Revista Vida Secreta (#1)

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GARY WILLIAMS

Vida

secreta REVISTA DE LITERATURA E IDEIAS

1ª = Marcelino Freire, Micheliny Verunschk, Noemi Jaffe e muito +


SARA ANDREASSON

 Colaboradores                 

Bruno Latorre Aymmar Rodriguéz Ale Safra João Gomes Taciana Oliveira Allan Jones Gerusa Leal Adelaide do Julinho Mara Amavara Renato Pessoa Micheliny Verunschk Felipe Valério Adrienne Myrtes Wilson Freire Bárbara Nunes Luna Vitrolira Patricia Chmielewski


      

Cida Pedrosa Maria Luíza Chacon Cleyton Cabral Francisco Pedrosa Noemi Jaffe Teodoro Balaven Marcelino Freire

 1ª Vida Secreta  Arte, edição e projeto gráfico João Gomes  Revisão Dos colaboradores  Esta edição Reeditada visualmente  Interação vidasecretacontato@gmail.com facebook.com/leiavidasecreta vidasecretacontato@gmail.com


2ORTECA

Porque tu sabes que é de poesia Minha vida secreta. Tu sabes Dionísio, Que a teu lado te amando, Antes de ser mulher sou inteira poeta. E que o teu corpo existe porque o meu Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio, É que move o grande corpo teu. Ainda que tu me vejas extrema e suplicante Quando amanhece e me dizes adeus.

Hilda Hilst (in Júbilo, memória, noviciado da paixão)

Comentada no site vidasecreta.weebly.com Sou fã da Revista desde a primeira edição. Quando vi a segunda, juro que pirei. Como pode: gratuita e tão linda! Luiz Vilela, Recife, PE Acredito que os autores e leitores ficarão muito jururus se um dia esse projeto for abandonado por seu idealizador. Gisele Barbo, Sorocaba, SP Muita bravura do editor reunir alguns renomes com nomes desconhecidíssimos. Se bem que todos começam assim. Paulo de Tarso, Natal, RN


 Carta ao leitor Apenas o leitor mais envolvido com essa revista, o que folheia de uma ponta à outra, é que perceberá que essa edição foi reformulada. A capa fálica, clicada por Sylvain Norget, foi substituída por denúncias e achamos charmosa a censura. Mas por dentro, como se tivesse trocado os órgãos, ela respira melhor, igual ao vigor da 2ª, que se distanciou do que era a inicial dessa aberta em sua tela. Houve um renascimento. Representando a linguagem em todo o material, sabendo que antes não possuía meado da intuição gráfica que possuo hoje, convido todos a uma releitura, a mesma que eu atentei para reeditar visualmente todos os autores. Renato Pessoa, que colabora nessa edição, ao ler a notícia da reformulação, citou a palavra “coragem” para descrever a empreitada. É assim mesmo, caro leitor, sou dado a desafios e à retidão. Gosto do diálogo criado por editar literatura, o que alguns chamam de apenas publicidade, é mesmo o que desejarem que seja. Estou mais interessado na aventura de ler. E de repartir. Que mais devo dizer de uma publicação já conhecida? Como devo reapresentar essa seleção? Se compararmos com a 2ª, ficará parecendo que a que segue além da página lida no momento é apenas uma antologia. Não digo que não, se foi um começo, a tentativa conseguida e recebida com tanto carinho de quem aplaude mobilizações e resistência. Assim é. Vamos (re)encontrar a mesma seleção de textos, na ordem que a máquina pôde aqui guardar. No subtítulo, atualizado já na capa, entendemos “ideias” como a proposta que deu a vez nesses primeiros passos. Ao folhear a edição seguinte, aí sim nos depararemos com as sugestões que conversam com Vida Secreta. Nas minibios já há algumas para direcionamento. Enfim, outra vez, uma excelente leitura.

João Gomes Editor/Idealizador


GARY WILLIAMS

Bruno Latorre Funcion谩rio p煤blico, reside em Votuporanga, SP. Escreve poemas, contos e cr么nicas. Tem trabalhos publicados na revista eletr么nica Germina e no Escritoras Suicidas.


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Horror, amor no Ceará árido de minha avó o calor nos faz orar Deus está em toda parte na fome na sede nos homens valores não nos faltam da missa a casa, da casa ao trabalho e todos somos misericordiosos em nossa pobreza não pude me entender visto que não tenho entendimentos apenas fome e suor e desejos

como que naturalmente ou seria divino? ou seria blasfêmia? dei a gostar de homens

e meu desejo descoberto exposto, gritado, ofendido expulso do paraíso recebeu pedradas dos passantes das beatas das crianças da família as pedras? guardei todas um dia afundei no rio

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2ORTECA

Poema de sete abas Quando nasci, um anjo desses bem mirradinho disse: – Vai, Bruno, ser weirdo na vida! Fecharam-se as portas Abriram-se as abas no Google Chrome O metrô passa cheio de todas as gentes Mas o que se passa em mim passa pelo meu fone O garoto tímido atrás da tela é valente, forte e corajoso nas suas palavras e tem raros e muitos amigos no Facebook

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3G da TIM, por que me abandonaste se sabias que meu download ainda não havia acabado? Não é feio que não possa se casar E apesar de tudo acha a vida linda Mas ao amor faltou aulas de geografia Pois nisso aprendeu que há a pornografia Eu não devia lhes dizer mas se mulher é desdobrável gay é acrobata

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ALEX ABODNAR

Família classe C A família classe C está sempre ocupada mais que a classe média que contrata encanadores A família classe C delega ocupações à mãe toda a limpeza ao pai os consertos rústicos ao filho os aparelhos tecnológicos à filha as brigas com a mãe Passam o dia todo ocupados com a casa que um dia vai ser bonita O filho lava o carro do pai A filha passa esmalte em casa A mãe vai ao salão da esquina E o pai toma Skol aos sábados E lá no quarto mais escondido da casa o filho caçula ovelha negra da família escreve poemas urgentes Entrementes, querendo ser gente 10


Vinte e três horas e trinta minutos As pessoas que chegam tarde perguntam-se elas: – um dia chegarão? O jantar que não é requintado mas requentado tem mais silêncio e solidão As pessoas que chegam tarde umas caminham sob o luar assustado outras pegam um ônibus cansado Mas as pessoas que chegam tarde têm sempre alguém à espera seja o cãozinho em alarde seja um sorriso à janela

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RYAN MCGINLEY

Sobrestantivos e subadjetivos heterossexuais são como substantivos estão cada um em seu lugar gays são como adjetivos ora na frente, ora atrás eles podem variar mas quem manda é o verbo e os substantivos, poderosos estes podem conjugar os adjetivos, coitados só conjugam se substantivados

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Querida amiga ‘

querida amiga não pude ir a sua festa meu cabelo ficou preso ao secador estou nu com os bombeiros tentando resolver a situação querida amiga não pude ir a sua festa o ex-namorado do meu ex-namorado me ligou e estamos na Associação de Ex-Namorados Anônimos fazendo testes de livre-associação querida amiga não pude ir a sua festa me apaixonei por um ativista estamos resgatando beagles num instituto de pesquisa me procure amanhã nos jornais querida amiga não pude ir a sua festa fui sequestrado para o tráfico sexual europeu estou digitando este e-mail às margens do rio sena acho que quero ficar querida amiga não pude ir a sua festa na verdade estou sem dinheiro o Santander me comeu até os joelhos por amizade deposite na minha conta se puder * Versão de “Querida Angélica”, de Angélica Freitas

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2ORTECA

Aymmar Rodriguéz É um dos heterônimos do pernambucano Raimundo de Moraes. Publicou Atirem a pedra, Pornópolis e Coesia. Aqui os poemas são do livro Baba de moço.


GARY WILLIAMS

Dos assassinos horrorosos oito aninhos e já pinta o cabelo a boca as unhas oito aninhos e já pega coleguinha na escola dança funk está sempre on-line oito aninhos e já está no caixão (enterro às cinco da tarde) quem estuprou e matou? nem teve tempo de conhecer um tal monteiro lobato

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Da progressão aritmética recebeu 1 milhão de um pastor evangélico recebeu 2 milhões de uma emissora de TV recebeu 3 milhões de um empresário – foi eleito deputado no primeiro ano roubou 10 milhões no segundo 20 milhões no terceiro 30 milhões no quarto – eu e você

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Clemência por favor pare agora senhor juiz pare agora seu caralho é muito grande e meu casamento é amanhã

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RYAN MCGINLEY

Sodomia natalina criança espere só um pouquinho papai noel está de quatro e as renas fazem fila

Descanse em paz? mandaram que ele matasse vários homens – e lhe deram várias medalhas quando resolveu amar outro homem – lhe deram várias facadas

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Finitude olhar um ralo é como olhar a própria imagem no espelho

Fim de feira nos bares da cidade as bichinhas frutificam cheirando a polo e dolce&gabbana no final da noite ávidas suadas incansáveis caem podres entre as pernas dos michês

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FREDDIE ARDLEY

Ale Safra Publicou em revistas eletrônicas e faz parte do e-book Geração em 140 caracteres e da antologia É que os Hussardos chegaram hoje. O seu livro, Dedos não brocham, veio do blog de mesmo nome.


