Revista Nos

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38 ENTREVISTA

paulo gois bastos

O Alardo era um dos destaques da festa

fins eleitoreiros, o que comprometeria o

é difícil. Às vezes, ao invés de termos o

e nós víamos a apresentação no meio da

seu caráter comunitário e sua representa-

repasse desse conhecimento, que ajudaria

rua, a luta de espadas, era a maior cor-

tividade.

o grupo a crescer e se organizar, a gente é

reria dos meninos. Eu ficava imaginando

Em 2005, Terezino e os outros jovens

criticado”.

de onde vinha tudo aquilo, as pessoas

assumiram a realização do Alardo, após

Terezino diz que o fato de um grupo

vestidas de vermelho e azul, dois times

o quase abandono por parte dos antigos

de jovens liderados por um outro jovem

lutando”.

organizadores. “A gente começou a se or-

protagonizar a festa é motivo de ques-

ganizar faltando uns três dias para a festa.

tionamento, mas para além das críticas

manifestações culturais deu-se primeiro

Foi muita correria, no dia da apresenta-

ele aponta a importância de investir nas

com o Ticumbi, aos 17 anos, para pagar

ção conseguimos um carro pra ir à Barra

gerações mais novas para que o Alardo

uma promessa da mãe. “Brinquei três

buscar todas as roupas e todo o material.

continue a ser encenado. “Tem um monte

anos com os congos velhos. Aí fui chama-

Aí a gente pegou e começou a organizar, a

de guri pedindo pra se apresentar no Alar-

do pra apresentar o Alardo. Eu tinha 19

tomar conta mesmo e a trazer os meninos

do. Infelizmente não estamos investindo

anos quando participei dos ensaios e

que estavam meio desanimados”.

nessa vontade, que é a de trabalhar com

Mas a participação de Terezino em

comecei a apresentar e brincar do Alardo.

Nos anos seguintes, o grupo buscou

as crianças, e, por exemplo, formar um

Entrei como soldado, o último soldadinho

parcerias e apoio para viabilizar a

grupo de Alardo mirim. Precisamos

da ponta. Depois disso, eu fui buscando

festa, foram recebidas algumas doações,

resolver outros problemas do grupo, para

participar da organização do grupo”. Hoje

especialmente para a montagem das

depois construir um projeto com as crian-

ele é Capitão, que é o chefe máximo na

indumentárias. “Ficamos um tempo bem

ças que seja permanente”.

hierarquia de cada um dos exércitos da

pendengando. Fomos nos apresentar

festa.

em um festival de folclore na Barra, uns

encontrar e reproduzir os textos com as

Entre as figuras do Alardo, o Embai-

tinham tênis, outros não ou tinham a meia

embaixadas do Alardo para os demais.

xador é uma das mais importantes. É ele

rasgada, mas fomos assim mesmo. Como o

Esse roteiro de falas, escrito num registro

quem faz as “Embaixadas”. Tratam-se de

Alardo ficou adormecido um tempo, o cui-

semi-culto, tem uma autoria coletiva que

visitas diplomáticas ao fronte inimigo, nas

dado com a indumentária da manifestação

atravessa a história do Alardo. Em épocas

quais os Embaixadores declamam versos

perdeu essa questão da tradição, de cada

diferentes, cada grupo desenvolve e

para persuadir o adversário à rendição

um cuidar da sua roupa”. Tradição que

adapta o seu texto. Assim, as embaixadas

militar e religiosa. Tal atuação exige que

foi recuperada por Terezino e sua turma:

podem sempre ser atualizadas. Terezino

o Embaixador tenha o texto prontamente

“Não temos cem por cento do vestuário

espera incorporar nas falas da festa ele-

decorado. O posto de Embaixador foi o

nosso novo, mas a gente tem uns noventa

mentos que remetam à questão territorial

único que Terezino ainda não ocupou. “É

por cento. E cada um toma conta de sua

das comunidades quilombolas. “Acho que

o mais difícil, pois faz todo esse ritual e se

roupa”.

a gente tem condições, tem capacidade

destaca mais. Mas eu não daria conta de

Um jovem mestre

de fazer isso. Colocar um pouco da nossa

decorar o texto”, admite. Nos últimos anos, Terezino e os demais jovens que brincam o Alardo

A faixa etária dos integrantes dos

de Itaúnas foram os responsáveis pelo

jovens envolvidos com o Alardo vai dos

seu resgate e manutenção. “Assim como

15 aos 26 anos. Era tradição que o filho

qualquer grupo folclórico, acho que o

sucedesse o pai na manifestação, o que

Alardo não tem dono. A gente empresta

não acontece mais. “A gente lamenta

um pouco do nosso tempo pelo compro-

muito essa tradição ter ficado um pouco

misso que temos com o santo, com a

esquecida na história. Os mais velhos são

comunidade”. Ele diz isso em resposta a

os que conhecem melhor os detalhes e a

uma tentativa de apropriação da festa para

tradição da festa. Mas o diálogo com eles

Terezino foi o responsável por

realidade de hoje, de todo o conflito pela terra, para as pessoas que assistirem a festa começarem a ligar uma coisa com a outra”.

* Contribuíram com concepção, produção e edição desta entrevista Fernanda de Castro, historiadora e integrante da equipe do PRCJ, e Sandro Silva, antropólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufes.


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