Alimentar Sinergias - Recomendações às Partes Interessadas

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Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional


O presente documento resulta de um trabalho realizado no âmbito do Projeto «Integrar para Alimentar», promovido pela Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, em parceria com a Direção Geral de Saúde e o Instituto Superior de Agronomia. O projeto foi cofinanciado através do Programa Cidadania Ativa, da Fundação Calouste Gulbenkian, com fundos do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (Islândia, Liechtenstein, Noruega). O Programa Cidadania Ativa é um instrumento de apoio às Organizações Não Governamentais (ONG), em vigor entre 2013 e 2016 e financiado pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu. A sua gestão está a cargo da Fundação Calouste Gulbenkian, selecionada através de concurso público lançado em 2012. O documento faz parte integrante de um vasto conjunto de recomendações de política pública com o objetivo de promover uma melhor integração de políticas setoriais para o desenvolvimento de uma Estratégia Nacional e Estratégias Locais de Segurança Alimentar e Nutricional. Estas recomendações resultam de um processo colaborativo que envolveu a consulta a mais de 1400 Instituições Públicas e Privadas e cerca de 2300 cidadãos residentes em Portugal, bem como da revisão da literatura, realizada pelo autor, e da análise de documentação legal relevante efetuada pela equipe do Projeto. Exceto quando afirmado explicitamente o contrário, as opiniões expressas no documento apenas obrigam o autor. Agradeço a colaboração da equipe do projeto Integrar para Alimentar e de outros colaboradores da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, nomeadamente: Ana Santana – Técnica de Políticas Públicas do projeto Integrar para Alimentar Pedro Krupenski – Diretor de Desenvolvimento da Oikos e colaborador do projeto «Integrar para Alimentar» José Luís Monteiro – Técnico de Projetos. Oikos – Cooperação e Desenvolvimento Marisa David – Comunicação e Marketing. Oikos – Cooperação e Desenvolvimento

Um Agradecimento especial à Direção-Geral de Saúde, na pessoa do Prof. Doutor Pedro Graça, Coordenador do Programa Nacional Para a Alimentação Saudável (PNPAS) e o Instituto Superior de Agronomia, na pessoa do Prof. Doutor José Lima Santos, que contribuíram com sugestões e recomendações metodológicas em momentos chave, em especial na conformação dos instrumentos de consulta e inquérito realizados pelo projeto.

Autor: João Nunes José Fernandes (Fernandes, J.J.N.,2016), Coordenador Nacional do Projeto «Integrar para Alimentar» e Presidente do Conselho Diretivo da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento Favor Citar: Fernandes, J.J.N., 2016. Segurança Alimentar e Nutricional – Recomendações às Partes Interessadas. Projeto Integrar para Alimentar – Conhecimento, Saúde e Sustentabilidade. Projeto cofinanciado através do Programa Cidadania Ativa, da Fundação Calouste Gulbenkian, com fundos do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (Islândia, Liechtenstein, Noruega). Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, janeiro 2016. 2


|ÍNDICE | APRESENTAÇÃO ___________________________________________________________ 4 1.

O Direito Humano à Alimentação Adequada no Contexto do Direito Internacional ___ 9

1.1

Antecedentes e processos de construção ______________________________________ 9

1.3

Conteúdo Normativo _____________________________________________________ 10

1.2

2.

Instrumentos Vinculantes e Não Vinculantes ___________________________________ 9

Portugal e o Direito à Alimentação ________________________________________ 14

2.1

O Direito à Alimentação na Constituição da República Portuguesa _________________ 16

2.3

Relação entre Direito à Alimentação, Segurança alimentar e Sustentabilidade _______ 20

2.2

Relação do Direito à Alimentação com outros Direitos Humanos __________________ 19

_________________________________________________________________________ 42

3. 4.

5. 6.

Contexto e Vantagens dos Sistemas Alimentares Locais e Circuitos Curtos _________ 43

3.1

Conceitos _______________________________________________________________ 48

4.1

O Papel das Instituições Públicas na Promoção de Dietas Saudáveis e Sustentáveis ___ 54

A Contratação Pública e As Compras Locais _________________________________ 54

4.2

Oportunidades a explorar na transposição das diretivas europeias ________________ 56

Sistemas Alimentares Locais e Política Pública: Recomendações _________________ 62

Referências ___________________________________________________________ 65

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

2.4 Recomendações para consolidação e operacionalização do Direito Humano à Alimentação Adequada _________________________________________________________ 39

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| APRESENTAÇÃO A presente publicação reúne as principais recomendações do projeto «Integrar para Alimentar: Conhecimento, Saúde e Sustentabilidade» (IpA), promovido pela Oikos – Cooperação e Desenvolvimento. O projeto foi implementado entre Fevereiro de 2014 e Janeiro de 2016, em parceria com a Direção-Geral de Saúde, através do Programa Nacional para a Alimentação Saudável (DGS/PNPAS), e do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa (ISA-UL). O Projeto «Integrar para Alimentar» (IpA) foi cofinanciado através do Programa Cidadania Ativa, da Fundação Calouste Gulbenkian, com fundos do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (EEA Grants). O Programa Cidadania Ativa é um instrumento de apoio às Organizações Não Governamentais (ONG), em vigor entre 2013 e 2016 e financiado pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (EEA Grants), estabelecido pela Islândia, Liechtenstein e Noruega. A sua gestão ficou a cargo da Fundação Calouste Gulbenkian, selecionada através de concurso público lançado em 2012. O projeto «Integrar para Alimentar» (IpA), teve os seguintes objetivos: - Objetivo global: contribuir para a criação de uma estratégia integrada de alimentação em Portugal, através da integração de políticas públicas setoriais relevantes (agrícola, educativa, social, económica, ambiental e saúde) de modo a influir na qualidade, equidade, segurança e sustentabilidade do consumo de alimentos da população portuguesa. - Objetivo específico: desenhar e facilitar um processo multistakehoder de forma a promover a criação de uma estratégia integrada de alimentação, como política pública. Ao nível dos impactos societários do projeto, consideramos que ele contribuiu, com conhecimento, ações colaborativas e recomendações de política pública, para reforçar a integração de políticas setoriais (agrícola, educativa, social, económica, ambiental e saúde) em função de uma Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional, sob a liderança do PNPAS/Direção-Geral de Saúde, parceiro do projeto. O IpA influenciou políticas públicas de âmbito local, procurando contribuir para a conformação de estratégias municipais de segurança alimentar e nutricional. Em concreto 16 municípios (mais 13 em discussão) e três Comunidades Intermunicipais, formalizaram já o compromisso de implementação progressiva de medidas em seis áreas concretas (Quadro de Ação do Pacto de Milão): - Governança; - Dietas e nutrição sustentáveis; - Igualdade social e económica; - Produção alimentar; - Distribuição alimentar; - Desperdício alimentar. O IpA contribuiu para o DL 85/2015 que estabelece o regime jurídico aplicável aos mercados locais de produtores. Contribuiu ainda com propostas de melhoria dos seguintes Projetos de Lei: nº13/XIII/1ª (PEV); nº 58/XIII/1ª (BE); nº66/XIII/1ª (PAN); nº71/XIII/1ª (PS). Estes projetos, em debate na especialidade, têm em comum a promoção de produtos locais certificados (sobretudo biológicos) nas cantinas e refeitórios públicos. Paralelamente a este esforço de influência legislativa e de políticas públicas, o IpA participou, em parceria com outras Organizações Sociais, no lançamento das bases para a Rede Nacional de Associação para a Manutenção da Agricultura de Proximidade (AMAP), que visa melhorar a sustentabilidade social e ambiental dos padrões de produção e consumo. De realçar ainda o diálogo com o Instituto da Segurança Social ao nível da configuração-piloto de um instrumento de transferências monetárias que garanta um

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Gráfico 1: Legislação por Setor de Política Pública (n=767) Sistema alimentar, Nutricional e Cultural; 115; 15%

Mandato Politico; 213; 28%

Saúde Preventiva; 210; 27%

Recursos Naturais e Ambiente; 25; 3%

Segurança social; 155; 20%

Economia; 43; 6%

Educação; 6; 1%

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rendimento adequado a uma alimentação saudável a famílias carenciadas, em consequência da colaboração do IpA com o projeto do “Rendimento Adequado” do ISEGUL. A publicação que agora apresentamos reúne dois conjuntos coerentes de recomendações, organizadas em duas partes: - Parte I: Recomendações com origem nos compromissos nacionais em torno do Direitos Humano à Alimentação Adequada; - Parte II: Recomendações com relevância particular para as entidades que operam nos sistemas agroalimentares locais. No seu conjunto, as recomendações fornecem um contributo decisivo para a integração das políticas públicas em torno de uma estratégia nacional de segurança alimentar e nutricional de que o país carece. A presente publicação deve ser lida em complementaridade ao livro em edição pelo Instituto Superior de Ciências Sociais, intitulado «Integrar para Alimentar: Conhecimento, acesso à alimentação e políticas públicas em Portugal». Aquela publicação académica resulta de uma colaboração da Oikos, dos da Direção Geral de Saúde, do Instituto Superior de Agronomia, do Instituto de Ciências Sociais e do Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa. Neste livro, a Oikos apresenta um conjunto de recomendações técnicas e científicas, coligidas no âmbito do projeto IpA, de apoio aos decisores públicos no âmbito do (i) desenho de programas e projetos de segurança alimentar e nutricional; (ii) do apoio ao consumo saudável, ambientalmente sustentável, economicamente justo e socialmente responsável. Para as recomendações agora apresentadas, foi efetuado um percurso metodológico que passou pela: - (i) análise documental da imprensa escrita e da legislação, relacionada com a temática da segurança alimentar e nutricional, entre 2000 e 2015. (Gráfico 1 e 2). - (ii) Revisão da literatura científica sobre Segurança Alimentar e Nutricional. - (iii) auscultação de entidades públicas e privadas identificadas como “Partes Interessadas” (stakeholders) no âmbito da Segurança Alimentar e Nutricional, bem como de cidadãos de mais de dois mil cidadãos residentes em Portugal (Gráfico 3). - (iv) Diálogos colaborativos, em seminários, workshops, conferências e Comunidades de Prática (Gráfico 4).

Fonte: Elaboração própria. Projeto Integrar para Alimentar. Janeiro 2016.

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Gráfico 2: Notícias por Setor (n= 552) Mandato Politico; 52; 9%

Sistema alimentar, Nutricional e Cultural Saúde Preventiva

Recursos Naturais e Ambiente; 42; 8% Segurança social; 29; 5%

Economia; 10; 2%

Educação; 10; 2%

Sistema alimentar, Nutricional e Cultural; 149; 27%

Educação

Economia

Saúde Preventiva; 260; 47%

Segurança social

Fonte: Elaboração própria. Projeto Integrar para Alimentar. Janeiro 2016. Gráfico 3: Entidades Fonte de Informação Primária (n=650) Administração Autónoma do Estado ; 77; 12%

Sociedade Civil ; 224; 34%

Empresas; 31; 5% Ensino Superior ; 13; 2%

Administração Direta Do Estado ; 10; 2% Administração Indireta do Estado ; 28; 4%

Ensino Públicos Ou Privados ; 267; 41%

Fonte: Elaboração própria. Projeto Integrar para Alimentar. Janeiro 2016.

Notas: - Administração Autónoma do Estado - Ex.: Câmaras Municipais; Secretarias Regionais - Administração Direta Do Estado - Ex.: Direções Gerais e Secretarias de Estado - Administração Indireta do Estado - Ex.: Unidades de Saúde - Estabelecimentos De Ensino Públicos Ou Privados - Ex.: Escolas Secundárias - Instituições De Ensino Superior - Ex.: Universidades e Institutos - Empresas - maioritariamente do setor agroalimentar - Sociedade Civil - Ex.: ADL, IPSS, ONG

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Adicionalmente, o projeto auscultou 2385 cidadãos em torno de temas de política pública, relacionados com a Segurança Alimentar e Nutricional, e no âmbito de temáticas mais operacionais como sejam as suas preferências e comportamentos enquanto agentes económicos e consumidores. Gráfico 4: Participação e Organização de Eventos Aplicação de questionários; 1; 3% Oradores; 10; 30%

Participantes; 17; 52%

Aplicação de questionários

Oradores

Organizadores; 5; 15%

Organizadores

Participantes

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Fonte: Elaboração própria. Projeto Integrar para Alimentar. Janeiro 2016.

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1. O Direito Humano à Alimentação Adequada no Contexto do Direito Internacional Nesta introdução ao Direito Humano à Alimentação Adequada, no Contexto do Direito Internacional, feita no âmbito do Projeto «Integrar para Alimentar», seguimos de perto um Caderno de Trabalho sobre o «Direito à Alimentação», publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO, 2014i).

ANTECEDENTES E PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO

Dentro dos instrumentos jurídicos internacionais, os tratados de direitos humanos constituem uma categoria especial que se caracteriza, entre outros aspetos, pelo facto de as pessoas surgirem como os titulares dos direitos e os Estados como os titulares das obrigações. A primeira grande cristalização internacional do pensamento jurídico em matéria de direitos humanos foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948, após os horrores da II Guerra Mundial. A Declaração consagra o direito humano à alimentação no contexto do direito a um padrão de vida adequado. Declaração Universal dos Direitos Humanos, Art. 25.1: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis…” Por não ter a natureza jurídica de um tratado, a Declaração Universal foi posteriormente desenvolvida através de dois pactos, cujos efeitos são vinculantes para os Estados que os ratificaram: um sobre os direitos civis e políticos e outro sobre os direitos económicos, sociais e culturais (PIDESC – Pacto Internacional Sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais). O direito à alimentação é um dos direitos do segundo tipo.

1.2

INSTRUMENTOS VINCULANTES E NÃO VINCULANTES

Os instrumentos internacionais vinculantes impõem obrigações jurídicas aos Estados que os ratificaram, os quais se obrigam a assegurar a aplicação efetiva do acordo em causa a nível nacional. Eles revestem a forma de tratados, pactos ou convenções.

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1.1

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1.1.1 PRINCIPAIS INSTRUMENTOS VINCULANTES QUE CONTEMPLAM O DIREITO À ALIMENTAÇÃO -

Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979) Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) Vários instrumentos regionais sobre direitos humanos

Os instrumentos internacionais não vinculantes fornecem orientações e princípios e impõem obrigações morais aos Estados signatários, mas estes não estão juridicamente obrigados a cumprir estas disposições. Apesar disso, têm contribuído significativamente para o desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos. Eles revestem a forma de declarações, recomendações ou resoluções.

1.1.2 PRINCIPAIS INSTRUMENTOS NÃO VINCULANTES QUE CONTEMPLAM O DIREITO À ALIMENTAÇÃO -

Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome e Desnutrição (1974) Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial (1996) Diretrizes Voluntárias em apoio à realização progressiva do direito à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional (2004).

1.3

CONTEÚDO NORMATIVO

O direito humano à alimentação está consagrado no PIDESC – Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, com uma dupla vertente: o direito fundamental de estar ao abrigo da fome e o direito a uma alimentação adequada. Pacto Internacional Sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Art.11:

“1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas destinadas a assegurar a realização deste direito reconhecendo para este efeito a importância essencial de uma cooperação internacional livremente consentida.

2. Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de todas as pessoas de estarem ao abrigo da fome, adotarão individualmente e por meio da cooperação internacional as medidas necessárias, incluindo programas concretos: 1. Para melhorar os métodos de produção, de conservação e de distribuição dos produtos alimentares pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo desenvolvimento ou a reforma dos regimes agrários, de maneira a assegurar da melhor forma a valorização e a utilização dos recursos naturais;

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2. Para assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentares mundiais em relação às necessidades, tendo em conta os problemas que se põem tanto aos países importadores como aos países exportadores de produtos alimentares.” O direito de estar ao abrigo da fome, intimamente ligado ao direito à vida, é considerado uma norma absoluta, o nível mínimo que deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente do grau de desenvolvimento alcançado pelo Estado. O direito a uma alimentação adequada é muito mais amplo, uma vez que implica a necessidade de constituir um ambiente económico, político e social que permita às pessoas alcançar a segurança alimentar pelos seus próprios meios.

O Comentário Geral nº 12ii ao PIDESC define o conceito de direito à alimentação, como: “O direito a uma alimentação adequada é realizado quando cada homem, cada mulher e cada criança, só ou em comunidade com outros, tem física e economicamente acesso a qualquer momento a uma alimentação suficiente ou aos meios para obtê-la.” O Comité considera que conteúdo essencial do direito a uma alimentação adequada compreende: - A disponibilidade de alimentação isenta de substâncias nocivas, aceitável numa cultura determinada, em quantidade suficiente e de uma qualidade própria para satisfazer as necessidades alimentares do indivíduo. - A acessibilidade ou possibilidade de obter essa alimentação de modo duradouro e que não restrinja o gozo dos outros direitos humanos. 1.1.3.1 COMPONENTES DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO Ainda seguindo co Comentário Geral nº 12, do Comité DESC das Nações Unidas, são cinco as componentes fundamentais do DHAA, a saber: - Disponibilidade. Compreende a possibilidade de alimentar-se diretamente a partir da terra ou de outros recursos naturais, ou através de um sistema eficaz de distribuição, processamento e comercialização que encaminhe os alimentos do local de produção até às pessoas que deles necessitam. - Estabilidade. É necessária estabilidade no fornecimento de alimentos; a disponibilidade de alimentos deve ser garantida de maneira estável ao longo do tempo em cada lugar. - Acessibilidade. Todas as pessoas devem ter acesso, tanto em termos económicos como físicos, a alimentos suficientes e adequados. Implica, portanto, que as despesas inerentes à aquisição dos alimentos necessários para uma dieta alimentar adequada sejam tais que não ponham em risco a satisfação de outras necessidades básicas. - Sustentabilidade. A gestão dos recursos naturais deve ser feita de forma a assegurar a disponibilidade de alimentos em quantidade suficiente não só para as gerações presentes, mas também para as gerações futuras. - Adequação. A alimentação disponível deve ser suficiente e nutritiva para satisfazer as necessidades alimentares das pessoas, livre de substâncias nocivas e aceitável para a cultura do grupo humano ao qual o indivíduo pertence.