JEFF HAHN

Agora palavras plásticas não atraem abelhas entreguei aos mosquitos esse banheiro num domingo em que amanheci com bodes pastando meu estômago (amargo verbo você não me doa) amar é tempo você não se doa você me dói não temos terra chuva congestionada nesta era apocalíptica fumemos ervas com são joão na ilha [concreta de lesbos (tantos preservativos nas suas palavras não emprenho amarelo)

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FEDERICO MOZZANO

Retrato sedente se a vontade é d'água qualquer coisa outra não mitigara minha sede por mais que me agrade líquidos diversos raspas miúdas em casca de canela você na fumaça me disperso perco o nexo é uma peleja em passos noturnos feito deslize de gato manhoso sem peso nem pressa languido criativo no ócio do desejo solo discordo das convenções sufocantes nunca quis maridos e filhos e todo o peso secular dessas irritações prefiro a vida dos gatos vadios a perambular elegantemente pelas camas nos tetos é preciso coragem para ser gato? e para ser e compreender

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2ORTECA

a liberdade em nós? essa peleja não é fardo mergulhar em águas apátridas pervertida, louca e refrescar essa sede serva das nossas loucuras não seja meu vício emancipada me nina entre suas coxas. escreva seu nome nas minhas costas. venha todas às quartas e vá embora quando eu dormir. árida língua pastagens de ausências não chove em meus ouvidos meu nome na sua língua há sede de tudo que nunca foi

Coisas de menina má Mariquinha tinha dez quando decidiu jamais ter onze. Então salvou a bonequinha do sacrifício e passou a brincar com os meninos da rua.

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Santa Fé 0

no chiqueiro o porco quando puxado pelos pés grita e grita grita grita grita e gira minha cabeça na dor de saber a marreta estala a testa e a faca no coração mudez no chiqueiro a porca alimenta os porquinhos e a outra porca observa se ela sabe fazer isso o porco discute com outros porcos como no chiqueiro aprender a resistir mas não há sublevações nem encantamentos e eles continuam parindo porquinhos para alimentar o dono da porcariada os porcos quando puxados pelos pés gritam e gritam gritam gritam tapo meus ouvidos e assisto lars von trier com os pés sobre para nada me arrastar esse grito preso nos pés é dessa vontade que não anda tudo gira e grita e birra e porcos se debatem sempre que puxados pela trama lá do chiqueiro da minha infância

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Pelos meus olhos palavra sua abaixo os tecidos! úmidas línguas pelejam dedos saqueiam ais apossam-se [imaginação] corpo almeja perder resistências o acaso será nosso amigo? haverá uma esquina onde renderei em você?

após cada batalha voluptuosamente perdida, de volta contar os passos recompor meu nada expectativas são insanas volto pra mim não nos perderemos em nós não me queira fio de contas deixa eu absolutamente s l a

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2ORTECA

João Gomes Nasceu nas ilhas do Recife, PE, no ano de 96. Articula no portal Interpoética. Publicou nas antologias Granja, Sub 21 e Capibaribe vivo. E ainda nas páginas da Germina e Rosa. Guarda Falo enterrado.


JEFF HAHN

Instinterrogações Mas como ser se não construído isso de no desejo sentir os limites? Como pode o isso não sendo o aquilo ditar peso possível e ancorar verdades? Como posso desfrutar as poucas conquistas preso por toda culpa de alheias vontades? Se da libido melhor sei, só as regras perfuram canoa feita por homens sentidos a voltar atrás?

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RYAN MCGINLEY

Coalhada Minha senhora com a mão conheço-te em linhas na minha palma um eme de mãe mas me cabe preencher vazios de antigas dúvidas, se frígida te sentes saber que mamei, minha mamãe algumas glândulas mamárias mostradas na camisa levantada lá na quina da cama da rua de cima na oficina de João. Frutos abocanhados, grandes bolsas de leite para o vagar dos dias chupados. Esta fricção coçada como frieira entre dedos duma inchada arma dura em guerra ao que um dia vago também fez Popeye afogando a cara no busto teu. Mas ó, Olívia, excetuando o direito em corja mesmo com o capital, tanto que era, boia furada, que podre do que tinha pelo que era em si se afogou o abundante peito, ordenhado como de vaca e arriado 28


como um pênis quando perdida a graça, nele arrotado, por mito diminuído num devasso passado enfiado na boca: garagem da chapa. Teu peito, mi madre, um maior que o outro, de diferentes placentas de assimétrica forma acentuada no riso, a enorme flauta dos que tocaram numa gravata que esgana ó mãezinha o eu que me diz, o efeito de causa e já perto de casa o meu cão que late e com o rabo me bate sozinho estive ali. Entre motos, sem nenhum mote desculpa pra morte, o mito de ser feliz e gordo de crente e carente e atento ao silêncio do começo grito rouco no fim este peito de homem sem leite que não o teu sugado por mim.

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ROS OTTAVIANO

Discurso do abastado O bom de simular espera é que assim a vida passa. Pela demora ninguém nunca chega. A não ser se a morte for alguém que muito nos odeia e chegue sufocando. Desça na nossa cara o travesseiro. Ainda que por encomenda. Terminada a vida, não vamos mais argumentar nada, não é mesmo? A solidão aqui está tão glacial que até a mais profissional pegada, mesmo enluvada, serviria. E já alcançada, deixaria até me matar. Vivo ficaria se a pessoa ficasse. Digo aqui, comigo. Não precisaria ser boa. Com minha morte tudo isso deitaria para quem desejasse. Tanto que tenho pra dar, e ninguém aqui pra querer. Digo presentes. Nem as bichinhas me querem mais. Nem a empregada, se eu desse cantada. Só vem porque precisa. Isso não sobe mais. Pode passar a mão, não sobe. Só dormir, e não querem. Alguns pernoites por recheados cheques assassinados. Queria entender o motor de tanta burrice. Mente de gente sem estudo, que lê e não entende, ouve música em inglês pra não pensar. Só cria coreografias. As bichas se empolgam, ligadas na MTV. Single ladies. Nem sabem traduzir ao pé da letra. O amor, quando direcionado, é devoção e poucos o revelam. E amar é uma doença sem perdão? Sodomia é coito anal? Tudo querendo tratamentos por simulação? Argumentos pra converter o instinto? Sei não. Querendo, entenda, não é pedofilia. Elas, as pobres bichas, são re30


féns. Pondo no pódio um controlador da liberdade. Para minha infelicidade, com total inteligência, descarrego humilhações antes das poucas intimidades. Não bato, só digo umas verdades pra ficarem agressivas. É fetiche. Elas precisam de mim? Então é melhor degradar no começo, assim só fica quem tem cu pra ficar. Mas não, ficam se culpando por ser o que são. Solução prática já não funciona. Nem Viagra. Talvez seja nem a humilhação. Elas querem ser enrabadas! Faço o contrário, e elas estacionam humilhação. Pra elas, fogosas por trás como são, bem que é. Michê dotado e traveco mafioso, não aguento. Aspiro um dia mudar a vida duma bichinha de boate. Tão esforçadas, sorridentes e debochadas. Levam sempre, na boca, uma piada. Eu até rio quando não fico sério de dizer franquezas e começa aí a desgraça. Elas pedem adiantamento. Arrombadas, ameaçam, dizem: vou dar parte, ouviu? Foi estupro! Falam em reconstrução. Do cu, é claro, quando ameaçam. De vida, elas esperam pela loteria. Estudam pra ser alguém, e ser alguém, para elas, é ter chelpa. Eu mesmo sou alguém. Não sabem elas que minhas inchadas bolas são as da sorte. As que faltam marcar. Oportunidade pra maioria é homem viril que surge na meia-noite de boate lotada. Mas a barriguinha vazia e elas eufóricas de tanto gritar pra serem ouvidas, roucas de tanto absorver na técnica garganta profunda. É triste querer dar uma de bom e receber isso de troco. Só não me suicido por falta 31


ROS OTTAVIANO

de tempo. Mas, olhe aqui, se a solução prática do Viagra resolver, insisto ainda em caçar. Às vezes é a emoção. Problema que as bichas fofocam demais, queimam meu filme pras carnes novas. Mas do contrário, digo logo, vou dar uma de psicopata. Pego umas bichinhas acompanhadas por saradões que elas não conseguem e levo pra um apartamento com Viagra num bolso e revólver no outro e pago com a vida para a que mais amei me assassinar. Claro que com um dos saradões filmando tudo para anonimamente entregar à polícia. Bicha que não me quis também na boate não vai ficar. Dando close na ultravida que não vou estar. Isso tudo pelo meu azar. Tesão migrou já pra cá. Sou uma maricona que só banca os outros pra ser aceito. Culpa delas, que não sabem ser gratas. Diga lá, custa casar e fingir amar? Finjo tanto, esperando. Digo da vida também. Passar e acabar, sem necas. Falando sozinho? Terminei. Solidão do caralho. Ver o tempo do povo, tirar chelpa pra trazer. Segurar na mentira, mudar de lado. Que alívio deve ser morrer. Na banheira de hidromassagem do inferno quero roçar em você. Adeus.

