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Desenho geométrico nas aulas de arte: o caminhar de um estudante com deficiência intelectual no ensino fundamental

A partir da análise sobre a representação histórica, científica e subjetiva da dança, aliada às teorias de desenvolvimento humano, e de Corporeidade, percebe-se que o corpo é negado desde e principalmente na infância que é o período em que as crianças estão sendo ensinadas pelos adultos a se “comportarem” de acordo com a lógica e os interesses da sociedade.

A escola é muitas vezes um dos espaços desse tipo de ensino, onde as crianças têm sua liberdade de expressão podadas a todo o momento, com séries, salas de aula, carteiras e seu posicionamento em filas, entre tantas outras formas que representam uma resposta a forma de controle dos adultos que um dia também foram crianças, e sofreram também tantas podas, que hoje infelizmente não enxergam como algo positivo e não aproveitam a expressão das crianças para formar uma sociedade coletiva, menos injusta, mais criativa, e melhor em todos os sentidos.

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Entende-se que enquanto uma linguagem artística de comunicação e expressão de sentimentos, o uso da dança na escola pode trazer diversos benefícios para os sujeitos que a vivenciarem, entre eles estão à educação de um corpo cultural, crítico, criador, expressivo, sensível, observador, consciente, explorador, criativo, incorporado aos métodos do diversos estilos de dança. Transformando, nesse sentido, as relações que estes têm com a sociedade, com a dança e com o corpo.

A escola pode e deve ter outro caráter que não seja esse traduzido por Foucault, mas que seja empático com o tempo e a cultura alheia. O estudo do corpo, mente e cultura em suas interações, precisa perpassar os processos educativos. E pensar a dança e a arte sendo trabalhadas de maneira consciente nas aulas da Educação Infantil, de maneira macro, é entender que ali forma-se uma nova geração que precisa em cunho de

transformação, ser constituída e orientada para um novo valor de corpo e liberdade.

Levando em consideração esse elementos, constata-se que existem inumeráveis possibilidades de trabalho por meio da dança, essa linguagem que ultrapassa as atividades motoras comuns, faz a integração de todos os elementos que nos constituem – social, emocional, cultural, intelectual, cinestésico; de forma que quem a pratica, aprende sobre si e sobre os outros, e constitui-se enquanto um ser social que é recriado constantemente.

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NOTAS E CURRÍCULOS DOS/AS AUTORES/AS

1. A emenda constitucional nº 11.274 de 6 de fevereiro de 2006, definiu ser responsabilidade do Ensino Fundamental a educação da criança de seis anos. Assim, a partir de então a Educação Infantil passou a atender crianças de zero a cinco anos de idade. 2. Isabele Fogaça de Almeida é Mestra em História, Cultura e Identidade pela UEPG. Graduada em Licenciatura em História pela UEPG (2017) e Segunda Licenciatura em Pedagogia pela UniSecal (2020); Especialista em Ensino da Filosofia pela UNIFCV (2019); Especialista em Ensino de Arte, História e Música pela UniBF (2020); Especialista em Docência no Ensino da Dança pela UniBF (2020). Professora da Secretaria da Educação e do Esporte do Paraná.

DESENHO GEOMÉTRICO NAS AULAS DE ARTE: O CAMINHAR DE UM ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL

Uillian Trindade Oliveira1

RESUMO

Este artigo aborda questões alusivas à arte na educação bem como discorre a respeito da importância da inclusão, tema tão discutido na contemporaneidade. Para tanto, o trabalho orientou-se no sentido de pesquisar informações atinentes à arte como processo, autodisciplina e procedimento de grande valor para questões inclusivas na escola, voltadas às pessoas com necessidades educativas especiais, notadamente àquelas com deficiência intelectual, objeto deste estudo, para que possam se desenvolver social e intelectualmente, em um ambiente propício ao desenvolvimento de suas potencialidades. O aporte teórico foi obtido em Attack (1995), Reily (1986), Read (1986), Lowenfeld e Brittian (1977) e Oliveira (2005). Com observações in loco, foram pesquisados o processo de desenvolvimento, nas aulas de Arte, de um estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, o discurso da professora regente e a importância do desenho geométrico como conteúdo no componente curricular Arte. Palavras-chave: Arte. Deficiência Intelectual. Desenho geométrico.