1.1.4 OBRIGAÇÕES DOS ESTADOS

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1.1.3 CONCEITO DE DIREITO À ALIMENTAÇÃO

As obrigações em matéria de direitos humanos têm de ser cumpridas principalmente pelos Estados. No que diz respeito ao direito à alimentação, podemos identificar vários tipos de obrigações que se referem à adoção das medidas necessárias para a realização

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progressiva deste direito, sem que se verifiquem discriminações, respeitando-o, protegendo-o e realizando-o, inclusivamente através da cooperação e assistência internacional. 1.1.4.1 OBRIGAÇÃO DE ADOTAR MEDIDAS

Os Estados têm a obrigação de adotar medidas deliberadas e concretas para alcançar a realização progressiva e plena do direito à alimentação, devendo assegurar, pelo menos, os níveis mínimos essenciais para que as pessoas estejam ao abrigo da fome. Estas medidas podem ser de vários tipos: legislativas, administrativas, económicas, financeiras, educacionais ou sociais. Para tal, eles devem usar o máximo de recursos disponíveis, garantindo que os recursos que podem ser investidos na prossecução deste objetivo não sejam desviados para outras áreas. No que diz respeito à obrigatoriedade de adotar medidas, aplica-se o chamado «Princípio da Não Regressão». Os Estados podem avançar progressivamente na ampliação da proteção do direito humano à alimentação, na medida em que a disponibilidade de recursos o permita. Ainda que o PIDESC não lhes imponha a obrigação de avançar a um determinado ritmo e com prazos específicos, os Estados não podem retroceder, ou seja, não podem diminuir o nível de proteção já alcançado, pois isso, geralmente, constitui uma violação do direito à alimentação. 1.1.4.2 OBRIGAÇÃO DE NÃO DISCRIMINAÇÃO

O princípio da não discriminação é um dos elementos fundamentais do direito internacional em matéria de direitos humanos. O seu caráter universal significa que são aplicáveis a todas as pessoas sem que se possam estabelecer quaisquer condições ou limitações por motivos de raça, cor, sexo, língua, religião, nascimento ou qualquer outra condição social. Especialmente importante é a necessidade de garantir a igualdade entre homens e mulheres no gozo do seu direito à alimentação. Esta obrigação de não discriminar é de aplicação imediata e não está subordinada à realização progressiva. 1.1.4.3 OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR, PROTEGER E REALIZAR

A obrigação de respeitar exige que os Estados não adotem medidas que tenham por resultado impedir, limitar ou privar as pessoas da possibilidade de se alimentarem pelos seus próprios meios. A obrigação de proteger exige que os Estados adotem medidas específicas, legislativas ou de outro tipo, que regulem as atividades de terceiros, a fim de garantir que estas não tenham um impacto negativo no exercício do direito à alimentação de algum setor da população. A obrigação de realizar implica que os Estados devem adotar medidas positivas para: - Promover o exercício do direito à alimentação, implementando políticas e programas para melhorar a capacidade das pessoas para se alimentarem a si próprias; - Tornar efetivo o exercício do direito à alimentação, fornecendo alimentos diretamente às pessoas ou grupos que, por razões fora do seu controle, não podem alimentar-se pelos seus próprios meios, garantindo, no mínimo, que ninguém padece de fome no país; e - Promover o conhecimento pleno dos direitos humanos – em particular, do direito à alimentação – por parte dos agentes e funcionários do Estado e por parte do setor privado.

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1.1.4.4 OBRIGAÇÃO DE COOPERAÇÃO E ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL

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Tanto a cooperação como a assistência internacional são fundamentais para a realização do direito de todas as pessoas a uma alimentação adequada. Os Estados devem absterse de adotar medidas que possam interferir com a possibilidade de outro Estado realizar o direito à alimentação dos seus habitantes. Em nenhuma circunstância se poderá utilizar os alimentos como forma de pressão politica, condicionar a ajuda alimentar a determinadas questões económicas ou políticas, estabelecer embargos comerciais que impeçam os alimentos de chegar a outro país, nem impor sanções que afetem o abastecimento de alimentos à população. A obrigação de cooperar também implica que os Estados cujos recursos são extremamente limitados devem solicitar ajuda internacional quando esta seja necessária para evitar que se verifique uma situação de fome.

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2. Portugal e o Direito à Alimentação A segurança alimentar é um conceito baseado em necessidades e que define uma meta a ser alcançada através de políticas e programas. O direito à alimentação é um conceito de natureza jurídica, no qual existem titulares de direitos (as pessoas) e titulares de obrigações (os Estados).

Portugal ratificou o PIDESC, o qual constitui o principal tratado internacional que reconhece o direito à alimentação. Em consequência, o nosso país submete-se periodicamente – cada 4 ou 5 anos – a um Exame Periódico Universal (EPU) sobre os seus progressos em matéria de direitos humanos. Neste processo o Governo deve elaborar um relatório a ser apresentado e explicado perante o Conselho de Direitos Humanos. A mais recente revisão foi concluída em 2014. No âmbito do relatório apresentado pelo Governo Português - cuja redação final aceite pela ONU é de 2013, e do documento de informação adicional em Setembro de 2014 (UN-CESCR, 2014iii), são efetuadas várias referências relevantes para o Direito à Alimentação. Transcrevemos aqui, os parágrafos do relatório referentes ao Direito à Alimentação: «190. Como membro da União Europeia (UE), no âmbito da sua Política Agrícola Comum (PAC) Portugal promove a competitividade das explorações agrícolas e da sua sustentabilidade, tendo em conta os condicionalismos existentes em muitas partes do seu território. Agricultores portugueses têm acesso a instrumentos de política para corrigir falhas de mercado que podem contribuir para tornar a produção agrícola menos atraente nessas regiões. Embora Portugal tenha um saldo comercial negativo de produtos agrícolas, a produção é, conduto, promovida em todo o país, permitindo que os consumidores possam satisfazer as suas necessidades alimentares. Além disso, as regras de funcionamento do mercado interno da UE prever mecanismos para realocar produtos agrícolas e alimentares entre Estados-Membros, quando necessário. 191. Em 2005, o Programa Nacional contra a Obesidade foi lançado para diminuir a prevalência de pré-obesidade e reduzir o crescimento da obesidade. Em 2007, o sector da saúde, consciente da dificuldade de abordar este problema sozinho, criou a Plataforma Nacional contra a Obesidade, uma medida estratégica com o objetivo de criar sinergias intersectoriais, tanto a nível do governo e da sociedade civil. Um dos objetivos da Plataforma foi criar e disseminar materiais de educação nutricional, particularmente dietas saudáveis materiais relacionados.» Estes dois parágrafos referem-se, fundamentalmente ao período anterior a 2011. Com efeito, nesse mesmo ano foi criado o primeiro Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), coordenado pela Direção Geral de Saúde e parceiro do projeto «Integrar para Alimentar».

O PNPAS foi criado pelo Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de Dezembro, com a finalidade de melhorar o estado nutricional da população, incentivando a disponibilidade física e económica dos alimentos constituintes de um padrão alimentar saudável e criar as condições para que a população os valorize, aprecie e consuma integrando-os nas suas rotinas diárias, como um dos oito programas nacionais de saúde prioritários a desenvolver pela Direção-Geral da Saúde. O Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável pressupõe cinco objetivos gerais: 1. Aumentar o conhecimento sobre os consumos alimentares da população portuguesa, seus determinantes e consequências.

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2. Modificar a disponibilidade de certos alimentos, nomeadamente em ambiente escolar, laboral e em espaços públicos. 3. Informar e capacitar para a compra, confeção e armazenamento de alimentos saudáveis, em especial aos grupos mais desfavorecidos. 4. Identificar e promover ações que incentivem o consumo de alimentos de boa qualidade nutricional de forma articulada e integrada com outros sectores, nomeadamente da agricultura, desporto, ambiente, educação, segurança social e autarquias. 5. Melhorar a qualificação e o modo de atuação dos diferentes profissionais que, pela sua atividade, possam influenciar conhecimentos, atitudes e comportamentos na área alimentar. (DGS, 2012iv) Para atingir os cinco objetivos gerais, o PNPAS propõe um conjunto de atividades distribuídas em seis grandes áreas:

b) A modificação da oferta de determinados alimentos (com elevado teor de açúcar, sal e gordura), controlando o seu fornecimento e vendas nos estabelecimentos de ensino, de saúde, nas instituições que prestam apoio social e nos locais de trabalho e incentivando a maior disponibilidade de outros alimentos como a água, frutos ou hortícolas frescos, o incentivo a ações de reformulação nutricional dos produtos alimentares através de uma ação articulada com a indústria alimentar e com o sector da restauração alimentar, ou ainda através de outras atividades que possam influenciar a disponibilidade alimentar, tendo em conta os conhecimentos e consensos científicos mais recentes; c) O aumento da literacia alimentar e nutricional e a capacitação dos cidadãos de diferentes estratos socioeconómicos e etários, em especial dos grupos mais desfavorecidos, para as escolhas e práticas alimentares saudáveis e o incentivo de boas práticas sobre a rotulagem, publicidade e marketing a produtos alimentares;

d) A identificação e promoção de ações transversais com outros sectores da sociedade, nomeadamente da agricultura, desporto, ambiente, educação, autarquias e segurança social deverá permitir, entre outros, promover a adoção de um padrão alimentar mediterrânico, suscetível de incentivar o consumo de alimentos de origem vegetal, sazonais, nacionais, com recurso a embalagens ou meios de transporte que reduzem a emissão de poluentes, desenvolver ferramentas eletrónicas que permitam o planeamento de menus saudáveis, de fácil utilização e economicamente acessíveis com informação dos preços para indivíduos e famílias e, desenvolver uma rede a nível autárquico de monitorização de boas práticas e projetos na área da promoção da alimentação saudável para os munícipes;

e) A melhoria da formação, qualificação e modo de atuação de diferentes profissionais que podem influenciar consumos alimentares de qualidade, nomeadamente ao nível da saúde escolar, autárquico, na área do turismo e restauração ou da segurança social; f) A melhoria dos métodos de intervenção e articulação dos diferentes profissionais e estruturas que lidam com o fenómeno da obesidade (DGS, 2012). Contudo, o PNPAS – por si só –, não é um programa especificamente orientado para algumas das questões mais relacionadas com o acesso à alimentação, particularmente pelas famílias que vivem na pobreza. Deste modo, o Governo Português foi instado a

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

a) A agregação e recolha sistemática de indicadores do estado nutricional, do consumo alimentar e seus determinantes ao longo do ciclo de vida, a avaliação das situações de insegurança alimentar e, a avaliação, monitorização e divulgação de boas práticas com o objetivo de promover consumos alimentares saudáveis ou protetores face à doença a nível nacional;

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atualizar o relatório e prestar informação adicional ao Comité de Direitos Humanos da ONU, face à necessidade de mitigar as medidas de austeridade introduzidas pelo Programa de Assistência Financeira (Troika) em 2011. Entre as medidas que então foram reportadas e que são mais diretamente relevantes para o direito à alimentação, constam o Programa de Emergência Social (PES) - mencionando um gasto social estimado em 630 milhões de euros para cerca de 3 milhões de pessoas. Mais concretamente é referida a Rede Solidária de Cantinas Sociais.

De acordo com a informação recentemente veiculada pela Agência LUSA, no primeiro semestre de 2015, “estavam em vigor 843 protocolos e o total de refeições contratualizadas foi de 47.826 refeições por dia”, sendo o valor pago pelo Estado de 2,50 euros por refeição. No total, foram servidas até 30 Junho cerca de 8,6 milhões de refeições, nas 843 cantinas sociais espalhadas pelo país. Em 2014 estavam em vigor 845 protocolos para as cantinas sociais em todo o território continental e o total de refeições contratualizadas com as instituições foi de 49.024 refeições por dia. A maioria das cantinas está localizada no distrito de Lisboa (126), seguindo-se Santarém (113), Portalegre (60), Braga (58), Leiria (47), Faro (46), Porto, Beja e Setúbal (cada uma com 42), Aveiro (41), Viseu e Coimbra (ambas com 40), Guarda (33), Vila Real (26), Viana do Castelo e Évora (ambas com 23), Castelo Branco (22) e Bragança (19)” (LUSA, 2015v).

Ora, a questão que se pode colocar é a de saber se, por muitos méritos que tenha e dignos de louvor todos quantos dedicam a suas vidas a esta ação, o Programa de Emergência Social e o formato de atuação da Rede de Cantinas Sociais respeita a obrigação da “Não Regressão” e o princípio do “Empoderamento”, que o Estado Português deve respeitar e seguir. Antes, porém, de efetuarmos as nossas recomendações de melhoria de política pública ao nível do acesso económico à alimentação, vamos perceber quais são, de facto, as obrigações do Estado Português face ao Direito à Alimentação, no âmbito do nosso ordenamento jurídico.

2.1

O DIREITO À ALIMENTAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

A proteção dos direitos humanos através da Constituição é a forma mais eficaz de proteção jurídica, já que esta é considerada a lei fundamental ou suprema do país, o que implica que todas as leis nacionais devem respeitar as suas disposições, e que em caso de conflito prevalecem as normas constitucionais. As Constituições normalmente incluem uma declaração dos direitos humanos fundamentais que orientam e limitam a ação do Governo. Algumas incluem o reconhecimento do direito à alimentação, ainda que de diferentes formas. Fundamentalmente, o reconhecimento pode distinguir-se entre explícito ou implícito.

2.1.1

RECONHECIMENTO EXPLÍCITO

O reconhecimento do direito à alimentação de forma explícita na parte substantiva da Constituição garante que o direito à alimentação será levado em conta em todas as áreas de atuação do Estado que afetem o exercício desse direito, sempre que as autoridades

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públicas e os tribunais nacionais tenham um profundo conhecimento das disposições constitucionais e as apliquem no seu trabalho quotidiano. A Constituição pode prever a possibilidade de reivindicar o direito à alimentação através de um processo judicial, incluindo a apresentação de recursos individuais perante o Tribunal Constitucional. As Constituições podem reconhecer explicitamente o direito à alimentação como um direito humano individual de todas as pessoas (por exemplo, Bolívia, Equador e África do Sul) ou de um segmento específico da população (por exemplo, na Colômbia é reconhecido para as crianças). Um exemplo que aqui trazemos é o da Constituição da Nicarágua. No seu Art.º 63, a Constituição da Nicarágua afirma que é direito dos nicaraguenses estar ao abrigo da fome. O Estado promoverá programas para assegurar uma adequada disponibilidade de alimentos e a distribuição equitativa dos mesmos. Noutros casos, o direito à alimentação inclui-se de forma explícita no reconhecimento de direitos mais amplos:  Direito humano a um padrão de vida adequado, que inclui a alimentação entre os seus componentes (Bielorrússia e Moldávia); e  Direito ao desenvolvimento, incluindo o acesso à alimentação (Malawi).

RECONHECIMENTO COMO PRINCÍPIO ORIENTADOR DAS POLÍTICAS DO ESTADO

Em muitos países as Constituições não fazem referência explícita ao direito à alimentação nas suas disposições substantivas, mas este é mencionado nos seus princípios orientadores, os quais são declarações de princípios que definem os objetivos e as principais orientações das políticas do Estado, muitas vezes correspondentes aos valores da sociedade. Estes princípios fornecem orientações para a ação do Governo, especialmente no âmbito socioeconómico. As consequências decorrentes da incorporação do direito à alimentação entre os princípios orientadores das políticas do Estado em vez de incorporá-lo na secção sobre direitos fundamentais dependem, em grande parte, da visão adotada pelos juízes e autoridades governamentais. Se o direito à alimentação é considerado como um objetivo a ser alcançado, a sua força jurídica dilui-se face aos casos em que ele é considerado um direito individual que deve ser respeitado, os quais poderiam criar condições favoráveis para que os tribunais desempenhem um papel mais ativo na sua defesa.

2.1.3

RECONHECIMENTO IMPLÍCITO DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA

Proteção Implícita do Direito à Alimentação

A Constituição Portuguesa reconhece o Direito à Alimentação de forma implícita, em vários artigos que passamos a enunciar. Artigo 59º (Direito dos Trabalhadores) «1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; (…) e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego.»

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

2.1.2

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Artigo 64º (Saúde) «1. O direito à proteção da saúde é realizado: b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.» Princípios Orientadores da Política de Estado «Artigo 9º (Tarefas fundamentais do Estado): d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais; Artigo 81º (Incumbências Prioritárias do Estado): a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável.» Estatuto Nacional das Obrigações Internacionais

«Artigo 8º (Direito Internacional) 1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. Artigo 16º (Âmbito e sentido dos direitos fundamentais). 1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional. 2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.»

A Constituição Portuguesa não reconhece explicitamente o direito à alimentação, apesar de estar implícito na necessidade de o Estado Português promover o bem-estar social e económico, a qualidade de vida, em especial das pessoas mais desfavorecidas. Está também implícito no direito à saúde. A Constituição Portuguesa prevê também os meios necessários ao acesso à alimentação, através da retribuição de trabalho e da assistência material em situação de desemprego involuntário, com o objetivo de garantir uma existência condigna. O ideário da Constituição vai além da referência à vida saudável e à qualidade de vida; de facto afirma a necessidade de garantir a melhoria “sistemática” das condições de vida digna ao longo de todo o ciclo de vida (infância, juventude e velhice). Afirma ainda que tal deve ser efetuado através da «efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais». De notar que a Constituição está longe de apelar a uma mera “responsabilidade social” ou “Solidariedade Social”. Finalmente, mas mais importante, a Constituição Portuguesa, ao reconhecer as Obrigações Internacionais e a interpretação dos Direitos Fundamentais (explicitados na Constituição), em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não deixa margem para dúvida de que o Estado Português está obrigado ao Artigo 25º daquela Declaração e ao artigo 11º do PIDESC. Mais, o Estado Português obriga-se a uma abordagem baseada nos direitos humanos como forma de garantir o bem-estar e a qualidade de todos os cidadãos. Obriga-se, igualmente, a fazê-lo no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento sustentável. Em Portugal, qualquer abordagem à segurança alimentar e nutricional deverá ter em consideração uma abordagem baseada nos “direitos humanos económicos, sociais, culturais e ambientais”; a sua inserção numa

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2.2

RELAÇÃO DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO COM OUTROS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e estão relacionados entre si sem que nenhum deles tenha prioridade sobre o outro. Pelo facto de a alimentação ser uma realidade multidimensional, existem estreitas relações entre o direito à alimentação e outros direitos humanos, como por exemplo: 

O direito à água, pois esta faz parte da dieta alimentar e é necessária para produzir e cozinhar os alimentos;  O direito de propriedade, em particular à propriedade da terra e a outros recursos produtivos necessários para produzir os alimentos;  O direito à saúde, já que a adequada utilização biológica dos alimentos é condicionada pelo estado de saúde da pessoa e pela possibilidade de acesso a cuidados básicos de saúde; e  O direito ao trabalho e a uma remuneração justa que permita à pessoa satisfazer as suas necessidades básicas, entre as quais a alimentação.  O direito à educação, como instrumento de empoderamento e construção da autonomia necessária ao exercício dos direitos. Princípios “PANTHER” dos Direitos Humanos O acrónimo PANTHER corresponde às iniciais Inglesas dos princípios aqui enunciados (Participation, Accountability, Non-Discrimination, Transparency, Human Dignity, Empowerment e Rule of Law). - Participação. As pessoas e os grupos podem participar de forma ativa, livre, efetiva e significativa nas decisões que se repercutem nas suas vidas, particularmente na capacidade de se alimentarem pelos seus próprios meios. - Prestação de contas. As autoridades são responsáveis perante os seus superiores e perante as pessoas a quem devem ajudar, podendo estas impugnar

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

estratégia de desenvolvimento sustentável; a necessidade de garantir uma vida saudável e o respeito pelos instrumentos do direito internacional e sua interpretação. Mediante esta leitura, o projeto «Integrar para Alimentar» recomenda ao Estado Português, incluindo todos os níveis de Governo (Nacional e Local), uma especial atenção a um quadro que permita estruturar a “Governança da Segurança Alimentar e Nutricional» de modo a garantir o Direito à Alimentação em estreita articulação com os Direitos conexos económicos, sociais, da educação e cultura, da saúde e do ambiente. Ao fazê-lo, deverá ter em atenção o dever de «não regressão» do patamar de bem-estar e condições de vida alcançado, e os princípios “PANTHER”, da Participação, Prestação de Contas, Não-discriminação, Transparência, Dignidade Humana, Empoderamento e Estado de Direito. Ora, nos últimos anos, particularmente desde 2010, muitos dos nossos concidadãos perderam o emprego e as fontes de rendimento e, com essa quebra, a capacidade de acesso económico à alimentação. Mesmo quando lhes é garantida a assistência alimentar, frequentemente, o Estado Português não respeita nem fez respeitar os princípios do “Empoderamento” e da “Dignidade Humana”. Para aplicar este princípio, não é suficiente a existência de uma Rede de Cantinas Sociais, ou a realização de campanhas de recolha de alimentos junto da Grande Distribuição ou da Restauração; é necessário que o Estado proporcione às pessoas os espaços e meios de Poder para escolher, influenciar e controlar as decisões que afetam as suas condições de vida, nomeadamente aquelas que dizem respeito a uma alimentação adequada e de acordo com as suas preferências alimentares.

