Zero - Edição Especial Abril 2014

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EDIÇÃO ESPECIAL

CUrsO De JOrnaLisMO Da UFsC - FLOrianÓPOLis, aBriL De 2014 - anO XXXiii, nÚMerO 1

CHOQUE Ação das polícias militar e federal provoca crise na universidade, inflama discursos e impõe debates sobre segurança no campus, drogas e desmilitarização


2 | eDitOriaL

Não há imparcialidade, somente honestidade

D

epois do conflito com a polícia no Bosque do CFH, na terça-feira (25), os repórteres do Zero que ficaram sabendo, ou que haviam presenciado o acontecimento, se encontraram na redação para uma reunião de pauta emergencial. No dia, resolvemos dar um espaço de oito páginas ao assunto. Mas depois dos desdobramentos daquela semana, culminando na manifestação de sexta-feira (28), decidimos que melhor seria se esta edição fosse um especial, aprofundando os temas relacionados e contando com mais detalhes o que aconteceu. Em um momento em que a imprensa é impedida de entrar na UFSC por conta da insatisfação dos envolvidos com o que foi veiculado, a perspectiva interna dos acontecimentos que o Zero traz nesta edição é necessária para entender o que ainda não foi dito. Por serem estudantes, nossos repórteres conseguiram o acesso que as mídias tradicionais

não tiveram, e trazem uma vivência da qual outros não compartilham. Todos temos um ponto de vista sobre o conflito. Na redação não existe um consenso de opinião sobre os assuntos que tratamos aqui. Alguns são favoráveis à ocupação, outros contrários. Alguns aprovam a ideia da polícia militar no campus, outros não. Cada um vivenciou o ocorrido de uma maneira, como estudantes desta universidade e repórteres. Nas matérias, contribuimos com a nossa experiência. As perguntas que escolhemos fazer aos entrevistados, a forma como percebemos as cenas e o viés que decidimos dar ao texto, tudo isso influencia como contamos o que aconteceu. Não só para nós, esta é uma condição de qualquer veículo jornalístico. Não podemos, portanto, prometer imparcialidade. Podemos, sim, dizer que somos honestos com os leitores. Relatamos o que vimos e ouvimos,

sem modificar ou suprimir informações por conta de nosso julgamento da situação. Abrimos espaço para a pluralidade de discursos, concordando ou não com o que foi dito. Não temos como objetivo esgotar o assunto, mas contribuir para o debate de um tema complexo. Porque este é um contexto político onde não cabe dizer que existe uma unidade de pensamento, em qualquer uma das partes envolvidas. Assim, temos em mente o que Adelmo Genro Filho, teórico do jornalismo e ex-professor do curso deste curso na UFSC, disse em seu livro O Segredo da Pirâmide: “A maioria dos autores reconhece que a objetividade plena é impossível no jornalismo, mas admite isso como uma limitação, um sinal da impotência humana diante da própria subjetividade, ao invés de perceber essa impossibilidade como um sinal da potência subjetiva do homem diante da objetividade.”

NOTA DA REDAÇÃO PARTICIPE!

Mande críticas, sugestões e comentários E-mail - zeroufsc@gmail.com Telefone - (48) 3721-4833 Facebook - /jornalzero Cartas - Departamento de Jornalismo Centro de Comunicação e Expressão UFSC - Trindade Florianópolis (SC) CEP: 88040-900

OPINIÃO

O que o leitor vai encontrar, nas páginas seguintes, é o exercício legítimo do jornalismo: investigação, equilíbrio e a busca mais próxima da verdade dos fatos. Foi o que as duas turmas de Jornal Laboratório fizeram ao produzirem uma edição especial que traz, do começo ao fim, perguntas e respostas a respeito da ação da polícia no bosque do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), na tarde de 25 de março. Desde aquela tarde, a redação do

Zero não parou, aliás, nunca parou. Foram centenas de e-mails, reuniões (presenciais e virtuais) e troca de ideias, às vezes, madrugada adentro. O resultado desta atividade está distribuído em 16 páginas que exaltam um direito constitucional: o acesso à livre informação. E é só assim que poderemos oferecer conteúdo jornalístico de qualidade para que os leitores reflitam sobre um acontecimento que marcou, historicamente, a comunidade acadêmica.

Marcelo Barcelos, professor da disciplina

CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, DEZEMBRO DE 2013 - ANO XXXII, NÚMERO 7

CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, ABRIL DE 2014 - ANO XXXIII, NÚMERO 1

embate

CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, ABRIL DE 2014 ANO XXXIII, NÚMERO 1

edição especial

Ação truculenta das polícias instala caos na Universidade, escancara discursos opostos e provoca debates antes negligenciados

EDIÇÃO ESPECIAL

CHOQUE

Ação das polícias federal e militar provoca crise na Universidade, inflama discursos e impõe debates até então negligenciados sobre segurança no campus, drogas e desmilitarização

chOque ediçãO especial

ONDE O LEITOR TEM VOZ

“Éramos impulsionados por algo que está muito além da prática do jornalismo. Éramos movidos por um êxtase, por uma busca de liberdade plena, de leveza, de experiência. O que se movia ali não era um jornal, mas uma fábrica de espíritos indomáveis. O que sou é o que aprendi a ser nas madrugadas do Zero” Marques Casara, fundador da ONG Papel Social “Hoje, recém formado, me lembro do Zero como o período em que mais fiz o que gosto em jornalismo: reportagem. Reportagem pra valer, indo pra rua atrás das informações e histórias, sempre com boa orientação e troca de ideias. Chegando no mercado de trabalho vejo como isso é raro: reportagem pra valer, com tempo, espaço e orientação.” Victor Hugo Bittencourt, trainee no Grupo Paranaense de Comunicação/RPC TV

Ação das polícias militar e federal provoca crise na universidade, inflama discursos e impõe debates até então negligenciados sobre segurança no campus, drogas e desmilitarização

Evolução das capas do Zero mostra as opções que foram discutidas em busca da melhor representação editorial e gráfica para a edição

JORNAL LABORATÓRIO ZERO Ano XXXIII - Nº 1 - Abril de 2014 REPORTAGEM Bianca Bertoli, Beatriz Nedel, Caio Spechoto, Gabriel Shiozawa, Gabriela Damaceno, Isadora Ruschel, Janine Silva, Luan Martendal, Luciana Paula, Luísa Tavares, Marianne Ternes, Mateus Boaventura, Mateus Vargas, Murici Balbinot, Poliana Dallabrida, Rafael Gomes, Raíssa Turci, Rosângela Menezes, Thaís Ferraz FOTOGRAFIA Luísa Tavares, Mateus Vargas, Raíssa Turci, Karem Kilim, Verônica Mackoviak EDIÇÃO Amanda Simione, Fernanda Ferretti, Gabriel Shiozawa, Géssica Silva, Iuri Barcellos, Júlia Schutz, Mariana Petry, Stefanie Damazio DIAGRAMAÇÃO Bianca Bertoli, Caio Spechoto, Fernanda Ferretti, Flávio Crispim, Gabriel Shiozawa, Géssica Silva, Júlia Schutz, Luísa Tavares, Mariana Petry, Mateus Boaventura, Mateus Vargas, Rosângela Menezes, Tulio Kruse INFOGRAFIA Rosângela Menezes APOIO Carlos Augusto Locatelli PROFESSOR-RESPONSÁVEL Marcelo Barcelos MTb/SP 25041 MONITORIA Tulio Kruse e Flávio Crispim IMPRESSÃO Gráfica Grafinorte TIRAGEM 5 mil exemplares DISTRIBUIÇÃO Nacional FECHAMENTO 9 de abril Melhor Jornal Laboratório - I Prêmio Foca Sindicato dos Jornalistas de SC 2000

3º melhor Jornal-Laboratório do Brasil EXPOCOM 1994

, abril de 2014

Melhor Peça Gráfica Set Universitário / PUCRS 1988, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1998


esPeCiaL | 3

Operação não era para combater o tráfico, diz diretor

Karem Kilim/colaboração

Instabilidade política

PM ficou decepcionada com ação, diz vice-reitora

“N

“Trabalhamos junto à Polícia Militar para combater o tráfico com excelentes resultados” declarou a vice-reitora Lucia Helena Martins Pacheco. O delegado Cassiano insinuou, em entrevista, que a reitoria teria sido conivente com os fatos e pretende transformar a UFSC numa “república de maconheiros”. De acordo com Lucia, a própria PM ficou decepcionada com a operação, já que a os fatos mancharam a imagem de uma cooperação com a Universidade contra o tráfico que vinha dando resultados positivos sem causar escândalo. Ela diz que o CFH é um espaço de discussões inflamadas e que a reação dos estudantes foi natural. A inteligência da PF encontrou um único usuário e cerca de dez gramas de maconha no momento em que o Deseg registra o menor número de ocorrências - de todos os tipos - nos últimos cinco anos. Luiz Carlos Korff Rosa Filho, delegado da Polícia Federal, afirmou que a principal preocupação da PF é o combate ao tráfico internacional de drogas e que resolveram dar uma atenção à maconha e à Universidade. “Não foi uma operação contra o tráfico”, dispara o professor Paulo Pinheiro Machado, diretor do CFH. Machado afirma que as posições políticas da reitora em relação a interesses loMateus Vargas/Zero

ós vamos acabar com a Amsterdam da UFSC” foi o que prometeu um dos policiais federais à paisana à professora Sônia Maluf, vice-diretora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), durante revista a alunos na tarde do último dia 25. Mas a ação em conjunto da Polícia Federal e da Polícia Militar no Bosque provocou outro efeito: causou uma situação de conflito entre as instituições e abalou a autonomia universitária - garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal - e a credibilidade da reitora Roselane Neckel perante a opinião pública. Havia um acordo verbal prévio entre Universidade e Polícia Federal em que estava permitida a entrada de policiais da inteligência na UFSC a fim de investigar o tráfico de drogas na região, mas ele exigia que as apreensões e prisões dos envolvidos se daria fora do campus. O superintendente da PF em Santa Catarina, Clyton Eustáquio Xavier, afirmou que “a autonomia da UFSC existe para fins administrativos, e não para fins criminais”, conforme entrevista na página 5.

cais devem ser encarados como contexto da operação. Sônia Maluf falou que espera uma investigação detalhada para encontrar os culpados pela ação. “A Universidade e a reitora foram desmoralizados. A UFSC é maior que isso”, concluiu. A administração central assume que foi um forte golpe e que a Universidade saiu prejudicada. A intituição pretende se defender de todos os ataques e já anunciou, que haverá representações contra o delegado responsável pela operação. Uma das primeiras pessoas a chegar ao local na tarde do dia 25, a professora Sônia, que até aquele momento não compreendera o que acontecia, indagou um dos policiais que insistiam em levar o aluno para o carro sobre quem eles estavam procurando especificamente e ouviu como resposta que não importava quem fosse para a delegacia, “a ordem era levar alguém preso, pode ser qualquer um”. A Polícia Federal abriu inquérito para investigar a participação de professores e alunos no confronto. Os citados serão acusados de dano, desacato, resistência e incitação.