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RYAN MCGINLEY

Nascer feito Mesmo dura pra foder quando aos cães latir sexo aguardo ser uma dona de carne pra homem voraz. Posso ser a mais piegas a qualquer das tão bregas esposa de ideias desconexas me interno nessa ou enlouqueço. Se oportuno ser meretriz calhe magnético rosto pra uns francos gemidos quando de costas dar ao destino sem próstata. Pego um carente de coito a madame sonhada esqueço finjo que me encontrei mas logo o charme racha em bocados passo a ser eu. Só aspiro mesmo ser titular dos rapazes quando nu tirar o caule exibir a flor sentir narinas e afagos cair de pétalas num depois.

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2ORTECA

Taciana Oliveira Recifense, PE, desafinada, atropelada e tecnicolor. Seu ofício é mesmo seu vício e pratica no habitual a escrita de poemas. Lançará Coisa perdida.


JEFF HAHN

Estrondo Quando me calo é tanto barulho por dentro que nada, nada mesmo me faz soneto. Quando danço não tenho par nem coreografia. Não articulo saudações líricas Não deixo recados para o futuro Não admiro leões no zoológico Não vendo ofertas na vitrine. Quando me calo sei meu norte e minha guia. Deus sabe onde começa e termina a poesia? 35


2ORTECA

Dezembro Sem querer, quero mais, nada demais. Dezembro, antes do fim, serei? Seremos? Deus na sua simpatia dançou no sétimo dia e esqueceu de dizer amém. O que fazer, meu bem, com essa gente sem graça e seus crimes perfeitos? O calendário pede poesia e os dias são sem vaga-lumes. Vamos acender os faróis?

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JEFF HAHN

Marchinha Costuro frases, faço da ofensa poesia A cidade ergue-se ao descaso Os automóveis seguem em romaria De onde o sol se levanta a música se anuncia: Esperança ainda que tardia, na carne serei alegria.

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A César o que é de César Arrisco-me a não glorificar a bosta – muito menos eternizá-la Não sou mais um a celebrar a unanimidade. Na minha seara, o ralo é a serventia da casa.

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FRANK CORREA

Rima tola Cada amor a seu tempo Cada dor em seu lugar Sem os remos o barco ĂŠ do mar

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Allan Jones Nascido em Sergipe, é integrante do coletivo literário Sarau Debaixo. Também é estudante de jornalismo. Escreve coisa de literatura pra nunca na vida precisar ser jornalista.


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Da utilidade pública o senhor Cláudio Pereira negociante de algodão doce e bexiga de oxigênio para crianças parou outro dia a sua bicicleta Monark modelo circular próximo dos arcos da orla e manifestou a maior indignação da própria vida não vendi nada até agora mas eu só queria mesmo é que um dia saísse em qualquer jornal nem precisa ser de televisão que o pessoal que faz algodão doce não coloca a boca na sacola para encher essa desgraça de assopro ou de cuspe até que depois a gente amarra tudo ali com baba e bactéria nesse mesmo momento Pereira pegou uma das sacolinhas de algodão ao vivo prendeu cada ponta com dois dedos e girou girou até encher o saco e depois deu um nó sendo eu a sua testemunha que de fato a boca nem encosta

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Da procura não era você ali parece por dentro daquele elevador cor de tapete urso e capacidade para oito ou nove então cabia cadê? perto daquelas buzinas todas daquelas sirenes todas que diziam que era um homem que tinha se acidentado de overdose e outro que tinha jogado água sanitária no olho do homem que era cliente novo e não pagou o que devia que era dezessete reais e dezessete reais dá para comer tanta coisa e não dá para comprar uma sirene se tivesse uma sirene você vinha mais rápido? não vinha não era você ali comigo para ter visto aquela coisa aquela herpes ali à flor da bolha de grude a roda de brilho na boca daquele policial militar e eu dizendo comigo que era o amor aquilo ali que era o amor estourando na boca da polícia e você não veio.

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não veio nem que toda de fuligem a porra preta a borra o forro que eu peguei na parede da rua e no chão perto das casas que você traz da rua suja com essa fuligem toda que ninguém se esquiva do querosene nos buracos todos do meu rosto que ninguém se esconde dessa agonia preta que dá às vezes na pessoa que demora na rua procurando alguma coisa e aí você não vinha. até que você tinha que ter me aparecido com aquela mão por aquele cachorro ali naquele chão do meio e a sua cara de apertada com aquele cachorro que tinha ou não tinha coleira eu não vi só o seu olho porque não estava alisando aquele cachorro é que eu não digo que eu passei.

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Que sorte tem o Leminski que sorte tem o Leminski ter amado alguém chamado Alice pôde dizê-la ali, seu lugar e só sair dali se Alice fosse e ficar ali se tivesse medo e dormir ali se tivesse colo pôde ter a língua toda ao seu dispor aquele poetinha puto. pôde amar alguém que o nome viça e que o avesso valsa alguém que se pode dizer o nome sem perder a pose agora imagina eu dizer Camila imagina eu o nome não é feio mas só serve pra ser nome eu demorei pensando um verbo e achei comê-la eu digo isso e ela me desgraça.

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e rima então planilha pilha vasilha camomila chá de erva de dormir? não né erva que acorde tem? não tem diga o que é que me sobrou que calha – brilha minha estrelinha brilha. e ela pôs-me embora não que ela me disse eu que vi desapontada amarelinha. eu devia é ter tentado ilha que é longe mas há quem queira [pule molhe queira diga e volte e queira cheire durma e queira e fique e queira perto enfim. mas estrela é foda né estrela é longe como a porra. e o amor eu acho que não chega [a ser mais do que daqui até na casa dela de ônibus.

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Gerusa Leal É recifense, PE, psicóloga de formação, contista e poeta. Pode ser lida no seu blog, o Flor de Gelo, assim como nas páginas de Escritoras Suicidas, Interpoética etc. Todos os poemas aqui são de Versilêncios, seu primeiro livro.


OLYA-O

Escrevedor não escrevo o que não sinto amadora que sou sinto o que não escrevo jeito de amar a dor escrevo o que não sinto salvo a vida não sinto o que não escrevo nem percebo que vivi

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2ORTECA

Arrimo caminho que dá na venda senda que faz estrada mesmo partindo do nada fruto da intuição ergue-se, pedra por pedra muro que dá arrimo seja com rima ou sem ela seja prosa ou barco a vela poesia ou falação pois enquanto houver pena e sentimento no peito precisa haver algum jeito de alguém botar no papel o que outro alguém lá recolhe e com seus muros e barcos refaz a senda do nada e zomba da solidão

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Não-falo falo de mãos e de dedos falo de figos e de seus segredos falo de lábios e línguas falo de peixes e serpentes e maçãs falo de pele e de arrepio falo de velas, espadas e bastões falo de cheiros e de sabores falo de flores falo de romãs falo de cálices, de sinos e de torres falo de calores e de convulsões falo e a noite se vai e eu não durmo não-falo

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DINOS CHAPMAN

Fêmea fóssil Sabe a Fêmea que encontraram no sal? Encontraram no sal de Sodoma? Petrificada? Os arqueólogos encontraram no sal salgado de Sodoma? Perto da campina do Jordão em Sodoma? A Fêmea feito uma estátua salgada, com sua cesta de pães ázimos? Sabe a Fêmea que encontraram? Com seu embornal de farinha? A Fêmea que tinha cabeleira farta? A arcada dentária já falhada? A Fêmea meio macaca? Fossilizada? Fossilizada na encosta de onde já se viu? No tempo sumido? Você viu? Tetravó das mamíferas do Brasil? A Fêmea vertigem? A Fêmea engolida pelo sal da terra? Da Era Bíblica, não sei? Antigo Testamento? Que criava a galinha d’Angola? Criava o porco Pereira? Cabrita e novilha? Ia ao mangue pescar caranguejo? Guaiamum? Sabe desta Fêmea? Irmã da Fêmea do Catimbau? Prima da Fêmea de Natal? Da velha Dona Ninon? Da Fêmea de Mauá? Das Incas, até? Das Filhas do Sol? Das tribos da Guiné? A Fêmea de 100 mil anos antes de nossa era? Ou

