rabelos/#sthash.OiAvOXMK.dpbs. Nazareth, Adriano. “Vinho do Porto”. 1988. https://arquivos.rtp.pt/conteudos/cepas-e-fragas/#sthash.pGDWaota.dpbs.

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foram então organizados em cinco temas que deram origem aos cincos pontos deste artigo, tendo sido escolhidos para cada um deles, por razões de economia de espaço, os objetos mais representativos. Todos os objetos referenciados foram incluídos em duas tabelas, que contêm, respetivamente, os objetos provenientes dos repositórios ociais portugueses (TABELA 1) e os objetos provenientes de repositórios estrangeiros e de outros meios, como edições comerciais (TABELA 2). Ao longo do artigo, e de modo a facilitar a leitura, estes serão referenciados pelo seu número de identicação. As citações provenientes de chas técnicas, entretítulos ou de transcrições do texto da locução são apresentadas entre aspas. II – CHEIAS E NAUFRÁGIOS Pela sua periodicidade e pelas suas consequências, as imagens das cheias do Douro preencheram o imaginário portuense até tempos recentes. Embora tenham sido registadas por fotógrafos, a sua presença no meio cinematográco não foi por nós identicada até à segunda metade do século. É sobretudo com o começo das emissões de televisão que a imagem em movimento iniciou um registo quase sistemático das cheias através de reportagens de que é exemplo a de 1966, presente no Arquivo RTP apenas no formato de imagem. Constituída maioritariamente por imagens captadas a partir da ribeira de Vila Nova de Gaia, a reportagem regista a agitação das águas e o impacte do aumento do caudal nas estruturas do cais de Gaia e nas suas embarcações. 7

Os registos dos naufrágios surgem mais cedo, tendo sido identicada, logo em 1932, uma reportagem na edição número 7 do boletim de atualidades “O Século Cinematográco”, sobre o encalhe na barra do Douro do vapor alemão GAUSS e do naufrágio das embarcações salva-vidas “PORTO” e “CARVALHO DE ARAÚJO”. A reportagem, de caráter algo sensacionalista, manivelada por Aníbal Contreiras, incluí ainda imagens do funeral das vítimas e funciona, deste modo, como um importante registo para o estudo da atividade portuária do porto do Douro na década nal da sua atividade antes da conclusão da nova estrutura do Porto de Leixões em 1940. 8

III – PAISAGEM (POVOAÇÕES, MARGENS, RIO E ATIVIDADE PORTUÁRIA) 9

O mais antigo registo do Douro que conseguimos identicar data de 1913 e pertence a um lme documental sobre o Porto. Com autoria atribuída a “Alfredo Nunnes de Mattos” e produzido pela recém-criada Invicta Film, o lme é constituído por planos do rio e das suas margens captados entre a Ponte Maria Pia e a zona da Foz. São visíveis aspetos de ambas as margens e da atividade portuária, incluindo o 10

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Objeto 02 Objeto 01. Aníbal Conteiras é creditado pela Cinemateca Digital como o realizador. Veja-se: CINEPT. Cinema Português. 2017. “Aníbal Contreiras”. http://www.cinept.ubi.pt/pt/pessoa/2143689963/An%C3%ADbal+Contreiras Objeto 03. Sobre a empresa Invicta Film veja-se: Andrade, Sérgio C. 2001. O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora.

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rebocar de um veleiro, lmados num primeiro conjunto de planos à cota-baixa. Num segundo conjunto de planos, já lmados à cota-alta a partir do Porto, são visíveis as embarcações junto ao edifício da Alfândega Nova (captados, presumivelmente, a partir dos jardins do Palácio de Cristal) e uma panorâmica de ambas as margens com a Ponte Maria Pia no plano de fundo, sendo igualmente visível o atravessamento de um comboio. Alguns destes motivos foram explorados por Manoel de Oliveira quase vinte anos mais tarde em Douro, Faina Fluvial, estreado em versão muda em 1931 e, já sonorizado com música de Luiz de Freitas Branco, em 1934. Aqui o Douro e a atividade marginal são pretexto para um modernismo cinematográco que cria imagens que, pela sua estética fotográca e pela narrativa imputada pela montagem, se aproximam das vanguardas alemãs e russas coevas. 11

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As imagens, que se viriam a tornar mundialmente reconhecidas, registam o rio e as suas margens entre a Ponte Luiz I e a Foz, sendo captadas de ambas as margens à cota-alta e à cota-baixa, tal como no lme anterior. Contudo, Manoel de Oliveira introduz uma modalidade nova graças à captação de planos a partir das embarcações, o que lhe permite registar as margens do Porto e de Vila Nova de Gaia de uma forma dinâmica e esteticamente arrojada, demonstrando um gosto pela experiência da velocidade e da vertigem tão caras às vanguardas, e pelo enamoramento pela escala, pela implantação e pelas possibilidades formais da estrutura de ferro da Ponte Luiz I. Simultaneamente, a montagem constrói uma narrativa que tem como objeto o trabalho anónimo nas margens do rio, tendo por base um olhar próximo e quase cúmplice do trabalhador, eternizando e dignicando o seu esforço físico numa época de mudança de paradigma tecnológico. Assim, e paralelamente à futura transferência para Leixões, dava-se a paulatina substituição do esforçado trabalho braçal pelo da máquina, bem como do carro-de-bois pelo comboio e pelo camião. O progresso é, deste modo, também um dos temas do lme de Manoel de Oliveira, acrescendo-se uma camada de signicação documental às imagens captadas: a do olhar desconado da mudança mas que para ela volta a sua atenção e reexão. Oscilando entre um conjunto de registos de pormenor e a sua transmutação em objetos plásticos, pelo formalismo da fotograa de António Mendes, as imagens de Douro, Faina Fluvial e o sentido que lhes é conferido pela dialética ensaiada na montagem constituem, no seu conjunto e na sua individualidade, um dos mais completos documentos que a imagem em movimento legou para o estudo da atividade portuária do Porto e de Vila Nova de Gaia. Recuando à década de vinte é possível encontrar um registo que nos permite percorrer o rio para montante. De realizador desconhecido, o lme tintado As margens do RIO DOURO Do Porto a Entreos-Rios capta aspetos do rio e da sua paisagem marginal no âmbito geográco enunciado pelo título. As imagens são totalmente captadas por uma câmara montada na proa de um barco a motor, sendo visível, nos planos iniciais, um conjunto de indivíduos que viajam na popa, um dos quais parece efetuar alguns 13

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Objeto 14. Para uma análise técnica de Douro, Faina Fluvial nas suas várias versões veja-se: Barreira, Hugo. 2017. “Imagens na Imagem em Movimento. Documentos e Expressões.” Tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Objeto 04.

