Educacao historia e problemas revisão 19092012

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EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E PROBLEMAS: COR E PRECONCEITO EM DISCUSSÃO Copyright © 2012 by Wilma de Nazaré Baía Coelho Todos os direitos reservados

Apoio

Capa Túlio Oliveira Revisão Leonardo Araújo, Lourdes Nascimento e Ricardo Neto Projeto gráfico e diagramação Anderson Luizes - Casadecaba Design e Ilustração Produção Gráfico-editorial Mazza Edições Ltda. Rua Bragança, 101 − Pompeia 30280-410 Belo Horizonte − MG Telefax: + 55 31 3481-0591 edmazza@uai.com.br www.mazzaedicoes.com.br Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.

C672e

Coelho, Wilma de Nazaré Baía. Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão / Wilma de Nazaré Baía Coelho. — Belo Horizonte : Mazza Edições, 2012. 200p. ; 16x23cm ISBN: 978-85-7160-586-2 1. Educação — História. 2. Discriminação na educação. 3. Ambiente escolar. 4. Relações raciais. I. Título. CDD: 370.9 CDU: 37.0(091)

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Ă€queles com quem aprendo a ser uma pessoa melhor e mais FELIZ, todos os dias: Mauro, esposo e companheiro. Breno e Lucas, meus filhos. Olga, minha sogra.

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aGRADECIMENTOS Ao Mauro Cezar Coelho, incentivador incondicional, presente efetivamente em todas as fases da minha trajetória pessoal e acadêmica, sobretudo neste projeto. Agradeço à minha orientadora de Mestrado, Profa. Dra. Josenilda Maúes, pelo aceite em orientar-me, em um momento no qual este tema era considerado marginal. Agradeço, ainda, ao meu orientador do Doutorado, Prof. Dr. Willington Germano, por tamanha competência, generosidade e pela confiança em minhas intenções. Agradeço às inúmeras escolas e professores, da Educação Básica e da UFPA, pela cessão de infinitas horas de seu tempo em entrevistas e conversas. Agradeço também aos integrantes do Núcleo GERA, cada um no seu quinhão, que participaram deste trabalho, especialmente no levantamento de dados para as pesquisas e no envolvimento intenso em todas as atividades realizadas pelo Núcleo, ao longo desses 6 anos de existência. Agradeço ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e à Faculdade de História, pela acolhida respeitosa e pelo fecundo diálogo. Ao CNPQ, pelo fomento às pesquisas realizadas: DIFERENÇA E ETNIA NO UNIVERSO ESCOLAR: um estudo sobre os atores e conteúdos étnicos na Educação (2005-2007); AS RELAÇÕES RACIAIS E A ESCOLA NO ÂMBITO DOS NOVOS MARCOS LEGAIS: a problemática amazônica (2008-2010) e VALORES E HIERARQUIAS ENTRE ESTUDANTES DE BELÉM DO PARÁ: cor∕raça e preconceito (2010-2013), e pelo financiamento das bolsas de Iniciação Científica; e à CAPES, pela bolsa do Doutorado e pela atenção às solicitações do Núcleo GERA, ao longo desses anos.

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Sumário

Apresentação ........................................................................................ 12 Capítulo 1: Uma reflexão sobre a naturalização da “cor legítima” no Brasil .............................................................................. 16 Capítulo 2: Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará .............................................................. 34 Capítulo 3: A representação do oficial e do oficioso: um olhar na imprensa paraense sobre a educação nos anos de 1970 e 1980 .......................................................................... 74

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Capítulo 4: O professor negro na universidade: notas em curso .............................................................................................. 92 Capítulo 5: Igualdade e diferença na escola: apontamentos sobre a Lei nº 10.639/2003 e a formação de professores......................................................................... 108 Capítulo 6: Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades............................... 124 Capítulo 7: O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-“racial”............................................................................. 150

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Apresentação

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Apresentação

Este livro congrega sínteses dos resultados de pesquisas realizadas entre 1998 e 2012, apresentadas em forma de multi-papers – vários ensaios e artigos publicados em diversos periódicos. Em síntese, esta é uma proposta de estudo realizada ao longo de 14 anos, proposta executada com financiamento ora da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A publicação que ora lhes apresento fora realizada por meio de diversas fontes orais e escritas: porquanto as fontes escritas tomadas como base das informações, quais sejam: jornais, revistas, atas, projetos político-pedagógicos, livros didáticos, boletins escolares, fichas individuais, certidões de nascimento, planos de ensino e planos de aulas. Quanto as orais, foram constituídas por meio de entrevistas, atividades didáticas, grupos de discussão e observações. Os textos trazidos neste livro passaram por atualizações e, em alguns casos, ampliações, sem prejuízo do argumento original. A pesquisa sobre as questões étnico-“raciais” aparecem em número e ganham em qualidade, nos últimos trinta anos. Desde os finais do Regime Militar, e à medida que os valores democráticos se fortaleciam, aquelas questões foram associadas à vivência democrática e à consolidação de uma sociedade pautada pelos valores da igualdade e da justiça. Em função dessa característica, as pesquisas, paulatinamente, vêm abandonando o viés da denúncia, assumindo uma dupla preocupação: por um lado, compreender a singularidade do caso brasileiro, em relação ao qual o mito da “democracia ‘racial’” obscureceu a formulação de visão crítica sobre o problema; por outro, encaminhou alternativas que permitam a superação dos entraves que o preconceito e a discriminação acarretam a toda sociedade. Os textos que compõem este livro – intitulados capítulos, em certa medida, dão conta da trajetória da pesquisa sobre a questão étnico-“racial”. Produzidos em momentos distintos, eles configuram abordagens classificadas

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

tanto como históricas quanto pedagógicas. Eles testemunham uma inquietação sobre como a questão vem sendo pensada no universo acadêmico e como ela tem sido praticada nos ambientes escolares. Nesse sentido, os textos guardam uma unidade: a reflexão teórica a serviço não somente da compreensão do campo de estudo, mas da formulação de alternativas que evitem a reprodução do preconceito e da discriminação travestidos em conteúdos ou práticas pedagógicas da Educação Básica. Da mesma forma, os textos expõem a trajetória do Núcleo de Estudos e pesquisas sobre Formação de professores e relações étnico-“raciais”/GERA. Reunindo pesquisadores em diversos estágios de formação e reflexão, o GERA vem constituindo a massa crítica necessária ao enfrentamento do preconceito e da discriminação como a retificação de um desvio moral, mas como resultado de uma formação e uma prática docente ineficiente. Os textos a seguir são expressões, então, de parte de minha trajetória como pesquisadora, a partir de um ambiente no qual a discussão, o debate e a crítica têm sido constantes. Eles expressam, portanto, meu aprendizado e minha gratidão aos intelectuais integrantes do Núcleo GERA e que, com suas interações, propõem ponderações proeminentes nas análises que venho desenvolvendo. As inflexões trazidas no livro Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão, por meio de seus capítulos, não implicam respostas acabadas ou peremptórias para o enfrentamento do preconceito e discriminação em espaços de formação, mas alternativas para problematização e ações pedagógicas. Este livro apresenta a seguinte ordem de exposição: • “Capítulo 1: Uma reflexão sobre a naturalização da ‘cor legítima’ no Brasil” – Apresenta brevemente a polêmica e a ambiguidade sobre a cor dos brasileiros não brancos na contemporaneidade e como a construção de uma representação negativa sobre a população negra tem sido naturalizada por parte da sociedade, a despeito das discussões correntes em torno dessa temática. • “Capítulo 2: Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no Estado do Pará” – Problematiza como a cor esteve ausente, no sentido da discussão aberta, da formação de professores oferecida pelo Instituto de Educação do

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Apresentação

Estado do Pará (IEEP), a despeito da presença maciça de alunas majoritariamente negras em seu quadro discente. • “Capítulo 3: A representação do oficial e do oficioso: um olhar na imprensa paraense sobre a educação nos anos de 1970 e 1980” – Discute as representações de parte da imprensa escrita paraense sobre as questões educacionais e a dimensão “racial”. A análise proposta abordará os textos publicados nos jornais e revistas, nas décadas de 1970 e 1980. • “Capítulo 4: O professor negro na Universidade: notas em curso” – Apresenta brevemente as escolhas profissionais de professores negros da Universidade Federal do Pará, bem como das inter-relações produzidas por estes agentes com e entre seus pares, no interior da Academia, sob a égide do mito da democracia “racial”, enquanto discurso oficial. • “Capítulo 5: Igualdade e diferença na escola: apontamentos sobre a Lei nº 10.639/2003 e a formação de professores” – Problematiza a formação de professores a partir da legislação vigente, na qual a Lei nº 10.639/2003 se destaca: nosso objetivo relaciona-se à problematização entre relações “raciais” e formação de professores. • “Capítulo 6: Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades” – Pontua, sumariamente, as relações de sociabilidades entre os estudantes por meio das preferências musicais no cotidiano escolar com destaque para a importância da música para os estudantes negros. • “Capítulo 7: O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-‘racial’” – Esboça as atividades do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais” – GERA sua inter-relação com a formação continuada e com o ensino, a pesquisa e a extensão, com destaque para o enfrentamento, por meio de suporte teórico, na formação de professores do racismo e discriminação “racial”. Espero que os resultados destes capítulos se constituam em problematizações, críticas e aprimoramentos. Aproveitem a leitura!

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Capítulo 1

Uma reflexão sobre a naturalização da “cor legítima” no Brasil1

Negro Forro Minha carta de alforria Não me deu fazendas, Nem dinheiro no banco, Nem bigodes retorcidos. Minha carta de alforria Costurou meus passos Aos corredores da noite De minha pele.2

1

Artigo publicado originalmente em Interface – Comunicação, Saúde e Educação, Natal, v. 2, n. 2, p. 8598, 2005.

2

VENTURA, A. Negro forro. In: MARICONI, I. Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetivo, 2001. p. 275.

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Capítulo 1 Uma reflexão sobre a naturalização da “cor legítima” ao Brasil

Este capítulo apresenta brevemente a polêmica e a ambiguidade sobre a cor dos brasileiros não brancos na contemporaneidade e como a construção de uma representação negativa sobre a população negra tem sido naturalizada por parte da sociedade, a despeito das discussões correntes em torno dessa temática. Para essa intenção, são apresentadas as relações entre os dados oficiais e os oficiosos. Concluímos3 que, a despeito de toda a diligência do Movimento Negro e das discussões acadêmicas em torno desta questão, a cor continua sendo sutil, ostensiva e negativamente demarcadora na hierarquia social,4 em relação à população negra, no Brasil, embora neste país a maioria esteja constituída, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012), por pretos e pardos, os quais têm vivido situações de discriminação em decorrência da cor. Para entender o sentido do uso de cor aqui exposto, veremos como essa imprecisão de ver e ser visto, a chamada identidade racial, é mais complexa do que a cor da pele, a textura do cabelo,5 o tamanho da boca ou do nariz podem suscitar. Este constitui outro objetivo deste capítulo: Que cor é essa, afinal, a do 3

Usarei a linguagem no coletivo, pois se trata de um trabalho pensado e elaborado por mim, mas o trabalho desenvolvido nos projetos, especialmente aqueles a partir de 2006, conta com o auxílio, cada um no seu quinhão, de todos os seus integrantes do Núcleo GERA, especialmente dos orientandos de iniciação científica, mestrado e doutorado.

4

BOURDIEU, P. Espaço social e poder simbólico. In: BOURDIEU, P. Coisas ditas. Tradução de Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorin. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 149-168.

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Para Jurandir Freire Costa, o cabelo bom é um fetiche entre a maioria dos brasileiros, e, por isso, faz-se a metonímia de um corpo ideal, cuja cor branca é um pré-dado, “um predicado contingente e particular” (COSTA, J. F. Da cor ao corpo: a violência do racismo. In: SOUZA, N. S. Tornar-se negro. Rio de Janeiro: Graal, 1990. p. 1-16; conferir discussão também em: GOMES, N. L. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008).

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

brasileiro? É Da cor do pecado?6 Muitos estudos intentaram perfilar a cor do brasileiro a partir dos censos e pesquisas relevantes acerca do assunto. Entre os estudos mais antigos7 e alguns mais recentes,8 muitos investigaram a heteroidentificação e a autoidentificação, as quais, em dada medida, influenciam as pesquisas sobre as relações “raciais” no que dizem respeito à cor, no Brasil, no momento atual.

A cor nos censos oficiais No censo de 1872, primeiro recenseamento geral da população brasileira, a cor foi definida para todos os quesitos como subtópico da condição social, então dividida entre livres e escravos, cuja base de classificação orientou a cor da população naquele período. Os termos utilizados para a classificação foram branco, preto, pardo9 e caboclo. Os pardos foram compreendidos, nesse censo, como resultantes da união de pretos e brancos.

6

Título de novela global, veiculada em 2004, com maior índice de audiência em seu horário de transmissão, cuja protagonista é negra e a chamada da novela destaca o colo de uma mulher negra.

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Destacamos, aqui, alguns trabalhos: WAGLE, C. Race and class in rural Brazil. New York: Columbia University, 1952; HARRIS, M. Race indentity in Brazil. Luso-Brazilian Review, n. 1, p. 21-28, 1964; AZEVEDO, T. As elites da cor: um estudo de ascensão social. Brasiliana; São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1955.

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Ressaltamos, aqui, as obras de: PINTO, R. P. Os problemas subjacentes ao processo de classificação de cor na população do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1996; TELLES, E.; LIM, N. Does it matters who answers the race questions?: Racial classification and in come inequality in Brazil. Demography, v. 35, n. 4, p. 465-474, 1998; GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 1999; PETRUCELLI, L. J. A cor denominada: um estudo da pesquisa mensal de emprego de julho de 1998. Rio de Janeiro: IBGE, 2000 (Texto para Discussão). (Diretoria de Pesquisa, n. 3); PIZA, E.; ROSEMBERG, F. Cor nos censos brasileiros. Revista USP, São Paulo, n. 40, p. 122-137, dez./fev. 1998/1999; PAIXÃO, M. et al. Relatório Anual das desigualdades raciais no Brasil, 2009-2010. Tempo em Curso, ano 3, v. 3, n. 12, dez. 2011; PAIXÃO, M. O ABC das desigualdades raciais: um panorama do analfabetismo da população negra por meio de uma leitura dos indicadores do Censo 2000. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/ aparte/pdfs/paixão_abc_das_desigualdades_raciais.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2012.

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Para João Batista Borges Pereira, são agentes que não se veem (ou não são vistos) nem como negros e nem como brancos, pois podem ser mestiços do branco-negro (mulato), do branco-índio (mameluco) ou do índio-negro (cafuzo) (PEREIRA, J. B. B. Negro e cultura negra no Brasil atual. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1983). A despeito das dificuldades na aferição da cor, a distribuição geográfica desigual, por exemplo, representa um dos grandes marcadores na análise da conformação brasileira. Ver, também, SCHWARCZ, L. M. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001, especialmente os capítulos intitulados “Nomes, cores e confusão” e “Frágil democracia: na dança dos números”; (Consultar Anuário Estatístico no Brasil. IBGE, 1960).

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Capítulo 1 Uma reflexão sobre a naturalização da “cor legítima” ao Brasil

O segundo censo, em 1890, passou a empregar as terminologias branca, preta, cabocla e mestiça. O critério empregado foi misto, reutilizando o critério do censo anterior. Nesse caso, alterou-se a concepção das duas últimas nomenclaturas: “mestiço (aqueles resultantes da união de pretos e brancos) e caboclo, que estão vinculados à descendência”.10 Os dados dos dois primeiros censos indicaram quase o mesmo percentual de população mestiça. O maior percentual de pardos, superando o de brancos, indicou não somente o alto índice de mestiçagem,11 mas, sobretudo, as práticas de declaração de cor e os seus desdobramentos, em virtude da mudança no status social de uma parte da população negra.12 O terceiro censo, realizado em 1900, não incluiu cor em sua coleta de dados, do mesmo modo que o quarto censo, que, em virtude de, em 1910, não ter havido coleta censitária, só sucedeu em 1920. Esses censos fazem parte da era estatística,13 e o censo de 1920, ao não abarcar esse quesito, afirmou que:

10

PIZA, E. Cor nos censos brasileiros. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S. (Org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 91-120.

11

Conferir especialmente, o Capítulo II – A mestiçagem no pensamento brasileiro, na obra de MUNANGA, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004a. A natureza do debate sobre a mestiçagem no Brasil, a despeito de conviver permanentemente com ambiguidades e contradições no decorrer dos últimos 100 anos, compõe uma complexidade, ainda hoje. Embora no período final da escravidão o mestiço fosse visto como uma degeneração racial, a miscigenação já aparece no discurso dos abolicionistas como solução para evitar a polarização de “raças” no país (Cf. também em Araújo, J. Z. (Org.). O negro na dramaturgia, um caso exemplar da decadência do mito da democracia racial brasileira. In: Araújo, J. Z. O negro na TV pública. Brasília: FCP, 2010. p. 143151; SANTOS, G. A. A invenção do ser negro: um percurso das ideias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo: Educ, FAPESP; Rio de Janeiro: Pallas, 2002; SOUZA, J. B. A. Mãe negra de um povo mestiço. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 29, 1996).

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O Movimento Negro tem empregado o termo negro para definir a população brasileira constituída de descendentes de africanos (pretos e pardos); para designar essa mesma população como aquela que possui traços culturais capazes de identificar, na sociedade brasileira, os que descendem de um grupo cultural diferenciado e coeso, tanto quanto o dos amarelos; para reportar à condição de minoria política desta população e a situar dentro de critérios inclusivos de pertinência dos indivíduos pretos e pardos ao seu grupo de origem (MUNANGA, K. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1986; MUNANGA, K. Racismo: da desigualdade à intolerância. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, n. 2, p. 51-4, 1990).

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Conforme PIZA, E. Branco no Brasil?: ninguém sabe, ninguém viu... In: HUNTLEY, L.; GUIMARÃES, A. S. A. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 97-126.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

As respostas [ocultam] em grande parte a verdade, especialmente com relação aos mestiços, muito numerosos em quase todos os estados do Brasil, e de ordinário os mais refratários à cor original a que pertencem [...] sendo que os próprios indivíduos nem sempre podem declarar sua ascendência, atendendo a que em geral o cruzamento ocorreu na época da escravidão ou em estado de degradação social da progenitora do mestiço. Além do mais, a tonalidade da cor da pele deixa a desejar como critério discriminativo, por ser elemento incerto (p.18).14

Essa imprecisão e ambiguidade dos respondentes persistem, ainda hoje, nos censos oficiais. O quinto censo sucedeu em 1940, em decorrência de não ter havido em 1930. Essa coleta estabeleceu as designações branco, pardo e amarelo, sob forte influência da política atinente à “nacionalidade morena”.15 Isso facilitou a passagem de uma linha de cor por mudanças de caracteres fenotípicos de uma população que passou invisível pelo recenseamento por mais de cinquenta anos, pois a evidência das classificações e das autoidentificações se associou às características fenotípicas. O sexto censo, o de 1950, seguiu as cores empregadas no censo anterior. As nomeações acerca da cor e o procedimento de coleta foram determinados por meio da autoclassificação e mantidas até hoje pelos censos oficiais, no que tange às instruções e às definições. Essas coletas professadas não estiveram imunes ao possível mascaramento da cor nos procedimentos oficiais do primeiro ao último censo. O sétimo censo, o de 1970, em plena ditadura militar, não coletou cor. Os motivos foram, intencionalmente, velados, porém não deixaram de ser notados. Em verdade, àquela época, evitou-se ensejar conflitos raciais, pois, paradoxalmente, vivíamos num paraíso racial; portanto, suscitar o debate sobre desigualdades “raciais” estava longe das expectativas do conjunto hegemônico dominante no Brasil àquele momento, porque se sustentava o “mito

14

LAMOUNIER, B. Educação. Cadernos do Cebrap, São Paulo, n. 15, p. 14-22, 1976.

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PIZA, E. 2000. p. 97-126.

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Capítulo 1 Uma reflexão sobre a naturalização da “cor legítima” ao Brasil

da democracia racial”. Afinal, “em terra de ‘democracia racial’ não se deveria falar em racismo”.16 A tendência foi a de forjar uma autoimagem do país, ao dirigir-se à população negra e aos povos indígenas, bem como aos seus descendentes, com a sua incorporação simbólica ao país. Essa disseminada ideia de integração dos diferentes tipos de brasileiros sensibilizava “os brasileiros brancos com a ideia de igualdade de oportunidade existente entre pessoas de todas as cores, isentando-os de qualquer responsabilidade pelos problemas sociais dos não-brancos”.17 Por conseguinte, romper com essa representação poria em risco a ordem nacional de então. No que concerne às classificações do censo de 2000, estas se reeditaram em relação ao sétimo, sem apresentar significativas diferenças no que tange às linhas de cor. No censo 2000, a investigação da cor ou “raça” ocorreu de acordo, também, com a autoclassificação da pessoa em branca, preta, amarela, parda, indígena. Nesse período, o Brasil possuía uma população de 170 milhões de habitantes, dos quais 91 milhões se classificaram como brancos (53,7%), 10 milhões como pretos (6,2%), 761 mil como amarelos (0,4%), 65 milhões como pardos (38,4%) e 734 mil indígenas (0,4%).18 Há uma política implementada pela presidência do IBGE, há anos, de incentivo à produção estatística que evidencie o problema da população negra no Brasil, cujas sínteses dos indicadores sociais são mostradas em capítulo à parte, com os dados referentes à desigualdade racial no Brasil.19 16

DAMASCENO, M. C. Em casa de enforcado não se fala em corda: notas sobre a construção da “boa aparência” no Brasil. In: HUNTLEY, L.; GUIMARÃES, A. S. A. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 165-199.

17

Ver, entre outros, HASENBALG, C. Discursos sobre a raça: pequena crônica de 1988. Estudos AfroAsiáticos, Rio de Janeiro, n. 28, p. 187-195, jun. 1991. p. 188.

18

Cor e Educação no Brasil apontam evolução das assimetrias, mormente por meio de indicadores sociais. Em meio aos avanços e limites presentes na Constituição brasileira de 1988, a questão se coloca efetivamente no tocante à capacidade do novo marco legal brasileiro em contribuir para a redução das assimetrias de cor ou “raça” no Brasil durante as últimas duas décadas. Entre os trabalhos que abarcam essas assimetrias, sugerimos: PAIXÃO, 2011; 2000.

19

Sobre desigualdade racial no Brasil, ver: HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001; HERINGER, R. R. Promoção da igualdade racial no Brasil. Teoria e Pesquisa, v. 42, p. 285-302, 2003.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

Vimos, portanto, que mais importante do que responder a uma pergunta sobre cor é suscitar uma categoria social, ainda que não se desconheça a sua controvérsia, uma vez que cor não é uma categoria objetiva, como bem sabemos. Concordamos, quase sem ressalvas, com Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, para quem cor é uma categoria racial, porque é a ideia de “raça” que orienta a classificação dos agentes como negros, mulatos ou pardos.20 De acordo com esse autor, ao refletir sobre cor, como categoria que expressa um modo de classificação baseado na ideia de “raça”, podemos assegurar o uso da cor como um conceito sociológico, certamente, não realista, no sentido ontológico, pois reflete algo presente na realidade, não sem excessões.21 Esse conceito tem norteado um discurso sobre a vida social. As palavras de Lilia Moritz Schwarcz são enfáticas quanto ao uso do termo: Vale a pena, portanto, observar o uso social do conceito, e notar como ele vem sendo agenciado não só por grupos militantes, como no senso comum, de uma forma geral. De nada ajuda ficarmos presos a uma definição canônica se o conceito está nas ruas e sendo negociado como um discurso social no sentido de operar na sociedade e produzir efeitos. Pensada dessa maneira, “raça” (com aspas) iluminaria para novos sentidos disseminados tanto pela teoria do senso comum (que cotidianamente divide e discrimina segmentos sociais), como ao ser utilizado numa agenda de inclusão social (p. 442).22

Assim, independentemente do fato dos grupos humanos considerarem naturais as suas características, eles se diferenciam uns dos outros e, a despeito de encontrarem-se todos envolvidos em situações de desigualdades de poder, de direitos e de cidadania, as teorias e os critérios aplicados para caracterizar

20

GUIMARÃES, A. S. A. Combatendo o racismo: Brasil, África do Sul e Estados Unidos. RBCS, v. 14, n. 39, p. 103-116, fev. 1999.

21

Ver crítica ao termo “Raça” em APPIAH, K. A. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

22

Cf. argumentação a esse respeito em SCHWARCZ, L. M. Racismo no Brasil: quando inclusão combina com exclusão. In: BOTELHO, A.; SCHWARCZ, L. M. (Org.). Agenda Brasil: temas de uma sociedade em mudança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 430-443.

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Capítulo 1 Uma reflexão sobre a naturalização da “cor legítima” ao Brasil

esses grupos não são sempre os mesmos, tão pouco têm as mesmas bases e as mesmas consequências.23 Desse modo, a despeito da nossa negação veemente ao sentido de “raça”, construído pelas teses europeias do racismo científico (fins do século XIX24 e início do XX) – essas teorias pregavam a superioridade e inferioridade das “raças” –, e cientes do aval da Antropologia física, pois, defendiam a impossibilidade de civilização por parte do segmento negro brasileiro, não se pode negar a força que o termo tem adquirido nas práticas discursivas na contemporaneidade, assegurando a “hegemonia racial e social do segmento branco da população”.25 Em consonância com Lilia Moritz, o fato é que no Brasil “raça” é, conjuntamente, um problema e uma projeção.26 Mesmo após o desmonte científico dessas teses e em pleno século XXI, seus vestígios, não raras vezes, ainda são difundidos e reproduzidos, de forma sutil, ostensiva e negativamente por parte da sociedade brasileira, como adiantado no início deste capítulo.

A padronização da “cor legítima” no Brasil O processo de naturalização está presente em todas as hierarquias sociais, no sentido de Pierre Bourdieu,27 como uma das características das relações de dominação. Tais reflexos são orquestrados pela lógica social legitimadora dessas hierarquias e ressoam em contingente relativamente estigmatizado e discriminado,28 como o caso aqui examinado, o negro. Com base nesse conjunto de fatores, entre outros, não podemos ignorar o modo como os brasileiros 23

Sobre essas e outras consequências, cf. GUIMARÃES, A. S. A. Raça: racismo e grupos de cor no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 27, p. 45-63, abr. 1995.

24

Conferir em SCHWARCZ, L. M. Raça como negociação: sobre teorias raciais em finais do século. In: FONSECA, M. N. S. (Org.). Brasil afro-brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 12-40.

25

Sobre a internalização de parte da população pobre no tocante à estereotipia em torno da imagem do negro, Edimilson Pereira e Núbia Magalhães Gomes, resumiram: “sob epítetos que traçam um circuito fechado, há um círculo de giz que aprisiona o indivíduo na cor de sua pele” (PEREIRA, E.; GOMES, N. P. M. Ardis da imagem: exclusão étnica e violência nos discursos da cultura brasileira. Belo Horizonte: Mazza; Ed. PUC Minas, 2001. p. 21).

26

SCHWARCZ, 2001, p. 87.

27

BOURDIEU, 1990, p. 149-168.

28

PEREIRA; GOMES, 2001, p. 21.

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não brancos29 se autodenominam. A sua inclinação por assemelharem-se ao padrão legitimamente aceito e validado por essas relações hierarquizadas30 – não ao padrão majoritário da sociedade brasileira31 – mostra-se uma recorrência na nossa sociedade. Assim, estabelece-se um indicador social de negação dos portadores desses antipadrões, que incorporam, de certo modo, essa negação de si e do seu padrão. Sobre o processo de autoclassificação e classificação, Ricardo Franklin Ferreira nos diz: É uma atitude com a qual nos deparamos sistematicamente nas relações pessoais – parece ser “politicamente correto” tratar o afrodescendente como “moreno”, palavra fortemente enraizada na cultura brasileira. É um recurso simbólico de fuga de uma realidade em que a discriminação impera. Assim, os aspectos étnico-“raciais” são escamoteados pela maioria das pessoas que procuram elementos de identificação em símbolos do grupo social e economicamente dominante.32

29

Vide discussão em HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades raciais no Brasil. 2. ed. Tradução Patrick Burglin. Belo Horizonte: UFMG; RJ:IUPERJ, 2005. Ver, também, RAMOS, A. G. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995; ZAHAR, R. Colonialismo e a alienação: contribuição para a teoria política de Frantz Fanon. Lisboa: Terceiro mundo e revolução, 1976; OSÓRIO, R. G. O sistema classificatório de cor ou raça do IBGE. Brasília, 2004. (Texto para Discussão Ipea).

30

Sobre discriminação e a desigualdades “raciais” vigentes na cidade mais negra do país, bem como a condição de sujeito histórico do negro na sociedade brasileira – Cf. vários artigos em BACELAR, J. A hierarquia das raças: negros e brancos em Salvador. Rio de Janeiro: Pallas, 2001. Especialmente consultar Capítulo “A Hierarquia das raças – cor, trabalho e riqueza após a abolição” (p. 41-87); Cf. no livro de Santos o entendimento de como a “Raça” possibilitou que o pensamento que se concebe como transcendental construísse a universalidade como um privilégio europeu, branco (SANTOS, G. A. A invenção do ser negro: um percurso das ideias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo: Educ, Fapesp; Rio de Janeiro: Pallas, 2002).

31

Em 2000, a participação dos negros na sociedade brasileira alcançou 75 milhões de pessoas, o que faz do país a segunda nação negra do mundo, atrás apenas da Nigéria (PNUD, 2005). Discussão abarcada por: BORGES, D. Dados sobre cor e racismo no Brasil. In: RAMOS, S. Mídia e racismo. Rio de Janeiro: Pallas, 2002. p. 112-118; GARCIA, R.C. Identidade fragmentada: um estudo sobre a história do negro na educação brasileira: 1993-2005. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007; HENRIQUES, 2001 (Texto para discussão, n. 807); BRASIL. Relatório de Desenvolvimento Humano. PNUD, 2005; ROMÃO, J. (Org.). História da educação do negro e outras histórias. Brasília. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

32

Ferreira, R. F. Afro-descendente: identidade em construção. São Paulo: EDUC; Rio de Janeiro: Pallas, 2009. p. 18-19.

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Essa negação étnica, simbolicamente expressa pela autodenominação de si, submersa numa rede de relações quase inquestionável, apresenta a capacidade “de revelação de um poder de consagrar ou de revelar coisas que já existem”.33 Consequentemente, esse fenômeno traz vestígios longínquos de pressão cultural exercida pela hegemonia branca, logo após a abolição da escravatura, “para que o negro negasse a si mesmo, no seu corpo e na sua mente, como uma espécie de condição para se integrar (ser aceito e ter mobilidade social)34 na nova ordem social”.35 Esses vestígios foram reeditados e incorporados por uma parte da sociedade composta por brancos e não brancos que reproduzem e difundem tais representações. Uma amostra disso é encontrada na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio, de 1976, em que são apresentadas cento e trinta e seis nuanças de cor por brasileiros não brancos, falando de si mesmos: acastanhada, agalegada, alva, alva-escura, alvarenta, alva-rosada, alvinha, amarelada, amarela-queimada, amarelosa, amorenada, avermelhada, azul, azul-marinho, baiano, bem branca, bem clara, bem morena, branca, branca-avermelhada, branca melada, morena, branca pálida, branca sardenta, branca suja, branquiça, branquinha, bronze, bronzeada, bugrezinha-escura, burro-quando-foge, cabocla, cabo verde, café, café-com-leite, canela, canelada, carvão, castanha, castanha clara, cobre corada, cor de café, cor de canela, cor de cuia, cor de leite, cor de ouro, cor de rosa, cor firme, crioula, encerada, enxofrada, esbranquicento, escurinha, fogoió, galega, galegada, jambo, laranja, lilás, loira, loira clara, loura, lourinha, malaia, marinheira, marrom, meio amarela, meio branca, meio morena, meio preta, melada, mestiça, miscigenação, mista, morena bem chegada, morena bronzeada, morena canelada, morena castanha, morena clara, morena cor de canela, morenada, morena escura, morena fechada, morenão,

33

BOURDIEU, 1990, p. 166-167.

34

No sentido empreendido por PASTORE, J.; SILVA, N. V. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz; EdUSP, 2003; PASTORE, J. Desigualdade e mobilidade social no Brasil. São Paulo: Makron Books, 1979.

35

Cf. CARONE, I.; BENTO; M. A. S. (Org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 14.

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morena prata, morena roxa, morena ruiva, morena trigueira, moreninha, mulata, mulatinha, negra, negrota, pálida, paraíba, parda, parda clara, polaca, pouco clara, pouco morena, preta, pretinha, puxa para branca, quase negra, queimada, queimada de praia, queimada de sol, regular, retinta, rosa, rosada, tostada, trigo, trigueira, turva, verde, vermelha, além de outros que não declararam a cor.36

Esse resultado “indica não só a riqueza de definições da cor, mas também a dificuldade de determiná-la com precisão”.37 Nessa perspectiva, estamos mais próximos do que Oracy Nogueira nos indicou sobre o preconceito de marca e não de origem.38 A primeira suposição se aproxima mais da realidade brasileira39 do que a segunda, que se faz própria das relações “raciais” estadunidenses. Foi neste quadro social que Lilia Schwarcz refletiu sobre esse antigo “dilema ‘racial’ brasileiro” e o fez de modo eloquente, ao afirmar que o tema cor/”raça” evidencia-se: Ainda mais complexo na medida em que inexistem no país regras fixas ou modelos de descendência biológica aceitos de forma consensual. Afinal, estabelecer uma “linha de cor” no Brasil é ato temerário, já que essa é capaz de variar de acordo com a condição social do indivíduo, o local e mesmo a situação.40

Ainda hoje, os vestígios da negatividade à população negra aparecem nos procedimentos, nas práticas e nos discursos cotidianos de uma parte dos

36

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. PNAD 1976. Rio de Janeiro: IBGE, 1977. p. 63.

37

SCHWARCZ, 2001, p. 71.

38

NOGUEIRA, O. Relações raciais no Município Itapetininga. In: FERNANDES, F; BASTIDE, R. (Org.) Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo. São Paulo Anhembi. EdUSP, 1955. Reeditado pela Edusp, 1998, como preconceito de marca: as relações raciais em Itapetininga.

39

Ver discussão, no caso brasileiro: OLIVEIRA, I. (Coord.) Relações raciais no Brasil: alguns determinantes. Niterói: Intertexto/UFF, 1999; PAIXÃO, M. A dialética do bom aluno: relações raciais e o sistema educacional brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008. Cf. especialmente, Capítulo 1: “Desigualdades raciais nos indicadores educacionais brasileiros” (p. 14-41).

40

SCHWARCZ, L. M. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In: SCHWARCZ, L. M. História da vida privada: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 182.

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brasileiros. Constantemente, vimos pessoas não totalmente brancas e não completamente negras se autodeclarando pardas,41 num comportamento de quase semiconsciência de naturalização dessas estigmatizações estruturantes, impetradas socialmente, mesmo sem desconhecer a vulnerabilidade com que o termo pardo constitui quase um não lugar para esses agentes nem brancos nem pretos. Sobre esse termo classificatório, acordamos como “um verdadeiro saco de gatos. Tudo o que não se enquadra nas outras categorias é jogado lá dentro. É a lata de lixo do censo”,42 ou seja, pardo se enquadra como um “curinga, já que tudo que não cabe em outros lugares ali se encaixa”.43 Assim, não conseguimos definir a nossa cor e criamos um “verdadeiro Carrefour de termos e nomes”44 para nomear o impossível de expressar diante da nossa imprecisão nesse campo, criando uma infindável escala cromática, na tentativa quase frustrada de tornar invisível45 o visível. No Brasil, essa autodeclaração, não raras vezes, passa a existir como uma alternativa dos não brancos para uma pretendida e complexa mobilidade social.46 Essa posição se torna mais aguda, sobretudo se estes fizerem parte de 41

É quase consenso na literatura que se refere às relações “raciais” no Brasil sobre as desigualdades sociais, as quais se interpenetram a diferenciação por grupos de cor. Para discussão pormenorizada, sob diferentes abordagens, ver: OLIVEIRA, F. Ser negro no Brasil: alcance e limites. Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 50, jan./abr. 2004; TEIXEIRA, M. P. Relações raciais na sociedade brasileira. Cadernos Penesb, Rio de Janeiro, 2006; BELTRÃO, K. I.; TEIXEIRA, M. P. O vermelho e o negro: raça e gênero na universidade brasileira: uma análise da seletividade das carreiras a partir dos censos demográficos de 1960 a 2000. Rio de Janeiro: IPEA, 2004. (Texto para Discussão, n. 1052); NOGUEIRA, O. Preconceito de marca: as relações raciais em Itapetininga. São Paulo: EdUSP, 1998; OSÓRIO, 2004; TEIXEIRA, M. P. A questão da cor de um grupo de baixa renda. Caderno Cândido Mendes – Estudos Afro-Asiáticos, n. 14, p. 85-97, set 1987; GONÇALVES, V. L. S. Tia, qual é meu desempenho?: percepções de professores sobre o desempenho escolar de alunos do e sociedade negros. Cuiabá: Ed. UFMT, 2007. (Coleção Educação e Relações Raciais, 7); GUIMARÃES, A. S. A. Preconceito racial: modos, temas e tempos. São Paulo: Cortez, 2008. (Preconceitos, v. 6).

42

FELINTO, M. Em defesa do mestiço. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 7, 1995.

43

SCHWARCZ, 2001, p. 67.

44

SCHWARCZ, 2000, p. 34.

45

Ellison, R. Invisible Man. 2. ed. Random House, Second Vintage International Edition, New York: 1995.

46

Cf. discussão sobre cor e mobilidade em PEREIRA, J.B.B. Cor, profissão e mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo. 2. ed. São Paulo: EdUSP, 2001. p. 127-178.

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uma esfera social e economicamente mais elevada. Por esse motivo, alguns autores questionam a validade dos censos, pois acreditam que o “dinheiro embranquece”, de acordo com o senso comum. Ratificando essa crença, Marvin Harris defendeu, sob controvérsias, em sua pesquisa que, em alguns dos casos investigados, pardos com condição social mais elevada eram classificados e autoclassificados como brancos, e brancos com situação econômica baixa eram classificados como pardos.47 Tal constatação (a despeito da distância do tempo) não discrepa inteiramente da atualidade. Porém, essa classificação também depende do ponto de vista do pesquisador encarregado pelo levantamento. A despeito dessa alternativa, os não brancos não estão isentos da discriminação “racial”, como enfatizamos: ser negro é mais excludente que ser pobre, como bem nos alertaram Carlos Hasenbalg48 e Nelson do Valle Silva49 que, ao analisarem os dados produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constataram desigualdades econômicas e sociais entre brancos e não brancos – sustentando a impossibilidade de serem justificadas mais pelo passado escravista,50 nem podem ser explicadas pela pertença desses agentes a classes distintas, porque essas desigualdades são resultado de diferenças de oportunidade de vida e de formas de tratamento muito distintas a esses agentes pela sociedade.51 Por isso, urge uma tomada de decisão, a fim de demonstrar como o racismo tem sido produzido cotidianamente, sob as mais variadas formas, as quais “têm na cor um modo privilegiado de se esconder dos agentes [sociais] e se mostrar simetricamente aos sociólogos”.52

47

HARRIS, 1964.

48

HASENBALG, 1991.

49

SILVA, N. V. O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 21-44, 1980.; SILVA, N. V. Morenidade: modo de usar. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 30, p. 79-95, dez. 1996.

50

Cf. FERNANDES, F.; BASTIDE, R. Brancos e negros em São Paulo. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1959.

51

Cf. em SILVA, N. V., 1980; 1996.

52

GUIMARÃES, A. S. A., 1995, p. 58.

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Entre os estudos sobre a cor/“raça” no Brasil, destacamos aquele de Edith Piza e Fúlvia Rosemberg. Ao refletirem sobre a coleta censitária no Brasil, explicitam como as pessoas se classificam racialmente e classificam as outras. O estudo aponta como as nomeações estão estritamente ligadas às características fenotípicas. No entanto, os brancos aparecem racialmente “neutros”, pois não precisam de nomeações, representam a si mesmos e não a um grupo. Ao contrário, os negros são nomeados por alguns, principalmente pelo movimento social que os representa,53 assim como afro-brasileiros ou afrodescendentes, para outros. Entendemos, contudo, que essa polionomasia não torna a população negra isenta de discriminação. Na verdade, é tornar-se visível54 no nome politicamente correto, mas conviver com uma invisibilidade simbólica. São, de fato, necessárias mudanças estruturais na sociedade, sobretudo na alteração da representação negativa sobre o negro. Esses agentes têm grande responsabilidade para sobrepujar e desvencilhar-se – o que tem sido realizado em diversas ações dos movimentos sociais e suas intersecções55 – de 53

PIZA, E.; ROSEMBERG, F. Color in the Brazilian Censuses. In: REICHMANN, R. (Org.). From indifference to inequality: Race in Contemporary Brazil. [S.l.: s.n.], 1997.

54

Ver discussão sobre invisibilidade e imagem, em JOLY, M. Introdução à análise da Imagem. Campinas, 1996. Ver, também: PEREIRA; GOMES, 2001, p.137.

55

Ressaltamos um desses exemplos: o momento histórico no primeiro semestre de 2012, sobre o caráter constitucional relativo ao sistema de cotas “raciais” em universidades. Em maio do ano corrente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Partido Democratas (DEM), contra atos da Universidade de Brasília (UnB), do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (Cepe) e do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe), os quais instituíram sistema de reserva de 20% de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes, com base em critério étnico-“racial”. Os ministros observaram o princípio constitucional da igualdade, examinado em seu duplo aspecto: formal e material. Rememorou-se o art. 5º, caput, da CF, segundo o qual ao Estado não seria dado fazer qualquer distinção entre aqueles que se encontrariam sob seu abrigo. Frisou-se, entretanto, que o legislador constituinte não se restringira apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos diante da lei. Ele teria buscado emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros que viveriam no país, consideradas as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos, sociais ou até mesmo acidentais. Além disso, atentaria especialmente para a desequiparação entre os distintos grupos sociais. Asseverou-se que, para efetivar a igualdade material, o Estado poderia “lançar mão” de políticas de cunho universalista – a abranger número indeterminado de indivíduos – mediante ações

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determinados vínculos que passaram de físicos para simbólicos. Em geral, a nomenclatura para autoclassificar-se e classificar o outro ainda se constitui um dilema a ser, inesgotavelmente, estudado. Percebemos um fosso evidente na compreensão da aplicabilidade da terminologia “racial” dos censos e a sua reinterpretação pelos sujeitos na incessante troca entre o olhar de si e o olhar do outro que (in)formam o campo da identidade “racial”.56 De tal modo, identidade étnica no Brasil se restringe à “morenidade”57 ou ao “amarronzamento”,58 tão decantados em prosa e verso, ainda hoje. No Brasil, o ser ou não ser negro constitui-se numa posição política,59 fruto de uma construção social, que se configura em processos muito além de uma tez clara ou escura. O sentimento de identificação social do agente, de pertencimento a uma cor ou “raça”, associa-se, inevitavelmente, ao coletivo. Porém, incisivamente ecoam os processos pelos quais a sociedade define e reconhece o agente, o que consiste nas chamadas lutas de classificação60 impostas pela percepção do todo social. A representação do negro sobre si mesmo, ao ser nomeado na sociedade e ao ver-se tomado por esse ideal, ou seja, pelo legitimado socialmente, passa a existir daquele modo ou o faz tornar-se invisível, inclusive, por conta dessas incorporações reproduzidas nos de natureza estrutural; ou de ações afirmativas – a atingir grupos sociais determinados – por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares. Certificou-se que a adoção de políticas que levariam ao afastamento de perspectiva meramente formal do princípio da isonomia integraria o cerne do conceito de democracia. Anotou-se a superação de concepção estratificada da igualdade, outrora definida apenas como direito, sem que se cogitasse convertê-lo em possibilidade. 56

PIZA, E. Cor nos censos brasileiros. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S. (Org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 93.

57

Nelson do Valle Silva discute a viabilidade ou não da mudança nos critérios de classificação de cor de pesquisas de caráter estatístico no Brasil, nos quais, segundo ele, se alteraria a classificação de pardo para moreno, polêmica levantada numa das mais recentes pesquisas sobre a questão “racial” no país (SILVA, N. V. 1996, p. 79-95).

58

SKIDMORE, T. E. Fact and myth: Discovering a racial problem in Brazil. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, 1992. p. 30. (Série História das Ideologias e Mentalidades, 2). (Coleção Documentos).

59

Ver tal argumento em SOUZA, 1990.

60

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a. p. 54-55.

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campos sociais, ainda que reconheçamos a diligente resistência. Portanto, “pertencimento e sentimento de pertencimento são ligados à identificação, sem com ela confundir-se”.61

Conclusões Da cor do pecado, não diferentemente de alguns dos preceitos das teses – do racismo científico e de seus desdobramentos históricos – do final do século XIX e início do XX, no que tange à ligação da cor, neste caso a preta, constitui-se em associações vinculadas ao negativo, ao erotismo, à excessiva sexualização.62 No entanto, essas ideias, entre muitas outras, são difundidas e pulverizadas sob o manto das sutilezas que as conveniências sociais e o politicamente correto permitem. Ainda assim, deixam transparecer as representações sobre o significado e sobre o “peso” da cor assumidos para muitos dos brasileiros não brancos. Consequentemente, definir-se menos negro do que se é realmente é resultante, também, de incorporações das rejeições sociais àquela cor,63 pois demarca uma relação com o nosso passado, não exclusivamente,

61

LEDRUT, R. Représentation de l’ espace et identitities régionales. In: Espaces et culture. Berna: Georgi, 1813 [Saint-Saphorin, 1983]. p. 88-90.