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mais? Um milhão de eras? Fêmea com mandíbula de Casé? Parecida a mais terrível das serpentes carnívoras do banhado? Um mistério maior que este mistério? Pegadora de jacaré? Não sabe? Fêmea fossilizada pela desobediência? Pela curiosidade, por acaso? Pela Teologia, não sabe? Vista nas encostas salgadas de Sodoma, repito? Sodoma sodomita, vá saber lá o que é isso? A Fêmea mistificada, você leu no livro santo? De olhos miúdos? Salinizados? Exposta para estudo? À exegese dos estudiosos puritanos? Como uma estátua louca? Quase? Flagrada como se estivesse flertando com as profundezas do mundo perverso? A Fêmea germinal? Das origens uterinas da Feminilidade? Sabe esta Fêmea, não sabe? Esculpida nas encostas da campina de Sodoma? Eletrolítica? Náiade? Efidríade? Esta Fêmea dava o xibiu para outras fêmeas. E como não era o cu, ninguém em Sodoma, até então, tinha nada a ver com isso. * Versão de “Homo Erectus”, de Marcelino Freire

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GARY WILLIAMS

Adelaide do Julinho Poeta neobarraco, saiu em coletâneas, entre elas, Dedo de moça. Participou, como autora convidada, da mostra #Tuiteratura. É uma das Escritoras Suicidas. Vive em Belo Horizonte, MG.


JULIA GEISER

erro de ortografia ai, meu deus, que saudade do amĂŠlio um desassossego: ardor que desacomoda: aquilo sim ĂŠ que era pau pra toda fora

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JEFF HAHN

palíndromo de frente por trás tudo me apraz

ao moço rapidinha x-tudo: festa e foda

floral um antúrio muito rijo pedindo abrigo em um vaso úmido: tempo de poda.

consciência ecológica impossível fechar as pernas e matar a borboleta que voa voa voa entre elas

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OLYA-O

prova de português decorou os lusíadas os cânticos algumas epopeias na hora do vamos ver só lembrou-se do ato: joaquim e seu caralho a quatro

azáfama assim sim ai mais ah ah ah a-hã hmmm aí oh oh uh tudo joão carlos (o nome dele era luiz fernando)

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2ORTECA

Mara Amavara Órfão de pai e boy, Mara ama e mora no Recife, PE. Não tem filha e por isso não tem celular. Mara não liga, mas cobra. Ainda mais quando a calcinha é curta e o cacete é longo.


HIKARU CHO

que o trânsito ficava caótico, do abafado, e que dava sono pela metade da Agameno . E eu sonhava com ilhas. Ilhas de fones de ouvido. Para mamãe temposde defalar chuva dáEm vontade do futuro não de preeu resolvi virar DJ, ver assim é que pensar em mamãe dá vonarranquei a geração dos refrigerantes do tade de saber como é que ela chegou lá seouvido, rá que viu poesia em todas as coisas será guardei a chuva que escorria da janela que mamãe gostava do cheiro de macho do ônibus quando minha seique lá minha dentrotinha de uma floridade branca roubeimano iorcaminho. preocupação é o silêncio aquele silêncio de nuvem que carrega os passos quando a gente tá de pantufas nunca tive pantufas Quando saí, troqueieu o guarda chuva por me preocupo em saber quanto porisso um arco-íris. shhh cabe dentro dessa porra de corpo que eu forço emagrecer no espelho e sim mamãe eu gosto de palavrão pra mim é da mais complexa poesia pois se Pound dizia que poesia é condensar (do alemão dichten = condensare) porra é leite condensado e batido na hora seja na boca seja na cara seja encharcando o mamilo e escorrendo pelas costas 57


ROS OTTAVIANO

Ajuste da cena oito relaxa, meu velho... deixa a coisa tomar conta. coça essa nuca. limpa esse relógio. lembra daqueles clássicos que tu ainda não leu. dessa vez não tem nega no meio, é só tu e essa pomba. na praça. produção, tira o terno dele! tá acabando já, vai. se concentra. pensa naquele dia que tu foi pra praia com o namorado da tua irmã. tu é meu brother, pô! te considero pra caralho! ai, pra caralho! e se eu passasse a mão rapidinho quando a gente fosse pro mar? foi a onda! eu tiro onda pra ver se ele tira essa sunga e me come no seco mesmo, na areia. ai ai ai, viu! concentra, porra! pensa no cara que vende macaxeira lá da rua. ai, tubérculo! adoro. entra duro e sai mole pingando que nem naquela música. puta que pariu. pensa em papai. mas por que pap? pensa em quando teu pai te estuprou com Waldick Soriano tocando Torturas de Amor. isso. pensa nele enfiando a língua na tua orelha e dizendo que tá só começando. que vai limpar o pau nesse teu cu de pano. vida de filho não é fácil. é foda. agora tua avó dizendo que neto é isso mesmo. é pra isso mesmo. tem que ajudar em casa. crio meu neto pra ser alguém! de preferência, com silicone e passaporte carimbado pra paris. se ninguém te come meu netinho, como a gente vai comer? ah, tá doendo? e aquele papo de ator não sente dor? que voz é essa? que cara é essa? porra, cadê tua identidade? cadê tua marca pra, quando alguém ver, dizer "foi ele!"? foi embora. junto com as minhas pregas. 58


DIVULGAÇÃO

Bilhete colado na porta de políticas públicas olha. olha e prega em mim esses cílios de pólen e terra. tua cara de puta quando me olha e poda meus pentelhos. teu olho. tesoura. vive nesse espaço de ser espanto e abelha que me côa e acua os dentes. tenho medo. tu me pica. tua pica esporra na minha cara e floresce um jardim de sonho e porra. te escorro. me escarro. e corro com tuas pétalas embaixo do sovaco. teu pelo despela a pele e pula pelos poros e apela que cada pelo da pele arda. vem. asfalta tua avenida no meu pulso e deixa a petrolífera falir, sem reserva. recapeia não, baby. estraga meu jardim.

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2ORTECA

Anotação encontrada nos classificados do jornal não que eu não fosse puta. mamãe me dava blusas que cobriam até a virilha e umas poucas sainhas. ficava puta! queria roupas que melassem o umbigo e traduzissem a falta de clima. que coisa! emputeci. cortei a saia. cinto. me senti a própria rebelde-semcalça em seu mais fino trocadilho. quando apareci na esquina, começaram a me arrumar emprego. borboleta! princesa! senhora! puta! em cinco minutos, janinho da borracharia já ligava pro SAC. que putaria é essa? ah, meu filho, tem que depilar! esse negócio de modinha não cola velcro comigo. ainda queria que eu pagasse 10! deveria ter dito que só trabalho com dólar. fiquei puta. bem. foi. arrodeou, arrodeou e liberou tudo com direito a psiu! ei! hum! era pra ser só um fio-terra, mas janinho, como bom borracheiro, fez o cu de câmara de ar e não murchou com as bolhas. adorava as bolhas. borbulhava como os gemidos que meu celular dava ao vibrar. sim, eu era moderna! não atendia. enquanto mamãe não me desse roupas que gritassem que eu tinha preço, não ligaria. porra, qual o problema? mamãe me comprou um jaleco. brinquei de médico. mamãe me comprou uma bati-

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na. orei na surdina. mamãe me comprou um terço uma boina um perfume um espelho. mamãe me comprou uma dúvida. mas não me comprou um caralho. todo mundo tem um pau! eu queria era um caralho que ensacasse minha pitoquinha. aí me dão o cu! cuzinho gostoso e sem xuca. você pede um pau e olha a merda que vem! todo mundo tem cu. amarelo ou azul. é o início de tudo. foi dele que nasceu o não. na primeira vez em que o homo erectus virou pro homo sapiens e pediu seu cu bem embrulhadinho. ora, como assim o cu não, janinho? tá ficando assustadinho? e meu pau, cadê? não me enrola, mamãe, me dá logo esse pau. que merda! era tudo sobre o princípio. mamãe me negava um cacete porque tinha medo que eu ficasse abusada demais. imagina eu por aí, desfilando de pau duro. colocando o caule entre as flores. sendo tronco de árvore genealógica. galho de jabuticabeira. quero nem pensar se fosse um cassetete amarrado na cintura. não que eu não fosse puta. só gostava de um cu. diabético.