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registos fotográcos. Não conseguimos ainda perceber o sentido da utilização da tintagem, a qual, presumivelmente, poderia indicar diferentes alturas do dia, de acordo com a prática habitual do período. A ausência de informações sobre o lme não nos permite, contudo, avançar mais sobre este aspeto ou sobre o propósito da viagem documentada. Algumas das imagens registam os “rabellos” transportando “generos” ao longo do rio. São identicáveis diferentes tipologias de embarcações, navegando à vela, a remo, ou aproveitando a corrente. Pela sua cronologia, estamos perante importantes documentos de uma atividade uvial ainda representativa, transportando diferentes tipos de mercadorias, embora já entrada no seu canto-de-cisne, à medida que as embarcações eram substituídas pelo comboio ou pelo camião, tal como se refere no documentário Barcos Rabelos de 1960. É bem visível a vela das embarcações e o seu papel no desempenho daquela, bem como as suas tripulações, ainda numerosas, que em muitos casos saúdam, retirando o seu chapéu, o barco a motor e a sua tripulação. O pitoresco do efeito transporto para o plano da câmara e, consequentemente, para o olhar o espectador das imagens, é repetido quando o barco se cruza com uma outra embarcação, já motorizada. O valor documental destas imagens para o estudo das travessias do Douro carece ainda de uma análise aprofundada e contextualizada, prestando-se este breve levantamento como uma proposta para futuros estudos de fundo. 14

Ainda da mesma década encontrámos um lme desaparecido do qual sobreviveram apenas as matrizes em papel vegetal para os entretítulos. A data de “9-11-925” e o título “Paisagem do Douro”, manuscritos na capa das matrizes, é tudo quanto nos permite contextualizar o lme. Pelo conteúdo das matrizes depreendemos que seriam apresentadas imagens da linha férrea já no Alto-Douro – “A linha segue a margem do Rio Douro” – do próprio rio e da sua corrente, passando-se o Sabor e chegando-se à “pequena Villa de Moncorvo, muito agricola e activa…” e “… com boa egreja matriz.”. Seguir-se-iam imagens da “faina das vindimas”, contando com imagens de “mulheres no córte dos cachos…” e do “transporte para as dornas”, bem como do “lagar”. A partir dos entretítulos é possível perceber como estas imagens presumivelmente se aproximariam das que encontraremos diretamente associadas ao Vinho do Porto no ponto IV e que, por sua vez, estabeleceriam uma quase tipologia de registo das vindimas. 15

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Na década seguinte, Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior fornece-nos as imagens mais antigas que conseguimos identicar da atividade do caminho-de-ferro do Douro, datáveis do período da construção da então Ponte Ferroviária da Régua (1931-34), cuja construção é registada pelas imagens. Além de documentarem a atividade na via-férrea e o material circulante, as imagens tiram partido de um novo ponto de captação, o próprio comboio, a partir do qual são captadas as imagens das pontes da Régua e de outros trajetos. 17

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Objeto 13. Cinemateca Digital. 2017. “Paisagem do Douro”. http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=807432&type=Texto Santos Júnior é identicado pela cha da Cinemateca como um cineasta amador. Sobre Santos Júnior veja-se: Universidade do Porto. 2017. “Joaquim Santos Júnior”. https://sigarra.up.pt/up/pt/WEB_BASE.GERA_PAGINA?p_pagina=antigos%20estudantes%20ilustres%20%20joaquim%20santos%20j%C3%BAnior Objeto 05. A construção da ponte encontra-se documentada pela Gazeta dos Caminhos de Ferro entre 1931 e 1934. Veja-se: Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1059 e Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1129.

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Encontramos, deste modo, duas tipologias de planos, os que foram captados por uma câmara xa no solo, permitindo registar a atividade na via-férrea e alguns aspetos das margens, e os planos tomados a partir do comboio com a câmara móvel e, possivelmente, transportada à mão, sendo notória a instabilidade das imagens. Pela implantação da linha e pela sua velocidade, o comboio permite a captação de novas e dinâmicas imagens à cota-alta, que salientam as características do vale e o percurso do rio antes das alterações posteriores. Contudo, como as imagens não se encontram montadas ou contextualizadas não foi possível perceber o propósito daquilo que poderá ser, por alguns dos planos existentes, uma viagem particular. No Peso da Régua e nas suas imediações foram igualmente captadas novas imagens em 1947 por um outro cineasta amador, embora tratando-se, neste caso, de registos provenientes, assumidamente, do âmbito dos arquivos familiares. As imagens são captadas à cota-alta, podendo-se distinguir os planos sobre Peso da Régua, a partir de um ponto mais elevado e localizado a nordeste, os planos junto à estação, bem como outros, captados para jusante, já próximos de Aregos. 19

O caminho-de-ferro do Alto-Douro está, deste modo, unicamente em destaque nos lmes de amadores, no âmbito dos repositórios e lmes nacionais que consultámos. Embora com diferentes propósitos, ambos os lmes registam aspetos da linha e das chamadas obras de arte, mas apenas o primeiro tira partido das possibilidades do registo a partir da composição em movimento. O âmbito desta investigação não nos permite tirar conclusões sobre a virtual ausência nas imagens durienses de um dos meios de transporte mais copiosamente lmado nos anos iniciais do cinema. Do mesmo modo, não conseguimos ainda explicar o porquê de um tão reduzido aproveitamento dos pontos de vista proporcionados pelo percurso. IV – VINHO DO PORTO O Vinho do Porto foi, naturalmente, um dos catalisadores da produção de imagens do Douro ou com ele relacionadas, vericando-se no lme o mesmo que se poderá observar em outros meios. Nesse sentido, não será possível compreender aprofundadamente o sentido e valor destas imagens se não as analisarmos à luz das restantes imagens produzidas sobre o Douro, nomeadamente as que tiveram por base a fotograa e o trabalho editorial decorrente dos levantamentos fotográcos. Debruçámo-nos já sobre este assunto, ainda que muito brevemente, numa abordagem do lme As Pupilas do Senhor Reitor, realizado por Leitão de Barros em 1935, sendo possível identicar neste, e noutros lmes, temas, abordagens e mesmo composições de planos que remetem para as imagens de, entre outros, Emílio Biel ou da Casa Alvão, nomeadamente o levantamento do território do Douro e das atividades relacionadas com o Vinho do Porto encomendado pelo Instituto do Vinho do Porto a partir de 1933. Entreve-se uma extensa genealogia das imagens ainda por determinar, adivinhando-se o possível 20