ABSTRACT

This article approaches issues regarding art in education as well as discussing the importance of inclusion, a topic so discussed in contemporary times. Therefore, the work was oriented towards researching information pertaining to art as a process, as self-discipline and as a procedure of great value for inclusive issues at school, aimed at people with special educational needs, notably those with intellectual disabilities, who are object of this study, so that they can develop socially and intellectually, in an environment conducive to the development of their potential. The theoretical support was obtained in Attack (1995), Reily (1986), Read (1986), Lowenfeld and Brittian (1977) and Oliveira (2005). With in loco observations, the research encompassed the development process, in Art classes, of a nineth-grade student at Elementary School, the form teacher's speech and the importance of geometric drawing as content in the Art curriculum component. Keywords: Art. Intellectual Disability. Geometric drawing.

INTRODUÇÃO

A partir das observações feitas durante minhas atuações em sala de aula, percebi que as atividades gráficas das aulas de ensino formal se restringem ao treino de motricidade e coordenação motora fina nas técnicas de desenho, pintura e colagem, sem contemplar certas dimensões necessárias ao desenvolvimento de Pessoas com Necessidades Educativas Especiais (PNEE), como raciocínio, iniciativa, responsabilidade, cooperação, intuição, autoconhecimento, respeito, apreciação do próprio trabalho e do trabalho dos colegas. Attack (1995) pontua que a arte pode ajudar a desenvolver habilidades e capacidades, por exemplo, exercícios de pintura podem estimular a realização e o controle de movimentos específicos. Outra situação: a arte pode facilitar os pensamentos e a organização pessoal, e, se realizadas em grupo, as atividades podem ajudar o educando a desenvolver a cooperação e a comunicação com os outros. Além disso, a educação artística oferece oportunidades de o sujeito, em todos os

estágios e idades, ver-se envolvido em uma atividade cujo objetivo é ele mesmo. Isso porque, nesse tipo de trabalho, não há competição, recompensa de outra pessoa ou mesmo um produto final em vista; o importante é o processo de descoberta de si mesmo. Uma atividade artística pode ser realizada por puro prazer ou pode ser um canal de exteriorização de emoções, o que significa um ganho e um enriquecimento para a própria vida. Nessa perspectiva, a pessoa é livre para descobrir e explorar, ocorrendo, assim, um aprendizado de extremo valor. Para as PNEE’s, as atividades artísticas oferecem oportunidades de intercâmbios social e de expressão de seu mundo psicológico com criatividade, estimulando não só o desenvolvimento da motricidade fina e a aprendizagem técnica, mas também da imaginação. É através da sua própria obra que essa pessoa descobre que existem muitas linguagens, que sentimentos e ideias podem ser expressos e comunicados por meio de linhas, formas, cores, e, ainda, que existe uma realidade interna e uma realidade externa. Reily (1986, p. 1) enumera que