62

O trabalho de Edmilson de Almeida Pereira e Núbia Pereira de Magalhães Gomes retrata, de forma aguda, essa representação das imagens da mulata exuberante e a do negro viril, apropriação tomada do mito da potência sexual e da virilidade que o corpo sugere: “o negão viril” associa-se “esteticamente de modo a não significar ameaça para o observador, mas, ao contrário, para oferecer-se a ele como objeto do desejo”. (PEREIRA; GOMES, 2001, sobretudo entre as p. 107-224). Vale, também, assistir ao Documentário do cineasta Joel Zito Araújo, 2009. O filme Cinderelas, lobos e um príncipe encantado tem por temática a exploração sexual e as relações “raciais” no Brasil, e por objeto o turismo sexual racialmente orientado no Nordeste brasileiro (Cinderelas, lobos e um príncipe encantado. Direção: Joel Zito Araújo; Produção: Luís Carlos de Alencar; Roteiro: José Carvalho, Joel Zito Araújo; Fotografia: Alberto Belezzia; Direção de arte: Fábio Arruda, Rodrigo Blaque (Arte e Videografismo); Edição: Márcia Watzl. Casa de Criação Cinema, 2009. 1 documentário, 1h47min.).

63

Maria Caetana Damasceno faz uma análise de práticas culturais, como a questão da “boa aparência”, que é apenas uma forma de identificar o branco ou de como o conceito “branco” é construído no Brasil, ou nas relações feitas entre cor e classe, ou por meio de visões pessoais sobre como as questões de raça e cor operam no Brasil, facilitando a mobilidade de uns e impondo dificuldades a outros (DAMASCENO, M. C. Em casa de enforcado não se fala em corda: notas a construção da “boa aparência no Brasil”. In: GUIMARÃES, A. S. A.; HUNTLEY, L. W. (Org.). Tirando a máscara: ensaios sobre racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 165-199).

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mas com as relações culturais, sociais e econômicas dominantes e hierarquizadas, presentes na contemporaneidade, reeditadas e letalmente atingíveis. Na verdade, percebemos aqui “a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação”.64 As relações idílicas entre brancos e não brancos – a partir do “mito edênico”,65 e entendidas como harmônicas, “um paraíso aberto a todos” –, em verdade, são fundadas numa hierarquia desigual e excludente. Esse sistema se baseia na lógica na qual “o negro preenche geralmente as funções correspondentes ao seu ‘status’ social, ocupando os lugares ‘inferiores’”,66 ou mais recentemente: “cada coisa tem um lugar, demarcado e, como corolário, cada lugar tem sua coisa”.67 As portas desse “paraíso” podem até estar abertas aos não negros – ou brancos da sociedade brasileira, mas, certamente, estarão entreabertas para a população negra, no que concerne à mobilidade social68 e aos seus desdobramentos efetivos, no âmbito da sociedade mais global. Tal fator se processa, para a população negra, independentemente de uma tez mais escura ou mais clara, abastado ou indigente, acadêmico ou não. Ou seja, mesmo aqueles que se encontram no âmbito da formação de massa crítica e, por conseguinte, do conhecimento.69 A cor torna-se um entrave que os acompanha em qualquer campo social pelo qual venham a transitar, sob

64

RUTHERFORD, J. Identity: community, culture, difference. Londres: Laurencand Wis, 1990.

65

CARVALHO, J. M. Terra do nunca: sonhos que não se realizam. In: BETHELL, L. (Org.). Brasil fardo do passado, promessa do futuro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 47-75.

66

FERNANDES, F. O negro na tradição oral: reação do elemento negro sobre folclore ibérico e ameríndio. O Estado de S.Paulo, São Paulo, p. 4-5, 1º jul. 1943.

67

MATTA, R. da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. p. 84.

68

PASTORE; SILVA, 2003.

69

Cf. em Kabengele Munanga, ao falar sobre este aspecto, ele diz: “Os raros negros instruídos que escaparam dos trabalhos manuais menos remunerados e conseguiram ocupar posições reservadas aos colegas brancos recebem salários inferiores aos colegas brancos do mesmo nível de formação. O que desmente a posição da direita liberal que pensa que, quando os negros tiverem a posição uma boa formação e a capacidade de competitividade no mercado de trabalho, as portas do paraíso lhes serão indiscriminadamente abertas” (MUNANGA, K. O anti-racismo no Brasil. In: MUNANGA, K. (Org.). Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: EdUSP, 1996. p. 83).

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Capítulo 1 Uma reflexão sobre a naturalização da “cor legítima” ao Brasil

qualquer condição social e profissional,70 fora daqueles já naturalizados como o seu “lugar”, por exemplo, o futebol e o carnaval. A população negra, em alguma medida, parece submetida a uma dominação simbólica, imposta a partir das representações negativas produzidas por parte da sociedade, em decorrência da cor. Disso advertem-nos os versos do poeta Ventura, referidos no início deste capítulo. Infelizmente, há quase anuência simbólica de todos os agentes da sociedade71 para que essa representação continue a ser legitimada, incorporada e, por conseguinte, reproduzida pelos agentes sociais. Apesar dessa possível aquiescência, a sociedade como um todo pode e deve opor-se – como tem feito – a essa mesma representação, em nome da responsabilidade social e da busca efetiva da cidadania independentemente da epiderme, para a subversão da “cor legítima” no Brasil – no sentido incorporado na atualidade.

70

Entre profissionais liberais com a mesma formação e mesmo nível socioeconômico, cabe aos negros uma remuneração menor do que a média dos brancos (EGHARARI, I. R. Participações especiais. In: RAMOS, S. Mídia e racismo. Rio de Janeiro: Pallas, 2002. p. 152-160).

71

Sobre essa ambiguidade, vale a pena ler João Baptista Borges Pereira, para quem: “O Brasil é um país racista? Sim e não. O Brasil é uma democracia racial? Sim e não. Somos racistas e não racistas. Somos democráticos e não democráticos no plano das relações raciais” (PEREIRA, J. B. B. Racismo à brasileira. In: MUNANGA, K. (Org.). Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: EDUSP, 1996. p. 75).

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Capítulo 2

Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará1

1

Artigo publicado originalmente em Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeio, v. 12, p. 39-56, 2007.

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Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

Há uma anedota antiga – não tão antiga e nem tão engraçada –; trata-se da forma pela qual a cor era enfrentada nos Estados Unidos. Ela conta a história de um presidente norte-americano – fictício, notem bem – que resolvera dar um fim aos conflitos “raciais” daquele país. A solução era acabar com a discriminação “racial”:2 a partir de determinado momento, não haveria mais brancos ou negros, todos seriam verdes. Pois bem, a estória continuava afirmando que, depois da lei colocada em prática, uma família negra entrara em um coletivo e sentara-se em um dos bancos da frente. O motorista freou o veículo violentamente, e ordenou à família o posicionamento nos fundos do ônibus. Um dos familiares argumentou, então: com a nova lei, a segregação terminara e a ocupação dos coletivos não respeitava mais nenhum critério de separação por cores, uma vez que havia, agora, uma única cor. O motorista concordou, mas esclareceu: verde-claros na frente, verde-escuros atrás. Apesar de desconhecida das gerações mais novas, a anedota brasileira sobre a problemática “racial” estadunidense deixa evidente a forma pela qual a sociedade brasileira lida com a questão da cor. Ela pretende evidenciar um problema alheio à nossa realidade, uma disposição para o conflito que recebe, a despeito do tom bem-humorado, um sinal negativo: as tentativas de eliminar os problemas “raciais” agravam-nos porque os trazem à tona, quando deveriam permanecer no silêncio – deveriam ficar ausentes. Essa anedota, é importante que se diga, frequentou os salões tidos como os mais refinados 2

Sobre relações “raciais” nos Estados Unidos, ver: MASSEY, D. S.; DENTON, N.A. American apartheid: segregation and the making of the underclass. Cambridge: Harvard University Press, 2003; KLARMAN, M. From Jim Crow to civil rights: the supreme court and the struggle for racial equality. J. New York: Oxford University Press, 2004.

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da sociedade brasileira. Em outros ambientes, menos sofisticados, a verdade aparecia em ditos que, pretendendo-se espirituosos, expunham os limites do mito da democracia “racial”3 brasileira: branco quando corre é cooper, preto quando corre é ladrão; preto quando não suja na entrada, suja na saída; deixa de crioulice!4 A coexistência dessas duas formas de viver a questão da cor – ironizando a incapacidade norte-americana para a harmonia e a miscigenação5 e, ao mesmo tempo, remetendo o negro para uma condição subalterna e indigna – fez da cor, no Brasil, uma instituição ausente. Ela existe e não existe. É confuso mesmo: o Brasil é tido como mestiço, seus ícones culturais são mestiços, a maior personalidade brasileira de projeção mundial é negra – o jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, o Pelé –, no entanto, somos um país no 3

Sobre o “problema do racismo brasileiro”, cf. Roberto Da Matta, especialmente entre as p. 64-95 (MATTA, R. da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2010). Em seu trabalho Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades raciais no Brasil. 2. ed. Tradução Patrick Burglin. Belo Horizonte: UFMG; RJ: IUPERJ, 2005. O autor enfatiza que esse conceito tende a “socializar a totalidade da população (brancos e negros igualmente), e a evitar áreas potenciais de conflito social”. A onipresença do discurso da democracia “racial” funciona como obstáculo à enunciação do fenômeno da discriminação “racial”. Tem por efeito paradoxal perpetuar as distorções raciais, pois, ao negar-se que o país tem problemas raciais, torna-se difícil resolver uma questão supostamente inexistente (Ver: GUIMARÃES, A. S. A. Classes, raças e democracia. São Paulo: Ed. 34, 2002; GUIMARÃES, A. S. A. As elites de cor e os estudos de relações raciais. Tempo Social, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 67-82, out. 1996; GOMES, N. L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 39-62; BATISTA, M. A. R., GALVÃO, O. M. R. Desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro. Estudos Afro-Asiáticos, n. 23, p. 71-95, dez. 1992).

4

Para os autores Pereira e Gomes, a mídia expande os conceitos compartilhados no dia a dia, embora os indivíduos exprimam esses conceitos como propriedade particular (Conferir em: PEREIRA, E.; GOMES, N. P. M. Ardis da imagem: exclusão étnica e violência nos discursos da cultura brasileira. Belo Horizonte: Mazza; Ed. PUC Minas, 2001, p. 35).

5

Conferir especialmente o Capítulo II – “A mestiçagem no pensamento brasileiro”, na obra de Munanga (2004). A natureza do debate sobre a mestiçagem no Brasil, a despeito de conviver permanentemente com ambiguidades e contradições no decorrer dos últimos 100 anos. Embora no período final da escravidão o mestiço fosse visto como uma degeneração “racial”, a miscigenação já aparece no discurso dos abolicionistas como solução para evitar a polarização de “raças” no país (MUNANGA, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004a. p. 53-90).

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qual a cor aparece pouco. Nossas novelas6 estão repletas de atores que parecem ter saído de uma soap opera norte-americana; as propagandas abundam nos jornais, revistas e televisões são estreladas por modelos brancos, em sua maioria; as bonecas mais vendidas no Brasil são loiras; e um dos ícones da cultura brasileira – mestiça brasileira –, com raízes na herança africana, o samba, comporta versos famosos, como aquele de Lamartine Babo e Irmãos Valença, de 1931, que diz, ainda que reconheçamos o contexto no qual fora produzido: “o teu cabelo não nega, mulata, porque és mulata na cor, mas como a cor não pega, mulata, mulata eu quero o teu amor!” A cor no Brasil é como aquele sujeito que está só de corpo presente – ele está ali, mas ninguém vê, ninguém nota, ninguém se interessa. Todos sabem de sua existência, mas não há manifestação, reconhecimento, valorização ou coisa que o valha e indique que aquele sujeito está vivo, é importante, é querido. Este capítulo problematiza como a cor esteve ausente, no sentido da discussão aberta, da formação de professores oferecida pelo Instituto de Educação do Estado do Pará (IEEP), a despeito da presença maciça de alunas registradas como pardas ou negras em seu quadro discente. Ele demonstrará como as alunas tidas como mestiças de negra7 ou negras estiveram no IEEP só de corpo presente; sua condição “racial” nunca ultrapassou os portões do Instituto.

6

Vide em: ARAÚJO, J. Z. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: SENAC, 2000, notadamente o Capítulo intitulado Televisão e racismo – ou como a telenovela compreendeu que a estética sueca é de fato o melhor modelo para o Brasil (p. 24-40).

7

O Movimento Social Negro tem ressignificado o termo negro para definir a parcela da população brasileira constituída de descendentes de africanos (pretos e pardos). Negro, então, constitui-se em uma designação que define um grupo com traços culturais identificáveis, herdados, e também tacitamente denominado de minoria. (Para uma discussão aprofundada sobre essas questões, ver MUNANGA, K. (Org.). Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: EdUSP, 1996; IDEM. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1986. Para Jacques d’Adesky, em vez de perguntar quem é negro, seria oportuno questionar quem é objeto de privações por motivos de “raça”, cor da pele ou pertença étnica. Para esse autor, tal formulação permitiria resolver o dilema da cor, assim como sinalizar melhor as pessoas ou grupos discriminados dentro de uma perspectiva de norma legal (D’ADESKY, J. Antiracismo: liberdade e reconhecimento. Rio de Janeiro: Daudt, 2006. p. 61).

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Este capítulo, portanto, tem como temática o curso de formação de professores oferecido em uma instituição de ensino em Belém do Pará, e como objeto o lugar ocupado pela questão “racial” na formação das professoras oferecida no IEEP no período de 1970 a 1989. Seu objetivo é indicar os modos pelos quais a questão étnico-“racial” se apresentava no sistema educacional do Estado do Pará. Pode-se argumentar como a questão “racial” se tornou uma pauta para o sistema educacional a partir da década de 1990, de modo que ela não constituía uma preocupação no período em destaque. Duas questões podem ser levantadas contra esta assertiva. A primeira, de caráter acadêmico: a antiguidade da questão “racial” no Brasil remonta à década de 1870, se considerarmos, pelo menos, as discussões sobre a substituição da mão de obra escrava pela livre. Desde então, as discussões sobre o futuro do Brasil consideraram a questão “racial” como ponto importante para a formulação de projeções sobre o País e sua identidade. Paradoxalmente, a importância da obra de Gilberto Freyre,8 tanto pelo ineditismo de suas conclusões quanto pela repercussão que conheceu – para o bem e para o mal –, indica o lugar ocupado pela questão ao longo de quase toda a vida do Brasil independente. A segunda questão é de caráter educativo e moral: a ausência de uma política pública não significa a ausência de uma demanda social. As meninas negras9 e pardas certamente perceberam o lugar subordinado ao qual estiveram submetidas ao longo de sua formação. E muitas, ainda hoje, guardam as sequelas da violência simbólica a que foram sujeitadas. Como a educação no Brasil esteve sempre, ao menos no plano discursivo, preocupada com a formação do cidadão e do brasileiro, a ausência de políticas públicas 8

Referimo-nos às obras estruturantes do autor: FREYRE, G. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. 46. ed. São Paulo: Editorial Global, 2003; FREYRE, G. Ordem e progresso: processo de desintegração das sociedades patriarcal e semipatriarcal no Brasil sob o regime de trabalho livre: aspectos de um quase meio século de transição do trabalho escravo para o trabalho livre; e da Monarquia para a República. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

9

Vide discussão circunstanciada em: ROSEMBERG, F. Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo. Estudos Feministas, n. 9, p. 515-540, jul./dez. 2001.

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que considerassem a diversidade indica, ao menos, qual cidadania10 e qual identidade eram pretendidas: aquelas que considerassem os não brancos só de corpo presente. Por fim, cabe considerar que a promulgação da Lei nº 10.639, de 2003,11 a qual inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, ocorreu após um longo período de luta da sociedade civil organizada. O Movimento Social Negro12 luta pela inclusão e pelo reconhecimento da herança cultural africana desde o final dos anos 1960. Os trinta anos anteriores à edição daquela lei foram gastos em intensa luta política, cujas demandas só recentemente têm sido satisfeitas, com a inclusão, no sistema educacional, de conteúdos relacionados à História e a Cultura Afro-Brasileira. O que não quer dizer, evidentemente, não se pensar, 10

Priorizamos neste livro o conceito de cidadania defendido por Jaime e Carla Pinsky, para quem ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. Assim, portanto, ser cidadão é ter direito de voto e ser alvo de votação; ter direitos políticos assegurados. No entanto, os autores advertem que os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem a devida garantia e concretização dos direitos sociais, os quais afiançam a participação do indivíduo na riqueza coletiva, como o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde e a uma velhice tranquila, entre outros. Os autores ressaltam, porém, sem desconsiderar a variação histórica, social e cultural desse conceito; não há, portanto, uma universalização no seu sentido (PINSKY, J.; PINSKY; C. B. (Org.). História da cidadania. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 9-13). Ver ainda: PINSKY, J. (Org.). Práticas de cidadania. São Paulo: Contexto, 2004.

11

A Lei nº 10.639/2003 altera a Lei nº 9.394/1996 e estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial das Redes de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. A Lei nº 11.645/2008 complementa a Lei nº 10.639/2003, ao estabelecer a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, sendo por sua vez fruto de lutas sociais (SANTOS, S. A. A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do movimento negro. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: MEC; Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 21-37).

12

Os movimentos negros no Brasil no campo educacional empreenderam por iniciativas de lutas históricas e ações de mobilização política, de protesto antidiscriminatório (ver: GONZALEZ, L. O movimento negro na última década. In: GONZALEZ, L.; HASENBALG, C. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. p. 9-66; SANTOS, J. R. O movimento negro e a crise brasileira. Rio de Janeiro, Política e Administração, v. 2, n. 2, p. 287-307, jul./set. 1985; GUIMARÃES, A. S. A. Classes, raças e democracia. São Paulo: Ed. 34, 2002; HANCHARD, M. Orfeu e poder: movimento negro no Rio e São Paulo. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; UCAM; Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001; SANTOS, I. A. A. O movimento negro e o Estado: o caso do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Governo de São Paulo. Campinas: Biblioteca Central da UNICAMP, 2001; SILVA, J. A união dos homens de cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50. Estudos Afro-Asiáticos, v. 25, n. 2, p. 215-235, 2003).

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antes, um país que se vê como mestiço deveria considerar a diversidade como matriz do seu sistema educacional. Importa situar, em pouquíssimas linhas, o estado do Pará, para termos ideia da importância do instituto analisado. O Pará surge, em nossa história, um século depois da chegada dos portugueses ao Brasil. Os portugueses tomaram a foz do rio das Amazonas, com o objetivo de proteger o território das invasões de outras nações europeias. A ocupação, no entanto, não se reverteu em exploração econômica significativa, de forma que mais de um século depois, por volta de 1750, ainda não havia moeda corrente e as condições materiais de vida eram muito precárias. Parte dessa situação se deveu ao fato de toda a parte norte do território colonial português ter permanecido isolada do resto da Colônia, por todo o período colonial. Enquanto as colônias do litoral e do sul constituíam o Estado do Brasil, o Maranhão e o Grão-Pará (que hoje conhecemos como os estados do Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima, Pará e parte do Mato Grosso) compunham o estado do Grão-Pará e Maranhão. Esse isolamento foi constante ao longo de todo o período colonial e ao longo de todo o Império. O Pará não conheceu, no período colonial, uma atividade econômica constante e que produzisse muitos dividendos, como ocorreu com a cana-deaçúcar em Pernambuco, o tabaco na Bahia ou o ouro nas Minas Gerais. Só no século XIX, com a extração da goma elástica, ocorreu um surto econômico vigoroso. Todavia, muito da riqueza produzida não se reverteu no estabelecimento de estruturas propícias ao florescimento de outras atividades. Assim, quando a goma elástica brasileira – e paraense – foi substituída pela produção asiática, na virada do século XIX para o XX, o surto econômico foi suspenso e nada havia para tomar seu lugar. Foi a partir do governo de Getúlio Vargas que uma série de políticas foram ensaiadas com o objetivo de se levar desenvolvimento à região. Iniciou-se, então, uma série de projetos de intervenção, conhecidos, muito apropriadamente, por Grandes Projetos. Estes tinham por objetivo alavancar a economia regional por meio de atividades de grande interesse comercial,

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como a exploração de recursos minerais. Em função desses projetos, uma série de enclaves industriais surgiram no estado do Pará e também na região Norte, quase todos voltados para a exploração de recursos minerais.13 O Pará do início dos anos 1970, portanto, era uma unidade da Federação com uma longa tradição de isolamento e estruturas sociais e econômicas em constituição. Era o caso do sistema educacional. Havia um número enorme de analfabetos, crianças e adolescentes fora da escola, e uma deficiência avassaladora de docentes. O Instituto de Educação do Estado do Pará foi, nesse contexto, uma instância fundamental para a busca de soluções viabilizadoras com vistas à reversão do quadro existente. Analisar a forma como a questão “racial” era percebida e vivida naquela Instituição e fazer a reflexão a partir de um ponto de vista privilegiado, diante do lugar ocupado pela Instituição no contexto do estado do Pará, eis mais um de nossos objetivos neste capítulo.

O locus de investigação e os procedimentos teóricometodológicos A aproximação com o IEEP foi um empreendimento difícil. Em que pese a compreensão, ajuda e simpatia dos gestores, o Instituto, como tantas instituições brasileiras, não possui arquivos organizados, não preserva boa parte de seus documentos ou, o que é possível, preserva o considerado importante do ponto de vista administrativo, e não do ponto de vista educacional.

13

Ver, entre outros: WEINSTEIN, B. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec; EdUSP, 1993; SANTOS, R. História econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980; CARDOSO, C. F. Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas: Guiana Francesa e Pará. Rio de Janeiro: Graal, 1984; BRITO, D. C. Extração mineral na Amazônia: a experiência da exploração de manganês da Serra do Navio no Amapá. 1994. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 1994; GONDIM, L. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994. MARTINS, J. S. Vida privada nas áreas de expansão da sociedade brasileira. In: SCHWARCZ, L. M. (Org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 659-726; QUEIROZ, J. M.; COELHO, M. C. Amazônia, modernização e conflito (séculos XVIII e XIX). Belém: UFPA; Macapá: UNIFAP, 2001.

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De toda forma, foi por lá iniciada nossa jornada, e não poderia ser de outra forma. Nos arquivos do Instituto encontramos a maior fonte de informações para a pesquisa realizada e a partir da qual se originou este capítulo: a ficha individual das alunas. Trata-se de um documento estruturado anualmente, contendo as informações seguintes: nome, turma, turno, série, notas e média final de aprovação. Reunimos uma série completa, representando uma amostragem de aproximadamente 10% do total de alunas formadas ao longo dos 20 anos analisados, perfazendo 1.239 fichas. Para analisá-las apropriadamente, consultamos as certidões de nascimento existentes no Instituto, relativas a cada uma das alunas cujas fichas haviam sido selecionadas. Esses dados, ficha e certidão, permitiram-nos considerar: percentual de alunas por cor/“raça”, índices de frequência de cor/“raça” por turno, índices de aprovação por cor/“raça” e índices de alunas na instituição. A prodigalidade de fichas de alunas e certidões de nascimento não se repetiu em outros suportes de dados. As mudanças, os sinistros e a falta de condições de guarda e manutenção de documentos conservaram pouquíssimos planos de disciplinas, mesmo em se tratando de período tão recente. Reunimos 69 planos. Com relação a eles, muitos se encontravam incompletos: uns sem o registro da bibliografia, outros sem a indicação de estratégias, e ainda alguns sem os indicadores de avaliação. Todos, no entanto, traziam o registro do conteúdo, o que se constituiu no dado privilegiado pela pesquisa. A partir dele, sopesamos a incidência de temas relacionados à questão “racial” no processo de formação docente. Ainda com relação aos planos, poucos deles traziam a indicação bibliográfica. Nós nos ativemos aos que a traziam, e a consideramos para a investigação da base teórica subjacente às disciplinas e, por extensão, à formação oferecida pelo Instituto. O capítulo, assim como o livro, tem como base teórica a praxiologia de Bourdieu,14 especialmente relativa à noção de

14

BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 6. ed. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996; BOURDIEU, P. As regras da arte: gênese e estrutura de campo literário. Tradução Maria

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habitus15 e campo,16 reprodução e poder simbólico, e para o trato com os conteúdos advindos dos documentos orais e escritos, utilizamos a análise do conteúdo de Laurence Bardin.17 Embasamo-nos, também, no conceito de representação na perspectiva de Roger Chartier,18 que o considera como construções dinâmicas. Ao propor que se trata de uma formulação social e histórica, o autor pontua as representações em mutabilidade contínua. Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2002a; BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a. 15

A partir das reflexões de Pierre Bourdieu, especialmente, assume-se o conceito de habitus como um princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco de escolhas de pessoas, de bens e atitudes. Ou seja, ele compreende um conjunto de práticas distintas e distintivas, esquemas de classificação, visão e gostos diferentes. Desse modo, diante de uma exposição repetida, as condições sociais definidas imprimem nos agentes um conjunto de disposições duráveis e transferíveis: a interiorização da realidade externa, das pressões de seu meio social inscritas no organismo. O habitus, nesse sentido, seria um aporte de apreensão e exercício de racionalidade prática, inerente a um sistema histórico de relações sociais; de modo que o habitus transcende o agente social. Suas construções o relacionam a um arcabouço apreendido, um conhecimento adquirido em ação, que permite ao agente desenvolver estratégias individuais e coletivas. O conceito de habitus encaminha a noção de um aporte que informa a mediação entre as dimensões objetiva e subjetiva do mundo social – o lugar do agente que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas posições. Traduz-se em estilos de vida, julgamentos políticos, morais e estéticos. Para dizer de outro modo, um princípio gerador duravelmente armado de improvisações regradas (BOURDIEU, 2010a; 2002a; BOURDIEU, P. Pierre Bourdieu entrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2002b; BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 6. ed. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996; NOGUEIRA, M. A.; Catani, A. Pierre Bourdieu: escritos de educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999; VASCONCELOS, M. D. Pierre Bourdieu: a herança sociológica. Educação & Sociedade, ano 33, n. 78, p. 77-87, abr. 2002).

16

O habitus orienta a prática dos agentes entendida, por Bourdieu como uma “relação dialética” entre uma situação e um habitus. A prática, assim, somente se realiza na medida em que as disposições duráveis dos agentes entram em contato com uma situação. Essa situação constitui-se no campo. Ele configura-se em um espaço social com estrutura própria, relativamente autônoma em relação a outros espaços sociais, isto é, em relação a outros campos sociais. Mesmo mantendo uma relação entre si, os diversos campos sociais se definem por meio de objetivos específicos, os quais lhe garantem uma lógica particular de funcionamento e de estruturação. Campo, entendido, portanto, como território de encontros e disputas assimétricas, em que grupos dominantes, operando com seu poder simbólico, negam ou desqualificam discursos e práticas adversas aos seus referenciais e reafirmam atitudes e posturas, cujo objetivo final é a continuidade das estruturas hegemônicas (conferir discussão em: BOURDIEU, 2010a; 1996; VASCONCELLOS, 2002).

17

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antônio Reto e Augusto Pinheiro. 5. ed. Lisboa: Edições 70, 2010.

18

CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand, 1990.

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Destaca ainda que elas não são ingênuas, pois compõem um aparato de distinção e identificação dentro de um universo social em conflito. Nesse sentido, as representações se configuram em um dos componentes das lutas sociais, ao se constituir em estratégias de dominação e estigmatização de grupos concorrentes ou tidos como subalternos. Fora do Instituto, trabalhamos no sentido de reunir dados viáveis a uma análise circunstanciada do objeto recortado para investigação. Assim, consultamos dados estatísticos formulados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), especialmente os relativos à distribuição da população por cor/“raça”. Por meio deles, constatamos as condições da população negra no Brasil naquele período, tanto no que concerne aos indicadores econômicos quanto aos educacionais. Entendemos ser necessário, também, considerar o pensado por parte da sociedade paraense sobre a questão educacional. Sendo a noção de reprodução uma de nossas balizas teóricas, elegemos a mídia escrita paraense como o meio a partir do qual perscrutaríamos uma parte da sociedade. Assim, reunimos 250 artigos publicados na imprensa19 paraense naquele período. Neles, averiguamos a representação construída por parte da sociedade acerca da educação à época. Além disso, essas matérias nos pareceram basilares, uma vez que os professores do Instituto recorreram repetidamente aos jornais como recurso didático. Consideramos, por fim, ouvir professoras e alunas daquele Instituto. Assim, recolhemos o depoimento de dez representantes do corpo docente e dez representantes do corpo discente. Tais depoimentos prestaram-se como dados subjetivos, os quais serviram de contraponto às indicações dos dados estatísticos. Com relação às professoras, selecionamos docentes atuantes no Instituto no período estabelecido como recorte para a pesquisa. O mesmo foi feito com relação às alunas, sendo que, neste caso, privilegiamos aquelas atuantes como professoras e autodeclaradas negras. A impossibilidade de 19

Vide Capítulo 3.

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encontrar a décima aluna inserida no magistério obrigou-nos a recolher o depoimento de uma aluna desempregada. Como técnica de análise dos documentos escritos e orais, a fim de satisfazer os objetivos propostos, como já adiantado, inspiramo-nos nas formulações de Laurence Bardin20 relativas à análise de conteúdo, a qual se desdobra, neste trabalho, em dois tipos de análise: uma, própria para documentos escritos; outra, própria para documentos orais construídos, coletados das professoras e alunas do período privilegiado (1970-1989). Nossa escolha se deve à possibilidade de melhor delimitar o objeto deste estudo, uma que vez que nesse período se ofereciam cursos de formação para o exercício do magistério, em nível secundário, conforme previa a Lei nº 5.692/1971.21 Além disso, diante da escassez de quadros funcionais, o estado do Pará facultou o exercício do magistério, no segundo ciclo do antigo 1º Grau (5ª a 8ª série), aos professores de nível médio. Assim, uma parcela significativa dos docentes do antigo 1º Grau no estado recebeu sua formação no IEEP e exerceu a profissão em todas as séries abrangentes daquele grau. A década de 1970 inicia-se com a promulgação da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, a qual fixou diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º Graus, a exemplo da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, a qual fixou normas de organização e funcionamento do ensino de 3º Grau. Conhecidas como parte

20

BARDIN, L, 2010.

21

O golpe de 1964 exigiu as adequações devidas no campo educacional mediante mudanças na legislação do ensino. Em decorrência disso, a Lei nº 5.692/71 modificou os ensinos primário e médio, alterando sua denominação respectivamente para primeiro grau e segundo grau. (Conferir discussão ampliada em: SAVIANI, D. Análise crítica da organização escolar brasileira por meio das leis nº 5.540/68 e 5.692/71. In: GARCIA, W. (Org.). Educação brasileira contemporânea. São Paulo: McGraw-Hill, 1976. p. 174-194; SAVIANI, D. Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 1999; SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação e política. Campinas, SP: 38. ed. Campinas: Autores Associados, 2006; SAVIANI, D. Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1982; VIEIRA, S. L. A educação nas Constituições brasileiras: texto e contexto. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 88, n. 219, p. 291-309, maio/ago. 2007; GHIRALDELLI JR., P. História da educação. São Paulo: Cortez, 1991; CHAGAS, V. O ensino de 1º e 2º graus: antes, agora e depois?. São Paulo: Saraiva, 1984; GERMANO, J. W. Estado militar e educação no Brasil (1984-1985). 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

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de uma política de democratização do ensino, ambas as leis mantiveram, no entanto, o ensino público superior fora do alcance de grande contingente da população estudantil, enquanto a educação básica perdeu em conteúdo e qualidade. Em decorrência disso, houve um aumento considerável da rede privada de ensino superior, a qual pretendeu contemplar aquelas parcelas que ficaram de fora da rede pública – pela má qualidade do ensino ofertado, no caso do ensino de 1º e 2º Graus, ou pela dificuldade do acesso, como ocorreu com a educação superior. Foi em relação a esse quadro que Bárbara Freitag22 sugeriu que a educação básica em âmbito nacional, implementada pelo Estado naquele momento, por meio daquela lei, não preparou os estudantes nem para o propalado – a formação técnica e profissionalizante – nem para o ensino superior. A precariedade da formação oferecida pode ser avaliada pelo fato de que, à exceção dos habilitados para o magistério, poucos foram incorporados à máquina do Estado. Dois fatores contribuíram para esse sucesso dos remanescentes do curso de formação de professores: a chamada democratização do ensino e o aumento do número de alunos nos cursos de Pedagogia, em nível superior. A ideia da democratização, quando associada à política educacional23 subjacente às leis em questão, não deve ser entendida como uma tentativa de redimensionamento do poder político e de aumento da participação política do cidadão. Editadas que foram pelo regime militar,24 no auge de sua sanha

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FREITAG, B. Escola, Estado e sociedade. São Paulo: Cortez, 1979.

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A política educacional do regime militar faz parte do contexto em que o Estado assume cunho ditatorial voltado para os interesses do capital. (Sobre este tema, conferir: SAVIANI, D. O legado educacional do Regime Militar. Cadernos Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008; CUNHA, L. A.; GÓES, M. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1996; Belo Horizonte: Mazza, 2009; BATTISTUS, C. Terezinha et al. Estado Militar e as reformas educacionais. Educere, v. 1, n. 1, p. 227-231, jan./jun. 2006. Cf. ainda, em: NASCIMENTO, M. N. M., SILVA, R. A., CLARK, J. U. A administração escolar no período do governo militar (1964-1984). Revista Histedbr On-line, v. especial, p. 124-139, 2006; CLARK, J. U.; NASCIMENTO, M. N. M.; SILVA, R. A. 2010; GERMANO, 2005.

24

Sobre este período consultar, ainda: GASPARI, Hélio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; FICO, C. O regime militar no Brasil (1964-1985). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005; GERMANO, 2005.

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autoritária, elas pretenderam, por um lado, silenciar a elite intelectual presente nas universidades, e, por outro, aumentar o número de trabalhadores escolarizados. Assim, a propalada política de democratização implicou no aumento do número de vagas nos ensinos de 1º e 2º Graus. No Pará, uma das iniciativas tomadas com vistas à sua execução foi a expansão do curso de formação de professores, de forma a contemplar os municípios do interior do estado. A Fundação Educacional do Pará (FEP), por meio do Instituto de Educação do Estado, instalou em dez municípios o curso de formação de professores para as quatro primeiras séries do 1º Grau – correspondentes ao antigo primário. Tais cursos eram de nível secundário, correspondendo ao preceito legal de que o 2º Grau se configurasse em ensino profissionalizante. Era a primeira transferência do IEEP para o interior, em regime intensivo. O curso recebeu apoio do Clube de Mães em Alenquer, e do prefeito de Oriximiná, além dos outros municípios onde foi instalado. O curso era realizado em convênio com o Ministério da Educação (MEC), a Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC) e a FEP. A década de 1980 ficou marcada, em âmbito regional, em primeiro lugar, pelas tentativas de abandono das práticas vistas como tradicionais e pela reação às diretrizes que nortearam a prática pedagógica25 na década anterior. 25

A propósito de prática pedagógica, em discussões correntes, ver: VEIGA, I. P. A. A prática pedagógica do professor de didática. 2. ed. Campinas: Papirus, 1992; VEIGA, I. P. A. (Org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 14. ed. Campinas: Papirus, 2002; compartilhando da mesma perspectiva de Veiga, ver o estudo de SOUZA, M. A. Prática pedagógica: conceito, características e inquietações. In: ENCONTRO IBERO-AMERICANO DE COLETIVOS ESCOLARES E REDES DE PROFESSORES QUE FAZEM INVESTIGAÇÃO NA SUA ESCOLA, 4., Rio Grande do Sul, 2005; COELHO, W. N. B.; COELHO, M. C. O improviso em sala de aula: a prática docente em perspectiva. In: COELHO, W. N. B.; COELHO, M. C. (Org.). “Raça”, cor e diferença: a escola e a diversidade. 2. ed. Belo Horizonte: Mazza, 2010c, p.104-123; NUNES, C. M. F. Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da pesquisa brasileira. Educação & Sociedade, ano 22, n. 74, abr. 2001; PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999; ALARCÃO, I.; LEITÃO, A.; ROLDÃO, M. C. Prática pedagógica supervisionada e feedback formativo co-construtivo. Revista Brasileira de Formação de Professores – RBFP, v. 1, n. 3, p. 2-29, dez. 2009. Sobre a Prática Pedagógica numa perspectiva interdisciplinar, ver: FAZENDA, I. C. A. (Org.). Práticas interdisciplinares na escola. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1996.

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Resultado tanto da evolução do pensamento sobre a educação, no Brasil e no mundo, esse movimento esteve relacionado, muito mais diretamente, à ansiedade para dar fim a tudo que pudesse parecer resquício do pensamento autoritário que marcara o regime militar, sobretudo após 1985, quando ocorre o término do período ditatorial. O traço mais evidente da postura adotada naqueles anos foi o redimensionamento do papel do professor. Antes referência absoluta na sala de aula, ele deveria dar lugar ao aluno, como preconizavam os preceitos da escola nova26 sob a ótica da inovação do final dos anos oitenta. Com base na adoção dessa nova postura (em verdade, nem tão nova assim), deu-se a emergência de caracterizações que perduram até o presente. Elas pretendiam – e pretendem – distinguir os professores que resistiam às inovações (os tidos como tradicionais) daqueles que as abraçavam (os considerados inovadores, modernos, críticos, atuantes, etc.). Todavia, muitas das inovações pretendidas não foram implantadas como resultado de uma reflexão circunstanciada sobre a prática pedagógica. Muitos professores adotaram a forma, sem prestar a devida atenção ao conteúdo. Em muitos casos, isso foi decorrência do medo de ver-se taxado de tradicional,27 diante da crítica que acompanhava essa denominação nas obras de diversos autores.28

26

Para uma discussão a respeito da Escola Nova e seus desdobramentos, ver: MELO, Guiomar Namo de (Org.). Escola nova, tecnicismo e educação compensatória. São Paulo: Loyola, 1982. Cf em: DÁVILA, J. Diploma de brancura: política social e racial no Brasil: 1917-1945. Tradução de Cláudia Sant’Ana Martins. São Paulo, 2006, especialmente o capítulo 5: “A escola nova no Estado novo”. Vale consultar, também: COSTA, V.A.V. As publicações estadonovistas e a nova nacionalidade. In: FONSECA, T.N.L;VEIGA, C.G. História da Educação: temas e problemas. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011.p.264-291.

27

Em relação à dicotomia tradicional/novo no contexto educacional e nas décadas de 1970 e 1980, ver extensa análise em CORDEIRO, J. F. P. A história no centro do debate: as propostas de renovação do ensino de história nas décadas de setenta e oitenta. Araraquara: Laboratório Editorial UNESP, 2000; CORDEIRO, J. F. P. Falas do novo, figuras da tradição: o novo e o tradicional na educação brasileira (anos 70 e 80). São Paulo: UNESP, 2002.

28

No tocante a este aspecto, ver em MELO, 1982; GIROUX, H. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez, 1983; NOSELLA, P. Compromisso político como horizonte da competência técnica. Educação & Sociedade, Campinas, n. 14, p. 91-7, 1983; SAVIANI, D. Competência política e compromisso técnico ou (o pomo da discórdia e o fruto proibido). Educação & Sociedade, Campinas, n. 15, p. 111-143, 1983;

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Naquela mesma década, no IEEP, a estrutura escolar alterou-se sob dois aspectos, especialmente: a direção esteve nas mãos de mulheres com vasto conhecimento no campo docente, grande parte dele adquirido no próprio Instituto; e o currículo de formação de professores sofreu mudanças importantes. Começando por este último, verificamos uma inflexão relativa à bibliografia. Liam-se, ainda, autores ditos tradicionais29 e tecnicistas,30 como Romanda Pentagna, Claudino Pilleti e Nelson Pilleti31 (parte dos quais compuseram os planos de curso dos professores na década de 1970), permaneceram como referência básica para alguns procedimentos, como a elaboração de planos de aula e de curso e a cristalização de algumas posturas profissionais. As leituras fundamentais, porém, eram Moacir Gadotti, Dermeval Saviani, Paulo Freire, Guiomar Mello e Jamil Cury,32 trazidos para dentro do Instituto pelos

FREIRE, 1987; LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 11. ed. São Paulo: Loyola, 1993. 29

O Ensino Tradicional representa um forte comprometimento com uma visão de racionalidade a-histórica, orientada por consenso e politicamente conservadora. (Conferir: SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação e política. Campinas, SP: 38. ed. Campinas: Autores Associados, 2006; GADOTTI, M. Histórias das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1995; LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992; NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU; Rio de Janeiro: Fename, 1974; CORDEIRO, 2002).

30

O Tecnicismo surge com as tentativas de reordenação do processo educativo com base na organização racional dos meios de ensino. Ver: SAVIANI, 2006; ARANHA, M. L. A. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006; RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira: a organização escolar. 4. ed. São Paulo: Moraes, 1982; OLIVEIRA, J. B. A. Tecnologia educacional: teorias da instrução. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1973; GARCIA, W. E. (Org.). Inovação educacional no Brasil: problemas e perspectivas. 3. ed. Campinas: Autores associados, 1995; ROMANELLI, O. O. História da educação no Brasil (1930-1973). 17. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.

31

Ver discussão em: PENTAGNA, R. G. Didática geral: de acordo com os programas oficiais do curso normal das escolas do Estado do Rio de Janeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964; PILETTI, C. Didática especial: língua portuguesa, matemática, estudos sociais, ciências. São Paulo: Ática, 1986; PILETTI, N. Ensino de 2º grau: educação geral ou profissionalização. São Paulo: EPU; Edusp, 1988.

32

Conferir, em: MELO, 1982; CURY, J. Notas acerca do saber e do saber fazer da escola. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 40, p. 58-60, fev. 1982; SAVIANI, D. Competência política e compromisso técnico ou (o pomo da discórdia e o fruto proibido). Educação & Sociedade, Campinas, n. 15, p. 111-143, 1983, FREIRE, 1987; GADOTTI, M. Pensamento pedagógico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Ática, 2000.

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professores egressos do Centro de Educação33 da Universidade Federal do Pará (UFPA). A concomitância dessas duas matrizes – a chamada tradicional e a chamada moderna – provocou tensões que nunca foram convertidas em debate. De modo geral, cada professor abordava e defendia dentro da sala de aula a postura que via como a mais apropriada. O resultado foi que algumas alunas nunca resolveram as eventuais contradições – nem naquele momento, nem depois –, de forma que a ambiguidade reinante nas salas de aula do Instituto se viu reproduzida nas salas de aula da educação básica. Na atualidade, os estudos sobre a formação de professores34 ocupam-se com a análise de alternativas para a superação de eventuais lacunas. Assim, destacaremos dois grupos, dentro dos quais alguns de seus representantes: o primeiro parte do princípio de que o professor apresenta um problema, sobretudo na formação – e, portanto, sobre ele deve incidir a intervenção formativa, sem eximir a prática reflexiva;35 o outro atribui especialmente 33

Atualmente Instituto de Ciências da Educação (ICED).

34

A formação de professores no Brasil na década de noventa foi base de estudo em dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação e periódicos da ANPED, desde então, houve um aumento vertiginoso sobre o tema. Evidenciou-se uma preocupação acentuada com a formação docente das séries iniciais e com menos vigor na investigação da formação do professor para o ensino superior; educação de jovens e adultos; ensino técnico e rural; atuação de movimentos sociais e com crianças em situação de vulnerabilidade. Na década seguinte, registra-se um gradual crescimento de estudos e pesquisas no campo científico sobre a formação de professores, o qual inicia consolidação como um campo autônomo. Destaca-se aqui o lançamento do primeiro número da Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores. A preocupação em torno do tema aponta para abordagens e autores diversos sobre os saberes e a formação dos docentes no Brasil, essas indicaram que as análises também eram múltiplas. No entanto, apontaram para: o aprofundamento da formação do professor; o rigor da argumentação, e a interlocução entre a atual tradição teórica na educação brasileira e as novas teorias que chegam e elevação da qualidade do curso de Pedagogia no Brasil. (Vide: ANDRÉ, M. E. D. A. et al. Estado da arte da formada de professores no Brasil. Educação & Sociedade, ano 20, n. 68, dez. 1999; ANDRÉ, M. E. D. A. A formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010; ALVES, W. F. A formação de professores e as teorias do saber docente: contextos, dúvidas e desafios. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 33, n. 2, p. 263-280, maio/ago. 2007; ENS, R. T.; VAZ, F. A. B. Política de formação de professores no Brasil: caminhos do Curso de Pedagogia. Revista Histedbr On-line, Campinas, n. 43, p.143-158, set. 2011.

35

SEVERINO, A. J. Preparação e formação ético-política dos professores. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 2003. p. 71-89; WERNECK, H. Se você finge que ensina, eu finjo que aprendo. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 1999; VEIGA, 1992; PIMENTEL, M. G. O professor em construção. Campinas: Papirus, 1993; RIOS, T. A. Por uma docência de melhor

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ao Estado, incumbido da estrutura educacional, a responsabilidade por eventuais equívocos, cabendo-lhe a condição de agente de um processo de transformação das estruturas de ensino – sem deixar de considerar a possibilidade de o professor ser um agente de transformação, por sua vez, de sua prática pedagógica e, por conseguinte, da sociedade.36 No que tange aos estudos que relacionam a temática “racial” e a educação, não entendemos haver, ainda, uma distinção que habilite a conformação de grupos, embora entre os autores e autoras existam balizas teóricas distintas. As diversas perspectivas de educação multicultural e étnico-“racial” propostas por autores e autoras em diferentes contextos socioculturais enfatizam a permanência e a renovação das práticas discriminatórias, bem como sugerem enfaticamente a superação dessas práticas no e do processo educacional.37 qualidade. São Paulo: Cortez, 2001; DEMO, Pedro. Ironias da educação: mudanças e contos sobre mudanças. Rio de Janeiro: DP & M., 2000; ANDRÉ, M. E. D. A. (Org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999. Este grupo de autores denuncia – sob os diversos focos referenciais – que os cursos de formação docente têm fragilizado a formação erudita e tendem à transmissão e à reprodução de valores culturais naturalmente cristalizados como legítimos. 36

SAVIANI, Dermeval. Prefácio. In: MANACORDA, M. A. Marx e a pedagogia moderna. Tradução de Newton Ramos de Oliveira. São Paulo: Cortez, 1991; GIROUX, H. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999; GADOTTI, 2000; FREITAS, H. C. L. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 137-168, set. 2002; RAMOS, M. N. A educação profissional pela pedagogia das competências e a superfície dos documentos oficiais. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23. n. 80, p. 405-427, set. 2002; FERRETTI, C. J. A reforma do ensino médio: uma crítica em três níveis. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: UNESP, 2003. p. 319-334; FERRETTI, C. J. Considerações a respeito da apropriação das noções de qualificação profissional pelos estudos a respeito das relações entre trabalho e educação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25. n. 87, p. 299-302, maio/ago. 2004.