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Objeto 16. Veja-se: Barreira, Hugo. 2017. “Imagens na Imagem em Movimento. Documentos e Expressões.” Tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Sobre a Casa Alvão veja-se: Figueiredo, Filipe André Cordeiro. 2000. “Nacionalismo e Pictorialismo na Fotograa Portuguesa na 1ª metade do século XX: o caso exemplar Domingos Alvão.” Tese de Doutoramento. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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valor matricial de algumas delas, bem como os consequentes fenómenos de apropriação e transmissão por outros autores e para outros meios. Estando o referido estudo aprofundado do lugar do Douro na cultura visual ainda por fazer, a apresentação que do nosso levantamento fazemos deverá, assim, ser encarada unicamente como um percurso nesse sentido. Com exceção do movimento e das possibilidades acrescidas de registo dele derivadas, ca ainda por esclarecer o contributo inovador trazido especicamente pelas imagens fílmicas para esta temática. Com a ressalva feita, passamos ao mais antigo registo encontrado, proveniente, uma vez mais, da Invicta Film e dizendo respeito a um documentário intitulado “Vindimas da Casa Andresen”. O conjunto de planos, datado de 1914, está identicado como não montado, pelo que o sentido e propósito se encontram, uma vez mais, por esclarecer. Conseguimos identicar imagens do Alto-Douro, de Vila Nova de Gaia e do Porto. 22

Destaca-se a ausência do rio, sendo os planos das vindimas captados com a câmara voltada para os socalcos, resultando em perspetivas consideravelmente fechadas onde a linha do horizonte só raramente se desenha para lá da encosta. As imagens captadas não têm ainda a forte componente de pitoresco das composições fotográcas coevas ou dos lmes posteriores, encontrando-se a câmara consideravelmente distanciada da ação ao estabelecer as panorâmicas. Muito mais próximos são os planos do lagar, vendo-se a sua inspeção e o pisar da uva por homens e mulheres, visivelmente cantando, com o ritmo marcado pelas palmas e o trajeto indicado pela vara de um indivíduo que se desloca sobre o muro do lagar. Outros planos são captados nos armazéns e em alguns interiores, estes de natureza presumivelmente publicitária, vendo-se o processo de engarrafamento mecanizado numa composição marcada pela pose dos trabalhadores e pela parede formada por caixas da marca, tal como acontece com planos similares que captam o processo de rotulação e embalamento, onde é visível inclusivamente um cartaz a marcar o centro da composição. Outros planos, possivelmente rodados no cais de Vila Nova de Gaia, mostram-nos o transporte de caixas para uma embarcação. Lugar de destaque merecem os lmes da Companhia Produtora de Adriano Ramos Pinto, contribuindo para uma modalidade nova e única no levantamento por nós realizado de ligação entre o cinema e o Douro, ainda que por interposta pessoa, como entidade produtora de imagens. A falta de informação disponível sobre a produtora e sobre estes objetos fílmicos não nos permite uma aprofundada contextualização, mas é possível perceber que terá sido produzida no nal da década de 20 uma série de pequenos lmes documentais sob o título “Saudades de Portugal”. 23

O “Nº 8”, de 1929, apresenta-nos uma sequência sobre Lamego, com planos rodados no escadório do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, junto à catedral e em outras localizações que não conseguimos identicar. Uma outra sequência mostra-nos imagens do Porto e de Vila Nova de Gaia, com panorâmicas tomadas a partir da Serra do Pilar e de outros locais à cota-alta, que nos permitem raras

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Objeto 06. Objeto 07.

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imagens dos armazéns vistos a partir de Gaia. Outros planos, possivelmente captados dos jardins do Palácio de Cristal, da Ponte Luiz I, e à cota-baixa, mostram-nos a atividade portuária. Curiosamente, encontramos um outro ponto de captação, o barco a remos, sendo visíveis planos que se assemelham a alguns dos que Manoel de Oliveira e António Mendes, pela mesma altura, rodavam para Douro, Faina Fluvial. O lme encontrar-se-á na sua montagem nal, com os separados de entretítulos ostentando o símbolo e divisa da Casa Ramos Pinto. 24

Associável ao mesmo ano e produtora pela informação providenciada pela Cinemateca Digital, o lme identicável como Quinta do Bom Retiro apresenta, pela primeira vez no nosso levantamento, um olhar devedor da composição fotográca que, com enquadramentos cuidados e captadas em proximidade, procede à estetização das vindimas. Estamos, uma vez mais, no Alto-Douro, e contamos agora com planos mais atentos às características da paisagem. Com os planos mais afastados, semelhantes aos rodados para a Casa Andresen, articulam-se planos mais aproximados que permitem ver a apanha da uva, o encher dos cestos ou os músicos que, tocando acordeão, violino, auta transversal e tambor, animam as danças dos trabalhadores. Com estes temas, que a fotograa vinha xando e que os lmes posteriores perpetuariam, convive outro que se presta particularmente ao lugar no repositório de um Douro estilizado: o da la de trabalhadores que carregam os cestos e demarcam, com a linearidade do motivo, os caminhos de circulação por entre as vinhas. 25