[...] A criança excepcional tem, muitas vezes, problemas de comunicação verbal, causado por dificuldades de recepção, de compreensão da informação recebida ou de emissão. A arte é um meio de comunicação não verbal e, através dela, a criança pode se expressar por este meio alternativo. Mesmo a criança excepcional que não apresente comprometimento na área da linguagem tem muitos sentimentos profundos para expressar, que são mais fáceis de [se] mostrar visualmente do que através da conversa, numa situação aberta, onde se sinta aceita, ela pode mostrar sua visão de mundo sem medo de crítica. Conforme Pedrosa (1996), tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, em muitos hospitais, escolas, clínicas e oficinas onde se fazem experiências e observações dos impactos que as obras de arte podem exercer sobre as pessoas de qualquer faixa etária, com ou sem necessidades especiais, é possível perceber que, independentemente do fim para o qual foram criadas, elas produzem efeito benéfico. O mesmo autor ainda enfatiza que o objetivo principal de uma ocupação artística não está na produção de obras-primas nem mesmo na construção desta ou daquela obra particular, o relevante é o que a pessoa em contato com as obras ganha com tais atividades: na sua potencialidade, no controle dos sentimentos, no desenvolvimento harmônico dos sentidos, no despertar da sensibilidade, no equilíbrio interior das emoções. Nessa perspectiva, uma pessoa envolvida em uma mediação para aprender os meandros da modelagem, da pintura ou as técnicas para utilizar o pincel, a talha ou o buril tende a tornar-se alguém com mais sensibilidade do que era antes dessas experiências. Assim, cria-se no indivíduo um melhor aparelho de apreensão e recepção, mais preciso e controlado. Todos saem enriquecidos dessas ocupações gratuitas – sem os ditames do caráter hiperprodutivo que rege a contemporaneidade –, que proporcionam contato mais delicado e sutil com as coisas, os outros seres e o mundo.

Nesse sentido, a partir da música, da poesia e das artes plásticas, podemos nos desenvolver melhor como seres humanos. Por isso, os profissionais da educação precisam inteirar-se das necessidades dos alunos com necessidades especiais, já que o conhecimento influenciará nas experiências que estes terão durante as aulas. Read (1986) defende que este é um método de educação cujo uso pode ser universal, pois está ao nosso alcance. O dom que pode ser incentivado por meio da música, da poesia e das artes plásticas não é uma aquisição superficial, mas a chave para o desenvolvimento de tantos saberes e comportamentos importantes para a vivência em coletividade. A esse respeito, o mesmo autor remonta a Platão, que,

[...] em um de seus voos mais visionários [disse:] “ser conduzido por nosso instinto para o que quer que seja belo e benigno, de forma que nossos jovens, vivendo num ambiente integral, possam deleitar-se com o bom de qualquer paragem, do que decorrerá, como uma brisa que traz saúde de regiões felizes, algumas influências das realizações nobres constantemente se farão sentir sobre a vista e o ouvido desde a infância, e imperceptivelmente os conduzirá à afinidade e à harmonia com a beleza da razão, cuja impressão recebem” (READ, 1986, p. 30).

A repressão da imaginação e do sentimento na criança pode ser um dos principais problemas cognitivos ligados à predominância de modos lógicos e racionais de pensamento que violentam os princípios de graça, ritmo e justa proporção, implícitos na ordem do universo. Sendo assim, nossa função não é meramente de artistas e professores de Arte, mas de mestres e modelos formadores em geral. Reily (1986) tem se dedicado a estudar as diversidades, tendo as artes plásticas como um meio de expressão criativa. Assim, ao entrar no universo da escola, da arte, do ensino e da inclusão, considerando a arte um caminho para potencializar o desenvolvimento de PNEE’s, suas investigações constituem-se em norte importante para refletirmos sobre a principal pergunta desta investigação: como o ensino do desenho geométrico potencializa o desenvolvimento de PNEE’s, especificamente no caso das pessoas com deficiência intelectual (DI), no que diz respeito à inclusão escolar, buscando subsídios teóricos e empíricos, a fim de mostrar o quão significativa é a arte no percurso pessoal e escolar desse público.