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A escola não é o único espaço e/ou responsável para alterar as desigualdades étnico-“raciais” vigentes, sabemos bem, porém ela pode contribuir, como espaço formativo legitimado socialmente, para mudá-las, para originar questionamento às relações étnico-“raciais” na sociedade mais ampla. Por isso, os estudos sobre essa temática vêm se consubstanciando no Brasil desde as décadas de 1980, 1990, 2000. Ver: ROSEMBERG, Fúlvia. Literatura infantil e ideologia. São Paulo: Global, 1984; NEGRÃO, Esmeralda V. Preconceitos e discriminações raciais em livros didáticos e infanto-juvenis. Caderno de Pesquisas, São Paulo, n. 65, p. 52-65, maio 1988; ROSEMBERG, L. Educação e desigualdade social: rendimento escolar de alunos de diferentes origens sociais. São Paulo, 1981. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade católica de São Paulo, São Paulo, 1990: FIGUEIRA, V. M. O preconceito racial na escola. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 18, p. 63-72, 1990; OLIVEIRA, R. Relações raciais na escola: uma experiência de intervenção. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica

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Nesse sentido, podemos citar três estudos representativos dessa produção. Nilma Gomes38 ocupa-se com a trajetória da professora negra, classificando-a como um percurso de superação dos obstáculos impostos pelas práticas discriminatórias. Em outro trabalho,39 apropria-se das representações e concepções construídas por homens e mulheres negros em relação à experiência com o corpo negro em salões étnicos em Belo Horizonte, no tocante à experiência escolar que emerge como um momento importante, no qual se desenvolve o tenso processo de construção da identidade negra. Petronilha Silva40 denuncia a ausência da discussão “racial” na escola, considerando a inclusão dessa discussão como um meio para a construção de uma identidade41 da criança negra. Eliane Cavalleiro42 trata da configuração do preconceito “racial” no interior da escola, percebendo que, na criança, esse processo resulta de São Paulo, São Paulo, 1992; OLIVEIRA, I. M. Identidade e interação na sala de aula: preconceito e autoconceito. Dissertação (Mestrado em Educação) – Unicamp, Campinas, 1993; RIBEIRO, N. G. Por entre tramas e meios: relações raciais na escola. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFSC, Santa Catarina, 1995; SOUZA, M. E. V. Ideologia racial, movimento negro no Rio de Janeiro e educação escolar. Dissertação (Mestrado em Educação) – UERJ, Rio de Janeiro, 1996; DUARTE, M. B. P. G. G. Negro e educação: um estudo na escola pública de 1º grau. Dissertação (Mestrado em Educação) – UERJ, Rio de Janeiro, 1997; DIAS, L. R. Diversidade étnico-racial e educação infantil. Três escolas, uma questão, muitas respostas. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFMS, Mato Grosso do Sul, 1997; CAVALLEIRO, E. S. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. Dissertação (Mestrado em Educação) – USP, São Paulo, 1998. 38

GOMES, N. L. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Mazza, 1995.

39

GOMES, N. L. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

40 SILVA, P. B. G. Práticas do racismo e formação de professores. In: DAYRELL, J. (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006. 41

Vale conferir o alerta: O paradigma da Identidade, a despeito das controvérsias, ainda é crucial para os grupos, especialmente para os excluídos, que pretendem marcar sua presença na vida social. Afinal, é importante que os atores tenham corpo e voz para ocuparem os lugares de desejo que ora se mostram, ora se ocultam no jogo de luz e sombras da sociedade. O desafio consiste em estabelecer a crítica dos perfis absolutos, simultaneamente à proposição de identidades que libertem os agentes ao invés de encarcerá-los. Assim, as reflexões acerca das representações dos negros brasileiros somente terão sentido se pensadas no conjunto de contradições e esperanças que fazem de nós observadores do espelho do labirinto de PEREIRA, E.; GOMES, N. P. M. 2001. p. 255.

42

CAVALLEIRO, E. S. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000; Cf. também: FAZZI, R. C. O drama racial de crianças brasileiras: socialização entre pares e preconceito. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

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na constituição de uma visão negativa de si mesma, especialmente quando os professores são os próprios agentes da discriminação. Essa produção bibliográfica relaciona-se a este capítulo de duas maneiras: inicialmente, ele pretende problematizar o lugar da questão “racial” na formação de professores desenvolvida no IEEP, no sentido dado por Gimeno Sacristán,43 para quem a formação do professor não se encerra na leitura e discussão da bibliografia especializada, mas se espraia para a experiência acadêmica, dentro e fora das salas de aula e no trato com professores e companheiros de estudo; em seguida, e da mesma forma, ele objetiva debater o impacto que as práticas discriminatórias alcançam no cotidiano escolar. Assumimos, portanto, neste capítulo, que a questão “racial” e os seus desdobramentos não são vistos como um problema em si – recusamos o tratamento da questão como um problema do preconceito e, portanto, como um problema somente moral. O aporte teórico que adotamos e a pesquisa empírica que realizamos nos levaram à consideração da questão “racial” como uma questão da formação de professores.

O corpo presente E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente. (Gênesis, cap. 2, vers. 7)

Um dos primeiros problemas para quem lida com a questão “racial” no Brasil é ultrapassar a problemática da cor. Há muito que o censo oficial opera as categorias cor e “raça”. Desde o primeiro censo, em 1872, no entanto, elas têm sido objeto de discussão. Podem-se apontar três aspectos que ocupam os críticos: um, que se refere à fragilidade da categorização oficial; dois, o tratamento dispensado aos dados coletados; três, o processo de classificação.

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SACRISTÁN, J. G. Poderes inestables en educación. Madrid: Morata, 1998.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

A discussão em torno da confiabilidade do sistema oficial de classificação “racial” tem ressaltado a fragilidade da categorização utilizada pelo censo, especialmente desde a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso se dá por dois motivos: primeiramente, no Brasil há uma pluralidade de classificação, que se distancia da oficializada; ademais, essa mesma classificação é operada de modo subjetivo dentro de contextos específicos.44 Outro problema gerado pela autoclassificação de cor nos instrumentos oficiais é apontado por Araújo:45 o tratamento dado às informações de classificação. Segundo a autora, ele passa por um crivo teórico e ideológico e por aqueles que estão diretamente envolvidos com a questão “racial”. No processo de autoclassificação, outra dimensão deve ser levada em conta: a especificidade de classificação “racial” brasileira. Segundo Edith Piza e Fúlvia Rosemberg,46 ela ocorre segundo a aparência e não segundo a ascendência. Estudos sobre cor no Brasil têm sugerido que a autoclassificação47 está relacionada a outras dimensões da vida social. A profusão de denominações de cor é testemunho, segundo Skidmore,48 da penetração da ideologia assimilacionista. É sabido que no Brasil existem mais de cem denominações de cor – como já adiantado em linhas anteriores. 44

BEJARANO, J. P. E. Qual é sua raça ou grupo étnico?: censos, classificações raciais e multiculturalismo na Colômbia e no Brasil. Dissertação (Mestrado em Estudo Étnico e Africano) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.

45

ARAUJO, T. C. N. A classificação de “cor” nas pesquisas do IBGE: notas para uma discussão. Cadernos de Pesquisa, ano 66, p. 14-16, nov. 1987.

46

PIZA, E.; ROSEMBERG, F. Cor nos censos brasileiros. Revista USP, São Paulo, n. 40, p. 122-137, dez./fev. 1998/1999.

47

WOOD, C. H.; CARVALHO, J. A. M. Categorias do censo e classificação subjetiva de cor no Brasil. Rev. Bras. Estud. Pop., Campinas, ano 11, v. 1, p. 3-17, 1994; ROCHA, E.J.; ROSEMBERG, F. Autodeclaração de cor e/ou “raça” entre escolares paulistanos (as). Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, p. 759-799, set./dez. 2007. Para Jacques d’Adesky, do ponto de vista da luta antirracista, não é relevante dividir as categorias em preto, pardo, mulato, negro, como se fossem categorias excludentes. É um falso problema, pois todos sofrem os efeitos – a natureza é a mesma da discriminação, o que altera é o grau, já amplamente comprovada por estudos científicos, vide em: D’ADESKY, J. Anti-racismo: liberdade e reconhecimento. Rio de Janeiro: Daudt, 2006, p 61).

48

SKIDMORE, T. E. Taking stock: studying Brazilian race relations today. Texto apresentado no Seminário “Que país é este: imaginação social e interpretações do Brasil”. Rio de Janeiro, 1999.

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55

Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

Do branco ao negro, e além dos mulatos, cafuzos e mamelucos, há bugres, burros-quando-fogem, cafés-com-leite, canelas, encerados, enxofrados, fogoiós, galegos, jambos, laranjas, lilases, marrons, meio-amarelos, meio-brancos, meio-morenos, meio-pretos, mistos, morenos-bem-chegados, pálidos, paraíbas, pouco-claros, puxa-para-brancos, queimados, retintos, ruços, sapecados, sararás, trigueiros, vermelhos e – não é brincadeira – verdes.49 Ao contrário do padrão norte-americano, do one drop rule, segundo o qual uma gota de sangue negro torna o indivíduo negro,50 no Brasil ocorre o contrário, pois a cor é definida pela quantidade de sangue branco; quanto maior a quantidade e em acordo com a forma como essa quantidade se manifesta, mais próximo do branco e mais distante do negro se encontra o indivíduo – daí o verde. Só muito recentemente, com a intervenção política do Movimento Social Negro,51 a categoria negro foi consolidada como índice de cor e, consequentemente, de reconhecimento. Segundo Muniz Sodré,52 parte dos ativistas negros tornaram o termo politicamente correto. O IBGE, nas últimas décadas, limita a variante da cor a ser escolhida pelos entrevistados: hoje, são cinco as cores dos censos: amarela, branca, preta, parda e indígena. Nós acompanhamos, cientes das controvérsias, essa última posição do IBGE na identificação do corpo discente do IEEP. Assim, na categoria preta agregamos as alunas identificadas como escuras, pretas e mulatas, e na categoria parda agregamos as alunas identificadas como mestiças, morenas e pardas. Nos vinte anos de que trata a referência temporal da pesquisa que 49

SCHWARCZ, L. M. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. 72.

50

Cf. PIZA, E. Branco no Brasil?: ninguém sabe, ninguém viu... In: HUNTLEY, L.; GUIMARÃES, A. S. A. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 97-126; TELLES, E. Industrialization and racial inequality in employment: the Brazilian example. American Sociological Review, v. 59, n. 1, p. 46-63, 1994.

51

A propósito do Movimento Social Negro, consultar, entre outros: SILVA, P. B. G.; BARBOSA, L. M. A. (Org.). O pensamento negro em educação no Brasil: expressões do movimento negro. São Paulo: UFSCAR, 1997. Vale consultar sobre a construção do conhecimento e a militância, em: SILVA, P. B. G. Entre Brasil e África: construindo conhecimento e militância. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011. A Província do Pará, maio 1987. 1º Caderno, p. 7, 13; Revista Cultural, p. 5-8, mar./maio 1985.

52

SODRÉ, M. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.

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56

Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

originou este capítulo, o Instituto formou 12.143 alunos. Desse universo, como já anunciado, investigamos 1.239 fichas de alunas e os registros de nascimento que as acompanhavam, constituindo um percentual de aproximadamente 10% do corpo discente, formado no período. Importa dizer que, no período em questão, as indicações de cor eram feitas por familiares, no momento da realização do registro de nascimento, ou pelo escrivão, tendo por base as características do registrante.53

TABELA 1. Distribuição da amostra do corpo discente por cor e sexo, no período de 1970-1989 Cor Sexo

Amarela abs.

Feminino

6

%

Branca abs.

Preta %

abs.

Total

Parda %

abs.

%

abs.

%

0,48

302

24,37

113

9,12

778

62,80

1.199

96,77

Masculino 0

0

16

1,30

3

0,24

21

1,69

40

3,23

Total

0,48

318

25,67

116

9,36

799

64,49

1.239

100

6

Fonte: Produção dos dados a partir das Fichas individuais de alunas e certidão de nascimento, 2002/2003.

O corpo discente, como se vê na TAB. 1, era majoritariamente feminino e mestiço. Em média, cada turma possuía mais de 96% de mulheres e mais de 70% de alunas pretas e pardas. A cor estava lá, representada por um grupo maciçamente feminino, sentado nos bancos escolares, ouvindo as professoras, lendo os livros e preparando-se para atuar no magistério. A consideração sobre a cor, no entanto, exige prosseguimento. Senão, vejamos: Donald Pierson afirma, inclusive, que no Brasil a cor é vista como uma “evidência natural”.54 Podemos considerar, então, que para esse autor a 53

Acerca dos problemas subjacentes à heteroidentificação, ver: TELLES, E.; LIM, N. Does it matters who answers the race questions?: Racial classification and in come inequality in Brazil. Demography, v. 35, n. 4, p. 465-474, 1998; PIZA, E. Branco no Brasil?: ninguém sabe, ninguém viu... In: HUNTLEY, L.; GUIMARÃES, A. S. A. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 97-126.

54

PIERSON, D. Brancos e pretos na Bahia. São Paulo: Nacional, 1971.

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57

Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

proliferação de denominações de cor dá conta de uma inocente tentativa de captar o gradiente em que se tornara o panorama humano brasileiro. As pesquisas posteriores demonstram, todavia, que a proliferação de denominações corresponde não ao reconhecimento da variedade de tipos físicos55 – de resto, homenageada no cancioneiro popular, com todas as suas musas cor de mel –, mas à tentativa de integração ao ideal de branqueamento56 construído desde o final do século XIX.57 A questão referida pode ser entrevista em uma série de lugares comuns, vividos ou testemunhados por grande parte de nossa população: é negro, mas é bonito; é negro, mas é trabalhador; é negro, mas é honesto. O reconhecimento da cor, quando ocorre, amiúde vem acompanhado da ressalva de algo para amenizá-la, como se a cor trouxesse consigo algum mal que necessitasse ser purgado. Ela é sempre colocada de fora, nunca está lá. Mesmo o fato de sermos o país de maior população negra fora do continente africano, ou os resultados dos censos,58 os quais indicavam um

55

Cf. SKIDMORE, T. E. Fact and myth: discovering a racial problem in Brazil. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, 1992. p. 30. (Série História das Ideologias e Mentalidades, 2). (Coleção Documentos).; GUIMARÃES, A. S. A. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 17-30.

56

Sobre raças em políticas educacionais e branqueamento. Especialmente o Capítulo 3: O que aconteceu com os professores de cor do Rio? (DÁVILA, 2006).

57

A respeito da ideologia do branqueamento, ver: SCHWARCZ, L. M. Prefácio. In: SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Tradução de Donaldson M. Garschagen; São Paulo: Companhia da Letras, 2012; ROSSATO, C.; GESSER, V. A experiência da branquitude diante de conflitos “raciais”: estudos de realidades brasileiras e estadunidenses. In: CAVALLEIRO, E. (Org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001. p. 11-37; BENTO, M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S. (Org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-59; PIZA, E. Cor nos censos brasileiros. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S. (Org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 91-120.

58

No último Censo de 2000, realizado no ano 2000, “o Brasil possuía uma população de 170 milhões de habitantes, dos quais noventa e um milhões se classificaram como brancos (53,7%), dez milhões se classificaram como pretos (6,2%), setecentos e sessenta e um mil como amarelos (0,4%), sessenta e cinco milhões como pardos (38,4%) e setecentos e trinta e quatro mil como indígenas (0,4%) (IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico, 2000. Características gerais da população. Resultados da Amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2000).

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

índice relevante de habitantes pretos e pardos, não proporciona visibilidade – positiva – à cultura afro-brasileira, e, por conseguinte, ao negro. Muito frequentemente, ele aparece como um problema social: sua condição, o lugar que ocupa na escala social seria resultado de problemas estruturais do País, e não do preconceito, ou somente de seu passado escravista – como defendiam as teses dos autores da escola paulista desde a década de 1950. Um outro fato que contribui para o nosso argumento é o de que nunca houve um censo educacional que efetivamente considerasse a questão da cor. Ela está de fora da discussão sobre os rumos da educação formal, ainda que a questão da miscigenação se constitua em um dos componentes da identidade brasileira. Na verdade, a falta de dados sobre a questão impede, inclusive, que se perceba a inserção do negro no sistema educacional. O que a nossa pesquisa demonstrou, com relação ao IEEP, é que em todo o período estudado o contingente preto e pardo foi preponderante (TAB. 2).

TABELA 2. Distribuição da amostra do corpo discente por cor, no período de 1970-1989 Cor Ano

Amarela

Branca

abs.

%

abs.

1970

2

2,25

1971

0

0

Preta

Total

Parda

%

abs.

%

abs.

%

abs.

%

17

19,10

14

15,73

56

62,92

89

100

4

14,81

3

11,11

20

74,07

27

100

1972

0

0

13

44,83

2

6,90

14

48,28

29

100

1973

0

0

8

27,59

5

17,24

16

55,17

29

100

1974

0

0

7

43,75

3

18,75

6

37,50

16

100

1975

0

0

4

6,56

4

6,56

53

86,89

61

100

1976

0

0

25

28,41

8

9,09

55

62,50

88

100

1977

1

1,56

21

32,81

9

14,06

33

51,56

64

100

29

47,54

61

100

1978

1

1,64

24

39,34

7

11,48

1979

0

0

17

41,46

10

24,39

14

34,15

41

100

1980

0

0

13

23,21

2

3,57

41

73,21

56

100

1981

0

0

7

11,67

0

0

53

88,33

60

100

1982

0

0

8

14,81

1

1,85

45

83,33

54

100

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59

Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

1983

0

0

27

35,06

7

9,09

43

55,84

77

100

1984

0

0

21

23,60

4

4,49

64

71,91

89

100

1985

0

0

21

32,31

5

7,69

39

60

65

100

1986

0

0

14

20,29

8

11,59

47

68,12

69

100

1987

0

0

29

30,21

10

10,42

57

59,38

96

100

1988

2

1,75

23

20,18

12

10,53

77

67,54

114

100

1989

0

0

15

27,78

2

3,70

37

68,52

54

100

Total

6

0,48

318

25,67

116

9,36

799

64,49

1239

100

Fonte: Produção dos dados a partir das Fichas individuais de alunas e certidão de nascimento, 2002/2003

Essa presença maciça, todavia, não pode ser tomada de forma absoluta. Pretos e pardos ocupavam um lugar secundário dentro do Instituto – reflexo, aliás, da posição dispensada, não raramente, a esses contingentes nas diversas instâncias sociais. As práticas de segregação, manifestas em expressões da língua, tais como aquelas que acrescentam uma ressalva sempre que se atribui a alguém a condição de negro, ou evidentes na ausência de uma representação do Brasil que incorpore o negro ou os mestiços na dramaturgia nacional,59 se estendem para a vida econômica. Aos negros cabem os menores salários e, consequentemente, as piores condições de vida. Isso pode ser percebido na TAB. 3, construída com base nos dados do Censo de 2000, o qual vislumbra – como poucos instrumentos – o alcance da democracia “racial” brasileira e os lugares dispensados aos pretos e pardos.

59

ARAÚJO, J. Z. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: SENAC, 2000; Araújo, J. Z. (Org.). O negro na dramaturgia, um caso exemplar da decadência do mito da democracia racial brasileira. In: Araújo, J. Z. O negro na TV pública. Brasília: FCP, 2010.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

TABELA 3. Proporção das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na Semana de Referência, com rendimento nominal de todos os trabalhos até 1 salário mínimo e com mais de 20 salários, por cor ou “raça”, segundo as grandes regiões – 2000 Grandes Regiões

Proporção das pessoas de 10 ou mais anos de idade, ocupadas na semana de referência, com rendimento nominal mensal de todos os trabalhos, por cor ou “raça” Total Branca Preta Amarela Parda Indígena

Até 1 salário mínimo Brasil

25,28

18,15

34,50

8,27

35,09

32,91

Norte

32,79

25,61

37,99

22,81

35,56

43,23

Nordeste

47,98

39,15

56,08

40,42

51,95

45,77

Sudeste

15,95

12,62

23,68

4,45

21,66

19,67

Sul

18,85

17,17

27,58

8,83

28,53

30,25

Centro-Oeste

22,27

18,61

28,01

11,52

25,70

32,71

Mais de 20 salários mínimos Brasil

2,69

4,03

0,55

13,43

0,81

1,06

Norte

1,72

3,23

0,79

9,77

1,06

0,58

Nordeste

1,35

2,71

0,36

4,30

0,69

1,02

Sudeste

3,42

4,81

0,57

15,03

0,75

1,51

Sul

2,58

2,91

0,48

10,48

0,54

0,80

Centro Oeste

3,30

5,11

1,19

12,37

1,41

0,92

Fonte: IBGE. Censo demográfico, 2000.

Como se pode notar, enquanto as regiões Norte e Nordeste concentram os maiores índices de trabalhadores com remuneração inferior ou igual a um salário mínimo, os contingentes preto e pardo são os que possuem o maior número de indivíduos nessa condição, quando comparadas com as demais, exceção feita aos povos indígenas, que na região Norte superam todos os outros grupos “raciais”. O inverso se verifica, no entanto, quando se analisam os índices relativos às populações com remuneração superior a vinte salários mínimos: as regiões Norte e Nordeste são as que menos concentram indivíduos

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Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

nessa categoria e, infelizmente, sem qualquer surpresa, negros e pardos estão entre os que menos alcançam essa remuneração.60 A diferença percebida entre mestiças e brancas e – de forma ainda mais distante – entre negras e brancas, no plano nacional, refletia-se no IEEP. A TAB. 4 indica como as alunas se distribuíam pelos turnos.

TABELA 4. Distribuição da amostra de acordo com a cor e o turno no período de 1970-1989 Cor Turno Manhã

Amarela

Branca

Preta

Total

Parda

abs.

%

abs.

%

abs.

%

abs.

%

abs.

%

3

0,29

118

11,39

21

2,03

219

21,14

361

34,85

Tarde

1

0,10

78

7,53

30

2,90

186

17,95

295

28,48

Noite

0

0

78

7,53

38

3,67

264

25,48

380

36,68

Total

4

0,39

274

26,45

89

8,60

669

64,57

1.036

100

Fonte: Produção dos dados a partir das Fichas individuais de alunas e certidão de nascimento, 2002/2003.

Em primeiro lugar, importa esclarecer a ausência de alguns dados sobre o turno frequentado por todas as alunas da amostra. Em alguns casos, a deterioração causada pelo tempo dificultou essa constatação, de forma que deixaram de constar informações sobre 203 alunas da amostra. No entanto, essa deficiência da fonte não impede que se confirme o nosso argumento: as alunas brancas eram, percentualmente, as que menos ocupavam os turnos vespertino e noturno, para os quais recorriam as alunas já inseridas no mercado de trabalho (TAB. 5).

60

Em relação à questão, ver, sob diferentes análises: HASENBALG, C. A.; SILVA, N. V. Estrutura social, mobilidade e raça. São Paulo: Vértice, Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro, 1998; HASENBALG, C. A.; SILVA, N. V.; LIMA, M. Cor e estratificação social. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999; HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001; QUEIROZ, D. M. Universidade e desigualdade: brancos e negros no ensino superior. Brasília: Líber Livro, 2004.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

TABELA 5. Distribuição da amostra de acordo com a cor e o turno, no período de 1970-1989 Turno

Cor Amarela

Branca

Preta

Parda

Manhã

75%

43,06%

23,60%

32,74%

Tarde

25%

28,47%

33,71%

27,80%

Noite

0

28,47%

42,69%

39,46%

Total

100

100

100

100

Fonte: Produção dos dados a partir das Fichas individuais de alunas e certidão de nascimento, 2002/2003.

Amarelas e brancas, como se pode ver na TAB. 5, ocupavam, preferencialmente, o turno da manhã, enquanto as negras eram o maior contingente no turno da noite. A diferença não se deve ao acaso, mas à necessidade de conjugar trabalho e estudo. É claro que isso não ocorria somente com as negras, nem pretendemos afirmá-lo, mas era um problema incidente com maior frequência nesse grupo, uma vez que a diferença “racial” foi sempre acompanhada de discriminação no mercado de trabalho61 e no acesso à educação. Essa diferença pode ser ainda melhor percebida se considerarmos a idade de formação, especialmente nesta região. A amostra estudada evidencia uma enorme desigualdade entre os diferentes grupos no que diz respeito a essa faixa etária (TAB. 6). O sistema educacional, após a transição da Lei nº 4.024/61 para a Lei nº 5.692/71, promoveu uma redução no tempo de estudo: de 13 anos na primeira lei (sendo mais duas séries facultadas, de acordo com o sistema de cada região), para 11 anos na segunda lei.62

61

Conforme a afirmação de Hasenbalg (2005). Com relação ao Estado do Pará, o trabalho de Assunção José Pureza Amaral constata a disparidade existente entre os grupos de cor, no tocante ao mercado de trabalho (AMARAL, A. J. P. Da senzala à vitrine: relações raciais e racismo no mercado de trabalho em Belém. Belém: Cejup, 2004).

62

Cf. discussão afinada em: SOUZA, P. N. P. ABC: da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. São Paulo: Unimarco; Loyola, 1993; BRITO, A. R. LDB: Da “conciliação” possível à Lei “proclamada”. Belém: Graphitte, 1997; VIEIRA, J. L. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Legislação Complementar. 5. ed. São

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Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

Algumas das alunas que fizeram parte da nossa amostra viveram a transição de um modelo para o outro. Assim, muitas das que se formaram até o ano de 1977 iniciaram sua vida escolar aos 7 anos, em média, e terminaram-na aos 20 anos, também em média, porque a começaram ainda sob a égide da legislação anterior. Ao passo que as alunas que iniciaram sua vida estudantil a partir de 1967 cumpriram 11 anos de estudo e terminaram-na por volta dos 18 anos de idade.

TABELA 6. Distribuição da amostra de acordo com a cor e faixa etária em relação ao total da amostra, no período de 1970-1989 Cor Faixa etária

Amarela

Branca

Preta

Parda

abs.

%

abs.

%

abs.

%

abs.

%

16-17

0

0

16

1,29

2

0,16

12

0,97

18-20

5

0,40

231

18,64

28

2,26

415

33,49

21-25

1

0,08

54

4,37

64

5,16

268

21,63

26-30

0

0

12

0,96

16

1,29

65

5,24

31-35

0

0

5

0,40

3

0,24

27

2,17

36-40

0

0

0

0

2

0,16

9

0,72

41-45

0

0

0

0

0

0

2

0,16

46-50

0

0

0

0

0

0

1

0,08

Total

6

0,48

318

25,67

115

9,27

799

64,49

Fonte: Produção dos dados a partir das Fichas individuais de alunas e certidão de nascimento, 2002/2003.

Diante dessa constatação, analisamos três faixas etárias (TAB. 7). A primeira compreende as alunas formadas antes do tempo previsto (em média, bem entendido), com a idade de 16 anos ou 17 anos. A segunda compreende as alunas concluintes no tempo previsto, considerando-se a coexistência das duas leis: são as alunas entre 18 anos e 20 anos. A terceira

Paulo: EDIPRO, 2012; SOUZA, P. N. P. LDB e educação superior: estrutura e funcionamento. São Paulo: Pioneira, 2001.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

abarca as alunas formadas após o tempo previsto. Com relação a essas últimas, decidimos subdividir a faixa etária, de forma a torná-la ainda mais esclarecedora.

TABELA 7. Distribuição da amostra de acordo com a cor e faixa etária, no período de 1970-1989 Cor Faixa etária

Amarela

Branca

Preta

Parda

abs.

%

abs.

%

abs.

%

abs.

%

16-17

0

0

16

5,03

2

1,74

12

1,51

18-20

5

83,33

231

72,64

28

24,35

415

51,94

21-25

1

16,67

54

16,98

64

55,66

268

33,55

26-30

0

0

12

3,77

16

13,92

65

8,14

31-35

0

0

5

1,58

3

2,61

27

3,40

36-40

0

0

0

0

2

1,74

9

1,14

41-45

0

0

0

0

0

0

2

0,25

46-50

0

0

0

0

0

0

1

0,13

Total

6

100

318

25,67

115

100

799

100

Fonte: Produção dos dados a partir das Fichas individuais de alunas e certidão de nascimento, 2002/2003.

A TAB. 7 demonstra a distribuição das alunas formadas, por cor e faixa etária, destacando o percentual em relação ao total da amostra. Verifica-se que o grupo de alunas brancas foi aquele com o maior número de formandas antes do tempo previsto. À exceção do grupo de alunas amarelas, aquele grupo de alunas brancas teve os menores percentuais nas faixas que indicam atraso – salvo a faixa de 31 a 35 anos – e não possuía nenhuma professora formada com idade acima de 36 anos. As alunas pardas, que constituíam a maior parte do corpo discente, apresentam os maiores percentuais em todas as faixas, sendo que em algumas elas aparecem sozinhas. Os percentuais, aliás, demonstram a distância havida entre as alunas brancas e as alunas negras. Na faixa das alunas que se formaram com atraso, entre 21 e 25 anos, o percentual de

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Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

brancas é de pouco mais de 4%, enquanto o percentual de pardas é de mais de 20%. Apenas 12 brancas, representando menos de 1% do total de alunas, formaram-se com mais de 26 anos, enquanto o percentual de pardas na mesma condição ultrapassa os 25%. As diferenças tornam-se maiores quando chegamos às outras faixas. Assim, cinco alunas brancas formaram-se com mais de 30 anos, e nenhuma o fizera com mais de 36. Também 39 alunas pardas formaram-se com idade igual ou superior a 31 anos, sendo que nove possuíam mais de 36 anos, duas possuíam mais de 41 anos e uma aluna formou-se com mais de 46 anos. A cor, como se vê, cumpria papel decisivo na vida escolar. Os percentuais relativos às alunas negras deixam isso claro. Em relação ao número absoluto da amostra, as alunas negras encontram-se em melhor condição que as amarelas. Primeiramente, porém, consideremos a comparação entre alunas negras, brancas e pardas. Em relação às brancas, os índices se invertem à medida que mudamos de faixa etária: nas duas primeiras – que indicam aprovação antes ou no tempo previsto –, as alunas brancas apresentam índices superiores; nas demais – as quais apontam as alunas formadas com atraso –, as alunas negras são “campeãs”. Em relação às pardas, ocorre que as alunas negras se encontram em melhor posição, pois seus índices são, uniformemente, inferiores aos das alunas pardas. O mesmo ocorre em relação às alunas amarelas: a situação das alunas negras parece ser de vantagem. A análise da TAB. 7, todavia, mostra o contrário, pois ela considera os percentuais dentro de cada grupo de cor. Assim, descobrimos mais de 80% das alunas amarelas concluintes do seu curso dentro da faixa etária prevista. O mesmo ocorreu com mais de 70% das alunas brancas e com mais de 50% das alunas pardas – mas só pouco menos de 25% das alunas negras conseguiram o mesmo. Assim, enquanto mais de 70% das alunas negras concluíram o curso de formação de professores com atraso, 16% das alunas amarelas, 22% das alunas brancas e 46% das alunas pardas viveram a mesma situação.

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Havia, portanto, uma enorme diferença nas condições de ensino entre alunas brancas, pretas e pardas, que se tornava ainda mais acentuada quando se levava em consideração a diferença entre alunas brancas e negras. Essas últimas concentravam-se nos cursos noturnos e formavam-se com atraso. Alunas e professoras do Instituto recordam-se das diferenças havidas entre as alunas dos diferentes turnos. Uma de nossas entrevistadas foi aluna do Instituto, na década de 1970, e depois foi professora, ali, entre 1984 e 1985. Veja-se o que ela tem a dizer sobre as condições socioeconômicas das alunas:63 Eu estudava à tarde, mas na minha sala tinha senhora. Tinha um grupo que trabalhava. Havia uma diferença socioeconômica também. Tinha então a questão de idade, [a] questão socioeconômica, até mesmo na hora de fazer trabalho; por exemplo, estudar na casa do outro: [os] trabalhos eram sempre na minha residência. Quando tinha que fazer pesquisa na biblioteca, sempre era eu, porque sempre pesava a questão econômica – algumas não tinham dinheiro ou trabalhavam. Muitas trabalhavam no comércio, outras eram empregadas domésticas. (Débora)64

Os turnos vespertino e noturno eram ocupados, em grande parte, por alunas trabalhadoras do comércio ou em “casas de família”, no dizer da nossa informante. Vejam o que dizem duas professoras sobre essa questão. Reparem que a primeira iniciou sua experiência no IEEP em 1966, e a segunda em 1983: Até 1970, nossos alunos em sua maioria pertenciam à classe média, alguns da classe média alta e outros da classe pobre. Nos turnos da manhã e da tarde predominavam os da classe média e alguns da classe média alta. Já o turno da noite era constituído, em grande parte, por alunos que trabalhavam no comércio. (Malena)65 Em relação à formação dos concluintes de 1983, a gente já consegue fazer uma diferença: o turno da noite [era formado, em sua maioria,]

63

Utilizamos pseudônimo escolhido pelas próprias entrevistadas, à exceção de uma das professoras. Essa preferiu manter o nome com o qual fora conhecida à época da docência.

64

Depoimento prestado em 26 de janeiro de 2004.

65

Depoimento prestado em 5 de julho de 2004.

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Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

por empregadas domésticas. [O] turno da manhã era um turno mais elitista, eram pessoas da redondeza, moças de família, podemos dizer assim, que tinham vontade e vocação de ser professoras. Bem diferente do turno da noite, que era [de] empregadas domésticas da redondeza. Elas não tinham outra opção a não ser estudar ali, pela proximidade do emprego. (Ana Carolina)66

Notamos, então, outra diferença, além das que os números indicam: as alunas do turno da manhã, formado por “moças de família”, segundo a professora já mencionada, geralmente alunas brancas, estudavam no IEEP em função de uma vontade, uma vocação; as alunas dos demais turnos, o noturno notadamente, no qual predominavam as alunas pardas e negras, estudavam por falta de oportunidade. O que denota uma forma estereotipada, reproduzida no testemunho acima, de demarcar o lugar do negro na sociedade brasileira; a inferioridade, a necessidade, a naturalização da pobreza, estão também reproduzidas no testemunho acima. As diferenças socioeconômicas, existentes na sociedade brasileira, viam-se reproduzidas na escola. Alunas negras e pardas viviam dificuldades em grau muito maior do que as alunas brancas, e as condições estruturais do Instituto acentuavam-nas, ao invés de diminuí-las. O uso de apostilas, citado pela aluna e depois professora Débora, é elucidativo: a escola impunha a necessidade de a aluna custear uma parte fundamental do ensino, como o acesso à bibliografia. Essas diferenças podiam ser percebidas no rendimento escolar, como se vê na TAB. 8.

66

Depoimento prestado em 2 de julho de 2004.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

TABELA 8. Distribuição da amostra de acordo com a cor e o rendimento escolar, no período de 1970-1989 Cor

Rendimento Escolar

Amarela

Aprovação

Branca

Preta

Total

Parda

abs.

%

abs.

%

abs.

%

abs.

%

abs.

%

6

100

299

98,03

104

92,86

741

98,15

1.150

97,62 2,21

Reprovação

0

0

5

1,64

8

7,14

13

1,72

26

Abandono

0

0

1

0,33

0

0

1

0,13

2

Total

6

100

305

100

112

100

755

100

1178

0,17 100

Fonte: Produção dos dados a partir das Fichas individuais de alunas e certidão de nascimento, 2002/2003.

Ora, apesar do baixíssimo índice de reprovação, em todas as faixas de cor, negras e pardas representam 81% do total de reprovadas, de forma que as dificuldades inerentes à cor se fizeram sentir no desempenho final das alunas. Mas não eram apenas as alunas negras e pardas que sentiam os sinais da cor dentro dos muros do IEEP. Raiza foi aluna do Instituto. Depois de formada, atuou na mesma instituição, como professora e administradora. Ela reporta um episódio elucidativo: Senti problema com uma colega, particularmente, [por causa d] aquela besteira de, quase todo ano, eu ser escolhida paraninfa ou patrona de uma turma. [Em] uma dessas ocasiões, essa colega resolveu entrar de sala em sala, e indagou aos alunos, [perguntando] como eles tinham coragem de eleger uma negra como eu para ser paraninfa, e que além de negra eu andava mal vestida e não me maquiava – coisas desse tipo. (Raiza)67

O episódio não rendeu mais do que conversas nos corredores. Predominou o silêncio cúmplice, em lugar da denúncia retificadora – o que indica a concordância de muitos à reclamação da professora. A cor, como se vê,

67

Depoimento prestado em 4 de novembro de 2002.

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Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

não era para ser exposta, não deveria ser valorizada, assumindo uma posição de destaque como a de paraninfa ou patrona. A professora reclamante certamente considerava que negros e negras deveriam assumir uma posição subalterna, nunca de liderança, muito menos de exemplo a ser perseguido, como normalmente são os paraninfos e patronos de turmas em formatura. Essas posições, a despeito do silêncio tácito em relação à cor (pois não era uma discussão aberta), estavam bem delimitadas: lugares das alunas brancas e das alunas negras, porém não se constituiu em objeto de discussão nem no conjunto das professoras e nem do ponto de vista institucional. A desvalorização tácita da cor ia muito além disso. As condições socioeconômicas exerciam uma distinção poderosa entre as alunas do IEEP. Já vimos uma professora que distinguira as alunas em “moças de família”, de um lado, e empregadas domésticas, de outro: a desqualificação velada entre essas alunas na hierarquia social reproduzia-se na escola, de forma que a mensagem subliminar, corrente no Instituto, era de que negras e pardas ocupavam um lugar que não era seu e, portanto, não mereciam ser percebidas. Nada é mais significativo, nesse sentido, do que a escolha de rainhas de jogos, porta-bandeiras e misses caipiras. Para levar as bandeiras, são sempre os mais bonitos. A gente faz uma seletiva – não vamos colocar dragão lá na frente. Dragão são garotas desdentadas, sorriso careca, entendeu? É uma pessoa que não tem postura. Já aconteceu, eu acho, de garotas negras levarem bandeiras da escola ou do [estado] Pará, mas do Brasil é raro! As garotas negras nem chegam perto! Elas preferem recuar. Não me lembro de nenhuma garota negra que tenha levado a bandeira nacional. Rainha dos jogos não houve nenhuma negra. (Magrita)68

Conforme indicou Lynn Walker Huntley (2000, p. 15), definições de beleza como “boa aparência”,69 ou da falta dela, como “dragão”, são apenas 68

Depoimento prestado em 8 de julho de 2004.

69

Damasceno analisa a expressão “boa aparência”, tão comum nas décadas de 1960 e 1970, e expõe o eufemismo que lhe é subjacente: o modelo da “boa aparência” pretendeu restringir o acesso da

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

outras formas de identificar o branco, ou de constituir o conceito de branco no Brasil. A cor da pele, índice de destaque, continuava sendo índice de distinção na escola – quanto mais negra, menos importância. Assim, conforme a lembrança da professora Magrita, as alunas negras só portavam as bandeiras do estado e do Instituto, ambas hierarquicamente submetidas à bandeira nacional, a qual era carregada sempre por uma aluna branca – ou tida como tal. Outras duas professoras, no entanto, não se recordam de nenhuma aluna negra que tenha sido porta-bandeira ou miss. Eu não lembro de negra que carrega[sse] bandeira. Inclusive, uma das negras que me marcou é, hoje, funcionária da UEPA. Ela era uma negra muito bonita, desfilava, mas não era rainha dos jogos. (Débora) Havia misses caipiras, mas não eram negras. Nem havia rainha dos jogos negra. Geralmente, era uma moça branca de cabelo liso – esse era o perfil da miss. Eu me lembro de uma moça negra que queria levar a bandeira do Brasil, e chegaram até mim, dizendo que não era bem ela que deveria levar. (Ana Carolina)

Para Nilma Lino Gomes,70 “cabelo crespo é um dos argumentos usados para retirar o negro do lugar da beleza”. Assim, para a mesma autora,71 inserir o tratamento da questão “racial” como tarefa pedagógica pelo conjunto dos professores/as significa “assumir que estamos em um país racista e que precisamos nos posicionar contra essa realidade”. Desse modo, devemos analisar a questão “racial” para além das constatações, mas, a partir do que população negra ao mercado de trabalho (DAMASCENO, M. C. Em casa de enforcado não se fala em corda: notas sobre a construção da “boa aparência” no Brasil. In: GUIMARÃES, A. S. A.; HUNTLEY, L. W. (Org.). Tirando a máscara: ensaios sobre racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 165-199). 70

GOMES, N. L. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa. Campinas, v. 29, n. 1, p. 167-182, jan./jun. 2003.

71

GOMES, N. L. Práticas pedagógicas e questão racial: o tratamento é igual para todos/as? In: DINIZ, M.; VASCONCELOS, R.N. (Org.). Pluralidade cultural e inclusão na formação de professoras e professores: gênero, sexualidade, raça, educação especial, educação indígena, educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2004. p. 80-108. p. 97.

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Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

é visível e oculto nos processos de formação, como no caso aqui analisado. É para isso que também apontam os estudos de Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva;72 Nilma Lino Gomes e Petronilha B. Gonçalves e Silva.73 O IEEP, como a quase totalidade das instituições de formação de professores tem feito, furtou-se a desenvolver nas suas alunas um novo habitus. Ele não desenvolveu nelas uma prática profissional que viabilizasse o enfrentamento da questão “racial”, e a sua abordagem como um problema do sistema de ensino. Ao agir dessa forma, permitiu que as concepções incorporadas dos diversos agentes sociais se manifestassem recorrentemente, por meio de ações de discriminação e práticas de preconceito. O IEEP, portanto, acabou por permitir que o preconceito fosse incorporado ao conteúdo. Evidentemente, isso não ocorreu como política; decorreu, justamente, da falta dela. A falta de enfrentamento da questão, a consideração de que ela se ajustará, de que meia dúzia de frases politicamente corretas resolverão o problema, é o que faculta a sua reprodução. Só a intervenção conscienciosa, resultado da constituição de uma massa crítica relacionada à questão e incorporada à formação poderá apontar uma luz no fim do túnel. Assim, teremos uma alteração no processo de formação e, concomitantemente, nas práticas pedagógicas daqueles que se ocupam com a formação de crianças e adolescentes nesse nível de ensino, uma vez que a falta de reflexão contribui para o recrudescimento das formas de discriminação.

Conclusões O ideal de branqueamento, construído no século XIX, mostrava-se vivo no IEEP. Apesar de a maior parte de seu contingente de alunas ser parda, portanto, tido como mestiça, o Instituto pretendia ser representado por

72

SILVA, P. B. G. Práticas do racismo e formação de professores. In: DAYRELL, J. (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.

73

GOMES, N. L.; SILVA, P. B. G. (Org.). Experiências étnico-culturais para a formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

alunas vistas e tidas como brancas. Ocorria então o que Pierre Bourdieu74 denominou de processo de naturalização, e a imposição dos valores da cultura dominante na prática social. Os ideais de uma sociedade branca se viam reproduzidos nos momentos de confraternização do Instituto, posto que somente alunas brancas eram escolhidas para representar o corpo discente. Os negros representavam o antipadrão desejado, ficando ausentes de toda e qualquer representação do Instituto ou de suas alunas, exceção feita às maratonas intelectuais, quando, em duas oportunidades, o Instituto fora representado por uma aluna negra. Todo esse contexto de discriminação, evidentemente, compôs a formação oferecida pelo Instituto. Desde a distribuição das alunas por turno, tudo contribuía para a formação diferenciada. As alunas matriculadas no turno da manhã se beneficiavam do fato de serem aquelas as primeiras aulas das professoras, ministradas em turmas menores, nas quais o tempo e a atenção das professoras podiam ser melhor aplicados. O contrário ocorria nas turmas dos turnos da tarde e da noite, quando ocorria a maior concentração de alunas negras, em que o módulo chegava a comportar 65 alunas. O acesso ao material didático também era rarefeito entre as alunas negras, como evidenciou o testemunho de uma de nossas entrevistadas. E a aluna representante do IEEP, aquela que era porta-bandeira, rainha dos jogos e miss caipira, nada tinha de negra. Dessa forma, dentro da escola foram estabelecidas como que diversas hierarquias, nas quais as alunas brancas despontavam como símbolos do ideal, pois eram tidas como as mais bonitas, as mais bem situadas economicamente, as que possuíam família, as que expunham uma imagem limpa da Instituição. As formas de discriminação, no entanto, enfatizam a presença das discentes negras. Elas eram discriminadas porque estavam lá. Elas eram maioria entre as estudantes. Os corredores e salas de aula, as ruas no entorno do

74

BOURDIEU, P. Espaço social e poder simbólico. In: BOURDIEU, P. Coisas ditas. Tradução de Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorin. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 149-168.

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Capítulo 2 Só de corpo presente: o silêncio tácito sobre cor e relações “raciais” na formação de professoras no estado do Pará

Instituto, diariamente, viam-se repletas daquele gradiente que caracteriza a sociedade brasileira. Porém, da mesma forma que a sociedade, o Instituto não as enxergava – posto que a discriminação é uma negação da presença. Quando se discrimina, o que se faz, no fim das contas, é negar à pessoa discriminada o direito de estar presente. É por isso que ela é discriminada: porque ousou querer se fazer presente.

