Editoria de Ciência - Correio Braziliense [ Vitor Sales ]

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Ciência

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15 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 9 de janeiro de 2016

Estudo mostra que a elevação do nível do mar pode alagar bairros da cidade do litoral paulista a partir de 2050, causando prejuízos de pelo menos R$ 1,3 bilhão. Obras que evitem o desastre são viáveis, com um custo seis vezes mais baixo

Santos contra o Atlântico amarão que dorme a onda leva. Esse é um ditado que Santos quer evitar. A cidade do litoral paulista, que sofre constantemente com o perigo de inundações causadas pela maré alta e pelas fortes chuvas, agora se prepara para enfrentar um vilão que poderá engolir alguns de seus bairros: a elevação do nível do oceano. A estimativa, baseada nos registros históricos desde os anos 1940, é que o mar suba 45cm até 2100, gerando prejuízos que podem chegar à cifra de R$ 1,3 bilhão. O cálculo faz parte do projeto Metrópoles, que pretende projetar danos materiais e econômicos causados pela elevação do nível do mar e propor estratégias de adaptação aos possíveis impactos das mudanças climáticas em três localidades costeiras do globo: além de Santos, Selsey (Inglaterra); e Fort Lauderdale (Flórida, Estados Unidos). O município paulista, que completará 469 anos no dia 26, participa da iniciativa do Belmont Forum, mantido pelo International Group of Funding Agencies for Global Change Research (IGFA), que reúne agências de fomento à pesquisa de todo o mundo e estimula estudos sobre questões ligadas ao clima. No Brasil, quem financia a ação é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

oito décadas. Os pesquisadores apresentaram os resultados para a população em dezembro do ano passado. O preço será maior para os mais pobres. As mudanças adaptativas rodadas no modelo para a zona sudeste custarão cerca de R$ 36 milhões, quase seis vezes menos do que os procedimentos simulados para a Noroeste. “Agora, o projeto está entrevistando grandes comerciantes e empresários de Santos para que possamos ter uma visão mais financeira da situação. Em setembro de 2016, o projeto termina suas atividades para que os pesquisadores possam preparar artigos sobre o Metrópoles”, explica Lucí Nunes.

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Cálculo modesto Para calcular o possível impacto das mudanças climáticas sobre Santos, os pesquisadores utilizaram a plataforma computacional Coastal Adaptation to Sea Rise Tool (Coast). Esse software simula os prejuízos provocados pelo avanço das águas do oceano sobre as moradias de uma região. Para que o programa funcione, ele deve ser alimentado por dados como informações meteorológicas e topográficas, histórico do nível do mar na área, o padrão de ocupação do solo, a localização georreferenciada e o valor dos imóveis nos bairros afetados. O valor de R$ 1,3 bilhão de prejuízo estimado para Santos, embora pareça muito alto, pode ser apenas a ponta do iceberg. “Nesse estudo, foram incluídas apenas duas regiões: o bairro nobre de Ponta da Praia, na região sudeste, e a zona noroeste,

Tubo de ensaio

Dados

caracterizado pela simplicidade. É importante também ressaltar que o prejuízo foi calculado em cima do valor venal dos imóveis, ou seja, o valor estimado pelo governo municipal, normalmente bem abaixo do valor de mercado”, afirma uma das participantes do estudo, a geógrafa Lucí Hidalgo Nunes, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp). Apenas duas localidades foram escolhidas, pois as outras cidades envolvidas na pesquisa são muito menores que a brasileira. Assim, os resultados poderão ser comparados. A zona noroeste é uma região próxima ao mangue, com muitas invasões de áreas públicas e casas simples. As favelas e palafitas predominam no local. Nas previsões feitas pelos pesquisadores para o bairro, as principais inundações viriam durante o verão, quando

