Etérea natureza

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Etérea Natureza Filipe Romão


Continuidade

Etérea Natureza

Carvão - um dos mais antigos materiais usados na expressão e comunicação plásticas. Excelente recurso na produção de sombras e esfumados. A tintada-china complementa e permite realizar, desde estudos rápidos, com linha e mancha, a desenhos mais elaborados, plenos de luz e sombra. Dois materiais de eleição na obra de Filipe Romão, que, Pela Estrada Fora, têm mantido Constâncias Lumínicas, sombra e esfumados, permitindo Outros Olhares sobre lugares onde nunca estivemos e memórias do que não vivemos... Numa inquieta Quietude do Lugar, «Etérea Natureza» vem habitar a sala principal de exposição da Biblioteca da FCT, tornando este espaço, Entre o Céu e a Terra, único e desafiante. Esta exposição oferece vislumbres de eternidade e (re)cria atmosferas nascidas do mágico resultado da arte com a (e pela) imaginação do artista.

Tenho por hábito visitar um jardim muito antigo, onde nunca vi ninguém. Um lugar onde se pode estar só e contemplar o que de dentro se enxerga. Deixome estar, apenas. Este lugar é como uma Casa, sem morada, um País com uma estranha botânica de «grandes flores líricas» e paisagens que parecem familiares. A melancolia dos dias, a beleza da solidão, o esquecimento do tempo, aguardam-me sempre aqui. Como diria o poeta Li Shang Yin, «um punhado de amor é um punhado de cinzas», e dessa matéria queimada reinvento o amor por ti.

Nota: o presente texto (re)visita vários títulos de exposições de Filipe Romão, enunciando a continuidade da sua obra.

Abril 2019 José Moura | Diretor Biblioteca FCT NOVA

Uma luz incontida clareia e anuncia a «criação inteira», absoluta. Neste lugar não existe dia nem noite. As palavras são feitas de silêncios e de melodias sem som. Passámos para o lado de lá. E tanto que queria dizer-te como tudo isto é tão despretensioso. Recordo agora essa paisagem original em «estado natural, primitivo e simples», proveniente de relações «desconhecidas e misteriosas», recíprocas entre os sentidos e a Natureza. Se assim o entenderes, saberás que vive em nós um mundo mais puro, uma dádiva da percepção interior, que no perspicaz gesto materializa-se através da mão virtuosa que rabisca sobre a folha de papel uma «segunda Natureza». Uma «intocável Natureza». Um «diário sem tempo», de um outro tempo que não aquele que o Homem criou. A cada página deste diário, um lugar dá origem a um outro lugar, e assim sucessivamente. E nele se escreve com uma linguagem invisível, frases de diferentes caligrafias em contínua metamorfose, como se estivessem sempre a falar sobre uma mesma coisa, mas nunca estão. Por vezes a terra greta, por vezes é o cheiro do húmus que se manifesta e perfuma o silêncio que ilumina a vegetação que dança ao som do vento. Crateras, buracos, passagens que dão acesso à «escuridão da Terra». Depois, há as aguçadas montanhas que ascendem aos céus, as árvores por vezes nuas, por vezes vestidas com suas vestes, arbustos despenteados, alados que sinalizam o caminho de volta. Mas nem sempre quero voltar. Prefiro a demora. Deixo-me ficar. Filipe Romão | 2019


A Poética da Natureza ou Novalis para o século XXI

Sabemos — Novalis (1772-1801) assim o afirma num dos seus Fragmentos: “o Eu possui uma potência hieroglífica”. A abertura da linguagem aforística de Novalis implica uma dificuldade acrescida: desenhar os limites do ser e do conhecer, tornar visível e palpável a potência da natureza enquanto Natureza.