Acordo verbal prévio permitia entrada de policiais na UFSC para investigação

Murici Balbinot muricibalbinot@gmail.com Mateus Vargas/Zero

Ação da polícia abalou a autonomia da UFSC e a imagem da reitora Roselane Neckel (à esq.)

Professor do CFH Paulo Pinheiro mediou negociação entre estudantes e polícia

O que diz a legislação “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial” Trecho do artigo 207 da Constituição Federal

O que diz a reitoria “A proibição da entrada da polícia no campus é um mito” Lucia Pacheco, Vice-Reitora

Chefe de Gabinete da UFSC, Carlos Vieira, representando a administração central durante ocupação da reitoria

, abril de 2014


SEQUÊNCIA DO CAOS

Infografia: rosângela Menezes rosangelanmenezes@gmail.com

A evolução do conflito que polarizou a UFSC 25 de Março 14:30 - Cinco pessoas são detidas numa ação da PF em parceria com a PM e o Batalhão de Choque. Estudantes, servidores e professores tentam impedir que os cinco sejam levados para a delegacia. No conflito, 13 pessoas ficam feridas e duas viaturas foram danificadas.

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25 de Março 18:00 - Logo após o confronto com a PM, a PF e a Tropa de Choque, os estudantes seguem para a reitoria, onde montam barricadas e pedem providências da administração para que os alunos presos por porte de drogas sejam liberados.

2 25 de Março 19:00 - Estudantes criam o movimento Levante do Bosque, ocupam a reitoria e prometem sair do prédio apenas com a suspensão do memorando que autoriza a entrada da PM no campus.

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26 de Março

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11:00 - Os estudantes fazem assembleia para decidir quais as reivindicações que serão feitas à reitora. Além de não querer mais a presença da polícia no Campus, os alunos pedem um plano de iluminação para a UFSC, edital para contratação de seguranças, legalização das festas e aumento da bolsa permanência e vagas na Moradia Estudantil.

28 de Março 15:00 - Os alunos a favor da polícia na UFSC fazem protesto em frente ao prédio da Reitoria II. Entre as pautas estão o hasteamento da bandeira nacional, a criação de uma base da PM no campus, a desocupação da reitoria e punição dos alunos envolvidos em depredação do patrimônio público.

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26 de Março

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16:00 - Roselane Neckel recebe a comunidade acadêmica no auditório do Centro de Cultura e Eventos e repudia a ação das polícias. A reitora promete enviar para o Levante do Bosque um Termo de Compromisso que atende os 13 pontos reivindicados pelos estudantes.

28 de Março 18:00 - A reitoria é desocupada depois dos estudantes terem oito dos 13 pontos aceitos pela administração da UFSC, entre eles a anulação do documento 022/2014/PRAE que permite a entrada da PM no campus.

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NÚMEROS DA OPERAÇÃO

8 31 de Março

5 detidos

13 BO’s

9 5 baseados 25 policiais

2 viaturas quebradas

10:00 - A reitora recebe os estudantes em assembleia e se compromete a manter o diálogo iniciado em decorrência da ação truculenta da polícia. Além disso, ela afirma que o movimento de ocupação foi legítimo e dentro da lei.


entrevista | 5 Operação Bosque

Apesar das críticas, a Polícia Federal segue em defesa da ação realizada em 25 de março no campus. O delegado Paulo Cassiano Júnior, responsável pela operação, está proibido de falar oficialmente sobre o caso. Para responder às questões sobre a atuação da PF, o Zero conversou com Clyton Eustáquio Xavier, representante máximo da instituição em Santa Catarina. ZERO: Como ocorreu a operação? Há várias versões de como e quantos alunos foram abordados. E do quanto que foi apreendido. O senhor tem essas informações? Superintendente: Os policiais estavam realizando uma investigação de urgência para levantamento de dados, identificação de tráfico e substância entorpecente. A notícia que se tinha é que havia drogas enterradas no Bosque, local com histórico de uso e tráfico dentro da UFSC. Até levamos um cão farejador e, não encontrando drogas enterradas, os cinco policiais que lá estavam viram algumas pessoas usando maconha. Então resolveram abordar. Essas pessoas poderiam ser traficantes ou consumidoras. Você aborda e entrevista essas pessoas pra saber se estavam distribuindo ou só fumando. Independentemente do usuário ser ou não traficante, a polícia não poderia agir diferente, senão estariam cometendo o crime de prevaricação. Abordaram e detectaram que eles realmente traziam consigo substância entorpecente, pouca, caracterizando a condição de uso e então eles precisariam ser trazidos até aqui para lavrar os termos circunstanciados. Outros estudantes que lá estavam começaram a se opor à ação da polícia. Houve grande aglomeração de pessoas dizendo que era pra liberar, que não iam deixar a polícia prender os estudantes, que não iam deixar a polícia cumprir a lei. Mandamos reforço da Superintendência e houve um intenso processo de negociação. Solicitamos o apoio do BOPE, porque já havia muitas pessoas aglomeradas, insufladas por professores. As imagens mostram uma professora sentada em cima da viatura, num espírito de liderança dos alunos. Eles foram, inclusive, encorajados pela atitude de professores da UFSC. Versões diferentes dão conta que policiais observaram estudantes suspeitos e então fizeram a abordagem, pedindo para revistar a mochila de um deles. Já o senhor afirma que esses estudantes estavam fumando maconha naquele momento. O que realmente aconteceu? S: Esse detalhe eu não tenho, não sei se essa pessoa da mochila estava fumando ou estava ali só com a mochila. Nesse caso, se a maconha estava dentro da mochila, os policiais mesmo assim poderiam fazer a abordagem? Sem flagrante e sem comunicar a reitoria? S: Qualquer policial pode abordar as pessoas em situação suspeita, em qualquer lugar. Na análise subjetiva dos policiais, eles eram suspeitos. É bom deixar claro que o policial

não tem a obrigação legal de avisar ou pedir autorização pra reitor, Ministério da Educação ou quem quer que seja, para investigar e reprimir a criminalidade dentro do campus ou em qualquer lugar. Isso não fere a autonomia universitária? S: A autonomia universitária é para fins administrativos, não criminais. Exemplo, se alguém estiver estuprando uma pessoa dentro do campus, a polícia não tem que ligar pra reitoria e avisar “tô indo ai”, não tem essa obrigação. Está sendo cometido um crime. A polícia vai e age, porque ali também é um território brasileiro. Para uma pequena quantidade de maconha, cinco alunos detidos, quatro policiais feridos e pedidos de esclarecimentos do MEC ao Ministério da Justiça. Ainda assim a ação é considerada bem sucedida? S: Bem sucedida! O conflito que sucedeu as negociações não ocorreu em virtude do objeto. Poderia ser 500 kg de cocaína ou duas trouxinhas de maconha. Só houve conflito porque pessoas impediram a polícia de realizar o seu trabalho, de cumprir a lei. Não tem que fazer essa relação de proporcionalidade. A polícia obviamente se preocupou no uso moderado da força. Sem as autoridades, o Estado fica refém. É preciso deixar

“Se houvesse violência, alunos teriam morrido, muitos seriam machucados” claro que as pessoas que lá estavam não eram manifestantes. Lógico que a manifestação é constitucional, é lícita; manifestar contra a corrupção, manifestar contra a liberação da maconha... isso é um debate que está na sociedade. Se eles não eram manifestantes, eram o quê? S: Eles estavam resistindo ao cumprimento da lei. Estavam praticando crimes, independentemente de ser na UFSC. Se a polícia vai ao Mercado Municipal e pega um traficante, aborda uma pessoa que está em situação suspeita e faz a prisão dessa pessoa, tem que ser encaminhada a autoridade policial. Se pessoas ali se juntam, evitando que o suspeito seja trazido pra cá, a situação é a mesma. Estão resistindo a uma or-

Mateus Vargas/Zero

“Minoria quer bagunça e maconha” dem da autoridade, no cumprimento da lei, cometendo crime de resistência. O senhor acredita que, depois da Tropa de Choque entrar na universidade, a situação saiu do controle? S: Não. O doutor Cassiano agiu perante a minha autorização e nós mantivemos contato aquela tarde inteira pelo telefone. Acompanhei e autorizei todos os fatos. O BOPE estava ali, acompanhando e dando apoio à atuação da PF. O que diz o regulamento? Negociar, negociar, negociar. Não foi possível negociação? Parte para ação tática, para fazer valer a legislação. Quando o BOPE agiu, as negociações já tinham terminado. Os policiais federais avançaram para resgatar as viaturas, os policiais sitiados e os presos, e foram recebidos a pedradas. A viatura estava sendo depredada, com policiais lá dentro. Os federais tiveram que recuar e o Choque fez o seu trabalho. Mas a reação dos manifestantes aconteceu antes ou depois da Tropa de Choque chegar e começar o confronto? S: Não sei dizer se foi antes ou depois. Para ter uma ideia, todos os policiais federais portavam arma de fogo. Você nem vê as armas, em nenhum momento qualquer tiro foi disparado. A ação da Tropa de Choque foi para dispersar o pessoal, com bombas de gás. Dispersaram, resgataram os policiais e os detidos. Não foi possível resgatar os veículos porque estavam muito danificados. O senhor concorda com o delegado Cassiano quando ele afirma que não houve truculência por parte da polícia? S: Se tivesse havido violência, estudante teria morrido, muitos outros teriam sido machucados. Parece que só um se machucou, né? Zero: Foram 13. S: Pois é. Se tivesse havido violência... Agora, uma ação tática é uma ação enérgica, mas, na nossa avaliação, o uso da força foi moderado. Nas imagens não há policial com cassetete. Bomba de gás lacrimogêneo, bomba de luz e som, bala de borracha: isso é uma violência moderada? S: Com certeza. Mesmo porque se uma pedra daquele tamanho acerta a cabeça de um policial, o mataria. A Polícia Federal, mesmo depois desse desgaste, caso considere necessário, entrará na UFSC novamente?