Contraste As duas regiões de Santos utilizadas no trabalho, a rica zona sudeste e a pobre zona noroeste, são as que mais sofrerão os impactos das mudanças climáticas na cidade e formam um painel de contrastes e diferentes vulnerabilidades. Embora tenha uma área total de 381km², Santos concentra a quase totalidade de sua população de 420 mil habitantes em uma pequena ilha. Mais de 99% dos moradores vivem nos 39,4km² da Ilha de São Vicente. As duas áreas escolhidas para o estudo abrangem 12km² e 117 mil habitantes.

há mais chuvas e marés cheias. Por sua vez, a Ponta da Praia é uma das mais ricas da cidade, com prédios de classe média que somam 1.400 lotes. Há décadas, a zona da praia sofre erosão costeira e sua faixa de areia está encolhendo. De acordo com simulações, o prejuízo nesse bairro será de três a quatro vezes maior do que na região mais pobre.

Soluções Para adaptar a cidade ao cenário da elevação do nível do mar, o projeto convidou a população; setores estratégicos da cidade, como comerciantes e empresas de importação e exportação; e a prefeitura, para pensar soluções que ajudem a evitar o pior. Em um encontro em setembro passado, as propostas foram apresentadas, discutidas e votadas entre os participantes.

“Para a região noroeste, foram escolhidas três ações: a dragagem, que é a retirada de sedimentos do fundo das regiões aquáticas; a construção de comportas que possam impedir a subida da água; e a restauração do mangue, que impede a sedimentação da terra que assoreia o fundo do rio. Na região sudeste, as escolhidas foram: engordamento da faixa da praia, com a importação de areia; a construção de canais; e muros de contenção contra a água do mar”, conta o engenheiro Eduardo Hosokawa, da Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Santos. Após receber as propostas, o software Coast avaliou se as medidas serão efetivas e quais os custos delas. O programa classificou que as providências conseguirão reverter o cenário pessimista e que o gasto será de R$ 200 milhões ao longo das próximas

A escolha de Santos para participar da iniciativa não foi aleatória. A cidade possui o maior porto do país — a partir do município, um quarto das exportações brasileiras parte para abastecer mercados do mundo inteiro. A importância portuária, que se iniciou ainda do século 19, fez com que o nível do mar na região fosse registrado desde a década de 1940. Esses dados foram imprescindíveis para a pesquisa. “Nas outras cidades, esses dados já estavam colhidos. Aqui, tivemos de organizar muitas informações para que a plataforma Coast funcionasse de forma comparativa entre Santos, Selsey e Fort Lauderdale”, explica o climatologista José Arengo, chefe da Divisão de Pesquisas do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), em Cachoeira Paulista (SP). Para o projeto, o professor Joseph Harari, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), sistematizou e analisou as informações históricas sobre o nível do mar no litoral de Santos. De 1945 até 1990, foram usados dados de um marégrafo (instrumento que mede o nível da superfície do oceano em um ponto da costa) instalado no cais do porto. De 1945 até o início da década de 1990, o nível do mar subiu, em média, 1,3mm ao ano. De 1993 até 2014, esse índice mais que dobrou: foi de 2,7mm ao ano. Quando se leva em conta apenas o período de 2003 a 2013, o número é ainda maior, de 3,6mm ao ano.

Fatos científicos da semana Nasa/Divulgação

» SEGUNDA-FEIRA, 4

CREDIBILIDADE EM BAIXA

» QUINTA-FEIRA, 7

CIDADE PERDIDA

Dois grupos de pesquisadores deram um golpe na credibilidade de um grande número de estudos biomédicos que, segundo eles, raramente fornecem os dados e a transparência necessários para verificar os resultados ou reproduzi-los de forma independente. As análises foram publicadas na PLoS Biology. A primeira foi conduzida por Shareen Iqbal, da Emory University, e analisou 441 estudos publicados entre 2000 e 2014. O objetivo foi identificar os principais dados para avaliar e replicar os resultados, bem como acesso aos protocolos desse trabalho e a frequência de estudos replicando suas conclusões. Os autores ficaram surpresos ao descobrir que apenas um deles sugeriu sua metodologia completa e nenhum disponibilizou a totalidade dos dados coletados. A segunda análise foi feita por Ulrich Dirnagl, pesquisador no Charité-Universitätsmedizin, de Berlim, e reviu centenas de estudos pré-clínicos realizados com camundongos e ratos que incidiam sobre câncer e derrame cerebral. Conclusão: a grande maioria não fornecia informações suficientes sobre o número de animais utilizados.