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Capítulo 3

A representação do oficial e do oficioso: um olhar na imprensa paraense sobre a educação nos anos de 1970 e 19801

Veículos de comunicação interferem nas opiniões e comportamento dos leitores, assim como se aperfeiçoam como suporte de comunicação.2

1

Artigo publicado originalmente em Revista Temas em Educação, João Pessoa, v. 13, p. 106-126, 2004.

2

FLEUR, M. L. Teorias da comunicação de massa. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p. 29.

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75

Capítulo 3 A representação da oficial e do Aficioso: um olhar na imprensa sobre a educação nos anos de 1970 a 1980

Neste capítulo, discutiremos as representações de parte da mídia escrita paraense sobre as questões educacionais e a dimensão “racial”.3 A análise proposta abordará uma amostra de textos publicados nos jornais e revistas, nas décadas de 1970 e 1980. O argumento apresentado a seguir demonstra 3

O termo “raça” surgiu na segunda metade do século XIX como uma forma de diferenciar os grupos humanos levando em conta as suas características biológicas e fenotípicas, e partir disto, justificar a divisão das sociedades entre “superiores” e “inferiores”, no caso, europeus “superiores”, e africanos, asiáticos e americanos “inferiores”. Contudo, no início do século XX, essa noção começa a ser criticada em razão do seu determinismo, e novas percepções são lançadas para se analisar as diferenças “raciais” e culturais das diferentes sociedades humanas, a partir da ótica da cultura. Atualmente, o termo “raça” é utilizado em uma perspectiva histórica e sociológica e procura analisar o lugar social destinado a negros e brancos na sociedade brasileira pautados por aquela noção de “raça” que ficou internalizada no imaginário coletivo e que acaba por orientar práticas preconceituosas e discriminatórias, o que por sua vez fundamenta a desigualdade racial. A propósito dessa discussão, ver: COSTA, S. A construção sociológica da “raça” no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 35-62, 2002; MATTA, R. da. Digressão: fábula das três raças, ou problema do racismo à brasileira. In: MATTA, R. da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. p. 58-85; GUIMARÃES, A. S. A. Raça e os estudos de relações raciais no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 54, p. 147-156, 1999b; GUIMARÃES, 2002; GUIMARÃES, A. S. A. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa – USP, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 93-108, 2003; MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de “raça”, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB, Rio de Janeiro, n. 5, p. 15-34, 2004e; ORTIZ, R. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994; SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Tradução de Donaldson M. Garschagen; São Paulo: Companhia da Letras, 2012. Na crítica às restrições impostas pelo conceito de “raça”, Kwame A. Appiah pontua que “onde a raça atua [...], ela atua como uma espécie de metáfora da cultura; e só o faz ao preço de biologizar aquilo que é cultura, a ideologia”. Ver, em: APPIAH, K. A. Na casa de meu pai: a África na filosofia da Cultura. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. p. 75. Em posição similar, encontramos a de PEREIRA, E.; GOMES, N. P. M. Ardis da imagem: exclusão étnica e violência nos discursos da cultura brasileira. Belo Horizonte: Mazza; Ed. PUC Minas, 2001, p. 126, os quais afirmam a ação útil do discurso de base “racial” na vida cotidiana uma vez que se utiliza a expressão “discriminação racial”, embora não discordem das críticas feitas à noção de Raça. Para os autores, em situação de conflito, não se ignora a natureza dessa munição imputada aos discriminados, essa em geral, causa dor e constrangimento; Cf. Também em: SILVA, N. V. Uma nota sobre raça social no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 26, 1994.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

o discurso da imprensa como expressão de parte da opinião pública; além deste aspecto, oferece indícios sobre como a sociedade paraense concebia as questões “raciais”4 e sua relação com a Educação Básica. A análise oferecida utiliza o conceito de representação de Roger Char5 tier e da noção de poder simbólico de Pierre Bourdieu.6 Para o primeiro autor, as representações são construções socialmente informadas, de modo que expressam intenções e constituem articulações deliberadas dos grupos sociais que as formulam. Para o segundo autor, o poder, mesmo considerando-se sua condição social – sua remissão a um grupo que o exerce em defesa dos seus interesses –, só é exercido com a cumplicidade dos que a ele se submetem. As duas matrizes são fundamentais para a compreensão das construções disponíveis na imprensa do período como artefatos socialmente produzidos, com vistas à elaboração de uma visão sobre a sociedade e sobre o ideal de sociedade pretendido. A análise sobre registros da imprensa não poderia se dar sem o recurso à literatura que tem refletido sobre ela. Nesse sentido, optamos e, por conseguinte, nos embasamos nas formulações de Nelson Werneck Sodré, Perseu Abramo e Mauro Wolf.7 Os três autores nos ajudam a pensar a imprensa em duas dimensões distintas, mas complementares. Em primeiro lugar, como uma instituição polifônica, a qual reúne um conjunto de vozes, manifestas nos diversos articulistas e agentes retratados nas reportagens e artigos publicados. Em segundo lugar, e sem prejuízo do primeiro, como uma instância política

4

Em relação a essas controvérsias da mídia impressa no tratamento das questões étnicas, conferir CONCEIÇÃO, F. Qual a cor da Imprensa. In: OLIVEIRA, D. D. et al. (Org.). A cor do medo. Brasília, 1998. p. 155.

5

CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand, 1990. O mundo como representação. Estudos Avançados, v. 5, n. 11, p. 173-191, jan./abr. 1991.

6

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a.

7

SODRÉ, N. W. A história da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966; WOLF, M. Teorias da comunicação, 5. ed. Lisboa: Presença, 1995; ABRAMO, P. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.

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detentora de uma agenda e de uma posição sobre a sociedade e, também, sobre os eventos que aborda. Em terceiro lugar, e em relação direta com o segundo, como uma instância que oferece uma visão do e sobre o mundo, expressa não apenas nos artigos de opinião, mas, também, nas reportagens que se pretendem isentas. Mauro Wolf sustenta a manipulação da imprensa a partir de dados recolhidos, oferecendo uma formulação que parece ser uma representação social, mas em verdade não é. É Perseu Abramo, no entanto, quem melhor oferece uma reflexão sobre a manipulação da imprensa. Ele indica, pelo menos, quatro padrões de manipulação recorrentemente observáveis. O primeiro é o padrão de ocultação, se constitui na tomada de decisão de que um fato “não é jornalístico”, não há a menor oportunidade de que o leitor tome ciência de sua existência por meio da imprensa. Nesse sentido, o autor ressalta a supressão do fato real em relação à realidade, uma vez que o fato produzido pela imprensa, real ou ficcional, passa a ser a realidade criada por ela e, mormente, será incorporada e disseminada pelo leitor, conforme as pontuações de Melvin L. Fleur trazidas no início deste capítulo. O segundo é o padrão de fragmentação. Trata da eliminação dos fatos definidos como “não jornalísticos”. Consequentemente, o “resto” da realidade é apresentado pela imprensa ao público não como “uma realidade, com suas estruturas e interconexões, sua dinâmica e seus movimentos e processos próprios, suas causas, suas condições e suas consequências”.8 O real é esmiuçado e fragmentado em múltiplos pedaços de fatos particularizados e desconexos entre si. Portanto, esse padrão se caracteriza, segundo Abramo, na seleção de aspectos do fato e na descontextualização. Quando há fragmentação, uns fatos são mantidos e outros eliminados. Os fatos restantes resultam “descontextualizados”, o que é fundamental para a “distorção” da realidade e da construção “artificial de uma outra”.

8

ABRAMO, P. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. p. 27.

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O terceiro padrão é o da inversão. Depois da fragmentação dos fatos particulares, esse padrão atua naquilo que Perseu Abramo chamou de reordenação das partes, ou seja, a substituição de umas por outras e a promoção de uma na inversão da relevância dos aspectos que constituem o fato. Segundo ele, “o secundário é apresentado como principal e vice-versa”.9 Frequentemente, ainda segundo Abramo, o jornalista procede à inversão da forma pelo conteúdo: o capítulo passa a ser mais relevante que o fato tratado; as palavras mais importantes que o lugar da informação; o tempo e o espaço da matéria predominam sobre a clareza da explicação; o visual harmônico sobre a veracidade ou a fidelidade; o ficcional espetaculoso subordina a realidade. Por fim, o último padrão, a inversão da versão pelo fato. Conforme aponta a análise de Perseu Abramo, não é o fato em si que passa a importar, mas a versão oferecida pelo órgão de imprensa. A autoria da versão não é o mais importante, nesse caso. Seja ela de autoria do próprio jornal ou revista, seja ela adotada de alguém (das fontes, das declarações ou das opiniões recolhidas), o dado relevante é a sua elevação à condição de versão última do ocorrido. Um dos extremos desse padrão de inversão é, conforme o autor em questão, o frasismo. Perseu Abramo utiliza a categoria para expressar o que considera ser o abuso da utilização de frases ou pedaços de frases, que conformam um juízo sobre um dado evento, em substituição do evento mesmo. Outro extremo é o oficialismo. Por meio dessa categoria, o autor realça a busca pela melhor fonte, aquela que se situa como a que melhor conhece os fatos abordados. Não se trata, como se poderia supor, de fontes oficiais, simplesmente, mas de fontes que expressam autoridade sobre determinado assunto. Por meio delas, o órgão de imprensa se situa como a melhor fonte de todas – pois ele se apropria do discurso das fontes como se seu fosse, de modo a situar-se como a melhor versão sobre qualquer fato ocorrido.

9

Ibidem, p. 29.

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A opinião de um determinado grupo social parece estar alicerçada em fatos. Essa é uma consideração antiga.10 A opinião dependeria, então, do domínio sobre um conjunto de dados que permitiriam o acesso aos fatos e a formulação de um juízo. As considerações de Perseu Abramo sugerem que o discurso da imprensa, ao manipular os dados, oferece uma base de dados elaborada com o objetivo de encaminhar determinado juízo como legítimo. Nesse sentido, a imprensa teria como propósito sustentar o próprio discurso como o discurso de autoridade, de modo que o leitor o adote e o reproduza. Uma das estratégias da imprensa, nesse sentido, a qual constitui um importante meio de persuasão, é a inversão da informação pela opinião. Ele consiste, como a expressão sugere, a inversão, inteira ou parcial, da informação pela opinião. Notem que Perseu Abramo não nega o direito de a imprensa a ter opinião. Como órgão de expressão de valores e projetos de grupos sociais, ela deve formulá-las e expressá-las. Nesse sentido, por meio daquela estratégia, o autor caracteriza não a opinião da imprensa, mas, uma atitude deliberada de oferecer a opinião formulada como se informação fosse.11 Nas palavras do autor, isso configura o “juízo de valor” sendo substituído pelo “juízo da realidade”. O leitor não recebe, nesses casos, o fato em si, mas a valoração incutida pela imprensa sobre aquilo que ela quer que o eleitor acredite sobre um fato que lhe foi sonegado e distorcido. O último padrão de manipulação, apontado por Perseu Abramo, é o de indução, o qual se traduz na habilidosa articulação dos casos, dos momentos, das formas e dos graus de “enviesamento” da realidade. Por meio desse padrão, o jornal assume que o público leitor é incapaz de compreender a realidade, sendo sua função estabelecer uma mediação entre o leitor e os fatos.12 A reflexão de Perseu Abramo sobre a imprensa nos foi de extrema relevância no enfrentamento da questão à qual nos propusemos. Por meio dela, 10

ARISTÓTELES. Arte retórica. Lisboa: INCM, [s.d.].

11

ABRAMO, 2003, p. 31.

12

Ver, a respeito dessa questão, RAMOS, S. Mídia e racismo (Org.). Mídia e racismo. Rio de Janeiro: Pallas, 2002; MARTINO, L. M. S. Mídia e poder simbólico. São Paulo: Paulus, 2003. p. 60-61.

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analisamos, a representação elaborada por parte da imprensa paraense sobre as questões educacionais, especialmente no que tange à dimensão “racial”, ao longo das décadas de 1970 e 1980. Cotejamos, nesse sentido, artigos de dois jornais paraenses, O Liberal e A Província do Pará, os de maior circulação no estado, além de revistas sobre educação que circularam no período. Reunimos duzentos e cinquenta reais artigos, os quais, por um lado, apontam o modo pelo qual parte da imprensa concebia o sistema educacional e a questão “racial”, e por outro, sugerem as concepções com as quais parte da sociedade do período estabelecia identificações, dada a aceitação que aqueles meios de comunicação gozavam no estado.

Década de 1970 – “a década da educação” A década de 1970 foi considerada a década da educação. O recurso retórico e midiático foi disseminado pelo então deputado federal João Calmon. Esse político idealizou a campanha “Movimento Brasileiro de Alfabetização”, lançada em 1971. A campanha constituiu parte da política educacional formulada pelos governos militares e consubstanciava muito do que se pretendia por meio do sistema educacional, recentemente alterado.13 13

O contexto histórico brasileiro era, na década de 1980, de lenta e complexa abertura do regime de ditadura militar que o país vivia desde o golpe de 1964. Movimentos sociais se organizavam e reivindicavam o retorno ao Estado de direito. Nesse cenário, a situação educacional configurada a partir das reformas instituídas pela ditadura militar logo se tornou alvo da crítica dos educadores, que crescentemente se organizavam em associações de diferentes tipos, processo esse que se iniciou em meados da década de 1970 e se intensificou ao longo dos anos de 1980. A esse respeito, consultar: PEREIRA, M. F. R. Dois sentidos para a educação na década de 1980: democracia e cidadania/implicações históricas. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br>. Acesso em: 16 maio 2012; GERMANO, J. W. Estado militar e educação no Brasil (1984-1985). 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005; COELHO, W. N. B. A cor ausente: um estudo sobre a presença do negro na formação de professores: Pará, 1970-1989. 2. ed. Belo Horizonte: Mazza, 2009; NEVES, L. M. W. (Org.). Educação e política no limiar do século XXI. Campinas: Autores Associados, 2000; FÁVERO, O (Org.). A educação nas constituintes brasileiras (1823-1988). 2. ed. Campinas: Autores associados, 2001; RIBEIRO, M. L. História da educação brasileira: a organização escolar. Campinas: Autores Associados, 1995; ROMANELLI, O. O. História da educação no Brasil. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2000; SAVIANI, D. Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 1999; Idem. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação e política. Campinas, SP: 38. ed. Campinas: Autores Associados, 2006; Idem et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores

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Capítulo 3 A representação da oficial e do Aficioso: um olhar na imprensa sobre a educação nos anos de 1970 a 1980

Desde a década de 1950, a questão educacional pautava a discussão sobre os caminhos que o país precisaria percorrer a fim de seguir a trilha do desenvolvimento. A política educacional adotada no início dos anos 1970 concretiza uma das alternativas formuladas. Tratava-se de uma discussão nacional, da qual participavam políticos e a sociedade civil organizada. No Pará, não era diferente. A sociedade encontrava-se sensibilizada para o problema do analfabetismo no Pará e foi convocada a participar das soluções encontradas. A imprensa transformou-se em polo irradiador das diretrizes da política, em instância de sua defesa e de sensibilização da sociedade. Em um dos artigos publicados, sustentava-se que “o analfabetismo não é responsabilidade de um só. Todos são responsáveis, principalmente daqueles que tiveram oportunidade de ir à escola”.14 Todos foram concebidos como alfabetizadores15: bastava saber ler, escrever e ter disponibilidade. Entre os novos professores, contavam-se donas de casa, estudantes universitários e profissionais de formação diversa. Associados, 2004; SILVA, A. F. Formação de professores para a educação Básica no Brasil: projetos em disputas (1987-2001). Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004; LIBANÊO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 11. ed. São Paulo: Loyola, 1993. 14

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 13 nov. 1971.

15

O Movimento Brasileiro de Alfabetização surgiu como um prosseguimento das campanhas de alfabetização de adultos iniciadas com Lourenço Filho. Entre seus objetivos, segundo os autores sobre o tema, estão: aprender a ler, escrever e contar, destituídos de formação crítica dos agentes. Foi criado pela Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967, propondo a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrála à sua comunidade, permitindo melhores condições de vida. A propósito do tema, ver: GERMANO, J. W. Estado militar e educação no Brasil (1984-1985). 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005; GROSSI, E.P. et al. Retrospectiva das Campanhas, Projetos e Programas de Educação e Alfabetização de Adultos o Brasil. Revista do GEEMPA – Ensinando que Todos Aprendem, Porto Alegre, n. 6, out. 1998; GADOTTI, M. Educação de jovens e adultos: correntes e tendências. In: GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. (Org.). Educação de jovens e adultos: teoria, prática e proposta. 3. ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2001; GADOTTI, M. Escola pública popular. Revista Educação Municipal, São Paulo, ano 1, n. 2, set. 1988; HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Escolarização de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, maio/ ago. 2000; SOARES, L. J. G. Educação de adultos em Minas Gerais: continuidades e rupturas. Tese (Doutorado) – São Paulo, USP, 1995; BELLO, J. L. de Paiva. Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL: história da educação no Brasil: período do Regime Militar. Pedagogia em Foco, Vitória, 1993.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

Foi por meio da imprensa que o governador do estado, Alacid Nunes, informou à população sobre o decréscimo do analfabetismo no Pará.16 Na oportunidade, o governador atribuía o fato ao Movimento Brasileiro de Alfabetização.17 O MOBRAL18, como ficou conhecido o programa de erradicação do analfabetismo, consistia em um projeto de ensino voltado para jovens e adultos fora da idade escolar. A despeito das boas intenções, a implementação do programa não se deu sem sobressaltos. O improviso e a precariedade demarcaram a sua aplicação. O discurso dos agentes do Estado, na imprensa, no entanto, ressaltava apenas o aumento da taxa de alfabetizados.19 16

A Província do Pará, 2º Caderno. p. 1-2, jan. 1971.

17

Projeto educacional pela erradicação do analfabetismo, implementado pelos governos federal e estaduais, desenvolvido em plena ditadura militar, 1964, em todos os Estados da Federação.

18

Durante a década de 1980, o MOBRAL figurou como responsável pela educação de jovens e adultos no Brasil, realizando o processo de expansão desse tipo de atendimento por todo o território nacional, inclusive no estado do Pará. A utilização de recursos da comunidade e o voluntarismo foram marcas do trabalho do MOBRAL com essa educação. Desde o final da década de 1960, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) vinha, em seus documentos, adotando as marcas fundamentais do MOBRAL. Para discussão circunstanciada, ver: OLIVEIRA, I. A. Educação ao longo da vida. Salto para o Futuro, ano 19, n. 11, set. 2009; OLIVEIRA, I. A. Educação de jovens, adultos e idosos. Salto para o Futuro, ano 19, n. 11, set. 2009; CARVALHO, A. M. O. T. A formação do monitor. Disponível em: <http://alb.com.br/arquivoorto/ edicoes_anteriores/ anais17/txtcompletos/sem14/COLE_1101.pdf>. Acesso em: 16 maio 2012. No que concerne ao improviso, conferir: Sobre o improviso, em textos correntes, na educação e no trabalho docente, ver: COELHO, W. N. B.; COELHO, M. C. O improviso em sala de aula: a prática docente em perspectiva. In: COELHO, W. N. B.; COELHO, M. C. (Org.). Raça, cor e diferença: a escola e a diversidade. 2. ed. Belo Horizonte: Mazza, 2010, p.104-123; ALVES, W. F. A formação de professores e as teorias do saber docente: contextos, dúvidas e desafios. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 33, n. 2, p. 263-280, maio/ago. 2007; ROLDÃO, M. C. Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n. 34, p. 94-103, abr. 2007; DUARTE, N. Conhecimento tácito e conhecimento escolar na formação do professor (porque Donald Schön não entendeu Lúria). Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 83, p. 601-625, ago. 2003; OGLIARI, C. R. N. Os saberes dos professores: marcas de uma trajetória de vida. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – EDUCERE, 9., ENCONTRO SUL BRASILEIRO DE PSICOPEDAGOGIA, 3. 2009, Curitiba. 2009. Disponível em: <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/ pdf/2485_1239. pdf>. Acesso em: 25 abr. 2012. Em outra perspectiva da discussão: TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas consequências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, n. 13, p. 5-24. abr. 2000; MONTEIRO, A. M. F. C. Professores: entre saberes e práticas. Educação & Sociedade, n. 74, p. 121-141, abr. 2001

19

O Liberal, 3º Caderno, p. 2, 9 set. 1979; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 7 nov. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 5 nov. 1979; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 8 jan. 1976; A Província do

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Capítulo 3 A representação da oficial e do Aficioso: um olhar na imprensa sobre a educação nos anos de 1970 a 1980

A imprensa paraense, a despeito do espaço destinado às considerações do governo, não deixava de denunciar os problemas da educação. Nos primeiros anos da década de 1970, quando da implementação das políticas de “democratização” do ensino, foram frequentes as denúncias sobre falta de vagas, especialmente para o segundo ciclo do Primeiro Grau, o antigo ginasial.20 A questão da falta de vagas foi uma constante ao longo de toda a década. A leitura dos jornais do período vislumbra todas as dimensões da questão. Uma primeira dimensão apontada pela imprensa era a recusa do governo em assumir que a política educacional era, em qualquer medida, assistencialista. A insistência do governador Alacid Nunes em sustentar a cobrança de taxas, sob a justificativa de que o Estado não poderia ser paternalista,21 não foi contestada. A falta de vagas nas escolas públicas foi enfrentada por meio da compra de vagas em escolas privadas22 – o que, ao final, não resolveu o problema. O acesso às vagas era feito por concurso de admissão, especialmente para o antigo ginasial, de modo que, além da seleção pelo concurso, a restrita oferta de vagas limitava, ainda mais, o acesso à educação. Eram garantidas as vagas aos filhos de funcionários civis e militares do Estado, os quais constituíam a Fundação Estadual do Pará.23 Mas nem o governo, nem a imprensa, viam nesse privilégio qualquer coisa de assistencialismo. A compra de vagas nas escolas privadas, pelo governo do estado, foi seguida

Pará, 1º Caderno, p. 5, 13 nov. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 14 nov. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 19 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 4, 20 nov. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 2, 31 jan. 1976. 20

O Liberal, 1º Caderno, p. 1, 18 jan. 1972; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 18 jan. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 18 nov. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 20 nov. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 21 nov. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 28 jan. 1972; O Liberal, 1º Caderno, p. 1, 30 jan. 1972; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 1, 12 jan. 1971.

21

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 1, 06 jan. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 08 jan. 1971; O Liberal, 1º Caderno, p. 2, 04 jan. 1973.

22

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8. 19 maio 1970.

23

O Liberal, 1º Caderno, p. 4, 4 jan. 1974; O Liberal, 1º Caderno, p. 5, 19 jan.1972; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 23 jan. 1974.

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pela adoção da educação mista em algumas escolas religiosas.24 Assim, a política de “democratização” da educação e de ampliação do número de vagas nas escolas, as quais consubstanciavam a “Década da Educação”, engendraram o crescimento da oferta de vagas no sistema educacional privado. Mesmo no sistema público de ensino, a cobrança de taxas permaneceu até 1976.25 Assim, a política pretendida não significou maior acesso à educação para setores antes excluídos da rede educacional e de suas vantagens. A falta de vagas que se verificava no primeiro nível de ensino se estendia ao segundo. O acesso ao Segundo Grau também se dava por meio de exames de seleção. Da associação desses dois fatores resultava que muitos dos que pretendiam ingressar naquele nível de ensino não obtinham sucesso. Os jornais informavam que cerca de trinta e cinco por cento dos candidatos ficavam sem vagas.26 Mas, se, por um lado, os jornais davam conta da escassez de vagas, por outro eles divulgavam as ações do governo no sentido de resolver as questões pendentes. Ainda que vistas como claudicantes, as ações do governo recebiam atenção respeitosa. No início e perto do fim da década, a imprensa noticiou as medidas previstas para a construção e recuperação de escolas e para o aumento do número de vagas.27 Frequentemente, noticiavam a perspectiva de criação de novas escolas, a reforma de antigas, a contratação de novos professores, a promessa de aumento salarial e a implementação de licenciaturas polivalentes.28 Em dois momentos, a ausência de profissionais para atuarem 24

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 4, 22 jan. 1973; A Província do Pará, 1º Caderno. p. 5, 14 fev. 1973.

25

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 3, 20 jan. 1976; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 4 jan. 1973; A Província do Pará. 1º Caderno, p. 7, 12 jan. 1977.

26

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 23 jan. 1977; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 12 jan. 1977.

27

A Província do Pará. 1º Caderno, p. 7, 25 jan. 1977; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 13 nov. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 09 jan. 1971.

28

Quanto à implementação de novas escolas: O Liberal, 1º Caderno, p. 6, 9 jan. 1972; O Liberal, 1º Caderno, p. 7, 12 jan. 1974; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 25 jan. 1977; O Liberal, 1º Caderno, p. 4, 25 jan. 1974; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 13 nov. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 27 jan. 1976; Quanto à contratação de professores: A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 6 jan. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 15 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 22 jan. 1971;

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Capítulo 3 A representação da oficial e do Aficioso: um olhar na imprensa sobre a educação nos anos de 1970 a 1980

na Educação Básica fez com que o estado incorporasse alunos de cursos de formação de professores na rede de ensino público – o que foi noticiado sem qualquer perspectiva crítica.29 Essa característica do discurso jornalístico do período pode ser notada mesmo em uma situação limite. O I Encontro de Educadores da Amazônia foi objeto de intensa cobertura jornalística.30 No entanto, a tônica do noticiário destacava os projetos e as realizações do governo. As discussões ocorridas, os problemas levantados, as alternativas propostas que não se adequavam aos planos do governo receberam pouquíssima atenção ou, simplesmente, não foram mencionadas. Isso pode ser percebido, ademais, no número de referências a um grave problema da educação no Pará: a evasão e a repetência. No levantamento feito sobre a década de 1970, nos dois jornais pesquisados, encontramos apenas duas referências ao problema, quando a década ia bem adiantada.31 Outra evidência do caráter do discurso jornalístico daquele período é a cobertura jornalística sobre a Lei nº 5.692/71.32 Formulada como a lei que “democratizaria” o ensino no país, encaminhava uma reforma na Educação Básica. Por meio dela, instituíam-se dois

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 6, 26 jan. 1973. O Liberal, 1º Caderno, p. 6, 11 jan. 1973; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 12, 12 jan. 1974; O Liberal, 1º Caderno, p. 4, 25 jan. 1974; A Província do Pará, 1º caderno, p. 1, 2 nov. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8. 22 jan. 1971; A Província do Pará. 1º Caderno, p. 6. 26 jan. 1973; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 20 nov. 1970. A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5. 08 jan. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 06 jan. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 21 nov. 1970. 29

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 07 jan. 1977; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 1, 12 jan. 1971.

30

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 4, 14 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, 5, 06 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5. 07 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5. 11 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 10, 18 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 19 maio 1970.

31

A Província do Pará. 1º Caderno, p. 7, 23 jan. 1977; O Liberal, 1º Caderno, p. 7, 09 abr. 1975.

32

Ver discussão sobre a Lei nº 5.692/71: VALÉRIO, T. F. O espelho de duas faces: implementação da Lei nº 5.692/71 para o ensino secundário no Paraná. Horizontes, v. 26, n. 2, p. 103-112, jul./dez. 2008; GERMANO, 2005; COELHO, W. N. B. A cor ausente: um estudo sobre a presença do negro na formação de professores – Pará, 1970-1989. 2. ed. Belo Horizonte: Mazza, 2009; ROMANELLI, 2000; RIBEIRO, 1995; FREITAG, 1979.

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graus de ensino: o primeiro, com oito anos, e o segundo, com três ou quatro anos. O ensino adquiria, ainda de acordo com aquela lei, um caráter pragmático – voltava-se para a resolução dos problemas do país, percebidos como lacunas que impediam o desenvolvimento, sendo a qualificação dos trabalhadores uma delas. Nesse sentido, a educação voltava-se para a preparação para o mercado de trabalho, especialmente no Segundo Grau.33 As matérias publicadas nos jornais pouco discutiram a pertinência das medidas que a lei comportava. No mais das vezes, os jornais limitaram-se a esclarecer os leitores sobre a operacionalização da lei.34 O tom dos textos era de concordância com a política adotada. As suas injunções pouco foram consideradas – assim, o caráter profissionalizante adotado no Segundo Grau, pelas escolas da rede pública de ensino, era visto como um ganho. Os discursos jornalísticos assumiam que a alteração constituía um ganho para as camadas mais pobres, as quais teriam melhor qualificação para conquistarem uma vaga no mercado de trabalho. Nenhuma das matérias consultadas encaminhou qualquer reflexão sobre a restrição que a modificação impunha ao acesso ao Ensino Superior. A política de “democratização” proposta não garantia acesso “democrático” àquele nível de ensino, uma vez que a formação recebida voltava-se para a formação para o mercado e não para a qualificação do aluno com vistas ao ingresso no Ensino Superior. As referências a essa situação reconheciam o problema, especialmente quando tratavam da década anterior,35 mas não o atacavam; antes, pareciam ver nos cursinhos de preparação para o vestibular uma solução.36

33

Conferir discussão em: VALÉRIO, 2008; GERMANO, 2005; COELHO, 2009; ROMANELLI, 2000; RIBEIRO, 1995; FREITAG, 1979.

34

O Liberal, 1º Caderno, p. 6, 12 jan. 1972; O Liberal, 1º Caderno, p. 2, 23 jan. 1972; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 14 jan. 1972; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 19 maio 1972 A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 14 jan. 1972; O Liberal, 1º Caderno, p. 2, 17 jan. 1974.

35

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 19 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 05 jan. 1971; O Liberal, p. 11, 06 jan. 1981.

36

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 23 jan. 1977; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 23 jan. 1977; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 12 jan. 1977; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 22 jan. 1977; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 22 jan. 1974; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 10, 19 jan. 1973.

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Capítulo 3 A representação da oficial e do Aficioso: um olhar na imprensa sobre a educação nos anos de 1970 a 1980

A exceção, reconhecida inclusive pela imprensa, era o Instituto de Educação do Estado do Pará. Sem dúvida, a instituição mais festejada da década, talvez, devido ao seu centenário.37 O IEEP, como aquele instituto é familiarmente conhecido no estado, gozava de grande prestígio: fosse pelo fato de que boa parte de seus egressos alcançavam o Ensino Superior sem o recurso aos “cursinhos”, fosse pela decorrência de que o instituto constituiu o lugar a partir do qual a formação de professores ocorreu solitariamente durante décadas, de modo que ele proveu a sociedade de professores e gestores educacionais que assumiram funções de projeção nos órgãos de condução e controle da educação ofertada. Significativamente, a área das Ciências Humanas foi a que mais recebeu candidatos, segundo as notícias dos jornais, logo no início da década.38 As mesmas notícias, no entanto, não estabelecem qualquer relação entre a demanda por professores, em função da reforma educacional implementada, e a procura pelos cursos de licenciatura, normalmente reunidos sob aquela área de estudos. Não obstante, os jornais estabeleceram o nexo pertinente entre a reforma, a falta de professores e a necessidade de qualificar aqueles que eram integrados às redes de ensino na condição de docentes. Diante da escassez de professores formados, o estado tratou de incorporar professores “leigos”. Esses eram tanto profissionais formados, mas sem a formação pedagógica necessária, quanto alunos do Ensino Superior. Todos eram submetidos a cursos de treinamento, com o objetivo de apreenderem boas técnicas de ensino.39 Os jornais noticiaram essas 37

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 20 jan. 1970; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 4, 05 abr. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 6, 14 abr. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 13 abr. 1971.

38

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 5, 5 jan. 1971; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 3, 19 jan. 1973.

39

O Tecnicismo surge com as tentativas de reordenação do processo educativo com base na organização racional dos meios de ensino. Ver discussão circunstanciada em: SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação e política. Campinas, SP: 38. ed. Campinas: Autores Associados, 2006; ARANHA, M. L. A. História da educação e da pedagogia: Geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006; RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira: a organização escolar. 4. ed. São Paulo: Moraes, 1982; OLIVEIRA, J. Batista Araújo. Tecnologia educacional: teorias da instrução. 2. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1973; GARCIA, W. E. (org.). Inovação educacional no Brasil:

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

medidas, especialmente, no início da década,40 mas não teceram qualquer juízo crítico sobre elas. O discurso jornalístico acabava por oferecer uma visão que, à primeira vista, pareceria contraditória da situação do ensino no estado. Ao mesmo tempo que oferecia notícias sobre os problemas, apresentava, em número muito maior, um conjunto alternativo de notícias, segundo as quais o estado envidava todos os esforços para resolvê-los. Disso resultava uma visão menos negativa da situação vivida pela educação. Se a questão educacional ocupava os jornais, a questão “racial” lhes era quase completamente alheia. Salvo uma breve notícia sobre o interesse internacional sobre as religiões de origem africana e indígena,41 as referências se limitavam à reprodução do que a memória histórica nacional consolidara, àquela altura, sobre a questão. O 13 de Maio concentrava a maior parte da pauta jornalística e o discurso era o mesmo dos conservadores manuais de História: a Abolição era vista como uma ação benfeitora da princesa Isabel, a grande heroína do evento comemorado.42 Uma das infrequentes referências ao negro43 ou à cultura afro-brasileira não se deu sem qualquer manifestação de preconceito.44 Os cultos afro-brasileiros e suas manifestações foram caracterizados como expressões da falta de “valores”.45

problemas e perspectivas. 3. ed. Campinas: Autores associados, 1995; ROMANELLI, O. O. História da educação no Brasil (1930-1973). 17. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. 40

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 16 maio 1970; A Província do Pará, 1º Caderno. p. 5, 08 jan. 1971.

41

Perspectivas da UNESCO estudar as culturas índias brasileiras. A Província do Pará. 19 maio 1970.

42

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 4, 13 maio 1970.

43

No tocante aos processos de exclusão do negro na imprensa, conferir: SODRÉ, M. 1999.

44

É necessário atinar para nossa tradição visual divulgada por meio de inúmeros periódicos, desde o século passado: as charges e caricaturas, em especial, funcionaram e funcionam até hoje como recursos de análise crítica da sociedade brasileira, ao mesmo tempo que reproduzem seus preconceitos e formas de exclusão (Ver discussão completa em: Salles, V. Crispim do Amaral. In: ARAÚJO, E. (Org.). A mão afro-brasileira. São Paulo: Tenenge, 1988. p. 163-174).

45

A Província do Pará, 10 jan. 1974, p. 9.

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Capítulo 3 A representação da oficial e do Aficioso: um olhar na imprensa sobre a educação nos anos de 1970 a 1980

Década de 1980: a década da crítica educacional A década de 1980 assistiu a diversas mudanças. Os processos finais dos governos militares e a transição para a democracia pautaram a discussão sobre a educação. Os modelos consolidados na década anterior passaram por uma profunda crítica, aliás, iniciada nos fins daquela década. A crítica, então, foi a tônica daqueles anos. Duas questões podem ser destacadas como os fatores estruturantes das discussões que a pautaram. Por um lado, a defesa de uma maior participação docente nos processos de decisão sobre os rumos da educação paraense; por outro lado, os debates conduzidos pelos professores, em acordo com uma tendência nacional, com vistas à elaboração de uma reflexão sobre a educação paraense. Muitos dos paradigmas educacionais foram questionados. Alguns foram abolidos e depois retomados sob outras nomenclaturas. Por outro lado, os diversos encontros de professores pautaram a discussão sobre a educação ofertada em bases mais amplas. Seus rumos, suas diretrizes e seus conceitos foram discutidos juntamente com as questões operacionais do ofício – as condições de trabalho, a conformação da carreira e a remuneração. Os jornais reportaram essa efervescência por meio da cobertura de duas grandes greves, nos anos de 1986 e 1989.46 A onda democrática, porém, parece ter atingido a imprensa e as discussões ocorridas em congressos, debates e expressadas em diversas publicações alcançaram as páginas dos jornais. Questões pontuais foram objeto de atenção, como o número de crianças em idade escolar fora da escola;47 a persistência do analfabetismo48 46

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 11. 05 e 06 out. 1986; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 13, 10 jan. 1986; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 9, 12 ago. 1986; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 9, 13 set. 1988; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 9, 07 out. 1986; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 12, 24 out. 1986. O Liberal, 1º Caderno, p. 7, 20 set. 1989; O Liberal, Cidades, p. 7, 04 maio 1989; O Liberal, Cidades, p. 5, 06 maio 1989; O Liberal, Cidades, p. 4, 05 maio 1989; O Liberal, Cidades, p. 22, 08 maio 1980; O Liberal, Cidades, p. 4, 05 maio 1989; O Liberal, Cidades, p. 4, 05 maio 1989.

47

O Liberal, Cidades, p. 6, 18 set. 1989.

48

O Liberal, Cidades, p. 7, 08 ago.1989.

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e o evidente fracasso de iniciativas como a do Movimento Brasileiro de Alfabetização.49 Porém, as questões relativas à permanência dos alunos na escola e as metodologias mais adequadas à oferta de uma educação que relacionasse a necessidade de atender ao maior número de crianças com qualidade foram as mais noticiadas. Essas questões foram percebidas no início da década e ganharam relevância à medida que a década avançava, tornando-se o grande tema quanto mais se aproximava o ano de 1990.50 O material pesquisado demonstra que, ao contrário do que ocorreu na década anterior, os jornais não assumiam mais o discurso do Estado. A cobertura das greves, a indicação dos problemas nas redes pública e privada de ensino e a indicação dos problemas educacionais pautaram o discurso da imprensa.51 No que concerne à questão “racial” e a educação, verificamos, da mesma forma, uma mudança no discurso jornalístico. Não que tenha havido um grande avanço, mas elas ganharam um singelo espaço nessa década. Essa mudança aconteceu em larga medida, devido aos esforços do Movimento Negro,52 o qual florescia nacionalmente, e à criação do Conselho de Estudos e Defesa do Negro no Pará/CEDENPA. As escassas matérias sobre as questões “raciais” tomaram duas perspectivas: uma dada pelo CEDENPA,53 na intenção de mostrar que no dia 13 de maio não havia o que comemorar, mas havia necessidade de se protestar e denunciar a situação em que vivia uma enorme parcela da população; a outra, mantida pelos próprios jornais que mantinham o discurso da década anterior.54

49

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 10, 26 jan. 1982. A Província do Pará, 1º Caderno, p. 11, 15 fev. 1985.

50

O Liberal, 1º Caderno, p. 10, 27 jan. 1982; O Liberal, Cidades, p. 7, 01 set. 1989; O Liberal, 1º Caderno, p. 5, 15 set. 1989; O Liberal, Cidades, p. 7, 05 maio 1989; O Liberal, Cidades, p. 4, 09 ago. 1989; O Liberal, Cidades, p. 11, 20 ago. 1989.

51

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 13, 10 jan. 1986; A Província do Pará, 1º Caderno, p. 8, 07 jan. 1981; O Liberal, Cidades, p. 1, 25 ago. 1989. O Liberal, 1º Caderno, p. 13, 11 maio 1980. O Liberal, Cidades, p. 2, 18 maio 1989; O Liberal, 1º Caderno p. 7, 1º jan. 1987; O Liberal, Cidades, p. 7, 06 jan. 1987; O Liberal, Cidades, p. 7, 04 maio 1989; O Liberal, Cidades, p. 11, 20 ago. 1989.

52

Sobre o Movimento Negro, consultar: SILVA, P. B. G.; BARBOSA, L. M. A. (Org.). O pensamento negro em educação no Brasil: expressões do movimento negro. São Paulo: UFSCAR, 1997.

53

A Província do Pará, 1º Caderno, p. 7, 13 maio 1987; Revista Cultural, p. 5-8, mar./maio 1985.

54

O Liberal, 1º Caderno, p. 2, 01 set. 1987; O Liberal, 1º Caderno, p. 11, 06 maio 1980.

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Capítulo 3 A representação da oficial e do Aficioso: um olhar na imprensa sobre a educação nos anos de 1970 a 1980

Conclusões A pesquisa educacional, realizada pelos pesquisadores envolvidos com as licenciaturas, tem muito a ganhar com a investigação sobre a produção da imprensa. Como afirmamos no início deste artigo, ela pode ser uma possibilidade para a compreensão das formulações que a sociedade elabora sobre a educação – entre diversos outros temas. Não porque a imprensa manipule as informações e conduza a compreensão que a sociedade pode ter sobre os eventos em geral. A imprensa manipula. Ela seleciona, define e formula uma narrativa sobre o cotidiano, de modo que ela não constitui um espelho da realidade, mas uma forma de apreensão. A imprensa constitui uma boa janela para observar e refletir sobre as construções elaboradas por parte da sociedade sobre isso ou aquilo, porque ela se constitui em um bem simbólico.55 Ela é consumida. Nesse sentido, ainda que seu objetivo seja atingir a toda a sociedade, produz um discurso direcionado para determinados grupos sociais e para determinadas orientações políticas e ideológicas. O período estudado sumariamente aqui fundamenta esse princípio. Ao longo do período de exceção sob o qual o país viveu, desde 1964 até meados da década de 1980, demarcou a imprensa possível. Em um regime de exceção, a imprensa produziu um discurso que, de modo geral, se constituiu em um monólogo, no qual o discurso do Estado pontificou quase solitário. O ressurgimento democrático fez com que a imprensa ensaiasse, ao longo da década de 1980, a convivência democrática. Os vários discursos que pontuam os problemas e as questões educacionais percebidos na imprensa contemporânea são, em larga medida, decorrência da trajetória da imprensa naqueles.

55

A utilização do conceito bem simbólico formulado por Bourdieu (2010) discorre sobre a configuração que um objeto assumiu-se em artístico ou cultural, o que ocorre quando da atribuição de valor estruturado pelas leis do campo de sua produção, no qual inclui grupo de consumidores e produtores de bens simbólicos.

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Capítulo 4

O professor negro na universidade: notas em curso1

A constatação da persistente desigualdade racial entre negros e brancos no Brasil, sobretudo no Ensino Superior, tem mobilizado Estado e movimentos sociais em prol de mudanças efetivas; uma delas são as políticas de ações afirmativas que visem o acesso e a permanência da população negra no ensino superior. Em razão disso, as universidades brasileiras, nos últimos anos, vêm sendo sistematicamente incitadas a assumir um papel mais ativo na produção de conhecimento e na construção de mecanismos que possam contribuir na reversão do quadro de exclusão e discriminação da população afrodescendente brasileira, especialmente dentro das universidades.2

1

Publicado originalmente em Revista Olhar, São Carlos, n. 8, p. 89-94, jan./jun., 2003.

2

GOMES, N. L; PRAXEDES. Apresentação. In: PRAXEDES, V. L. et al. Memórias e percursos de professores negros e negras na UFMG. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 3-4.

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Capítulo 4 O professor negro na universidade: notas em curso

Este capítulo apresenta brevemente uma discussão acerca das escolhas profissionais de professores negros da Universidade Federal do Pará, bem como das inter-relações produzidas por esses agentes com e entre seus pares, no interior da academia, sob a égide do mito da democracia “racial”, como discurso oficial. A exclusão extrapola a condição de ingresso, como nos alertam as pesquisadoras trazidas no início deste capítulo: constatamos a ocorrência da exclusão simbólica com aqueles profissionais concursados e alguns dos quais titulados no âmbito universitário, como veremos adiante. Para essa intenção são analisados, por meio da literatura especializada, os depoimentos coletados dos professores escutados e com o contexto mais geral, concluímos que a instituição acadêmica reflete, em certa medida, o preconceito “racial” pulverizado na sociedade, a alteração encontra-se na estratégias usadas. Esta discussão parte de reflexões sumarizadas advindas dos depoimentos de um contingente específico de docentes atuantes (alguns ainda atuam) na Universidade Federal do Pará (UFPA).3 Os testemunhos foram coletados durante a segunda etapa do nosso percurso investigativo, cuja

3

Foram 434 agentes envolvidos no levantamento de dados para a referida pesquisa. Dos quais, 189 preencheram e devolveram os formulários para a construção do perfil docente que fora analisado.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

inflexão recaía sobre as trajetórias4 profissionais dos professores negros e das professoras negras da respectiva instituição.5 O nosso universo de pesquisa correspondeu ao Centro de Educação,6 ao de Filosofia e Ciências Humanas e ao de Letras e Artes.7 Dos docentes respondentes ao questionário, 13% declararam-se negros. Em decorrência desse apanhado e das entrevistas viabilizadas,8 foram delineadas diversas nuances,

4

No sentido do uso de projeto e trajetória advindos de Alfred Schutz e Pierre Bourdieu (BOURDIEU, P. L’Illusion Biographique. Actes de la Recherche em Sciences Sociales, (62-63), p. 69-72, jun. 1987; SCHUTZ, A. Fenomenologia e relações sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. Ver outras discussões, em LEVI, G. Usos e abusos da biografia. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996; REMÓND, R. (Org.). Por uma História Política. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003; KOFES, S. (Org.). Histórias de vida, biografias e trajetórias. Cadernos do IFCH, Campinas, 2004).