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Superintendente diz que PF se preocupou com uso moderado da força S: Sempre que achar necessário! Para prender traficante e fazer qualquer outro trabalho de perícia como rotineiramente nós fazemos. A investigação de tráfico continua. Lógico que houve prejuízo, mas a Polícia continua fazendo seu trabalho dentro do campus, independentemente de aceitação da reitora.

filho dentro da Universidade, jamais ficaria a favor da minoria que quer bagunça, baderna e maconha. Jamais, jamais. Falando em filhos, a ação ocorreu próximo ao Núcleo de Desenvolvimento Infantil, o NDI. S: Exatamente. Estudantes fumando, traficando próximo...

É certo que a PF tentará criminalizar os responsáveis pelos prejuízos materiais? S: Evidentemente. Seja quem for, professor ou estudante. Inclusive poderão responder a procedimentos disciplinares na própria UFSC. É nossa obrigação encaminhar para a Controladoria Geral de União, mas isso já é um problema administrativo.

Mas a ação da Tropa de Choque não foi intransigente? S: Mas os estudantes saíram do local, não? Houve um período de negociação e não tinha menor ali, no local. O que não concordamos é que a reitoria permita o uso e tráfico de drogas próximo a crianças. Tem uma creche, um planetário, que eles frequentam. Isso que é um absurdo. Quando a polícia agiu não tinha mais criança ali. Em nossa opinião um grupo minoritário pretende inverter os valores. Antigamente as pessoas que fumavam maconha, fumavam escondido. Hoje em dia acham que estão no direito de cometer qualquer ilegalidade, usar drogas. E volto a dizer: esses estudantes que estavam lá não eram manifestantes, pois não estavam manifestando em relação a nada, estavam resistindo a uma ação da polícia, cometendo um crime. Tanto é que serão indiciados. Já sairão da universidade com a ficha carimbada, o que é lamentável.

Várias testemunham afirmam ter ouvido repetidamente de policiais que “só precisamos de um exemplo”, “só quero um”. Isso é verdade? É um procedimento comum? S: Nesse contexto eu não sei dizer o que se passou. Não ouvi falar nisso. E eu gostaria de dizer que os estudantes que estavam lá, graças a Deus, são minoria. Os outros 39 mil estudantes da UFSC são pessoas de bem. Tenho certeza. Tanto é que, se você abrir os comentários em sites, nos jornais, a maioria é a favor da polícia. São pessoas que não querem baderna, usuários e nem traficantes dentro da Universidade. Se eu tivesse um

Poliana Dallabrida poliana.dallabrida@gmail.com


6 | esPeCiaL Posição oficial

Roselane: “é hora de evitar atritos” Para reitora, prioridade é retomar diálogo sobre segurança junto à comunidade universitária

À

s 12h12 de terça-feira, dia 8, a repórter Janine Silva recebeu em seu email uma mensagem da diretora de Comunicação da UFSC, Tattiana Teixeira, informando que, em anexo, estavam as respostas da entrevista que o Zero tentou agendar por três vezes com a reitora Roselane Neckel, desde o dia 31 de março. O que o leitor encontra logo abaixo é diferente do que a redação do Zero imaginou apresentar, já que todas as outras reportagens puderam ser apuradas pessoalmente com as fontes envolvidas.

Leonardo Reynaldo/UFSC

A reportagem do Zero entrou em contato com o gabinete da Reitoria na segunda-feira, dia 31. A primeira posição para o pedido de entrevista veio da diretora de Comunicação. Ela informou que a agenda da reitora estava lotada e

havia a decisão de que Roselane não receberia qualquer veículo de imprensa para comentar sobre o ocorrido. A reitora só responderia por email. Na segunda tentativa, os repórteres foram avisados de que havia uma viagem agendada para Roselane naquela semana. As negociações continuaram, mediadas pela diretora de Comunicação. Surgiu possibilidade de horário

para segunda-feira, 7 de abril. A redação do jornal decidiu adiar a conclusão da edição para esta data, devido à entrevista. Na quinta-feira, a reunião foi confirmada sob a condição de que as perguntas fossem enviadas com antecedência. Parte delas foi enviada. Outras surgiriam adiante e seriam apresentadas apenas durante a conversa. Segunda-feira, dia 7, 10h30. Três repórteres aguardavam a reitora no gabinete para a entrevista que ocorreria às 11h. A diretora de Comunicação informou que provavelmente a conversa atrasaria, já que Roselane estava em outra reunião. Minutos depois, os repórteres foram informados de que não seriam recebidos naquela manhã: acabara de chegar à reitora documentos que deveriam ser respondidos com urgência. Tattiana Teixeira ainda ressaltou que Roselane não responderia a acusações das polícias: “Não vamos tensionar com a PF”, alertou. Por fim, disse que tentaria encaixar a entrevista na agenda da tarde. Não houve retorno da Reitoria. A partir das 16h, os repórteres voltaram a tentar contato por telefone, sem resposta. Foram novamente ao gabinete. Tattiana Teixeira disse que não encontrou folga na agenda à tarde. Os repórteres, considerando o tempo escasso para concluir a edição, alertaram que a página reservada para a matéria seria publicada apenas com as perguntas, deixando em branco o espaço das respostas. Ela garantiu que faria o possível para que a entrevista acontecesse, apesar de Roselane estar em

reunião naquele momento. Ainda no gabinete, no fim da tarde, a diretora de Comunicação avisou que a reunião iria noite adentro e perguntou se poderiam voltar no dia seguinte, terça, às 10h30. Também propôs que ela mesma poderia realizar a entrevista com a reitora, considerando o tempo curto para concluir a edição do jornal. Os alunos concordaram em voltar no dia posterior, mas deixaram claro que a ideia da entrevista feita por assessores, utilizando perguntas previamente enviadas, não os agradava. Depois de várias negociações, a primeira resposta definitiva: na manhã de terça-feira, a diretora de Comunicação disse que seria impossível entrevistar a reitora dentro do prazo do jornal. Roselane Ne-

“Claro que houve um desgaste à imagem da UFSC”

No momento da foto, terca-feira (8), Administração Central estava em reunião sobre greve dos STAE’s

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ckel estava em reunião convocada emergencialmente para avaliar o impacto da greve dos servidores técnico-administrativos, que ocuparam a Reitoria II naquela manhã. Os alunos tentaram entrevistar somente a vice-reitora. Não foi aceito. Os repórteres deixaram o prédio da Reitoria sem realizar a entrevista, mas com as respostas para as perguntas enviadas dias antes. Estas respostas foram redigidas pela reitora, revisadas por um assessor e entregues aos repórteres com algumas alterações de Tattiana Teixeira, feitas à mão. No início da tarde, por email, a diretora de Comunicação enviou outra correção. ZERO: Desde que a crise se instaurou, que hábitos pessoais e profissionais a reitora adotou? O que mudou na rotina? Quais meios a senhora usa para se informar das novidades em relação ao caso? Roselane: Temos realizado diversas reuniões e por meio delas me mantenho informada sobre o que está acontecendo. Claro que também acompanhamos o que sai na imprensa. Meus hábitos pessoais continuam os mesmos. Sempre trabalhei muito e continuo trabalhando. Passadas duas semanas do

acontecido, qual sua avaliação sobre onde a Universidade errou? Onde está sendo omissa? R: A UFSC é uma instituição séria, com mais de 50 anos de serviços prestados à sociedade catarinense e brasileira. Há uma comissão analisando o que aconteceu, a qual produzirá um relatório detalhado. Por ora, o que podemos dizer é que a instituição estava contribuindo continuamente para combater o tráfico de drogas na região do campus. Não houve omissão de nenhuma ordem. Quanto às declarações sobre nossa postura diante do uso de drogas e do tráfico, gostaria que muitos do que se pronunciaram acompanhassem nossa história mais de perto. Perceberiam que uma das poucas pessoas que, como gestora, combateu o tráfico e o uso de drogas dentro da UFSC foi esta reitora que agora alguns acusam. Entre 2005 e 2012 foram realizadas reuniões sobre o tema junto ao Conselho de Unidade do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) e a coordenadores de curso de graduação. Em 2005 e 2011 foram desmontados pontos de tráfico na região da UFSC a partir de ações de inteligência e de caráter pedagógico e socioeducativo, com o apoio da Procuradoria Federal. Em 2011 e 2012, a polícia foi informada de ameaças à minha vida, tanto quando diretora do CFH quanto agora, já reitora, em função de meu envolvimento no combate ao tráfico de drogas. A Universidade irá, de alguma maneira, dar apoio aos estudantes e professores acusados durante as investigações? Se sim, quais medidas serão tomadas? Quando? Quem vai decidí-las? R: A Reitoria está tomando todas as providências para defender a Universidade Federal de Santa Catarina, reestabelecendo a tranquilidade institucional e o respeito entre as pessoas e as instituições. As ações a partir dos inquéritos serão discutidas com a Procuradoria Federal. Como a Reitoria se posiciona sobre o uso de drogas, sobretudo a maconha, dentro do campus? R: Acreditamos que é hora de distensionar, de buscar entendimentos e não atritos. Sabemos que a questão do consumo de drogas ilícitas em campi universitários não é, infelizmente, novidade. Um


ESPECIAL | 7 levantamento nacional feito em 2010 pela Secretaria Nacional Antidrogas, envolvendo universitários de 27 capitais, já mostrava dados alarmantes – entre eles, o fato de quase metade dos universitários (48,7%) ter relatado já ter consumido alguma substância psicoativa (exceto álcool ou produtos do tabaco) pelo menos uma vez na vida, sendo que pouco mais de um terço deles (35,8%) nos últimos 12 meses e cerca de um quarto (25,9%) nos últimos 30 dias. Em relação ao uso na vida, as drogas relatadas com maior frequência foram: álcool (86,2%), tabaco (46,7%), maconha (26,1%), inalantes e solventes (20,4%), anfetamínicos (13,8%), tranquilizantes (12,4%), cloridrato de cocaína (7,7%), alucinógenos (7,6%) e ecstasy (7,5%). Esta é uma realidade e, no que depender de nós, vamos buscar formas de reverter essa situação ao menos aqui na UFSC. Não por acaso, no ano passado, na abertura de um curso que oferecemos em parceria com o Ministério da Justiça, já colocamos a Universidade à disposição para projetos-pilotos de combate ao uso abusivo de drogas. Nesse curso, formamos mais de 80 mil agentes, líderes comunitários para atuar no país inteiro. Esta é uma questão social e de saúde pública. O consumo abusivo de drogas é um problema da sociedade, tanto no Brasil como em outros países. Os recentes acontecimentos inflamaram e deixaram evidente a polarização ideológica que existe dentro da Comunidade Universitária. Como reitora, qual é a melhor maneira de lidar com isso? A senhora considera esta divisão saudável? R: Questões ideológicas fazem parte da universidade desde sempre. Temos de ser institucionais e buscar ações que sejam importantes para toda a comunidade. Por isso, sobre a questão da segurança, especificamente, vamos promover mais fóruns abertos a toda a comunidade e vamos discutir o tema nos órgãos colegiados, incluindo o Conselho Universitário. *Por email, a reitora utilizou a mesma resposta para as questões abaixo No documento assinado em acordo com os estudantes que ocupavam a Reitoria, o ponto número 3, que exigia o compromisso em não autorizar a entrada de forças policiais no campus, foi retirado do documento original. O delegado Xavier disse em entrevista que a PF continuará a entrar no campus “sem-

pre que achar necessário”. Para evitar que a situação se repita, quais medidas serão adotadas? Em entrevista ao DC, no dia 26, a senhora comentou que deixaria a situação se acalmar para posteriormente retomar o contato com os representantes da PF no estado. Esse contato já foi retomado? Como fica o acordo firmado em agosto do ano passado? R: Sempre tivemos uma relação de

