Comer, Rezar, Amar

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assim ficasse junto? Se admitisse que a gente enlouquece um ao outro, que está sempre brigando e quase nunca transa, mas não consegue viver um sem o outro, por isso agüenta tudo? Daí a gente poderia passar a vida inteira junto... infelizes, mas felizes por não estarmos separados. Que o fato de eu ter passado os últimos dez meses considerando seriamente essa proposta seja um testemunho de como eu amo desesperadamente esse cara. A outra alternativa que ainda não havíamos descartado, é claro, é que um de nós pudesse mudar. Ele poderia se tornar mais aberto e mais afetuoso, sem se afastar de qualquer pessoa que o amasse por medo de que ela fosse lhe devorar a alma. Ou eu poderia aprender a... parar de devorar a alma dele. Com David, eu muitas vezes havia desejado conseguir me comportar mais como minha mãe faz em seu casamento - independente, fone, auto-suficiente. Alguém que se vira sozinho. Alguém capaz de existir sem doses regulares de romantismo ou elogios do solitário fazendeiro que é meu pai. Alguém capaz de plantar alegremente jardins de margaridas entre os inexplicáveis muros de pedra do silêncio que meu pai às vezes constrói ao redor de si mesmo. Meu pai é simplesmente a pessoa de quem mais gosto no mundo, mas ele é meio esquisito. Um ex-namorado meu certa vez o descreveu assim: - O seu pai só tem um pé na Terra. E pernas muito, muito compridas. O que cresci vendo acontecer na minha casa foi uma mãe que recebia o amor e o afeto do marido sempre que ele se lembrava de lhe dar, mas que em seguida se afastava e ia cuidar da própria vida, enquanto ele mergulhava em seu universo particular, feito do pior tipo de negligência distraída. Pelo menos era assim que eu via as coisas, levando em conta que ninguém (e especialmente não as crianças) nunca conhece os segredos de um casamento. O que acho que cresci vendo foi uma mãe que não pedia nada a ninguém. Afinal de contas, ela era a minha mãe — uma mulher que havia aprendido a nadar, quando adolescente, sem a ajuda de ninguém, sozinha em um lago frio do Minnesota, com um livro que pegara emprestado na biblioteca da região chamado Como Nadar. Aos meus olhos, não havia nada que aquela mulher não fosse capaz de fazer sozinha. Mas então tive uma conversa reveladora com minha mãe, pouco antes de viajar para Roma. Ela fora a Nova York almoçar comigo pela última vez e me perguntara francamente - quebrando todas as regras de comunicação na história da nossa família - o que havia acontecido entre mim e David. Ignorando ainda mais o Guia Padronizado de Regras de Comunicação da Família Gilbert, eu lhe disse a verdade, contei-lhe tudo. Contei-lhe o quanto amava David, mas como me sentia sozinha e desiludida estando com alguém que não parava de sumir da sala, da cama, do planeta. - Está parecendo que ele é meio igual ao seu pai - disse ela. Um reconhecimento corajoso e generoso. - O problema - disse eu - é que não sou igual à minha mãe. Não sou tão forte quanto você, mãe. Eu realmente preciso de um nível constante de proximidade da pessoa que amo. Queria conseguir ser mais parecida com você, então eu poderia viver esta história de amor com o David. Mas não poder contar com esse afeto quando preciso dele simplesmente me destrói. Foi aí que minha mãe me chocou. Ela disse: - Sabe todas essas coisas que você quer do seu relacionamento, Liz? Eu também sempre quis essas coisas. Nesse instante, foi como se a minha mãe tão forte estendesse a mão por cima da mesa,


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