SOBRE A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

A deficiência intelectual é compreendida como uma baixa resposta cognitiva a determinado parâmetro considerado representativo da normalidade dentro de uma dada sociedade, principalmente ao comportamento esperado em sua idade cronológica. Uma pessoa possui deficiência intelectual – e não deficiências intelectuais, no plural. Geralmente, possui dificuldade em compreender conteúdos abstratos ou metáforas, resolver problemas, argumentar, além de apresentar dependência em relação a outras pessoas. Em casos mais

graves, pode haver dificuldades de convivência social, adaptação a novos ambientes e até mesmo cuidado com a higiene do próprio corpo (AMPUDIA, 2011). Várias causas podem levar à deficiência intelectual, como questões genéticas, em sua maioria, mas também complicações perinatais durante a formação do feto. Fatores sociais mais complexos também podem contribuir para a DI, por exemplo, a desnutrição ou ingestão de alimentos e água contaminada por metais pesados como cobre, mercúrio e chumbo. Esses fatores externos podem comprometer as complexas conexões neurais, levando ao desenvolvimento da deficiência intelectual, que pode ser leve (Quoeficiente de Inteligência –QI 50-69); moderado (QI 35-49); grave (QI 20-40) ou profundo (QI abaixo de 20), segundo a Classificação Internacional das Doenças (CID-10), da Organização Mundial da Saúde (OMS) (AMPUDIA, 2011). O conceito de deficiência intelectual não pode ser confundido com o de incapacidade, pois este denota um aspecto negativo do funcionamento da pessoa, resultante do ambiente físico inadequado ou inacessível, enquanto aquele traduz a ideia de condição – por exemplo, a incapacidade de uma pessoa com DI para entender explicações conceituais. Dessa forma, configura-se uma situação de desvantagem imposta às pessoas com limitações naqueles ambientes que não constituem barreiras para as aquelas que não possuem essas limitações. Ao longo da história, até mesmo no meio acadêmico, vários termos hoje considerados pejorativos foram utilizados para denominar as pessoas com DI. A DI já foi referida como deficiência mental, termo ainda utilizado no campo das ciências médicas, no qual se deram os primeiros estudos no início do século XIX. Na atualidade, o termo mais usado é deficiência intelectual, pois a palavra “intelectual” se refere especificamente ao funcionamento do intelecto, e não da mente como um todo. Outra razão para o uso da denominação deficiência intelectual é que assim se pode distinguir deficiência mental de transtorno mental, antes chamado de doença mental. Por serem parecidos, esses termos têm causado certa confusão, mas nem todas as pessoas com DI possuem transtorno mental. A expressão deficiência intelectual passou a ser oficialmente utilizada em 1995, quando a Organização das Nações Unidas, a The National Institute of Child Health and Human Development, The Joseph P. Kennedy, Jr. Foudation, e The 1995 Special Olympics World Games realizaram o “International Symposium on Intelectual Disabilty Programs, Policies and Planning for the Future” – em português, “Deficiência intelectual: programas, políticas e planejamentos para o futuro” –, em Nova Iorque. Em outubro de 2004, a Organização Pan-Americana da Saúde e a OMS realizaram um evento em Montreal, Canadá,

no qual foi aprovada a Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual. No âmbito desta pesquisa, a opção também é pelo uso do termo deficiência intelectual, por considerar que à medida que o movimento inclusivo ganha força, palavras e conceituações vão se modificando, com a finalidade de promover a valorização das pessoas e consequentemente reduzir os estigmas aos quais elas são sujeitas por sua condição.

MÉTODO

A pesquisa lança mão da abordagem qualitativa para analisar o caso de Cândido (nome fictício), de 14 anos, estudante do 9º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública do município de Cariacica (ES). A princípio, foi feito um acompanhamento diário desse estudante nas aulas de Arte, durante três meses, levando-se em conta que “[...] na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural" (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47). Ao longo do período mencionado, foram observadas sua relação com os colegas, disposição no desenvolvimento dos trabalhos de Arte e socialização durante as atividades em grupo, com a finalidade de analisar a importância da arte e do desenho geométrico no desenvolvimento de pessoas com DI nas esferas individual e social. Posteriormente à etapa de observação, também foram realizadas entrevistas com a professora de Arte, buscando explorar a relação entre a arte, o ensino do desenho geométrico, o desenvolvimento do educando e a inclusão.