Percebemos, assim, que os temas e abordagens do trabalho de levantamento e edição fotográca poderão ter começado a marcar as imagens em movimento do Douro, sendo identicáveis quatro temas que abundaram nas imagens posteriores: o apanhar da uva, o encher do cesto, o seu carregamento em la e as danças ao som da música. Transferindo o foco de interesse das imagens do esforço físico e das difíceis condições do trabalho para os seus aspetos estéticos e pitorescos, estão criadas as condições para a consolidação de uma imagem alegre e colorida da vindima e, por conseguinte, do Douro. A estética cuidada da maioria das imagens não nos poderá, porém, distrair do seu valor documental pois, além das atividades mencionadas, é possível encontrar registadas quer a preparação dos terrenos, quer a construção dos muros, demonstrando-se claramente o grau de intervenção que permitiu construir a paisagem do Alto-Douro Vinhateiro, bem como as técnicas utilizadas. Na década seguinte encontrámos o primeiro lme assumidamente de cção em que é possível encontrar imagens do Douro, com a já referida adaptação de As Pupilas do Senhor Reitor de Júlio Diniz por Leitão de Barros em 1935. Mercê de melhores condições técnicas, num clima de cinema sonoro ainda a dar os primeiros passos em Portugal, é com este lme que, pela primeira vez, ouvimos também o Douro. Não são as vozes dos trabalhadores ou os sons das águas mas antes a música que inaugura a paisagem sonora do Douro. 26

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Note-se que o nome é agora: Adriano Ramos Pinto & Irmãos – companhia produtora. Veja-se: Objeto 08. Objeto 08. Objeto 15.

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Sabemos que o realizador terá recolhido algumas melodias tradicionais que serviram de base à partitura escrita por Frederico de Freitas, Afonso Correia Leite, Cruz e Sousa e Armando Leça (Barreira 2017, 101), não nos sendo possível precisar se a música ouvida é, de facto, proveniente da região do Douro. Inserida em pós-produção e prestando-se a música de fundo, a canção acompanha um conjunto de planos de uma faina idealizada, abundando as guras trajadas “a rigor” na interpretação da música, descansando num barco que navega dolente ao longo do rio, e no trabalhado das vindimas, onde estão presentes os restantes três temas já apontados. Nova canção, mais lenta e grave, transporta-nos para o pisar das uvas no lagar, ao som do acordeão, xando um quinto tema que já havíamos também encontrado. Captados maioritariamente à cota-alta, e contando com algumas panorâmicas das encostas, os planos de exterior dão pouco relevo ao rio propriamente dito, embora em tal não se afastem necessariamente dos lmes anteriores. Incluídas no lme com o intuito de enriquecer visualmente a história, que a adaptação localiza no Norte de Portugal, as imagens, que são na maioria dos casos resultado de recolhas in loco, estão organizadas sob a forma de uma rapsódia visual, ritmadas pela música e por ela orientadas na sua ordenação para a criação de efeitos de pendor sinestésico. Nesse sentido, e embora ainda sob os auspícios da contaminação entre documentário e cção que o realizador ensaiara em Maria do Mar (1930), o valor documental das imagens, abstraindo-nos do seu claro propósito estético, é afetado pela arbitrariedade da montagem, que mistura o vindimar do Alto-Douro com o vindimar do Minho, sendo necessária uma criteriosa análise, plano a plano, para contextualizar as técnicas registadas. Cerca de vinte anos depois, é rodado um conjunto de planos no Alto-Douro que, mercê da maior sosticação técnica da década de 50, nos permite ter acesso a registos com imagens mais nítidas e com uma sonorização mais cuidada. Conhecemo-los através de dois documentários produzidos pela CINAL e realizados por António Leitão em 1955: Portugal, País de Bom Vinho e Vinhos de Portugal no Mundo. Através das respetivas chas técnicas é possível perceber que as imagens foram captadas por João Martins. 27

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Portugal, País de Bom Vinho trata-se de um lme promocional dos vinhos portugueses no qual colaboraram a Junta Nacional do Vinho a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes e a Real Vinícola. Do Douro vemos um conjunto de planos da la de trabalhadores carregando os cestos, onde é novamente visível a cuidadosa composição dos enquadramentos para a valorização estética do motivo. Um plano de um tocador de “harmónico”, tal como é referido na locução de Pedro Moutinho, permite a transição para as vinhas do Minho. A curta duração do lme e o seu propósito condicionaram uma montagem que se aproxima da rapsódia visual anterior, uma vez mais ao som da música, mas contando agora com a locução, o que permite uma maior distinção entre a proveniência das imagens. Vinhos de Portugal no Mundo, concentrando-se nas atividades da Real Companhia Vinícola, tem por base uma montagem que permite um maior aproveitamento dos planos captados no Alto Douro. O texto da locução de Manuel Seleiro é mais imaginativo na sua descrição poética do trabalho da vinha de um pretenso ponto de vista da uva, mas quer a imaginação, quer o humor substituem a pertinência técnica 27 28

Objeto 09. Objeto 10.

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da informação. A música, a beleza e a alegria são as tónicas dominantes de um texto que anima e dá sentido, tal como a música de fundo, a imagens cuidadosamente compostas em que os enquadramentos fotográcos de ténue sabor formalista permitem captar a coreograa das las de transportadores de cestos e de mulheres que, com um sorriso nos lábios, e cuidadosamente arranjadas, apanham as uvas. O acordeonista é o mesmo do lme anterior, sendo possível, deste modo, depreender que a equipa rodou um conjunto de planos, possivelmente com som captado in loco, que serviram de material para os dois lmes produzidos. Vemos também alguns planos do transporte das pipas em camião, um sinal de progresso que não encontrámos nos lmes anteriores. A câmara aproxima-se das mulheres e do músico, permitindo ver os movimentos deste e os sorrisos e rostos daquelas, afastando-se para captar a coreograa de cestos em movimento ou as linhas de mulheres que apanham a uva. A música de fundo e a narração são os únicos sons disponíveis e os principais responsáveis pelo sentido de interpretação da componente visual, veiculando uma faina alegre e gentil que se consolida de imagem para imagem. É também este o tipo de articulação sonoplástica que encontrámos na montagem das imagens captadas pelos operadores da British Pathé para o suplemento de atualidades cinematográcas Wine Harvest de 1953. A locução em inglês, um pouco mais ciosa de alguns detalhes técnicos, ainda que pelo seu interesse pitoresco, confere um sentido unicador às imagens, consolidando, uma vez mais, e ao som da música, a ideia de uma faina cuidada e exigente mas alegre. Comparada a uma “feira”, a época é referida como sendo de “trabalho mas de alegria”, sendo feita uma breve alusão ao peso elevado dos cestos, que são carregados por homens, a qual, embora quase inócua na sua apresentação, é contrastante com a sua virtual ausência nos registos portugueses. Para lá de alguma informação sobre o vinho e as suas características, destaca-se a ideia de um “vinho civilizado”, produzido num dos vales mais “belos do mundo”, cognominado de “cenário arcadiano”. 29