“A instituição contribuía para combater o tráfico de drogas na região do campus” respeito em relação à Polícia Federal. Por isso, o episódio do dia 25 nos surpreendeu. Obviamente que a polícia tem de estar no campus em situações como assaltos, estupros, crimes de diversas naturezas. No entanto, até aqui sempre se agiu com cautela para não colocar em risco a integridade física ou mesmo a vida das mais de 40 mil pessoas que circulam em nosso campus. Sabemos que o que aconteceu dia 25 foi um episódio isolado, lamentável e que não deve se repetir. Estamos trabalhando para aperfeiçoar nossa política de segurança e a participação da comunidade será essencial neste processo – consideramos importante que as próprias autoridades policiais sejam integradas a este debate. Como a senhora avalia as ações dos estudantes no momento do ocorrido no Bosque? R: Não vamos nos pronunciar sobre este tipo de declaração antes de termos acesso aos autos. No dia 25, que tipo de assistência a Universidade prestou aos que foram presos - alunos e professores? R: Estamos acompanhando o caso e seus desdobramentos. No dia do episódio, representantes da Reitoria tentaram negociar com a Polícia Federal (PF) e também foram à sede da PF, após a prisão de alguns alunos. Como a reitora avalia o desgaste que a UFSC sofreu perante à comunidade, perante o Brasil? R: Claro que houve um desgaste à imagem da UFSC, sobretudo na medida em que a instituição foi acusada injustamente em rede nacional. Nossos professores, técnicos

e estudantes desenvolvem trabalhos muito relevantes, que ajudaram a fazer da Universidade uma instituição de referência nacional e internacional. No passado recente, já se tentou imputar uma imagem equivocada da instituição, com reportagens sobre o consumo de drogas no campus. É preciso destacar as muitas moções de apoio à UFSC e/ou de repúdio a ação ocorrida no campus. Até hoje, 08 de abril, recebemos notas do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina (SJSC) e Federação nacional dos Jornalistas (FENAJ), Direção da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (FAED/ Udesc), Sintufsc, Pós Graduação em Antropologia Social, Memorial dos Direitos Humanos da UFSC, Núcleo Catarinense da Associação Juízes para a Democracia, Andes – SN, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra , Colegiado do Núcleo de Desenvolvimento Infantil da UFSC, sem contar uma moção assinada por professores de diversos centros de ensino da Universidade. Estamos todos trabalhando para reverter isto em diversas instâncias. O apoio de entidades tão representativas é essencial. A senhora tem algum documento que comprove que foi intimada pela PF em 2013? R: Sim, tenho o e-mail com a intimação. Isto será apensado aos autos no momento oportuno. O que muda a partir de agora? Haverá novidades quanto à segurança dos estudantes no campus, já que a própria chefia da Deseg relata que sofre com a falta de efetivo? A polícia será bem-vinda em quaisquer outras situações? R: A política de segurança da UFSC estava em pauta desde o ano passado, quando fizemos um fórum aberto à comunidade, do qual participaram mais de 200 pessoas, lotando o auditório da Reitoria. Esses debates serão intensificados este ano. Temos o compromisso firmado de discutir com a comunidade a questão da segurança pública – que, aliás, interessa não só à UFSC, mas a toda a sociedade. Como espaço de produção de conhecimento, temos a obrigação de construir alternativas. Vamos convidar a comunidade a construir conosco o aprimoramento da política de segurança. Esta é uma das metas prioritárias neste momento. Janine Silva janinesilva.tj@gmail.com Isadora Ruschel isadoracastanhel@gmail.com Mateus Vargas mateusbandeiravargas@gmail.com

, abril de 2014

UFSC quer responsabilizar delegado criminalmente Atra´ves de sua Procuradoria Federal, a UFSC entrou, no dia 7, com duas representações contra o delegado Paulo Cassiano, chefe da operação da Polícia Federal, realizada no dia 25 de março. Uma delas é administrativa e notifica a Corregedoria-Geral da PF sobre indícios de desacordo entre as atitudes de Cassiano e a conduta adequada de um servidor público. A outra é criminal e foi encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF), contendo evidências documentadas que podem denunciar o delegado por calúnia e difamação à reitora Roselane Neckel. O documento enviado ao MPF contém trechos de entrevistas do delegado. Nelas, ele acusa a reitora Roselane Neckel de não ter pulso firme na administração da UFSC e compactuar com o uso de drogas no campus, o que chamou de “república de maconheiros” e um ”antro na prática de crimes.” Ainda consta as insinuações do delegado de que a reitora não tem interesse em manter a ordem no campus e de que ela tem problemas de memória e caráter. Um outro ponto será avaliado junto às

declarações de Cassiano: a entrada da polícia sem comunicar à autoridade máxima da autarquia pode ser interpretado como “violação de domicílio”, o que fere a autonomia universitária. A Procuradoria também incluiu as disposições da lei dos funcionários policiais civis que diz, em seus três primeiros itens que são transgressões disciplinares “referir-se de modo depreciativo às autoridades e atos da administração pública[..] divulgar fatos ocorridos na repartição [...] promover manifestação contra atos da administração pública” A Procuradoria Federal/UFSC também protocolou ofício ao superintendente da Polícia Federal, Clyton Eustáquio Xavier, datado de 26 de março, onde informa sobre as ações ocorridas no bosque e suas consequências a professores, alunos, funcionários e ao patrimônio público, e pede que seja marcada uma reunião entre Superintendência, Procuradoria Federal/UFSC e Reitoria. Xavier ainda não havia retornado até o dia 7 de abril.

Histórico de ocupações no prédio da Reitoria a greve dos Técnicos, sem restaurante e 2011 Com biblioteca universitária, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) organiza um protesto para cobrar providências. O ato termina em vigília - estudantes acamparam com o prédio em funcionamento - na reitoria até uma assembleia deliberar pela ocupação, que dura de 25 a 29 de agosto e é encerrada com o reajuste da bolsa-permanência de R$ 364 para R$ 420.

2007

A situação precária de vários cursos - como Geografia e Serviço Social, que entram em greve estudantil -, do RU, da BU, da moradia estudantil e das políticas de permanência incita a maior ocupação da reitoria recentemente. Os estudantes, que também pautavam oposição ao Reuni, permanecem por nove dias no prédio. Saem pacificamente após a expedição de uma reintegração de posse e a chegada da Polícia Federal. Processos contra 11 estudantes são abertos, mas não levados para a frente.

2005

Numa sessão do Conselho Universitário (CUn) que delibera sobre a bolsa treinamento é fechada para os estudantes. Bolsistas entram em greve, assim como alguns discentes de vários cursos, e a reitoria é ocupada. Há ganhos, mas a ocupação só acaba com uma reitegração de posse e a Polícia Federal na porta. Os estudantes saem pacificamente, mas sofrem processos, têm de pagar multas e correram o risco de perder o diploma.

Gabriel Shiozawa gabrielscoelho@gmail.com


8 e 9 | esPeCiaL Estopim

25 de março: o dia em que a UFSC virou campo de batalha Estudantes protestam contra ação e a permanência da Polícia Militar dentro da Universidade Por volta das três horas da tarde de terça-feira (25), cerca de 30 pessoas rodeavam dois carros no bosque - um Astra prateado da polícia, descaracterizado, e uma caminhonete da segurança da UFSC. O grupo gritava: “não vai sair! não vai sair!”. Na caminhonete estava um dos estudantes detidos por portar maconha. “Dizem que ele nem tava fumando, que os P2 acharam revistando a mochila”. Os “P2”, policiais à paisana, eram dois homens fortes de cabelo cortado rente, boné, óculos escuros e bermuda. Além deles, estavam lá mais cinco ou seis policiais federais. Um deles dizia: “eu fiz de tudo pra não ter confusão, só queria levar um, disseram pra levar um!” Gesticulava e discutia com Carlos Vieira,

chefe de gabinete da reitoria. Vieira, o professor Paulo Machado e a colega Sônia Maluf – diretor e vice-diretora do CFH – tentavam encontrar uma maneira de cumprir os procedimentos legais (no caso, a assinatura de um Termo Circunstanciado) sem que isso causasse um conflito com o grupo que estava lá. Estudantes, professores e servidores se somavam aos demais, avisados por colegas. Havia mais de 300 pessoas. Em pouco tempo, o Batalhão de Choque da Polícia Militar estava na entrada do bosque. Em fila, prontos: coturnos, escudos, máscaras, capacetes. Conversavam entre si, fazendo piada: “se eu fizer uma cagada aqui, será que me transferem de batalhão?” Começaram as negociações entre os estudantes e o delegado da Polícia Federal Paulo Cassiano (recém chegado ao local), intermediadas pelos professores, Carlos Vieira e o tenente-coronel da Polícia Militar Araújo Gomes. Os estudantes gritavam: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar!”. A primeira proposta levada a Cassiano foi a assinatura do termo ali mesmo. O delegado negou. Na formulação da segunda alternativa com os estudantes, mais revolta: “na real, nem vai assinar nada!”. A caminhonete servia de palco para falas: “A gente tá aqui pra dizer que a polícia militar não entra no campus!”, protestavam os estudantes. A segunda proposta foi apresentada: a polícia sai da universidade e as autoridades da UFSC acompanham o aluno até a delegacia. O diretor do CFH, Paulo Machado, insistia com o delegado: “Quero fazer um apelo pro senhor, de coração, pra que não haja um incidente de grandes proporções aqui”. Cassiano negou novamente. Deu as costas e chamou o Choque. Os estudantes, percebendo a movimentação, organizaram defesa com tábuas e tapumes. Chegando a dez metros de distância, a PM ficou parada durante alguns segundos. O professor Machado ainda tentava evitar o conflito. Duas ou três pedras voaram em direção à polícia, sob protesto da maioria dos

estudantes. “Não! Sem violência!” Como se foss um sinal, os policiais entraram em ação. Algun estudantes ficaram resistindo perto do carro ond estava o detido. Os demais iam de um lado a ou tro do bosque, fugindo, agora, das bombas e d gás pimenta. “Nossa, essa passou zunindo pel meu ouvido! Bala de borracha”, exclamou um estudante. Por conta do gás, nem sempre era po sível identificar de ond vinham os disparos.Em poucos minutos os pol ciais levaram o estudant detido. Mesmo recuand continuaram lançand bombas e atirando. Pesso as corriam, lágrimas no olhos. Enquanto algun diziam “Reitoria galera! Ocupar a reitoria!” e sa íam do bosque, outros foram até os dois carro deixados para trás, que nesse ponto já tinham o vidros quebrados, e os viraram. Saindo do bosqu os estudantes ocuparam a reitoria, exigindo que reitora Roselane Neckel assinasse um termo pro bindo a entrada da polícia no campus. O episódio, desde então, tornou-se o centro da discussões sobre a autonomia da universidade, consumo e tráfico de drogas e a legitimidade ( limites) da ação policial dentro do campus.