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seja o processo como o conteúdo das decisões que afetam as suas condições de vida. Não Discriminação. Não podem existir limitações ao direito à alimentação por razões de raça, sexo, religião, etc. Isso, porém, não afasta a necessidade de, em determinadas circunstâncias, tratar certas pessoas ou grupos de forma diferente do resto. Transparência. O Governo deve assegurar que as informações sobre as atividades realizadas e sobre as políticas, leis e orçamentos elaborados no quadro do direito à alimentação são publicadas numa linguagem acessível à população e divulgadas através dos meios adequados. Dignidade Humana. As autoridades devem assegurar que as medidas que afetam as condições de vida das pessoas e a sua capacidade de exercer o direito à alimentação são tomadas de modo tal que se respeite o valor absoluto que uma pessoa tem simplesmente por causa da sua condição de ser humano, não em virtude da sua condição social ou de prerrogativas especiais. Empoderamento. As autoridades devem proporcionar às pessoas os espaços e meios de Poder para escolher, influenciar e controlar as decisões que afetam as suas condições de vida. Estado de Direito. O Governo exerce a sua autoridade de forma legítima e em rigorosa conformidade com as leis aprovadas e publicadas, respeitando os procedimentos estabelecidos para a sua aplicação.

2.3

RELAÇÃO ENTRE DIREITO À ALIMENTAÇÃO, SEGURANÇA ALIMENTAR E SUSTENTABILIDADE

O direito à alimentação surge como elemento constitutivo do próprio conceito de segurança alimentar e nutricional. Apresentamos brevemente o percurso histórico da evolução do conceito, baseando-nos em Berry et al. (2014vi).

O conceito de segurança alimentar sofreu uma evolução significativa nos últimos 50 anos. Nas suas primeiras formulações o enfoque estava na disponibilidade de alimentos; neste sentido, por exemplo, a Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome e Desnutrição (1974) falava da “criação de um sistema mundial de segurança alimentar que assegure a disponibilidade suficiente de alimentos a preços razoáveis em todo o momento, independentemente das flutuações e caprichos periódicos do clima e sem nenhuma pressão política ou económica”. Esta Declaração surgiu no contexto da World Food Conference de 1974. A definição oficia de SA estava então ligada ao “fornecimento de produtos alimentares básicos a todo o tempo, de modo adequado, a nível mundial, que permitam uma expansão sustentada do consumo de alimentos a fim de balançar as flutuações na produção e nos preços.”vii Apesar de a definição não mencionar os pilares da “utilização” ou da “estabilidade” assume-se que estes elementos pudessem estar implícitos na expressão “at all times”/em todo o tempo, a todo o momento. Uma melhor compreensão das grandes fomes, principalmente as ocorridas na África Subsariana e na Ásia, levou autores como o Nobel da economia, Amartya Sen a enquadrarem a fome como um resultado dos modelos de desenvolvimento, transitando do foco quase exclusivo da “oferta” (fornecimento/disponibilidade) para a consideração da “procura”. O prémio nobel da economia haveria de considerar a fome, não como mera carência de alimentos, mas a privação de um “entitlement” (direito) aos alimentos (Sem,

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1981viii). Ou seja, a segurança alimentar passa a ser percebida num contexto de “procura efetiva” – que deve ser satisfeita através do rendimento ou de meios equiparáveis – que permitam o “desenvolvimento como liberdade” (Sen, 2001ix).

A etapa seguinte foi despoletada pelo relatório do Banco Mundial sobre Pobreza e Fome (WB, 1986xi). Este documento introduziu a noção de “escala temporal” da segurança alimentar, distinguindo a insegurança crónica – associada aos problemas da pobreza – e insegurança alimentar aguda – transitória e provocada por desastres de causas naturais ou humanas. Em consequência o conceito de segurança alimentar passou a integrar o “acesso de todas as pessoas em todos os momentos a uma alimentação suficiente para uma vida ativa e saudável”. Em 1994, o Relatório do Programa de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (PNUD) sobre o Desenvolvimento Humano tinha-se de debruçado sobre as condições necessárias para garantir a segurança humana. Foram identificadas sete áreas críticas para alcançar este desígnio, a saber: alimentação, saúde, economia, comunidade, segurança política e ambiental (UNDP, 1994xii). Na mesma época as questões relacionadas com os direitos humanos começaram a incluir no debate o tema da segurança alimentar no quadro da segurança social (Drèze, J & Sem, A.,1989xiii).

A segurança alimentar é uma questão que vai da escala individual à escala global: é um problema individual; mas as políticas públicas orientam-se principalmente para a escala nacional, e a sua medição é mais eficaz quando efetuada ao nível dos agregados familiares, de modo a acomodar as preferências alimentares.

A segurança alimentar é um constructo multidimensional e multifacetado que em 1993 registava mais de 200 definições (Smith, M., et al., 1993xiv). Esta situação era claramente “insustentável” e refletia o facto de os estudos em torno da segurança alimentar serem, geralmente, enquadrados em contextos muito específicos e limitados. Numa tentativa de conferir maior coerência e clareza ao conceito e políticas de segurança alimentar, a Conferência das Nações Unidas sobre a Alimentação (1996), foi precedida por um conjunto de consultas internacionais (Clay. E., 2002xv; Saw, D.J., 2007xvi). Na Conferência de 1996, a segurança alimentar seria encarada a nível individual, familiar, nacional, regional e internacional. A segurança alimentar existe “quando todas as pessoas têm, a todo momento, acesso físico e económico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, a fim de levarem uma vida ativa e saudável” (FAO, 1996xvii). Desde 1998, a FAO edita um laboratório de monitorização, intitulado “Estado de Insegurança Alimentar no Mundo”. Neste relatório anual a nutrição começa a ser reconhecida em si mesma, independentemente dos requisitos dietéticos de energia e proteínas, com o reconhecimento progressivo do papel desempenhado pelos micro e macronutrientes.

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

Um entendimento mais profundo do funcionamento dos mercados agrícolas em condições de stress, bem como acerca da perceção que as populações mais vulneráveis e em risco de pobreza têm acerca do acesso à alimentação, esteve na origem de uma expansão do conceito de segurança alimentar proposto pela FAO, de modo a incluir a garantia de acesso aos alimentos disponíveis por parte das pessoas em situação de vulnerabilidade. Sen enfatizou o conceito de “entitlements” (direitos) dos indivíduos e famílias no que respeita à aquisição de alimentos de modo a evitar a insegurança alimentar e como objetivo de combate à fome. Este equilíbrio necessário entre oferta e procura na equação da segurança alimentar levou à redefinição do conceito de modo a “assegurar que todas as pessoas, em todo o tempo, têm acesso físico e económico aos alimentos básicos de que necessitam” (FAO, 1983x). Realçamento aqui o facto do requisito duplo do acesso “físico e económico”; o aceso físico ou económico, vistos individualmente, não são condição suficiente.

21


A definição de segurança alimentar foi melhorada no relatório de 2001: “A segurança alimentar é uma situação que existe quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico, social e económico a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva, que satisfaz as suas necessidades dietéticas e as preferências alimentares para uma vida ativa e saudável” (FAO, 2002xviii). Surge agora claramente o acesso “social”, não apenas físico (oferta) e económico (procura), reconhecendo que combater a pobreza é uma condição necessária mas insuficiente para garantir a segurança alimentar (FAO, 2012axix).

2.3.1

DEFINIÇÃO ATUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR: DOS PILARES PARA OS PERCURSOS

Em 2009 a terminologia “segurança alimentar e nutricional” tinha sido já adotada como referencial do Comité de Segurança Alimentar e um dos objetivos estratégicos da FAO. A mais recente revisão formal da definição de segurança alimentar data da Cimeira Mundial da Segurança Alimentar, realizada em 2009. Nesta cimeira, no quadro de afirmação de Cinco Princípios para uma Segurança Alimentar Global e Sustentável”, foi adicionada uma quarta dimensão: a da “estabilidade” como indicador de curto prazo (proxy) para a habilidade dos sistemas alimentares enfrentarem os choques, desastres naturais ou provocados por ação humana (FAO, 2009xx). Esta quarta dimensão introduziu o conceito de “constância” (permanência) na abordagem à segurança alimentar.

A Cimeira também utilizou pela primeira vez a referência oficial aos “quatro pilares da segurança alimentar” (FAO, 2009), disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade). Contudo, a visualização de quatro pilares é uma representação equívoca do conceito, uma vez que as quatro dimensões não são estáticas ou dissociáveis, mas estão interrelacionadas e são interdependentes (Berry et al., 2014). Uma outra razão para evitar uma visualização da segurança alimentar dependente de quatro “pilares” prendese com a dificuldade de ponderação, isto é, de importância relativa a atribuir a cada um dos pilares (Dacancq, K., & Lugo, M.A., 2013xxi; Dobbie, M.J. & Daila, D., 2013xxii). De facto, nem todas as dimensões da segurança alimentar assumem igual importância, como sugerido pela imagem dos pilares. A importância relativa depende do contexto específico de cada pais e região. Na tentativa de medição da segurança alimentar, os países enfrentam desafios diferentes no seu percurso para garantir a segurança alimentar, pelo que não será apropriado atribuir a cada dimensão um peso relativo igualitário de 25% (Berry et al., 2014). Em alternativa à imagem dos pilares, uma analogia mais apropriada é a visualização de “caminho” ou “percurso” (path) tal como usada no Relatório sobre o Estado da Insegurança Alimentar no Mundo em 2013, mostrando as ligações entre produção de alimentos (disponibilidade), posicionamento dos agregados familiares (acessibilidade) e dos indivíduos (utilização). A acessibilidade está relacionada com meios físicos (infraestruturas, transportes) e recursos económicos (poder de compra de alimentos). Envolve também acesso e preferências socioculturais (Timmer, C.P., 2012xxiii), os seus efeitos na saúde (Marmot, M., et al., 2012xxiv) e, com eles, a importância da proteção social (FAO, 2012bxxv). A “estabilidade” realça a importância da dimensão temporal, embora de curto prazo, da segurança alimentar. O percurso para alcançar a segurança alimentar pode também ser considerado como circular, na medida em que existe um processo de retroalimentação (feedback loop) da utilização para a disponibilidade, na medida em que o capital humano depende de um estado nutricional ótimo da força de trabalho na agricultura e restantes setores produtivos (Berry et al., 2014).

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2.3.2

INTRODUZINDO A SUSTENTABILIDADE COMO PARTE INTEGRANTE DA SEGURANÇA ALIMENTAR

Durante os últimos anos tem vindo a impor-se o consenso em torno da relevância da sustentabilidade para a segurança alimentar (veja-se, por exemplo, Lang & Barling, 2013xxvii;Garnett, T., et. al., 2013xxviii); contudo, o seu posicionamento no quadro conceptual e operativo da segurança alimentar ainda não foi cabalmente definido. Poderá ser enquadrada nas dimensões de disponibilidade, para a sustentação da capacidade produtiva no longo prazo (Smith & Gregory, 2013xxix), e acesso, para a sustentabilidade de longo prazo do consumo. Alguns poderão considerar que a sustentabilidade representa uma extensão do quadro temporal da “estabilidade”, ou mesmo um substituto mais relevante daquela dimensão. Para outros, a sustentabilidade deverá ser considerada como uma quinta dimensão (Lang & Barling, 2013; UNEP, 2012xxx; Hanson, C., 2013xxxi) de modo a representar e monitorizar a capacidade de assegurar, no longo prazo, todas as restantes dimensões da segurança alimentar. A inclusão da sustentabilidade como quinta dimensão da segurança alimentar implicaria a consolidação de um enquadramento mais holístico em cada nível – global, regional, nacional, família e indivíduo. Permitiria também incluir, de forma mais abrangente, outras considerações importantes como: a sustentabilidade agrícola (FAO, 2013xxxii), a sustentabilidade económica (Smith & Gregory, 2013), e a sustentabilidade das dietas alimentares (Burlingame & Dernini, 2012xxxiii).

A sustentabilidade pode, de modo mais apropriado, ser considerada uma pré-condição para a segurança alimentar no longo prazo. O ambiente, e em especial um clima favorável e os recursos naturais, são condição essencial para a disponibilidade de alimentos e para a conservação da biodiversidade (Sperling & MacGuire, 2012xxxiv). Por sua vez, a sustentabilidade social e económica são condições indispensáveis para a garantia do acesso à alimentação. A sustentabilidade social é também um determinante para a utilização dos alimentos. Em conjunto, as três dimensões da sustentabilidade – social, económica e ambiental – também asseguram a estabilidade dos sistemas dos quais depende a constância das restantes dimensões da segurança alimentar. As relações são, contudo, recíprocas, na medida em que a segurança alimentar é cada vez mais considerada como condição para a sustentabilidade (Berry et al. 2014), como se pode visualizar na figura 1.

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

A evolução e apropriação histórica do conceito de “sustentabilidade” é, de algum, semelhante ao processo evolutivo da definição de segurança alimentar. Da aceitação do conceito comumente aceite de “desenvolvimento sustentável”, entende-se a sustentabilidade como a avaliação da robustez de um sistema através do tempo (“sem comprometer a habilidade das gerações futuras na satisfação das suas necessidades”) (UN, 1987xxvi). A segurança alimentar, no seu entendimento mais convencional, centrase nas pessoas, enquanto a sustentabilidade ambiental e ecológica se operacionaliza simultaneamente à escala local, nacional, regional e global.

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Fig.1: As Inter-relações entre Segurança Alimentar e Sustentabilidade Fonte: Adaptado de Berry et al. 2014. Contudo, todas as opiniões concordam que a sustentabilidade implica uma dimensão temporal de longo prazo (inter-geracional), já explicitamente incorporada nos Cinco Princípios de Roma para uma Segurança Alimentar Global e Sustentável (FAO, 2009). A dupla dimensão temporal da “estabilidade” e da “sustentabilidade”, no quadro da segurança alimentar, pode ser representada pela figura 2.

Fig. 2: A dimensão temporal da segurança alimentar: estabilidade de curto prazo (lado esquerdo); sustentabilidade de longo prazo (lado direito). Fonte: Adaptado de Berry et al. 2014.

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2.3.3

INDICADORES DE SEGURANÇA ALIMENTAR E SUSTENTABILIDADE

As primeiras tentativas de mensuração da segurança alimentar datam da pós-segunda guerra mundial; sob a liderança da FAO, os esforços orientavam-se para a medição da privação energética e deficiências proteicas. Porém, seria na Cimeira Mundial da Alimentação, realizada em Roma no ano de 1996, que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação seria formalmente responsabilizada para proceder à monitorização dos objetivos e metas estabelecidos no Plano de Ação – reduzir para metade o número de pessoas com subnutrição (fome) até ao ano de 2015. A monitorização seria realizada em termos de verificação da prevalência da subnutrição, ou seja, no valor paramétrico da FAO relativo à privação energética originalmente proposto por Sukhatme (1978xxxviii).

Elliot Berry e colegas (Berry et al. 2014) sugerem algumas estratégias complementares para a criação de uma bateria de indicadores, coerente, que incorpore a dimensão da sustentabilidade na monitorização da segurança alimentar. Uma das abordagens propostas passa pela análise das dietas sustentáveis, como contexto relacional para a segurança alimentar e a sustentabilidade dos sistemas alimentares. A tabela 1 (coluna da direita) é uma tentativa de listar alguns dos indicadores relevantes em matéria ambiental, tendo as agências internacionais ligadas à conservação do ambiente como principal fonte de informação. Este conjunto de indicadores em torno das dietas sustentáveis é pertinente para a integração do tema do consumo no contexto mais vasto de indicadores de sustentabilidade. Outra possibilidade que aqueles autores mencionam passa por complementar os indicadores de segurança alimentar com indicadores de sustentabilidade em todas as dimensões. Dada a importância da pobreza como fator gerador de insegurança alimentar, a dimensão social é, frequentemente, relativamente abordada nos indicadores mais utilizados para monitorização do estado de segurança alimentar. De facto, os indicadores de segurança alimentar podem ser considerados como bons indicadores para a dimensão social da sustentabilidade. Adicionar alguns indicadores relativos à dimensão ambiental poderá complementar um conjunto mais sólido de indicadores de segurança alimentar, especialmente quando focalizados na dimensão de disponibilidade e acessibilidade aos recursos naturais. São exemplo a disponibilidade e potencial da terra arável por habitante e a disponibilidade de água, que ajudaria à consideração das condições de longo prazo necessárias à preservação da segurança alimentar.

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

Um dos desafios concretos do exercício epistemológico e de classificação taxonómica da “sustentabilidade” no quadro da segurança alimentar prende-se como a necessidade de seleção de indicadores para estes conceitos e identificação de fontes que sirvam para o seu cálculo e verificação. Os indicadores necessitam de ser razoavelmente simples, objetivos, amplamente aceites e relativamente homogéneos nos territórios (espaço) e tempo. Indicadores de segurança alimentar necessitam de ser fidedignos, com cálculo repetível no tempo e no espaço, apesar dos constrangimentos de recursos frequentemente existentes. Precisam ainda de ser comparáveis e, como tal, disponíveis na maioria dos países. Contudo, não existe um acordo científico ou institucionalmente aceite em relação a uma bateria de indicadores de segurança alimentar de referência (Richardson, R.B., 2010xxxv; Runge & Gonzalez-Valero, 2011xxxvi; Pangaribowo, E.H, 2013xxxvii).

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2.3.4

DIETAS SUSTENTÁVEIS

As dietas sustentáveis, com toda a diversidade de características que integram este conceito, encaixam-se, de forma exemplar, como elemento constitutivo da sustentabilidade dos sistemas alimentares (Esnouf, C. et al., 2013xxxix; Tilman & Clark, 2014xl). As diretrizes ou orientações relacionadas com as dietas alimentares, emanadas de Entidades públicas nacionais, de Programas ou Conselhos de Saúde e Nutrição, dos países Europeus, focaram-se tradicionalmente nos impactos da alimentação na saúde humana (van Doren, c. et al., 2014xli). As recomendações da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2003xlii) para a adequação nutricional e dietas saudáveis são também representativas desta orientação. Contudo, durante as últimas décadas, a consciência de que os consumidores necessitam de viver, não apenas dentro dos constrangimentos do orçamento familiar, mas também no respeito pelos limites do “orçamento planetários” (Gussow, 1999xliii), tem vindo a aumentar. O primeiro esforço de sistematização entre as orientações para uma dieta saudável e a sustentabilidade, data de 1986, quando Joan Dye Gussow formulou as primeiras Diretrizes Nutricionais para a Sustentabilidade (Gussow & Clancy, 1986xliv): «Os consumidores necessitam de fazer escolhas alimentares que contribuam para a proteção dos recursos naturais».