Em paralelo com a maior riqueza do texto, as imagens resultam de um trabalho de captação que deu origem a numerosos planos. O gosto formalista de alguns, que se aproximam dos portugueses, cede geralmente lugar a um olhar mais cioso das atividades e menos preocupado com a sua estetização fotográca. O rio e as encostas não são também esquecidos, demorando-se também a câmara na captação aproximada de rostos, gestos, objetos e indumentárias. Os quatro temas estão presentes mas, pela primeira vez, contam com diversos planos que isolam aspetos de pormenor, afastando-os de motivos estéticos, caso das las de carregadores de cestos, que se diluem pelo meio das restantes atividades. O posicionamento da câmara e a montagem estão, deste modo, mais orientados para o registo de um processo complexo, a que a narração do locutor dá o sentido nal. Comparar o suplemento de 1953 com a pequena reportagem cinematográca Harvest of the Sun, também da British Pathé mas de 1936, permite-nos salientar algumas diferenças. Um conjunto de imagens do vale, com a rara presença do caminho-de-ferro, servem de enquadramento, contextualização e mote para a preparação da faina, algo que em 1953 se fará já com recurso às imagens e sons das canções e dos seus intérpretes. Aqui, a música de fundo é orquestral e as imagens são verdadeiramente 30

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Objeto 17. Objeto 18.

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mudas, contando apenas com a locução. O texto salienta que “as mulheres caminham e os homens montam” e que “as crianças ajudam também”, acompanhando imagens dos trabalhadores a caminho da faina. Encontramos já enquadramentos e movimentos de câmara que favorecem a captação de pormenores, nomeadamente de algumas etapas do processo. Planos aproximados das mulheres na apanha da uva são acompanhados por comentários elogiosos da sua beleza, percebendo-se indumentárias bem menos cuidadas, e possivelmente mais autênticas, que nas imagens das décadas seguintes. Com exceção dos músicos e das danças, estão presentes os três motivos principais, sendo a la de carregadores de cestos mais explorada fotogracamente que no exemplar da década de 50, tirandose partido do contrapicado para recortar as guras contra o céu, tal como encontrámos nos lmes portugueses. É notório que a locução saliente o efeito visual do percurso, referindo que este “forma uma imagem que os visitantes (…) podem recordar”, justamente nos momentos de maior formalismo das imagens que, à semelhança do que víamos para o lme anterior, estão, na sua maioria, mais orientadas para o registo dos processos. V – A MODERNIZAÇÃO DO DOURO Ainda dentro do âmbito cronológico deste levantamento é possível encontrar objetos fílmicos que documentam a modernização do rio e que anunciam a alteração da paisagem e do seu sentido. Em 1959, Tavares da Fonseca realiza um “documentário cinematográco” sobre a Central Térmica da Tapada do Outeiro. As imagens registam algumas etapas da preparação da encosta e da construção das várias estruturas nas margens do rio na zona de Medas, em Gondomar. À semelhança dos exemplos anteriores é a locução, aqui a cargo de Fernando Pessa, que nos fornece uma leitura unívoca das imagens que vemos. Contamos com as habituais panorâmicas das margens, a partir da cota-baixa, sendo a maioria dos planos captados à cota-alta. Enfatiza-se a relação com as minas de carvão de São Pedro da Cova e do Pejão, “seus abastecedores”, trazendo, deste modo, uma nova ramicação geográca e funcional para a imagem cinematográca do rio. Do mesmo modo, ao salientar a proximidade da cidade do Porto, “grande consumidor de energia”, consolida-se um dos passos para o novo papel do Douro, apontado como o terceiro fator justicativo para a construção da Central. 31

Contudo, mesmo num documentário com formato e propósitos mais próximos do documentário industrial, os aspetos identitários do rio continuam a estar presentes, nomeadamente com a referência à “versão que muitos desconheciam certamente dos barcos rabelos a que chamam rabões”. Estas embarcações, que se aproximam do rabelo pela forma do casco e pelo remo traseiro com funções de leme, a espadela, faziam o transporte do carvão rio abaixo, até ao Porto e aos navios ancorados na sua barra. Pela música e qualidade quase pictorialista dos planos, saímos, por momentos, do documentário industrial e aproximamo-nos daquilo que Adriano Nazareth fará um ano mais tarde, com Barcos Rabelo, 32

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Objeto 11. Veja-se: Martins, Paulo Miguel. 2011. O Cinema em Portugal: Os Documentários Industriais de 1933 a 1985. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

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recordando igualmente alguns dos anteriores planos das embarcações junto à Alfândega Nova, formando como que uma expansão do cais. A nova missão do Douro será também a sua fortuna e a das margens que ele serve, tal como parece anunciar o documentário produzido para a RTP no mesmo ano, Electricidade, a nova Riqueza do Douro. Dele conhecemos um conjunto de planos não montados e algumas sequências, com planos das margens do rio, à cota-alta e à cota-baixa, na zona de Picote, em Miranda do Douro, no Pocinho e no Peso da Régua. As imagens registam o desenvolvimento e funcionamento da barragem do Picote e restantes estruturas do complexo hidroelétrico, bem como a construção das barragens de Bemposta e de Miranda do Douro, documentando, deste modo, o início do processo irreversível de alteração da paisagem duriense. 33