Título: N.º 52, série “Dos Lugares Onde Nunca Estive” Técnica: Carvão sobre papel Fabriano 300g Dimensões: 560mm x 760 mm Ano: 2019


Ver para além do visível, perscrutar a imagem da Natureza na natureza, e trazê-la até nós, na sua imponderável verdade. Resgatar o roubo da natureza à linguagem sensível da poética Natural.

Título: N.º 53, série “Dos Lugares Onde Nunca Estive” Técnica: Carvão sobre papel Fabriano 300g Dimensões: 560mm x 760 mm Ano: 2019


A poética da paisagem vem a nós pela poética Natural: o fim desta é o princípio daquela. Ao Poeta transcendental sucede o poeta da arte, sabia-o também Novalis.

Título: N.º 54, série “Dos Lugares Onde Nunca Estive” Técnica: Carvão sobre papel Fabriano 300g Dimensões: 560mm x 760 mm Ano: 2019


A poética Natural é o princípio da poética romântica do Eu. Oposição à poética clássica, inteligível e social. É imperioso resgatar a natureza da visão ecológica do mundo.

Título: N.º 55, série “Dos Lugares Onde Nunca Estive” Técnica: Carvão sobre papel Fabriano 300g Dimensões: 210mm x 295 mm Ano: 2019


A poética Natural — a sua potência — é a substância das imagens, a que vulgarmente chamamos natureza. A ciência não é uma filosofia do natural. Uma filosofia da Natureza faz luz sobre a Poesia transcendental, a substância verdadeira da (nossa) Natureza, disse Novalis.

Título: N.º 56, série “Dos Lugares Onde Nunca Estive” Técnica: Carvão sobre papel Dimensões: 210mm x 295 mm Ano: 2019


O mundo é uma totalidade, não consente falha ou pecado. A religião Natural, que Novalis professa, coincide com a poesia Natural. O Homem, poeta Natural, conhece a Perfeição.

Título: N.º 57, série “Dos Lugares Onde Nunca Estive” Técnica: Carvão sobre papel Dimensões: 210mm x 295 mm Ano: 2019


“Onde existe um ser deve existir também um conhecer”, diz-nos uma vez mais o poeta-filósofo. A poética da Natureza é a via de acesso à verdade. Faz da vida arte e da arte vida — essa é a tua vocação natural.

Título: N.º 58, série “Dos Lugares Onde Nunca Estive” Técnica: Carvão sobre papel Dimensões: 210mm x 295 mm Ano: 2019


Na poética da Natureza estão as forças que fazem as tuas imagens. A morte e a vida não se opõem, mas já pouca gente se lembra. Esquecer a natureza-morta, descer aos túmulos vazios. Viver embalado pela Natureza.

Título: N.º 70, série “Paisagens para um homem só” Técnica: Tinta-da-china e acrílico sobre papel Dimensões: 560mm x 760 mm Ano: 2018


Lembra-te: “não há poesia sem filosofia” — uma filosofia “cujo germe é um primeiro beijo”, exortava Novalis*, poeta da Natureza. Não confundas a Poética com a poesia, esta é a filha rebelde daquela.

Título: N.º 71, série “Paisagens para um homem só” Técnica: Tinta-da-china e acrílico sobre papel Dimensões: 560mm x 760 mm Ano: 2018


A teoria da paisagem —a paisagem sensivelmente criada (não há outra!) — repousa em ti. O teu corpo e a tua alma: berço da Natureza. Abraça estas imagens como a ti mesmo. Não temas a tua natureza.

Título: N.º 72, série “Paisagens para um homem só” Técnica: Tinta-da-china e acrílico sobre papel Dimensões: 560mm x 760 mm Ano: 2018

* excertos retirados da escultura-livro, Fragmentos de Novalis, de Rui Chafes (2000). Lisboa: Assírio & Alvim. José Carlos Pereira


FILIPE ROMÃO nasceu em Lisboa, em 1981. Trabalha e vive em Sintra. Licenciou-se em Artes Plásticas - Pintura, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, em 2009. Em 2002 concluiu o Curso de Fotografia Profissional na ETIC – Escola Técnica de Imagem e Comunicação. Exposições Individuais: 2019 - “Estas paisagens não existem”, Quase Galeria e Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.