ESTUDO DE CASO: OBSERVAÇÕES DE UM PROCESSO

Cândido era um estudante de 14 anos de idade à época deste estudo. Cursava o 9º ano do Ensino Fundamental, sendo considerado por profissionais da gestão, professores e colegas da escola como calmo na maior parte do tempo. Paralelamente à escola regular, frequentava as atividades da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Cariacica-ES e fazia aulas de violão. Laudo médico arquivado na unidade escolar atestava deficiência intelectual leve. Usava remédios controlados em função de outros problemas de saúde. Também fazia acompanhamento com psicólogo. Quando ficava nervoso, sua família era chamada para acalmá-lo e apoiá-lo, fazendo-se bastante presente no seu processo educativo. Nas aulas de Arte, a professora priorizou trabalhar desenhos e padrões geométricos, influenciada por sua formação técnica em desenho e também por considerar que o tema desenvolve a concentração e a percepção visual dos alunos. Além disso, com a presença de Cândido em sua sala, entendia que trabalhar o assunto o ajudaria a desenvolver habilidades espaciais e analíticas, facilitando sua produção artística e a autossatisfação do aluno. Sua dificuldade de abstração poderia ser um empecilho para isso, se a abordagem fosse de livre

expressão, considerou a docente. Cândido sempre preparava todo o seu material: apontava os lápis, separava o caderno de desenho, o esquadro e o transferidor. Algumas vezes, a professora o auxiliava. O estudante prestava muita atenção na explicação para fazer as atividades propostas e media cuidadosamente os centímetros com a régua. Na primeira aula, a professora apresentou-me à turma, dizendo aos alunos que em algumas aulas eu iria acompanhá-los, resumindo-se a dizer que eu era um estudante da Universidade Federal do Espírito Santo que estava fazendo uma pesquisa na escola sobre o ensino da Arte. Ressaltou que não era necessário que mudassem o seu comportamento, porque eu não estava ali para avaliá-los. Antes disso, eu e a professora tínhamos entrado em acordo de não dizer o que especificamente eu estava pesquisando, pois ela acreditava que, se eles soubessem, iriam mudar a forma de tratar Cândido. Disse, no entanto, que, no futuro, iríamos “abrir o jogo” com eles. Confesso que essa situação me incomodou no início, pois eu buscava zelar pela ética na pesquisa, mas também, pelo objetivo do estudo, não poderia mudar o cenário das observações. Nesse primeiro dia, a professora propositalmente pôs Cândido sentado ao meu lado, dando-me possibilidade de observá-lo melhor. Notei que ele era calado e atento ao trabalho dos colegas. Na maioria das vezes, conseguia acompanhar a elaboração dos desenhos no mesmo ritmo dos demais. Após a orientação da professora, a turma logo parou de conversar e todos se compenetraram em fazer as atividades. A maioria dos alunos perguntavam sobre como proceder, também porque era um desenho de perspectiva, com alguma complexidade, que, neste contexto, relacionava-se com o uso de uma variedade de utensílios (régua, transferidor, compasso, esquadro) e de elementos tridimensionais, além da exploração da perspectiva geométrica. Trata-se de uma abordagem que caminha em uma linha distinta ao que, atualmente, é apregoado nas aulas de Arte, em que o foco do trabalho recai sobre a livre expressão. A professora ressaltou que sua proposta de trabalho não se restringia ao desenho técnico. Ela também contextualizava artistas e movimentos artísticos na história da arte. Quando terminava seu trabalho, uma estudante vinha ajudar Cândido, que ouvia e observava atentamente as orientações da colega. Observei que, de forma geral, os alunos davam a Cândido um tratamento amigável. Na segunda aula, ao entrarmos na sala, Cândido se ofereceu para que eu sentasse em seu lugar. Mais uma vez, ele estava com todo o material em cima da sua carteira: esquadro,