Tropa de Choque da PM entra no campus e dispersa multidão com bombas e gás

Luísa tavare luisatavares.m@gmail.com Mateus Vargas/Zero

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o terceiro andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da UFSC, um professor ministrava sua aula a uma turma de calouros quando o estudante parou ofegante à porta: “professor, posso falar com o senhor? É urgente”. Pouco depois, voltando à sala, o jovem dispara: “Gente, a Polícia Federal pegou alunos com maconha no bosque, o pessoal tá segurando os carros pra não levarem eles, e precisamos de ajuda”. Com o consentimento de todos, a turma foi dispensada. O professor achou que seria um incidente “de, no máximo, 30 minutos”. Cerca de três horas mais tarde, bombas de efeito moral explodiam no bosque adjacente ao CFH. Tiros de bala de borracha eram disparados para dispersar uma multidão. Todos corriam para longe, cobrindo nariz e boca, deixando para trás muito gás lacrimogênio e dois carros destruídos.

Liderando as negociações, delegado da Pol


Karem Kilim/Colaboração Mateus Vargas/Zero

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Mateus Vargas/Zero

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lícia Federal Paulo Cassiano deu ordens ao Batalhão de Choque da PMSC para que reprimisse a manifestação com uso da força, iniciando o conflito que desestabilizou a política da UFSC

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10 | especial Divisão ideológica

Embate gera polarização no campus

Mateus Vargas/Zero

Luisa Tavares/Zero

Durante desocupação, grupos com diferentes pautas se enfrentam na Praça da Cidadania

Saída da reitoria já havia sido decidida, mas membros do movimento Levante do Bosque fizeram cordão de isolamento para evitar confronto com manifestação Chega de Baderna

de duas mil pessoas faziam seis reivindicações. O movimento, nomeado “Chega de Baderna”, foi criado através de um evento no Facebook e não tinha uma unidade política. Entre os pontos em comum, estavam a exigência da recolocação da bandeira nacional, o apoio à presença da polícia no campus e a crítica ao movimento que ocupava a reitoria desde terça-feira. Segurando cartazes, o grupo ora cantava o hino nacional, ora trechos de uma canção do desenho animado japonês Dragon Ball Z. Sugeriam, também,

que os opositores “fossem trabalhar”. A resposta do outro grupo vinha na forma de gritos de ordem contra todos os tipos de opressão e a favor da ocupação que, durante quatro dias, realizou assembléias e debates. Na noite do dia 27 de março, o movimento entregou ao gabinete da reitoria uma carta com 13 reivindicações, envolvendo temas como segurança, saúde, combate a opressões e festas. A reitora acatou integralmente oito itens; os cinco restantes foram aceitos de forma parcial. Considerando o diálo-

go satisfatório, o movimento decidiu desocupar a reitoria na manhã de sexta-feira e trabalhava na limpeza do prédio quando o grupo que exigia a desocupação chegou ao local. Em meio ao enfrentamento verbal, um dos organizadores do movimento “Chega de Baderna” decidiu que era hora de hastear a bandeira. Aplaudido pelos colegas, subiu no mastro central, mas não passou da metade. Com a ajuda de uma escada, tentou novamente, sem sucesso. Um guindaste da prefeitura da UFSC foi solicitado. Enquanto um profissional subia para fazer o hasteamento, os recém-chegados voltaram a gritar “vai trabalhar!”; em resposta, os defensores da ocupação gritavam “viva o trabalhador!”. A bandeira foi, Luisa Tavares/Zero

Luisa Tavares/Zero

Luisa Tavares/Zero

Luisa Tavares/Zero

Gritos de “vai trabalhar” eram respondidos com brados de “viva o trabalhador”

enfim, hasteada, ao som de aplausos, vaias, provocações e hinos. A multidão começava a se dispersar. “Vamos trabalhar! Vamos estudar!”, se justificavam, em voz alta e ritmada, os membros do Chega de Baderna. Algumas provocações isoladas continuaram sendo disparadas. O expediente não havia terminado. Um rapaz se destacou rapidamente da multidão que defendia a ocupação. Em poucos segundos, escalou outro mastro, retirando do bolso uma bandeira de sete cores. Hasteadas lado a lado, os dois símbolos indicavam a divergência político-ideológica entre os estudantes da UFSC. Thaís Ferraz thaisferrazrf@gmail.com Mateus Vargas/Zero

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gnorando o calor intenso que fazia às cinco horas da tarde do dia 29 de março, mais de 100 estudantes de braços entrelaçados formavam um cordão humano de isolamento em frente à reitoria da UFSC. A formação assistia à chegada de outro grupo, não muito maior, que se aproximava com o objetivo de recolocar a bandeira do Brasil no mastro central da praça. Encarando-se os grupos hesitaram por alguns segundos- e, quase ao mesmo tempo, começaram a bradar seus gritos de ordem. Os recém-chegados vinham do Edifício Santa Clara-Prédio II da Reitoria, onde haviam entregado um abaixo-assinado para a reitora Roselane Neckel. No documento, cerca

Para hastear a bandeira nacional no mastro, foram necessárias três tentativas, escada, corda e guindaste; enquanto a bandeira da pluralidade foi colocada na primeira tentativa

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Mateus Vargas/Zero

especial | 11

Ao ocupar reitoria, estudantes de esquerda exigem PM fora da UFSC

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Outro lado pede polícia, fim de “baderna” e bandeira no mastro

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grupo que considerou um desrespeito a colocação de uma bandeira vermelha no mastro em que se costuma ver a bandeira nacional organizou-se em um dia para protestar e hasteá-la novamente. A grande indignação motivou universitários a criarem o movimento “Chega de baderna”, que formulou seis reivindicações, como o hasteamento da bandeira, instalação de base da PM dentro do campus, apuração das responsabilidades da depredação de patrimônio público e desocupação da reitoria. Os alunos se concentraram no Centro Tecnológico (CTC) cerca de três horas antes de partirem rumo ao prédio da Reitoria II, por volta das 15h, para entregar um documento com suas reivindicações. Os manifestantes levantavam bandeiras do Brasil e de Santa Catarina e cartazes com dizeres “Cem não representam a maioria”, “Policiamento Já” e “Ocupação não me representa”. Duas viaturas da PM estacionaram em frente ao local e foram aplaudidas. Os alunos conversavam bastante com o tenente-coronel Araújo Gomes, sentado no banco do carona de um dos

carros. A reitora, Roselane Neckel, foi até a concentração e se comprometeu a retomar as negociações com as polícias, realizar um referendo eletrônico sobre a PM na UFSC, constituir um Conselho de Segurança e apresentar respostas em até 30 dias para as exigências do grupo. Inicialmente, ela aceitou acompanhá-los até o mastro, mas mudou de ideia logo depois. O estudante de Física que tentou hastear a bandeira, Brener Martins, um dos organizadores do movimento, contou que não havia lideranças no grupo e os gritos entoados no momento não tinham sido previamente preparados – embora alguns deles tenham sido escritos e votados logo antes, na concentração. “Isso exige certo profissionalismo em manifestações, coisa que a gente não gasta tempo fazendo”. Quanto à ocupação da reitoria, o estudante disparou: “eles não nos representam e nós não queremos que eles nos representem. Qual a legitimidade de 100 estudantes decidirem algo entre eles em assembleias presenciais que acontecem em horários questionáveis? Por que

esses questionamentos não são feitos online?”. Para ele, os gritos do grupo da ocupação, como por universidade popular, foram “completamente fora de contexto” e algumas pautas “só podem ser piada, estão distantes da capacidade de atuação da UFSC e fogem ao propósito da discussão. Não era só por causa da agressão física?”. O grupo entregou cópias das reivindicações e duas mil assinaturas para a reitoria, Polícia Federal e Ministério Público Federal. A PF informou aos alunos que está instaurando inquéritos criminais. “Isso nos tranquiliza quanto à restauração da ordem”, disse Brener. O grupo ainda não definiu quem, nem como irá acompanhar a reitora para garantir que ela cumpra o prometido. Brener disse que pode se responsabilizar, mas Henrique Carminatti, estudante de Engenharia Mecânica e também organizador do movimento, disse que “ainda não sabemos se vamos ter tempo para isso, uma vez que já será meio do semestre. Mas, deveríamos”.

opressões dentro da própria ocupação. “As opressões ocorrem em todos os lugares, mas temos consciência de que é preciso combatê-las”, comenta Caixeta. O movimento Levante do Bosque é fortemente marcado pela diversidade, mas pretende se manter unido para acompanhar o cumprimento de suas reivindicações. Cabe ressaltar que seguem no Centro de Convivência da universidade estudantes contrários a assembléia de decidiu a desocupação. O Zero identificou algumas organizações e coletivos presentes na ocupação: Grupo Negro 4P; Coletivos Kurima, Feminista SOMOS PAGU, UFSC à Esquerda de Luta, Vadias Desterro, Brigadas Populares e Coletivo pela Diversidade Sexual - Gozze!. Passa Palavra, Movimento Passe Livre, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU); Partido Comunista Brasileiro (PCB); a Juventude Comunista Avançando ( JCA; o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Luciana Paula Bonetti lucipbs@gmail.com Luan Martendal luanmartendal@gmail.com