2018 - “Arte de Bolso, 7ª edição”, Galeria SETE – Arte Contemporânea, Coimbra. -“Pequenos Formatos”, Galeria Monumental, Lisboa.“Ases e Trunfos”, Galeria SETE – Arte Contemporânea, Coimbra. -JUSTLX, Stand Galeria SETE – Arte Contemporânea, Museu da Carris, Lisboa. -“Convergências”, Galeria Orlando Morais da Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva, Ericeira.

2018 - “Dos Lugares Onde Nunca Estive”, Galeria SETE – Arte Contemporânea, Coimbra.

2017 - “Arte de Bolso, 6ª edição”, Galeria SETE – Arte Contemporânea, Coimbra. -“Convergências”, MU.SA (Museu das Artes de Sintra), Sintra. -“Travessia”, Centro de Congressos do Estoril e Farol Museu de Santa Marta, Cascais.

2017 - “Lugar”, MU.SA (Museu das Artes de Sintra), Sintra.

2016 - “Arte de Bolso, 5ª edição”, Galeria SETE – Arte Contemporânea, Coimbra.

2014 - “Na quietude do Lugar”, Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa. 2010 - “Atmosferas”, Sala Atlântico, Ericeira. 2009 - “Outros Olhares”, Museu Terras de Basto. - “Pétra”, Galeria Castelo Pires Couxe”, Loures. -“De que eternidade se faz o instante em que dele apenas perdura a sua memória?”, Galeria Jorge Shirley, Lisboa. -“Constâncias Lumínicas”, Casa de Cultura D. Pedro V, Mafra. 2007 - “Entre o Céu e a Terra. Memórias de uma Paisagem”, Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva, Ericeira. 2004 - “Pela estrada fora”, Biblioteca Municipal, Aveiro. Exposições Colectivas: 2019 - JUSTMAD X, Stand Galeria SETE – Arte Contemporânea, Palácio Neptuno, Madrid.

2014 - “DISCOOPERIO”, Edifício Descobertas, Carnaxide. -“Colectiva Fotografia”, Atelier do Paço, Lisboa. 2012 - “I Mostra Lusófona de Vídeo Arte”, Fábrica de Braço de Prata, Lisboa. 2010 - “Sombras Latentes”, Galeria de Arte da Fábrica do Braço de Prata, Lisboa. 2009 - “Actos Isolados”, Espaço Avenida, Lisboa. 2008 - “10ª Edição do Prémio de Pintura e Escultura D. Fernando II”, Belas, Sintra. -“Em Diferentes Escalas”, Espaço Avenida, Lisboa. 2007 - “Arte em Cadeia”, Sala Bocage, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa. 2006 - “II Encontro de Arte Jovem”, Bienal de Arte, Regimento de Infantaria nº 19, Chaves.


Colecções: Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, Lisboa. Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, Lisboa. Fundação Marquês de Pombal, Linda-a-Velha. Fundação D. Luís I. Publicações: Pereira, José Carlos. (2017). “O Legado Romântico e Neorromântico em Portugal”. In Antonio Carlos Vargas Sant´Anna, Ecos Românticos e Contemporaneidade. Rio de Janeiro: Gramma.

EXPOSIÇÃO

Etérea Natureza BIBLIOTECA FCT NOVA 11 de abril - 24 de maio de 2019 ARTISTA Filipe Romão BIBLIOTECA FCT NOVA José Moura, diretor Ana Alves Pereira, coordenação Ana Roxo, coordenação Luisa Jacinto, colaboração Isabel Pereira, colaboração Ricardo Almeida, design TEXTOS Filipe Romão José Carlos Pereira José Moura ISBN 978-972-8893-74-3



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