5

Destacamos, neste momento, quatro pesquisas com ênfase nas trajetórias de professores(as) negros(as) univeristários(as). A primeira – onze anos depois da pesquisa tratada neste capítulo, Ednailda Maria dos Santos pesquisou Identidades e trajetórias de docentes negros(as) da Universidade Federal do Amazonas – ainda que a partir de dimensões distintas, algumas reedições ocorreram. Entre as conclusões, encontra-se a invisibilidade imposta aos negros(as) naquele Estado e a educação ocorreu, para os entrevistados – segundo a autora, como estratégia inconsciente de superação das desigualdades “raciais” e econômicas. Cf. SANTOS, Ednailda Maria dos. Identidade e trajetórias de docentes negro(as) da Universidade Federal do Amazonas. In: SAMPAIO, P. M. (Org.). O fim do silêncio: presença negra na Amazônia. Belém: Açaí; CNPq, 2011. p. 267-298. A segunda, nove anos após a nossa pesquisa, cuja organização coube a Vanda Lúcia Praxedes; Inês Assunção de Castro Teixeira; Anderson Xavier de Souza e Yone Maria Gonzaga nos será “cara” nas relações entre os depoimentos trazidos na pesquisa da UFMG e aqueles da UFPA – a despeito da distância do tempo e de suas singularidades. Cf. PRAXEDES, V. L. et al. Memórias e percursos de professores negros e negras na UFMG. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. A terceira, sete anos após nosso estudo, apresenta, entre os resultados, as ações a serem realizadas para a garantia e permanência na posição alcançada, no sentido de refutar qualquer rejeição, por estar ocupando um “lugar” socialmente destinado ao branco, a autora, enfatiza, ainda, a necessidade de assumir e defender sua identidade “racial” e a exigência quanto à aparência. Ver, especialmente no Terceiro capítulo: SANTOS, T. Trajetórias de professores universitários negros: a voz e a vida dos que trilharam. Cuiabá: EDUFMT, 2007. p. 71-91. (Coletânea Educação e Relações Raciais, v. 2). E a quarta obra, dois anos após a finalização desta pesquisa – a qual se encontra na segunda edição, ei-la: SANTANA, Patrícia. Professoras negras: trajetórias e Travessias. 2 ed. Belo Horizonte: Mazza edições, 2011.

6

Atualmente intitulado, como já adiantado, Instituto de Ciências da Educação/ICED.

7

Na atualidade, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Instituto de Letras e Comunicação (ICL) e Instituto de Ciências da Arte (ICA).

8

Ressaltamos que no total foram 434 agentes envolvidos, como já adiantado, no levantamento de dados para a referida pesquisa – realizada entre 1998-2000. Do percentual de professores autoidentificados negros, nove deles nos concederam os depoimentos analisados na pesquisa. Desses, quatro se presentificam neste capítulo.

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Capítulo 4 O professor negro na universidade: notas em curso

sobretudo o “ocultamento” e revelações que permeavam as trajetórias profissionais dos agentes da pesquisa. Entre as questões visibilizadas, instigou-nos o fato de que, sendo a Universidade um locus de formação de “massa crítica”, era e é justamente lá que, entre seus pares, tais agentes pesquisados sofriam e (sofrem) as injunções resultantes de uma tradução cultural que nega as diferenças étnico-“raciais”, de gênero, etc. A instituição acadêmica surge, no cerne deste debate, como um campo fértil para a análise de como as relações sociais não se desarticulam do quase inumado mito da democracia “racial” como discurso oficial e ainda presente nas ações cotidianas, a universidade respondeu à chamada.

Configuração e empoderamento9 dos espaços A escolha profissional do corpo docente da UFPA pesquisado atrelase a questões de ordem socioeconômica e familiar, visto que “o critério raça desempenha um papel importante na distribuição das pessoas nos diferentes níveis da hierarquia social”.10 Esse fato já foi constatado por outros estudiosos da temática aqui evidenciada.11 Para a maioria dos depoentes do nosso universo de pesquisa, a profissão professor apresentou-se como aquela que possibilitaria “maiores chances de empregabilidade”.

9

Ver discussão sobre empoderamento em: BAPTISTA, P. V. S.; ARAÚJO, D. C. Educação em direitos humanos e promoção da igualdade racial. Linhas Críticas, Brasília, v. 17, n. 34, p. 483-505, set./dez., 2011; DOMINGUES, P. Um “templo de luz”: Frente Negra Brasileira (1931-1937) e a questão da educação. Revista Brasileira de Educação, v. 13 n. 39 set./dez. 2008.

10

HASENBALG, C. Anotações sobre a classe média negra no Rio de Janeiro. Revista de Antropologia, São Paulo, n. 26, p. 53-63, 1983.

11

Para o pesquisador Edward Telles, a pirâmide ocupacional no Brasil é profundamente diferente da norte-americana. No Brasil, a base é muito mais ampla e o vértice mais estreito, as diferenças de renda entre brancos e não brancos são maiores nos empregos de classe média. No caso particular do nosso universo de pesquisa, a despeito das diferenças contextuais, a carreira de professor universitário está incluída na categoria evidenciada pelo autor (TELLES, E. Industrialization and racial inequality in employment: the Brazilian example. American Sociological Review, v. 59, n. 1, p. 46-63, 1994).

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

Eu não planejei ser professora, [...] sempre tive facilidade em Física e Matemática, [...] sempre tive alunos particulares para garantir o dinheiro do ônibus [...]. A vida inteira precisei trabalhar [...]. Fiz Letras [...], queria fazer Francês, mas tinha que trabalhar de dia e optei por fazer Língua Portuguesa, porque não havia compatibilidade de horário, e eu precisava trabalhar. (Antonia)12 Eu gostava de lecionar, achava que eu poderia ser uma boa professora, tinha vocação! E depois era um curso que me dava possibilidade de trabalhar logo. Eu precisava contribuir no orçamento familiar, aí resolvi fazer Pedagogia. (Betânia)

Na verdade, percebemos a existência de intencionalidade em reduzir a questão “racial” a um mero problema de classe ou estratificação social, tornando-a esvaziada de suas implicações “raciais”, para ser vista como derivada da opressão da classe trabalhadora ou atribuída à posição socioeconômica inferior à do não negro. O pesquisador Carlos Hasenbalg alerta-nos para a problemática acima, ao afirmar em termos de empregabilidade e mobilidade social:13 “se as pessoas entram numa arena competitiva com os mesmos recursos, exceto no que se refere à filiação “racial”, o resultado (posição de classe, ocupação, renda e prestígio) dar-se-á em detrimento dos não brancos”.14 Embora o discurso liberal seja o de que “as oportunidades são iguais para todos”, na verdade, há barreiras “raciais” e econômicas que se espraiam para além da margem social, reduzindo a escolha profissional para alguns. Quanto mais escura a cor da pele, mais dificuldade no universo profissional. Daí a preocupação de parte da população negra tentar distanciar-se de suas referências de antipadrão, o que, segundo Lilia Moritz Schwarcz, “demonstra

12

São usados pseudônimos para preservar os entrevistados.

13

PASTORE, J.; SILVA, N. V. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz; EdUSP, 2003; PASTORE, J. Desigualdade e mobilidade social no Brasil. São Paulo: Makron Books, 1979.

14

HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades raciais no Brasil. 2 ed. Tradução Patrick Burglin. Belo Horizonte: UFMG; RJ: IUPERJ, 2005, p. 16.

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de forma definitiva como, mais do que uma cor [o padrão não negro], essa é quase uma aspiração social”.15 No caso das duas professoras (Antonia e Betânia), a opção foi exatamente pelas profissões que ofereceriam ingresso imediato no mercado de trabalho. Além disso, tais escolhas estão atreladas à situação socioeconômica e à sua representação familiar, cujo imaginário é “vencer na vida”. Essa construção identitária pressupõe a superação das dificuldades para tornar-se “competente” e apto a competir, ainda que em desvantagem em relação aos não negros, no mercado de trabalho,16 uma vez que, Pode ser afirmado que, como resultado da discriminação racial no passado, cada nova geração de não-brancos está em posição de desvantagem porque se origina desproporcionalmente de famílias de baixa posição social. [...]. Além dos efeitos diretos do comportamento discriminatório, uma organização social racista limita também a motivação e o nível de aspirações dos não-brancos.17

Logo, ao deparar-se com tais entraves sociais e profissionais, os negros constroem, inicialmente no ambiente familiar, estratégias de superação em relação à sua condição de desvantagem18 frente aos não negros. Os depoimentos seguintes corroboram as proposições apontadas:

15

SCHWARCZ, L. M. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. 72.

16

A respeito desse aspecto, Nelson Valle Silva apresenta dois argumentos irrefutáveis: o escopo e a magnitude das diferenças “raciais” que permeiam a nossa sociedade e mostram a natureza intergeracional dessas desigualdades. A partir desses aspectos, ele conclui que “para um mesmo estrato de origem social, pretos e pardos enfrentam maiores dificuldades em seu processo de mobilidade ascendente, estão expostos a níveis maiores de imobilidade” (SILVA, N. V. Extensão e natureza das desigualdades raciais no Brasil. In: GUIMARÃES, A. S. A.; HUNTLEY, L. Tirando a máscara: ensaios sobre racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 16, p. 33-51).

17

HASENBALG, C. Anotações sobre a classe média negra no Rio de Janeiro. Revista de Antropologia, São Paulo, n. 26, p. 53-63, 1983.

18

Professor Carlos Alberto Horta – da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, ao falar sobre tal dificuldade, dez anos passados deste levantamento e em outra Universidade, no caso a UFMG, diz “a gente sabe que se o branco enfrenta uma dificuldade pra chegar a alguma coisa, o negro enfrenta uma e meia” (PRAXEDES, V. L. et al. Memórias e percursos de professores negros e negras na UFMG. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 54).

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Meus avós diziam que tinha de estudar para ser alguém na vida. (Professora Antonia) Vim de uma família numerosa. Tenho nove irmãos, desses, sete vivos. Passei a vida inteira ouvindo da minha mãe que tínhamos de entrar pela porta da frente em qualquer lugar, mas que, para isso acontecer, tínhamos de estudar. (Professora Betânia) Sempre, em casa, ouvia dos meus pais que tínhamos que estudar, senão íamos puxar carroça. E ninguém em casa queria puxar carroça. (Professora Célia)

Para os professores investigados, segundo seus depoimentos, a opção pelo magistério de nível superior significa status, uma vez que pertencem a famílias cujos pais e mães eram ou são analfabetos ou semianalfabetos, com profissão de lavadeiras e empregadas domésticas. Essa referência serve para estabelecer um grau comparativo entre o status de professor universitário e as profissões de seus familiares ou nas relações com a classe social a que se vinculam. Entretanto, a despeito desse prestígio, foram relatadas certas práticas institucionais que os têm submetido a processos discriminatórios.19 Por exemplo, uma depoente afirma que, Em [certo ano], fui escolhida para ser paraninfa da turma de Pedagogia. Foi aí que eu sofri uma atrocidade. Uma colega, professora do centro, quando soube que eu seria, disse: “Mas o centro não tem mesmo sorte, nós somos acusadas de um bando de mulheres mal

19

Sobre as formas e o espaço que a discriminação “racial” ocupa, pontuam-se aqueles relacionados à mobilidade social, assim o negro não se livra da discriminação mesmo quando ascende econômica e academicamente, ou seja, mesmo ocupando posições reservadas aos brancos, recebem salários inferiores aos colegas brancos de mesmo nível acadêmico. Ainda nesta discussão temos Bento, que aborda que as relações de desigualdades “raciais” no mercado de trabalho precisam ser desconstruídas, uma vez que têm suas raízes na formação social etnocêntrica do país, na qual a distribuição das oportunidades econômicas secundariza a categorial “racial” (MUNANGA, K. Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: USP, 1996, p. 84; BENTO, M. A. S. Raça e gênero no mercado de trabalho. Disponível em <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/outraspub/trabalhogenero/ TG_p295a307.pdf>. Acesso em: 15 maio 2005).

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amadas e os homens um bando de bichas. E agora a paraninfa do Centro é justo uma negra!” Eu disse tu tens alguma coisa contra? Ela disse: “Claro, mais um ponto negativo para o Centro”. Esta moça é “morena”.20 (Professora Betânia)

Assim, “branco”, “negro”, “amarelo”, para o senso comum, são nomenclaturas que se esgotam no fator biológico e por ele se justificam. Paradoxalmente, são categorias construídas, inclusive histórica e culturalmente herdadas por nós desde a colonização. Por isso, na sociedade atual, a cor da pele21 se não determina as posições sociais no universo brasileiro, as situa. Essa condição brasileira é, sem dúvida, “herdada” das concepções pretensamente científicas que perceberam o negro desde uma perspectiva preconceituosa e racista.22 Sendo assim, para o mesmo estrato de origem social, negros e pardos enfrentam maiores dificuldades em seu processo de mobilidade23 ascendente, estão expostos a níveis de imobilidade maiores e, ao mesmo tempo, apresentam como resultado a sujeição a condições de vida marcadamente inferiores àquelas usufruídas pelos não negros na sociedade. Embora possuam características 20

O grifo na palavra morena é proposital, uma vez que, no Brasil, a cor é um índice. Assim, em relação direta com o fato mesmo da mestiçagem, certas denominações – tais como: essa morena, mulata, etc. – constituem um eufemismo que, mesmo pretendendo atenuar o preconceito, o acentuam, pois estabelecem uma hierarquia que tem nos polos branco e negro os equivalentes do lugar social de cada um. Ao falar sobre identidade, o prof. Carlos Roberto Horta, enfatiza: “Essa identidade vinha um pouco anteriormente, passando também por esse racismo escalonado, esse racismo brasileiro que é sacana porque divide o pessoal, divide em mulatos, moreno, moreno carregado, moreno claro, não sei o quê...” (PRAXEDES, V. L. et al. Memórias e percursos de professores negros e negras na UFMG. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 47).

21

Para Muniz Sodré, o amorenamento constitui uma especial “solução de compromisso” entre branco e negro, ao mesmo tempo que é um empenho de afirmação antropológica da “unidade de raça” (Cf. SODRÉ, M. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.). Esta temática tem sido, fecundamente, tratada por Kabengele Munanga. Ver, especialmente, MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo e identidade étnica – preferências valorizadas neste capítulo. Cadernos PENESB, UFF, Rio de Janeiro, n. 5, p. 15-34, 2004c.

22

A respeito, ver: SCHWARCZ, L. K. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). 7. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

23

Sobre mobilidade, ver: PASTORE, J.; SILVA, N. V. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz; EdUSP, 2003; PASTORE, J. Desigualdade e mobilidade social no Brasil. São Paulo: Makron Books, 1979.

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fenotípicas pouco acentuadas e transitem no “mundo dos brancos” com menos dificuldades, os elementos da “cor mulata” não deixam de ser discriminados.24 Daí suscita-se a discussão acerca das nuanças de cor, apresentadas pelo conjunto da sociedade brasileira, em que o fenômeno mestiçagem25 apresenta elementos peculiares. As diferenças fenotípicas definem posições sociais e, por extensão, variam quando associadas ao fator socioeconômico. Para a sociedade que convive com a mestiçagem,26 um negro “descascado” com nível socioeconômico elevado passa por “moreno” ou “mulato”.27 Dessa forma, as discussões acerca do preconceito “racial” camuflam-se sob o manto da irreal democracia “racial”. E, nesse conflito específico das referidas professoras, além da estética evidenciada, há a questão de autoidentificar-se como “moreno” ou ser identificado como tal (No caso da depoente, ela cita que a colega é morena, porque apresenta menos melanina na pele). Portanto, são dois fenômenos: primeiro, a falta de identificação étnico-“racial” de ambas as professoras, embora, em certa medida, sob diferentes enfoques; segundo, a prática discriminatória de uma negra em relação à outra, embora fazendo parte do mesmo segmento étnico-“racial”. Todavia, essas experiências não se restringem aos colegas de profissão, pulverizando-se no cotidiano universitário, especialmente no interior da

24

Conferir essa ideia em NOGUEIRA, O. Relações raciais no Município Itapetininga. In: FERNANDES, F; BASTIDE, R. (Org.) Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo. São Paulo Anhembi. EdUSP, 1955. Reeditado pela Edusp, 1998, como preconceito de marca: as relações raciais em Itapetininga.

25

Cf. MUNANGA, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004a.

26

Mestiçagem nunca foi sinônimo de igualdade ou ausência de discriminação, e a ambivalência desse “racismo à brasileira” se apresenta na convivência muitas vezes perversa entre inclusão e exclusão. A esse respeito, vale a leitura do ensaio de SCHWARCZ, L. M. Racismo no Brasil: quando inclusão combina com exclusão. In: BOTELHO, A.; SCHWARCZ, L. M. (Org.) Agenda Brasil: temas de uma sociedade em mudança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p.430-443; Cf. MUNANGA, 2004a.

27

Ver análise acerca dessa questão: MUNANGA, K. A difícil tarefa de definir quem é negro no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, p. 51-56, 1º jan. 2004b.

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sala de aula. Esse fato vem reforçar a ideia de que a instituição acadêmica se torna oportuna, já que se faz campo fértil para a análise das relações sociais relacionadas ao discurso da democracia “racial”. O seguinte relato mostra-se elucidativo quanto à assertiva acima: Lembro que ministrava a disciplina Didática para licenciaturas e em uma dessas turmas, lembro de uma aluna bem branquinha do curso de Letras. Entre um espaço de uma sala para outra, me olhou, sentou e disse na minha direção: eu queria estudar nos Estados Unidos, porque eu não teria de me submeter a este absurdo: ter uma professora preta. Aí, os outros alunos que já sabiam que eu era a professora ficaram constrangidos. Para encurtar a conversa, a aluna abandonou a disciplina, e não cursou comigo. Atrasou o curso, mas não fez a disciplina. (Professora Betânia)

A manifestação desses comportamentos da aluna28 em relação à professora se deve à discriminação estabelecida a partir de comparações negativas do agente (no caso, a aluna) com o grupo oposto (o da professora), acreditando estar em uma posição privilegiada. Não se tratava apenas de uma aluna qualquer, mas alguém que em pouco tempo estaria desempenhando funções de professora, portanto, responsável pela formação de crianças e adolescentes.29

28

Sobre tratamento dispensado aos professores negros na Universidade, prof. Dalmir Francisco, diz: “[...] o desrespeito com que o aluno trata o professor negro dentro da sala de aula, sobretudo se ele não tem sinais evidentes de prosperidade socioeconômica. Quando ele tem sinais evidentes de prosperidade isso diminui muito, mas se ele deixa transparecer ou não mostra a prosperidade social que ele teve, esse professor é tratado com muito desrespeito, às vezes. A maioria dos alunos são extremamente respeitosos, mas eu já fui alvo de vários tipos de tratamento que são extremamente agressivos” (PRAXEDES, V. L. et al. Memórias e percursos de professores negros e negras na UFMG. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 59).

29

Estudos como o de Moema de Poli Teixeira e Delcele Queiroz mostram os cursos de licenciaturas como aqueles nos quais a população negra apresenta maior expressão e como esses agentes têm aspirado e obtido maiores níveis de escolaridade (TEIXEIRA, M. P. Negros na universidade: identidade e trajetória de ascensão social no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Pallas, 2003; QUEIROZ, D. M. Universidade e desigualdade: brancos e negros no ensino superior. Brasília: Liber Livro, 2004).

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Por conseguinte, discutir questões “raciais” na instituição deve ser uma postura institucional e não somente pessoal, como tem ocorrido com alguns segmentos da escola e da universidade. Para James Jones, o comportamento é mais importante para nós do que a atitude de preconceito.30 Em consenso com esse autor, defendemos que a manifestação desse sentimento (re)dimensiona o problema social, uma vez que, a partir da expressão individual, são produzidas representações nas relações sociais que, ao serem projetadas no coletivo, tomam proporções inevitáveis, sob o ponto de vista “racial”. O racismo institucional, mediante as reflexões de Jones,31 legitima práticas, leis e procedimentos profissionais, provocando desigualdades “raciais” em uma determinada sociedade. A universidade, por sua vez, não se isenta dessas práticas, bem como nos alertaram Nilma Gomes e Vanda Praxedes na citação que inicia este capítulo. A diferença dessa instituição para os demais setores sociais é que se convenciona certa “sutileza” – politicamente correto ou escamoteamento por meio do estatuto da academia. Kabengele Munanga desmente a posição da direita liberal, que pensa que, quando os negros adquirirem uma boa formação e a capacidade de competitividade no mercado de trabalho, as “portas do paraíso” lhes serão indiscriminadamente abertas. Para o referido autor, ainda que o negro ascenda para outros níveis de ocupação – aqueles geralmente ocupados por não negros –, ele não se livra totalmente de práticas discriminatórias de ordem “racial”, vivenciadas em seu cotidiano.32

30

JONES, J. M. Racismo e preconceito. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Edgard Blücher, EDUSP, 1973.

31

Ibidem, 1973.

32

MUNANGA, K. O anti-racismo no Brasil. In: MUNANGA, K. (Org.) Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: USP, 1996. p. 79-94.

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As pessoas sofrem desvantagens competitivas e desqualificação peculiar, de acordo com a sua origem “racial”. E, para construírem estruturas profissionais sólidas, necessitam de um duplo esforço para atingir suas metas. Do contrário, ficam à sombra de determinados grupos, cuja vantagem sobre o primeiro é a cor ou “raça”. Observemos um exemplo ínfimo de sua presença empírica no âmbito acadêmico: Quando voltei do mestrado, achei que seria convidado para atuar na Especialização daqui do curso. Mas, não. Dos que chegaram, sou o único que não foi convidado e, quando me ofereço, nunca tenho espaço e a negativa vem sempre acompanhada de uma simpática justificativa. Estudei e continuo estudando, porque me iludi, achando que, na Academia, eu seria poupado de certos estigmas33. Depois soube informalmente que não fui convidado para o curso e não tive voto para a administração porque duvidavam da competência de preto. É tudo uma grande hipocrisia. (Professora Célia)

De imediato, essa situação nos sugere que as “portas do paraíso” podem até ficar entreabertas, mas não abertas. Diante disso, vemos a fragilidade do discurso oficial que insiste na democracia “racial”, quando, na verdade, não ultrapassa os limites da retórica. Analisemos, portanto, o relato supracitado, como dado específico da nossa pesquisa, mas representativo de que a qualificação do depoente não lhe assegurou o devido reconhecimento profissional no espaço em que transita academicamente, fenômeno que se espraia para além do universo em questão. Esse contexto, emoldurado sob o manto da chamada democracia “racial”, se veicula por meio de atos rotineiros – verbais ou não –, com a chancela de diversos segmentos sociais, inclusive a universidade. Assim como essas práticas se sucedem no nosso dia a dia, a resistência a elas deve

33

Grifo nosso.

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ser construída com a mesma frequência, o que muda são as estratégias e os instrumentos. Entre esses, a prática docente requer a emersão das questões pertinentes às diferenças sociais, de gênero e étnico-“raciais”, no contexto da sala de aula. No entanto, não tem sido tão privilegiada essa conexão entre as relações “raciais” vivenciadas pelos depoentes e as reflexões a esse respeito em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Não discuto essas questões, até porque os alunos estudam isso, quando fazem disciplina da história. Não vejo como discutir isso na minha disciplina. E também tenho receio de ser mal interpretado, tipo: levantando bandeira contra o racismo. Fico preocupado. Tenho consciência, mas não vejo como relacionar. (Professor Delmo) Não dava para conectar a disciplina Didática, não tinha como. Às vezes, eu conversava com as alunas – a maioria era mulher. No final da aula, quando surgia oportunidade, aí conversávamos. (Professora Betânia) Ora veja, no curso de Pedagogia, que é um curso que transita por todas as licenciaturas, portanto, forma professores,34 não há na sua grade curricular qualquer menção sobre a questão étnica e, mais sério, não há uma linha de pesquisa nessa área. Há um curso de mestrado lá e não há uma linha de pesquisa que contemple essa área. Assim, como esses professores, que o Centro de Educação forma, vão tratar dessas questões na escola? Em geral, os currículos homogeneízam. (Professora Antonia)

O não discutir tais questões no âmago da academia não pode ser entendido como um mecanismo de resistência, já que a universidade e a pós-graduação devem ser vetores relevantes, entre outras, da discussão

34

Em geral, os professores queixam-se acerca dessa lacuna na formação docente em nível superior. Para o aprofundamento dessa questão, indicamos: SILVA, L. H. (Org.). A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998, especialmente o capítulo intitulado “Espaço para a educação das relações interétnicas: contribuições da produção científica e da prática docente, entre gaúchos, sobre negro e educação”; COELHO, W. N. B. A cor ausente: um estudo sobre a presença do negro na formação de professores: Pará, 1970-1989. 2. ed. Belo Horizonte: Mazza, 2009.

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sobre a ação afirmativa.35 Se a universidade é, ao mesmo tempo, o locus de trabalho e de exercício crítico, é também o locus fecundo para serem discutidas, em múltiplas dimensões, estratégias, via currículos, programas e outros meios, nas licenciaturas (e na pós-graduação) ou nas chamadas áreas técnico-científicas. Lívio Sansone concebe a pós-graduação como o coração da vida acadêmica, e campo indispensável para o amadurecimento dessas questões.36 Entretanto, as práticas profissionais comuns desses professores, em sua maioria, não incluem essas temáticas na sala de aula, correlacionadas às suas disciplinas, em qualquer nível da estrutura acadêmica.

Conclusões As práticas profissionais dos docentes em estudo, grosso modo, presentificam-se, porém, concomitante e paradoxalmente, distanciam-se no interior da universidade. Aproximam-se, quando se insinuam nas relações com os colegas de trabalho e com os alunos, de modo geral. E afastam-se, quando são, por vezes, desconsiderados os fatores relativos à cor ou “raça” nas discussões acadêmicas e no trabalho pedagógico. Inclusive, porque o impacto dessas inter-relações nem sempre é desprovido de vínculos com impactos sofridos no seio da sociedade como um todo. Logo, são dimensões que ultrapassam o pessoal e alcançam a dimensão coletiva. Empreender conjuntamente práticas

35

Sobre ações afirmativas, ver: NASCIMENTO, A. Políticas de ação afirmativa. Revista Espaço Acadêmico, n. 22, 2003; SANTOS, S. A. (Org.) Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005; GOMES, J. B. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: SANTOS, R. E.; LOBATO, F. (Org.). Ações afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.15-57; Consultar, também: BAIA, Breno; COELHO, W. N. B. A experiência norte-americana das ações afirmativas. In: COELHO, W. N. B. (Org.). Relações raciais e educação: conceituação e historicidade. São Paulo: Livraria da Física, 2010a. p. 35-68; COELHO, W. N. B. A experiência norte-americana das ações afirmativas: a análise à luz da teoria da igualdade de Ronald Dworkin. Perspectiva, v. 28, p. 63-88, 2010b.

36

SANSONE, L. Racismo sem etnicidade: políticas públicas e discriminação em perspectiva comparada. Dados, Rio de Janeiro, v. 41, n. 4, p. 751-783, 1998.

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democráticas, concernentes às relações “raciais”, é algo ainda pouco presente no dia a dia de parte dos professores da UFPA, quiçá das universidades em contexto mais amplo. Os testemunhos dos professores negros põem em relevo a recalcitrante trajetória profissional deles numa sociedade pautada em ações discriminatórias – o grau varia dependendo do setor social. Por extensão, é igualmente difícil transitar num espaço acadêmico e profissional historicamente ocupado por não negros. Essa complexidade no coração da vida acadêmica, concernente à discriminação “racial”, decerto, reproduz os princípios etnocêntricos impregnados no imaginário social, embora esta realidade, paulatinamente, seja modificada por meio da persistência que brota de pequena parcela de professores e de outros setores da sociedade. A presença ainda mínima da população negra e parda no interior da universidade representa um avanço modesto. Isso se dá, especialmente, porque nela os professores se efetivam por meio de concurso público e, portanto, não têm como sofrer desagravos em decorrência da aparência, já que essa questão “é apenas uma outra forma de identificar o branco – ou de como o conceito ‘branco é construído no Brasil’”.37 Neste instante, aludimos ao ingresso daqueles, uma vez que, de acordo com os depoimentos, sumariamente, aqui apresentados – o respectivo grupo – não se encontra isento de que esses atos discriminatórios lhes venham incidir no decorrer de sua trajetória profissional. Essas reflexões demonstram que urge discutir a questão étnico-“racial” nos cursos de formação de professores, a despeito dos seus limites. É imperioso também instigar estudos e pesquisas nessa área, que perscrutem a questão “racial”, considerando a sociedade brasileira, cujo contingente negro e pardo é majoritário. No entanto, tropeçamos naquilo pontuado por Salomon Blajberg: “a discriminação “racial” passa a ser considerada como algo praticado 37

HUNTLEY, L. Prefácio. In: GUIMARÃES, A. S. A.; HUNTLEY, L. Tirando a máscara: ensaios sobre racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 16.

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no Brasil individualmente e não pela sociedade – passa a ser vista como uma idiossincrasia”.38 Esse é um problema, entre tantos, que atinge o bojo da sociedade e não particularmente apenas alguns segmentos, e não é processada apenas individualmente, mas, sim, por uma boa parte do tecido social. Este capítulo centrou-se no universo acadêmico, mas estamos cientes de que reflete, em certa medida, a sociedade em si. Portanto, na universidade e na pós-graduação – como coração da vida acadêmica – posturas carecem ser firmadas, para além do plano teórico

38

BLAJBERG, S. As idiossincrasias raciais brasileiras na formulação das políticas públicas em vista da eliminação do apartheid formal na África do Sul. In: MUNANGA, K. Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: USP, 1996. p. 35-44.

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Capítulo 5

Igualdade e diferença na escola: apontamentos sobre a Lei nº 10.639/2003 e a formação de professores1 O racismo, ao longo dos séculos, tem criado estratégias para manter os negros brasileiros à margem dos direitos devidos a todos os cidadãos, sobretudo os negros que se reconhecem descendentes de africanos, que se negam deixar assimilar por ideias e conhecimentos depreciativos de tudo que vem da sabedoria construída a partir de suas raízes. Infelizmente, pessoas e instituições ignorantes das civilizações e culturas africanas continuam fomentando e renovando atitudes, posturas racistas e desigualdades entre negros e não-negros. Por isso, foi necessário que se estabelecesse uma política pública com o intuito de corrigir disparidades, começando por garantir a todos os brasileiros, igual direito à sua história e à cultura.2

1

Artigo originalmente publicado na revista Cronos (Natal, v. 7, p. 303-309, 2006).

2

SILVA, P. B. G. A Lei nº 10.639 na visão de Petronilha Beatriz Gonçalves Silva. Revista Áfricas, São Paulo, jan. 2012. Disponível em: <http://revistaafricas.com.br/archives/48921>. Acesso em: 24 maio 2012.

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Capítulo 5 Igualdade e diferença na escola: apontamentos sobre a Lei nº 10.639/2003 e a formação de professores

Ao longo das últimas cinco décadas, a educação brasileira passou por inflexões significativas: viu a sua estrutura modificada três vezes; conheceu uma estupenda ampliação do número de alunos; implementou uma política de expansão do quadro de docentes; e protagonizou uma cisão profunda, entre ensino privado e ensino público. Nenhuma delas, no entanto, coloca problemas da ordem dos subjacentes à introdução da discussão sobre a diferença e a adoção de conteúdos relacionados à cultura afro-brasileira. A Lei nº 10.639/20033 apresenta essa perspectiva concreta. Ela é resultado de mais de um século de lutas. Aqui, traçamos um quadro sintético dos desafios que ela compreende (os quais guardam relação direta com aquelas lutas), com destaque para a formação de professores. O art. 5º da Constituição brasileira garante que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.4 3

Sobre a Lei nº 10.639/03, ver: NUNES, E. M. R. Cidadania e multiculturalismo: a Lei nº 10.639/03 no contexto das bibliotecas das escolas municipais de Belo Horizonte. 2010. 140f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Informação – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010; ROCHA, L. C. P. Políticas afirmativas e educação: a Lei nº 10.639/03 no contexto das políticas educacionais no Brasil contemporâneo. 2006. 124f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2006; PAULA, C. R. Políticas curriculares nacionais o caso da Lei nº 10.639 na abordagem do ciclo de políticas. In: SYSS, A. (Org.). Diversidade étnico-racial e educação superior brasileira: experiências de intervenção. Rio de Janeiro: Quartet, 2008. p. 41-63; BORGES, R. Abolição, educação e anti-racismo no contexto da Lei nº 10.639/03. Tecnologia Cultura, v. 10, p. 45-50, 2008; SOUZA, E. A. A Lei nº 10.639/03: uma experienciação no quilombo e em uma escola pública de Porto Alegre. 2009. 174f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

4

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 2005. p. 6.

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No entanto, existem alguns mais “iguais” do que outros. Essas desigualdades, ancoradas no ideal liberal de que as oportunidades são iguais, torna-se um reforço ao mito da democracia “racial” (ainda que esse mito não usufrua mais do prestígio de outros tempos, é inegável a sua importância para a conformação da memória histórica e da identidade nacionais).5 A construção da igualdade, elemento indispensável à efetivação da cidadania6 brasileira a partir dos indicadores sociais que qualquer sociedade democrática almeja, passa fundamentalmente pela afirmação de identidade e pelo reconhecimento e respeito à diversidade humana, sem reduzi-la à dimensão semântica; mas a diversidade entendida como forma de inclusão em suas múltiplas dimensões: gênero, “raça”, etnia, religião, orientação sexual, etc. Essas dimensões, no entanto, passam primeiramente pela construção de uma identidade. A identidade, portanto, não é entendida como algo fixo e imutável, mas no sentido empreendido por Stuart Hall – especialmente a compreensão de que ela é construída socialmente e é variante e variável, dependendo das relações sociais frente à mobilidade7 dos agentes sociais –, encaminha a importância do outro para a concretização da identidade. Mia Couto lembra-nos de quando, por ocasião de um debate do qual participava em um país europeu, perguntaram-lhe: “para você o que é ser africano?” Falava-se, inevitavelmente, de identidade versus globalização. Em resposta ao interlocutor, Mia Couto8 formulou outra pergunta: “o que é para você ser europeu?”. Sua resposta tinha por objetivo ressaltar que o seu colega de debate remetia a noção de identidade à cor e não a um processo. O fato

5

Conferir análise sobre Identidade PEREIRA, E.; GOMES, N. P. M. Ardis da imagem: exclusão étnica e violência nos discursos da cultura brasileira. Belo Horizonte: Mazza; Ed. PUC Minas, 2001 p. 255.

6

No sentido de (PINSKY, J.; PINSKY; C. B. (Org.). História da cidadania. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 9-13). Ver ainda: PINSKY, J. (Org.). Práticas de cidadania. São Paulo: Contexto, 2004.

7

Conferir os estudos sobre mobilidade: PASTORE, J.; SILVA, N. V. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz; EdUSP, 2003; PASTORE, J. Desigualdade e mobilidade social no Brasil. São Paulo: Makron Books, 1979.

8

COUTO, M. Retrato sem moldura. In: HERNANDEZ. L. L. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. p. 11-12.

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de ele não ter respondido à pergunta confirmou as suspeitas de Mia Couto de que, normalmente, quando se fala de identidade em relação aos africanos a variante subjacente é a cor/“raça” e não fatores históricos. Observamos que no Brasil de nossos dias a identidade “racial” do cidadão continua interferindo no reconhecimento dos direitos ao exercício da cidadania da população negra. Isso quer significar que temos um recorte de cunho “racial”, historicamente construído, operando na sociedade. Por meio desse recorte ocorre uma discriminação dos indivíduos conforme sua identidade étnica, para fins do reconhecimento ao direito de exercício da cidadania. No Brasil, tem-se dificuldade de lidar com essa questão – em verdade, está além de uma questão. Há, no país, uma série de ditos pejorativos9 referentes aos negros, mas nenhum deles é tão pernicioso quanto aquele que refere o “preto de alma branca”. A expressão “preto de alma branca” consegue, como nenhuma outra, apontar o não lugar dispensado ao negro, por parte da sociedade brasileira. Ela desnuda o último grau do preconceito – se não é também um absurdo dimensionar possíveis graus do problema –, pois ultrapassa a reação à cor da pele. “Preto de alma branca”10 fala de uma recusa da cultura, do ethos, da índole. Fala do repúdio a comportamentos – o “preto de

9

As piadas ou frases sobre os negros podem ser elaboradas por um indivíduo, mas a tendência é de tornarem parte de um repertório coletivo. Mas isso não impede que as piadas ou frases já “pertençam” à coletividade, ou parte dela (Ver análise consubstanciada em PEREIRA, E.; GOMES, N. P. M. Ardis da imagem: exclusão étnica e violência nos discursos da cultura brasileira. Belo Horizonte: Mazza; Ed. PUC Minas, 2001, p. 35.

10

Petrônio José Domingues realiza uma análise circunstanciada sobre a política do branqueamento, tanto no seu aspecto populacional quanto ideológico. O autor analisa de que maneira a denominada “ideologia do branqueamento” fora incorporada em São Paulo, no período pós-abolição. O argumento central é de que essa ideologia – apesar de seu caráter racista – foi legitimada ou assimilada, cotidianamente, por parte de alguns setores sociais. Segundo Petrônio Domingues, a assimilação dessa ideologia converteu-se num mecanismo de inserção psicossocial dos negros em um mundo dominado pelos brancos (DOMINGUES, P. J. Negros de almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 24, n. 3, p. 563-599, 2002).

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alma branca” age em desacordo com as propensões atávicas, ele se purifica à medida que nega a própria herança, tornando-se, assim, aceito.11 A ideia de uma alma branca pode ser vista como uma das alternativas da práxis da ideologia do branqueamento: na impossibilidade de tornar nulos os traços físicos da população negra, empreende-se a tentativa de substituir seus traços culturais – sua alma. Essa ideia há de se entender, é fruto da sociedade brasileira e expõe um dos traços da exclusão12 de que o negro é objeto: a negação de sua contribuição para a conformação social, econômica e cultural do Brasil. A sociedade brasileira, dessa forma, constrói e incorpora em seu cotidiano uma forte representação13 de liberdade e de congraçamento “racial” no país, legitima ações amigáveis entre o conjunto de mestiços que a compõe e, desse modo, diminui as possibilidades de enfrentamento – concreto e efetivo – nas reais situações vivenciadas por sua população. Tal contexto induz à inferência de que não há discriminação “racial” no Brasil. Afinal, como se pode enfrentar aquilo que não existe? Puro engano. A discriminação permeia as relações sociais. Algumas de suas manifestações tornaram-se tão corriqueiras que se naturalizaram, especialmente, por serem assumidas não como práticas racistas, mas como sinal de confraternização (como é o caso, aliás, da expressão “preto de alma branca” e outras expressões da linguagem, como “é preto, mas, é trabalhador; mas é bonito, etc.). Segundo Lilia Schwarcz, isso se deve, de fato, à naturalização da

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Costa ressalta os processos de exclusão vividos pelo negro no Brasil, tomando como referência o modo como o corpo faz-se texto para a leitura dos mecanismos de aceitação e de repúdio ao diferente, produzidos pela sociedade brasileira. A desvalorização das imagens de negro, fomentada por clichês assumidos pelo senso comum, mostra-se significativa para se discutir como faz o psicanalista, “o fetichismo em que se assenta a ideologia racial” (COSTA, J. F. Da cor ao corpo: a violência do racismo. In: SOUZA, N. S. Tornar-se negro. Rio de Janeiro: Graal, 1990. p. 1-16).

12

Sobre a análise da exclusão como “processo” social, ver: Castel, R. et al. A desigualdade e a questão social. São Paulo: PUC-SP, 1997.

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No sentido empreendido por CHARTIER, 1990.

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ideologia da democracia “racial”, presente no que ela chama de ditadura do senso comum.14 Embora a proposição de que não existe racismo se torne menos consensual, ela constitui uma das variáveis importantes do mito da democracia “racial”. Por meio desse mito, propagado desde o último quartel do século XIX, o país se vê e é visto, em certa medida, de modo que sua importância não é, de modo algum, irrelevante. Seus desdobramentos se manifestam em todas as instâncias da vida social, de modo que, conforme aponta a mesma Lilia Schwarcz, “demonstrar as falácias do mito da democracia “racial” (que é de fato um mito) talvez seja tão importante quanto refletir sobre a sua eficácia e permanência”.15 Uma representação recorrente é aquela na qual o Brasil é visto como aquarela. O samba canção nacional, Aquarela do Brasil, define a sociedade brasileira como um gradiente – diverso na cor, mas uno na identidade. Durante muitos anos, no entanto, a diversidade foi representada por meio de uma única parcela da sociedade. As origens desse descompasso são antigas. No fundo, essa representação criou situações paradoxais. Enquanto o orgulho nacional não abre mão dessa pluralidade “racial” tão decantada, quando questionada, na existência e na nomenclatura, a produção intelectual brasileira, sobre a nossa formação nacional, incorporada à literatura didática, ainda é orientada por uma perspectiva eurocêntrica. Enquanto a miscigenação16 e a pluralidade étnica são enaltecidas em admiráveis metáforas e alegorias, a parcela não branca da população brasileira convive com a discriminação. Situações como essa têm uma origem. Objetivamente, tal origem está remetida ao mito ou Fábula das Três “raças” – espécie de narrativa que

14

Cf. SCHWARCZ, L. M. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001. Ver ainda sobre a persistência do racismo nos dias atuais, consultar: FONSECA, M. N. S. (Org.). Brasil. Afro-Brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

15

FONSECA, M. N. S. (Org.). Brasil. Afro-Brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 82.

16

FONSECA, M. N. S. O espetáculo da miscigenação. Revista do Instituto de Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, p. 15-23, 1994.

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conta a formação do Brasil, concebida no século XIX,17 quando se pensou a formulação de uma História do Brasil. Projetou-se, então, a história de uma nação americana construída com a participação de três elementos étnicos – o branco, o negro e povos indígenas – a qual daria conta do nascimento e da formação de uma nação, forjada com a inteligência do branco, a força do negro e a alegria dos povos indígenas.18 A força fundamental, o pilar de constituição dessa nação e da nacionalidade, portanto, seria dado pelo branco, que moldaria as contribuições dos demais, formando o país da cordialidade.19 Ao longo de mais de um século, essa foi a História do Brasil e a sua representação. Na literatura e na imprensa, as imagens brasileiras davam conta de um país de brancos – ou de um país em vias de embranquecer-se. Desde os anos quarenta do século XX, no entanto, essa representação vem sendo questionada, primeiramente no seio da sociedade civil e, depois, no ambiente acadêmico. Tome-se, por exemplo, o caso da Lei nº 10.639/2003.20 Essa lei, determinando a inclusão de conteúdos relacionados à Cultura Afro-brasileira e à 17

As teorias racistas nasceram na Europa no século XVIII, na crise da Revolução Francesa, mas somente dominaram o cenário intelectual mundial no século seguinte, sob a tutela das teorias evolucionistas cientificamente respeitadas. No século XVII, sua apresentação necessitava de força ideológica, de uma doutrina que trabalhava uma história heroica do povo francês, numa perspectiva de formar uma representação segundo a qual os nobres formavam uma parcela heroica e forte, predestinada pela origem biológica e social. No século XIX, no entanto, o racismo aparece na sua forma mais sofisticada, como instrumento do imperialismo e como uma justificativa “natural” para a supremacia dos povos da Europa Ocidental sobre o resto do mundo, foi esse tipo de “racismo” que a intelectualidade brasileira incorporou e reproduziu. Teorias produzidas por norte-americanos como Agassiz, ou europeus como Buckle, Gobineau e Couty, fizeram referências diretas ao Brasil (conforme MATTA, R. da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2010, p. 74).

18

Cf. o trabalho de Lana com alunos do Ensino Fundamental. O resultado da pesquisa mostrou mais permanências que rupturas acerca dessa memória coletiva no tocante ao negro tratado acima (SIMAN, L. M. C. Representações e memórias sociais compartilhadas: desafios para os processos de ensino e aprendizagem da História. Cadernos Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 348-364, set./dez. 2005). No trabalho com professores, ver: FERNANDES, J. R. O. Ensino de história e diversidade cultural: desafios e possibilidades. Cadernos Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 378-388, set./dez. 2005; Ver, também: SIMAN, L. M. C. Representações e memórias sociais compartilhadas: desafios para os processos de ensino e aprendizagem da História. Cadernos Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 348-364, set./dez. 2005.

19

SCHWARCZ, L.K. M. Sérgio Buarque de Holanda e essa tal de cordialidade. Ide, São Paulo, v. 46, p. 83-90, 2008.

20

Para as análises iniciais da Lei nº 10.639/2003 e seus primeiros desdobramentos, ver SANTOS, S. A. A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do movimento negro. In: Educação anti-racista:

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História da África, não surgiu do bom senso dos governantes. Ela é resultado de mais de um século de lutas – as quais servem para desqualificar os argumentos que definem as populações não brancas (as negras e indígenas, em especial) como incapazes, ingênuas, isentas de visão política e afeitas à condução, à subordinação e ao controle – mas especialmente por aqueles que pretendem resguardar a história da população negra e, por conseguinte, da sociedade brasileira, bem como nos alerta Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva no início deste capítulo. A atuação política das populações negras pode ser percebida desde o período anterior ao fim da escravidão. A produção historiográfica recente tem enfatizado a importância da atuação da população negra (escrava e liberta) nas lutas pela abolição. Na década de 1930, no entanto, é que vemos aparecer o primeiro espaço genuinamente político, a Frente Negra Brasileira. Nos anos seguintes, assistiu-se à emergência de várias outras agremiações com o mesmo fim, como o Movimento Brasileiro contra o Preconceito “racial”, a Associação dos Brasileiros de Cor, a União Nacional dos Homens de Cor, a Associação José do Patrocínio e o Movimento Afro-Brasileiro de Educação e Cultura.21 Na década seguinte, foi fundado o Teatro Experimental do Negro, a partir de onde surgiu o Comitê Democrático Afro-brasileiro, com vistas à luta pela libertação de presos políticos. O Teatro Experimental do Negro promoveu, ainda, a Convenção Nacional do Negro Brasileiro e a Conferência Nacional do Negro.22

caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: MEC; Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 21-37). 21

Ver discussão sobre este tema em FERRARA, M. N. A imprensa negra paulista (1915-1963). Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1982; DOMINGUES, P. J. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, v. 12, p. 113-136, 2007.

22

Para a uma análise circunstanciada da evolução do movimento social negro no Brasil, ver a coletânea em homenagem a Abdias Nascimento: NASCIMENTO, E. L. (Org.). Abdias Nascimento – 90 anos: memória viva. Rio de Janeiro: IPEAFRO, 2006.