régua e caderno de desenho. A professora colou no quadro um desenho geométrico em forma de cilindro (Figura 1). Então, começou a desenhar também no quadro, a fim de que todos acompanhassem o passo a passo do desenho. Em certo momento, Cândido parou de desenhar, como se estivesse cansado ou à espera da professora para ajudá-lo. Toda a turma estava em silêncio, concentrada na realização da atividade. A professora voltou ao quadro para apresentar o passo seguinte; era hora de trabalhar com ângulos. Percebo que Cândido tenta fazer, mas espera a professora para lhe explicar novamente. Isso mostra que, na educação inclusiva, todos são capazes, cada um a seu tempo, como Cândido, que conseguia acompanhar a turma assim que nova etapa da elaboração do desenho se iniciava. Apesar de se tratar de um desenho técnico, envolvendo ângulos, centímetros, dimensões diferentes, Cândido o desenvolvia com relativa tranquilidade e com atenção, fazendo os desenhos com os esquadros. Algumas vezes, a professora o ajudava.

Figura 1 – Desenho para ser estudado pelos alunos

Fonte: registro do autor.

Figura 2 – Desenho feito por Cândido

Fonte: registro do autor. O desenho exigia concentração e sua execução se estendeu por aproximadamente quatro aulas. Questionei-me como um desenho com aquele nível de complexidade era feito com tamanha dedicação por um aluno com DI. Isso me fez acreditar que todos são capazes e que a educação inclusiva tem aberto caminhos para dar oportunidades a essas pessoas. Durante as observações na escola, chamou-me atenção os vários cartazes sobre inclusão e educação especial. Isso porque, no período deste estudo, no município onde estava situada essa unidade, havia poucas escolas trabalhando a educação especial. Mas, na escola em que Cândido estudava, a modalidade parecia ser alvo de preocupações e do trabalho dos educadores, como observado na prática de sua professora. Na sexta aula, a professora conversava com alguns alunos, mostrando desenhos que haviam sido extraídos de um site espanhol sobre desenhos geométricos. Ela destacou que não era fácil fazê-los. Quando Cândido chegou, a professora pediu para que ele se sentasse perto de sua mesa, a fim de que eu pudesse acompanhá-lo melhor, o que também facilitava a ela orientá-lo. Cândido olhava os desenhos atento, tentando entendê-los, pois havia perdido a explicação do início da aula. A professora explicou para a turma que o padrão do desenho era no tamanho A3, destacando que se fizessem o desenho no tamanho A4, ficaria muito pequeno, sendo necessário ampliá-lo posteriormente. Orientou que usassem margem de 1 cm. Acrescentou ainda que os desenhos produzidos fariam parte de uma exposição. Os alunos teriam que ampliar o desenho. Uma aluna comentou: “É o escudo do Super-Homem!”, ao que a professora, sobre o mesmo desenho, bastante estruturalista, respondeu que este tinha ângulo de 30º, daí a associação que a menina fez com o personagem do desenho animado, o qual