Mateus Vargas/Zero

Reitora aceitou oito reivindicações das 13 apresentadas pelos alunos

Projetos de Arquitetura e Engenharia (DPAE) e executá-lo num prazo de seis meses, assim como contratar seguranças universitários que “visem a segurança de todos os estudantes, professores e técnicos administrativos em educação, e não apenas o patrimônio material da UFSC”, como ocorre nos contratos vigentes. Também são reivindicações a elaboração de um plano de segurança para universidade com ampla participação da comunidade e a realização da 1ª Semana de Desmilitarização da PM. Caixeta argumenta que “a PM nos remete ao período ditatorial, e sua desmilitarização é inclusive uma recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU)”. Outras reivindicações são o debate sobre o uso do espaço da universidade – com a reativação imediata da Comissão de Festas e ampliação de sua composição –, garantias sobre o auxílio-creche, debates sobre a adesão do Hospital Universitário à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e o combate a racismo, machismo, homofobia, transfobia e trote violento. Este último ponto de pauta foi emblemático, uma vez que houve denúncias de

Contrários ao Levante combinaram manifestação pelas redes sociais Mateus Vargas/Zero

Mateus Vargas/Zero

Pluralidade: membros de diversos coletivos participam da ocupação

s estudantes que ocuparam a reitoria durante quatro dias e três noites – fundando o Levante do Bosque – se reconhecem ideologicamente como esquerda. Num ato que simbolizou a organização do grupo, os alunos que conversaram com a reportagem do Zero – João Vitor Araújo, Geografia, Marina Caixeta, Engenharia Civil e Tainam Marinho Pessoto, Ciências Econômicas – foram eleitos em assembleia. Eles explicaram que a ocupação não foi deliberada coletivamente, sendo uma resposta “espontânea” ao conflito com a Polícia Federal, assim como a reação dos manifestantes que viraram duas viaturas, mas que a partir dela foi possível organizar os alunos a favor de causas comuns. Araújo avaliou que “se não houvesse a unificação, não seria possível pressionar e concretizar de fato o que foi prometido pela reitora”. Pessoto complementa: “a ocupação nos ensinou que é possível agir independente de instituições como os CAs e o DCE”. O movimento conseguiu que a reitora se comprometesse a priorizar o projeto de iluminação que está sendo avaliado pelo Departamento de

Raíssa Turci raissa.turci@gmail.com

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Enquanto tentavam hastear a bandeira, estudantes cantavam o hino


12 | esPeCiaL Segurança

Para militar, uso da força foi necessário

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tenente-coronel da Polícia Militar (PM), Araújo Gomes, participou das negociações entre policiais, professores e estudantes. Foi ele que levou a Tropa de Choque para o bosque do CFH no dia 25 de março e comandou as ações da PM. Em entrevista ao Zero , o coronel afirmou que a ação dos policiais não foi desproporcional. Zero: A PM pode entrar no campus sem autorização da reitora ou existem exceções, como quando é chamada pela Polícia Federal? Coronel Araújo Gomes: O entendimento da PM é que o campus é aberto. Por ele ser cortado por vias públicas, a PM pode sim entrar naquela área sem necessariamente ter autorização prévia ou coisa parecida. Seja para rondas de rotina ou para intervir em crises. Por opção, não fazemos rondas de rotina naquela área porque entendemos que, sendo uma autarquia federal, com recursos e obrigação de prover a própria segurança em caráter de normalidade, não faria sentido tirar recursos estaduais para fazer proteção ordinária lá dentro. Porém, quando há um crime em andamento, nós podemos entrar com certeza, e entramos. A Tropa de Choque já acompanhou apreensão de porte de maconha? Gomes: Não, porque...qual é o papel da tropa de choque? Ela tem várias missões, faz intervenções em presídios, segurança de eventos considerados críticos ou inter-

venções quando precisa do uso da força, envolvendo multidões ou turbas. Nós não tínhamos tido ainda nenhuma ocorrência da Polícia Federal com essa característica. O delegado Cassiano solicitou auxílio, mas o senhor poderia controlar se liberaria a ação da Tropa de Choque? Gomes: Eu participei da negociação, mas não tinha a voz final porque envolvia dois órgãos federais. O uso da força só aconteceu quando a Polícia Federal se mostrou incapaz de vencer a resistência e a situação se mostrou potencialmente perigosa.

“A PM pode entrar na UFSC sem ter autorização prévia” Mas a voz que dá o aval para a Tropa de Choque agir é a do senhor? Gomes: É minha. Claro. O senhor acha que realmente havia necessidade? Gomes: Da maneira como evoluiu, sim. Dois policiais da PM e 13 alunos ficaram feridos. Não houve uma reação exagerada da polícia? Gomes: Na verdade, é muito interessante que alguns meios que nós utilizamos tenham uma estética pesada, negativa, com

resultados poucos ruins. Então, quando você fala do gás lacrimogêneo, ele veio substituir o uso do cassetete. Também é interessante achar que deve haver uma proporção no número de feridos, esquecendo que do lado do Estado, do lado da polícia, o que você tem são trabalhadores realizando seu trabalho. Então, é natural que eles tenham equipamentos e técnicas de proteção, para que se machuquem menos. E pelo contrário, o que é lamentável é que dois trabalhadores tenham se machucado por ação intencional de terceiros. Se a gente fizer uma relação com outras profissões, vai ver que em nenhuma outra profissão se considera natural levar pedrada, ser chutado, xingado, ser atingido por coquetel molotov, como parece que se tornou senso comum de ser parte do trabalho policial. E não é. Encontramos uma das granadas de pimenta que foi jogada no bosque, com validade de março de 2013. Na embalagem está escrito que a granada oferece risco se utilizada fora da data de validade. O senhor sabia disso? Sabe quais são os riscos? Gomes: Eu não sabia, porque a Tropa de Choque administra o próprio material. O risco é de ela não ser acionada, que foi o que aconteceu.

Raíssa Turci/Zero

Araújo Gomes é o tenente-coronel responsável por ter acionado Tropa de Choque após chamado da PF

Policial esteve na negociação do Bosque

Há um protocolo que diz que o elastômero (bala de borracha) deve ser mirado da cintura pra baixo. Esse protocolo foi seguido no dia? Gomes: Foi, sempre se procura fazer isso. Lembrando que quando se trabalha com manifestações em diferentes distâncias, para acertar a baixa distância, a 50 metros, se tiver alguém mais próximo pode acontecer de acertar um pouco mais alto...o tiro descreve um arco, né? Leia a entrevista na íntegra na nossa página no Facebook: www.facebook.com/jornalzero

Mas na embalagem está escrito que oferece risco se utilizada... Gomes: Claro, para o policial, se ela não funciona.

raíssa turci raissa.turci@gmail.com thaís Ferraz thaisferrazrf@gmail.com

A última vez que houve a renovação do quadro de trabalhadores do Departamento de Segurança Física e Patrimonial (DESEG) da UFSC foi em 1994. Hoje, a vigilância dos quatro campi (Araranguá, Curitibanos, Florianópolis e Joinville) é feita por 47 servidores e 265 funcionários da empresa Khronos, que mantém contratos com a universidade desde 2005. A segurança universitária está em processo de terceirização desde que a vaga foi extinta pelo Governo Federal. Há quatro anos, o quadro era um pouco diferente: 61 agentes da universidade e 167 terceirizados da mesma empresa. Metade do atual efetivo pode se aposentar hoje – alguns funcionários têm 37 anos de carreira –, e 15 servidores aderiram à greve da categoria, que iniciou no dia 17 de março.

Uma das queixas do diretor do departamento Leandro Luiz de Oliveira é o acúmulo das funções operacionais e administrativas. “O maior problema é a falta do efetivo no quadro”, disse Oliveira, que não está autorizado a responder perguntas sobre o confronto entre policiais e estudantes. O departamento funciona em um prédio que tem mais de 70 anos, onde é fácil encontrar infiltrações. O acesso ao primeiro andar é através de uma escada de madeira. O espaço é coberto por assoalho e abriga a central de monitoramento dos campi. O setor é terceirizado e conta com oito funcionários que se revezam em plantões com pelo menos dois seguranças por turno. Sob farelos que caem do forro por causa dos cupins, os vigilantes monitoram 1.100 câmeras.

Pelos computadores, eles acompanham 272 centrais de alarme que protegem 4.500 salas. Os servidores do DESEG trabalham com três viaturas, duas motos, rádios transceptores com frequência exclusiva da UFSC controlada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), bastões elétricos, algemas, spray de pimenta, coletes balísticos e pistolas Taser. A UFSC é a única universidade do país que utiliza armas de choque - 15 agentes estão habilitados. A média salarial bruta de cada servidor é R$ 4.000,00.

Mateus Boaventura/Zero

apenas 15% dos vigilantes são servidores

Prédio em que funcionários trabalham é mais antigo que a UFSC

Segurança terceirizada O Grupo Khronos tem quatro contratos em vigência com a UFSC: a Khronos Segurança Privada possui três convênios para prestação de serviço de vigilância num total de R$ 6.765.409,40

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por ano, e a Khronos Indústria Comércio e Serviços em Eletrônica recebe R$ 559.200,00 anuais para manutenção dos equipamentos de segurança. Um vigilante terceirizado custa à UFSC, por mês, R$ 2.127,48. O salário bruto do funcionário é

R$ 1.700,00. A empresa tem um lucro total de aproximadamente R$ 1.041.409,40 por ano.

Mateus Boaventura mateusbboaventura@gmail.com


especial | 13

Baseado em estudo

Traficantes vendem crack, cocaína e maconha nos arredores da UFSC

Plano para tratar viciados começou a ser elaborado pela PRAE no fim de 2013 e ainda não está em vigor

Consumo de drogas ronda universidades Metade dos estudantes universitários já usou entorpecentes

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consumo de drogas faz parte da rotina universitária. Um levantamento feito em 2010 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), que entrevistou quase 18 mil universitários de 100 instituições públicas e privadas em 27 capitais, apontou que 49% dos estudantes já experimentaram algum tipo de droga ilícita pelo menos uma vez na vida. O estudo também revela que entre os menores de 18 anos, 80% já consumiram bebidas alcoólicas. Para a psicóloga Daniela Schneider, o consumo de álcool e outras drogas é parte do contexto social e do imaginário da universidade. “Os jovens associam a entrada na universidade com um upgrade no processo de entrar na vida adulta, e isso inclui beber mais e usar drogas. É o que constitui a base da identidade universitária e é bem visível nos trotes. Lá, os colegas mostram para os que estão chegando o que é ser universitário”, afirma. Ainda de acordo com o Senad, 22% dos universitários estão sob risco de desenvolver dependência de álcool. Estudante do curso de Design, M. diz que usa droga como recreação. “Já fumava maconha antes

de ir à universidade, mas não com frequência. Acho que uso menos do que muitos estudantes bebem cerveja, por exemplo. Assim como alguns gostam de fumar cigarro ou beber nas horas vagas, eu gosto de fumar maconha.” Embora tenha sido o estopim para o conflito no bosque do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), a maconha não é a droga mais consumida na Universidade. “Existe muito preconceito com a maconha, caracterizando o uso dela apenas por alunos do CFH. Nem todas as pessoas que vão ao bosque são de lá. Existem casos mais sérios em outros centros. Recentemente tivemos um grande trabalho para resolver o tráfico de drogas no Centro de Ciências Físicas e Matemáticas (CFM). Temos casos de desvio de substâncias de laboratórios para a produção de drogas”, explica Sergio Schlatter Junior, diretor do Departamento de Assuntos Estudantis (DeAE). Segundo Schlatter, existem diversos casos identificados pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE). “Os casos de uso de substâncias psicodélicas são em maior número, mas não são tão perceptíveis. Muitas pessoas tomam Ritalina e outras substâncias para virar a noite estudando.