É notória a ausência de música e de locução na maioria das imagens, dado que não estamos perante a montagem nal, pelo que a sua leitura é menos condicionada. As escalas diferenciadas de planos, sem um sentido imposto pela voz ou pela montagem, vivem do seu imediatismo e impacte visual, permitindo uma maior experiência da nova paisagem antrópica e dos seus elementos articiais. Pela sua dimensão, até então nunca alcançada no Douro, os elementos construídos ensaiam novas modalidades de articulação com as encostas que os vários planos documentam com especial cuidado. Os poucos planos e sequências sonorizadas dizem respeito a interiores nos quais decorrem algumas exposições de dados sobre as obras e uma entrevista com o presidente do Conselho de Administração da Hidroelétrica do Douro, o engenheiro Paulo Marques. É através da sua voz que o Douro fala pela primeira vez sem a gura interposta do narrador, ainda que na forma de um registo ocial e exterior. VI – BARCOS RABELOS Do ano seguinte provém aquele que é talvez o mais completo registo audiovisual do Douro anterior às barragens, o documentário Barcos Rabelos realizado por Adriano Nazareth para a Rádio Televisão Portuguesa. Pela sua extensão e pela sua riqueza, o documentário mereceria uma abordagem bem mais aprofundada que não se enquadra nos objetivos e formato deste artigo. Nesse sentido, limitarnos-emos a levantar algumas questões que permitam enquadrar este objeto fílmico no âmbito da problemática que temos vindo a expor, agora de forma um pouco mais completa, mercê da existência de informação adicional providenciada pela bibliograa. 34

À semelhança dos restantes conteúdos do Arquivo RTP que analisámos, trata-se de material fílmico, pelo que a técnica não difere consideravelmente dos documentários cinematográcos. Contudo, é com Barcos Rabelos que o Douro recebe, verdadeiramente, o primeiro registo da sua paisagem sonora. De acordo com o próprio realizador, foram apenas necessários um operador de som e um ajudante (Nazareth 1988, 200) para as lmagens. A partir da cha técnica percebemos que a captação de som esteve a cargo de Jorge Teólo e o seu registo a cargo de Jorge Soromenho e de João Castanheira, sendo a sonorização feita por Albano da Mata Diniz. Artur Moura colaborou, possivelmente na captação de

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Objeto 12. Objeto 13.

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imagens adicionais, tendo cado as principais a cargo do próprio realizador. Contudo, continua presente a locução, a cargo de Gomes Ferreira e a partir de um texto de Vasco Hogan Teves. 35

Fazendo o cruzamento destes dados com o resultado presente na montagem nal percebemos que terá sido feito um muito extenso trabalho de registo de imagens e de sons in loco, ao longo do curso do rio, do Alto-Douro até à Ponte Luiz I. As câmaras operaram nas margens à cota-alta e à cotabaixa, bem como a partir das próprias embarcações. A montagem dos planos tira amplo partido da sua diversidade e das possibilidades de dinamismo que os múltiplos pontos de cobertura da mesma ação conseguem imprimir à narrativa. Tal é bem visível na descida dos rápidos em que a complementaridade das imagens é especialmente explorada como gerador de tensão. A sonoplastia afasta-se igualmente dos lugares comuns dos documentários que temos vindo a acompanhar ao utilizar os sons captados in loco, dos quais se podem identicar três principais: o som das águas do rio, o som da tripulação e da própria embarcação e os sons complementares, como o ruído das rodas de madeira dos carros-de-bois. É, porém, a articulação da música de fundo, adicionada em pósprodução, com a locução que unica os vários planos e lhes providencia um sentido de leitura imediato. 36

Estamos, uma vez mais, perante um texto que mascara parte da força das imagens e dos sons captados, o que faz com que a análise do documentário tenha que ser especialmente criteriosa. Tal não impede que seja neste documentário que, pela primeira vez nos objetos que analisámos, se ouçam as verdadeiras vozes do Douro, quer no som das águas, quer nos sons da embarcação, quer, especialmente, nas vozes e expressões que se ouvem nos momentos de maior esforço e agitação, as quais são especialmente potenciadas como registo quando as isolamos da banda-imagem. É percetível através do texto que a realidade apresentada em Barcos Rabelos se encontrava a desaparecer. Um certo sentido de anacronismo ca latente nas imagens e nos sons do lme, aludindo-se, por vezes, na locução, aos meios de transporte mais modernos como o comboio ou o camião. Os registos de Barcos Rabelos são, nesse sentido, demonstrativos de uma vontade de documentar um mundo à beira da extinção, no que diz respeito não só às embarcações e às práticas a elas associadas, mas também ao próprio rio que se encontrava, nesses mesmos anos, a sofrer as alterações decorrentes da construção das barragens. Contudo, se os valores de registo do documentário são inegáveis e facilmente legíveis, o mesmo não se poderá dizer da sua apresentação, a qual decorre da montagem nal. Analisando um excerto – o puxar do rabelo à sirga nos chamados “pontos” – é possível perceber como a montagem combina diversos planos captados a partir da margem com alguns planos captados no próprio barco para nos dar uma síntese visual da ação. A proximidade e a quase meticulosidade da lmagem, muita atenta aos processos, demonstra uma abordagem diferente, de feição muito mais realista, gerando um registo quase cúmplice do esforço dos trabalhadores. Os principais fatores de distanciamento são a música, que conforma um ambiente de um certo onirismo às imagens, e o texto da locução, quase declamado, amenizando, a cada sílaba e a cada compasso, os corpos disformes e agrestes dos humanos e dos penedos. 37

35 36 37

O realizador, na sua autobiograa, contraria as informações da cha técnica (Nazareth 1988, 44). Visione-se, a título de exemplo o excerto compreendido entre: 00:01:26 – 00:01:50. Excerto compreendido entre: 00:02:19 – 00:03:40.

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A sonoplastia não se esgota, porém, na fórmula habitual e acrescenta o registo sonoro da atividade, criando uma falsa sincronia em pós produção, que potencia consideravelmente os valores realistas das imagens. A síntese é, deste modo, e na realidade, audiovisual, dado que a presença sonora do rio, dos homens e das matérias contraria a distância das palavras e da música num acumular de tensão que atinge o seu clímax na perigosa descida dos rápidos, como veremos. Os registos sonoros são, deste modo, enganadores, não se podendo fazer uma leitura de associação direta entre as imagens que vemos e os sons que ouvimos. Um exemplo claro é o som das rodas dos carros de bois que, captadas em contínuo, se encontram montadas sobre diversos planos em nova síntese audiovisual. Do mesmo modo, a encenação está presente em diversos momentos, sendo demonstrativa a passagem pela Senhora da Cardia, onde todos os tripulantes, depois de um deles assinalar o local, descobrem a cabeça perante o olhar atento da câmara. A montagem permite a síntese da ação de acordo com os princípios tradicionais de construção da narrativa cinematográca. 38