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DIVULGAÇÃO

Guardanapo deixado embaixo da toalha da mesa tem cara de quem prefere pagar a conta. sabe, sabe sim que eu prefiro rum com coca que sou brega cafuçu que ouve Pablo e Tayrone Cigano mas ainda assim quer me mostrar o que vem depois do “S” da parte que sobe da parte que desce. disse que eu precisava ler mais pra deixar de ser out. vou é botar um óculos na pica e ler esse teu cu letrado, arrombado. disse que eu era muito espaçoso que menos é mais. menos amor e mais cu só se for. já disse que cu é o começo. disse que eu pareço uma varanda. só sirvo pra fumar. é. devo ter cara de tabaco. 62


2ORTECA

Balão desenhado no gibi "a sereia e o mergulhador" tenho medo e tu sabe. toda vez que venho tu diz que é frescura mas sabe lá o que passo pra chegar aqui e ter que te ouvir dizer blub blub blub! blub blub blub nada minha filha da próxima eu tchibum e nem tchum pra tu. oxe tás falando assim comigo por quê até parece que eu botei sargaço na tua boca! ah quer saber também ninguém merece essa tua falta de ar esse Fagner que tu faz toda vez que a gente se vê. tu vai embora? talvez e nem meu rabo tu vai ver dessa vez.

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2ORTECA

Renato Pessoa Nasceu em São Paulo e mora no Ceará. Publicou dois livros de poesia, Corpo arcaico e Solidão singular. Dedica-se à filosofia.


JEFF HAHN

Uma janela no domingo Talvez você surgisse agora por entre essas janelas vestida de nuvem ou grão de fogo. E no mesmo idioma mítico me acolhesse e fizesse de mim um só nível de amor e de fúria.

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KEVIN KORRADO

Naquela manhã Naquela manhã as padarias abriram como todos os dias às cinco e meia, a senhora idosa comprou croissants. O vendedor de jornais e o radialista anunciavam as crises do mundo. Não chovia e os amantes gozavam. Naquela manhã nas praças no tumulto dos pássaros e nos homens ocupados [reluziam atropelos e a criança ia para a escola e o presidente acordava. Nos semáforos nas cantinas a vida barulhava ruidosa como o cabelo da mulher que se penteava naquela manhã.

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Os executivos assistiam ao noticiário e o mendigo tinha fome e a unha crescia e crescia o tecido do olho e alguém fazia aniversário. Naquela manhã a vida inconsequente anunciava o fogo de mais um dia. Exceto para ele. Exceto para aquele senhor, para o coração daquele senhor, que estourou sem ele saber por quê.

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2ORTECA

O lábio eterno E eu imprimo teu nome no vento, na maçã tumultuada, e te batizo de fúria e sopro e você vem tão extensa como um lábio (não um lábio qualquer) mas um lábio que diz a palavra amor.

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LUDWING SIGISMUND

Schopenhauer na janela Este gesto triste de olhar pela janela e ver que o mundo n達o acabou.

Aposta Se nada der certo eu viro suicida e caso com a morte.

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2ORTECA

Micheliny Verunschk Publicou Geografia Íntima do Deserto, O Observador e o Nada, A Cartografia da Noite e Nossa Teresa. Escreve porque é tudo o que pode fazer. Já viveu muitas vidas numa só e está sempre curiosa para saber as cenas do próximo capítulo.


JEFF HAHN

Vudu é um boneco pequenino esse que ora costuro esse que aqui alinhavo com cerol e com cuidado e uns sentimentos farpados o mais importante porém é que tenha um coração o qual se possa espetar com alfinetes com agulhas com o tamanho dessa angústia e alguns cacos de espelho o qual se possa espetar rasgar e depois suturar com amor ou com desprezo.

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Propósito ela se abre pétala a pétala e branca é a sua carne ela se abre pétala a pétala e exala a doce abacaxi. ele duro e brilhante mal sabe o que o traz aqui mal sabe do pólen que traz nas patas no abdômen ele só sabe do que sente do que o consome a noite vem e ela se fecha de novo pétala por pétala ele guardado dentro dela ele luz e calor quando ao dia mais uma vez chegar ela será vermelha ela será ele ela será amor.

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2ORTECA

Dedalus (a prop贸sito de Ulysses)

Esse seu nome acordou comigo esse seu nome antigo esse seu nome borboleta turbilh茫o um animal em 贸rbita ao redor do meu ouvido ressoando repetindo esse seu nome absurdo, em grego antigo. Esse seu nome, labirinto.

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DIVULGAÇÃO

Relevo nenhum lugar que não a tua pele território de luz e sombra e esquecimento paisagem saturada de ti mesmo e lacuna de tudo o que invento. nenhum lugar que não a tua pele horizonte e cicatriz do que desejo palavra cristalina entre meus dedos bicho pedra faísca espelho em que me deito.

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OLYA-O

Sete vidas meu amor eu não vou eu não vou morrer afogada atropelada despencada do céu do avião do décimo segundo andar. meu amor eu não vou eu não vou não morrer embriagada desfalecida esfaqueada por essa tua palavra poesia seja pedra fosforescente ou seja tapa.

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meu amor eu não vou eu não vou morrer agora tenho ainda três espadas sete bolas de fogo um arsenal de argumentos e trezentas palavras. meu amor eu não vou morrer agora no melhor do jogo na penúltima fase eu não vou. e mesmo que eu morra meu amor mesmo que eu morra não me dou por vencida é que na contagem final eu viro outra e tenho ainda sete vidas.


2ORTECA

Felipe Valério Tem a cabeça suja e o coração limpo. Além dos projetos Sem casca, Filé em tiras, Engula, Fórceps e Encosto não se discute. Provocou a novela Hotel Trombose. felipevalerio.com.br


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Termo de declarações (ou ode aos lobos brancos) Aos vinte e sete dias do mês de janeiro de dois mil e quatorze, nesta Comissão de Investigação de Crimes de Natureza Sexual, onde presentes estavam os delegados RUBENS FERRO (vulgo Zé Cheiroso) e AMAURY VANDERLEY (vulgo Tico Serra), comigo, escrivão, ao final descrito, compareceu ROCHELLE AMARULA (nome fantasia), brasileira, mulata-quasenegra, um metro e setenta (já desconsiderando o salto revestido de um classudo acabamento em onça), sessenta e cinco quilos (distribuídos de forma musicalmente equilibrada), natural "da vida" (natureza de cunho espirituosa que deixou os homens do recinto demasiados excitados), QUE, na noite do dia anterior a este, declarou estar fumando um cigarro (desses avulsos, dedicados a fumantes sem culpa) e comendo uma coxa-creme nos fundos do Boteco Bengala Doce; QUE, percebeu a aproximação de três homens-brancos-já-crescidos e um cachorro de raça indefinida; QUE, o mais alto já chegou cambaleando a língua cheia de água na nuca com cheiro de alecrim da vítima; QUE, o mais encorpado apertou suas nádegas (roliças e invejavelmente torneadas) como se fossem bisnaguinhas recém-assadas em um bistrô parisiense; QUE, o mais bonito abriu as pernas da vítima com uma luva amarela de lavar louça (em 77


uma clara evidência kubrickiana); QUE, o cachorro fungou três vezes a coxa da vítima; QUE, o mais bonito falava "as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá"; QUE, o mais encorpado sussurrava no ouvido da vítima termos como "entalar o barrote, escaldar a maraguaia, afundar o rabiosque"; QUE, o cachorro projetou o recheio do pênis para fora como um batom vermelho que procura um par de lábios; QUE, a vítima gemeu "ui..." de forma involuntária e automática; QUE, o mais alto segurou seus cabelos pretos-enrolados e os puxou como se controlasse uma égua cheia de teima; QUE, o mais bonito assoviou "a cada ausência tua eu vou chorar" (em um momento-Jobim que me arrancaram lágrimas); QUE, o mais encorpado penetrou a vítima com uma chave Philips de oito polegadas (movimento de beleza ímpar se realizado em direção à algum spot lumino-incandescente); QUE, a vítima gritou um gemido em lá menor descartando armações em sustenido ou bemol; QUE, o cachorro mordiscou o dedo mindinho da vítima enquanto raspava no asfalto os pequenos testículos; QUE, o mais alto deu dois tapas de tirar choro da cara da vítima; QUE, o mais bonito elevou os braços e fez o movimento de balé rond de jambes air seguindo de um battement tendu em avant (clap, clap, clap!); QUE o mais encorpado sonorizou "hummm","hummm" e "hummmm"; QUE, a vítima sonorizou "não", "nãããooo ", 78


"nãããããooooo; QUE, o cachorro começou a lamber a pontinha do próprio pênis (lindo, lindo!); QUE, o mais alto beliscou dois grampos de roupa (de posse premeditada) nos mamilos (lindamente empinados) da vítima; QUE, o mais encorpado gritou "aaaaahhhhh"; QUE, a vítima soltou algo como "tudo posso naquele que me fortalece"; QUE, o mais bonito declamou em alto francês receitas originais de tartare de bouef, cuisses de grenouilles e ovas de esturjão não-fertilizadas; QUE, a vítima perdeu a consciência por dezessete segundos sendo acordada logo depois pelo quente da urina do cachorro; QUE nada mais disse nem lhe foi perguntando, em seguida, determinaram as autoridades policiais que se encerrasse o presente termo, QUE, depois de lido e achado conforme; QUE, inspirado pelo comportamento inquieto do mais encorpado, declarou que o mais apropriado a se fazer era apagar as luzes, trancar as portas e mentalizar uma árvore de lobos brancos uivando homenagens para aquela já extinta ovelha mulata. Lavrado, perfumado e subscrito, ADEMAR FIGUEIRA

(vulgo Poeta Pierre-Birô).