Essa é uma realidade muito forte no Centro Tecnológico (CTC), por exemplo. Isso também é uso abusivo de drogas”, comenta. O vício depende de diversos fatores: ambiente em que o estudante vive, situação familiar, psicológica, entre outros. Schlatter aponta a mudança de hábito e a exclusão social como alguns dos motivos para a iniciação no consumo de drogas. “Os alunos estão entrando cada vez mais jovens na universidade e muitas vezes moram sozinhos pela primeira vez. Alguns vêm de cidades pequenas e quando chegam a Florianópolis passam por uma mudança radical de vida”, analisa. Prevenção e integração Atualmente a UFSC não possui nenhum programa exclusivo de acompanhamento e prevenção ao uso de drogas. O Serviço de Atenção Psicológica (SAPSI) atende esse tipo de caso, mas não oferece atividades específicas. No fim do ano passado, a Pró-Reitoria começou a elaborar um programa de integração social que também tratará de alunos viciados em drogas. O projeto ainda não saiu do papel devido à pluralidade de opiniões sobre o assunto e a falta de profissionais capacitados.

São quase 20h e o caminho está completamente escuro, exceto pelos faróis dos carros esportivos e de luxo, táxis e motos que sobem a rua Andreza Pinheiro Gonçalves da Silva, transversal da Avenida Capitão Romualdo de Barros, geral da Carvoeira. Ali, a dois minutos de caminhada da entrada da UFSC, fica a boca de fumo mais conhecida da região, gerida pelo traficante conhecido como Tiaguinho. Alvo de frequentes investigações da Polícia Federal, o ponto serve de fonte para a venda de drogas em outros morros e, ainda, para traficantes de pequeno porte que atuam na universidade. Ao lado de uma casa e um portão de ferro, uma passagem leva até uma porta que só permite enxergar os olhos de quem fala. Caso haja suspeita de investigação policial, a resposta é categórica: “não, irmão, aqui é pessoal de família. Casa de família mesmo”. Mas, ao passar pela porta, o comprador é levado para dentro da boca de fumo, onde é escoltado por corredores até o local de negócios. “Já ouvi sirenes tocando lá quando a polícia chegou perto”, conta V., estudante de História da UFSC. Ele afirma ter ouvido sobre a existência de túneis subterrâneos dentro da estrutura. “Mas eles nunca deixam a gente ver, a segurança é muito forte”. Nos arredores do campus, os bairros da Trindade, Pantanal, Saco dos Limões, Serrinha, Córrego Grande e Carvoeira abrigam diversos pontos de venda de drogas acessíveis aos estudantes. A Boca do Cesinha, no Pantanal, é ponto do ex-traficante Paulo Cesar Alves, assassinado com sete tiros em 2009. Na época, a morte de Cesinha causou a diminuição do abastecimento e o aumento dos

preços das drogas nos morros da capital. A filha de Cesinha, Suelen Sabino Alves, também foi assassinada, em dezembro de 2011. Hoje, quem comanda a boca é a viúva de Cesinha, Adriana Sabino Alves, e seu outro filho, conhecido como Piolho. O tráfico ocorre às vistas após o anoitecer, nas escadarias da Servidão Crescêncio Francisco Mariano e da rua Capitão Osmar Silva, transversais da Rua Antônio Edu Vieira. Ali se vende principalmente maconha, cocaína e crack. Há ainda quem não goste de subir o morro. Nestes casos, a venda de entorpecentes ocorre por meio de funcionários dos bares da Avenida Antônio Edu Vieira. Lá, os “aviões”, usuários que revendem drogas, marcam ponto quase diariamente. O preço, em geral, é mais alto: a cocaína custa R$20 para 0,5 grama comprada (na Boca do Cesinha, pode-se conseguir por metade do valor). Segundo usuários, a qualidade da cocaína revendida é mais baixa, pois o pó costuma vir “batizado” com bicarbonato de sódio para render mais. UFSC - Apesar de ser uma área vigiada, a universidade conta com um intrincado sistema de venda de drogas em suas dependências, como no Bosque do CFH. “Eles escondem as drogas em canaletas e debaixo de pedras”, conta L., frequentador das festas da UFSC. De acordo com o Delegado Cláudio Monteiro, da Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Diretoria Estadual de Investigações Criminais, a hipótese de que os traficantes teriam territórios para venda de entorpecentes dentro da universidade é verdadeira. “Inclusive, há alunos que só vendem para [em nome de] certos grupos”, conta ele.

Escadaria no bairro Pantanal é um dos pontos de tráfico da região

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14 | especial Repressão

Quem são os atingidos pelas bombas

Policial civil deu sermão em um dos estudantes que queria relatar as agressões cometidas pela PM no Bosque do CFH

Balas de borracha, bombas de efeito moral e gás lacrimogênio: esse foi o arsenal utilizado pelo Choque Verônica Mackoviak /Colaboração

advogado Robson Ceron acompanhava os feridos na delegacia, fazendo o possível para manter a calma. Dizia que era provável que houvesse provocações por parte dos agentes. O primeiro a registrar ocorrência foi Leandro Oliveira, estudante de Ciências Sociais. Ele ficou alguns minutos sem o advogado na sala em que o BO seria feito, e conta que nesse tempo foi repreendido por um agente civil por querer prestar queixa, aumentando seu desconforto por estar relatando para policiais atos de outros policiais (mesmo que de categorias diferentes). O procedimento passou a ser cumprido normalmente quando Ceron entrou na sala. Oliveira tinha um corte no supercílio esquerdo, região onde pequenos ferimentos causam sangramentos consideráveis. Quando um policial saiu de um dos carros que estavam no Bosque, o estudante foi derrubado de costas, no chão, pela porta do veículo. Na sequência foi acertado com a porta novamente, num gesto que ele desconfia não ter sido acidental. Só foi ao hospital tratar o ferimento depois de sair da delegacia, e não pôde levar pontos pois o corte ficara aberto por muito mais tempo do que o recomendado para receber uma sutura.Há relatos de pessoas que tiveram problemas de audição causadas por bombas de efeito moral, atingidas por balas de borracha em diversas partes do corpo - inclusive acima da cintura, o que não é recomendado -, com ferimentos na boca, que passaram mal por causa do gás. Ninguém sabe ao certo quantas pessoas saíram feridas da ação, já que nem todas foram registrar formalmente. A cortina de gás lacrimogênio já era bem grossa quando Victor Cunha, calouro do Curso de História, tentava manter um cordão de isolamento dando os braços a seus companheiros. Uma granada de pimenta caiu à sua frente e, em seguida, uma bomba de efeito moral explodiu na região próxima a ele. Com o susto, Cunha aspirou de uma só vez grande quantidade de ar e gás, e saiu do Bosque passando mal. Vomitou no corredor entre o CFH e o CED, foi carregado até a Reitoria - que começava a ser ocupada - e vomitou lá também. Foi levado ao HU, onde o ar condicionado da sala de espera piorava sua respiração já irritada. Esperou por uma hora e meia o atendimento e resolveu voltar para casa sem ver um médico.

Mateus Vargas/Zero

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or volta das 20h30 havia uma atmosfera de perplexidade na sala de espera da 5ª DP, na Trindade, onde um grupo com cerca de 15 estudantes aguardava sua vez de relatar à Polícia Civil a violência das Polícias Federal e Militar. Tentavam entender o que acabara de acontecer na Universidade e, alguns, conter a indignação que era potencializada pela demora no atendimento. Ainda contribuía para o desconforto dos jovens a presença de um homem que ouvia todas as conversas, tentava ver as fotos do confronto que uma moça mostrava para os outros estudantes - eles também manuseavam bombas de gás lacrimogêneo com validade vencida encontradas no local do ação - e, minutos antes, circulava no Distrito Policial com a naturalidade de quem anda por lá cotidianamente. A graduanda em jornalismo Luara Loth tinha quatro pontos em um corte próximo ao joelho direito, na lateral da perna. Quase 25 anos depois de seu pai, o jornalista Moacir Loth, ter sido espancado por dois policiais na cobertura da Novembrada, ela agora esperava para relatar algo parecido. Assim como escoriações menores, o corte foi causado por estilhaços de uma bomba, provavelmente de efeito moral, jogada pela polícia. A ferida infeccionou, obrigando a estudante a tomar antibióticos. Quando o gás lacrimogênio tomou o Bosque, Luara se abaixou para tentar evitar a fumaça. Em seguida, decidiu correr - tinha visto gente levando pancadas e ficou com medo de ser agredida também. Ao se levantar, viu a poucos centrímetros de seu pé a bomba, que explodiu imediatamente. Correu sangrando por alguns metros, mas foi carregada que chegou às proximidades do Restaurante Universitário, de onde foi levada de carro para o hospital. “Eu nunca uso calça, mas dessa vez estava com uma bem grossa. Se não, talvez o corte fosse maior.” Do hospital foi à delegacia, onde ficou um bom tempo. Tentou fazer o exame de corpo de delito, mas àquela hora o Instituto Geral de Perícias já estava fechado. O compromisso teve que ficar para o dia seguinte. Depois de cerca de meia hora de espera, as ocorrências começaram a ser registradas. Os estudantes tinham a impressão de que os policiais civis não estavam empenhados em atender os relatos, e isso os deixava mais nervosos. O

Karem Kilim/Colaboração

Manifestantes relatam os ferimentos sofridos e demora para registrar o caso na DP

Bomba da PM venceu há um ano

Do grupo que foi até a 5ª DP, alguns perderam a paciência e deixaram a Delegacia sem prestar queixa. Mesmo assim, só na noite de terça-feira, foram registrados 13 boletins de ocorrência relatando ferimentos decorrentes do confronto no Bosque. Agora a Polícia Civil deve esperar os laudos do IML/IGP para anexar aos BO’s dos estudantes que fizeram exame de Corpo de Delito e encaminhar para o órgão que tem competência para investigar a PF, a sua Corregedoria. Caio Spechoto caio.spechoto@gmail.com