» TERÇA-FEIRA, 5

Uma equipe de arqueólogos embarcou para a região do Rio Plátano, no leste de Honduras, para iniciar escavações em busca de rastros de uma possível civilização précolombiana na misteriosa Cidade Branca, anunciou o presidente Juan Orlando Hernández. Em 2012, cientistas disseram ter encontrado pistas do que pode ser a cidade, na selva inexplorada do Rio Plátano. A localidade tem sido uma lenda publicada até em livros escolares, evocando a existência de um assentamento de uma grande civilização milenar em meio às selvas da chamada Amazônia centroamericana. O presidente informou que as descobertas na área, que se estende entre os departamentos de Olancho e Gracias a Dios, não pertencem a maias nem astecas nem incas. Até agora, as descobertas consistem em rochas com hieroglifos, enquanto imagens de satélite mostraram montes de terra em meio a árvores frondosas, fazendo acreditar que estruturas de pedra de palácios, casas e esculturas estariam encobertas.

DANÇA DO ACASALAMENTO DE DINOSSAUROS

O Gigantopithecus, um macaco gigante com ares de King Kong, desapareceu da Terra há 100 mil anos, por ser incapaz de adaptar sua dieta, de acordo com um estudo publicado no Quaternary International. O primata, que vivia em florestas asiáticas, alimentava-se de frutas e não conseguiu sobreviver a mudanças ambientais que transformaram vegetações densas em savanas. Medindo de 2m a 3m de altura e com peso adulto estimado entre 200kg e 500kg, ele é o maior símio que já existiu. O auge de sua sobrevivência foi há 1 milhão de anos, no sul da China e no sudeste asiático continental. Os remanescentes fósseis do animal encontrados até agora se limitam a quatro mandíbulas inferiores e centenas de dentes isolados, afirmam os autores do trabalho. O parente vivo mais próximo do animal é o orangotango, mas não se sabe se a pelagem do macaco gigante também era avermelhada, ou se preta, como a de um gorila.

Há 100 milhões de anos, os dinossauros cortejavam suas amadas ao cavar buracos com as pernas para demonstrar sua capacidade de fazer um ninho, sugere um estudo científico publicado na Scientific Reports. Uma equipe internacional descobriu muitas marcas de trabalho no solo, às vezes tão grandes como uma banheira, deixados em camadas arenosas de arenito datando do Período Cretáceo (145 milhões a 66 milhões de anos atrás). Os buracos foram vistos em quatro locais de áreas do estado de Colorado, onde viveram os terópodes, um grupo de dinossauros que inclui o famoso tiranossauro. Vestígios fósseis de um tipo totalmente novo sugerem que os dinossauros podem ter se reunido ali há milhões de anos para se reproduzir e fazer seus ninhos ao lado. As marcas fossilizadas são uma reminiscência daqueles que algumas aves modernas deixam no chão ao nidificar o solo, quando os machos se lançam em cavar ninhos para impressionar as fêmeas. É a primeira vez que se encontra uma prova física dessas paradas nupciais.

AFP

O FIM DO KING KONG

» SEXTA-FEIRA, 6

ABC DA TERRA A Agência Espacial Americana (Nasa) divulgou um “alfabeto” formado por imagens naturais da Terra, capturadas por astronautas e satélites. Formações como ilhas e nuvens, além de fotografias de fitoplânctons, por exemplo, representam as 26 letras do alfabeto inglês (na foto, uma ilha artificial do Barein, clicada por um astronauta em janeiro de 2011, forma um d). Para ver as outras imagens, entre em http://earthobservatory.nasa.gov.

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