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DIVULGAÇÃO

Adrienne Myrtes Artista plástica e escritora, já pintou uns quadros e publicou alguns livros, entre eles, o romance Eis o mundo de fora. Acredita que a literatura salva sua vida todos os dias e espera que a humanidade dê seu jeito.


ROS OTTAVIANO

Chá para as formigas Formiga é um bicho muito desprendido. Outro dia peguei uma delas na sala e soltei no quarto, entre outras. Ela não sofreu, não pareceu sequer perceber minha interferência, continuou seu caminho desesperado, seguiu adiante sem tentar voltar para casa; feito quem não tem família, quem domina o mundo inteiro. Já observou como elas vivem atarefadas? Apressadas? Para quê? É o que me pergunto. Contraditoriamente aparentam andar a esmo. Sem rumo certo. Talvez disfarcem. Tramam algo? Será? Quando duas delas se cruzam trocam palavras rápidas. Como se estivessem sempre com a mãe por um fio, uma corda no cadafalso. Formigas não têm tempo para banalidades, para troca de impressões. É impressionante como não relaxam. Embora gostem de chá. Desde que bem adoçado. Vê aquela xícara? Adocei bem. Não vou usar para empurrar o remédio. Estou guardando para elas. Fico horas a fio contemplando seu movimento nervoso. Isso me acalma. Esqueço que agora sou só, meus pais faz tempo não vêm, meus pais, dois anjos. Posso fazer qualquer coisa e fugir para o jardim, sou igual às

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formigas soltas pela casa. Conquistando cada centímetro de solidão com meus passos. Só não tenho pressa. O tempo nesse lugar ficou preso como eu. O tempo, às vezes, mal respira. Agoniza. Convivo com ele, conto histórias, não me deixo para intimidades. Os remédios são trazidos em copinhos, engulo sem argumentar, sem precisar de líquidos. Faço de conta que acredito em médicos e enfermeiros. Faço de conta que não sei que essas pessoas também vão morrer, portanto, desde já, são sombras. Finjo. Não quero que as sombras brancas que me visitam descubram meus pensamentos. Disfarço. Mudo de rota. Mudo. De assunto. As formigas costumam andar em fila indiana e vão e vêm sem atropelos. Aqui as formigas não saem do jardim. Não entram nos aposentos. Elas têm medo de gente louca e não gostam da ausência de cheiros. Na casa em que eu vivia, elas se espalhavam procurando restos de doces. Eu não gosto de doces. Os tufos de algodão branco, guardados nos armários, não são para mim e nem são doces, eles não nascem da quentura de um carrinho mágico cheirando a açúcar queimado. Não estou doente embo-

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ra tentem me confundir com terapias. Conversa mal paga que eu alimento dissimulando, escondendo minha ciência da verdade, a única, todos vão morrer e é irreversível. Sombras, nenhum anjo, apenas meus pais com asas. Silêncio é o que peço quando me calo. Só preciso tapar os ouvidos para dormir, ou que os corredores cessem seus barulhos. Esse cheiro de assepsia é desumano. Esse excesso de branco, de gente oca, vazia de pensamentos. Não gosto de esparadrapo, nem da programação da tevê, menos ainda dessa gente que assiste à tevê. Gente desabitada de alma e sedada. Gosto de gente. Impregnada. Principalmente não gosto de gente que assiste tevê e se machuca e precisa de esparadrapo. Branco. Gosto menos ainda de gritos e brigas. Meus pais brigavam muito, sabe? Gritavam. Eu tenho sono leve e olhava para as formigas correndo do meu quarto para a sala, ou para o estrangeiro. Formigas vão a toda parte. Gosto de formigas, são pequenas. Quando, sem querer, esmago uma delas não há sangue, porque de sangue eu também não gosto; a cor me dá vertigem. A vida é um desmaio. Os corpos dos meus pais desmaiados

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ainda me lembravam vida e sons, precisei atirar mais vezes para estar certo de que calariam. Fechei o buraco da boca dos dois. Eles já não gritam mais, estão pacificados. Não brigam. Descansam em paz no céu dos pais que ninam os filhos. Sei que os transformei em anjos, vi nascerem asas, tranquilas. As formigas são tranquilas. Gosto delas. Formigas não sangram. Nem é preciso fazê-las calar quando se quer dormir.

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DIVULGAÇÃO

Parada de ônibus em feriado Cidade de ninguém. Uma ou duas pessoas se deixam atravessar pela rua e eu espero. Um homem surge ao meu lado, o cheiro vem bêbado e murmurando sons. Não entendo. Medo e o pensamento imediato: é assalto. Fala mais alto: a senhora é tão bonita. Nunca vi uma beleza tão bonita assim. Xi, bebeu. Eu não queria sua bolsa não, nem seu dinheiro, nem nada. Eu só queria que a senhora tirasse a sandália... Eu sabia, é assalto. ...e dissesse assim: beija meus pés. E eu beijava.

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KOTIS PAVLU

Wilson Freire É médico, escritor e cineasta. Publicou em diversas coletâneas e alguns livros, como A mulher que queria ser Micheliny Verunschk e, recentemente, A única voz.


RYAN MCGINLEY

Morria de vontade de cortar os punhos, mas tinha muito medo de sangue. No desespero, cortou os do dia e foi pra o cais ver a tarde sangrar até morrer.

Vem ano, sai ano Mas eu não me canso Só nunca me vou Fechar pra balanço.

Eu admiro é o Sol Que mesmo num dia triste, Enevoado, cinzento, Entre as nuvens insiste Só para provar às trevas Que Luz que é Luz não desiste.

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FEDERICO MOZZANO

— Menino, você tem medo de cachorro doido? — Medo não, senhor. — E de boi brabo? — Também não. — Mas de cobra venenosa, você tem, né? — Não, senhor. — E de quê você tem medo, menino? — Da Mãe da Lua. — Mãe da Lua? — É. Mas só quando ela bota a lua de castigo num quarto escuro do céu e o mundo fica no maior breu. 88


— Menino, cadê teu pai? — Morreu. — E tua mãe? — Morreu também. — E teu irmão? — Qual? — O mais velho. — Também morreu. — É, menino, a vida passa. — Pois pra mim foi a morte que passou.

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RYAN MCGINLEY

A cor da violência Um tiro ao alvo Não é um tiro no alvo. No alvo não se atira. O alvo do tiro Do tira, É o preto, É o pardo.

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2ORTECA

1. Fosse um violão, Que me tocasse Até me violar.

2.

Galo não anuncia aurora Lamenta a madrugada Que foi embora.

3. Quando fecham uma livraria, A estupidez abre as portas.

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DIVULGAÇÃO

Caderno das definições Cais Lugar onde o mundo cai. De onde mundo sai. Corpo Objetos que outros corpos atraem. De onde insatisfeitos saem. Eu Um porto sem cais. Livro Depósito de tudo.

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Estrangeiro Um exilado por si ou por outros. Sonho Cinema mudo e misterioso, produzido e assistido por ímpar. Nome Roupa que nos dão. Vestimos ou rasgamos. Jornais Embrulham notícias e estômagos.

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2ORTECA

Bárbara Nunes Vive no Recife, PE, é professora de espanhol. Publicou os textos “Sambada no samba da criolagem”, “Réplica à Bandeira” e, na coletânea poética Sub 21, “Engenharia às cinco horas”.