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Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

Tabela 1: Compilação de Indicadores da FAO, com adição de outros indicadores que procuram integrar a sustentabilidade de longo prazo na segurança alimentar, com recurso ao exemplo das dietas sustentáveis. Segurança Indicadores de Indicadores de Sugestão de indicadores Alimentar SA da FAO sustentabilidad para as dietas (dimensão e (2013xlv) e adicionais sustentáveis* nível)  Pegada hídrica Disponibilidade  Pegada carbónica Regional  Pegada do Azoto  Biodiversidade  Adequação  Disponibilidade de solos do aráveis por habitante Disponibilidade fornecimento  Disponibilidade de água Ambiente Nacional de energia da (renovável/sustentável) dieta (média)  Média do valor da produção de Economia  Índice do Custo de Vida alimentos (Cost of Living Index)  Distribuição **, relacionado com o da energia da custo dos alimentos: dieta cereais, frutos, fornecida a hortícolas, peixe e partir dos carne. cereais,  Distribuição da despesa raízes e Acessibilidade dos agregados tubérculos Agregados familiares por  Média do Familiares grupo/rúbrica: fornecimento alimentação de proteína  Perda e desperdício  Média do alimentar (em termos fornecimento de uso adicional de de proteína recursos naturais) de origem animal  Percentagem  Proporção de refeições de estradas consumidas fora de casa pavimentadas  Proporção de refeições  Densidade da pré-peradas rede viária  Consumo de produtos  Índice de origem local e/ou doméstico de tradicionais (Produtos preços ao DOP ou similares, consumidor reconhecidos como  Prevalência Socioculturais alimentos tradicionais) da  Proporção de iniciativas subnutrição nos meios de comunicação social, relacionadas com a alimentação e os valores culturais  Literacia das mulheres e emancipação (empoderamento).

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Segurança Alimentar (dimensão e nível)

Indicadores de SA da FAO (2013   

Acesso à água Acesso ao saneamento básico Antropometria das crianças menores de 5 anos.

Indicadores de sustentabilida de adicionais

Sugestão de indicadores para as dietas sustentáveis    

Utilização Indivíduos

Nutrição e Saúde

 

Estabilidade Exposição/ Vulnerabilid ade

Estabilidade Choques

 

  

Consumo/ingestão de frutas e vegetais Diversidade da dieta alimentar Índice (score) da densidade dos nutrientes/qualidade nutricional Composição biodiversa dos alimentos e consumo Prevalência da atividade física Morbilidade/mortalidad e relacionada com a dieta alimentar: Doenças cardiovasculares, cancro, diabetes Índice Nutricional Global para a malnutrição: subnutrição, fome escondida e obesidade

Razão (ratio) da dependência de importações de cereais Valor da importação de alimentos sobre o valor total da exportação de mercadorias

Segurança alimentar dos grupos vulneráveis/grupos marginalizados ou excluídos

Estabilidade política e ausência de violência/terrorismo Variabilidade no nível do índice doméstico de preços Variabilidade no fornecimento de alimentos per capita.

Medidas da insegurança alimentar/custos das estratégias de sobrevivência (coping strategies)

Fonte: Adaptado de Berry et al. 2014. * Basado em FAO/Centre International de Hautes Etudes Agronomiques Méditerranéennes (2012xlvi) com adições. ** Este Índice pode ser substituído a nível de Europeu pelos denominados Orçamentos de Referência para a Alimentação, recentemente publicado para Portugal e disponível no

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No final da década de 90’, o autor encorajava a necessidade de “comer local” (Gussow, 1999), antecipando os atuais movimentos sociais e ambientalistas em torno do localismo e transição. Simultaneamente, defendia a promoção de uma alimentação “sustentável para todos”, fazendo eco do trabalho de organizações comunitárias, em Nova Iorque, em torno da “Justiça Alimentar”, ou seja, defendendo que o acesso a uma alimentação nutricionalmente e sustentável é, não apenas uma questão sociotécnica, mas uma questão de justiça social. Neste sentido, a sustentabilidade dos sistemas alimentares não é entendido apenas no domínio da conservação do ambiente, na redução dos impactos na depleção dos recursos naturais ou mesmo na “manutenção dos pequenos agricultores no negócio”. O sistema agroalimentar não pode ter uma dualidade de padrões: alimentos saudáveis, frescos e locais para os bem estabelecidos na vida, e alimentos baratos e industrialmente produzidos e processados para os pobres. Os «sistemas alimentares verdadeiramente sustentáveis serão aqueles que que permitirem a criação de bons empregos para todos os que trabalham na produção de alimentos e boa alimentação para todos os comensais» (Gussow, 1999: 199). O autor cita alguns dos militantes dos movimentos comunitários ligados à justiça alimentar, para concordar que a sustentabilidade da alimentação não é apenas uma questão ambiental, mas um elemento essencial à criação de bons empregos, à promoção da democracia e da real liberdade de escolha. Dito de outra forma, Gussow propõe um entendimento da “Criação de Comunidades Saudáveis” como não apenas como uma responsabilidade ambiental ou da melhoria da qualidade de vida, mas como um requisito de sustentação da democracia, das comunidades e das pessoas. É nesta senda que a Oikos apresenta e dinamiza em Portugal o “Pacto de Milão para uma Política Alimentar Urbana/Municipal3”, como instrumento de promoção da governança participativa dos sistemas alimentares, de fomento da economia local, de conservação do ambiente, da saúde nutricional e de um acesso á alimentação – físico e económico – ao abrigo do direito à alimentação de basado na defesa da dignidade e autonomia da pessoa humana.

No seguimento do trabalho pioneiro de Gussow, vários países europeus têm promovido a criação de Comissões especializadas para assessorar as políticas públicas nacionais no domínio das dietas “sustentáveis, como é o caso do Reino Unido (Reddy et al., 2009xlvii), Suécia (Livsmedelsverket, 2009xlviii), Alemanha (Gerlach et al., 2009), da Finlândia (Steering Group, 2010xlix) e da Bélgica (FRDO, 2011l). A nível internacional, um esforço de definição e promoção das “dietas sustentáveis” foi popularizado, em 2010, num relatório da FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação:

«As dietas sustentáveis são aquelas que têm um impacto ambiental mais baixo, que contribuem para a segurança alimentar e nutricional e para uma vida saudável das gerações presentes e futuras. As dietas sustentáveis são protetoras e respeitadoras da 1

Disponível em: http://ec.europa.eu/social/BlobServlet?docId=15023&langId=en

Informação sobre o projeto em curso está disponível em: http://www.rendimentoadequado.org.pt/ A versão original do Pacto de Milão, subscrita por mais de uma centena de cidades em todo o mundo, pode ser consultada em: http://www.foodpolicymilano.org/en/urban-food-policy-pact-2/ (último acesso em janeiro de 2016.

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

sítio web da Comissão Europeia1. O estudo foi coordenado pelo prof. José António Pereirinha (ISEG – UL), tendo como base diferentes tipologias de agregado familiar, na cidade de Lisboa. Este estudo será complementado pelos resultados, liderados pelo mesmo investigador, sobre o Rendimento Adequado em Portugal2, e que inclui outras rúbricas de despesas básica, como habitação, energia, água, vestuário, etc.

2 3

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biodiversidade e dos ecossistemas, culturalmente aceitáveis, acessíveis, economicamente justas e a preços razoáveis (affordable); nutricionalmente adequadas, seguras e saudáveis; ao mesmo tempo que otimizam os recursos humanos e naturais» (FAO, 2010:7li).

Esta definição concilia elementos de conservação da biodiversidade e dos ecossistemas, a noção de saúde nutricional, segurança dos alimentos, adequação cultural, acessibilidade e justiça económica, bem como a otimização dos recursos naturais e humanos. No mesmo relatório, Denis Lairon, à época Presidente da Federação Europeia das Sociedades de Nutrição e Professor na Universidade Aix-Marseille (França), propôs uma representação gráfica (Figura 3) do conceito de dietas sustentáveis incorporando as seguintes componentes: -

Saúde e bem-estar; Biodiversidade, ambiente e clima; Equidade e comércio justo; Alimentos amigos do ambiente, locais e sazonais; Habilidades e património cultural; Necessidades de alimentos e nutrientes, Segurança alimentar e acessibilidade.

Figura 3. Representação gráfica das componentes essenciais de uma dieta sustentável. Fonte: Lairon, D., 2010lii

Neste sentido, o consumo sustentável ou responsável implica a satisfação das necessidades pessoais sem para tal implicar impactos adversos nas vidas e nos potenciais de consumo das gerações presentes e futuras, em conformidade com os princípios da sustentabilidade (Agenda 21, 1992liii). Assim, o consumidor responsável será aquele que procura conciliar, de forma equilibrada, os ganhos económicos (em termos de utilidade pessoal) e os aspetos ecológicos e sociais ao longo de toda a cadeia de consumo, incluindo o final da cadeia (resíduos) (van Doren, c. et al., 2014; Terlau, W. & Hirsh, D., 2015liv). Entre as dietas consideradas mais sustentáveis, a Dieta Mediterrânica surge habitualmente como um modelo de sistémico a partir do qual desenvolver indicadores de sustentabilidade das dietas (Burlingame & Dernini, 2011lv; Dernini, S. et al, 2013lvi).

Com o objetivo de explorar o desenvolvimento de orientações nutricionais normativas, integrais e práticas, com base numa sinergia entre saúde e sustentabilidade, C. van Doren e colegas (van Doren C.. et al., 2014) avaliaram seis dietas para perceber quais os impactos na saúde e no ambiente da variação no consumo de produtos de origem animal, frutas, hortícolas, cereais e produtos energeticamente densos. As dietas em análise foram:

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1) VCP 1998 – Dieta Média Holandesa, determinada a partir de um inquérito nacional ao consumo de alimentos (VCP) em 1998 (TNO, 1998lvii).

2) DDG – Diretrizes Nutricionais Holandesas (Health Council, 2006lviii): estas diretrizes consistem num conjunto restrito de recomendações quantitativas de recomendações para uma nutrição adequada dos adultos, tendo como preocupação central conseguir ganhos de saúde. 3) Semi-vegetariana (50/50): Esta dieta é uma média entre a dieta nº2 (DDG) e uma dieta vegetariana convencional (dieta nº4). Trata-se de uma opção que poderá servir o propósito de garantir um compromisso entre sustentabilidade do consumo e apelo sensorial para a generalidade da população.

5) Dieta Vegan (ADA, 2009): Na dieta Vegan, o leite é substituído por bebidas enriquecidas com cálcio. Os produtos ricos em proteína estão alinhados com as opções vegetarianas, à exceção dos ovos que são substituídos por maior quantidade de leguminosas. O consumo de hortícolas (vegetais) é acrescido em 200 g, e os vegetais são enriquecidos com cálcio.

6) Dieta Mediterrânica (DM): Esta dieta é baixa em carne, tem um consumo elevado de peixe, frutos e vegetais, com menor recurso a extras, e óleos vegetais em substituição das gorduras de origem animal. Uma boa descrição quantitativa desta dieta foi publicada por Fidanza e Alberti (2005lx). Willett (2001lxi) publicou, em conjunto com a Oldways em 2009 aquela que é conhecida como a Pirâmide da Dieta Mediterrânica4. Um trabalho de consensualização de vários peritos dos países geograficamente influenciados por uma adoção tradicional da dieta mediterrânica, entre os quais Portugal, desenhou uma nova Pirâmide da Dieta Mediterrânica (Figura 4), e estabeleceu um referencial indicativo da quantidade de porções (diárias, semanais e ocasionais) dos alimentos e líquidos que integram este regime alimentar, sem contudo estabelecer as quantidades das porções de forma rígida. A descrição do processo de consensualização e da composição da DM pode ser consultada em Bach-Faig et al., 2011lxii.

Disponível em: http://oldwayspt.org/resources/heritage-pyramids/mediterranean-pyramid/overview (última consulta em 15 janeiro 2015)

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

4) Vegetariana convencional (ADA, 2009lix): uma dieta desenvolvida em consulta com membros da União Holandesa de Vegetarianos). Substituição do consumo semanal de carne pelos seguintes alimentos: 4 ovos, 1 porção de leguminosas (75g), 250 g de nozes, e 3 porções (300 g) de substitutos de carne prontos a comer, como seja o Tofu.

4

31


Figura 4: Pirâmide da Dieta Mediterrânica: um estilo de vida para os dias de hoje. Recomendações para a População Adulta. Fonte: Utilizamos aqui a figura na sua versão portuguesa, adotada pela Plataforma Portuguesa contra a Obesidade, coordenada pela Direção-Geral de Saúde5.

5

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Disponível em: http://www.plataformacontraaobesidade.dgs.pt/ (Última Consulta: 15 janeiro 2015)


Figura 5: Matriz com comparação dos scores na saúde e sustentabilidade ambiental das seis dietas estudadas, incluindo a dieta mediterrânica. Fonte: Doren C.. et al., 2014 Notas : Um score de 100 revela uma conformidade com as diretrizes nutricionais Holandesas e da Organização Mundial de Saúde (OMS); um score de 100% na sustentabilidade representa uma conformidade com uma meta de redução dos Gases de Efeito de Estufa em 20% e um objetivo de redução de 44% no uso dos solos.

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

De regresso ao estudo de van Doren (Doren C.. et al., 2014), podemos resumir os principais resultados em função do impacto das várias dietas na saúde humana e no ambiente, com a visualização da figura 5 e tabela 2:

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Tabela 2: Desempenho geral de seis dietas alimentares no âmbito da saúde e sustentabilidade ambiental Dieta

Score na Saúde

Índice de GEE

Dieta Média 75 80 Holandesa Diretrizes 105 90 Nutricionais Holandesas Semi103 96 Vegetariana Vegetariana 100 102 Convencional Vegan 118 123 Mediterrânica 122 96 Fonte: Adaptado de Doren C.. et al., 2014.

Índice do Uso dos Solos (UC) 56

Score de Sustentabilidade

89

90

100

98

115

109

137 107

130 102

68

Da análise destes dados, podemos concluir que a Dieta Mediterrânica (DM) é a que consegue um desempenho mais elevado no domínio da saúde, logo seguida pela Vegan. Em termos ambientais a dieta Vegan é a mais bem classificada, seguida pela vegetariana. Ainda assim, a DM apresenta um desempenho muito positivo, merecendo algumas medidas de melhoria em matéria de diminuição da emissão de GEE (índice 96, abaixo do referencial de 100).

Sendo a DM a referência cultural em Portugal é, sem margem para dúvida, mais aceitável para a generalidade da população do que as dietas Vegetariana ou Vegan, ainda que estas possam vir a ter uma crescente aceitação em alguns segmentos ambientalmente mais conscientes. Ao nível da saúde, o padrão de referência, no âmbito da comparação efetuada, é a dieta mediterrânica. A diminuição da pegada ambiental, em matéria de uso dos solos e de emissão de gases de efeito de estufa, pode ser obtida com medidas de eficiência de recursos, nomeadamente através da diminuição de uso de embalagens, nomeadamente na água potável, substituindo a água engarrafada pela água da rede pública, por maiores incentivos e organização de cadeias curtas agroalimentares, com poupanças energéticas e diminuição dos GEE pela menor utilização de transportes, e com desenvolvimento da agricultura urbana, ocupando solos com apetência para a produção agrícola e essenciais, entre outras coisas, para a gestão sustentável dos solos urbanos (permeabilização e prevenção de cheias, etc.).

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2.3.5

PORTUGAL E AS DIRETRIZES ALIMENTARES

Figura 6: Nova Roda dos Alimentos. Fonte: Direção-Geral de Saúde6 A Roda dos Alimentos é uma imagem ou representação gráfica que ajuda a escolher e a combinar os alimentos que deverão fazer parte da alimentação diária. A Roda dos Alimentos Portuguesa foi criada já em 1977 para a Campanha de Educação Alimentar “Saber comer é saber viver”. A evolução dos conhecimentos científicos e as diversas alterações na situação alimentar portuguesa conduziram à necessidade da sua reestruturação. A nova Roda dos Alimentos, criada em 2003, mantém o seu formato original, pois este é já facilmente identificado e associa-se ao prato vulgarmente utilizado. Por outro lado, e ao contrário da pirâmide, o círculo não hierarquiza os alimentos mas atribui-lhes igual importância. Figura retirada do Folheto Informativo sobre a Nova Roda dos Alimentos, disponível em: http://www.dgs.pt/promocao-da-saude/educacao-para-a-saude/areas-de-intervencao/alimentacao.aspx (Última consulta em 20 janeiro 2015).

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

Em Portugal, as orientações nutricionais oficiais, da responsabilidade da Direção-Geral de Saúde, são graficamente representadas pela chamada “Roda dos Alimentos” (figura 6).

6

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A nova Roda dos Alimentos, cujo primeiro Guia foi desenvolvido com apoio da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto e do Instituto do Consumidor, (FCNAUP, 2003lxiii), é composta por 7 grupos de alimentos de diferentes dimensões, os quais indicam a proporção de peso com que cada um deles deve estar presente na alimentação diária: -

Cereais e derivados, tubérculos – 28% Hortícolas – 23% Fruta – 20% Lacticínios – 18% Carnes, pescado e ovos – 5% Leguminosas – 4% Gorduras e óleos – 2%

A água, não possuindo um grupo próprio, está também representada em todos eles, pois faz parte da constituição de quase todos os alimentos. Sendo a água imprescindível à vida, é fundamental que se beba em abundância diariamente. As necessidades de água podem variar entre 1,5 e 3 litros por dia. Cada um dos grupos apresenta funções e características nutricionais específicas, pelo que todos eles devem estar presentes na alimentação diária, não devendo ser substituídos entre si. Um suporte científico da evolução da Roda dos Alimentos e indicação de Grupos de Alimentos e Porções para a População Portuguesa, pode ser consultado em Rodrigues, S. et al., 2006lxiv.