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Em 1950 ocorreu o 1º Congresso do Negro Brasileiro. Foi um evento muito importante, porque foi concebido como uma resposta aos que tomavam as populações afrodescendentes exclusivamente como objeto de estudo, sem considerá-las como produtoras de conhecimento. A partir da década de 1970, a organização negra se intensificou e surgiram diversas organizações voltadas para a valorização do negro e para a conquista e defesa de sua cidadania. A pauta dessas organizações foi, em grande parte, a mesma: luta contra a discriminação e o preconceito; denúncia do caráter violento do mito da democracia “racial”;23 formulação e discussão de alternativas para a diminuição do enorme descompasso existente no Brasil, entre as populações brancas e as não brancas (negras, em especial).

23

A discussão acerca da democracia “racial” no Brasil demonstra, historicamente, que seu conceito é um elemento definidor para a nacionalidade brasileira. Essa mesma história remete a um conceito de um país desprovido do preconceito e segregação “racial”. Contudo, é na segunda metade do século XX que acadêmicos e militantes afro-brasileiros fortalecem a discussão acerca da ideia do mito da democracia “racial”, como estratégia elitista, criada para perpetuar uma discriminação silenciosa, que coloca os afro-brasileiros como vítimas da ideologização branca dominante. A longa trajetória de debates e polêmicas que envolvem a questão afro-brasileira perpassa por significações políticas e sociais, implicando em direitos até hoje negados. Os desafios para a construção da democracia e da inclusão social, no combate às desigualdades, não deixa de ser uma questão de políticas públicas, na qual a educação tem papel crucial, em prol de uma sociedade antirracista e na reeducação das relações étnico-“raciais”, para garantir uma sociedade efetivamente democrática. Assim, saberes e práticas escolares tornam-se importantes veículos para a construção de novas atitudes e novos valores, pautados no respeito às diferenças e ao enfrentamento das desigualdades sociais. Princípios defendidos na Lei nº 10.690/03, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Africana em todos os níveis de educação. A lei foi vista como o reconhecimento da influência das várias culturas africanas na formação da cultura nacional. Porém, face ao contexto socioeconômico e político do país, sua aplicabilidade vem reconduzir as diretrizes estruturais no currículo e formação de professores, uma vez que a herança de uma educação branca e eurocêntrica condicionou a formação dos profissionais do ensino a temas afastados das outras culturas, gerando um despreparo dos educadores em relação à África, sendo necessário considerar a bagagem cultural do aluno, despertando sua curiosidade na busca desses conhecimentos, e assim contribuir para a superação das desigualdades “raciais” (Cf. GOMES, T. M. Afro-brasileiros e a construção da ideia de democracia “racial” nos anos 1920. Linhas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 36-56, jan./jun. 2007; SANTOS, L. S. Saberes e práticas em redes de trocas: a temática africana e afro-brasileira em questão. 2010. 334 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010; MEDEIROS, A. C.; ALMEIDA, E. R. História e cultura afro-brasileira: possibilidades e impossibilidades na aplicação da Lei nº 10.639/2003. Revista Ágora, Vitória, n. 5, p. 1-12, 2007.

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Desde cedo, portanto, tais movimentos perceberam que a questão educacional era essencial. Dentre todas as violências às quais as populações negras têm sido submetidas, a exclusão do sistema educacional é, certamente, uma das mais perniciosas formas de violência. Podemos destacar dois fatores que corroboram essa afirmativa. Em primeiro lugar, o mais óbvio – a exclusão do sistema educacional perpetua a condição desfavorável que os negros encontram no mercado de trabalho.24 Com menos anos de estudo, com aproveitamento insuficiente dos poucos anos passados nas escolas, as populações negras têm enorme dificuldade em reverter a sua condição socioeconômica. Assim, as épocas se sucedem sem que o círculo vicioso25 possa ser rompido e uma geração possa viabilizar condições melhores para as gerações futuras. Em segundo lugar, um fator pouco notado: é no interior do sistema educacional (nas escolas) que parte significativa da identidade da criança e do adolescente é construída. O sistema educacional brasileiro é rico em situações preconceituosas e discriminatórias.26 Desde o conteúdo, o qual restringe a 24

Chamamos atenção para este aspecto, em: A situação dos negros no mercado de trabalho da região metropolitana de Salvador. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B 7012BA738F72E27A3/46100A1Ed01.pdf>. Acesso em: 17 maio 2012.

25

As diferenças “raciais” encontradas na população brasileira vão muito além da cor da pele dos indivíduos. As desigualdades de acesso à educação, renda, ocupação e moradia entre indivíduos de “raça”/cor distintas, podem ser notadas tanto a nível individual quanto familiar, na medida em que as desigualdades sociais acabam sendo transferidas por meio da utilização do fator econômico, gerando um círculo vicioso difícil de ser rompido. Sobre esta temática conferir: HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades raciais no Brasil. 2 ed. Tradução Patrick Burglin. Belo Horizonte: UFMG; RJ: IUPERJ, 2005. HASENBALG, C. A, SILVA, N. V.; SOARES, S. S. D. O perfil da discriminação no mercado de trabalho: homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. Brasília: IPEA, Textos para discussão, n. 769, 2000; LIMA, M. O quadro atual das desigualdades. In: HASENBALG, C. A, SILVA, N. V.; HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001.

26

Essas afirmações, sob diferentes aspectos, encontram “eco” nos estudos de: DOMINGUES, P. J. Negros de almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 24, n. 3, p. 563-599, 2002); MACHADO, E. A.; BARCELOS, L. C. Relações raciais entre universitários no Rio de Janeiro. Estudos Afro-Asiáticos, ano 23, n. 2, 2001, p. 1-36; GODOY, E. A. As relações étnico-raciais e o juízo moral no contexto escolar. 2001. Tese (Doutorado em Educação) – UNICAMP, Campinas, 2001; OLIVEIRA, V. R. E. M. Currículos e a questão racial nas práticas escolares. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFMG, Belo Horizonte, 2002; SILVA, R. S. Racismo e discriminação racial no cotidiano escolar: dizeres e fazeres de uma escola pública de nível médio em Feira de Santana. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNEB, Salvador, 2005; SILVA, P. V. B.

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memória e a identidade nacional à contribuição europeia, até as representações presentes no livro didático,27 que atribuem às populações não brancas uma série de valores negativos, o sistema educacional é profícuo em situações que incentivam a reprodução do preconceito e da discriminação. Professores mal formados acabam por lidar com situações de discriminação como se profissionais não fossem. Recorrem, frequentemente, às suas próprias convicções, à sua experiência de vida ou à sua noção de justiça para resolver as questões com que se deparam. Em larga medida, tais professores são produtos de cursos de formação de professores que não compreendem toda a dimensão do processo educacional, para os quais a “formação para a cidadania”, a “formação do aluno crítico” e o “compromisso do professor”, em sua maioria, não passam de chavões repetidos sem qualquer desdobramento concreto, como o domínio da literatura especializada e a reflexão consistente sobre as diversas situações que o exercício da profissão apresenta – ao final, tudo dito pelo professor, em sala de aula, é formação.

Relações raciais em livros didáticos de língua portuguesa. 2005. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – PUC-SP, São Paulo; ANDRADE, P. S. Pertencimento étnico-racial e ensino de história. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFSCAR, São Paulo, 2006; SILVA, Bianca Santos Bento da. Diversidade cultural: um estudo sobre as práticas pedagógicas em uma escola pública da zona leste de Manaus/AM. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFAM, Manaus, 2007; REZENDE, M. M. Professores da rede municipal de Goiânia: memória e identidade negra. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFG, Goiânia, 2007. 27

Os livros didáticos, a despeito de todas as modificações apresentadas em avaliações do Programa Nacional do Livro Didático/PNLD, veiculam, não raras vezes, discurso que universaliza a condição do branco, em processo de hierarquização entre grupos humanos, o qual naturaliza a dominação branca e estabelece os personagens brancos como interlocutores potenciais dos textos estigmatizando outros personagens fora desse padrão. Conferir: PINTO, R. P. O livro didático e a democratização da escola. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1981; PINTO, R. P. A representação do negro em livros didáticos de leitura. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 63, p. 88-92, nov. 1987; ROSEMBERG, F. et al. Debate: livros didáticos: análises e propostas. Cadernos de Pesquisa, n. 63, p. 103-105, nov. 1987; SILVA, A. C. Estereótipos e preconceitos em relação ao negro no livro de comunicação e expressão do 1º grau: nível 1. Cadernos de Pesquisa, n. 63, p. 96-98, nov. 1987; ROSEMBERG, F.; BAZILLI, C.; SILVA, P. V. B. Racismo em livros didáticos brasileiros e seu combate: uma revisão da literatura. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 125-146, jan./jun. 2003; SILVA, P. V. B. Racismo em livros didáticos: estudo sobre negros e brancos em livros de Língua Portuguesa. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

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Tais situações têm contribuído para a formação de gerações de crianças que possuem visões distorcidas sobre a população negra. Aqui, tanto quanto na situação inicialmente apontada, o sistema educacional não trabalha no sentido de romper com a reprodução do preconceito e da discriminação. A propalada “educação crítica”, “formadora do cidadão”, reitera o mito das três “raças” – segundo o qual o branco foi o responsável pela civilização – e as distorções que o senso comum construiu acerca das populações não brancas. O sistema educacional tem sido um dos grandes responsáveis – sabemos não ser o único – pela perpetuação de índices de exclusão alarmantes, que indicam a existência de dois níveis de cidadania no Brasil. Por onde quer que se olhe, não importa qual o extrato da população analisada, o pesquisador sempre encontrará um desnível separando as populações brancas das não brancas, dispostas em uma escala que demarca o acesso às oportunidades oferecidas pelo Estado ou pela iniciativa privada. Quer tenhamos o acesso à saúde, à educação, ao mercado de trabalho, à riqueza28 produzida como objeto, independentemente do extrato social escolhido para observação e análise, o descompasso será notado. A Lei nº 10.639/2003 é resultado de uma demanda da sociedade civil organizada e preocupada com a construção de uma sociedade mais justa, assim como da demanda daqueles que não temem o desnudamento de conflitos latentes, encobertos por subterfúgios, como a ideia de que somos uma democracia “racial”. Ela é fruto dos resistes dos movimentos sociais negros organizados que reivindicam uma educação menos eurocêntrica, a qual contemple os componentes africanos que constituíram o passado brasileiro e que participam ativamente da construção de seu presente. Ela é resultado, também, do avanço da consciência democrática e das demandas por uma sociedade mais justa, pois se insere no âmbito da luta pela educação inclusiva, em todos os níveis. Trata-se de aparato legislativo importante, porque altera

28

Discussão geminal sobre cor e nível socioeconômico, ver: FERNANDES, F.; BASTIDE, R. Brancos e negros em São Paulo. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1959. p. 180.

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a Lei nº 9.394/96 – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação –, determinando a inclusão de conteúdos e aportes pedagógicos. Assim, a lei determina o ensino sobre a História e a Cultura Afro-brasileiras e direciona a educação ofertada ao enfrentamento do preconceito e da discriminação. Está-se diante, portanto, de um avanço considerável, se tomarmos como referência as políticas educacionais anteriores.29 A lei e seus aportes encaminham duas questões correlatas. Por um lado, ela promove a inclusão de um conteúdo inédito na Educação Básica, embora pouco conhecido, mesmo na Educação Superior. Ela elege a África como uma das matrizes das instituições nacionais, retirando da Europa o lugar de matriz única de nossa cultura. Por outro lado, ela demanda o abandono do mito da democracia “racial”, herança de décadas de tolhimento das lutas das populações negras organizadas. A lei encaminha, por meio de um dos seus desdobramentos, o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, estratégias para a oferta de uma educação que coíba a reprodução do preconceito e da discriminação. Não obstante, a aplicação da lei esbarra em alguns entraves a serem contornados. Em primeiro lugar, ela depende da colaboração de estados30 e

29

Sobre políticas de enfrentamento da temática, vale a leitura do capítulo de: HERINGER, Rosana. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: um balanço do período 2001-2004. In: JÚNIOR FERES, J.; ZONINSEIN, J. (Org.). Ação afirmativa e universidade: experiências nacionais comparadas. Brasília: Ed. UnB, 2006. p. 79-109.

30

Sobre as Resoluções que instituem normas complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena nos currículos da Educação Básica das instituições de Ensino integrantes do Sistema de Ensino no Brasil. Conferir alguns exemplos: Espírito Santo, Resolução CEE/ES nº 1967/2009, 23 de abril de 2009; Sergipe, regulamentação se deu mediante a Resolução CEE nº 347/2005; Mato Grosso do Sul, mediante a Resolução CEE nº 131/2005; Roraima, pelo Parecer CEE nº 54/2006; Paraná, pela Resolução CEE nº 04/2006; Mato Grosso, pela Resolução CEE nº 234/2006; Ceará, pela Resolução CEE nº 416/2006; Pernambuco, pela Instrução Normativa (SEDUC) nº 06/2007; Piauí, pelo Parecer CEE nº 181/2007; Alagoas, pela Lei Estadual nº 6814/2007; Bahia, pela Resolução CEE nº 23/2007, complementada pela Resolução CEE nº 23/2008; São Paulo, pela Deliberação CEE nº 77/2008; Rondônia, pela Resolução CEE nº 652/2009; Goiás, pela Resolução nº 03/2009 Amapá, pela Resolução CEE nº 75/2009; Rio Grande do Sul, pela Resolução CEE nº 297/2009.

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Capítulo 5 Igualdade e diferença na escola: apontamentos sobre a Lei nº 10.639/2003 e a formação de professores

municípios, responsáveis pela oferta da Educação Básica. Ambas as instâncias devem promover a divulgação da lei e orientar os profissionais das redes de ensino nos procedimentos necessários à sua implementação. Da mesma forma, são essas mesmas instâncias as maiores executoras da política educacional que a lei consubstancia, uma vez que a União tem pequena participação na Educação Básica. Logo, sem a participação efetiva dos entes federativos toda a proposta estará prejudicada. Em segundo lugar, o entrave. Isso diz respeito ao agente mais importante do processo educacional – o professor. Inicialmente, porque a maioria dos corpos docentes das escolas de Educação Básica não foi formada para pensar a questão “racial” e/ou a questão da memória afrodescendente como questões relevantes. Mesmo considerando-se que a memória é componente fundamental da identidade e que os cursos de formação de professores deveriam contemplá-la por meio de disciplinas como Didática, Metodologia de Ensino, Prática Pedagógica e Psicologia da Aprendizagem, raros são os cursos de formação de professores que abraçam a questão de forma consecutiva. A maior parte das licenciaturas31 – a despeito das alterações 31

Sobre Licenciaturas, ver: Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nº. 6.494, de 7 de dezembro de 1977 e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º da Medida Provisória nº 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Resolução CNE/CES nº 3 de 02 de julho de 2007. Dispõe sobre procedimentos a serem adotados quanto ao conceito de hora-aula, e dá outras providências; Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena; Portaria nº 1264, de 17 de outubro de 2008. Institui o Instrumento de Avaliação Externa de Instituições de Educação Superior do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES); Parecer CNE/CES nº 218, de 10 de agosto de 2006. Consulta sobre a possibilidade de credenciamento de Faculdades Integradas, Escolas Superiores e Institutos Superiores de Educação, ante o disposto no art. 12, inciso I, do Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006; Decreto nº 5224 de 1º de outubro de 2004. Dispõe sobre a organização dos Centros Federais de Educação Tecnológica e dá outras providências; Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Sobre o Bacharelado, consultar: Resolução CNE/CES nº 2 de 18 de junho de 2007. Dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial; Resolução CNE/CES nº 3 de 02 de julho de 2007. Dispõe sobre procedimentos a serem adotados

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havidas na legislação educacional superior nos últimos 10 anos – encara a formação docente como um apêndice incômodo, por incrível que pareça. Não por outra razão, a formação que garante a habilitação em licenciatura é, no mais das vezes, oferecida por um centro independente e – frequentemente – alheio às demandas das diversas especialidades. A falta de integração entre a formação na área específica e a formação para a licenciatura acarreta, não raro, a desvalorização dessa última, tendo como consequência um despreparo do professor na consideração de aspectos fundamentais para a sua prática profissional: domínio da didática, de metodologias e da psicologia da criança e do adolescente, resultando em aulas mecânicas e na repetição de padrões pedagógicos inadequados às clientelas atendidas pelas diversas redes escolares. Evasão, repetência e baixo rendimento são os corolários desse processo. Igualmente, e em relação estreita com a circunstância, ocorre que grande parte do corpo docente das escolas não percebe a questão da discriminação e do preconceito como um problema. Boa parte deles não reconhece a escola como um ambiente preconceituoso e tem dificuldades em identificar manifestações de discriminação.32 O fato de os livros didáticos tratarem basicamente da herança europeia, de as imagens de miséria, violência e subalternidade estarem vinculadas a figuras humanas não brancas não representa, para a maioria, qualquer problema. Caso notem – e provavelmente o fazem – que alunos negros são maioria entre os evadidos, repetentes e com dificuldade de aprendizado, não veem nisso manifestação de discriminação.

quanto ao conceito de hora-aula, e dá outras providências; Portaria nº 1.264, de 17 de outubro de 2008. Instrumento de Avaliação Externa de Instituições de Educação Superior do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES); Parecer CNE/CES nº 218, de 10 de agosto de 2006. Consulta sobre a possibilidade de credenciamento de Faculdades Integradas, Escolas Superiores e Institutos Superiores de Educação, ante o disposto no art. 12, inciso I, do Decreto nº 5.773, de 09 de maio de 2006. 32

Para uma análise circunstanciada acerca da importância da preparação dos professores para o trato da questão, uma vez que a ausência desta leva à reprodução do preconceito em sala de aula, ver: COELHO, W. N. B. A cor ausente: um estudo sobre a presença do negro na formação de professores: Pará, 1970-1989. 2. ed. Belo Horizonte: Mazza, 2009.

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Assim, não conseguem enfrentar situações já naturalizadas como associações entre negro e marginalidade, negro e miséria, negro e violência, etc. Acabam por incentivar padrões estéticos e de comportamento profundamente discriminatórios, pelo simples fato de que não atentam para o caráter preconceituoso que lhes é inerente e, quando o fazem, ou não consideram ser sua atribuição intervir ou não têm a dimensão dos prejuízos que a discriminação e o preconceito acarretam à criança e ao adolescente. Diante disso, estados e municípios devem trabalhar no sentido de oferecer a formação continuada aos professores das redes que lhe são submetidas, para suprirem as carências da formação. As instituições de ensino superior devem, por sua vez, rever a formação oferecida, de modo a preparar profissionais atentos à questão colocada pela lei e aparelhados para enfrentá-la por meio do domínio de aportes teóricos e metodológicos próprios de professores. A Lei nº 10.639/200333 apresenta-nos a oportunidade de pensar a questão da inclusão sob uma perspectiva nova. Normalmente, as discussões sobre inclusão estão relacionadas aos alunos com “necessidades especiais” – detentores de dificuldades de ordem psíquica ou física. A inovação trazida pela legislação consiste na possibilidade de se ampliar a categoria inclusão, com vistas à consideração de diversos segmentos da sociedade brasileira, antes ausentes das representações da nacionalidade. A lei encaminha à consideração de que as representações sociais são, por natureza, excludentes e, portanto, não podem compor o conteúdo didático senão como objeto a ser debatido, para que crianças e adolescentes percebam as representações como manifestações dos conflitos sociais e não como conteúdos que devem ser apreendidos e reproduzidos.

33

Conferir os “passos” dados em relação à Lei até o momento, em DIAS, L. R. Quantos passos já foram dados?: a questão de raça nas leis educacionais da LDB de 1961 à Lei nº 10.639 de 2003. In: ROMÃO, J. (Org.). História da educação do negro e outras histórias. Brasília: MEC, 2005. v. 6, p. 49.

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Capítulo 6

Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades1

Pra mim a música é assim... acho que é tudo [...].2

1

Artigo resumidamente originalmente publicado nos Anais do Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, julho, 2012.

2

Grupo de Discussão. Rita, do 7º ano, escola “B”, fev. 2012. Utilizaremos pseudônimo para a manutenção do anonimato de nossos(as) entrevistados(as).

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Capítulo 6 Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades

A música, esse amálgama de letra e melodia, compõe a vida da sociedade contemporânea. Ela não apenas compõe uma forma de expressão artística, mas também uma modalidade de entretenimento e um ramo da economia, a indústria da música, envolvendo uma legião de profissionais e rendendo dividendos portentosos. Como manifestação artística, a música pode ser entendida como um gênero híbrido que, congregando melodia e poesia, divide-se em gêneros e subgêneros diversos – o erudito (câmera, ópera, sinfônica) e o popular (rock, gospel, samba). Não obstante, no tempo em que vivemos, a música, especialmente a denominada popular, tem uma função importante na indústria: o consumo massificado e imediato. Uma dessas dimensões nós trataremos sumariamente neste capítulo. Trata-se de aspecto trabalhado em um projeto de pesquisa,3 o qual tem por temática a Educação, Música e Relações “Raciais”, e por objeto os valores e as hierarquias que constituem os universos sociais dos alunos das escolas estudadas em escolas do município de Belém-PA. No que se refere ao universo musical, duas questões estão relacionadas: as preferências e o consumo musical dos estudantes negros4 de duas escolas pesquisadas no estado do Pará, uma privada

3

Valores e Hierarquias entre jovens estudantes de Belém do Pará: cor, “raça” e preconceito, pesquisa é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (2010/2013).

4

Para compreender a utilização do termo negro no Brasil é necessário conhecer como o significado atribuído ao termo está relacionado à percepção de quem o emprega. Assim, argumentam que, dada a variedade de significados, é basilar saber quem são aqueles que o utilizam. Para ratificar tal compreensão, a despeito das diferenças estruturais, as gerações de dados que identificam quem são os “negros” no Brasil são do IBGE, esse instituto convencionou: são aquelas pessoas autoidentificadas como “pretos” e “pardos” (PIZA, E.; ROSEMBERG, F. Cor nos censos brasileiros. Revista USP, São Paulo, n. 40, p. 122-137, dez./fev. 1998/1999).

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e outra pública, aqui identificadas como escolas “A” e “B”, e a importância de tais escolhas para a conformação das preferências musicais e a sociabilidade cultivada entre esses alunos. Cientes de que as escolhas musicais não se dão ao acaso, antes ocorrem por intermédio de um processo de identificação: as sociabilidades,5 essas são ratificadas por meio dos dados construídos. Tal construção é estabelecida ou reiterada também sob o compartilhamento do repertório musical eleito pelos estudantes. Ressaltamos o caráter inicial dessas proposições, uma vez que a pesquisa encontra-se em curso. Pensar em uma educação voltada para a formação integral do estudante implica, também, em pensar os limites e possibilidades do ambiente escolar na constituição desses seres autônomos, solidários, cidadãos6 e que reconhecem positivamente sua identidade,7 conforme a legislação educacional vigente.

5

Ver mais apropriadamente esta dimensão em: SOARES, N. J. B.; COELHO, W. N. B. Pertencimento racial e relações sociais estabelecidas no espaço escolar. Instrumento, Juiz de Fora, v. 1, p. 135-144, 2011. Cf. ainda: ALMEIDA, M. A. B. O esporte como matriz da sociabilidade espontânea: um olhar pelo referencial habermasiano. Revista da Associação Latino-Americana de Estudos Sócio-Culturais do Esporte, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 100-110, set. 2011; PADOVANI, C. R. Comportamento social em jovens com a Síndrome de WilliamsBeuren. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, Campinas, v. 80, n. 1/11, p. 210-230, 2011; MARTINS, J. S. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. São Paulo: Contexto, 2010; MOUTINHO, L. Retóricas ambivalentes: ressentimentos e negociações em contextos de sociabilidade juvenil na Cidade do Cabo (África do Sul). Cadernos Pagu, Campinas, n. 35, p. 139-176, jul./dez. 2010; SILVA, F. A. Grupos juvenis e equipamentos públicos: um estudo do Centro Cultural da Juventude da cidade de São Paulo. 2010. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010; SIMÕES, J. A. Jeitos de corpo: cor/raça, gênero, sexualidade e sociabilidade juvenil no centro de São Paulo. Cadernos Pagu, Campinas, n. 35, p. 38-78, jul./dez. 2010; ANDRADE, C. E. Frankiw de. Blásfemos e sonhadores: ideologia, utopia e sociabilidades nas campanhas anarquistas em A Lanterna (1909-1916). 2009. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009; CÁNOVAS, M. K. Imigrantes espanhóis na paulicéia: trabalho e sociabilidade urbana (1890-1922). São Paulo: EDUSP, 2009.

6

Resolução CEB nº 2/1998, art. 3º, III; BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial da União, 10 jan. 2003; BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 01, de 17 de junho de 2004. Institui diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-“raciais” e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília: MEC, 2004; BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: BRASIL. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Brasília: SECAD, 2006.

7

Entre as diferentes acepções do conceito de identidade cultural, duas delas ganham destaque nas apreensões de Hall. A primeira refere-se a uma “cultura indivisa, mas partilhada, uma espécie de verdadeiro

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Capítulo 6 Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades

Nosso objetivo será de pontuar, sumariamente, como se conformam as relações de sociabilidades entre os estudantes por meio das preferências musicais no cotidiano escolar e identificar a importância da música para os estudantes negros. Nesse caso, suspeitamos que a importância da música, para os estudantes, está condicionada a sua veiculação e permanência mídia, nas mais variadas linguagens.

O universo dos estudantes por intermédio do consumo musical: primeiras aproximações Os instrumentos aplicados no locus da pesquisa possibilitaram a percepção do perfil dos estudantes das escolas investigadas, cuja composição apresenta a presença majoritária de estudantes negros nas duas escolas: 69% na Escola “A” e 68% na Escola “B” – rede privada e pública, respectivamente. A amostra foi constituída por 478 estudantes – 222 da Escola “A” e 256 da Escola “B” os quais frequentam os níveis de escolaridade compreendidos entre o 6º e o 9º anos. As idades dos estudantes compreendem o intervalo de 9 a 18 anos. Os dados gerais apontam 248 alunos e 211 alunas, constituindo, respectivamente, 52% e 44% do total da amostra, e 19 não declararam o sexo, ou seja, 4%. Com a necessidade de maior aprofundamento, constituímos Grupos de Discussão,8 dos quais participaram 12 estudantes, para o

modo de ser coletivo”. Esse primeiro entendimento pode ser aplicado aos sentidos simbólicos que o consumo musical indistinto de classe social provocaria nas pessoas. Uma segunda acepção valoriza “o tornar-se e não apenas o ser. [...] Longe de fixarem eternamente num qualquer passado essencializado, estão sujeitas ao contínuo jogo da história, da cultura e do poder” (HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005). Sobre o processo de construção de identidades na contemporaneidade, vale ainda consultar: MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo e identidade étnica – preferências valorizadas neste capítulo. Cadernos PENESB, UFF, Rio de Janeiro, n. 5, p. 15-34, 2004c. A partir do qual este capítulo se inspira no tocante à identidade; BURITY, J. A. (Org.). Cultura e identidade: perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002; CORACINI, M. J. (Org.). Identidade e discurso: (des)construindo subjetividades. Campinas: Ed. UNICAMP; Chapecó: Argos Ed. Universitária, 2003. 8

Encontramos esse recurso nos trabalhos de: DAYRELL, J. A música entra em cena: o funk e o rap na socialização da juventude em Belo Horizonte. 2001. 412f. Tese (Doutorado) – Programa de PósGraduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001;

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aprofundamento dos dados levantados anteriormente. Os estudantes foram instados, com detalhes, a falar sobre: cor, idade, ano, renda familiar, juventude, beleza, discriminação, consumo musical, preferência musical, importância da música, relações de sociabilidades. Seguimos a dinâmica da discussão em grupo, a partir da proposição de questões a serem aprofundadas, estimulando a participação de todos. Ao final do debate, reproduzimos as músicas indicadas como as preferidas pelo maior número de estudantes e solicitamos que o grupo discorresse sobre cada uma delas. A atividade didática sobre consumo musical foi outro instrumento adotado, esse composto de 8 (oito) questões, além dos itens relacionados à identificação. Multiplicando o número de questões (08) pelo número de questionários respondidos (478), tendo um produto de 3.824, dos quais 3.740 foram respondidos e 84 não respondidos (TAB. 9).

TABELA 9. Itens não respondidos da atividade didática sobre o consumo musical dos estudantes Questões Com que frequência você costuma ouvir música? Fale um pouco sobre o que representa, para você, o ato de ouvir música cotidianamente. Quais gêneros musicais você costuma ouvir com mais frequência, por ordem de preferência. Quais os aspectos que contribuem para você preferir as músicas acima relacionadas? Indique os 10 cantores nacionais que você mais gosta de ouvir. Relacione 10 músicas nacionais de sua predileção. Há cantores estrangeiros entre os cantores que você gosta de ouvir? Cite 10 cantores estrangeiros de sua predileção. Você gosta de ouvir músicas estrangeiras? Em caso afirmativo, relacione 10 músicas estrangeiras das quais você goste. TOTAL

Turma 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano Total 0 0 0 1 1 4

0

4

3

11

0

0

0

0

0

1

1

0

0

2

4 6

2 7

0 3

5 3

11 19

4

5

7

5

21

8

4

3

4

19 84

Fonte: Tabela produzida pela pesquisadora, 2010/2011.

DAYRELL, J. O rap e o funk na socialização da juventude. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 117-136, jan./jun. 2002. Trabalhamos com esses estudantes questões amiúde acerca das preferências musicais, consumo, beleza, preconceito e discriminação.

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Capítulo 6 Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades

Os estudantes procederam à autoclassificação por cor9 ou “raça” (QUADRO 1). A maioria dos estudantes se autodeclarou preto ou pardo. A despeito de todo limite que a classificação tomada pode ocasionar, tal alternativa tem admitido organizar informações sobre a população em âmbito nacional, estabelecendo um confiável padrão de comparação. Certa de que a adoção do elemento cor de pele não implica que o IBGE admita a existência de “raças” humanas, nem que utiliza esse critério com finalidade discriminatória,10 vejamos:

QUADRO 1. Autoclassificação de estudantes do Ensino Fundamental das Escolas “A” e “B” Escola A B

Preta (n=37) 9% 7%

Parda (n=291) 60% 61%

Cor ou “raça” Branca Indígena (n=107) (n=24) 21% 6% 23% 4%

Amarela (n=11) 2% 3%

Não Declarada (n=8) 2% 2%

Fonte: Quadro produzido pela pesquisadora, 2010/2011.

9

É de longo tempo, assim como as controvérsias, que o censo oficial tem incluído no Brasil o quesito cor e raça. Desde o primeiro censo, 1872, a cor tem sido objeto de discussão. Podem-se apontar três questões a esse respeito: um, que se refere à fragilidade da categorização oficial; dois, o tratamento dos dados coletados; três, como ocorre o processo de classificação. O debate continua em aberto acerca da confiabilidade do sistema oficial de classificação “racial”, o qual tem ressaltado as controvérsias, citadas acima, em torno da categorização utilizada pelo IBGE, nessa discutem-se dois motivos: a) no Brasil há uma pluralidade de classificação, que se distancia da oficializada; b) essa mesma classificação é operada de modo subjetivo dentro de contextos específicos (BEJARANO, J. P. E. Qual é sua raça ou grupo étnico?: censos, classificações “raciais” e multiculturalismo na Colômbia e no Brasil. Dissertação (Mestrado em Estudo Étnico e Africano) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010). Outro questionamento, antes deste, pontua a autoclassificação de cor nos instrumentos e tratamento dado às informações de classificação (neste caso, o IBGE). Ele passa por um crivo teórico e ideológico por aqueles que estão diretamente envolvidos com a questão “racial”. No processo de autoclassificação, outra dimensão deve ser levada em conta: a especificidade de classificação “racial” brasileira (ARAÚJO, T. C. N. A classificação de “cor” nas pesquisas do IBGE: notas para uma discussão. Cadernos de Pesquisa, ano. 66, p. 14-16, nov. 1987). Para outros, ocorre segundo a aparência e não na ascendência (PIZA, E.; ROSEMBERG, F. Cor nos censos brasileiros. Revista USP, São Paulo, n. 40, p. 122-137, dez./fev. 1998; 1999 e ver ainda: ROCHA, E. J.; ROSEMBERG, F. Autodeclaração de cor e/ou raça entre escolares paulistanos(as). Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, p. 759-799, set./dez. 2007).

10

Cf. esse argumento em: OLIVEIRA, F. Ser negro no Brasil. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, 2004. p. 57-60. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n50/a06v1850.pdf>. Acesso em: 26 out. 2011.

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A configuração demonstrada pelo QUADRO 1 evidencia que a amos­tra­gem é composta por 60% e 61% de pardos, nas Escolas “A” e “B”, respectivamente, denotando sua presença majoritária nas autoclassificações nos dois espaços escolares. Os dados gerais apontam 22% dos estudantes autoclassificados como brancos, 8% pretos, 5% indígenas, 2% amarelos, e 2% não se identificaram. A despeito do número reduzido de estudantes omissos, verificamos a dúvida11 apresentada por eles quando instados acerca da cor. Nesse universo, a análise dos rebatimentos das preferências musicais consumidas pelos estudantes em sua sociabilidade investe-se da necessidade de atenção do recorte “racial”, com vistas a captar as filigranas desse processo na experiência dos estudantes negros. Compilou-se outro dado relevante sobre a frequência com a qual os estudantes ouviam música durante o dia. O resultado agrupado em relação à frequência com que ouviam música ocorreu por meio de uma questão pela qual apontassem, entre um rol de seis quesitos (conforme verificado no GRÁF. 1), a frequência temporal com que ouviam música.

GRÁFICO 1. Frequência com que os estudantes ouvem músicas12 Mensalmente

1%

Quinzenalmente

1%

Semanalmente

4%

Apenas em um horário do dia

17%

Em dois horários do dia

20%

Diariamente pela manhã, tarde e noite

57% 0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Fonte: Gráfico produzido pela pesquisadora – 2010/2011.

11

Não discrepa daquela dúvida vivida pelos professores universitários ouvidos entre 1998/2000, já trabalhados em páginas anteriores.

12

Os resultados apresentados foram obtidos pela composição das respostas das duas escolas.

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Os resultados indicam a presença da música frequente no cotidiano desses estudantes. Notamos que 57% procederam marcando a opção que ouviam diariamente, pela manhã, à tarde e à noite. A referência propagada por meio dessa opção pode ser compreendida pela portabilidade de instrumentos eletrônicos intermediadores da música na vida diária dos estudantes, como celulares, MP3, i-pods, observados no momento em que arrolam as músicas de sua predileção. Ainda em relação ao gráfico, percebemos 94% ouvintes, pelo menos em um horário do dia. Tal indicação demonstra uma possível “chave” de problematização na escola, haja vista que as músicas são constituídas de uma linguagem que aproxima os estudantes intramuros escolares, e a identificação por parte dos estudantes de grupos distintos no interior da escola. Conforme depoimentos a seguir sobre níveis de sociabilidades e a caracterização dos grupos presentes na escola – nos termos dos próprios –, ilustramos alguns exemplos: Bem, a música interfere assim, tipo na maneira de pensar, é, mas não pra mim, é, quando eu tento selecionar os meus amigos, eu tento ver os meus amigos com outros olhos, entender como ele é realmente não pelo que faz, mas pelo que sente pelo que gosta de ouvir, tipo essas coisas. (André – Grupo de Discussão Escola “B”, 2012) [D]epende muito da aproximação, porque muitas das vezes você olha pra uma pessoa aí você julga ele só pelo ritmo que ela escuta antes mesmo conhecer. Tipo assim, se você gosta de rock, e aí outra pessoa que não é do grupo, olha pra ela diz: essa pessoa é doida, essa pessoa não tem noção do que é certo e do que é errado, e quando você se aproxima de uma pessoa e aí vê que é totalmente do que você pensava, é uma pessoa super legal, tipo super centrada no que ela faz, entendeu? (Ana Lúcia Grupo de Discussão Escola “B”, 2012) Bom aqui na escola existem vários grupos, tem o grupo dos nerds, que escuta mais músicas calmas, [...]. Mas depende muito, porque eu sou nerd e escuto rock, depende muito, bem na minha sala é assim. Os nerds estão entre pardos e brancos. (Ariadne – Grupo de Discussão Escola “B”, 2012)

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Tem o grupo dos “malacos”, eles escutam melody, [...]. (Isabel – Grupo de Discussão Escola “B”, 2012) Eles gostam mais de rap, melody, veste uma kenner, um bermudão da Nike, um chapéu da Nike. Usam marcas esportivas, da Nike e da Fila. Penteado estranho; raspam uma parte do cabelo; usam bigode louro; usam luzes no cabelo, conhecemos um “malaco” pelo jeito que ele anda tipo malandro, um andar curvado. Eles pesam (sic) que não existe fone; usam agora caixinha de som, eles pensam que todo mundo tem que ouvir o que eles ouvem, tem que ser todo mundo obrigado a ouvir aquilo, sendo que nem todos as pessoas gostam de ouvir o melody, às vezes irrita um pouco, eles têm vida louca, aprontam muito também e bebem. Eles querem ganhar sem pensar nas consequências depois que podem causar a outras pessoas. Os “malacos” são mais pretos e alguns pardos. (Síntese das descrições de todos os alunos – Grupo de Discussão Escola “B”, 2012) Popular é um pouquinho de cada. Popular, fala com todo mundo, não discrimina ninguém. Entendeu? Transitam entre os outros. Não tem um grupo específico. Eles têm a cor parda e morena. (Jane – Grupo de Discussão “A”, 2012) Bom, uma patricinha assim ela é totalmente diferente, ela tem um mundo próprio. Ela se arruma demais. Ela tem que ficar bonita. Sempre tem um espelho, uma escova junto com ela. Nunca deixa uma maquiagem fora, sempre vem muito arrumada. Sempre anda de salto como eu (risos). Entendeu? É alguma coisa assim. E, além do mais, ela fala com todos. Ela é assim, “patricinha” e “popular” ao mesmo tempo, entendeu? Todos conhecem ela, todos falam com ela. [...]. E de celular sempre na mão. Sempre mandando mensagem. Esse grupo tem só parda e branca. (Sofia – Grupo de Discussão “B, 2012)

O perfil etário, conforme exposto anteriormente, situa os 478 estudantes das duas escolas com idades entre os 9 e 18 anos. Esse quadro requer o devido cuidado para que a análise do consumo desses estudantes esteja atenta à ótica da configuração subjetiva que engendra essa experiência. Nela encontramos fatores biológicos, psicossociais e culturais articulados com as “questões de gênero, às hierarquias familiares e sociais, bem como à assunção

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de uma identidade pessoal e social, construída contra o pano de fundo das relações sociais e institucionais”.13 Existem diversos mecanismos geradores de desigualdades no aproveitamento e rendimento de estudantes pertencentes a diferentes grupos sociais.14 Tal reflexão, dadas as ressalvas contextuais, serviu de inspiração para a análise do perfil sociocultural, fornecido mediante a aplicação dos instrumentos de coleta de dados junto aos estudantes das escolas pública e privada. Assim, instigamo-nos sobre aspectos relativos ao capital cultural15 desses estudantes, de modo a ampliar tais resultados no futuro da investigação. Considerando as preferências dos gêneros musicais, quando os estudantes dedicam parte significativa de seu tempo a ouvir músicas, elencamos entre aqueles inventariados os que tiveram incidência igual ou superior a 10 ocorrências. Apresentamos, assim, entre os estudantes da Escola “A”, a predileção por critério de primeira escolha o gênero rock, com 40 (27%) das ocorrências; o tecnomelody,16 com 18 (12%); o gospel, com 18 (12%); o forró, com 16 (11%), 13

OLIVEIRA, M. C. S. L. Identidade, narrativa e desenvolvimento na adolescência: uma revisão crítica. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 2, p. 427-436, maio/ago. 2006.

14

Ver discussão circunstanciada em: SETTON, M. G. J. Um novo capital cultural: pré-disposições e disposições à cultura informal nos segmentos com baixa escolaridade. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 90, p. 77-105, jan./abr. 2005.

15

A partir das reflexões de Bourdieu, existem três modalidades de capital cultural objetivado, incorporado ou institucionalizado. O primeiro diz respeito à propriedade de objetos culturais valorizados (notadamente, livros e obras de arte). O segundo se refere à cultura legítima internalizada pelo indivíduo, ou seja, habilidades linguísticas, postura corporal, crenças, conhecimentos, preferências, hábitos e comportamentos relacionados à cultura dominante, adquiridos e assumidos por quem a porta. Finalmente, o terceiro se refere, basicamente, à posse de certificados acadêmico-escolares, que tendem a ser socialmente utilizados como atestados de certa formação cultural. O autor chama atenção para a relação entre capital cultural, a seleção social e escolar. Esse conceito (relativo a diplomas, nível de conhecimento geral, boas maneiras) é utilizado para se distinguir do capital econômico e do capital social (rede de relações) (BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a;).

16

O tecnomelody faz parte da evolução que o brega no Pará vem sofrendo no mercado musical. O termo passou a ser popularizado em 2009 e apresenta características do tecnobrega (combinação de brega com a percussão eletrônica) e do lirismo romântico do brega tradicional (nesse ritmo musical há influência da música romântica combinada com a guitarrada). (Conferir em: LOBATO, José Augusto Mendes. O grito difuso da periferia: hibridismo e tensões entre o popular e o massivo do brega paraense. Comtempo: Revista do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Cásper Líbero, v. 2, a. 2, p. 1-11, dez. 2010)

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o brega, com 13 (9%); o funk, com 12 (8%); o rap, com 10 (7%); o pagode, com 10 (7%), e o axé, com 10 (7%) das ocorrências. Com relação à Escola “B”, detectamos o gospel, com 50 (25%) das ocorrências; em segundo, o rock, com 43 (22%); em terceiro, o tecnomelody, com 31 (16%). Em seguida aparecem o pagode, com 21 (11%); o brega, com 17 (8%); a música romântica ou tecnomelody, com 13 (6%); o rap, com 12 (6%); e o pop, com 12 (6%) de incidências. Constatamos nas duas escolas que os estudantes comungam praticamente dos mesmos gêneros musicais de primeira escolha, com exceção do carimbó e da clássica, presentes somente na escola “A”. No que concerne somente ao pop ou soul na Escola “B”, o curioso encontra-se na escuta dos estudantes, pois tais escolhas não condizem propriamente com essas primeiras escolhas. Os gêneros musicais apontados pelos estudantes podem ser classificados em três categorias: músicas de massa (pagode, forró, axé, tecnomelody, funk, brega), 39%, na escola “A”; na escola “B” 54%; convencionais (gospel, música romântica, pop), 14% na escola “A”; na segunda escola, 21% das preferências. No que tange aos tidos como “anticonvencionais”17 (rock, rap), 26% na primeira escola e 12%, na segunda. Mais uma vez, verificamos uma alteração dessas escolhas, quando da “escuta” dos estudantes nos Grupos de Discussão, como veremos no final deste capítulo.

GRÁFICO 2. A música na experiência dos estudantes ESCOLA A Gêneros Musicais – primeira escolha 5%

10%

7%

3%

2% 8%

21%

6%

10% 2% 5%

4% 5%

17

5%

5%

4%

AXÉ (5%)

MÚSICA SERTANEJA (5%)

BREGA (7%)

MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (5%)

CARIMBÓ (2%)

PAGODE (5%)

FORRÓ (8%)

RAP (5%)

FUNK (6%)

REGGAE (2%)

GOSPEL (10%)

ROCK (21%)

MÚSICA CLÁSSICA (3%)

SAMBA (3%)

MÚSICA ROMÂNTICA (4%)

TECNO MELODY (10%)

PIMENTEL, C. E.; GOUVEIA, V. V.; VASCONCELOS, T. C. Preferência musical, atitudes e comportamentos anti-sociais entre estudantes adolescentes: um estudo correlacional. Estudos de Psicologia, v. 22, n. 4, p. 403-413, out./dez. 2005.

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ESCOLA B Gêneros Musicais – primeira escolha

1% 3%

5%

12% 15%

1%

2%

10%

10%

2% 3%

10%

11% 2%

6%

7%

AXÉ (5%)

PAGODE (10%)

BREGA (15%)

RAP (3%)

FORRÓ (2%)

REGGAE (2%)

FUNK (10%)

ROCK (10%)

GOSPEL (11%)

SAMBA (1%)

MÚSICA ROMÂNTICA (7%)

TECNO MELODY (12%)

MÚSICA SERTANEJA (6%)

POP (3%)

MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (2%)

SOUL (1%)

Fonte: Dados produzidos pela pesquisadora – 2010/2011.

A atividade didática – posteriormente à aplicação do primeiro instrumento – oferecida aos estudantes sobre o gosto musical possibilitou detectar a presença da música na vida destes, pois, em sua maioria, marcadamente em todas as turmas (do 6º ao 9º anos), a opção assinalada foi a de que ouvia música diariamente, em todos os horários do dia. Alguns depoimentos ilustram essa frequência:

QUADRO 2. Representações dos estudantes sobre consumo musical IDENTIFICAÇÃO ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Escola “B”, maio/2012 ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Escola “B”, maio/2012

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Escola “B”, maio/2012 ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Escola “B”, maio/2012. ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Escola “B”, maio/2012.

FREQUÊNCIA

REPRESENTAÇÃO

Doze horas

No banheiro eu fico ouvindo cantando, quase toda hora.* Doze horas É quase toda hora, toda vez que você me ver com o fone no ouvido, ou eu tô cantando a música, ou pensando, porque a música fala o que a gente não consegue. Doze horas Quase o dia todo, quando eu acordo já tem música tocando em casa. Vinte e quatro horas [...] por que é assim quando eu tô em casa, eu escuto música 24h. Vinte e quatro horas Direto, todo dia.