2ORTECA

E se todos fossem polvos? Tudo começou com a paella. Todos os domingos, meu pai vai até a casa dos meus avôs e me leva para almoçar. Vovó ajudou a me arrumar e disse que eu estava muito bonito. Sorri enquanto avisava que ficaria esperando no quintal e ela afirmou que papai já estava chegando. Ele sempre atrasava. Minutos depois, a buzina tocou. Vovó me ajudou a sair e meu pai me colocou dentro do carro. Perguntei para onde iríamos e ele disse que para a casa da Fernanda, sua nova namorada. Não me lembro da Fernanda! A última que ele me apresentou foi a Isabela. Ou seria Carla? Papai gosta bastante de namorar. Paramos na frente de um prédio luxuoso e eu precisei de ajuda para subir as escadas até o elevador. “Se tem um elevador, pra quê as escadas?” Papai riu e disse que também não entendia. O apartamento era o 1301. Descobri que a Fernanda era uma moça bonita e tinha um filho, o Gabriel, de terze anos. Eu tinha nove. Ele me chamou para jogar vídeo game e eu ganhei no futebol com três gols do Ronaldinho! No almoço, meu pai colocou bastante arroz amarelo para mim. – É paella, filho. Uma comida da Espanha! – Ah... E o que tem nela? – Várias coisas... Camarão, polvo... – Polvo? Aquele bicho dos braços grandes? Papai respondeu que sim, disse pra eu comer e

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deixar de papo na mesa. A Tia Zizi, da escola, tinha mostrado o que era um polvo na semana passada e eu fiquei imaginando que aqueles pedaços já estiveram no mar. Voltei para casa no final da tarde e perguntei se Vovó conhecia algo sobre os polvos; ela disse que não. Perguntei se o Lula Molusco, amigo do Bob Esponja, era um polvo e ela disse que não, porque ele era uma lula. Perguntei qual era a diferença e ela disse que não sabia. Pedi para ir até o mar para ver os polvos, ela falou que eles deveriam viver lá no fundo e era difícil ver. Ela perguntou por que tanta pergunta. Não expliquei e fui para o quarto. No computador, comecei a pesquisar sobre o bicho. Papai me ligou bem na hora em que li que os polvos gostavam de viver sozinhos e só procuravam namoradas para fazer filhos. Depois da mamãe, papai fez três filhos em três namoradas. Contei para ele que ele era um polvo e que, por isso, gostava tanto de namorar. Ele riu e disse que eu estava muito esperto com a internet, me deu boa noite e desligou. O vô já tinha perguntado se eu tinha escovado os dentes para dormir quatro vezes. A vó diz que eu devo responder sempre porque ele esquece rápido. Será que os polvos também têm memória ruim? Procurei e não encontrei nada. Continuei lendo e descobri que os polvos usam tinta para afastar quem quer machucar eles e isso

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me lembrou o Juninho. Juninho é meu primo e nasceu faz pouco tempo; seu pai, tio João, diz que o cocô dele faz todo mundo querer sair de perto. A vó fica brava sempre que ele diz isso mas é porque ela gosta de cuidar de todo mundo, como a mamãepolvo. Sabia que ela fica sem comer o tempo em que os filhos estão para nascer? Quando eu contei para a vovó isso, ela disse que a minha mãe era igual a mamãe-polvo. A Tia Zizi também disse isso quando eu contei a ela! Ela e a mamãe eram muito amigas. Mas a Tia Zizi não consegue namorado! Será que ela só namora polvos? Ou porque ela reclama com eles quando eles se lambuzam de chocolate que nem faz comigo? Se ela não fizesse isso, eu namoraria a Tia Zizi. Ela diz que se a mamãe me visse hoje, estaria muito orgulhosa de mim porque eu sou bonito. Vovó diz que mamãe está me vendo o tempo inteiro. Eu não me lembro da mamãe. Eu tinha dois anos quando ela foi pro céu. Vovó me contou que mamãe dirigia um carro quando uns moços tentaram levar a bolsa dela. Ela entregou, mas um moço ainda... Como é que vovó diz... O moço ainda atirou! Isso. E várias vezes. Eu queria ter os poderes de um super-herói para proteger a mamãe. Se fosse hoje, eu prendia eles em teias como o Homem-Aranha ou em raios como o Super-Choque. Nós ficamos machuca dos. Vovó disse que mamãe me abraçou e que só me largou quando chegaram os doutores

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para cuidar de nós. Aí ela foi pro céu. Na aula de artes dessa semana, fiz um desenho de todo mundo: a vó, o vô, papai, Fernanda, Gabriel, mamãe e até a Tia Zizi! Coloquei uma mancha marrom no canto pra ser o Juninho. Todo mundo tinha oito braços. Mostrei para os meus amigos e eles perguntaram por que a mamãe estava flutuando. Eu disse que ela morava no céu. Se o céu é tão azul e tão grande quanto o mar, será que a mamãe virou um polvo no céu? Será que ela virou amiga das mamães-polvos?

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Guarda-chuva Passar às sete da manhã na Agamenon é tarefa pra louco em tempo de sol, tem mulher em pé no ônibus reclamando do calor tem homem sentado com várias bolsas no colo tem criança chorando querendo a janela uma mulher na rua come coxinha e joga o ketchup [seco no chão um cachorro anda pela avenida com a língua pra fora, e todo mundo corre pra pegar o ônibus quando chega à Caxangá. Em tempos de chuva é que dia de semana parece domingo nas ruas do Espinheiro: só tem um ou dois carros o cachorro se esconde como pode o povo reclama de abafado nos ônibus [só pra ter do que reclamar] a mulher da coxinha toma café em casa e joga

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o guardanapo no lixo [pra prevenir as enchentes] que nem os barraqueiros do rio Beberibe que usam 2012 pra suplicar nenhuma chuva ao contrário do povo de 60 que não sabia rezar mas rezava pedindo nem que fosse um tiquinho dela, alaga tudo e tem gente que anda de bote. Em tempos de chuvas, as inundações trazem promessas dos políticos com a mesma usualidade de um pão e circo moderno, pós-moderno, ultra-moderno, depois do depois do moderno com retraso mental. E os médicos ainda culpam roedores pela morte de dezenas com urina de DNA humano e esquecem a mulher que comia coxinha, que o trânsito ficava caótico,

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do abafado, e que dava sono pela metade da Agamenon. E eu sonhava com ilhas. Ilhas de fones de ouvido. Em tempos de chuva eu resolvi virar DJ, arranquei a geração dos refrigerantes do ouvido, guardei a chuva que escorria da janela do ônibus dentro de uma flor branca que roubei no caminho. Quando saí, troquei o guarda-chuva por um arco-íris.

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GARY WILLIAMS

Luna Vitrolira #PoeteraDeclamadera. Dedica a vida e morte aos seus devaneios Ontombrológicos e Antroporgias. #Estudo Letras (UFPE). E é lida na coletânea poética Sub 21.


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Ribalta o nosso amor foi filme projetado nas paredes das ruas da cidade dois amantes em clandestinidade descobrindo o sabor do ser amado no teatro da vida improvisado desafiamos a realidade nos experimentamos à vontade ensinando que amar não é pecado se os olhos do mundo nos olharam na ribalta celeste nos salvaram como sonho nas estrelas bordados se os astros tiverem mesmo lembrança esculpiram nossa primeira dança num samba de amor eternizado

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FRANK CORREA

Pe. D贸filo Ato I Lateja lateja lateja, mas mant茅m a pose no altar da igreja. Ato II In nomine patris, et filii, et spiritus sancti. Amen. Eu vi o sino badalando ente as pernas dela como onda que arrebenta saracoteando. Eu vi o padre desejando ser a mosca que posava entre as coxas dela que podre que pobre menina era s贸 pra te benzer, mas o padre te fodia te comia num misto de saliva e 谩gua benta.

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Ato III Abre as pernas, Nina, gritou o seu pai. Marina perdeu toda a sua infância viveu seus dias na eterna ânsia de abrir-lhes as pernas e ouvir “vai”. A mãe doente em cima duma cama ouvia gritos e ria da sorte, esperando apenas hora da morte afundava n’ oceano de lama. Hoje Nina carrega as cicatrizes. Foi p’ra rua viver com as meretrizes – em qualquer cama essa mulher cai – por vício esfrega a boceta no chão, se estupra, enfiando a própria mão com’ antigamente fazia seu pai. * O título é microconto de Marcelino Freire

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Antroporgia

(lamber para poder cuspir)

Comam-se, devorem-se, sacrifiquem-se e sangrem depois. O amor dos homens tem cor de sangue. Evoé. Deus aplaude nosso espetáculo, vendo o mundo se desejando, com vontade de matar. Loucura. A insanidade pendurada nos varais do inconsciente... As almas se debatem suspensas entorpecidas pelo néctar com nepente.