Mais recentemente, em complemento à Roda dos Alimentos, a Direção-Geral de Saúde, nomeadamente no âmbito do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), tem vindo a sensibilizar para a importância do “Padrão Alimentar Mediterrânico”, ou Dieta Mediterrânica, como promotor de saúde (PNPAS, 2016lxv). Este esforço enquadra-se na estratégia proposta pelo Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) e Direção-Geral da Saúde no seio do Grupo de Acompanhamento para a Salvaguarda e Promoção da Dieta Mediterrânica (GADM) criado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 71/2014. A DM é considerada como um produto da geografia e da história da região em que Portugal de insere. Deste modo, o Padrão Alimentar Mediterrânico é entendido, não no sentido restrito de um referencial nutricional, mas como o modelo ou a forma como as populações se relacionam com os produtos alimentares à sua disposição, moldando modos de produção, armazenamento, confeção e consumo, refletindo a relação da natureza com o ser humano e, em último grau, a sua cultura (Barros, V., et al., 2013lxvi; PNPAS, 2016). O DM em Portugal, sendo um modelo complexo de inter-relações entre sistemas alimentares, cultura e características socio-ambientais, pode, contudo, ser resumido ao respeito integral por dez princípios, a saber: - 01 Frugalidade e cozinha simples, tendo como base as preparações que protegem os nutrientes, como as sopas, os cozidos, os ensopados e as caldeiradas. - 02. Elevado consumo de alimentos de origem vegetal em detrimento do consumo de alimentos de origem animal, nomeadamente de produtos hortícolas, fruta, pão de qualidade e cereais pouco refinados, leguminosas secas e frescas e frutos oleaginosos. - 03. Consumo de alimentos de origem vegetal, produzidos localmente, frescos e da época. - 04. Consumo de azeite como principal fonte de gordura. - 05. Consumo moderado de laticínios. - 06. Utilização de ervas aromáticas para temperar em detrimento do sal. - 07. Consumo frequente de peixe e baixo de carnes vermelhas. - 08. Consumo baixo a moderado de vinho e apenas nas refeições principais.

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-

09. Água como principal bebida ao longo do dia. 10. Convivialidade à volta da mesa.”

Como podemos concluir por uma rápida leitura das diretrizes e orientações brevemente apresentadas, quatro são as lacunas principais, a saber: i) falta de institucionalização e operacionalização do direito à alimentação, particularmente em termos de acesso social e económico das famílias mais carenciadas, apesar dos progressos recentes no estudo da insegurança alimentar em Portugal; ii) inexistência de ima articulação entre normas para uma dieta saudável com a sustentabilidade alimentar dos padrões de produção e consumo; iii) ausência de integração de uma política institucional de alimentação que possa explorar externalidades positivas em matéria socioeconómica e ambiental, particularmente à escala local, com os benefícios para a saúde. Finalmente, mas não menos importante, à exceção das orientações e normas dirigidas aos profissionais da saúde e às escolas, estamos em presença de orientações para adoção voluntária, não existindo um quadro regulatório suficientemente forte para garantir uma aplicação efetiva à generalidade dos serviços alimentares das instituições públicas ou maioritariamente financiados pelo Estado. Tabela 3: Principais Orientações e Normas para uma Alimentação Saudável em Portugal Tipologia Programas e Orientaçõe s Estratégica s Orientaçõe s Gerais

Saúde Doença

e

Descrição PNPAS – Programa Nacional de Alimentação Saudável Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional para os países da CPLP

Local para consulta http://bit.ly/-pnpas

Roda dos Alimentos Tabela de Equivalentes Caracterização Alimentos Caracterização Nutrientes

http://bit.ly/rodalimentos http://bit.ly/TabelaEquv http://bit.ly/caralimentos http://bit.ly/caranutrient es http://bit.ly/DiMed http://bit.ly/principialsau de http://bit.ly/prevcancro http://bit.ly/aldiabetes http://bit.ly/al_saudeoral http://bit.ly/ccardio

Padrão Alimentar Mediterrânico Princípios Alimentação Saudável Alimentação e Cancro Alimentação e diabetes Alimentação e Saúde Oral Alimentação e doenças cérebrocardiovasculares Alimentação e Obesidade Alimentação e gravidez

http://bit.ly/esancplp

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

Do ponto de vista da saúde nutricional existe, em Portugal, uma razoável gama de orientações para orientar o comportamento alimentar dos cidadãos, em todas as fases da vida. No que respeita às instituições de restauração coletiva, sob gestão ou influência disciplinar pública, destaca-se um maior esforço efetuado no âmbito das refeições escolares. Sem pretender ser exaustivos, na tabela 3 resumimos as principais orientações relacionadas com a alimentação saudável, a grande maioria coordenadas ou com participação do PNPAS – Programa Nacional para a Alimentação Saudável, da Direção-Geral de Saúde.

http://bit.ly/alobesidade

37


Ciclo Vida

de

Orientaçõe s para Profissionai s de Saúde Alimentaçã o Escolar e Educação

Indústria Alimentar Situações de Emergência

Alimentação e Gravidez Alimentação ao Longo do Ciclo de Vida

http://bit.ly/algravidez http://bit.ly/Papabem

Educação Alimentar em Meio Escolar Orientações para Bufetes Escolares Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares Hidratação Adequada em Meio Escolar Sistema de Planeamento e Avaliação das Refeições Escolares

http://bit.ly/meioescolar http://bit.ly/bufetes http://bit.ly/ementasesco lares

Regulamentos e compromissos voluntários para a indústria alimentar e marketing alimentar Acolhimento de Refugiados: Alimentação e Necessidades Nutricionais em Situações de Emergência. Fonte: Elaboração própria

http://bit.ly/indalimentar

Processo Assistencial Integrado Avaliação Antropométrica no Adulto Aporte de iodo em mulheres na preconceção, gravidez e amamentação

http://bit.ly/assistencialin t http://bit.ly/antropometri ca http://bit.ly/IodoMulhere s

http://bit.ly/hidrataescola r http://bit.ly/Spare_tool

http://bit.ly/al-refugiados

Algumas das insuficiências da política pública de alimentação, deram já origem a movimentos da sociedade civil, como o Movimento 2020, promovido pela Associação Portuguesa de Dietistas, e que apresentou um conjunto de recomendações que avançam no caminho de uma maior integração das políticas de alimentação. Transcrevemos aqui as orientações subjacentes às recomendações apresentadas e que podem ser encontradas no sítio web do Movimento7. O Movimento começa por chamar à atenção que «Pensar em saúde alimentar dos portugueses é pensarmos a sociedade como um todo», continuando:       

7

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É apostar em ações destinadas a todos os grupos etários uma vez avaliadas as fragilidades ou necessidades alimentares/nutricionais específicas de cada um. É informar e capacitar a população para a adoção de hábitos alimentares saudáveis. É promover ambientes nutricionalmente saudáveis, quer seja em casa, na escola, no local de trabalho ou nas instituições. É envolver vários intervenientes sociais (decisores governamentais, autarquias, industria, instituições de ensino, organizações da sociedade civil entre tantos outros). É garantir que todos têm acesso físico e económico a uma alimentação nutritiva, saudável e em quantidade suficiente para atender suas necessidades e preferências para uma vida ativa e saudável. É rentabilizar os recursos naturais, favorecendo o consumo do produto nacional. É promover a saúde e prevenir o aparecimento das doenças crónicas não transmissíveis.

http://www.movimento2020.org/ (Última consulta em 20 de janeiro 2016)


É controlar a doença, quando já existente, e prevenir ou retardar o aparecimento de complicações tardias.

De ressaltar a recomendação de promover ambientes nutricionalmente saudáveis, o acesso físico e económico a uma alimentação nutritiva, saudável e de acordo às necessidades e preferências; o favorecimento da produção nacional.

2.4

RECOMENDAÇÕES PARA CONSOLIDAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA

Entre as recomendações que julgamos serem de maior relevância para uma eficaz garantia do direito à alimentação adequada em Portugal, destacamos: 1) A necessidade de criar uma Lei de Bases para a Segurança Alimentar e Nutricional que transponha para o ordenamento jurídico nacional o “Direito Humano à Alimentação Adequada” a que Portugal já se obrigou internacionalmente.

2) A pertinência de coordenação das políticas públicas nos setores da agricultura, ambiente, saúde, educação, economia e segurança social, no âmbito de uma Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (ESAN), com objetivos, metas e cabimentação orçamental.

3) A relevância de criar uma orgânica institucional que permita a cooperação entre sociedade civil, Ministérios, Administração Pública Setorial, Comunidades Intermunicipais e Autarquias, nomeadamente com recurso:  

Criação de um Grupo Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (GISAN), com mandato para coordenar políticas e alocar recursos do Orçamento de Estado e dos Fundos Europeus à Estratégia Nacional. Conselhos Municipais e/ou Intermunicipais de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) que articulem os Órgãos Eleitos das Autarquias, os Grupos de Ação Local, Conselhos Locais de Ação Social,

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

As recomendações do projeto «Integrar para Alimentar» partem da análise do enquadramento regulatório atualmente existente em Portugal, suas limitações, e recomendações de melhoria efetuadas nas consultas tidas com inúmeros cidadãos e instituições públicas e privadas. Subjacente está o desígnio comum de melhorar a saúde dos portugueses e a sustentabilidade social, económica e ambiental dos padrões de produção e consumo. Todo o processo de análise das atuais políticas públicas e de configuração das recomendações, têm como pano de fundo um quadro teórico (dimensão de “conhecimento” prevista no projeto) segundo o qual as mais promissoras estratégias para alterar comportamentos alimentares nos cidadãos são as dirigidas ao “ambiente da alimentação” (Seymour, J.D., et al., 2004lxvii;), ou seja, às instituições, infraestruturas e ambientes sociais que condicionam o acesso físico e económico a uma alimentação adequada (White, M., 2007lxviii; Larson & Story, 2009lxix).

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Representantes de Organizações de Produtores e Comerciantes, com especial atenção à Agricultura Familiar e Comércio de Proximidade e outras entidades relevantes, em especial da economia social. Órgão consultivo e voluntário. Os CONSEA municipais e/ou intermunicipais serão o órgão próprio para garantir a boa governança e articulação no âmbito da implementação do “Quadro de Ação” do Pacto de Milão. Conselho Nacional Estratégico de Segurança Alimentar e Nutricional (CESAN) com participação maioritária da Sociedade Civil, Academia e Autarquias Locais, e representação de todos os Ministérios do GISAN. Responsável pela articulação entre as comunidades locais e o Grupo Interministerial. Órgão consultivo, com duas instâncias: um Secretariado Permanente e um Fórum Plenário. Será a instância própria para o desenho de diretrizes de implementação e avaliação da ESAN, instrumentos de monitorização do direito à alimentação em Portugal, realizando também a articulação com os Poderes Legislativo, Executivo e Judicial, nomeadamente o Provedor de Justiça. Realizará um relatório anual com monitorização da ESAN e do Direito à Alimentação em Portugal, com propostas que robusteçam a ação do Estado, da Sociedade Civil e do Setor Privado neste domínio. O CESAN será ainda responsável pela articulação com o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP, de modo a fortalecer a ação de Portugal no âmbito da Cooperação para o Desenvolvimento nos domínios relevantes.

4) Incorporação da Adequação Sociocultural na conformação jurídica, institucional e operacional do Direito à Alimentação, articulando o “Direito Humano à Alimentação Adequada” com a promoção da “Dieta Mediterrânica e da Rode dos Alimentos”.

5) Desenho e Implementação de Diretrizes para uma Alimentação Saudável e Sustentável, aplicáveis obrigatoriamente em todas as instituições públicas (ex. escolas e hospitais) e equiparáveis (espaços de restauração convencionada, compras públicas ao nível do catering e serviços alimentares, respostas sociais financiadas maioritariamente por recursos públicos nacionais e europeus). É fundamental que estas diretrizes conjuguem elementos relacionados com a saúde nutricional, a sustentabilidade ambiental, o consumo alimentar de proximidade (agricultura de proximidade), o acesso físico, social e económico a toda a população, garantindo o exercício do direito à alimentação de forma autónoma e digna. Esta conjugação de elementos constitutivos das diretrizes será mais viável com o estabelecimento de políticas sociais que privilegiem as transferências monetárias para as famílias carenciadas e para as respostas sociais, garantindo o seu empoderamento, autonomia e emancipação, com ganhos a produção de externalidades socioeconómicas positivas nas comunidades locais, em detrimento do atual sistema de aprovisionamento em géneros, fortemente assistencialista, com enormes lacunas ao nível da saúde, da transparência e da pegada ambiental. 

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As Diretrizes para uma Alimentação Saudável e Sustentável devem ser adaptadas ao todo o ciclo de vida, e não apenas à vida adulta ou às refeições escolares, como hoje acontece nas iniciativas de promoção da dieta mediterrânica. Assim, deve ser tida em conta a necessidade de adaptação e adoção nas instituições de saúde (hospitais), nas instituições de ensino em todos os ciclos escolares (do pré-escolar à universidade), nas cantinas e serviço de refeição sob administração ou poder disciplinar das instituições públicas, e nas instituições de acolhimento dos Idosos, com financiamento ou regulação da Segurança Social.


As Diretrizes para uma Alimentação Saudável e Sustentável, deverão ser propostas como referencial de qualidade para a restauração privada e para o consumo alimentar das famílias e indivíduos, legitimando o Estado na adoção de instrumentos de política, seja ao nível da informação e sensibilização, da regulação ou da fiscalidade e economia.

6) Revisão das Normas de Contratação Pública, por ocasião da transposição da nova diretiva da União Europeia (terá de ser efetuada até 18 de abril de 2016), de modo a potenciar o papel das compras públicas de bens e serviços de alimentação, no apoio à agricultura familiar, comércio de proximidade, e na promoção da dieta mediterrânica, o que impactará positivamente a saúde dos cidadãos, a sustentabilidade ambiental e a economia nacional e local.

A definição de um Rendimento Adequado para uma Alimentação Saudável dos cidadãos e agregados familiares em Portugal. Exigirá a simplificação dos atuais sistemas de assistência alimentar e instrumentos de Transferências Sociais Monetárias. Uma via possível é criação de um Meio de Pagamento Eletrónico (ex. Cartão Pré-pago) parcialmente condicionado à satisfação de necessidades alimentares e higiene, privilegiando a compra na agricultura e comércio de proximidade. Em casos de necessidade de maior acompanhamento dos beneficiários, este meio de pagamento daria acesso às cantinas sociais e IPSS, que passariam a ter um papel subsidiário e mais orientado para pessoas e famílias com maiores exigências de acompanhamento.

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

7) Revisão das Políticas e Programas de Assistência Alimentar, de modo a modernizá-las, torná-las mais eficientes e orientadas para a autonomização e dignificação dos beneficiários, e para a criação de externalidades positivas, nomeadamente ao nível do apoio à economia local e diminuição da pegada ambiental. Propomos, designadamente:

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42


3. Contexto e Vantagens dos Sistemas Alimentares Locais e Circuitos Curtos

Os circuitos curtos agroalimentares enquadram-se na especificamente na prioridade 3 do PDR, relativo à promoção da organização de cadeias alimentares, incluindo a transformação e comercialização dos produtos agrícolas, o bem-estar animal e a gestão de riscos na agricultura, nomeadamente, melhoria da competitividade dos produtores primários mediante uma melhor integração na cadeia alimentar através de sistemas de qualidade, acrescentando valor aos produtos agrícolas e promovendo mercados locais e circuitos de abastecimento curtos, agrupamentos e organizações de produtores do sector agrícola e organizações interprofissionais e de como pode ser feita a ponte entre a prioridade 3 do PDR2020 e a medida 2.1.4 Ações de informação. De acordo com o último recenseamento agrícola de 2009, existiam em Portugal continental 278.114 explorações agrícolas, sendo que 75% são explorações com menos de 5 hectares.

A agricultura familiar encontra-se, regra geral, associada a explorações de reduzida dimensão física e de pequena e muito pequena dimensão económica - pouco especializadas ou não especializadas - frequentemente caracterizada pela pluriatividade e pelo plurirrendimento dos agregados familiares que apresentam custos de oportunidade baixos. Está particularmente presente nas regiões Norte, Centro e Algarve, corresponde à maioria dos agricultores, mas tem uma importância menor em termos de valor da produção e proporção da Superfície Agrícola Útil (SAU). Os seus contributos relativos, nomeadamente, em termos económicos e sociais são diferenciados em função das suas características: se as primeiras têm um importante papel em termos de competitividade da economia portuguesa, as pequenas explorações são essenciais numa ótica de conservação do ambiente e gestão dos recursos naturais, de preservação da ocupação humana e económica das zonas rurais e de inclusão social, representando ainda uma parte importante da oferta de bens agrícolas. Para manter um espaço rural económica e socialmente viável, é preciso atuar, em simultâneo, em diversas áreas fundamentais para a fixação da população nestas regiões. Tem de existir uma atuação a nível das atividades agrícolas e na diversificação das atividades económicas através do aumento de serviços, nomeadamente serviços relacionados com a atividade agrícola ou florestal, para que se consiga absorver/fixar o

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No presente capítulo abordamos, ainda que de forma sintética, a temática dos circuitos curtos agroalimentares em Portugal e de que forma estes, podem contribuir para o fortalecimento da agricultura, desenvolvimento rural, ambiente e sociedade portuguesa. O Regulamento (UE) n.º 1305/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de dezembro de 2013, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural, estabelece que o apoio no período de programação 2014-2020 se concentre em diferentes prioridades, fundamentais para o desenvolvimento sustentável das zonas rurais portuguesas, entre elas, o aumento sustentável da capacidade de gerar valor acrescentado do sector agroflorestal, e em particular do primário, em volume e em valor, da promoção de uma gestão eficiente dos fatores e proteção dos recursos naturais: solo, água, ar e biodiversidade e da criação de condições para a manutenção de um espaço rural económica e socialmente viável.

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capital humano presente nessas regiões. Um dos serviços que deve ser incentivado é a criação de cadeias de abastecimento curtas de alimentos, através da dinamização de mercados locais, venda porta-à-porta, vendas online de produtos da região, que têm caraterísticas diferenciadas de outros alimentos encontrados em grandes superfícies. De modo a promover a organização das cadeias curtas e a sua crescente competitividade é fundamental incentivar a procura de produtos locais por parte da restauração coletiva pública (Cantinas e Buffets escolares, serviços de alimentação e catering dos hospitais, outras cantinas públicas, e serviços de catering para eventos financiados maioritariamente por fundos públicos e equiparável (IPSS e Cantinas Sociais com apoios públicos). É também importante promover regulação e incentivos de mercado para que os serviços de restauração e alimentação (incluindo ambulante) em espaços públicos concessionados pela Administração central e local privilegiem a oferta de produtos locais aos seus clientes. As zonas rurais apresentam, igualmente, um conjunto de fragilidades particulares, cuja principal ameaça à sua sobrevivência está ligada ao despovoamento e envelhecimento, falta de investimento privado, incentivos públicos à fixação de população nessas regiões, insegurança alimentar e baixos rendimentos. Um aspeto particularmente importante é a ligação da população rural à atividade agrícola, verificando-se em 2009, que 7,5% da população residente em todo o território nacional desenvolvia trabalho nas explorações agrícolas da família.

O plurirrendimento, ou dependência de rendimentos exteriores à exploração agrícola por parte do agregado familiar dos produtores, é especialmente importante nas explorações de muito pequena ou pequena dimensão económica a que corresponde a normalmente designada agricultura familiar/pequena agricultura.