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Em alguns momentos, como no crepúsculo que antecede a única noite de uma viagem que dura “três dias”, os planos revelam uma estética mais próxima do pictorialismo, sobretudo nos efeitos de contraluz, possibilitando a criação de algumas imagens poéticas e de uma admirável fotograa que recorda o trabalho de António Mendes em Douro, Faina Fluvial. O preparar dos colchões e das mantas, o deitar e o acordar são cuidadosamente apresentados para a câmara, contando com uma iluminação articial que deixa latente a ideia de encenação e simulação. A iluminação das cenas noturnas, embora necessária, perturba o realismo das imagens pelo seu caráter intrusivo, salientando a alvura e a limpeza exageradas de alguma das vestes e a pouca naturalidade de algumas das ações recriadas para a câmara. Estes aspetos recordam-nos que Barcos Rabelos é uma construção cinematográca e que as suas imagens são tanto da ordem do registo, como da ordem da apresentação e representação de uma realidade. O melhor exemplo é a descida dos rápidos, em jeito de demonstração quase canónica dos processos de montagem de uma narrativa audiovisual. Analisando as imagens de um ponto de vista mais técnico, percebemos que, na embarcação pivot, uma câmara capta os incríveis planos em contrapicado pronunciadíssimo dos homens manuseando a espadela nas apegadas. Por vezes, voltando-se para a proa, mostra-nos os homens dos remos, e para os lados, as margens do rio, demonstrando a velocidade da embarcação e da corrente. 41

Estes planos estão encadeados com outros captados das margens à cota-baixa, criando imagens que, pela sua proximidade, permitem perceber claramente a velocidade e risco das manobras. Outros planos mostram-nos vários barcos, descendo em comboio, podendo ter sido captados a partir da embarcação pivot ou de um ponto próximo nas margens. A música, criando o ambiente de perigo e tensão que a ação requer e o texto veicula, unica os múltiplos planos captados dos diferentes rabelos que, pela sua curta duração, articulados em montagem rápida, parecem sempre o mesmo barco, aquele onde

38 39 40 41

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Excerto compreendido entre: 00:06:35 – 00:07:00. Excerto compreendido entre: 00:21:59 – 00:22:32. Excerto compreendido entre: 00:13:20 – 00:15:20. Excerto compreendido entre: 00:17:46 – 00:21:40.

DOURO INTERIOR | EXTERIOR Arte e Imagem


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“navega” observador e em torno do qual se centra a ação. Passados os rápidos, o plano de um rabelo lmado à cota alta da margem permite o distanciamento necessário para aliviar a tensão gerada e para fazer a transição para o desenlace da viagem. A riqueza das imagens de Barcos Rabelos não repousa, porém, no seu caráter único ou pioneiro pois já em 1923, a British Pathé havia rodado planos muito semelhantes em The Wine Boats of the Douro River. Os pontos de captação são os mesmos: as margens à cota-alta e à cota-baixa, e as próprias embarcações, estabelecendo-se um trajeto que podemos estimar entre o Alto-Douro e Entre-os-Rios. Tratando-se de um lme mudo, sem qualquer tipo de música na versão que dele conhecemos, cabe aos entretítulos dar o sentido às imagens montadas. O efeito, semelhante ao da locução nos documentários sonoros, é, porém, menos intrusivo, por se basear na associação de signicados de forma sequencial e não em simultâneo. 42

Assistimos, até, a uma paradoxal desassociação entre o que lemos e vemos, graças aos sorrisos para a câmara do arrais que manuseia a espadela através dos rápidos. O caráter cândido da interação com a câmara, embora disruptivo do realismo das imagens, salienta a possível preparação da tripulação sisuda e concentrada das lmagens do documentário de Adriano Nazareth. Com as velas insuadas pelo vento e as várias tipologias de embarcação, as mais antigas imagens dos barcos rabelos ao longo do Douro recordam-nos que, ao contrário do que aconteceria em 1960, ainda não estávamos perante um meio de transporte obsoleto. Por m, em 1962, o anacrónico rabelo torna-se suporte para a exportação de uma imagem folcloricamente estabilizada de si mesmo na reportagem Port Wine Boat, também da British Pathé. Navegando no Tamisa, em pleno coração de Londres, e apelidado de uma das “estranhas coisas continentais que se podem encontrar na Grã-Bretanha”, a colorida embarcação é cenário para uma síntese do Norte de Portugal que poderia rivalizar com a que víramos em Pupilas do Senhor Reitor. Quatro raparigas, trajadas à moda do Minho, e urbanamente maquilhadas, dançam o “Vira”, tal como é identicado pela locução, tendo, de acordo com a mesma fonte, confecionado as próprias roupas. A locução fornece ainda as escassas menções relativas à função da embarcação.

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O barco rabelo recebe, deste modo, o mais antigo registo colorido que conseguimos encontrar, embora que a dúvida, que uma investigação mais aprofundada poderá contribuir para esclarecer, se a garrida policromia não se destinaria a reforçar uma alegre e harmónica paleta que se estende à indumentária da tripulação. A reportagem prossegue em jeito de curioso registo de processos, enfatizados no seu caráter de simulações pelas diferenciadas características do Douro e do Tamisa, vendose o manusear dos remos e o aparelhar da embarcação, onde a vela de retalhos é substituída por uma branca vela com uma bandeira portuguesa. Alguns registos sonoros, talvez adicionados em pós-produção, complementam a ecaz montagem de uma experiência que é assumida no seu caráter romanceado e fantasioso e se denomina como “férias continentais em casa”.

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Objeto 19. Objeto 20.

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VII – CONSIDERAÇÕES FINAIS Através deste levantamento foi possível perceber um pouco como a construção da imagem do Douro se articula entre os olhares mais próximos, quase interiores, que registam, e os olhares distanciados, exteriores, que narram e conferem sentido a uma seleção de fragmentos de uma realidade que pretensamente pretendem documentar. A maior quantidade de imagens do rio antes de 1960 está associada à cidade do Porto, rareando estas nos lmes associados ao Vinho do Porto. Neste período, a paisagem do Alto Douro Vinhateiro é construída fundamentalmente através de imagens das quintas e das vindimas. Estes registos são progressivamente convencionados e marcados pelos valores estéticos da composição fotográca e pelo pitoresco dos costumes tornados folclore. O rio, quando existe nas imagens, é um elemento distante e marginal. A paisagem sonora é criada em estúdio com temas populares, ou deles derivados, e com locuções. O olhar centra-se no Alto Douro sobretudo através dos barcos rabelos e da construção das barragens. Confrontando os diversos registos e analisando os processos de construção das imagens, salienta-se o caráter articial da representação do Alto Douro Vinheiro, derivada, fundamentalmente, da montagem das imagens e dos textos narrados. Contrastam, deste modo, a alegria do Douro representado com a realidade agreste de alguns dos registos que dele encontramos ao longo do levantamento, a qual se salienta quando descontextualizada do sentido conferido pela locução ou pela montagem. Pese embora o caráter inicial e exploratório desta abordagem, consideramos que não foi possível encontrar uma identidade nos múltiplos olhares que se dirigiam para o rio e que, a partir dele, construíram vários rios no meio da imagem em movimento.