Fonte: Quadro produzido pela pesquisadora – 2010/2011. Nota: Grifos nossos

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A presença da música na vida desses estudantes pode ser entendida como expressão artística portadora, portanto, de comunicação, e essa forma de alcance fica mais evidente quando é difundida pelo universo urbano.18 A presença constante da música é referendada pela descrição, por parte dos estudantes, sobre o que representava o ato de ouvir música. Assim, nessa questão foram identificados os elementos relevantes da mensagem e aplicado o processo de categorização e análise. Para essa reflexão, recorremos ao mesmo conceito de representação19 trabalhado nas formulações teóricas de Roger Chartier, bem como nas noções conceituais de bens culturais, distinção e hierarquias20 de Pierre Bourdieu. Para o tratamento dos dados coletados, utilizamos as indicações metodológicas de Laurence Bardin,21 nos procedimentos da análise de conteúdo. Nesse sentido, solicitamos a cada turma um quadro que revelasse uma representação comum, organizando-as por tema. O procedimento adotado permitiu a classificação dos elementos de representação contidos nas respostas dos estudantes, mediante a classificação dessas representações com base em comparações. Desse modo, tal processo possibilitou reunir por categorias as representações emitidas pelos estudantes do ensino fundamental de nossa amostra. Por esse procedimento, adotamos a seguinte categorização: atividade cognitiva (conhecimento, raciocinar melhor, inspiração); descanso (tranquilidade, relaxamento, calma, paz); descontração (alegria, barulho, diversão, distração); sentimento (amor, felicidade, paixão, emoção); expressão (arte de dançar, mover o corpo, dança, movimento); sentido prático (cotidiano, estilo de viver, ação); atividade mnemônica (lem-

18

Cf. discussão em MORAES, J. G. V. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, 2000.

19

CHARTIER, R. O mundo como representação. Estudos Avançados, v. 5, n. 11, p. 173-191, jan./abr. 1991.

20

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a.

21

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antônio Reto e Augusto Pinheiro. 5. ed. Lisboa: Edições 70, 2010.

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brança); valores sociais (afinidade, família, amizade, liberdade), conforme o QUADRO 3, de ambas as escolas.

QUADRO 3. Música, categorias e representações. IDENTIFICAÇÃO

CATEGORIAS

REPRESENTAÇÃO

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluna do 8º ano, escola “B”, fev/2012.

Isso, quando eu tô com muita raiva, eu escuto Descanso, Descontração e Senso uma música bem pesada, e quando eu tô bem alegre ouço uma música bem alegre, Prático bem alegre mesmo, mas fora disso eu escuto eu escuto uma música mais romântica, mais calma.

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluna do 7º ano, escola “B”, fev/2012.

Sentimento e Descontração

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluna do 9º ano, escola “B”, fev/2012.

Descontração, É música pra mim é uma coisa que eu possa Atividade Mnemônica me divertir e me distrair, porque sei lá, uma e Sentimento hora tu tá escutando uma música eletrônica e tá se divertindo, outra hora tá deitado, com teu fone, você tá só no seu mundo, isso pra mim é um mundo, ou eu posso tá me distraindo pensando, ou eu posso tá chorando, varia muito [...].

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluno do 9º ano, escola “B”, fev/2012.

Descontração

Música significa muita coisa, é uma coisa que eu gosto, que me divirto, e entre outras coisas me distrai. É, várias outras coisas, [...].

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluno do 9º ano, escola “A”, 2011.

Atividade Cognitiva e Senso Prático

Eu gosto da música, inspira a gente fazer várias coisas. De se vestir, levar o dia, o dia a dia.

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluno do 7º ano, escola “A”, 2011.

Descanso e Senso Prático

A música de vez em quando ela me acalma, me deixa mais tranquilo pra fazer algumas coisas

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluno do 9º ano, escola “B”, fev/2012.

Descanso e Senso Prático

Às vezes ela passa uma mensagem de paz, de calma, mas depende da música. É assim, várias de Legião Urbana

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluna do 8º ano, escola “B”, fev/2012.

Atividade Mnemônica Música pra mim é lembrar muitos amigos, e Valores Sociais porque os amigos escutam aquela música, ficam focados naquela música, e de repente, [...] é tipo ele gosta da mesma música, então começo a me lembrar dele.

ESTUDANTE, Grupo de Discussão, Aluna do 8º ano, escola “A”, 2011.

Senso Prático

A música me faz triste, alegre e curtir também.

É, não me altera nada no modo de se vestir, de falar, de nada. Mas o que a letra descreve lá altera no meu dia a dia. O modo de ser no meu dia a dia.

Fonte: Quadro produzido pela pesquisadora, 2012.

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Constatamos que grande parte dos estudantes (68,57%) emitiu apenas uma representação, enquanto outros estudantes (31,25%) descreveram mais de uma consideração. A maioria dos estudantes (36,15%) descreveu que a música representava descontração. A música também esteve relacionada aos sentimentos (20,67%). Para outros estudantes (19,23%), a música representava descanso. Um número considerável (7,7%) forneceu informações de que a música representava expressão. Vale destacar que alguns a relacionaram aos valores sociais (3,84%), sentido prático (3, 84%) e atividade cognitiva (3,1%). Com relação à música, concordamos ser uma forma de expressão do pensar e do sentir comungada por pessoas de determinada época. A música se constitui em importância para as pessoas no tocante ao prazer, mas pode ser também veículo de conscientização e informação; porém, observamos a quase subordinação da música à lógica de consumo, e isso tem implicado numa difusão cultural atrelada à mercantilização. Aos moldes do mercado, a música ganhou o sentido de um produto a ser consumido. O sentido mercadológico da música provoca implicações na formação tanto cultural como pessoal de uma criança ou adolescente. Ela afeta a formação das crianças em todas as dimensões da formação desses agentes: na sexualidade, vocabulário e interfere na cognição de crianças e adolescentes.22 Existem discussões sobre a linguagem musical como meio de difusão, especialmente no tocante ao hip-hop.23 A propagação do movimento pela música se deu não só pelo conteúdo como também pelo novo estilo que difundia.24 Desse modo, a música não está totalmente desprovida de 22

Cf. este argumento em BERTONI, L. M. Arte, indústria cultural e educação. Cadernos Cedes, ano 21, n. 54, 2001.

23

O hip-hop é um movimento que surgiu nos Estados Unidos, mais especificamente na periferia de Nova York. Está muito próximo ao gênero musical chamado de toast, de origem jamaicana, que irá contribuir decisivamente para o surgimento do rap. A cultura hip-hop teve origem nas iniciativas para dirimir as guerras e disputas travadas entre gangues de Nova York, na década de 1970. (FERREIRA, R. E. Q.; COELHO, W. N. B. A apresentação do movimento hip-hop organizado na imprensa de Belém: construindo parte de uma opinião pública: 2004-2007. In: COELHO, W. N. B. (Org.). Educação e relações raciais: conceituação e historicidade. São Paulo: Livraria da Física, 2010. p. 67-126).

24

FOCHI, M. A. B. Hip-Hop brasileiro: tribo urbana ou movimento social? FACOM, n. 17, p. 61-69, 2007.

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intencionalidade; ela também pode exercer influências na vida das pessoas. Os relatos dos estudantes apontam para uma parcial distinção que eles apresentam dos signos da música em alguns dos seus componentes. A letra foi identificada como uma das partes mais citadas pelos estudantes na identificação de uma música.25 Por essa razão, a letra parece constituir um dos elementos motivadores sobre a frequência na escuta da música. Na nossa pesquisa, junto aos estudantes das Escolas “A” e “B” – e no tocante ao aspecto principal de atenção deles no que concerne à música –, a batida é elemento central destacado e somente depois a letra e outros elementos. Eis um exemplo ilustrativo:

QUADRO 4. Música e importância IDENTIFICAÇÃO ESTUDANTE do 7º ano, Grupo de Discussão, Escola “A”, fev/2011. ESTUDANTE do 9º ano, Grupo de Discussão, Escola “B”, fev/2012. ESTUDANTE do 7º ano, Grupo de Discussão, Escola “A”, fev/2011.

GRAU DE IMPORTÂNCIA Batida

Batida, Melodia, ritmo.

Letra, voz, estilo, batida.

REPRESENTAÇÃO A batida que é legal. É, antes de eu ver a tradução eu ouço a música e vou analisando assim: vou escutando, vou gostando da música. São muitas coisas diferentes: a melodia que transmite grande empolgação; o ritmo de diferentes culturas é muito legal. Mas, pra mim, a batida importa muito. A letra, a voz do cantor, o estilo dele, o tipo de batida, o tipo de música, também.

Fonte: Quadro produzido pela pesquisadora, 2012.

Solicitamos aos estudantes a lista de dez músicas nacionais por ordem de predileção. Nessa questão, o número de músicas foi bastante diversificado. Mas podemos inferir que algumas se destacaram. Assim, elencando quatorze músicas que obtiveram entre 20 e 103 ocorrências, obtivemos a seguinte ordem: Levo comigo (145), Recomeçar (105), Meteoro (87), Rebolation (58), Negro

25

Resultado similar encontrado nesse estudo de: BARBOSA, K. J.; FRANÇA, M. C. C. Estudo comparativo entre a apreciação musical direcionada e não direcionada de crianças de sete a dez anos em escola regular. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 22, p. 7-18, 2009.

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drama (43), Só rezo (35), Tentativas em vão26 (32), Sinais (27), Faz um milagre em mim (26), A usurpadora (26), Eu quero só você (22), Tá vendo aquela lua (61), Garota radical (20), Fugidinha (38), Pra você lembrar (21). Existem aqui algumas contradições, pois as predileções das músicas dos estudantes não se coadunam com as suas predileções dos gêneros apontados acima.

GRÁFICO 3. Músicas nacionais – em grau de importância 3%

3%

3% 19%

3% 3% 4% 4% 5%

14%

5% 6% 12%

8% 8%

LEVA COMIGO (19%)

TENTATIVAS EM VÃO (4%)

RECOMEÇAR (14%)

SINAIS (4%)

METEORO (12%)

FAZ UM MILAGRE EM MIM (3%)

TÁ VENDO AQUELA LUA (8%)

A USURPADORA (3%)

REBOLATION (8%)

EU QUERO SÓ VOCÊ (3%)

NEGRO DRAMA (6%)

PRA VOCÊ LEMBRAR (3%)

FUGIDINHA (5%)

GAROTA RADICAL (3%)

SÓ REZO (5%)

Fonte: Gráfico produzido pela pesquisadora, 2010/2011.

Pedimos aos estudantes, por ordem de preferência, que enumerassem os critérios utilizados para ouvir músicas. Foram propostos aos estudantes oito critérios: batida pesada, arranjo musical, ser muito executada, mensagem, humor, quem a canta, coreografia e sensualidade, além da possibilidade de elencarem outros critérios. Assim, obtiveram-se três critérios com maior número de ocorrência: dentro dos critérios de primeira escolha “batida pesada” (61), entre os da segunda escolha “quem canta” (48), e na terceira se repetiu “quem canta” (29).

26

As músicas mais ouvidas, seus gêneros e executores: Levo comigo (Restart) – Pop; Recomeçar (Restart) – Pop; Meteoro (Luan Santana) – Sertanejo; Só rezo (Nx Zero) – Rock; Rebolation (Parangolé) – Axé; Negro drama (Racionais MCs) – Rap; Tentativas em vão (Garota Safada) – Forró.

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Em outra questão, convidamos os estudantes para elaborarem uma lista de dez cantores nacionais. Desse modo, elencamos dez artistas/bandas que foram mais referenciados,27 quais sejam: Luan Santana (183), Restart (161), Di Ferreiro (85), Ivete Sangalo (128), Banda Cine (77), Fernandinho (58), Cláudia Leite (121), Exaltassamba (92), Leo Santana (54), Joelma (49).28 Identificamos que os artistas que ocupam os três primeiros lugares são cantores/bandas com projeção nacional de pouco mais de dois anos na indústria fonográfica,29 dado que precisa ser aprofundado no decorrer da pesquisa.

GRÁFICO 4. Cantores nacionais – em grau de preferência 200 150 100 50 0

JOELMA

LÉO SANTANA

FERNANDINHO

BANDA CINE

DI FERREIRO

EXALTASAMBA

CLÁUDIA LEITE

IVETE SANGALO

RESTART

LUAN SANTANA

Fonte: Gráfico produzido pela pesquisadora, 2010/2011.

Solicitamos aos estudantes a lista das dez músicas internacionais de sua predileção, caso sua resposta fosse afirmativa à questão. Nessa questão, 27

Como os estudantes fizeram referências à banda Calypso e à cantora Joelma, faremos a soma dessas duas ocorrências, considerando o nome do artista. O mesmo equivale à banda Parangolé e Leo Santana; e Nx Zero e Di Ferreiro, prevalecendo o nome do artista.

28

Os cantores escutados e seus gêneros: Luan Santana – Sertanejo; Restart – Pop; Di Ferreiro (Nx Zero) – Rock; Ivete Sangalo – Axé Music; Banda Cine – Pop/Rock; Fernandinho – Gospel; Cláudia Leite – Axé Music; Exaltassamba – Pagode; Leo Santana – Axé; Joelma (banda Calypso) – Calypso.

29

ROLNIK, S. Despachos no museu: sabe-se lá o que vai acontecer... Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 3-09, 2001; COELHO, L. F. H. Que Tchan é esse?: indústria e produção musical no Brasil dos anos 90. Revista de Antropologia, v. 48, n. 1, p. 393-399, 2005.

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67 (25,96%) declararam não ouvir música internacional, enquanto apenas 3 (1,16%) não responderam. Nos questionários foram arroladas as músicas internacionais indicadas pelos alunos, das quais listamos dez músicas destacadas. Por ordem de ocorrência, temos: Baby (132), Bad romance (106), Never say never (90), Paparazzy (79), Alejandro (75), One time (82), Poker face (62), Telephone (55), Somebody to Love (51) e Single Ladies (32). Na questão de número oito, 20,93% declararam não ouvir nenhum cantor internacional e 2,71% não responderam ao requerido.

GRÁFICO 5. Músicas internacionais – em grau de preferência 11%

29%

18%

22% 20%

BABY (29%) POKER FACE (22%) TELEPHONE (20%) SABEBODY TO LOVE (18%) SINGLE LADIES (11%)

Fonte: Gráfico produzido pela pesquisadora, 2010/2011.

Entre aqueles referenciados, podemos destacar 10 cantores/bandas na seguinte ordem: Lady Gaga (232), Justin Bieber (228), Beyoncé (188), Rihanna (113), Shakira (112), Katy Perry (109), Michael Jackson (79), Paramore (64), Anahi (48), Dulce Maria (44). Esse resultado denota a presença evidente da música norte-americana na preferência musical dos estudantes, tanto pelas músicas quanto pelos cantores, impulsionada em grande medida por meio das redes sociais e pelos processos hipermidiáticos.30 30

No sentido de: JÚNIOR ZANCHETTA, J. Estudos sobre recepção midiática e educação no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 101, p. 1455-1475, set./dez. 2007; ENSKI, V. M. Educação e comunicação: interconexões e convergências. Educação & Sociedade, v. 29, n. 104, p. 647-665, 2008.

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Capítulo 6 Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades

GRÁFICO 6. Cantores e bandas internacionais – grau de importância 300

200

100

0 LADY GAGA

JUSTIN BIBER

BEYONCÉ

RIHANNA

SHAKIRA

KATY PERRY

MICHAEL PARAMORE JACKSON

ANAHI

DULCE MARIA

Fonte: Gráfico produzido pela pesquisadora – 2010/2011.

Ponto de partida e chegada Os dados inicialmente coletados e analisados parecem remeter mais aos processos acima aludidos e ao mercado fonográfico31 e menos às problematizações incididas pela escola no conteúdo consumido pelos estudantes e socializado no âmbito escolar. O universo musical dos estudantes, em primeira análise, parece se constituir por músicas e cantores relacionados aos canais abertos e fechados de televisão e aos diversos meios midiáticos, nos últimos três anos. De acordo com a pesquisa em tela, as músicas e os cantores prediletos nem sempre coadunam com o gênero escolhido, e sua motivação principal parece ser a batida forte, especialmente a paraense tecnomelody, quase exclusivamente executada por cantores da região Norte. Podemos destacar a música norte-americana com expressiva influência no cenário musical brasileiro. Ressaltamos, porém,

31

Conferir discussão sobre esse mercado em: FATARELI, U. A influência da teologia da libertação em composições musicais protestantes brasileiras. Cadernos CERU, v. 19, n. 2, p. 129-156, 2008; NAKANO, Davi. A produção independente e a desverticalização da cadeia produtiva da música. Gestão & Produção, v. 17, n. 3, p. 627-638, 2010.

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alguns cantores internacionais que concentraram o maior número de frequência, o que não se verifica nos cantores nacionais; esses últimos parecem mais diversificados. Em outros estudos,32 os resultados ratificam parte de nossas conclusões preliminares. Nessas duas escolas examinadas também se evidenciou a constatação do caráter pedagógico da mídia, que “ensina” papéis sociais carregados de significados determinados igualmente pelos habitus33 incorporados e manifestos nessas representações sobre o estilo musical dos estudantes. Evidenciamos dois critérios mais utilizados para se ouvir música: batida pesada, como a mais referenciada e primeira escolha e, em segundo, quem canta. Esses dois índices podem revelar, ao que se supôs no parágrafo anterior, que as preferências musicais estão relacionadas a cantores circulantes no espaço recente no universo musical, porque a música ganhou o caráter de um “bem simbólico”.34 No entanto, vale ressaltar uma certa ambiguidade nas preferências musicais dos estudantes: se, por um lado, o rol de músicas constantes em seu consumo corresponde às ofertas do mercado fonográfico; por outro, elas parecem obedecer a uma possível identificação, dada a importância que delegam a um gênero “local”, o tecnomelody, especialmente na escola pública – a admissão fora constatada por meio da “batida” desse gênero. Sobre esse aprimoramento das qualidades artísticas e o impulso que ele dá à formação dos estudantes, constatou-se um consumo fruído pelos

32

SUBTIL, M. J. D. Mídias, músicas e escola: a articulação necessária. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 16, p. 75-82, 2007.

33

Vide desdobramentos analíticos acerca desses conceitos em BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a. BOURDIEU, P. As regras da arte: gênese e estrutura de campo literário. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2002ª; BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 6. ed. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996; VASCONCELOS, M. D. Pierre Bourdieu: a herança sociológica. Educação & Sociedade, ano 33, n. 78, p. 77-87, abr. 2002. NOGUEIRA, M. A.; Catani, A. Pierre Bourdieu: escritos de educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

34

No sentido de BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a.

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Capítulo 6 Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades

estudantes por um produto musical que atende ao apelo hipermidiático,35 o qual comercializa uma representação específica de uma cultura juvenil e cuja circulação de bens encontra-se nos meios midiáticos – essa lógica vem ao encontro das demandas daqueles que o consomem. Não se trata de um consumo sem aquiescência do consumidor. Tal circulação é experimentada no Brasil em uma situação contraditória, pois se aprecia, nos últimos vinte anos, uma modernização da cultura com o fortalecimento de uma sociedade de consumo, cuja ampliação atingiu o mercado de bens simbólicos e materiais, mas que, porém, não foi acompanhado por uma modernização social. Com isso, os estudantes se inserem em circuitos de informações e recebem e ou interferem no apelo da cultura de consumo imediato, a qual estimula sonhos e fantasias, identidades e os mais variados modelos e valores de humanidade, sem uma problematização da escola nesse processo de formação.36 Em tal perspectiva, a escola pode educar para e com a mídia, ou seja, tomando-a como objeto de estudo e como ferramenta pedagógica.37 A formação para os princípios da autonomia, dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito supõe debater a percepção dos conceitos, preconceitos e conhecimentos que os estudantes trazem de sua vida extramuro escolar. A inclusão de outros repertórios e novas configurações de fruição e expressão devem configurar conhecimentos e significados diversos com os quais a música dialoga, especialmente a que é veiculada no cotidiano dos estudantes nas suas representações identitárias.

35

MELLO, C. Arte e novas mídias: práticas e contextos no Brasil a partir dos anos 90. ARS, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 115-132, 2005.

36

COELHO, W. N. B.; GONÇALVES, J. S.; BELÚCIO, M. A. L. Ensino Fundamental e a questão étnico-racial: o uso da música e do filme como suporte didático. In: COELHO, W. N. B.; SOARES, N. J. B (Org.). Visibilidades e desafios: estratégias pedagógicas para abordagens da questão étnico-racial na escola. Belo Horizonte: Mazza, 2011. p. 15-47.

37

Conferir estudos de SUBTIL, M. J. D. Mídias, músicas e escola: a articulação necessária. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 16, p. 75-82, 2007.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

Conclusões Tem uma menina na minha sala que praticamente ninguém liga pra ela. A gente já tentou falar com ela assim. Mas ela é até bacana, mas, assim, ela não se ajunta. A gente já chamou para ela vir para nosso grupo (mas) ela é muito fechada. Ela não é bonita. [...], ela é morena, quase do meu tamanho assim..., negra. Ela tem baixa visão, senta bem na frente. Usa óculos, [...]. Ela tenta se arrumar. A gente até já tentou. Só que assim, ela vai um dia depois ela “não, não quero mais”. E ela acaba ficando no lugar dela lá quietinha sem ninguém mexer com ela. Os meninos tiram muito sarro dela. [...]. Não quer se agrupar. Ela acha que ela não se encaixa em nenhum grupo. Ela acha que fica melhor só ela, só naquele lugar, entendeu? Daí é meio complicado. Isso ela tem muita vergonha, ela é muito tímida.38

As informações e as reflexões concluídas até o momento permitem a formulação de algumas considerações, com vistas à elaboração de uma proposição interpretativa mais ampla. O mais importante, porém, é o fato de que elas encaminham novas questões a serem aprofundadas. Os dados reunidos, relativos ao universo estudado, sugerem que as escolhas musicais não se dão num vazio. Por um lado, elas obedecem a uma lógica de sociabilidade; por outro, à construção de representações sobre o mundo. No primeiro caso, os ritmos agitados e dançantes, próprios para as expressões coletivas de diversão, são privilegiados. No segundo caso, além do ritmo, as preferências parecem se encaminhar para letras que emoldurem um mundo sem limitações de qualquer ordem, no qual o sentimento e suas expressões constituam os limites possíveis. Os adolescentes distinguem músicas para dançar e socializar com os amigos das músicas para ouvir e pensar. As músicas identificadas como as mais consumidas compõem o primeiro grupo, as que reportamos como consumo restrito, o segundo. A distinção pode parecer óbvia, mas ela esconde outras distinções.

38

Ariadne – Grupo de Discussão Escola “B” 2012.

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Capítulo 6 Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades

Os adolescentes que participaram do grupo de discussão reconheceram a existência de alguns grupos entre eles: os “nerds”, os “populares”, as “patricinhas” e os “malacos”. Todos consomem as músicas mais tocadas e as associam aos momentos de socialização e diversão; elas têm uma função: permitir a curtição – a socialização e a diversão: dançar, “ficar” e rir. Os grupos, no entanto, apontam comportamentos restritos, com reflexos no universo escolar. Os “nerds” e as “patricinhas” são considerados (e se consideram) estudiosos. Enquanto os primeiros gostam de rock, as segundas gostam de pop. Os “populares” são aqueles que transitam de um grupo a outro e, da mesma forma, consomem músicas sem restrição de gênero. Os “malacos” são vistos como os adolescentes que vivem no limite dos comportamentos aceitáveis, dentro e fora da escola – são associados à malandragem, à transgressão – e consomem rap.39 Esses são os grupos expressivos, os que se sobressaem em meio ao que os próprios adolescentes consideram como uma massa sem definições aparentes. Instados a reportarem o que os identifica aos tipos de música de cada grupo, os adolescentes deram conta das formas pelas quais compreendem o mundo e estabelecem uma hierarquia, dentro e fora da escola. As justificativas que apresentam para a predileção por essa ou aquela música e para as formas de consumo – nas festas, nas baladas, entre os amigos, etc. – acabam por esclarecer sobre a relação que estabelecem com o mundo à sua volta e como o leem. A cor e os seus desdobramentos, finalmente, aparecem. Das “patricinhas”, de um lado, aos “malacos”, do outro, constitui-se uma ordem social complexa. O consumo musical dá conta dessa ordem e reflete as suas

39

Sobre a expressão em perspectivas diferentes, cf. SILVA, V. G. B.; SOARES, C. B. As mensagens sobre drogas no rap: como sobreviver na periferia. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n. 4, p. 975-985, 2004; SILVA, A. L. Música rap: narrativa dos jovens da periferia de Teresina/PI. Imaginario, v. 12, n.13, p. 83-112, 2006; ZENI, B. O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva. Estudos Avançados, ano 20, v. 18, n. 50, p. 225-241, 2004; MAHEIRIE, K.; HINKEL, J. Rap: rimas afetivas da periferia: reflexões na perspectiva sócio-histórica. Psicologia e Sociedade, v. 19, p. 90-99, 2007; KEHL, M. R. Radicais, raciais, racionais a grande frátria do rap na periferia de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, ano 12, v. 13, n. 3, p. 95-106, 1999.

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escalas. O consumo das “músicas do momento” indica uma de suas dimensões – o fazer parte. Conhecer as músicas “do momento” é fundamental para o estabelecimento de sociabilidades, para poder transitar nas festas e baladas, para ter o que falar com os colegas e, principalmente, para conseguir parceiros. Para “ficar” é importante saber dançar, saber cantar, reconhecer as músicas. Ao final, para a maioria dos estudantes, como disse a estudante no início deste capítulo, música “é tudo”. Para o estabelecimento de cumplicidades, de relações de amizade e, sobretudo, de identificação, no entanto, as “do momento” não são determinantes. Um dos exercícios que propiciamos ao grupo de discussão foi que os alunos aplicassem aqueles índices aos grupos que eles mesmos identificaram. Rapidamente, os alunos apontaram o grupo dos “nerds” e o grupo das “patricinhas” como aqueles formados pelos mais bonitos, geralmente brancos e pardos, com predominância dos primeiros. O grupo dos “populares” era formado também por brancos e pardos, com predominância dos segundos. O grupo dos “malacos”, por sua vez, era visto como sendo formado por pretos e pardos. Ficou claro que os adolescentes compartilham uma visão hierárquica, expressa no valor e no lugar dos grupos e nos conceitos de beleza. Essa visão é compatível com um dos princípios da hierarquia da cor no Brasil, conforme ela é apresentada por diversos autores – na qual o branco e o negro representam os polos de um gradiente indicador do lugar social de cada um – ou a sua destituição. Este depoimento parece elucidativo: “Ele se vê como negro. Mas eu não acho que ele seja negro porque ele age do mesmo modo que as outras pessoas agem também” (Amanda – Grupo de Discussão – Escola “A”, 2011). As variáveis sugerem, ainda, que as escolas não interagem com o universo dos estudantes. A opção registrada parece a submissão – pois, a despeito da recusa aos ritmos40 e a não valorizá-los, integra em suas atividades sob o mesmo diapasão do universo extramuros escolares. Mas a música e a cor parecem flutuar, absolutas, sob a ideia de hierarquia entre estudantes. Essa hierarquia

40

Professores e técnicos foram ouvidos e unanimemente fizeram ressalvas aos ritmos consumidos pelos estudantes – em ambas as escolas, mas, sobretudo na escola “A”.

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Capítulo 6 Estudantes negros: notas preliminares sobre preferências musicais e sociabilidades

da cor se concretiza nas escolas de modo simbólico, mas possível de se observar – é isto: é ambíguo mesmo. A leitura que os alunos fazem do desempenho possível dos colegas decorre dela. As noções de sucesso e desempenho, conforme a discussão em grupo deixou claro, estão associadas aos padrões de beleza e aos índices de cor – quanto mais claro maiores as possibilidades de sucesso dentro e fora da escola, vale o retorno à fala da aluna da Escola “A” quando instada sobre essa dimensão no início desta conclusão. Ela se concretiza da mesma forma na relação que estabelecem com a música: para dançar, para curtir, os gêneros e os artistas têm pouca importância, a batida, conforme definiram, é fundamental; para estabelecer identificações, para expressar ideias e sentimentos; no entanto, a imagem dos artistas tem quase o mesmo peso que as mensagens das letras e aqui, mais uma vez, a hierarquia da cor é acionada. As conclusões que alcançamos até o momento sugerem desdobramentos. Em primeiro lugar, consolida-se a ideia de que as periferias merecem estudos circunstanciados. Há um conjunto significativo de pesquisas que dão conta do que ocorre no Centro-Sul do país. Entender outras realidades é fundamental para se compreender a diversidade vivida nos limites do território. Aprofundar os estudos sobre o universo educacional amazônico parece, então, essencial para que essa diversidade seja compreendida. Tais questões exigem, a partir de agora, aprofundamento. Entendê-las será o próximo passo da pesquisa.

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Capítulo 7

O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-“racial”1

No Brasil, a prática discriminatória se institucionaliza no cotidiano, uma espécie de direito consuetudinário, evidenciado entre outros lugares pelo senso comum, por exemplo [...].2

1

Artigo originalmente publicado em Coleção Contextos da Ciência, São Paulo. Educação e Relações Raciais, 2010, p. 11-33.

2

SILVA, P. V. B.; COSTA H.; MINDAL, C. B. NEAB-UFPR e a formação continuada em história e culturaafrobrasileiras: notas introdutórias. In: SILVA, P. V. B.; COSTA H. Notas de história e cultura afro-brasileira. Ponta Grossa: Ed. UEPG/UFPR, 2007. p. 18.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

Este texto esboça, sumariamente, as atividades do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais” (GERA), sua inter-relação com a formação continuada e com o ensino, a pesquisa e a extensão. Pretendemos apresentar a sua trajetória, iniciada no ano de 2006, a partir dos trabalhos de pesquisa e ensino, relacionando sua consonância com a missão da universidade e com o disposto no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-“Raciais” e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Desse modo, o objetivo precípuo do núcleo reside no aprofundamento do conhecimento sobre relações étnico-“raciais”, na análise de questões relacionadas à formação educacional e cultural contemporânea a partir da realidade amazônica. Entendemos a importância da educação para a construção de novas expectativas e relações sociais mais respeitosas no sentido lato do termo. Ao longo dessas pesquisas, observamos o lugar do professor e das licenciaturas na formação de “massa crítica”. Ainda que saibamos que a educação somente não responde pelas mazelas sociais – temos clareza disso, no entanto, reconhecemos a importância de uma formação consistente –, professores qualificados e compromissados podem alterar positivamente a vida acadêmica de seus alunos e esses de outros com quem interagirão no futuro. Concordamos com Carlos Libâneo,3 para quem a função específica de conhecimentos, como produtora de conhecimento e prestadora de serviços, é o ensino. “não existe ensino em geral, existe ensino na sala de aula [...]. Ou seja, se o aluno 3

LIBÂNEO, Carlos. O ensino de graduação na Universidade: aula universitária. Disponível em: <http:// www.ucg.br/site docente/edu/libaneo/pdf/ensino/pdf>. Acesso em: 22 maio 2012.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

aprende a ser profissional e cidadão na sala de aula [...]. É na sala de aula que os professores exercem sua influência direta sobre a formação e o comportamento dos alunos”. Com esse propósito, trabalhamos na formação de alunos das licenciaturas – nos vários níveis de ensino, com a certeza de que, por mínimo que possa parecer esse movimento frente a tantas dimensões estruturais, ele poderá subverter certas ações improvisadas na ação docente – há de se enfrentar a temática – relações “raciais” com suporte teórico-metodológico específico, de modo a subverter certas práticas racistas (em consonância com as afirmações de Paulo Vinicius B. Silva, no início deste capítulo) – na escola e universidade: como constatamos nos anos de pesquisa entre 1998 e 2012. Nesse sentido, o GERA integra e colabora na consolidação de discussões e análises mais amplas no processo de reflexão sobre as relações étnico-“raciais”, e sua inserção e importância no universo da escolarização e da formação humana. Para tanto, promove a reunião de professores da Educação Básica da rede pública e particular de ensino, de pesquisadores, de especialistas, de estudantes de graduação e de pós-graduação de diversas áreas do saber, provenientes de diferentes instituições de ensino superior, especialmente do campo educacional, com o objetivo de debater questões que, atualmente, estão sob o impacto das representações acerca de “raça”, etnia, preconceito “racial” e suas implicações no processo educacional, especialmente quando relacionadas à formação de professores.4 Destarte, o núcleo desenvolve suas atividades por meio de formação, discussão, divulgação e projetos de pesquisa.5 A formação consiste em reuniões mensais6 para a leitura e debate da literatura especializada sobre relações étnico-“raciais” 4

COELHO, W. N. B. A cor ausente: um estudo sobre a presença do negro na formação de professores: Pará, 1970-1989. 2. ed. Belo Horizonte: Mazza, 2009.

5

Aqui nos ancoramos no que diz o art. 3º,§4º, da Resolução nº 01/2004 do Conselho Nacional de Educação: “os sistemas de ensino incentivarão pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesquisas de mesma natureza junto aos povos indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases temáticas para a educação brasileira” (BRASIL. Ministério da Educação/SECAD. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Presidência da República, Casa Civil).

6

No 2º semestre de 2009, as reuniões ocorreram aos sábados, com o objetivo de atender seu alvo principal: professores da Educação Básica.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

e educação. A problematização e a divulgação da temática se realizam por meio de seminários anuais que buscam reunir o público acadêmico e não acadêmico, promovendo discussão, seção de pesquisas e sugerindo encaminhamentos com relação à compreensão da diversidade cultural em todas as modalidades de ensino. O objetivo desses referidos eventos é fomentar a discussão sobre os novos marcos legais para a educação das relações étnico-“raciais”, formação docente e Educação Básica, por considerar que a produção de uma educação antirracista tem que passar pelo tripé: Formação Inicial, Formação Continuada e Legislação. Concomitante às demais atividades arroladas, o GERA desenvolve pesquisas7 com a participação de parte de seus integrantes, perscrutando o campo da Educação Básica com o objetivo de analisar as categorias dos agentes escolares – professores, técnicos e alunos – acerca de termos como “raça”, etnia, preconceito e discriminação “racial” no universo escolar, de modo a vislumbrar como os novos marcos legais para o trato da questão étnico-“racial”8 têm sido

7

Entre as pesquisas, ressaltamos o intercâmbio do GERA com o Ações Afirmativas da UFMG, ao lado do qual coordenamos a pesquisa na região Norte, em 2009, financiada pela UNESCO e pelo Ministério da Educação (MEC), coordenada nacionalmente pela professora doutora Nilma Lino Gomes. Entre os objetivos da referida pesquisa, encontra-se o mapeamento das escolas brasileiras nas quais são desenvolvidas práticas pedagógicas voltadas à discussão das relações étnico-“raciais” em sala de aula. Os relatórios produzidos por pesquisadores de cada região do Brasil contiveram as experiências em execução, cujos resultados servirão para balizar a formulação de políticas públicas advindas do MEC e da UNESCO sobre a implementação da Lei nº 10.639/2003. Além desse intercâmbio, o GERA tem estabelecido interlocuções profícuas com os Núcleos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Amapá e da Universidade Federal do Tocantins (BRASIL. Ministério da Educação/SECAD. Lei nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003. Secretaria Municipal de Educação. Diário Oficial da União, 10 jan. 2003).

8

A Lei nº 10.639/2003 que alterou a Lei nº 9.394/96 (e recente da primeira, a Lei nº 11.645/2008); o parecer CNE/CP 003/2004 e a resolução CNE/CP 01/2004, em consonância com as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-“raciais” e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana (2004); Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-raciais (2006) e com o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (2009) (BRASIL. Ministério da Educação/SECAD. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, out. 2004; BRASIL. Ministério da Educação/SECAD. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e africana. jun., 2009).

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

implementados nessa modalidade de ensino. As pesquisas se concentram no estudo das práticas pedagógicas de agentes escolares no Ensino Fundamental. A partir de suas atividades, o GERA contempla três polos fundamentais: formação, divulgação-discussão e pesquisa. Tais polos se desdobram em objetivos: a) estímulo à produção de massa crítica, por meio das reuniões e discussões mensais, balizadas pela literatura especializada no campo das relações “raciais” e educação; b) promoção de momentos de divulgação e reflexão de âmbito público, como os Seminários anuais, divulgando pesquisas e encaminhando soluções nesse campo de estudo; c) fomento de pesquisas, contribuindo com novas reflexões, principalmente na relação entre os novos marcos legais, formação docente e a Educação Básica. A seguir detalharemos esses objetivos e a trajetória por meio da qual o GERA busca alcançá-los.

No que tange à pesquisa A pesquisa realizada no âmbito do doutoramento realizada pela coordenadora, entre 2002-2005 – posteriormente publicada –, foi o “ponto de partida” para o trabalho. Naquela pesquisa, analisando os processos de formação de professores e suas implicações para a educação das relações “raciais”, tornou-se patente a incipiência9 de pesquisas sobre a questão étnico-“racial”, ao menos no cenário paraense e amazônico. Diante daquela constatação,10 empreendemos pesquisas que procuram analisar a forma como a diversidade cultural tem sido objeto de discussão, pedagogicamente orientada, nos 9

Cf. argumento em: MIRANDA, C.; AGUIAR, F. L.; DI PIERRO, M. C. (Org.). Bibliografia básica sobre relações raciais e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

10

De acordo com pesquisa realizada em 2002, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), no período entre 1990 e 1998, dos 834 trabalhos de dissertações e teses defendidas, 60 (7,1%) tratavam de formação de professores. Dentre essas, apenas uma dissertação, de 1993, relacionava-se à formação inicial e questões étnico-“raciais”. Os estudos de Claudia Miranda, dois anos mais tarde, ratificaram tal ausência. Dessa vez, mapeando o volume dos trabalhos, o maior número encontra-se em trabalhos pontuais. Segundo a autora, carece de pesquisas circunstanciadas que abordem tal temática. Em 2009, em pesquisa já mencionada, financiada pela UNESCO e MEC, ratificou-se, principalmente, em nível regional, que há necessidade de ampliação desses estudos de forma adensada.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

quadros da Educação Básica, bem como investigamos as representações dos alunos acerca de “raça”, etnia, diferença, preconceito e discriminação “racial”, tendo em vista o contexto de promulgação dos novos marcos legais que regulamentam a inclusão de temáticas nos currículos de todas as modalidades de ensino, em especial, do ensino básico, relacionadas à História da África e Cultura Afro-Brasileira. Constituem pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo GERA:

QUADRO 5. Práticas pedagógicas na perspectiva da Lei nº 10.639/2003 (Região Norte) Nº

TÍTULO

1

Diferença e etnia no universo escolar: um estudo sobre os atores e conteúdos étnicos na Educação A escola e a questão “racial”: um estudo sobre as representações dos agentes da escola sobre os conteúdos étnico-culturais O curso de pedagogia e questão étnico“racial”: um estudo sobre as representações dos estudantes sobre os conteúdos étnicoculturais O poder da palavra: um estudo sobre as representações dos agentes sobre cor e preconceito “racial” As relações “raciais” e a escola no âmbito dos novos marcos legais: a problemática amazônica

2

3

4

5

6

Dimensões da inclusão no Ensino Superior: um estudo sobre estudantes cotistas na UFPA

COORDENAÇÃO Rosa Elizabeth Acevedo Marin (NAEA-UFPA)

ANO 2005 -2007

Wilma de Nazaré Baía FIDESA Coelho (UFPA)

Concluída

2006 -2007

Wilma de Nazaré Baía PROINTCoelho (UFPA) UFPA

Concluída

2006 - 2007

Wilma de Nazaré Baía PARD Coelho (UFPA) UFPA

Concluída

2006 - 2007

Wilma de Nazaré Baía CNPq Coelho (UFPA)

Concluída

2008 - 2010

Wilma de Nazaré Baía PROEXCoelho (UFPA) UFPA

Concluída

2009

Concluída

2009

Wilma de Nazaré Baía FIDESA Coelho (UFPA)

Concluída

2009 - 2010

Wilma de Nazaré Baía FIDESA Coelho (UFPA)

Concluída

2010 – 2011

Wilma de Nazaré Baía CNPq Coelho (UFPA)

Em andamento

2010 - atual

Nilma Lino Gomes (UFMG)

CNPq

SITUAÇÃO Concluída

7

Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-“raciais” na escola na região Norte: perspectiva da Lei 10.639/2003 (REGIÃO NORTE) 8 As relações “raciais” e a escola no estado do Pará: análise dos processos escolares no âmbito dos novos marcos legais 9 Diversidade Cultural na escola – um estudo sobre os impactos da Lei 10.639/2003 no Ensino Fundamental 10 Valores e hierarquias entre estudantes de Belém do Pará: cor, “raça” e preconceito

FINANC.

MEC/ SECAD/ UNESCO

Fonte: Arquivos da Coordenação do Núcleo GERA (2006/2012).

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

O trabalho de pesquisa envolve pesquisadores consolidados, alunos de programas de pós-graduação, nos níveis de mestrado e doutorado, e alunos de graduação, por meio da concessão de bolsas de Iniciação Científica. A intervenção de pesquisadores em diferentes estágios de formação visa não apenas à formação de um núcleo de pesquisa, mas à compreensão do procedimento de construção de conhecimento como um processo de formação que deve se relacionar com as diretrizes dos cursos nos quais os pesquisadores, especialmente aqueles em formação institucional, se encontram.11 A atuação do GERA, nesse sentido, cria condições para o surgimento de novos pesquisadores que venham adensar a produção de conhecimento sobre a temática em questão. Ademais, por meio dessa integração de pesquisadores, o GERA promove a formação continuada e estimula a inserção de alunos de graduação nos cursos de pós-graduação stricto sensu.

Dos integrantes e orientações Em 2005, no seu início, o Núcleo GERA acolhia como membros a sua coordenadora, pesquisadores e os bolsistas das pesquisas em andamento. As atividades desenvolvidas até aquele momento eram de capacitação teórico-metodológica para o trabalho na pesquisa e de discussão acerca das implicações do campo educacional sobre a questão da Reprodução versus Transformação das relações étnico-“raciais”, envolvendo alunos da graduação, professores da Educação Básica e pesquisadores consolidados; em 2006, teve sua certificação no CNPq.

11

Nossa intenção tem sido a de discutir e preparar o aluno da graduação ou pós-graduação para o “exercício profissional”, pautado em conhecimento sólido acerca do objeto específico de sua disciplina. Além dessa dimensão, pretendemos que ele assuma uma postura ético-técnico-política e correlacione-a a sua prática pedagógica e aos processos da vida social (SEVERINO, A. J. Formação, perfil e identidade dos profissionais da educação: a propósito das diretrizes curriculares do curso de pedagogia. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: artes e técnicas, ciências políticas. São Paulo: Ed. UNESP, 2006. p. 61-72; SEVERINO, A. J. Preparação e formação ético-política dos professores. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 2003.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

Os primeiros integrantes estavam relacionados ao projeto de pesquisa Diferença e etnia no universo escolar: um estudo sobre os atores e conteúdos étnicos na Educação. Com o tempo e a consolidação da atuação do núcleo, outros pesquisadores, profissionais e alunos interessados na temática foram unindo-se aos demais, compondo a estrutura que temos atualmente. Diversas instituições e diferentes áreas do conhecimento são alcançadas, o que viabiliza uma análise multidisciplinar da educação para as relações étnico-“raciais” no Brasil e, por conseguinte, na região Norte. Para a consolidação do projeto de ampliação de pesquisas sobre a temática, temos orientado, na graduação, em duas modalidades – Iniciação Científica e monografias de graduação – e na pós-graduação, dissertações que versam acerca da temática sob diferentes objetos que compreendem o campo educacional. O QUADRO 6, a seguir, ilustra os orientandos cujos trabalhos focam a temática. No QUADRO 7 encontramse os trabalhos dos alunos de doutorado, dos primeiros semestres de 2010 e de 2012 e, no QUADRO 8, dos bolsistas que estiveram ligados ao GERA em períodos distintos, dentre os quais duas voluntárias.

Quadro 6. Orientandos com trabalhos voltados para a temática (Nível: Mestrado) Nº

TÍTULOS DOS TRABALHOS

AUTORES

SITUAÇÃO

ANO/ CONCLUSÃO

1

Práticas pedagógicas e diversidade étnico“raciais” no Ensino Fundamental (2004-2012)

Neusani Oliveira Reis

Em andamento

2014

2

A Lei nº 10.639/2003 e a disciplina Língua portuguesa no Ensino Fundamental

Franklin Eduard Auad Thism

Em andamento

2014

3

O ser professor no Estado do Pará – a Escola de Aplicação da UFPA

Euricléia do Rosário Galúcio

Em andamento

2014

4

ArtesVisuais e Ensino Médio: representação de professores sobre prática pedagógica (20042010)

Rita de Cássia Cabral Rodrigues de França

Em andamento

2013

5

A educação no primeiro governo de Lauro Sodré (1886-1897): os sentidos de uma concepção político-educacional

Felipe T. Moraes

Concluído

2011

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

6

A Formação de professores na Primeira República no Pará (1900-1905)

Rafaela P. Costa

Concluído

2011

7

Um estudo sobre intelectuais negros na academia: a trajetória profissional de Florentina da Silva Souza

Edina G. Rodrigues

Concluído

2011

8

Relações sociais na escola: representações de alunos negros sobre as relações que estabelecem no espaço escolar

Nicelma Josenila Brito Soares

Concluído

2010

9

(In)visibilidade negra: representação social de professores acerca das relações “raciais” no currículo do Ensino

Raquel Amorim dos Santos

Concluído

2009

10

Negro e Ensino Médio: Representações de professores acerca de Relações “Raciais” no Currículo

Rosangela Maria de Nazaré Barbosa e Silva

Concluído

2009

11

Educação Brasileira e Identidade Negra em Kabengele Munanga

Cristiano Pinto da Silva

Concluído

2009

12

Representações Sociais de Jovens do Campo acerca de suas Escolas

Wiama Freitas

Concluído

2008

Fonte: Quadro produzido pela Coordenação do Núcleo GERA.