A importância da pequena agricultura, que em grande parte corresponderá ao modelo de agricultura familiar, é particularmente relevante se tivermos em conta que apesar das pequenas e muito pequenas explorações apenas representarem 38% da SAU, representam 94% do número de explorações e 80% das Unidades de Trabalho Ano (UTA), o que lhe confere obviamente um papel de enorme relevância na preservação das populações e na ocupação do território rural e das economias locais. Os benefícios da criação de circuitos curtos agroalimentares (CCA’s) nas regiões rurais estão bem documentados, e tanto o Governo Português como a Comissão Europeia, neste período de programação 2014-2020, destacam que esta deverá ser uma temática a explorar, incentivar e apoiar, para que a agricultura europeia se fortaleça e se torne cada vez mais competitiva. O decreto-Lei n.º 85/2015 de 21 de Maio apresenta claramente um passo no fortalecimento deste conceito de circuitos curtos agroalimentares, uma vez que estabelece que um dos objetivos estratégicos para a agricultura portuguesa é a garantia de transparência nas relações de produção - transformação – distribuição da cadeia alimentar e por outro lado, a promoção da criação e dinamização em todo o território português de mercados de proximidade, portanto, na criação de circuitos curtos agroalimentares.

O DL estabelece a criação de mercado de produtores, tanto físico como eletrónico, sinal que os circuitos curtos e que a venda direta por parte dos produtores está na agenda agrícola portuguesa e que deve ser incentivada. A abertura dada pela Comissão Europeia e a maior visibilidade deste conceito no PDR tem como consequência direta, uma maior linha de financiamento para a criação, fortalecimento e disseminação de iniciativas ligadas aos circuitos curtos, além da maior notoriedade.

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Em Portugal, o elevado número de pequenos produtores, a sua dispersão pelo território e as dificuldades de se organizarem para a comercialização, bem como o cumprimento das normas e legislação aplicável de natureza fiscal e de sanidade, contribuiu para que existisse uma mudança no mercado de produtos agroalimentares, levando a que atualmente ¾ das vendas de produtos agroalimentares estejam concentradas num número reduzido de grandes distribuidores. Esta evolução contribuiu, pequenos produtores, o explorações, a estagnação por cadeias logísticas mais

entre outras consequências, para a exclusão económica de abandono de áreas agrícolas, a queda no número de da economia rural e o aumento da pegada ecológica causada longas.

Apesar da abertura por parte da Comissão Europeia sobre esta temática, as políticas de apoio e estímulo à venda direta são muitas vezes condicionadas, ou desincentivadas, por políticas fiscais e normas sanidade e de higiene que dificultam a adesão e permanência dos produtores no mercado. Como referido existe um grau de flexibilidade principalmente relativo às normas de higiene e segurança alimentar a aplicar a esta forma de negócio. Cabe a cada Estado-Membro aplicá-las com maior ou menor rigidez. É notório que Portugal não tem sabido aproveitar o grau de flexibilidade que os EM podem exercer na implementação de algumas normas, designadamente as de higiene e sanidade alimentar e animal, quando comparado com outros países, onde estas normas são aplicadas de forma ligeiramente diferente como é o caso de Espanha ou Itália e, por isso, os produtores são mais competitivos e beneficiados.

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Os circuitos curto agroalimentar, são baseados na construção de uma imagem de produto ligado a um território específico e/ou modo de produção específico, projetando diretamente no consumidor um sentimento de tradição, família, saudade, muito ligado a tradições familiares e cariz sentimental. A regulação deste tipo de fileira ocorre num contexto local, que pode ser uma freguesia, um concelho ou mesmo um conjunto de concelhos do nosso país. Eventualmente pode ser mais amplo se considerarmos os produtos de denominação de origem e neste caso, o produto está ligado a uma área específica, mas poderá ser enquadrado numa fileira alimentar longa.

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Os principais impactos positivos na criação e fixação de circuitos curtos de abastecimento nas diferentes regiões são ao nível social, cultural, económico e ambiental. Tabela 4 - Principais vantagens dos Circuitos Curtos Agroalimentares Ambientais Económicos Sociais Culturais Sistemas de Valor acrescentado às Diversificação da produção produções locais oferta menos intensivos Menor Maior gama de Reforço da coesão Promoção da utilização de produtos oferecidos territorial preservação de recursos, espécies vegetais como água, eletricidade, combustível Menor Promoção do acesso Maior acesso a Promoção da emissão de dos pequenos produtos frescos, preservação dos gases com produtores a novos saudáveis e com sistemas efeito de mercados/ rastreabilidade tradicionais de estufa consumidores assegurada por parte produção, dos consumidores acondicionamento e transformação animal e vegetal Aumento da Menos necessidade de Contrariam o êxodo Promoção de uma conservação investimento na rural e a dieta diversificada e do solo exploração desertificação dos específica na região territórios Necessidades de acondicionamento, transformação, refrigeração e transporte menos intensas Não intensificação na mecanização das explorações Menor utilização de produtos fitofarmacêuticos/agroquímicos Maior transparência nas relações de produção - transformação – distribuição da cadeia alimentar Fonte: Elaboração Própria

Desta forma, a criação de circuitos curtos agroalimentares deverá ser apoiada e a informação deverá ser disseminada pelos produtores e interessados na temática. Tornase fundamental que toda a informação relacionada ao nível de legislação, portuguesa e europeia, inovação, modos de produção, iniciativas locais, incentivos/apoios à criação dos próprios circuitos curtos, chegue aos produtores. É importante salientar que os CCA’s não se opõem a outras formas de comercialização e que os grandes distribuidores continuarão a manter a sua cota de mercado, pois o que se verifica muitas vezes é um comportamento diferenciado por parte dos consumidores. Este tipo de comercialização funciona, sobretudo, como complemento aos circuitos dominantes. Todavia, a implantação deste tipo de sistemas locais/CCA reclama a existência de produtores/agricultores, associações de produtores, organizações agrícolas e Grupos de Ação Local (GAL) dinâmicos, criativos e competentes, uma boa comunicação entre todos os stakeholders dos territórios onde sejam implantados. Para que se construam relações duradouras e circuitos sólidos, é necessário tempo para alcançar o sucesso deste tipo de ações, uma vez que é necessário a construção de relações de confiança nas comunidades, agricultores e consumidores, relações democráticas e colaborativas entre

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os poderes locais, com liderança e um forte sentido de direção, responsabilidade e estabilidade. Para tal, tem de se considerar a diversidade e disparidade de situações que afetam as zonas rurais, as caraterísticas únicas de cada região rural - físicas, humanas, climáticas, hídricas, produtivas. É preciso ter em conta o tipo de beneficiários e os objetivos transversais que o país quer atingir no setor primário, como é o exemplo de a maior inovação no setor, maior foco no ambiente e na mitigação e adaptação às alterações climáticas. No caso de Portugal, que não está distante do caso europeu, a produção agrícola e agropecuária local é assegurada maioritariamente por agricultura de cariz familiar e/ou por pequenas empresas/explorações, assumindo uma importância na economia local e nacional, nomeadamente em termos de produtividade, emprego, inclusão social e na diminuição da dependência externa de alimentos.

As vendas diretas e as cadeias curtas agroalimentares, bem como a sua ligação à restauração coletiva pública e social, contribuem para valorizar e promover os produtos locais e, simultaneamente, estimular a economia local, criar emprego, reter valor e população no território rural português. Os territórios rurais podem ser atravessados por quatro tipos de fileiras, que se distinguem pela escala e natureza dos respetivos processos de regulação política e económica

Ao criar legislação de incentivo às compras públicas de produtos e serviços alimentares locais é fundamental que o legislador e a administração pública central e local, tenha em consideração a necessidade de promover um ambiente favorável, indo de encontro à mitigação das dificuldades de organização e crescimento dos CCA. Estas prendem-se, do lado do produtor, com regulação de produtos e preços ao longo do ano, formação e informação adequada, grandes dificuldades financeiras, de acesso à terra e de dar resposta às exigências sanitárias, de transporte e armazenamento dos produtos e do quadro fiscal aplicável a este tipo de agricultura.

Do ponto de vista do consumidor público os obstáculos são uma inadequada valoração dos custos totais dos produtos (incluindo a valoração económica das externalidades positivas e negativas, ambientais e sociais), a falta de informação relativamente a este tipo de agricultura e forma de venda. Acresce ainda a falta de inovação ao nível da agregação da oferta e da procura, o que constitui um obstáculo a uma relação direta entre produtores e consumidores, em especial os consumidores coletivos (restauração coletiva, como instituições sociais, escolas, etc.). Além disso, tal como mencionado, a viabilização da atividade agrícola é igualmente de grande importância pois permite a inclusão social ou a mitigação da pobreza (através da preservação de um tecido agrícola fragmentado em pequenas explorações) para muitas pessoas, muitas vezes idosas e com baixos níveis de educação, desempenhado um papel insubstituível no curto e médios prazos nesse domínio, dado o contexto de recessão económica e persistência de desemprego muito elevado atualmente existente.

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A extrema diversidade do espaço rural português, a aceleração dos processos de mudança no tipo de agricultura praticada em Portugal, são ambos geradores de oportunidades, mas também de contradições/adversidades, principalmente para os pequenos agricultores, agricultores familiares e agricultores de subsistência. É neste tipo de agricultores que reside a maior lacuna quanto ao conhecimento, mudança nos processos de produção, falta de informação e adaptação à inovação.

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3.1

CONCEITOS

O conceito de "produto agroalimentar local" não é fácil de definir de forma clara e precisa, dado tratar-se de um conceito com múltiplos significados. São vários os autores que se referem a este tipo de produtos designando-os de tradicionais, típicos, específicos, artesanais, qualidade, de qualidade específica, de qualidade particular, de qualidade superior, produtos da terra etc. As referências mais importantes associadas aos produtos agroalimentares locais articulam-se em torno de três noções fundamentais:

1) Território, usos locais e tipicidade do produto: as noções de usos locais

(tradição, saber- fazer, origem, anterioridade), de tipicidade (especificidade, diversidade, qualidade, identidade) e de território (fatores geográficos, históricos e culturais), estão intimamente ligadas;

2) Condições de produção: as condições de produção estão intimamente ligadas ao território e aos usos locais e conferem tipicidade ao produto, dizem respeito ao conjunto dos processos de fabrico do produto, que começa na delimitação da área geográfica de produção e engloba todas as etapas, da produção da matéria-prima à transformação do produto final e ao controle;

3) Reconhecimento: o reconhecimento do produto repousa sobre o conjunto das suas

condições de produção e tipicidade que conduz ao reconhecimento e ao funcionamento de uma qualificação, com consequências relativas à identidade e notoriedade do produto e à gestão e desenvolvimento das áreas rurais.

Portugal é predominantemente caraterizado por explorações agrícolas de dimensão muito pequena ou pequena, que estão dependentes de mão-de-obra familiar, dando-lhe um cariz de agricultura familiar num contexto de país desenvolvido. Não obstante, a caracterização do tecido de mão-de-obra no setor primário é familiar, mesmo nas explorações de grande dimensão. A mais recente recessão económica em Portugal veio evidenciar a grande capacidade de adaptação e resiliência que existe no setor primário português, pela enorme relevância na criação de emprego local e na garantia dos rendimentos familiares, verificando-se, um forte incremento de fixação de jovens empreendedores no setor, que trouxeram inovação, na forma de trabalhar a terra, técnicas de cultivo, branding, marketing, modelos de negócio. Salienta-se que, cerca de 80% dos alimentos produzidos em todo o mundo são produzidos e comercializados localmente. Na União Europeia, essa percentagem é de aproximadamente 20%. A hora de definir o setor primário como preponderante e altamente estratégico para o bem-estar das populações dos países é mais necessário do que nunca.

3.1.1

OS CIRCUITOS CURTOS

Como menciona o relatório do GEPVAL, a comercialização dos produtos agroalimentares locais efetua-se na maior parte dos casos em circuitos curtos, pelo que importa debruçarnos um pouco sobre este conceito. Embora esta definição não seja exaustiva nem definitiva, pode entender-se como "um modo de comercialização que se efetua ou por venda direta do produtor para o consumidor ou por venda indireta, com a condição de não haver mais de um

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intermediário". A ele se associa uma proximidade geográfica e relacional entre produtores e consumidores. A venda direta pode efetuar-se na exploração, no domicílio do consumidor, em venda ambulante, em mercados, em feiras, no restaurante ou loja comercial do produtor, entre outras. A definição remete para os seguintes aspetos distintivos: - A origem local e identificada do produto; - O produtor, para além da intervenção direta na produção, também interfere frequentemente na transformação e comercialização dos produtos; - Os produtos transformados utilizam matérias-primas provenientes das explorações locais; - O consumidor tem acesso a informação sobre a origem do produto, o seu modo de produção e as respetivas qualidades específicas; - O fluxo de comunicação entre produtores e consumidores permite criar confiança mútua e diferenciar os produtos locais dos restantes. 3.1.1.1

TIPOLOGIAS DE CIRCUITOS CURTOS

i. Venda Face a Face: o consumidor compra um produto diretamente do produtor/processador presencialmente (face a face). A autenticidade e confiança são mediadas pela relação pessoal. A internet apresenta oportunidades para algumas variantes da relação “face a face”, muitas vezes envolvendo a possibilidade de interação física esporádica. Exemplos de instrumentos de comercialização são: vendas na propriedade agrícola (farmgate sales), esquemas de colheita direta da produção nos campos, lojas de produtores, mercados de produtores, vendas na berma da estrada.

ii. Proximidade espacial (territórios locais): os produtos são produzidos e vendidos a retalho numa região específica (município e, eventualmente, municípios vizinhos), sendo os consumidores informados da “natureza local” do produto no ponto de venda. Esta categoria sobrepõe-se à venda “face a face”, incluindo os mesmos pontos de venda daquele mecanismo. Contudo, inclui também retalhistas especializados (ex. mercearias, lojas gourmet, padarias, talhos, etc.) que comercializam produtos locais, bem como a indústria local do turismo (hospitalidade) que vende produtos alimentares locais (ex. restaurantes, bares, hotéis e outras instalações de hotelaria). Esta categoria pode também incluir infraestruturas públicas de fornecimento de alimentos, tais como hospitais, escolas, universidades, lares e casas de repouso, prisões, etc., vendem ou fornecem bens alimentares produzidos localmente. Poderá incluir também supermercados que vendem alimentos produzidos localmente (rastreabilidade local, não apenas marcas de produção nacional), um mecanismo em expansão em França e no Reino Unido.

iii.Espacialidade alargada: a informação sobre o local de origem e os modos de produção é comunicada aos consumidores que, embora vivendo fora da região, podem partilhar laços afetivos e afinidades culturais e de valores éticos e estéticos derivados da sua experiência pessoal (ex. mercados da saudade das metrópoles ou mesmo das comunidades no estrangeiro). Os exemplos mais desenvolvidos são os bens rotulados com a Denominação de Origem Controlada (DOC), as Indicações Geográficas Protegidas (IGP) ou as Especialidades

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Podemos identificar três tipologias principais de Circuitos Curtos, todas elas originando uma forma diferenciada de “conexão” entre o consumidor e o produtor de alimentos, a saber:

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Tradicionais Garantidas (ETG). Porém, nem todos os produtos e origens têm a mesma visibilidade e capacidade de marketing. Assim, em nosso entender, existe um amplo trabalho a realizar em conexão com os sistemas alimentares locais e os circuitos curtos. A espacialidade alargada pode continuar a ser considerada um circuito curto sempre que seja efetuada uma venda direta ou com apenas uma intermediação. 3.1.1.2

ABORDAGEM DA OIKOS

A Oikos propõe uma abordagem que, embora priorizando a proximidade física e a “aliança” direta entre produtores e consumidores, é mais próxima de um conceito de “espacialidade alargada”. Na nossa visão, importa criar condições de apoio aos produtores locais, através da construção de uma “parceria” baseada na traceabilidade do local de origem e dos modos de produção, e na partilha de laços afetivos, afinidades culturais, valores éticos e estéticos. Para a Oikos, os circuitos curtos não são um simples mecanismo de comercialização de produtos agroalimentares, são um instrumento de partilha de valores e de coesão social e territorial. Esta abordagem é fundamental num país “inclinado sobre o atlântico” em que muitos pequenos produtores se encontram em zonas do interior, de baixa densidade, sem acesso aos mercados do litoral, densamente povoado e com maior poder de compra. É também fundamental por permitir uma articulação de políticas públicas e investimentos sociais e privados, que criem sinergias entre setor produtivo e setor social (Respostas sociais a famílias em risco de pobreza e grupos vulneráveis).

Finalmente, na abordagem da Oikos, cabe a promoção de produtos de comércio justo, que não entrando em competição com a produção nacional, são o fruto do trabalho da agricultura familiar e camponesa em países em desenvolvimento, alguns dos quais, bem conhecidos das nossas comunidades de imigrantes. O comércio justo e solidário torna-se assim uma ferramenta de diálogo intercultura, de promoção de justiça social e de criação de coesão social entre cidadãos nacionais e comunidades estrangeiras residentes em Portugal. Do mesmo modo, cabe no conceito de “espacialidade alargada” a promoção de ligação aos mercados da saudade (mercados externos), permitindo o reforço e cultivo de laços afetivos entre regiões de origem (raízes) e uma diáspora portuguesa em constante crescimento. A Oikos – Cooperação e Desenvolvimento está a desenvolver – com recurso ao mecenato, mas com conhecimento e acompanhamento por parte da Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e da Direção Geral de Veterinária, – o desenho, criação e implementação do PNMEP – Portal Nacional de Mercados Eletrónicos de Proximidade que será uma plataforma eletrónica que integrará, verticalmente, os vários MEP – Mercados eletrónicos de Proximidade, a serem criados localmente por entidades, como cooperativas, ou associações de agricultores, com o consentimento do PNMEP. Esta plataforma, desenhada no cumprimento do disposto no decreto-Lei n.º 85/2015 de 21 de Maio, atuará como uma ferramenta de agregação da oferta e da procura, comercialização e transação financeira no âmbito dos CCA.

O PNMEP pretende ser i) uma iniciativa que facilite o acesso aos mercados por parte dos pequenos produtores agrícolas, quer junto da restauração coletiva pública (Contratação pública) quer junto dos consumidores em geral; ii) um instrumento de articulação entre oferta e procura que inclua as organizações públicas, IPSS e famílias carenciadas; e iii) um mecanismo económico potenciador da geração de rendimento e emprego nas comunidades locais. Importa realçar que entre outras funcionalidades, o PNMEP será um mecanismo de

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gestão colaborativa para a agregação de valor através do desenvolvimento de novas cadeias de valor, Coprodução “business to business” (B2B), Coprodução “business to community” (B2C) e “community to business” (C2B) e Co Inovação com o sistema científico e tecnológico. O PNMEP disponibilizará um espaço e ferramentas próprias para que os MEP possam dinamizar a criação e desenvolvimento de novas cadeias de valor, no âmbito dos Circuitos Curtos de Comercialização, tendo em vista a produção e transação de bens complementares e a agregação local de valor.

Os processos de coprodução podem envolver a participação da comunidade (por exemplo, consumidores registados no PNMEP mas que têm capacidades, conhecimento, meios técnicos e financeiros que podem contribuir para um processo conjunto de bens e serviços) e desta forma os conceitos de B2B e C2B fundem-se e alavancam a produção local. Um dos obstáculos para o desenvolvimento dos circuitos curtos, para a melhoria dos processos produtivos e para a sustentabilidade dos modos de produção, prende-se com a falta de atratividade da pequena agricultura face ao sistema científico, académico e tecnológico nacional. Para além do clássico divórcio entre agentes económicos e a academia, há ainda as dificuldades acrescidas pela menor capacidade de divulgação/apropriação da inovação pela pequena agricultura familiar, a qual representa uma grande percentagem os atores dos Circuitos Curtos, particularmente em zonas de baixa densidade e minifúndio.

