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Crédito-VMC

Ano IV nº 34, Valença, 2008

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E a velha lógica binária se reinstala na política Num intervalo de poucos dias, dois dos principais candidatos à Prefeitura de Valença desistiram da disputa. Com os abandonos de Fábio Vieira e de Luiz Antônio (que, diga-se de passagem, devem explicações públicas mais pormenorizadas dos motivos das desistências), novamente o jogo eleitoral valenciano parece concentrar-se majoritariamente em apenas dois pólos. Com todo o respeito às demais candidaturas para além destes dois pólos (candidaturas tão legítimas quanto quaisquer outras), neste momento nenhuma pesquisa aponta uma zebra que leve à vitória algum dos candidatos com menor visibilidade no processo eleitoral. Não tenho a menor pretensão de emitir aqui um juízo de valor sobre qualquer candidatura – o espaço que me foi franqueado no Valença em Questão deve ser utilizado para discutir questões que julgo socialmente relevantes, mais do que para apresentar minhas preferências políticas. E uma questão que julgo absolutamente relevante, reforçada pelas recentes desistências, é a recorrência com que a política de Valença acaba desaguando na surrada fórmula “nós” contra “eles”, “amigos” contra “inimigos”, “grupo A” contra “grupo B”. Depois de décadas em que dois grupos políticos – capitaneados por Fernando Graça e Luiz Antônio (ou nomes por eles apoiados, como José Graciosa e Álvaro Cabral) – praticamente monopolizaram a política valenciana, as eleições de 2008 pareciam ter como novidade o fato de que pelo menos quatro candidaturas insinuavam-se minimamente competitivas. Mesmo com escassez de nomes novos (todos estes quatro principais can-

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didatos já tinham sido ou eram então prefeitos, aqui ou alhures) e mesmo com escassez de práticas eleitorais efetivamente renovadoras, um cenário eleitoral com muitas candidaturas competitivas permitia antever que a disputa traria alguma possibilidade de discussão sobre a cidade. Uma campanha com muitos candidatos competitivos - necessitando de diferenciação, precisando falar aos mais variados segmentos sociais, demandando uma multiplicação de foros de debate – talvez permitisse que o município finalmente refletisse sobre temas fundamentais. Muitos pensavam (mesmo aqueles que não viam tantas diferenças assim entre os candidatos) que, bem ou mal, tinha acabado uma era em que a política valenciana operava apenas por negação: dado que um eleitor considerava o “grupo A” pior, votava no “grupo B”, tido como menos ruim. Numerosas eleições em Valença definiram-se por esta lógica – uma lógica pouco afirmativa e pouco politizante, baseada numa simplificação das complexidades e das possibilidades da política. Esta era não acabou. Mais uma vez a eleição valenciana transforma-se num jogo com pouca diversidade. Mais uma vez as candidaturas principais constroem motes discursivos centrados na denúncia do suposto desastre que seria a vitória do outro lado – e deixam de lado a real discussão sobre como tirar o município do buraco. Mais uma vez a política valenciana apresenta-se em contrastes de preto e branco: desconsideram-se os milhares de tons intermediários que permitem, no sempre bem-vindo exercí-

valenciana cio do dissenso, a produção de consensos mínimos. E, mais grave, reitera-se a prática de uma campanha com baixa participação da sociedade civil, com baixa densidade de debates ideológicos, mas com intensa presença da claque remunerada e com gastos certamente difíceis de justificar nas prestações de contas (por falar nisso: de onde vem o dinheiro?). É pena, talvez estejamos perdendo uma boa oportunidade. Longe de ser um artigo derrotista, a presente argumentação tenta apenas chamar a atenção para o fato de que não se consolida uma boa democracia só com eleições. Elas são indispensáveis, necessárias, mas não suficientes. Precisamos de vida cívica. Precisamos de uma sociedade disposta a criar soluções – seja cobrando do Poder Público, seja atuando na esfera pública. Precisamos de bons prefeitos e bons vereadores, mas precisamos igualmente de cidadãos que não negligenciem espaços de participação na vida coletiva. Que os eleitos no dia 5 de outubro, quaisquer que sejam, recebam da sociedade não um cheque em branco e a autorização para governar junto aos “amigos” e contra os “inimigos”. Que recebam a advertência de que foram eleitos para administrar Valença – e de que pelo povo organizado deste município serão devidamente acompanhados e cobrados. Paulo Roberto Figueira Leal, doutor em Ciência Política e professor da UFJF


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