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Treze boletins de ocorrência foram registrados relatando ferimentos


especial | 15

Bianca Bertoli/Zero

RIC Record/Reprodução

Perigo na escola

Mãe corre para proteger filho logo após gás ter invadido salas de aula do Núcleo de Desenvolvimento Infantil. Unidade repudiou ação por entender que crianças foram prejudicadas

PF recebe notas de repúdio

Nuvem de gás lacrimogêneo chegou às salas de aula da escola infantil

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iretora do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) da UFSC, Marilene Raupp ligou na tarde do dia 25 de março para o chefe do Departamento de Segurança, Leandro Luiz de Oliveira. A ideia era pedir aumento em medidas de proteção, como a instalação de mais câmeras, já que totalizando alunos, pais e trabalhadores, 700 pessoas circulam pelo local diariamente. Oliveira explicou que a polícia havia entrado no bosque e a situação poderia se agravar, orientando que todos ficassem dentro do NDI - 100 metros da área do conflito. Em seguida, a instrução clara e precisa chegou pelo rádio da segurança da guarita: “Tirem as crianças do parque”. As professoras Caroline Momm e Ligia Santos estavam no horto do Departamento de Botânica com os pequenos de dois anos quan- Para o Colegiado do Núcleo, atuação das polícias foi “descomedida” do receberam o aviso para voltarem às pressas. Cristina e Nelsi de Oliveira, ficaram a atenção delas para atividades e “Estávamos na Botânica, mas po- com dificuldade de respirar, olhos fecharam as cortinas. Nos dias posderíamos ter levado as crianças até o irritados e desconforto na garganta, teriores à confusão, muitas tiveram bosque, o que não é raro acontecer”, devido à fumaça reações como disse Caroline. Outras 70, das 105 trazida pelo vento. diarreia e vômito. crianças matriculadas no período “Ninguém imagina A direção vespertino, estavam nos brinquedos que ocorra algo asreunirá relatos externos da escola. Todas foram leva- sim, com toda essa escritos por pais das aos cômodos, que permaneceram violência, dentro da sobre o quanto o de portas e janelas fechadas até o Universidade”, coconfronto afetou anoitecer. mentou Ligia. seus filhos, com o Mesmo com a atitude, o gás laA educadora Priintuito de anexar crimogêneo lançado pelos policiais cilla Trierweiller viu os depoimentos ao entrou pelas frestas, chegando na duas bombas explodossiê que será encozinha e sala dos bebês. Ligia ten- dir na rua em frente caminhado à Bratou buscar água para eles, mas não à instituição. Várias sília pela reitoria. conseguiu pelo mal-estar que sentiu crianças choraram, assustadas, ao A turma mais velha do NDI, forem ir até a copa. As três mulheres ouvir os estrondos e tiros com bala mada por crianças de cinco anos, que trabalhavam na produção das de borracha. Os professores tenta- brincou de “ninja” ao amarrar carefeições, Suelen Alves de Melo, Ana ram amenizar a situação ao chamar misa no rosto. A estratégia lúdica

Bianca Bertoli/Zero

No dia 25 de março a UFSC, através da reitora Roselane Neckel, publicou nota tratando como lamentável o episódio vivido pela comunidade universitária. No texto, a reitora afirma que não solicitou e sequer foi informada sobre a ação. No dia 31 de março, o Colegiado do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) da UFSC tornou público o desagrado da instituição com a ação policial. A nota afirma que a PF havia sido alertada sobre a presença de crianças nas proximidades do acontecimento, mas ignorou o aviso. Professores de diversos centros da UFSC emitiram, no dia 02 de abril, nota assinada expondo a estranheza da categoria pela ação policial promovida na instituição que tem se destacado como uma das melhores universidades do país e do exterior. Também o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, no dia 27 de março, emitiu nota de repudio à ação policial promovida na UFSC. De acordo com o movimento social, o ato reflete a incapacidade do Estado e da própria polícia em dialogar e buscar saídas permanentes com relação aos conflitos existentes no Brasil.

NDI também viveu o conflito

Professora do NDI inventou brincadeira com camisetas para proteger os alunos dos efeitos do gás

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de Sônia Jordão era para que seus alunos não se preocupassem com os barulhos. A ideia também serviu para protegê-los dos resquícios de gás, quando os pais chegavam nervosos e saiam rapidamente com medo que a rua fosse fechada por barricadas. Outros responsáveis chegaram lacrimejando, ofegantes, preocupados e indignados, mas esperaram até a situação acalmar para ir embora. A nota de repúdio à atuação policial já foi emitida pelo NDI. Nela, o colegiado manifesta sua preocupação com as consequências psicológicas e emocionais que podem atingir os pequenos pela tensão que presenciaram. Segundo o documento, a “inconsequência e truculência” do ato das Polícias Federal e Militar “culminou num verdadeiro cenário de guerra colocando em risco a segurança das crianças e dos profissionais que ali estavam”. Um grupo de pais moverá “ação de responsabilidade contra a Polícia Federal, assegurada pela lei 4.898 por abuso de autoridade dirigida ao delegado”, como conta Bianca Barbosa, mãe de um menino matriculado no NDI. “Isso não pode acontecer de novo. As crianças frequentam o bosque”, lembrou Bianca. “Os policiais foram avisados que tinha duas instituições com criança perto do bosque e mesmo assim não reavaliaram a ação. Quem era para trazer segurança, ameaça”, desabafou a professora Ligia Santos. Bianca Bertoli bertolibianca@gmail.com


16 | CONTRA CAPA Matheus Vargas/Zero

“Aqui PM não entra”

Ocupação de ideias

“Ocupem a reitoria!” A fumaça das explosões se espalhava e ecoavam os tiros de borracha da ação policial quando os primeiros gritos repetidos de “ocupa a reitoria!” surgiram no Bosque. Em minutos, estudantes tomaram o prédio, ainda com olhos vermelhos do gás de pimenta e expondo ferimentos trazidos do conflito. O movimento ganha força e nome: Levante do Bosque, e uma página no Facebook é criada para reunir relatos e imagens. No fim do dia, barracas foram montadas e comissões definidas para viabilizar a ocupação, como de limpeza, comunicação e debate sobre opressões. Duas decisões foram acordadas: a proibição da entrada da imprensa e a não depredação do prédio. Um pequeno grupo considerou ilegítima a assembleia e o prédio amanheceu com frases na parede, como “desmilitarização já!” e “Rose lendas” - trocadilho com o nome da reitora. Na noite seguinte, surgiu a proposta de redigir uma nota para mostrar que as pixações desrespeitavam a decisão coletiva. “Tu é polícia agora pra criminalizar pixação?”, ouviu-se no meio da plateia. A nota não foi aceita pela maioria. Pluraridade e repetição de ideias Em geral, o conteúdo das falas nas assembleias se repetia, com o acrésci-

mo da citação do nome do grupo político que o ocupante representava. Votações como a de desocupar a reitoria tiveram de ser refeitas na última reunião, que durou mais de cinco horas. Cada proposta era alterada por vários ocupantes, como uma lei que recebe centenas de emendas. Com o decorrer do movimento, semblantes ficaram cansados e as vozes mais roucas. Os olhares despertavam quando o tema era “fora PM do campus” ou algum escracho à atual gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Movimento organizado Serviços básicos funcionavam para garantir a permanência: o local se manteve limpo o suficiente para ficar por lá o tempo que fosse preciso. O panelão de comida preparado por servidores técnico-administrativos, em uma cozinha improvisada ao lado do setor de informações, dava

Havia o temor de infiltrados e contrários ao movimento no prédio da reitoria conta de matar a fome. O cardápio variava de sopão à carreteiro, incluindo massa. As placas dos banheiros que separavam homens e mulheres foram retiradas. A equipe de Comunicação transformou a sala de protocolos em redação da fan page do Levante do Bosque, com mais de seis mil curtidas no Facebook. Documentos da burocracia universitária ficaram intactos. A polêmica bandei-

ra vermelha subiu no mastro na manhã de quarta-feira. A bandeira que havia antes, do Brasil, foi retirada por um servidor ao final do expediente do dia anterior, como de costume.

das dos alunos contrários, acompanhadas com humor pelos ocupantes. A reitoria foi esvaziada na sexta-feira à tarde. A imagem que marca o fim do movimento é da bandeira que representa a pluralidade do Levante no topo da universidade, ao lado da

Cultura contra repressão O documento de reivindicações dos alunos obtido em assembleia não resume os dias na reitoria. O Levante do Bosque foi espaço de diversas interações políticas e culturais. Da fogueira na grama, ao lado do mastro, ouvia-se reggae; em volta dos sofás, formavam-se rodas de conversa sobre opressão de gênero e raça; na madrugada de quarta-feira, ao mesmo tempo da assembleia, o grupo acompanhava a execução perfeita de choros de Heitor Villa-Lobos no violão, compartilhando bebida y otras cositas más; a banda Circo Quebra Copos tocou em frente a reitoria na quinta-feira à noite. Em qualquer momento, um cachorro entrava no prédio e deitava no colchão. Em qualquer instante, ouvia-se o choro ou riso de uma criança, filho de ocupantes. Tensão e desconfiança Era latente o temor de que agentes infiltrados ou pessoas contrárias ao movimento rondassem a ocupação. Na sexta-feira, estudantes foram até a reitoria para hastear a bandeira nacional, em ato simbólico contra o Levante do Bosque. Os ocupantes se uniram em cordão humano, bloqueando a entrada do prédio. Como combinado, não houve tumulto. Os ocupantes até colaboraram com o outro lado: chamaram reforço da Prefeitura Universitária para recolocar a bandeira nacional no mastro. Antes, houve duas tentativas frustra-

O Levante do Bosque foi espaço de política, com instantes de ócio, arte e cultura bandeira nacional. Alguns ocupantes saíram descontentes. Pediam mais debates sobre opressões de gênero e raça: “essa luta não me representa”, falavam na última assembleia. Já os mais tradicionais no movimento estudantil, consideraram vitoriosa a estada na reitoria. Mateus Vargas mateusbandeiravargas@gmail.com

Ocupação acabou na sexta-feira

Mateus Vargas/Zero

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nidos contra a violência policial, mas em constante desacordo quanto ao propósito do movimento, estudantes com diversos perfis políticos e culturais ocuparam a reitoria durante quatro dias e três noites de longos debates.

Mateus Vargas/Zero

Bastidores de conflitos e debates entre manifestantes durante os quatro dias de protesto

, abril de 2014

Parte dos alunos considerou ilegítima decisão de não pixar o prédio


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