fazia parte de sua cultura visual. Após as orientações iniciais, a regente distribuiu os desenhos para que os alunos os observassem, fazendo uma leitura daquela imagem, considerando seus elementos como linha, plano, espaço, cor, para, depois, ampliarem. Cândido pegou o seu desenho e foi sentar-se distante da professora, aproximando-se de um colega com quem mostrava ter mais afinidade. A professora brincou comigo, numa tentativa de me tornar mais intimista com a turma, perguntando: “você não quer ajudá-lo, não? Você está aí à toa...” Ri e voltei a me concentrar na observação. Os alunos solicitavam a presença da professora constantemente. Nesta atividade, a professora acompanhou Cândido com mais atenção, ensinando-o a fazer a tarefa. Só depois disso ele começou a desenhar, demonstrando que esperava um estímulo. Embora a intenção não fosse analisar ou criticar o conteúdo aplicado pela professora, notei que os objetivos e metodologias mostravam-se pertinentes ao conteúdo trabalhado. Perguntei-lhe se faria algum trabalho de livre expressão com os estudantes, ao que ela respondeu positivamente, informando, no entanto, que, por aquelas semanas, prosseguiria com os desenhos geométricos. Na aula seguinte, a professora chegou à sala e começou a distribuir os desenhos que foram começados na aula anterior. Cândido conversava com os seus colegas. Nesse dia, a turma estava bem animada; uma aluna implicou com Cândido, afirmando que ele não teria feito tarefa. Com um semblante sério e de satisfação ele, então, mostrou seu desenho à colega. Toda a turma estava em silêncio. Bem naquele momento, a professora explicou que era hora de Cândido colorir o desenho que havia feito. Pediu que escolhesse as cores de que mais gostasse e, então, ele mostrou os lápis nas cores azul, vermelho e laranja, dando início ao trabalho (Figura 3).

Figura 3 – Primeira tentativa de Cândido de colorir a proposta

Fonte: registro do autor. Três alunas conversavam em tom de brincadeira; uma delas chama outra de “burra”, por conta de uma atividade que esta estaria fazendo com desleixo. Cândido também entrou na brincadeira. De sua cadeira, rindo, palpitou: “ela fez errado porque ela não cresce, ela tem um

crescimento pequenez, tem que tomar remédio para crescer”. Enquanto estive observando as aulas, não percebi diferença no tratamento que os demais alunos dão a Cândido. Quando um aluno o chamou de “burro”, notei que, antes de ter relação com o fato de ele ser DI, tratava-se de um comportamento típico da adolescência. Sendo ele um adolescente, acaba incluído nessas “brincadeiras” e acaba repetindo esse comportamento com os colegas. Nesta ocasião, notei que Cândido não havia demonstrado estar ofendido com a fala do colega, o que se confirma quando ele implica com o tamanho da menina. Cândido não gostou do resultado da primeira tentativa de fazer o seu desenho geométrico, por isso, tratou de produzir outra versão. Analisando a versão anterior, a professora orientou que ele acertasse os detalhes que faltavam em seu desenho, pois aquele seria o último dia em que nele trabalhariam. Após a segunda tentativa, na qual incluiu esses acertos, usou apenas as cores verde e preto para colori-lo.

Figura 4 – Desenho final da atividade proposta para Cândido

Fonte: registro do autor. Décima aula, a professora introduziu um tema novo, geometria do mosaico. Neste dia, Cândido estava sentado ao fundo da sala. A regente demonstrou a atividade a ser feita desenhando algumas quadrículas no quadro (Figura 5). Explicou o conceito de geometria do mosaico, mas sublinhou que o aluno poderia fazer o desenho da forma que desejasse. Comentou, ainda, que este tipo de desenho é bastante utilizado pela indústria na fabricação de azulejos e mostrou vários exemplos já feitos por outros de seus alunos. Ao visualizar esses desenhos, uma aluna lembrou que “parece um tapete”.

Figura 5 – Explicação da professora: geometria dos mosaicos

Fonte: registro do autor. Após a explicação, a docente foi de mesa em mesa verificar como os estudantes estavam realizando a atividade. Ela pediu a Cândido que se sentasse próximo à sua mesa e então, mais uma vez, começou a ensinar-lhe a fazer a atividade. Cândido teve dificuldades, diante do que a professora lhe entregou um pedaço de papel milimetrado para facilitar o processo de elaborar seu desenho. No material, mostrou seus primeiros traços, ilustrados nas Figuras 6 e 7.

Figuras 6 e 7 – Primeiros traços da criação de Cândido.

Fonte: registro do autor. Os trabalhos mostram, pois, o nível de complexidade da produção em que Cândido estava inserido, a qual exigia paciência, disciplina, coordenação motora, organização e

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