Finalmente, mas não menos importante, raramente os promotores de ciência e tecnologia, acreditam verdadeiramente na capacidade de inovação por parte dos pequenos produtores. Ora são eles que, em primeira instância, conhecem os problemas e determinam as oportunidades reais de melhoria dos sistemas agroalimentares. O PNMEP permitirá a gestão eletrónica dos processos de articulação dos pequenos produtores com a restauração coletiva, nomeadamente no que diz respeito à contratação pública. Está previsto, nomeadamente a parametrização de formas simples e desmaterializadas de acordos de compra e venda para: -

Participação em processos de compras públicas; Desmaterialização de contratos de compra e venda entre pequenos produtores e restauração coletiva (ex. IPSS); Faturação eletrónica.

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Numa lógica de relação “business to business”(B2B), o PNMEP promoverá a criação de clusters de produtores de diferentes produtos que sejam complementares e que, uma vez agregados podem dar origem a novas cadeias de valor, quer de produtos frescos, quer de produtos processados. Um exemplo inspirador é a experiência das “redes colaborativas” de “Nanoprodutores”, no âmbito de projetos da rede ANIMAR, da qual a Oikos faz parte. Nestes casos, a relação entre produtores não é a de fornecedor/cliente, mas as de “coprodução” de um bem ou serviço que integra o contribuo das várias partes e que todos pretendem vender, estabelecendo as regras internas da partilha de custos e benefícios.

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3.1.2

ROTULAGEM E VERIFICAÇÃO INDEPENDENTE DOS PRODUTOS DOS CIRCUITOS CURTOS

Uma das aberturas que as novas Diretivas Europeias de Contratação Pública vêm trazer, em relação à promoção das compras públicas de proximidade, prende-se com a utilização de rótulos sociais e ambientais. Os consumidores regulares dos circuitos curtos, como no caso de Portugal podem ser os clientes dos Cabazes da iniciativa PROVE, construíram frequentemente uma relação de confiança com os produtores, através da relação direta e face a face. Contudo, se o objetivo das políticas públicas for o de multiplicar os benefícios dos circuitos curtos, teremos de conquistar a confiança de novos consumidores, nomeadamente das instituições públicas e sociais de restauração coletiva. Ora, uma parte considerável dos consumidores que têm uma disponibilidade para comprar localmente não conseguem reconhecer os produtos locais nos estabelecimentos comerciais8, nem sequer nos mercados e feiras localmente realizadas. O Eurobarómetro dedicado ao Empoderamento dos Consumidores9 revelou a falta de conhecimento e habilidades dos consumidores, incluindo na interpretação dos rótulos e logos. Estas conclusões são coincidentes com os resultados do estudo acerca do funcionamento dos mercados de carne para os consumidores10. Um estudo do Joint Research Center (2013lxx) sobre os circuitos curtos identifica mesmo casos de rótulos que induzem os consumidores em erro, violando os princípios da concorrência. Assim, o num documento técnico {COM (2013) 866 final}, datado de Dezembro de 2013, que acompanha o relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, depois de esclarecer que os procedimentos de adjudicação pública (procurement/compras públicas) podem apoiar o desenvolvimento de cadeias de curtas e sustentáveis de aprovisionamento de alimentos, acrescenta-se a necessidade de um rótulo de dimensão europeia que reduza o risco de indução em erro dos consumidores.

No mesmo documento sugere-se ainda que, a ser criado um sistema europeu de rotulagem para os CC, deverá ser: - Opcional para os produtores (voluntário); - Evitar procedimentos de acreditação e certificação lentos e onerosos; - Fornecer critérios de elegibilidade claros para a aceitação dos produtos a incluir no sistema. O documento técnico da CE menciona ainda a possibilidade de uma abordagem alternativa, reservando uma “Denominação Opcional de Qualidade/Optional Quality Term”. Recorde-se que, em complementaridade aos critérios de qualidade que permitem aos produtores registar uma Denominação de Origem Protegida (DOP), Indicação Geográfica Protegida (IGP), Especialidade Tradicional Garantida (ETG) ou Certificado de Agricultura Biológica (CAB), a legislação da UE estabelece um sistema de denominação opcional de qualidade (optional quality term) para ajudar os produtores na diferenciação da sua produção. Estas denominações acrescentam valor, têm uma dimensão Europeia, e compreendem atributos de cultivo agrícola ou processamento, relacionáveis com áreas específicas. Entram nesta categoria os denominados “Produtos de Montanha” ou “Produtos da Ilha”. Veja-se, por exemplo, os resultados do Eurobarómetro Especial «Europeans’ attitudes towards food security, food quality and the countryside, 389, 2012. 9 Special Eurobarometer: Consumer Empowerment, 342, 2011. 10 Veja-se: http://ec.europa.eu/consumers/consumer_research/market_studies/docs/mms_followup_study_2012_en.pdf (última consulta: 10 de Novembro 2014). 8

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3.1.3

PROPOSTA DA OIKOS PARA A CERTIFICAÇÃO DOS CCA

Independentemente da opção que vier a ser considerada pela União Europeia, a Oikos propõe que Portugal possa avançar já com um sistema de rotulagem participada, que permita a rastreabilidade e transparência dos Circuitos Curtos, mantendo os custos em nível aceitável para produtores e consumidores. A nossa proposta aponta para a adoção de um SGP- Sistema de Garantia Participada/PGS – Participatory Guarantee Scheme. Os SGP são sistemas de garantia da qualidade focalizados na dimensão local. Eles verificam/certificam os produtores com base numa participação ativa dos Stakeholders (partes interessadas, incluindo produtores e consumidores) e são construídos na base da confiança, redes sociais e troca de experiências11.

3.1.4

CO-BENEFÍCIOS SOCIAIS

Para a Oikos, uma aposta nos circuito curtos agroalimentares não pode colocar em risco a coesão social. Alguns estudos apontam para riscos de exclusão social associados a este tipo de distribuição da produção. Com efeito, frequentemente, os consumidores – e mesmo os produtores - que participam são apenas os clientes com maior sensibilidade para as questões da sustentabilidade, maior grau de educação académica, e poder aquisitivo acima da média. Assim, para mitigar este risco, a Oikos propõe um instrumento de mitigação, que pode ser entendido como um incentivo aos co-benefícios sociais dos CCA: um Cartão Social de Fidelização. Este cartão, pré-pago, deveria servir para canalizar apoios monetários públicos e privados a famílias carenciadas, previamente identificadas no âmbito do respetivo Conselho Local de Ação Social (CLAS). O cartão seria exclusivamente utilizável no âmbito dos CCA. A Oikos, no âmbito do PNMEP pretende desenvolver um sistema piloto que permitirá a utilização de meios de pagamento condicionados à compra de alimentos na rede de produtores locais.

Para mais informação veja-se a informação sobre os modelos de PGS divulgados no site da IFOAM – International Federation of Organic Agricultural Movements: http://www.ifoam.org . Em nosso entender estes SGP não necessitam de ser unicamente aplicados a sistemas de produção orgânica, podendo utilizar “assinaturas” diferenciadas de acordo com os requisitos específicos aos modos de produção e respetivo impacto ambiental. 11

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Seja qual for a opção, a Oikos defende que a partilha de benefícios com os produtores locais deverá ser protegida através das regras aplicáveis no âmbito da propriedade intelectual, devendo Portugal intervir quando necessário. Em caso de evolução comercial ou da apropriação indevida da reputação do produto, os produtos alimentares locais devem ser autorizados a evoluir para um nível de proteção mais elevado, semelhante ao que é proporcionado pelo estatuto de DOP, IGP, ETG ou CAB.

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4. A Contratação Pública e As Compras Locais 4.1

O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS NA PROMOÇÃO DE DIETAS SAUDÁVEIS E SUSTENTÁVEIS

Em vários países, com especial destaque para os Estados Unidos, a alimentação em ambiente institucional, particularmente nas instituições públicas de restauração coletiva, ou financiadas pelo Estado, é vista como um fator importante na criação de um ambiente favorável para dietas alimentares mais saudáveis e sustentáveis (CDC, 2011lxxi; (Gase, L.N., et al., 2011lxxii; Kimmons, J., et al., 2012lxxiii; Robles, B., et al., 2013lxxiv; Bimbo, F., et al.,2015lxxv). São cada vez mais evidências que mostram que as escolhas e comportamentos alimentares de adultos e crianças podem ser positivamente influenciadas pelas políticas de contratação pública e aprovisionamento de bens e serviços agroalimentares (Kozup, K.C., 2003lxxvi; Glanz & Yaroch, 2004lxxvii; Seymour, J.D., et al. 2008lxxviii; Joshi, A., 2008lxxix; Kumanyika, S.K., et al. 2008lxxx; Kuo, T., et al. 2009lxxxi; Gase, L.N., et al., 2011; Story, M., et al. 2008lxxxii). Por contratação pública, no contexto dos bens e serviços agroalimentares destinados à restauração coletiva pública (escolas, hospitais, etc.) ou equiparável (IPSS, Cantinas Sociais, Instalações e Serviços públicos concessionados, etc.) entendemos o processo de concurso, aquisição, distribuição e venda de alimentos ou serviços alimentares (ex. catering). A Contratação Pública representa, neste contexto, uma estratégia sinérgica ao serviço da saúde nutricional e da responsabilidade social e ambiental, que capitaliza a facilidade de condicionar as preferências dos consumidores através de uma infraestrutura que fornece um conjunto de escolhas “por defeito” (Booth, S.L., et al. 2001lxxxiii; Robles, B., et al, 2013). Dito de outra forma, as autoridades públicas passam a influenciar positivamente as escolhas saudáveis e sustentáveis dos consumidores, no momento em que desenham os critérios de seleção das ofertas no âmbito das suas políticas e normas de contratação pública.

Muitas das doenças crónicas relacionadas com a obesidade e os maus hábitos alimentares, como doenças cardíacas, os acidentes vasculares cerebrais, a hipertensão, ou a diabetes, estão associados com o consumo de alimentos demasiado ricos em calorias, farinhas e açucares refinados, alimentos muito processados, e concentrações muito elevadas de sódio e gorduras trans (Kumanyika, S.K., et al. 2008; Rosenheck R., 2008lxxxiv). Tradicionalmente, os esforços de prevenção da obesidade na saúde pública recorrem à sensibilização e educação para a saúde como forma de transmitir conhecimento, mudar atitudes e alterar comportamentos e padrões de consumo (Booth, S.L., et al. 2001;Gidding SS, 2009lxxxv). No entanto, são cada vez mais as evidências que sugerem que estas abordagens são insuficientes para limitar o ganho de peso que, inúmeras vezes, conduzem à obesidade e perdas de qualidade de vida e produtividade associadas (Kumanyika, S.K., et al. 2008; Booth, S.L., et al. 2001; Booth, S.L., et al. 2001; Ashe, M. et al. 2001lxxxvi; Gidding, S.S., et al. 2009lxxxvii; Cornier, M.A., et al. 2011lxxxviii). Em vez disso, são recomendadas abordagens mais holísticas, integrando diferentes políticas e atores setoriais (por exemplo, vários níveis de governo, políticas de saúde, educação, ambiente, segurança social) (Kumanyika, S.K., et al. 2008; Story, M., et al. 2008; Ashe, M. et al. 2001; Gidding, S.S., et al. 2009; Cornier, M.A., et al. 2011).

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Estas evidências emergentes na literatura científica devem servir de base à estruturação lógica dos caminhos e interações subjacentes a uma política de contratação pública. A hipótese subjacente para uma intervenção ao nível desta política institucional prende-se com a premissa de que o aumento da procura de produtos alimentares mais saudáveis pode ser induzida através de um processo de reorganização das práticas de contratação pública, passando a dar prioridade à aquisição de produtos mais saudáveis, mais frescos e próximos do local de produção e consumo, menos processados e com menor pegada ambiental (Ashe, M. et al. 2001; Harvie, J., 2009; Hawkes, C. 2009lxxxix; Sharma, L.L., 2010xc). Em vez de deixar à consciência e conhecimento do consumidor institucionalizado a escolha mais ou menos saudável, a partir de um leque variado de produtos adquiridos com base no critério único do “preço”, passa a apresentar-se um conjunto de opções que, por defeito, já foram escolhidas ponderando fatores como a proximidade, a conservação ambiental e os impactos na saúde pública.

DIRETIVAS EUROPEIAS DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA E SUSTENTABILIDADE

A contratação pública tem também um impacto económico indesmentível. Com efeito, as Compras públicas representam 13-20% do PIB nos países OECD, 17% do PIB da EU; estes valores significam que, ao aplicar critérios de sustentabilidade nas compras públicas, os estados podem promover o desenvolvimento sustentável. A necessidade de transposição das novas Diretivas da Contratação Pública (Public Procurement) da EU para o ordenamento jurídico nacional, representam uma oportunidade ímpar para promover a origem local dos produtos agroalimentares. A transposição é obrigatória e deverá ser efetuada até 18 de abril de 2016. Em causa estão as seguintes diretivas: -

Directive 2014/24/EU (which replaces the 'Classic' Procurement Directive 2004/18/EC) Directive 2014/25/EU (which replaces the 'Utilities' Procurement Directive 2004/17/EC) Directive 2014/23/EU on the award of concession contracts

As diretivas representam uma maior abertura no sentido de orientar as normas de contratação pública mais coerentes com as mais recentes tendências em países europeus de promoção das “Compras Públicas Sustentáveis” (GPP - Green Public Procurement e SPP - Sustainable Public Procurement). -

Através das práticas de promoção do GPP ou “Compras Públicas Verdes” (CPV), as Autoridades públicas procuram adquirir bens e serviços que tenham um impacto ambiental mais reduzido ao longo de todo o seu ciclo de vida. Através das práticas de promoção das SPP ou “Compras Públicas Sustentáveis” (CPS), as Autoridades públicas levam em consideração aspetos dos três pilares do desenvolvimento sustentável (económicos, sociais, ambientais) aquando das suas aquisições de bens e serviços.

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

4.1.1

55


Tabela 5: Foco Diferenciado entre Compras Públicas Verdes Sustentáveis Compras Públicas Verdes Compras Públicas Sustentáveis Foco Apenas em Questões Ambientais Multifoco (sobretudo área Social e Ambiental) Na prática, muitas entidades aplicam o GPP, mas integram-no numa perspetiva alargada que também inclui preocupações sociais e económicas. É importante salientar que as duas designações são, por vezes, usadas como sinónimos quando não o são. Um produto ou serviço pode ter um impacto ambiental reduzido, mas ter um profundo impacto social e económico negativo. Por isso, importa que qualquer proposta legislativa de âmbito nacional e/ou local, no nosso país, acautele a necessidade de um adequado balanço entre impacto económico, ambiental e social. Deve também existir, da parte do legislador e das autoridades públicas executivas e administrativas, uma avaliação transparente dos “trade-offs” de cada decisão concreta de adjudicação das compras públicas.

4.2

OPORTUNIDADES A EXPLORAR NA TRANSPOSIÇÃO DAS DIRETIVAS EUROPEIAS

A transposição das diretivas europeias representa uma oportunidade para incentivar as “Compras Públicas de Produtos Agroalimentares de Origem Local”, no âmbito dos serviços públicos de restauração coletiva (escolas, hospitais, catering em locais e eventos públicos) e equiparáveis (ex. cantinas sociais e IPSS com financiamento público). Podem e devem ainda ser exploradas externalidades positivas ao nível do licenciamento de serviços de restauração em espaços públicos, procurando criar regras que incentivem a utilização de produtos social e ambientalmente responsáveis e que dinamizem a economia local. As oportunidades abertas pelas novas diretivas residem, essencialmente, nas seguintes novidades, a saber: Novo Regime simplificado; Entendimento renovado do conceito de “Proposta Economicamente mais Vantajosa”; Consideração do desempenho ambiental e social dos fornecedores; Práticas de produção Sustentáveis; Uso de Certificações Ambientais e Sociais; Custo Total do Ciclo de Vida do Produto ou Serviço.

4.2.1

CONTRATAÇÃO E ADJUDICAÇÃO DE SERVIÇOS: NOVAS REGRAS

As orientações europeias para as contração públicas variam em função de diferentes categorias de serviços. A maioria dos serviços exige o procedimento completo com respeito pela integralidade dos procedimentos de concurso, seleção e adjudicação, para contratos superiores a 207.000 Euros (acima de 134.000 Euros para contratos adjudicados por Autoridades da Administração Pública Central. Contudo, para alguns serviços, tais como a saúde e os serviços sociais e culturais, é admitido um regime simplificado. Este regime é também aplicável no caso de serviços de

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“catering”12, proporcionando uma oportunidade para incentivar compras públicas locais de produtos e serviços agroalimentares. À luz deste novo regime simplificado: As regras de contratação públicas Europeias apenas são aplicáveis a contratos de valor superior a 750.000 Euros.

A autoridade contratante pode ainda incluir critérios de valoração das propostas em função de critérios ligados, por exemplo, à criação de emprego local, na produção ou prestação dos bens e/ou serviços a contratar. Neste conjunto de novidades, reside uma considerável abertura para promover as compras locais de produtos alimentares junto dos pequenos produtores e da agricultura de proximidade.

4.2.2

ENTENDIMENTO ACERCA DO CONCEITO DE “PROPOSTA ECONOMICAMENTE MAIS VANTAJOSA”

O uso do conceito “MEAT – Most Economically Advantageous Tender” (Proposta Economicamente Mais Vantajosa), em detrimento do uso exclusivo do “preço mais baixo” como critério único de adjudicação de contratos de compras públicas (Art.67). Esta possibilidade significa que as autoridades públicas têm um claro mandato para avaliar critérios que vão além do preço, incluindo a valoração das externalidades, tais como a qualidade e sustentabilidade no momento de seleção de fornecedores de produtos e serviços agroalimentares e de catering (restauração coletiva). No momento da transposição cabe aos Estados Membros decidir pela proibição ou não do uso exclusivo do critério único do “preço mais baixo”. Desde já, a Oikos propõe a exclusão da possibilidade de contratação pública com base na utilização exclusiva deste critério.

