Comer, Rezar, Amar

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massacrante. Não era o meu tipo de Guru. Sempre preferi minha mestre viva, bonita, compassiva e feminina àquele personagem falecido (mas ainda cheio de energia). Agora , porém, ali estava Swamiji no meu sonho, em pé ao meu lado na praia, em todo seu poderio. Fiquei aterrorizada. Ele apontou para as ondas que se aproximavam e disse, grave: "Quero que você descubra uma forma de impedir isso de acontecer." Em pânico, saquei um bloquinho de anotações e tentei desenhar inventos que pudessem impedir as ondas do mar de avançar. Desenhei imensos muros para conter o mar, canais, represas. Mas todos os meus desenhos eram estúpidos e inúteis. Eu sabia que aquilo estava além das minhas capacidades (eu não sou engenheira!), mas podia sentir Swamiji a me observar, impaciente e julgador. Por fim, desisti. Nenhuma das minhas invenções era inteligente ou forte o bastante para impedir aquelas ondas de estourarem. Foi então que ouvi Swamiji rir. Ergui os olhos para aquele indiano mirrando, com suas vestes cor de laranja, e ele estava literalmente estourando de tanto dar risada, curvado para a frente em um frouxo de riso, enxugando lágrimas de gargalhada dos olhos. - Diga-me, querida - falou ele, e apontou para o oceano colossal, poderoso, infinito, balouçante. - Diga-me, se tem a bondade, como exatamente você estava planejando deter isso? 47 Por duas noites seguidas, eu havia sonhado que uma cobra entrava no meu quarto. Já li que isso é espiritualmente auspicioso (e não apenas nas religiões orientais; Santo Inácio teve visões de serpentes durante todas as suas experiências místicas), o que, no entanto, não torna as cobras menos reais nem menos assustadoras. Tenho acordado suando. Pior ainda, depois que acordo, minha mente tem se descontrolado de novo, traindo-me e levando-me a um estado de pânico que eu não sentia desde o pior período dos meus anos de divórcio. Meus pensamentos voltam sem parar a meu casamento falido, e toda a vergonha e a raiva que acompanharam esse acontecimento. Pior ainda, voltei a pensar em David. Em minha mente, discuto com ele, zangada e sentindo-me sozinha, e lembro-me de cada coisa que ele disse ou fez para me magoar. Além disso, não consigo parar de pensar em nossa felicidade juntos, no delírio emocionante de quando as coisas iam bem. É o máximo que posso fazer para não pular da cama e ligar para ele da Índia, no meio da noite, e simplesmente - não sei bem o quê - simplesmente desligar na cara dele, imagino. Ou implorar-lhe para que volte a me amar. Ou desfiar para ele uma lista acusadora de todas as suas falhas de caráter. Por que tudo isso está voltando à tona agora? Eu sei o que eles diriam, aqueles que estão nisso há mais tempo. Diriam que isso é perfeitamente normal, que todo mundo passa por isso, que a meditação intensa traz tudo à tona, que você só está exorcizando o que sobrou dos seus demônios... mas, mesmo assim, meu estado de fragilidade emocional é tamanho que não consigo suportar, e não quero escutar nenhuma teoria hippie de ninguém. Estou vendo que tudo está vindo à tona, muito obrigada. Está tudo vindo à tona como se fosse vômito. De alguma forma, consigo voltar a dormir, por sorte, e tenho outro sonho. Dessa vez não há cobras, mas um cachorro magro, mau, que me persegue e diz: "Eu vou te matar. Eu vou te matar e te comer!" Acordo chorando e tremendo. Não quero incomodar minhas companheiras de quarto,


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