Comer, Rezar, Amar

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violentas acontecem quando me livro de alguma derradeira reserva temerosa e permito que uma verdadeira turbina de energia se liberte e comece a subir por minha coluna. Hoje eu rio por um dia ter desdenhado a idéia da kundalini shakti, considerando-a um simples mito. Quando essa energia me percorre, ela resfolega como um motor a diesel em marcha lenta, e tudo que me pede é uma coisa simples - Será que você poderia, por favor, se virar do avesso, para que seus pulmões, seu coração e suas entranhas fiquem do lado de fora, e o universo inteiro fique do lado de dentro? E, emocionalmente, será que poderia fazer a mesma coisa? O tempo fica meio maluco nesse espaço ruidoso, e sou levada anestesiada, atônita e sem ação - para todo tipo de mundo, e vivencio todas as intensidades possíveis das sensações: fogo, frio, ódio, desejo, medo... Quando tudo termina, eu me levanto, trôpega, e saio cambaleando rumo à luz do dia em um estado lamentável - esfaimada, morrendo de sede, mais excitada do que um marinheiro em uma licença de três dias em terra firme. Richard geralmente está ali me esperando, pronto para começar a rir. Ao ver meu rosto confuso e exausto, ele sempre me provoca com a mesma frase: - Você acha que algum dia vai valer alguma coisa, Sacolão? Esta manhã, no entanto, na meditação, depois de ter ouvido o leão rugir VOCÊ NÃO FAZ IDÉIA DE COMO É FORTE o MEU AMOR, saí da caverna de meditação Parecendo uma rainha guerreira. Richard sequer teve tempo de perguntar se eu achava que algum dia iria valer alguma coisa antes de eu o olhar nos olhos e dizer: — Eu já valho, seu moço. — Olhe só para ela — falou Richard. — Isso merece uma comemoração. Venha, garota... vou te levar até a cidade e te pagar um Thumbs-Up. Thumbs-Up é um refrigerante indiano, parecido com Coca-Cola, mas com mais ou menos nove vezes a quantidade de xarope de milho e o triplo de cafeína. Desconfio que também contenha metanfetaminas. Ele me faz ver tudo dobrado. Algumas vezes por semana, Richard e eu vamos à cidade e dividimos uma garrafa pequena de Thumbs-Up — uma experiência radical, depois da pureza da comida vegetariana do ashram —, tomando sempre cuidado para não tocar a garrafa com a boca. A regra de Richard para viajar pela Índia parece boa: "Não toque em nada a não ser em si mesmo." (E, sim, também pensei nessa frase como título para este livro.) Temos os nossos lugares preferidos na cidade, e paramos sempre para prestar nossa homenagem ao templo, e para cumprimentar o sr. Panicar, o alfaiate, que aperta nossa mão e diz: "Parabéns em conhecê-los!". Ficamos olhando as vacas perambularem de um lado para o outro, aproveitando seu status sagrado (na verdade, acho que elas abusam desse privilégio, e só ficam deitadas no meio da rua para que todo mundo veja bem o quanto são sagradas), e vemos os cães se cocarem como se estivessem se perguntando como diabos foram parar ali. Olhamos as mulheres consertando a estrada, quebrando pedras debaixo do sol inclemente, brandindo marretas, descalças, parecendo estranhamente lindas com seus sáris de cores brilhantes e seus colares e pulseiras. Elas nos lançam sorrisos radiosos que não consigo entender de jeito nenhum — como podem ser felizes fazendo esse trabalho árduo em condições tão terríveis? Por que elas todas não desmaiam e morrem depois de 15 minutos no calor tórrido com essas marretas? Pergunto isso ao sr. Panicar, e ele diz que com os aldeões é assim, que as pessoas nesta parte do mundo nasceram para esse tipo de trabalho pesado, e que tudo com que estão acostumadas é trabalhar.


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