Com efeito, a alteração introduzida pelas novas diretivas europeias visaram a expansão do âmbito do critério da “proposta economicamente mais vantajosa” de modo a incluir Para mais detalhe, verificar o documento da Comissão Europeia que apresenta, de modo resumido, as novas normas em matéria de critérios sociais: http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/modernising_rules/reform/fact-sheets/factsheet-08-social_en.pdf 13 Veja-se um comparativo disponível em: http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/modernising_rules/reform/fact-sheets/factsheet-02-simplification-tenderers_en.pdf 14 Para mais detalhe, verificar o documento da Comissão Europeia que apresenta, de modo resumido, as novas normas em matéria de critérios sociais: http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/modernising_rules/reform/fact-sheets/factsheet-08-social_en.pdf 12

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

Este regime simplificado visa assegurar a qualidade dos serviços e alguns fatores importantes, tais como a continuidade, e acessibilidade física e económica (affordability) desses serviços aos utilizadores, nomeadamente aos grupos mais vulneráveis. Cruzando os novos valores para o regime simplificado, aplicável a serviços de catering, com a utilização de uma discriminação positiva a favor das Pequenas e Médias Empresas, percebe-se uma oportunidade para incentivar as compras públicas. De facto, com as novas diretivas deixa de ser proibida a divisão em pequenos lotes de um contrato colocado a concurso no procedimento simplificado, passando a ser a regra. A autoridade contratante pode optar por não fazê-lo mas terá de se justificar.13 Está ainda prevista, em determinadas circunstâncias e dentro de limites estabelecidos nas Diretivas, a possibilidade de reservar a participação em lotes específicos Organizações Sem Fins Lucrativos e Empresas de Inserção Social de Grupos Socialmente Desfavorecidos14.

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outros critérios, para além do custo. Embora as novas orientações Europeias não excluam o custo do processo de decisão, também não existe uma exclusão de considerações de índole qualitativa. Os Estados membros podem decidir-se pela proibição do critério único do “preço mais baixo”, ou podem limitá-lo a determinadas categoriais de contrato de aquisição de bens e serviços ou a determinadas categorias de Autoridades locais.

4.2.3

CONSIDERAÇÃO DO DESEMPENHO AMBIENTAL E SOCIAL DOS FORNECEDORES

Outra questão relevante prende-se com a prevenção de práticas de “dumping” que, têm sido alegadamente praticadas em vários Estados Membros da EU, incluindo Portugal, sem que as autoridades nacionais consigam agir legalmente. Segundo as novas diretivas, a verificação de práticas de “dumping” passa a ser motivo suficiente para a exclusão de fornecedores de concursos públicos.

Com efeito, um dos requisitos para a implementação de compras sustentáveis, por parte das autoridades públicas, é o exame das práticas anteriores dos fornecedores em matéria de aplicação e cumprimento de contratos, aliando a “due diligence” em matéria de capacidade financeira, cumprimento de requisitos e prazos, ao escrutínio do respeito pelos padrões sociais e ambientais internacionalmente aceites. Esta avaliação pode ser efetuada como pré-qualificação das empresas/fornecedores a convidar para a apresentação de propostas. No caso dos Concursos públicos, pode determinar quais as propostas elegíveis para uma avaliação posterior contra os critérios de adjudicação.

As diretivas relativas à contratação pública prescrevem uma lista exaustiva de critérios que podem ser tomados em consideração nas fases de seleção e exclusão/adjudicação de propostas. As diretivas de 2014 introduzem uma série de alterações nesta área, algumas das quais têm como alvo as preocupações relativas à sustentabilidade.

A violação de determinadas convenções sociais e ambientais internacionais (como a Convenção de Viena sobre a proteção da camada de ozono e as convenções laborais essenciais da OIT) são razão suficiente para a exclusão de candidatos. Exclusão obrigatória aplica-se quando um candidato foi condenado por sentença transitada em julgado em matéria de trabalho infantil ou tráfico de seres humanos. Se um candidato tiver violado as suas obrigações relativas ao pagamento de impostos ou segurança social também deve ser excluído, a menos que isso seja uma medida claramente desproporcionada. Em termos de fundamentos qualitativos para a seleção, as entidades adjudicantes podem agora pedir "uma indicação acerca dos sistemas de gestão e auditoria da cadeia de abastecimento que o operador económico será obrigado a rastrear e aplicar aquando da execução do contrato" - que é suscetível de auxiliar na verificação cadeias produtivas sustentáveis. A capacidade de solicitar provas de medidas de gestão ambiental na fase de seleção também foi estendida para incluir contratos de fornecimento, ao passo que anteriormente era limitado a serviços e obras.

4.2.4

PRÁTICAS DE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEIS

O Artigo 42, relativo às especificações técnicas, clarifica que é possível incluir critérios relativos à sustentabilidade de um método de produção ou a um processo numa determinada fase do ciclo de vida, desde que “estejam relacionados com o assunto específico do contrato e sejam proporcionais relativamente ao valor e objetivos a atingir”. Deste modo, confirma-se a possibilidade de introduzir requisitos relacionados com a

58


origem renovável da energia elétrica necessária a uma determinada etapa de produção ou a um modo de produção integrada ou biológico, por exemplo. O Artigo 67 menciona que os critérios de adjudicação podem incluir “características sociais, ambientais e inovadoras” no seguimento de uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça no caso do Café Holandês (C-368/10). O efeito combinado destas medidas relaciona-se com a intenção de permitir a tomada em consideração dos aspetos relacionados com a sustentabilidade da produção e são aplicáveis, de modo igual, a qualquer das fases do processo produtivo, não apenas à última etapa. Por exemplo, no caso de um produto agrícola, são aplicáveis quer no que diz respeito ao produto primário, quer ao produto transformado e final.

4.2.5

USO DE CERTIFICAÇÕES

4.2.6

CUSTO TOTAL DO CICLO DE VIDA DO PRODUTO OU SERVIÇO

A valoração económica do custo real do ciclo de vida de um produto ou serviço (LCC Life-Cycle Costing) já estava previsto em algumas das atuais diretivas europeias, por exemplo, na Diretiva dos Veículos Limpos (2009/33/EC). As novas diretivas da contratação pública conferem maior relevo à LCC como forma de cálculo dos custos totais, incluindo os custos relacionados com as externalidades ambientais, tais como as emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE), outros poluentes e custos de mitigação das alterações climáticas. De modo a assegurar a transparência e a igualdade de tratamento, a metodologia de cálculo deverá ser indicada na documentação de concurso e acessível a todas as partes interessadas. A metodologia deverá também ser baseada em critérios objetivos e verificáveis; os dados exigíveis ao cálculo deverão ser proporcionais a um esforço razoável dentro da “diligências normais” devidas aos operadores, incluindo aqueles externos à EU16.

4.2.7

SÍNTESE

Em resumo, mesmo que possa ser delicado excluir de um concurso público fornecedores “não locais”, é perfeitamente legal a inclusão de critérios que garantem – na prática – uma preferência por produtos locais. A Cidade de Roma, por exemplo, aplica frequentemente o requisito da “frescura garantida” como critério de adjudicação para a contratação pública de alimentos para as cantinas escolares, Maior detalhe num pequeno documento de ajuda preparado pelos serviços da Comissão Europeia: http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/modernising_rules/reform/fact-sheets/factsheet-07-environmental_en.pdf 16 Maior detalhe num pequeno documento de ajuda preparado pelos serviços da Comissão Europeia: http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/modernising_rules/reform/fact-sheets/factsheet-07-environmental_en.pdf 15

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

O Artigo 43 prevê a possibilidade de privilegiar determinadas certificações (labels) ambientais e sociais diretamente relacionadas com os modos de produção dos bens e serviços a concurso. Abre-se aqui o espaço para que as autoridades locais estipulem critérios de preferência da origem e modos de produção, desde que resguardados em critérios transparentes (certificações) e claramente relacionados com os bens e serviços a contratualizar15.

59


avaliando a sustentabilidade ambiental com base no número de horas/dias que decorrem entre a colheita e a entrega, solicitando informação transparente sobre os atores da cadeia de valor e exigindo a exclusão de Organismos Geneticamente Modificados17. É também frequente e legítimo, muitas autoridades públicas locais e nacionais nos Estados Membros da EU, exigirem o fornecimento de alimentos produzidos com base no modo de produção biológico ou modo de produção integrada, a especificação de critérios de sazonalidade e mesmo a especificação de espécies autóctones (ex. de azeite, vinhos, frutos ou hortícolas, etc.), por exemplo com base na denominação de origem protegida. Seguidamente, vamos apresentar alguns casos de estudo que documentam exemplos de aplicação de compras públicas sustentáveis por autoridades locais em Estados Membros da EU.

4.2.8

ESTUDOS DE CASO

Alguns estudos recentes relatam que a maioria das compras públicas continuam a ser realizadas segundo critérios económicos, a falta de profissionalização na área (baixo investimento uma vez que é visto como um processo administrativo e não estratégico) e a proliferação de rótulos (e certificações) dificultam a evolução.

Mais recentemente tem-se dado a inclusão de critérios de saúde: por exemplo, atualmente há um grande foco no conceito de – Dietas Sustentáveis – que promove a estabilidade económica e ambiental através de alimentos de baixo impacto, de preço razoável e acessíveis, que simultaneamente apoiam a saúde pública ao garantirem uma nutrição adequada. Seguidamente, resumimos um conjunto de estudos de caso, considerados boas práticas em cidades e regiões de Estados Membros da EU (Smith,J., et al 2015xci) e que podem ajudar o legislador e decisores nacionais na criação e um ambiente favorável à promoção das compras públicas locais e sustentáveis.

Apresentamos 5 casos de estudo, a saber: Malmo (Suécia), Roma (Itália), Copenhaga (Dinamarca), Viena (Áustria) e a região escocesa de East Ayrshire (Cf. Tabela 6).

Veja-se o estudo de caso disponível em: http://ec.europa.eu/environment/gpp/pdf/news_alert/Issue14_Case_Study34_Rome_food.pdf 17

60


Tabela 6 – Estudos de Caso: Contratação Pública Alimentação e Restauração Coletiva 300.000 Habitantes 1997 – Aumento da aquisição de produtos biológicos 2010 – Processo participativo e aprovação de Politica Alimentar e de Desenvolvimento Sustentável - Elevar a qualidade dos alimentos nas cantinas públicas, 100% biológico em 2020 (atingiu os 40% em 2012), emissões de GEE – 40%

Roma

Serve 150 toneladas de alimentos todos os dias 1999 – Criadas politicas que introduzem alimentos orgânicos nas cantinas, meta 70%. - Privilegia produção local, cooperativas sociais, redução do consumo energético e dos desperdício alimentar

Copenhaga

60.000 Refeições diárias - Necessidade de promover alimentos biológicos nas cantinas públicas já era uma consideração política nos anos 90. - Meta 90% alimentos biológicos em 2015

Viena

85.000 Recebem refeições diariamente 1999 – Programa de compras verdes, integrado num programa de combate às alterações climáticas. Alimentos biológicos são 50% dos vegetais e 90% dos lacticínios adquiridos.

East Ayrshire

120.000 Habitantes, região economicamente desfavorecida 2004 – Introdução de políticas de compras privilegiando alimentos locais, não-processados e, se possível, biológicos. Concursos dimensionados para que PME possam concorrer. SROI – 6£ geradas na economia local por cada 1£ investida

Fonte: Smith,J., et al 2015

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

CIDADE Malmo

61


5. Sistemas Alimentares Locais e Política Pública: Recomendações O presente capítulo retoma um conjunto de recomendações encaminhadas pela Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, elaboradas no âmbito do projeto «Integrar para Alimentar», como contributo para a ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, e para a Assembleia da República, nomeadamente a Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e a Comissão de Agricultura. O objetivo visou comentar e efetuar recomendações de melhoria de quatro iniciativas legislativas infra identificadas: -

Projeto Projeto Projeto Projeto

de de de de

Lei Lei Lei Lei

n.º n.º n.º n.º

13/XIII/1.ª 58/XIII/1.ª 66/XIII/1.ª 71/XIII/1.ª

(PEV) (BE) (PAN) (PS)

Este Parecer foi emitido com base na experiência de mais de duas décadas de trabalho da Oikos sobre Segurança Alimentar e Nutricional e do Projeto “Integrar para Alimentar” (http://alimentarsinergias.org/), que coordenou e implementou em parceria com a Direção Geral de Saúde e o Instituto Superior de Agronomia. Este projeto foi financiado pelo EEA Grants (Islândia, Liechtenstein, Noruega) e Programa da Cidadania Ativa da Fundação Calouste Gulbenkian.

O parecer vem também na sequência do lançamento em Portugal do «Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana», realizado no âmbito do projeto «Integrar para Alimentar», numa Conferência que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, a 25 de Janeiro de 2015, e já subscrito por cerca de 30 municípios Portugueses em todo o país. O Quadro de Ação para a operacionalização do Pacto de Milão, propõe na Medida nº 15: «Reorientar os programas alimentares escolares e outros serviços institucionais relacionados com a alimentação de modo a fornecer alimentação saudável, de origem local e regional, sazonal e produzida de modo sustentável.» O Pacto de Milão foi originalmente lançado na cidade de Milão, com apoio da FAO e do Comité Europeu das Regiões e foi assinado por mais de 100 cidades em todo o mundo.

O processo legislativo em curso na Assembleia da República apresenta características que, apesar de já serem prática corrente noutros países europeus, são pioneiras na realidade Portuguesa e obrigará a um maior enquadramento e articulação de políticas públicas em vários domínios (agropecuário, saúde, educação, ambiente, economia e social). Convém salientar que os potenciais impactos no desenvolvimento de todo o território nacional são extremamente positivos, podendo ser cruciais para a sobrevivência e revitalização do mundo rural português. A esse propósito remetemos para o Capítulo I do presente documento. -

62

Os 4 Projetos de Lei, não obstante algumas diferenças, têm em comum o objetivo de promoção da utilização de produtos locais e certificados (sobretudo biológicos) nas cantinas e refeitórios públicos (escolares e universitárias, unidades hospitalares, estabelecimentos prisionais, lares, órgãos de soberania, autarquias, serviços sociais da administração pública, central regional e local e em todas as outras financiadas por fundos públicos). Ao nível da certificação, a Oikos apresentou já (Parte II, 1.1.2) a pertinência do uso de rótulos e certificações de


índole social e ambiental no âmbito das Diretivas Europeias de Contratação Pública (Parte II, 2.2.5), e uma proposta técnica de baixo custo e elevada participação e flexibilidade (Parte II, 1.1.3) para a sua implementação. -

-

O estabelecimento de uma percentagem fixa obrigatória, de 60% de produtos locais, afigura-se bastante correto. No entanto, será pertinente imprimir na regulamentação uma noção de progressividade, que garanta o alargamento progressivo das oportunidades aos agricultores locais.

Esta medida teria impactos positivos não só ao nível da melhoria da economia local, garantindo o escoamento dos produtos locais, mas também a estimulação da criação de emprego, o combate à desertificação rural, a promoção da segurança alimentar e da alimentação saudável, a conservação da biodiversidade agrícola e a redução das emissões de gases com efeito de estufa.

-

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-

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Integração das medidas de apoio à contratação de produtos e serviços agroalimentares num contexto mais vasto de uma política integrada de segurança alimentar e nutricional, visando três objetivos de política pública: 1) promover o direito humano à alimentação adequada; 2) promover hábitos de consumo mais saudáveis e sustentáveis; 3) fomentar a pequena agricultura local como oportunidade de desenvolvimento económico, promoção do emprego e fixação de pessoas nos territórios, em particular de baixa densidade.

Agilização do apoio e assistência técnica aos pequenos e médios produtores (potenciais beneficiários primários desta medida) e articulação destas medidas com os fundos do Portugal 2020, em especial do Programa de Desenvolvimento Rural 2020.

Implementação de mecanismos eficazes e inovadores (designadamente meios tecnológicos) que possibilitem realizar a agregação entre a procura e a oferta de produtos, entre pequenos e médios produtores agrícolas e os responsáveis pela gestão de cada cantina e refeitório público. A Oikos está a desenvolver, com alguns parceiros, uma solução tecnológica para este efeito (cf. Parte II, 1.1.1.2.). A necessidade de transpor para o Ordenamento Jurídico Português as Diretivas Europeias que regulam a contratação pública de modo a favorecer a produção agroalimentar local (conferir Parte II, no qual, com mais detalhe, se discorre sobre este tema e a sua relação com as propostas legislativas em questão).

Convém salientar que nenhuma das propostas apresentadas define o método a utilizar para a definição dos critérios de ponderação e ao seu enquadramento no Código dos Contratos Públicos (CCP), no Sistema Nacional de Compras Públicas, bem como nas regras de concorrência de mercado existentes seio da União Europeia. Na Parte II do presente documento apresentámos várias sugestões de como fazer o enquadramento e ilustramos com alguns estudos de caso que podem servir de inspiração. Não dar prioridade aos produtos certificados sem que sejam implementadas medidas que auxiliem os pequenos e médios agricultores a aceder aos sistemas de certificação (que atualmente estão muito acima das possibilidades técnicas e financeiras da grande maioria dos agricultores nacionais). Neste sentido, a Oikos aconselha que se siga uma metodologia de certificação baseada em Sistemas de Garantia Participada (SGP), vinculados a circuitos curtos e seus atores, a

Recomendações de Segurança Alimentar e Nutricional

Cabe, por isso, salientar que as medidas propostas nos Projetos-Lei carecem de iniciativas acessórias e complementares. A saber:

63


introduzir paulatinamente e com apoio técnico e financeiro ao desenho e implementação (Cf. Parte II, 1.1.3). -

-

-

-

Aproveitar a oportunidade criada pela implementação de circuitos curtos de comercialização de produtos agrícolas e hortícolas, para criar programas educacionais que promovam o envolvimento de crianças e jovens nos processos de produção, aproximando-os simultaneamente da Natureza. Sistemas que facilitem a agregação de valor entre diferentes produtores locais e que facilitem a criação de sistemas de autofinanciamento das atividades inerentes a toda a cadeia de valor agroalimentar. A Oikos está a desenvolver a adaptação de uma solução originalmente criada na Alemanha e já em fase de expansão para outros EM da EU, que poderá oportunamente partilhar.

Apesar de alguns dos Projeto-Lei apresentados afirmarem que não se preveem quaisquer custos diretamente associados a estas iniciativas, é de ressaltar que a aplicação destes Projetos-Lei implicará uma avaliação com base em metodologias de valoração económica assente numa análise Custo-Benefício que possa integrar a contabilização integral das externalidades positivas e negativas ao longo do ciclo de vida. A introdução de um novo pacote legislativo implicará, certamente, algum investimento, mas há crescentes evidências de que o retorno é muito compensador. O investimento deverá ser entendido como um apoio à revitalização da economia local e um contributo para a melhoria da saúde pública. A este propósito, mencionamos no Parte II, 2.2.8, uma boa prática de avaliação na região de East Ayshire, na Escócia. Nesta região foi implementado um sistema de preferência de produtos locais nas compras públicas de produtos alimentares e uma avaliação custo-benefício, com base na metodologia do Social Return of Investment (SROI) determinou-se que cada libra investida, gerava seis libras de retorno para a economia local. Um apoio aos pequenos produtores e à produção local, em matéria de contratação pública, deverá produzir co-benefícios sociais. Neste sentido, a Oikos está a desenvolver um instrumento de pagamento eletrónico que poderá servir para canalizar apoios públicos e privados a famílias carenciadas para que possam adquirir alimentos de proximidade. Consideramos este um elemento de justiça social a ter em consideração (ver Parte II, 1.1.4).

Queijas, janeiro 2016

João José Fernandes Presidente do Conselho Diretivo Oikos – Cooperação e Desenvolvimento

64


6. Referências i

Medina Rey, J.M., De Febrer, M. T., (2014), O direito à alimentação no quadro internacional dos

direitos humanos e nas Constituições. Caderno de Trabalho nº 1, sobre o Direito à Alimentação. FAO, 2014.

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11

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