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TABELA 1 - OBJETOS PROVENIENTES DE ARQUIVOS DIGITAIS OFICIAIS NACIONAIS

IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO

DATAÇÃO (NO REPOSITÓRIO)

HIPERLIGAÇÃO (DATA DE CONSULTA: 15 DE NOV 2017)

REPOSITÓRIO

TÍTULO (NO REPOSITÓRIO)

01

Cinemateca Digital

O Século Cinematográco Nº 7

1932

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=2370&typ e=Video

02

Arquivo RTP

Cheias na zona do Rio Douro

1966

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/chei as-na-zona-do-riodouro/#sthash.yW8T7zFv.dpbs

03

Cinemateca Digital

A Cidade do Porto

1913

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=3511&typ e=Video

04

Cinemateca Digital

As margens do Rio Douro do Porto a Entre-os-Rios

192?

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=8967&typ e=Video

05

Cinemateca Digital

Norte de Portugal

1930

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=8136&typ e=Video

06

Cinemateca Digital

Vindimas da Casa Andresen

1914

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=2076&typ e=Video

07

Cinemateca Digital

Saudades de Portugal Nº 8

1929

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=8053&typ e=Video

08

Cinemateca Digital

Quinta do Bom Retiro

1929?

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=5173&typ e=Video

09

Cinemateca Digital

Portugal, País de Bom Vinho

1955

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=4035&typ e=Video

10

Cinemateca Digital

Vinhos de Portugal no Mundo

1955

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=6053&typ e=Video

11

Cinemateca Digital

Central Térmica da Tapada do Outeiro

1959

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca -Digital/Ficha.aspx?obraid=7958&typ e=Video

12

Arquivo RTP

Electricidade, a nova Riqueza do Douro

1959

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/elect ricidade-a-nova-riqueza-dodouro/#sthash.CsxFY2tR.dpbs

13

Arquivo RTP

Barcos Rabelos

1960

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/barc os-rabelos/#sthash.ZubJ2tOe.dpbs

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TABELA 2 - OBJETOS DE OUTRAS PROVENIÊNCIAS

IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO

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FONTE

Oliveira, Manoel de. “Douro, Faina Fluvial”. In Oliveira, Manoel de. 1942. Aniki-Bóbó. DVD Lisboa: Zon Lusomundo, 2010.

TÍTULO (NA FONTE)

DATAÇÃO

HIPERLIGAÇÃO (DATA DE CONSULTA: 15 DE NOV 2017) ______

Douro, Faina Fluvial

1934

As Pupilas do Senhor Reitor

1935

https://www.youtube.com/watch?v=G bueCLo2UNU&t=9s (última consulta: 19 de dez 2016)

15

YouTube

16

YouTube – canal Tavares1896

Chaves, Vidago, Pedras Salgadas, Vila Real, Régua e Aregos

1947

https://www.youtube.com/watch?v=P GJvyQdvUFo&t=348s

17

YouTube – canal British Pathé

Wine Harvest

1953

https://www.youtube.com/watch?v=ZR QczhGq2BI

18

YouTube – canal British Pathé

Harvest Of The Sun

1936

https://www.youtube.com/watch?v=Tj wZ9XN6cu4

19

YouTube – canal British Pathé

The Wine Boats of the Douro River

1923

https://www.youtube.com/watch?v=M V7ZlLoXWG8

20

YouTube – canal British Pathé

Port Wine Boat

1962

https://www.youtube.com/watch?v=Ax wf46PGqVo

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BIBLIOGRAFIA Andrade, Sérgio C. 2001. O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora. Barreira, Hugo. 2017. “Imagens na Imagem em Movimento. Documentos e Expressões.” Tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. British Pathé. 2017. YouTube. https://www.youtube.com/user/britishpathe. Cinemateca Digital. 2017. “Paisagem do Douro”. http://www.cinemateca.pt/CinematecaDigital/Ficha.aspx?obraid=807432&type=Texto. Cinemateca Digital. 2017. http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital.aspx. CINEPT. Cinema Português. 2017. “Aníbal Contreiras”. http://www.cinept.ubi.pt/pt/pessoa/2143689963/An%C3%ADbal+Contreiras. Figueiredo, Filipe André Cordeiro. 2000. “Nacionalismo e Pictorialismo na Fotograa Portuguesa na 1ª metade do século XX: o caso exemplar Domingos Alvão.” Tese de Doutoramento. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1059. Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1129. Martins, Paulo Miguel. 2011. O Cinema em Portugal: Os Documentários Industriais de 1933 a 1985. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Nazareth, Adriano. “Vinho do Porto”. 1988. https://arquivos.rtp.pt/conteudos/cepas-efragas/#sthash.pGDWaota.dpbs. Nazareth, Adriano. 1988. 90 anos de televisão. Lisboa: SPA.

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Pereira, Gaspar Martins et al. 2008. As Águas do Douro. Porto: Águas do Douro e do Paiva. RTP Arquivos. 2017. https://arquivos.rtp.pt/#sthash.mRGqjkOb.dpbs. Silva, Mário Rui Magalhães da. 2015. “As representações do rio Douro no Cinema de Manoel de Oliveira”. Dissertação de Mestrado. Universidade Lusófona do Porto. Universidade do Porto. 2017. “Joaquim Santos Júnior”. https://sigarra.up.pt/up/pt/WEB_BASE.GERA_PAGINA?p_pagina=antigos%20estudantes%20ilustres %20-%20joaquim%20santos%20j%C3%BAnior.

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