Quadro 7 . Orientandos com trabalhos voltados para a temática (Nível: Doutorado) Nº 1 2

3

4

TÍTULOS DOS TRABALHOS

AUTORES

SITUAÇÃO

A recepção de Pierre Bourdieu nas pesquisas de PósGraduação em Educação no Brasil: 2003-2011 A Pesquisa sobre Relações “Raciais” na PósGraduação em Educação-Brasil, 2005 – 2010

Cristiano Pinto da Silva Maria do Socorro Ribeiro Padinha Raquel Amorim dos Santos

Em andamento

ANO/ CONCLUSÃO 2016

Em andamento

2014

Em andamento

2014

Rosangela Maria de Nazaré Barbosa e Silva

Em andamento

2014

Política Curricular de Educação Básica do estado do Pará (2007-2010): concepções de diversidade étnico-“racial” na prática educativa de professores Entre o proposto na Política Curricular do Ensino Médio do estado do Pará (2008-2010)

Fonte: Quadro produzido pela Coordenação do Núcleo GERA.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

Quadro 8 . Bolsistas vinculados ao Núcleo GERA 1

Aianny Nayara Gomes Monteiro *

ANO/ PERÍODO 2009

2

Arielle Alice da Rocha Ferreira*

2009

PIBIC/CNPq

SITUAÇÃO ATUAL Graduação em curso Graduada

3

Brena Carla Pantoja Fernandes

2006

PROINT/UFPA

Graduada

4

Camille Gouveia Castelo Branco Barata

2012

PIBIC\CNPq

5

Deyse Silva dos Santos

2009

PIBIC/UFPA

Graduação em curso Graduada

6

Daniellen Freitas de Brito

2002

CNPq/UFPA

Graduada

7

Diogo Soares Camelo*

2007

PIBIC/UFPA

8

Érita Evelinn da Silva Silva

2012

CNPq/UFPA

9

Felipe Leonardo Teixeira Andrade

2010

PIBIC/UFPA

10 Felipe Tavares de Moraes

2006-2008

PIBIC/UFPA

11 Gerson Santos e Silva

2003

PIBIC/UFPA

Mestrando em História Graduação em curso Graduação em curso Mestre em Educação Graduado

12 José Reinaldo Alves Barros Filho*

2011

PIBIC\CNPQ

13 Karla Michelle França Guimarães

2010

PIBIC\CNPQ

14 Lorena Baía de Oliveira

2011

PIBIC\CNPQ

15 Luisa de Souza Leão Almeida

2012

UFPA

16 Magaly Rose Camargo Sena de Mendonça

2006

FIDESA

Graduação em curso Graduação em curso Pedagoga

17 Marina da Silva Oliveira

2007

FIDESA

Graduada

18 Mirna Monaliza Braga Santos

2012

UFPA

19 Mytia Karoline Cerveira de Souza

2011

FIDESA

Graduação em curso Graduada

20 Natália Marques Correia

2011

FIDESA

Graduada

21 Nívea Santos*

2006

PIBIC\CNPQ

Graduada

22 Paloma Freitas de Godoy*

2011

Voluntária

23 Priscila Ribeiro Lima

2007

FIDESA

Graduação em curso Graduada

24 Rafael Rogério Nascimento dos Santos*

2008

PIBIC/UFPA

25 Rafaela Paiva Costa

2006-2008

PIBIC/UFPA

26 Rafael da Silva Oliveira

2010

PIBIC\CNPQ

NOMES

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FINANC. MEC/UNESCO

Graduação em curso Graduada

Mestrando em História Mestra em Educação Graduado

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

27 Raphael Augusto Queiroz de Oliveira

2006

PIBIC/UFPA

Graduado

28 Raphael Bezerra da Silva Uchôa

2007

PIBIC/CNPq

Graduado

29 Rebeca Pereira Cabral

2007

Voluntária

30 Rodrigo Antônio da Silva*

2009

MEC/UNESCO

Mestre em Psicologia Graduado

31 Saul Berardo

2009

PIBIC/CNPq

Graduado

32 Sylvia Portela

2006

FIDESA

Graduada

33 Tunai Rehm Costa de Almeida*

2009

MEC/UNESCO

Graduado

34 Yuri Leandro do Carmo de Souza

2012

Voluntário

Graduação em curso

Fonte: Quadro produzido pela Coordenação do Núcleo GERA. Nota: * Um semestre.

Capacitação teórica Além da pesquisa, o Núcleo GERA, ao mesmo tempo, inclui atividades sistemáticas de estudo, organizadas em forma de reuniões periódicas de leituras e discussão da produção acadêmica disponível, que se organiza em três campos temáticos: a) educação; b) relações “raciais” no Brasil; e c) aporte teórico-conceitual. As leituras e as discussões são coordenadas por um ou dois participantes, previamente escolhidos, que apresentam os principais argumentos da obra em discussão e um resumo, entregue com uma semana de antecedência à data da reunião. A participação nessas atividades é condição para a permanência no núcleo. No que tange à leitura, privilegiam-se aquelas relacionadas ao campo da educação, com destaque para a formação de professores. Alguns trabalhos nessa perspectiva foram objeto de discussão e de renhido debate. Tais obras versavam sobre fenômenos educacionais em geral, relacionados aos processos de formação de professores,12 em especial às questões

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Sugerimos leitura sobre experiências de Intervenção em: SISS, A. O. Leafro. Relações étnico-raciais e a formação de professores: uma experiência de intervenção multicultural. In: SISS, A. O. Leafro (Org.). Diversidade étnico-racial e educação superior brasileira: experiências de intervenção. Rio de Janeiro: Quartet, 2008. p. 15-39.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

relacionadas à prática docente e às questões de caráter teórico-metodológico, entendidas como inerentes à condição profissional. Foram (e são) discutidos trabalhos sobre a pesquisa no campo educacional e suas peculiaridades, e sobre a utilização de recursos pedagógicos que subsidiem o trabalho docente. Outro conjunto de trabalhos, objeto de discussão, apresentou a relação entre questão “racial” e educação. Essa produção tratou (e trata) dos processos de escolarização e das manifestações de preconceito e discriminação que lhes são comuns. Muitos deles se referem às ações afirmativas e sua inserção no campo educacional como elemento desencadeador de oportunidades educacionais historicamente obliteradas à população negra brasileira. Houve (e há) ainda, obras que constatavam o problema e encaminhavam possíveis soluções e resoluções para a superação do racismo na educação. Esses trabalhos centram sua compreensão dos processos educacionais em duas perspectivas: uma relacionada a determinadas práticas sociais – como o racismo –, que encontram na educação campo fértil de reprodução; e outra, que concebe esse mesmo campo educacional reprodutor como uma instância a contribuir para a transformação de práticas sociais que se encontram na escola e na sociedade em geral. Outra temática enfoca as relações “raciais” no Brasil. Constitui outro polo de leitura e debates. Sobre ela foram (e são) lidos trabalhos de cunho historiográfico, antropológico e sociológico. Grosso modo, esses trabalhos versavam (e versam) sobre a historicidade das relações “raciais” no caso brasileiro, sobretudo do século XIX ao tempo presente: a compreensão da construção de determinadas interpretações acerca da formação étnica brasileira, principalmente na demarcação social do negro na sociedade brasileira – expresso pelo dilema brasileiro – e como esse lugar, que é um construto histórico, se manifesta nas relações sociais hodiernas, em termos de “democracia ‘racial’” e “racismo à brasileira” – demonstrando que as conquistas alcançadas pelos negros brasileiros estão inscritas aos seus movimentos de luta e resistência, como foi sob o regime da escravidão, e

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

o não reconhecimento por parte do Estado brasileiro de racismo no Brasil. Ressalta-se que uma dessas conquistas espraia-se para o campo da legislação, que inicia com a criminalização do racismo na Constituição de 1988 e a promulgação dos novos marcos legais, que regulamentam a veiculação de temáticas relacionadas à diversidade cultural nos currículos da Educação Básica. Esses foram (e continuam sendo) alguns dos assuntos debatidos. Sobre as leituras relacionadas ao aporte teórico-conceitual, elegemos Pierre Bourdieu e suas contribuições para o campo sociológico como o aporte teórico adotado pelo núcleo para análise dos processos sociais pelos quais as relações étnico-“raciais” são produzidas, reproduzidas e transformadas em práticas sociais de caráter material e simbólico, principalmente no universo educacional. Nesse sentido, a sociologia da educação de Bourdieu é salutar em proposições analíticas, em especial, nas suas noções conceituais de campo educacional, habitus, poder, dominação e violência simbólica. Compreende-se que o campo educacional brasileiro comporta-se como uma instância privilegiada de reprodução de determinadas práticas sociais, como o preconceito e a discriminação “racial”. Compreende-se, também, que tais práticas nada mais são do que manifestações do habitus socialmente legítimo que expressa formas sutis, ou não, de dominação e violência simbólica aos grupos que são objeto de tais práticas depreciativas e hierarquizantes, que pretendem manter assimétricas as relações de poder, por meio da reafirmação dos bens sociais, culturais e simbólicos que demarcam formas de distinção social, dentre os quais a cor/“raça” é um índice importante, para a sociedade brasileira.

Eventos Dentre as atividades que pautam a agenda do Núcleo GERA, os eventos científicos têm a finalidade de organizar um espaço público que possibilite o debate e a divulgação de resultados de pesquisa e discussão nos campos da educação e das relações étnico-“raciais”. A seguir, relatamos alguns desses eventos organizados pelo núcleo.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

I Seminário sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais” – 2006 Foi o primeiro evento promovido pelo Núcleo. Realizado, entre 23 a 25 de agosto, no auditório David Muffarrej Hage da UNAMA, teve a participação de 330 inscritos. Tivemos como conferencista de abertura a professora Ana Célia Silva13 da UNEB. O objetivo principal eleito foi: discutir os processos de formação docente, presentes nos cursos de Licenciatura e de Educação. Tal objetivo foi desdobrado em dois tópicos: a) a consolidação da educação indígena e do conhecimento acerca da História Indígena e do Indigenismo (atualmente contemplada na Lei nº 11.645/2008); b) a implementação da Lei nº 10.639/2003, a qual torna obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e exige a revisão e a problematização de seus recursos e práticas, em função do redimensionamento e da reorientação dos estudos sobre a formação da sociedade brasileira. As temáticas que estruturaram o evento estavam relacionadas às africanidades, ao gênero, à diversidade cultural, à corporeidade, à territorialidade, à educação e à educação indígena. O público alcançado pelo evento constituise de alunos de graduação, pós-graduação, pesquisadores da área e afins, e, sobretudo, professores das redes pública e particular de ensino.

II Seminário sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais” – 2008 Sob a coordenação geral da coordenadora do GERA, com a participação de 230 inscritos, ocorreu entre 27 e 28 de novembro de 2008, no auditório do Conjunto dos Mercedários, sob o título: “Relações raciais e a Escola: reflexões contemporâneas”. Seu objetivo principal foi ampliar o debate sobre as

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Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2001). Atualmente é Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia, no Departamento de Educação, Campus I e no Mestrado em Educação e Contemporaneidade. Eleita Membro Titular do Conselho Estadual de Cultura, referendada pela Assembleia Legislativa em 18 de outubro de 2007, para compor a Câmara de Política Sociocultural, designação publicada no DO, 18 out. 2007.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

discussões já existentes no tocante à discriminação “racial” e à escola, envolvendo aspectos teórico-metodológicos no trato pedagógico com essa temática em sala de aula. Contamos com a professora Anaíza Vergolino14 na conferência de abertura. O seminário destacou, mais uma vez, por meio das temáticas a seguir, a Lei nº 10.639/2003. As temáticas foram: educação, etnicidade, africanismos, diversidade cultural. No mesmo evento, houve o lançamento do livro “raça”, cor e diferença: a escola e a diversidade, no qual foram publicados artigos de outros integrantes do núcleo, divulgando os resultados de pesquisas individuais ou em parcerias. O público alcançado constituiu-se de alunos de graduação e pós-graduação, pesquisadores da área e afins, e principalmente professores da Educação Básica das redes pública e particular.

I Seminário Nacional e III Seminário Regional sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais” – 2009 O seminário foi a principal atividade do núcleo realizada no segundo semestre de 2009. Na sua terceira edição, ele apresenta um novo formato, ampliando o seu campo de alcance para o âmbito nacional. Teve como local de realização o Auditório da UNAMA. Ocorreu de 18 a 20 de novembro de 2009, com 135 inscritos, e pretendeu a ampliação da interlocução da região Norte com o restante do país, no que diz respeito à discussão sobre relações “raciais” e educação, de forma a fomentar um fórum permanente de debate sobre a educação para as relações étnico-“raciais” e os novos marcos legais sobre a diversidade cultural. O seminário contou com a expressiva participação de professores da Educação Básica e alunos de graduação e pós-graduação. Possibilitou a comunicação de trabalhos acadêmicos nos grupos de trabalhos, demarcando a consolidação da parceria do GERA com o Ações Afirmativas da Universidade

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Professora aposentada pela Universidade Federal do Pará e pesquisadora da Diversidade cultural amazônica desde a década de 1970.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

Federal de Minas Gerais, núcleo coordenado pela professora Nilma Lino Gomes,15 a qual proferiu conferência na abertura do evento e esteve à frente de uma pesquisa financiada pelo MEC e UNESCO, da qual fizemos parte na condição de coordenadora da pesquisa na região Norte.

II Seminário Nacional e VI Seminário Regional sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais” – 2010 Para a realização do Seminário em 2010, que ocorreu no mês de novembro, no Auditório da Faculdade Ideal (FACI), o Núcleo consolida-se em âmbito nacional mediante a aprovação de propostas para a obtenção de financiamento para realização de evento por meio do Edital MCT/CNPq/FINEP Nº 11/2010 e pelo Programa de Apoio a Eventos no País (PAEP) da CAPES. O evento contou com 131 participantes, que durante o período de 25 a 27 de novembro de 2010 realizaram discussões sobre a temática “Diversidade, Marcos Legais e Educação na Amazônia”. A conferência de abertura foi proferida pelo Prof. Dr. José Willington Germano16 (UFRN) e abordou o tema “Pós-colonialismo, busca pelo reconhecimento social e formação de professores”. A Conferência de encerramento foi proferida pela Profa. Dra. Patrícia Melo Sampaio.17

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Doutora em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (2002) e pósdoutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra, Portugal (2006). Atualmente é professora adjunta do Departamento de Administração Escolar da Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de Produtividade/CNPq e Coordenadora-Geral do Programa Ações Afirmativas na UFMG.

16

Doutor em Educação pela UNICAMP (1990). Coordenador da Base de Pesquisa Cultura, Política e Educação (desde 1992). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

17

Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas. Atua nas áreas de história indígena e do indigenismo, história colonial/imperial (Brasil e Amazônia) e história da escravidão africana na Amazônia. Tem experiência em gestão de C&T. É líder do grupo de pesquisa História Indígena e da Escravidão Africana na Amazônia (HINDIA) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Política, Instituições e Práticas Sociais (POLIS). Participa do Mestrado de História (PPGH/ UFAM), do Mestrado/Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA/UFAM) e do Mestrado/Doutorado em História Social (UFPA).

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

Seminário 20 de Novembro: A Lei 10.639/2003 e a Prática na Educação Básica O Núcleo GERA organizou por ocasião do Dia da Consciência Negra o Seminário intitulado “20 de Novembro: A Lei 10.639/2003 e a Prática na Educação Básica”, no qual foram trazidas experiências sobre a implementação da Lei nº 10.639/2003 nas Escolas de Educação Básica na região Norte. O evento, que foi realizado no Auditório do POEMA/UFPA, no dia 20 de novembro de 2010, contou com a participação de professores da rede pública e pesquisadores que trouxeram discussões sobre a temática, atingindo um público de 85 pessoas.

III Seminário Nacional e V Seminário Regional sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais” – 2011 Ocorrido no Auditório do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, durante o período de 01 e 02 de dezembro de 2011, o evento atingiu um público de 288 participantes. Enfocando o tema “Relações Étnico-‘Raciais’ e Educação: Políticas Públicas e Cidadania”, o evento foi iniciado com a conferência proferida pela Profa. Dra. Rosana Batista Monteiro18 e teve suas atividades desenvolvidas em parceria com o Centro Interdisciplinar de Direitos Humanos (CIDH), coordenado pela Profa. Dra Jane Felipe Beltrão (UFPA/CNPq) e pelo Prof. Assis da Costa Oliveira (UFPA/CAMPUS ALTAMIRA).

I Fórum de Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA O evento foi concebido para, em torno da temática “Licenciatura, formação, identidade e profissionalização”, promover o debate acerca da

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Doutora em Fundamentos da Educação pela Universidade Federal de São Carlos (2010). Professora universitária desde 1993, atualmente é docente do Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ. Integra o GEPEFH – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Economia Política da Educação e Formação Humana/UFSCar. Trabalha com temas relacionados às políticas educacionais, formação de profissionais da educação e educação para as relações étnico-“raciais”.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

desvinculação dos novos projetos pedagógicos dos cursos de Licenciatura em História, Geografia, Filosofia e Ciências Sociais em relação ao curso de Bacharelado. Tais discussões, efetivadas no Auditório do Centro de Capacitação da UFPA, no período de 26 a 27 de outubro de 2011, contaram com a participação de discentes, docentes e pesquisadores das Ciências Humanas. A conferência intitulada “Professores e professoras: políticas e cenários no Brasil”, proferida pela Profa. Dra. Sofia Lerche Vieira,19 abriu a programação.

Ciclos de Palestras do GERA Esse ciclo surgiu como uma estratégia de aproximação entre pesquisadores do núcleo e também o estabelecimento de interlocuções com pesquisadores de outras instituições ou outros campos do conhecimento. Por meio do ciclo, os resultados das pesquisas e seus aportes teóricos de análise são apresentados e debatidos, para, desse modo, promover o diálogo entre pesquisador e comunidade acadêmica. O público alcançado ultrapassa a comunidade universitária, incorporando professores da Educação Básica. A seguir, o calendário das sessões ocorridas:

Ciclo de Palestras/2009 Palestra I / 2009 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) Ministrante: Prof. Dr. Paulino de Jesus Cardoso20 (UDESC) Título: “Multiculturalismo, Educação e Políticas de Ação Afirmativa no Brasil” Data: 20 de março de 2009 Hora: 17h00 Local: Auditório do IFCH/ UFPA 19

Doutora em Filosofia e História da Educação (PUC-SP), com Pós-Doutorado pela Universidad Nacional de Educacion a Distancia, Espanha. Exerceu o cargo de Secretária da Educação Básica do Estado do Ceará (2003-2005). Professora titular da Universidade Estadual do Ceará, onde coordena o Grupo de Pesquisa “Política Educacional, Gestão e Aprendizagem”. Professora titular aposentada da Universidade Federal do Ceará. Bolsista de produtividade do CNPq. Escreve sobre política, história e gestão da educação.

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Doutor em História pela PUC-SP (2004). Atualmente é Pró Reitor de Extensão, Cultura e Comunidade da UDESC, Professor titular e Coordenador do NEAB – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina, Coordenador do Consórcio Nacional de NEABs.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

Palestra II / 2009 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) Ministrante: Prof. Dr. José Willington Germano21 (UFRN) Título: “Por uma sociologia de saberes ausentes: uma Ciência Social emancipadora” Data: 27 de março de 2009 Hora: 17h00 Local: Auditório do IFCH/ UFPA Palestra III / 2009 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) Ministrante: Prof. Doutorando Carlos Aldemir Farias22 (PUC-SP) Título: “Narrativas Orais e Formação de Professores” Data: 8 de abril de 2009 Hora: 17h00 Local: Sala de Defesas Odineia Figueiredo – ICED/UFPA Palestra IV / 2009 Coordenação Geral: Profª. Drª. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) Ministrante: Breno Baía Magalhães23 (UFPA) Título: “A Experiência Jurídica das Ações Afirmativas nos Estados Unidos: uma abordagem à luz da teoria da igualdade de Ronald Dworkin” Data: 22 de agosto de 2009 Hora: 8h00 Local: Auditório do Capacit/ UFPA

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Doutor em Educação pela Unicamp (1990). Coordenador da Base de Pesquisa Cultura, Política e Educação (desde 1992). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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Antropólogo e mestre em Educação pela UFRN (2003). Doutorando em Ciências Sociais (Antropologia) pela PUC-SP. Pesquisador do Grupo de Estudos da Complexidade da UFRN, desde 1998.

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Advogado. Graduado em Direito e Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará. Bolsista da CAPES.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

Ciclo de Palestras/2010 Palestra I / 2010 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) Ministrante: Prof. Doutorando Carlos Aldemir Farias da Silva24 (UFRN) Título: “Um olhar para dentro de si: reflexões sobre os preconceitos que nos habitam” Data: 14 de maio de 2010 Hora: 18h00 Local: Auditório do Museu da UFPA Palestra II / 2010 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) Palestrante: Profa. Dra. Selma Alves Pantoja25 (UnB) Título: “Percurso de vidas e a história da África Central Ocidental” Data: 9 de julho de 2010 Hora: 18h00 Local: Auditório ICED/UFPA Palestra III / 2010 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) Palestrante: Prof. Dr. Jonas Marçal Queiroz26 (UFV) Título: “Historiografia da Escravidão” Data: 17 de setembro de 2010 Hora: 18h00 Local: Auditório ICED / UFPA 24

Antropólogo e mestre em Educação pela UFRN (2003). Doutorando em Ciências Sociais (Antropologia) pela PUC-SP. Pesquisador do Grupo de Estudos da Complexidade da UFRN, desde 1998.

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Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1994). Atualmente é Professor Adjunto IV da Universidade de Brasília, atuando principalmente nos seguintes temas: história atlântica, história de Angola, comércio atlântico e história das mulheres.

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Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa, Membro do corpo editorial da Revista Eletrônica Cadernos de História e Membro do corpo editorial da Temporalidades. Atuando principalmente nos seguintes temas: Brasil – História – colonização, Brasil – História – Imigração, Pará – História – Colonização, Pará – História – Imigração, São Paulo – História – Colonização e São Paulo – História – Imigração.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

Palestra IV / 2010 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) e Profa. Ms. Nicelma Josenila Brito Soares (GERA – UFPA) Palestrante: Prof. Dr. Sales Augusto dos Santos27 (UnB) Título: “Legislação Educacional para a educação das relações étnico-‘raciais’” Data: 20 de novembro de 2010 Hora: 17h00 Local: Auditório POEMA / UFPA Palestra V / 2010 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) e Profa. Ms. Nicelma Josenila Brito Soares (GERA – UFPA ) Palestrante: Prof. Dr. Paulo Vinícius Baptista da Silva28 (UFPR) Título: “O livro didático e a questão étnico-‘racial’” Data: 10 de dezembro de 2010 Hora: 17h00 Local: UFPA/ Bloco EP-08.

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Doutor (2007) em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Também possui pós-graduação Lato Sensu em Relações “Raciais” e Cultura Negra (1999) pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Estuda e pesquisa principalmente os seguintes temas: movimentos sociais negros, discriminação “racial”, racismo, desigualdades “raciais” no Brasil, ações afirmativas no ensino superior, políticas públicas, violência policial, mercado de trabalho e educação superior. É pesquisador associado do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UnB, onde exerce a função de Secretário-Geral, e Coordenador Responsável do “Grupo de Trabalho – Publicações”, da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). Também foi um dos Coordenadores da “Série Violência em Manchete”, no período de 1998 a 2002, do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).

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Doutor em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Atualmente é editor da Educar em Revista, coordenador do Grupo de Trabalho Educação e Relações “Raciais” da ANPED e é professor da Universidade Federal do Paraná, atuando no Programa de PósGraduação em Educação (PPGE-UFPR) e Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-UFPR).

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

Ciclo de Palestras/2011 Palestra I / 2011 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) e Profa. Ms. Nicelma Josenila Brito Soares (GERA – UFPA) Palestrante: Profa. Dra. Florentina da Silva Souza (UFBA) Título: “A educação étnico-‘racial’” Data: 11 de fevereiro de 2011 Hora: 17h00 Local: Auditório IFCH / UFPA Palestra II / 2011 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) e Profa. Ms. Nicelma Josenila Brito Soares (GERA – UFPA) Palestrante: Prof. Dr. Paulino de Jesus Cardoso29 (UDESC) Título: “Processos de Historicização das Relações ‘Raciais’ no Brasil” Data: 30 de março de 2011 Hora: 17h00 Local: Auditório do CAPACIT/UFPA Palestra III / 2011 Coordenação Geral: Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) e Profa. Ms. Nicelma Josenila Brito Soares (GERA – UFPA) Palestrante: Profa. Dra. Helenice Aparecida Bastos Rocha (UFF) Título: “A pesquisa e sua escrita da escola à universidade” Data: 26 de abril de 2011 Hora: 8h00 Local: Auditório do ICED/UFPA

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Doutor em História pela PUC-SP (2004). Atualmente é Pró-Reitor de Extensão, Cultura e Comunidade da UDESC, Professor titular e Coordenador do NEAB – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina, Coordenador do Consórcio Nacional de NEABs.

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

Curso de capacitação teórico-metodológica de professores da Educação Básica (2º semestre de 2009) Em 2009, o Núcleo promoveu no período de 22 de agosto a 15 de dezembro, o Curso de Formação Continuada do GERA, com módulo intitulado “A Lei nº 10.639/2003 e o Trato com a Diferença em Sala de Aula”. Participaram das atividades 31 pessoas atingidas em reuniões ocorridas aos sábados, no horário matutino, dentre estudantes de graduação e pós-graduação, além de professores da Educação Básica dos municípios de Belém e Ananindeua. Participaram também das atividades formativas arte-educadores da Fundação Cultural do Município de Belém (FUMBEL) e representantes da AVANEKAN, uma associação de mulheres que trabalha com a questão “racial” em uma área quilombola no município de Ananindeua. O curso pretendeu a capacitação de professores da Educação Básica para o trato teórico e metodologicamente orientado com o trabalho relacionado à diversidade cultural. O primeiro módulo tratou dos novos marcos legais, que regulam essa discussão como tópico central nos currículos da Educação Básica.

Curso de Especialização em Relações “Raciais” para o Ensino Fundamental, 2010 O GERA ofertou, em 2010, um Curso de Especialização em Relações Étnico-“Raciais” específico para o Ensino Fundamental, totalmente gratuito, cujo financiamento foi realizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelas ações do UNIAFRO. O Curso de Especialização considerou, entre seus objetivos, a necessidade de promover ações supletivas e redistributivas para a correção progressiva da exclusão social e das disparidades de acesso, de permanência e de garantia do padrão de qualidade da educação básica, bem como da necessidade de respeitar e de valorizar a diversidade étnico-“racial”, superar o racismo e a discriminação “racial” no sistema educacional brasileiro. Seu público alvo foi formado por professores de Ensino Fundamental da rede pública. A indicação desse público teve por objetivo facultar a professores

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

normalmente infensos às oportunidades de formação continuada, a competência necessária para o trato com as questões étnico-“raciais”. O curso foi finalizado com a apresentação de um Projeto de Intervenção educacional com vistas a Implementação da Lei nº 10.639/2003 na escola do aluno-professor. Deste modo, o Curso ofereceu um suporte para a elaboração dos Projetos e das atividades avaliativas mediante orientações periódicas realizadas por integrantes do Núcleo, por meio de Sessões de Orientação com Monitores, as quais ocorreram entre às 7h45 e 8h30 e 13h45 e 14h30 em todos os encontros nos Módulos. Estas atividades foram planejadas com base nas dificuldades apresentadas pelos cursistas na elaboração das atividades avaliativas e dos Projetos. O QUADRO 9 expõe as disciplinas seus ministrantes e períodos. Nossos agradecimentos aos professores internos e externos e, sobretudo, aos integrantes do Núcleo GERA serão sempre diminutos diante da contribuição e compromisso de todos os envolvidos nesse processo de Capacitação.

QUADRO 9. MÓDULO Teorias da Inclusão e Educação

História da Cultura Brasileira

História Indígena e do Indigenismo

História da África I

História da África II

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ORGANIZAÇÃO DA DISCIPLINA 10/04 – Prof. Dr. Wilma Baía Coelho (UFPA) 11/04 – Prof. Dr. Wilma Baía Coelho (UFPA) 17/04 – Prof. Dr. Genylton Odilon Rêgo da Rocha (UFPA) 18/04 – Prof. Dr. Genylton Odilon Rêgo da Rocha (UFPA) 08/05 – Prof. Dr. Aldrin Moura Figueiredo (UFPA) 09/05 – Prof. Dr. Aldrin Moura Figueiredo (UFPA) 15/05 – Prof. Msc Carlos Aldemir Farias da Silva (UFRN) 16/05 – Prof. Dr. Aldrin Moura Figueiredo (UFPA) 05/06 – Prof. Dr. Mauro Cezar Coelho (UFPA) 06/06 – Prof. Dr. Mauro Cezar Coelho (UFPA) 12/06 – Prof. Dr. Márcio Couto Henriques (UFPA) 13/06 – Prof. Dr. Márcio Couto Henriques (UFPA) 03/07 – Profa. Dra. Rosa Elizabeth Acevedo Marin (UFPA) 04/07 – Profa. Dra. Rosa Elizabeth Acevedo Marin (UFPA) 07/07 – Profa. Dra. Rosa Elizabeth Acevedo Marin (UFPA) 08/07 – Profa. Dra. Selma Pantoja (UNB) 14/08 – Profa. Dra. Rosa Elizabeth Acevedo Marin (UFPA) 15/08 – Profa. Dra. Rosa Elizabeth Acevedo Marin (UFPA) 28/08 – Profa. Dra. Rosa Elizabeth Acevedo Marin (UFPA) 29/08 – Profa. Dra. Rosa Elizabeth Acevedo Marin (UFPA)

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

História da Escravidão no Brasil e na Amazônia

Identidade e Educação

Legislação Educacional para a Educação das Relações Étnico-“raciais”

O Livro Didático e a Questão Étnico-”racial”: entre Práticas e Representações

A Questão Étnico-“racial” e a Educação Brasileira

Recursos Didáticos e Educação Étnico-“racial”

11/09 – Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto (UFPA) 12/09 – Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto (UFPA) 18/09 – Prof. Dr. Jonas Marcal Queiroz (UFV) 19/09 – Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto (UFPA) 02/10 – Profa. Ms. Nicelma Soares (GERA) 03/10 – Profa. Ms. Nicelma Soares (GERA) 16/10 – Profa. Dra. Josenilda Maria Maués da Silva (UFPA) 17/10 – Profa. Dra. Josenilda Maria Maués da Silva (UFPA) 06/11 – Prof. Dr. Paulo Sérgio de Almeida Corrêa (UFPA) 07/11 – Prof. Dr. Paulo Sérgio de Almeida Corrêa (UFPA) 20/11 – Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho (UFPA) 21/11 – Prof. Dr. Sales Augusto dos Santos (UNB) 04/12 – Profa. Dra. Magda Maria de Oliveira Ricci (UFPA) 05/12 – Profa. Dra. Magda Maria de Oliveira Ricci (UFPA) 11/12 – Prof. Dr. Mauro Cezar Coelho (UFPA) 12/12 – Prof. Dr. Paulo Vinicius Baptista da Silva (UFPR) 08/01 – Profa. Dra. Wilma Baía Coelho (UFPA) 09/01 – Profa. Dra. Wilma Baía Coelho (UFPA) 15/01 – Profa. Msc. Edileuza Souza (UNB) 16/01 – Profa. Dra. Wilma Baía Coelho (UFPA) 05/02 – Profa. Ms. Ana Del Tabor (UFPA) 06/02 – Profa. Ms. Ana Del Tabor (UFPA) 12/02 – Profa. Dra. Florentina Souza (UFBA) 13/02 – Profa. Ms. Ana Del Tabor (UFPA)

Fonte: Arquivos Núcleo/GERA/2012.

Nesse sentido, o curso pretendeu contribuir para a formação dos docentes em termos de formação continuada, visando à modificação de sua concepção e práticas no tocante à educação para as relações étnico-“raciais”. A inserção no curso foi procedida mediante aprovação em processo seletivo que compreendia a elaboração de uma Carta de Intenções, na qual o candidato informava as intenções em participar do curso, destacando os resultados que esperava alcançar e a aplicação que pretendia proceder. Além da carta, os candidatos foram submetidos a uma prova escrita, que objetivava avaliar o conhecimento do candidato sobre a bibliografia básica constante no Edital e sobre as competências e habilidades inerentes à condição de licenciado. A aprovação nessa fase assegurava a participação na fase seguinte, a entrevista, que tencionava verificar: a) as intenções expressas na Carta de Intenção apresentada no momento da inscrição; b) a relação entre percurso profissional, expresso no currículo, a carta de intenção e os conhecimentos

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

expressos na prova escrita; c) vocabulário, objetividade, articulação de ideias e segurança; d) a comprovação de interesse concreto pela temática; e) disponibilidade para a realização do curso, posto que a sua efetivação ocorreria aos fins de semana (dois em cada mês) em horário integral. Para dar conta da pretensão de contribuir para a formação dos docentes em termos de formação continuada, visando à modificação de sua concepção e práticas no tocante à educação para as relações étnico-“raciais”, além das disciplinas e da própria orientação do curso, a produção da monografia final pelos cursistas consistia em um Projeto de Intervenção, construído pelo professor/cursista a partir da disciplina na qual ele estava vinculado, cujo resultado consubstanciasse a conformação das discussões realizadas no curso em procedimentos didáticos voltados para o enfrentamento da questão étnico-“racial” no universo escolar. Assim, não se exigiu dos alunos uma reflexão sobre a questão étnico“racial”, mas a formulação de uma estratégia didática, resultante de uma reflexão prévia, de uma compreensão profunda sobre a temática e do domínio das competências necessárias à transformação daquela compreensão em sequências didáticas que garantissem a transposição do saber acadêmico, adquirido no Curso de Especialização em tela, em saber escolar. Desse modo, o curso ofereceu um suporte para a elaboração dos projetos e das atividades avaliativas, mediante orientações periódicas realizadas por integrantes do Núcleo, por meio de Sessões de Orientação com Monitores, as quais ocorriam em todos os encontros nos Módulos. Essas atividades eram planejadas com base nas dificuldades apresentadas pelos cursistas na elaboração das atividades avaliativas e dos projetos.

Formação continuada nas escolas O Núcleo GERA tem atendido à demanda de escolas da rede pública do estado do Pará nos processos de formação continuada do corpo docente das instituições. Os convites das escolas são atendidos por intermédio da participação de integrantes do Núcleo proferindo palestras e propondo discussões

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afeitas à temática que se constitui objeto de estudo do GERA. Registram-se como contribuições nas escolas as seguintes palestras: Palestra: “Educação e relações étnico-‘raciais’: trato pedagógico na educação básica” Público alvo: técnicos da rede de ensino no município de Ananindeua/PA Período: outubro de 2010 Palestra: “Relações étnico-‘raciais’: A escola e a Lei nº 10.639/03 na Educação Básica” Público alvo: professores do município de Igarapé-Miri/PA30 Período: 17 de junho de 2011

Formação Continuada na Escola de Aplicação da UFPA:31 Palestra: “A Lei nº 10.639/2003 em Perspectiva na Educação Básica” Oficina I – Educação e a Lei nº 10.639/2003: subsídios teórico-metodológicos para a questão étnico-racial na Educação Infantil e Ensino Fundamental I Oficina II – Educação e a Lei nº 10.639/2003: subsídios teórico-metodológicos para a questão étnico-racial na Educação Infantil e Ensino Fundamental II Oficina III – Educação e a Lei nº 10.639/2003: textos literários e imagem no Ensino Médio Público alvo: professores da Escola de Aplicação da UFPA Período: 8 de fevereiro de 2012.

Da pesquisa ao ensino e do ensino à extensão As atividades relatadas até o momento estão atreladas à pesquisa e à sua publicização. Porém, elas têm uma preocupação fundamental com a formação de professores. A formação de professores é objeto de

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Desta atividade foi estabelecida a parceria com o Centro Interdisciplinar de Direitos Humanos (CIDH), coordenada pela Profª. Drª Jane Felipe Beltrão (PPGA/UFPA/CNPq).

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Desta atividade participaram: Wilma Coelho, Nicelma Brito, Maria do Socorro Padinha, Rosângela Silva, Cristiano Pinto da Silva, Rafael Silva, Lorena B. Oliveira, Érita Evelinn e Karla Michelle Guimarães.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

pesquisa das investigações presididas no Núcleo, assim como a temática de discussão nos eventos científicos organizados. Por isso, a importância da participação de alunos da graduação e pós-graduação: como estão em processo de formação inicial e continuada, muito se beneficiam das discussões realizadas. As atividades, nesse sentido, são assumidas como estratégias de combate às desigualdades “raciais” na escola, na qual, a despeito dos avanços, ainda se percebe pela reprodução de práticas que geram a desigualdade. Aspirar à superação dessa situação demanda uma inflexão na forma de conceber a formação de professores, sobretudo no que diz respeito à diversidade cultural presente na sociedade brasileira. Como podem ser constatadas, as atividades do Núcleo GERA não se restringem ao mundo universitário. A preocupação em alcançar os professores da Educação Básica e a promoção de eventos científicos são dois grandes objetivos e demarcam o compromisso do núcleo com a formação continuada. Rever a prática pedagógica desses professores para o trato adequado com a diversidade na escola, promovendo uma alteração nas representações que os alunos têm sobre a sociedade brasileira e sua composição, e fazendo-os refletir sobre a sua própria identidade e seu lugar na sociedade, são objetivos da formação oferecida. Para a concretização desse intento, o Núcleo teve como projeção para o ano de 2010 a distribuição, às escolas de Educação Básica no estado do Pará, de 300 exemplares de uma obra financiada pelo MEC/UNIAFRO e produzida por pesquisadores locais que integraram o corpo docente da Especialização em Relações Étnico-“Raciais” para o Ensino Fundamental. A doação ocorreu no lançamento do livro, por ocasião do encerramento do II Seminário Nacional e IV Seminário Regional sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais”. As escolas contempladas com a doação foram definidas a partir da vinculação com as atividades do Núcleo: escolas nas quais o Núcleo desenvolveu pesquisas, escolas dos cursistas da Especialização e demais escolas que participaram da Formação Continuada promovida pelo Núcleo.

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Publicações • As publicações do Núcleo GERA consistem uma estratégia de disseminação das discussões e pesquisas produzidas por seus integrantes. As publicações mais recentes incluem Educação para a diversidade: olhares sobre a educação para as relações étnico-“raciais”, organizada pela coordenação do Curso de Especialização em Relações Étnico-“Raciais” para o Ensino Fundamental, na pessoa da Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho e Profa. M.Sc. Ana Del Tabor Vasconcelos Magalhães. Financiada pelo MEC/UNIAFRO e produzida por pesquisadores locais que integraram o corpo docente da Especialização, a publicação foi editada por Mazza Edições. A doação de 300 (trezentos) exemplares da obra a escolas de Educação Básica ocorreu no dia de seu lançamento, por ocasião do encerramento do II Seminário Nacional e IV Seminário Regional sobre Formação de Professores e Relações Étnico-“Raciais”. • Outra publicação, a obra Visibilidades e desafios: estratégias pedagógicas para abordagem da questão étnico-racial na escola, organizada pela Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho e Profa. M.Sc. Nicelma Josenila Brito Soares, também foi financiada pelo MEC/UNIAFRO e produzida por orientadores e alunos do Curso de Especialização em Relações Étnico-“Raciais” para o Ensino Fundamental. A doação dos exemplares ocorreu no lançamento do livro, por ocasião do encerramento do Curso de Especialização. • Em 2012 o Núcleo GERA envida suas ações na publicação de recursos didáticos com vistas a oferecer subsídios para a prática docente no que concerne ao enfrentamento pedagógico da questão “racial” no âmbito da Escola Básica. O QUADRO 10 apresenta as publicações do Núcleo:

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

QUADRO 10. Publicações do Núcleo GERA/UFPA ANO 2006

TÍTULO DO LIVRO A cor ausente: um estudo sobre a presença do negro na Formação de Professores – Pará (1970-1989). 1. ed. Autora: Wilma de Nazaré Baía Coelho OBS: 2. ed.: 2009

2008

“Raça”, cor e diferença: a escola e a diversidade. 1. ed. Organizadores: Wilma de Nazaré Baía Coelho e Mauro Cezar Coelho.

2010

OBS: 2. ed.: 2010 Educação e relações raciais: conceituação e historicidade Autora: Wilma de Nazaré Baía Coelho

2010

Educação para a diversidade: olhares sobre a educação para as relações étnico-raciais Organizadoras: Wilma de Nazaré Baía Coelho e Ana Del Tabor Magalhães

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ESPECIFICAÇÕES DA PRODUÇÃO Este livro é resultado de importante pesquisa da professora da Universidade Federal do Pará, Wilma Baía Coelho. “As formulações de Pierre Bordieu constituem a nossa referência teórica [...]. Fundamentalmente, esta autora afirma que a sociedade se constitui em disputas, a partir das quais surge um grupo dominante, o qual estende para os demais grupos sua visão de mundo, por meio de estratégias não destituídas de violência”. Este livro é resultado de uma confluência de projetos – que elegeram as questões colocadas pela Lei nº 10.639/2003 como objeto de estudo e trabalho – e se situa como uma contribuição à reflexão sobre o processo educacional e sobre a reversão do que ele tem de nocivo – a reprodução do preconceito e das práticas discriminatórias. A diversidade dos objetos de investigação “raça” dos neste livro percorre um longo caminho, que vai desde uma análise da experiência norte-america sobre as ações afirmativas, passa pelo movimento organizado da cultura Hip-Hop no Brasil, deflagra, a partir das narrativas orais, os processo de educação e memória sobre o que vem a ser quilombola, até chegar ao pertencimento “racial” e às relações sociais estabelecidos em alguns espaços escolares da região amazônica. As discussões trazidas à tona apontam, sobretudo, para a valorização da identidade negra no sistema educacional brasileiro e para o fortalecimento de uma identidade positiva no tocante à superação da marca “racial” por meio das políticas de ações afirmativas e marcos regulatórios. Este livro apresenta uma coletânea de treze artigos que discutem, analisam e refletem sobre educação e diversidade cultural no Brasil, especificamente na Amazônia. Os enfoques recaem sobre os textos do racismo, da discriminação e dos preconceitos expressos nos livros didáticos, nas práticas escolares e nas narrativas dos sujeitos. Ideias, conceitos e olhares diversos se interconectaram para refletir sobre a implementação da Lei nº 10.639/2003 na Educação Básica; sobre a ausência e o tratamento dispensado às

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Educação, história e problemas: cor e preconceito em discussão

2011

Visibilidades e desafios: estratégias pedagógicas para abordagem da questão étnicoracial na escola Organizadoras: Wilma de Nazaré Baía Coelho e Nicelma Josenila Brito Soares

A Lei nº 10.639/2003 em 2012 perspectiva na Educação 1º semestre Básica: formação continuada na Escola de Aplicação da UFPA Organizadores: Wilma de Nazaré Baía Coelho et al.

Relações raciais e recursos didáticos: a utilização da música como suporte didático para o enfrentamento da questão “racial” na Escola Básica Organizadoras: Wilma de Nazaré Baía Coelho, Nicelma Josenila Brito Soares e Maria do Socorro Ribeiro Padinha

populações indígenas e afrodescendentes nos livros didáticos; sobre as identidades negadas; sobre o currículo e as relações étnico-raciais na escola. Operar uma mudança de foco na educação, politizar a atuação dos professores e desconstruir as representações discriminatórias sofridas pelos sujeitos nos espaços escolares do Brasil se constituem nas apostas deste livro. Este livro não tem a pretensão de fornecer respostas definitivas ou soluções mirabolantes para o aniquilamento do racismo e da discriminação no Brasil e na escola, por meio das propostas aqui trazidas, elaboradas pelos cursistas em coprodução com seus orientadores. Mas estamos convencidas de que essas reflexões iniciais sobre o enfrentamento pedagógico da temática, entre tantas outras, sinalizam uma proposta educativa exequível nos espaços para os quais foram pensadas. Este livro objetiva subsidiar agentes escolares para o trato pedagógico acerca da diversidade étnico-“racial” na Educação Básica. Destarte, não tem a pretensão de fornecer respostas definitivas, ou soluções mirabolantes para o aniquilamento do racismo na escola, por meio das sugestões apresentadas durante as oficinas. Mas estamos convencidas de que essas reflexões iniciais sobre o trato pedagógico da temática, entre tantas outras, sinalizam uma proposta educativa possível na Educação Básica. Ressaltamos, porém, a importância de elaboração de esboços de propostas educativas, por docentes e gestores, que reflitam a realidade da Escola de Aplicação da UFPA. Nesta produção, os encaminhamentos didáticos não têm a ambição de apresentar respostas definitivas para a eliminação do racismo e da discriminação no Brasil e na escola. Parte-se do entendimento de que o trato pedagógico da temática étnico-“racial” é uma das alternativas mais efetivas para o enfrentamento dos vícios que ainda pontuam a cultura brasileira. Por isso, as contribuições oferecidas constituem um ponto de partida, a partir do qual os agentes escolares podem elaborar outras estratégias, mais afeitas ao seu cotidiano. Pois, afinal de contas, Educação se faz no dia a dia da Escola, no trato diário entre professores e alunos, na atenção constante e consubstanciada teoricamente.

Fonte: Publicações do Núcleo GERA.

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Capítulo 7 O núcleo GERA e a formação de professores: a experiência do enfrentamento da questão étnico-racial

Firmado no tripé Todas as atividades empreendidas pelo Núcleo GERA têm concretizado o primado da pesquisa, ensino e extensão. Os projetos de pesquisa encerrados e em andamento encaminham a maturação do objeto investigado. Os resultados das pesquisas são imediatamente repassados e problematizados pela clientela preferencial do Núcleo: os professores da Educação Básica. Assim, pretende-se garantir que os professores, no seu exercício pedagógico, aproveitem-se da produção do conhecimento e participem dela, criticando as conclusões alcançadas por meio de sua prática profissional. O que torna claro um dos pilares do núcleo: conjugar um projeto acadêmico com um projeto social – o fim das desigualdades.

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Este livro foi composto em Cronos Pro e impresso em papel Offset 90 g/m² (miolo) e Cartão 250 g/m² (capa), no mês de setembro de dois mil e doze.

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