Revista Advocatus 11ª Edição

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ARTIGO

Os direitos subjetivos são sempre tendencialmente transmissíveis. O CDADC é claro na orientação que estabelece e na terminologia que adota. As categorias que consagra nos arts. 40 e seguintes são a autorização, a transmissão e a oneração. Falaremos da oneração depois. Cabe agora contrapor autorização e transmissão. Também o CPI usa dominantemente transmissão, mas em preceitos importantes refere a cessão: é o caso do art. 31/6, que fala em cedente e cessionário. À transmissão contrapõe a licença e não a autorização. A epígrafe do Capítulo que compreende os arts. 31 e 32 é “Transmissão e licenças”. O art. 31/1 esclarece que os direitos “podem ser transmitidos, total ou parcialmente, a título gratuito ou oneroso”. Não vemos nenhum motivo que impeça que licença e autorização sejam considerados equivalentes. A autorização refere-se a uma utilização da obra (ou invenção) por terceiro (art. 40 a CDADC). O art. 41/1 esclarece que “A simples autorização concedida a terceiros para divulgar, publicar, utilizar ou explorar a obra por qualquer processo não implica transmissão do direito de autor sobre ela”. A transmissão pode ser porém integral ou parcial. Pode o titular cortar o seu vínculo ao direito, que passa para a esfera jurídica de outrem, ou pelo contrário manter a titularidade mas ceder a outrem faculdades compreendidas no direito. Neste segundo caso, passa a haver uma sobreposição de direitos sobre o mesmo objeto, no caso, o bem intelectual. Temos depois a oneração. O próprio art. 40 b logo contrapõe transmissão a oneração. A ideia-base é a de que a transmissão disseca do direito intelectual uma ou mais faculdades, que deixam de pertencer ao direito intelectual originário. Pelo contrário, a oneração mantém esse direito mas limitado ou comprimido por um direito alheio de utilização de faculdades compreendidas no direito global originário. Isto nos força a submeter esta matéria à teoria dos direitos reais, que está na base deste posicionamento 20. Recorde-se a contraposição da oneração ao desmembramento, vivamente discutida em tempos naquele ramo. O desmembramento significaria que uma ou mais faculdades eram cindidas do direito real e passavam a terceiro. Pela oneração entendia-se, pelo contrário, que o conteúdo do direito originário se mantinha, mas era restringido por um direito diferente que impedia o exercício daquelas faculdades. Porém, assim que o direito menor (usufruto, servidão, etc.) se extinguisse, o direito maior automaticamente retomava a sua plenitude: a isto se chama a elasticidade. Não haveria nenhuma retrotransmissão de faculdades, do ex-titular do direito real menor ao titular da propriedade 21. Podemos dizer que historicamente a teoria da oneração saiu vitoriosa. Foi por isso aproveitada no CDADC, como categoria técnica que explicaria a situação, quando o titular do direito intelectual não transmitisse os seus poderes, apenas os onerasse. Assim, quando o criador intelectual convencionasse que um terceiro beneficiaria de uma faculdade compreendida no direito intelectual durante certo prazo, expirado o prazo a faculdade era automaticamente retomada. Não seria necessário também aqui nenhum negócio de sentido oposto ao de concessão. Mesmo historicamente, não havia espaço para semelhante negócio, na esquematização típica dos casos 22. Mas se este resultado positivo se encontra no que respeita a oneração, já deixa uma dificuldade de conciliação com a categoria, que as leis de Direito Intelectual continuam a admitir, da transmissão parcial. O Direito das Coisas não a admite: todo o direito menor é constituído por oneração 23. Aqui, pelo contrário, seria necessário conjugar a oneração com esta nova categoria, a da transmissão parcial. A transmissão parcial poderia fazer-se a prazo. Cessado o prazo, o direito concedido extingue-se e o titular originário retoma a plenitude dos poderes. Mas então, onde fica a diferença da oneração? Pode pelo contrário a transmissão fazer-se sem prazo: o titular faz a ablação definitiva do seu direito de uma determinada faculdade, em benefício de outrem. Por exemplo, transfere ao editor a faculdade de publicar e distribuir, nos termos do contrato de edição. Mas se a editora se vem a extinguir, que acontece ao direito ou faculdade transmitida? Cai no domínio público 24? Será possível haver faculdades singulares tombadas no domínio público, quando o direito-raiz ainda subsiste? Ou é retomada pelo titular do direito? 20 Utilizamos o esquema técnico, não obstante a diversidade de natureza em relação aos direitos reais. André Lucas vai muito mais longe e considera mesmo o direito de autor uma propriedade (André Lucas / Henri-Jacques Lucas,

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Traité de la propriété littéraire et artistique, 3.ª ed., Litec, 2006, n.os 24 e 25) e um direito real (n.os 566 a 569). Mas em França a situação é particularmente embrulhada pelo fato de a lei referir apenas a categoria da cessão, de modo que a categoria doutrinária da licença não tem entendimento seguro. Quanto à distinção entre a concessão de “direitos reais” e “direitos pessoais” (para significar direitos absolutos ou relativos), o A. encontra o critério distintivo no caráter exclusivo ou não exclusivo do direito transmitido. Cita uma posição curiosa de F. Poullaud-Dulian: “os contratos de exploração só recaem sobre o monopólio, sobre os direitos, e não sobre a própria obra” (n.º 567, nt. 30). 21 Ou de outro direito maior: por exemplo, o usufruto, se onerado por uma servidão. 22 Por exemplo, se o usufrutuário morre, o proprietário de raiz não é um sucessor dele. 23 Tirando nas hipóteses, essencialmente históricas, de propriedade dividida. 24 É a posição sustentada por António Macedo Vitorino, A Eficácia dos Contratos de Direito de Autor, Almedina, 1995, expressa na conclusão n.º 5: “Por outro lado, se o transmissário renunciar ao direito, este não regressará à esfera jurídica do transmitente, caindo, pelo contrário, no domínio público” (pág. 252).


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