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Eu como carne do vosso Deus e vos pergunto, para onde nos levaria o amor mártir sacrossanto, se o paraíso é apenas impressão? Está nos prazeres da carne o nosso novo testamento. Deem-me um gole de Deus Deem-me um gole do vinho de Deus E embriaguem-se sem descanso As vontades têm pressa a língua testa, atesta e teme. Desculpe-me por não falar das flores.

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ANDREW B. MYERS

Patricia Chimielewski Ácida, cínica, irônica, prolixa, asmática. E avessa a adjetivos. Responde O processo em liberdade condicional. Você encontra a Japa às vezes na Granja, no Resgate, na Tatuagem e sempre deproposito.com/.


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Homossexualismo E aí sim, viveram felizes para sempre. Mas pra mim foi um choque. Ainda estou me recuperando. Nunca pensei. Punha minha mão no fogo. Pra mim é uma surpresa. Mas sabe que não parece? Vocês têm certeza? Não tem a menor pinta. Eu sempre desconfiei. Olha, nos dias de hoje. Não dá pra confiar em mais ninguém. Acho moderno. Que coragem, hein? Cada um sabe o que faz da vida. Deus tá vendo. Mas nessa idade? Depois de velho é fogo. Entre quatro paredes vale tudo. A homossexualidade é a atração sexual entre indivíduos do mesmo sexo. É um ato contrário à lei natural. Fecham o ato sexual ao Dom da vida, que nos é dado com a finalidade de gerar filhos. Ah, vale pela experiência, não é mesmo? Quem nunca... Será que dói? Às vezes é intriga da oposição. Mas você viu? Isso pra mim é inveja. Nunca tive vontade. Ah, por curiosidade talvez. Só pra ver qualé. Aposto que ele estava só tirando uma onda. É um fanfarrão mesmo. Pessoas que nascem com a tendência ao homossexualismo têm pela frente uma grande provação. Devem ser acolhidas com respeito, compaixão e sem discriminação. Tais pessoas também são chamadas a realizar a vontade de Deus e se forem cristãos devem unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição. Pra ver o que o álcool faz com a pessoa. Foi aposta.

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REN HANG

Perdeu no truco. Pra mim ele andava envolvido com drogas. Estava fora de si, com certeza. Vi com esses olhos que a terra há de comer. Parece que a coisa é séria. Esse povo fala muito mesmo. Deixa o cara. Vai cuidar da sua vida. A intimidade dos outros não me diz respeito. Estava escuro na hora. Acho que ele se confundiu. Foda é que nem parece. Olhando ninguém diz. Até que é bem feminina. Não tem gogó nem nada. Belos seios. É bem bonitinha. Parece mulher de família. Ah, é modo de dizer, né? Dá pra perder meia horinha. Quem será que come quem? Ah, tem um jeito de esconder jogando pra trás, com fita. Pra mim essa fanta é uva. Tá mesmo é mordendo uma fronha. Dizem que estão apaixonados. Quero ver passear de mão dada no shopping. Deus castiga. Sodomitas. Não tenho nada contra, só não faria. Acho que é doença. Filho meu não faz essas coisas. É de pequeno que se torce o pepino. Gente, fala sério, qual é o problema? Vocês são tão antiquados. Vão cuidar dos seus rabos. Quem tem, tem medo. Aqui não entra nada não. Só sai. Acho que o pior é pros pais. No trabalho já estão comentando. O porteiro parou de cumprimentar. Aposto que não é de hoje. Ele disse que foi um acidente. Esse aí senta. Está colhendo o que plantou. Dizem que vai ser afastado do cargo. Isso é coisa de artista. Acho que foi armação. Sujeira da braba. Eu é que não queria estar no lugar dele. Vai, qualquer um confundiria. Isso é coisa do demô-

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nio. Refestelou-se, com certeza. Já estava lá mesmo. E eu no lugar dele teria feito o mesmo. Só pra não perder a viagem. Que pouca vergonha, minha gente! Todo mundo sabe que quando um não quer, dois não brigam. Mas até que faz sentido. Acho que ele está mais leve assim. É uma questão de tempo. Eu sabia que uma hora isso ia dar merda. Dá pra ver o brilho no olhar. Não dá pra se esconder a vida inteira. Podia ficar sem essa. Acho que já vai tarde. Era meio afeminado mesmo. Aleluia, hein? Finalmente. Nunca é tarde pra recomeçar. O importante é o que a gente tem por dentro. Será que é hereditário? Agora ele vai sair na rua de vestido também? Dizem que a namorada não liga. A família nunca vai aceitar. Pouca vergonha. A que ponto chegamos. Maior de idade, vacinado, faz o que quer. Acho que se ele está feliz assim, ninguém tem nada a ver com isso. A alternativa é clara. Ou o homem comanda as suas paixões e alcança a paz. Ou se deixa dominar e aceita ser infeliz por toda a eternidade. Se opinião fosse cu, ninguém dava.

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JEFF HAHN

Cida Pedrosa Publicou vários livros de poesia, dentre eles, As filhas de Lilith. É uma das criadoras do Interpoética, também faz curadoria de eventos literários e organiza coletâneas.


LAUREN KRISTIN

Angélica o pênis de angélica era de plástico passou a vida a esfregar-se no espelho eis a sina mulher ou homem injusto desígnio para quem precisa-se inteiro por dentre as coxas voz rouca sob os lençóis desejo de iguais porra bocetas também são objetos de encaixe

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Melissa nasceu loiríssimo e com olhos azuis era o bibelô das tias e concorria a prêmios de bebês teve a fotografia publicada na pais & filhos e foi criado à luz dos ensinamentos do doutor rinaldo de lamare fez a primeira comunhão aos 6 anos pois na época era permitido tão suave e doce que o único pecado dito ao padre foi o de ter espiado o primo nu aos 10 anos virou habitué das tardes de cinema na TV viu a noviça rebelde 15 vezes o vento levou outras tantas e se pensou ingrid bergman em casablanca aos 12 anos foi flagrado a rodopiar pela casa usando o penhoar da tia estela os saltos de oncinha da emília e maquiado ao estilo ava gardner 114


JEFF HAHN

quando completou 14 anos fez sexo com joão atrás da igreja e não gostou tudo nele era lindo aqueles rapazes o desejavam de verdade e não sabiam nunca se ouviu falar de bunda igual àquela e de pentelhos louros quais aqueles o corpo dele era feito para a saia para o justo e para homens que gostam de mulher multiplicaram-se os pretendentes e a notícia se espalhou junto ao codinome de polaca em uma manhã de setembro as suas tias levaram-no à estação rumo a são paulo as luzes eram tantas o povo era tanto a música era tanta e o cinema o cinema tinha madonna e sharon stone com o passar do tempo sentiu falta do mar

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mudou-se para o rio de janeiro trabalhou duro como maquiador do teatro cacilda becker e pagou seus peitos de silicone polaca era a mulher mais linda do pedaço continuava trepando com joões e gostava pouco em setembro do ano passado polaca conseguiu fazer sua cirurgia de mudança de sexo não precisou de acompanhamento psicológico tampouco de terapia intensiva sabia-se mulher desde a infância polaca registrou-se melissa e teve múltiplos orgasmos ao abrir as pernas em flor no pau do namorado goiano

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Milena gosto quando milena fala dos homens que comeu durante a noite é a única voz soante nesta cantina de repartição onde todos contam: do filho drogado do preço do pão do sapato carmim, exposto na vitrine da rua sicrano de tal do bairro de casa amarela onde você pode comprar e começar a pagar apenas em abril sem a voz de milena o café desce amargo

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Maria Luiza Chacon É potiguar, RN, nasceu em 1991. Publicou o conto “Por una cabeza” na antologia Granja. É professora, tem dermografismo e escreve às vezes na pele ou no papel.


GARY WILLIAMS

O olho “quero estar/à beira do rio/ que cai/dos teus olhos.” – Sinhá

Teu nome Esclerótica, chego perto toco o teu nome que também é membrana parte corpo o nome que é Coroide ou Esclerótica ou imagino as imagens de dentro penso em qual local estão armazenadas e sei que no olho está teu cofre ou rio, Esclerótica, Coroide, acima do nariz esse teu nariz aquilino circuncisões do teu rosto teu olho me olha sério no horto ou no teu olho sério está também minha solidão a inaugurante a original a primeira entre as solidões a progenitora a matriarca a patriarca também mas a matriarca principalmente a de que da água veio o mundo todo redondo e bom com criaturas terrestres e marinhas que antes eram terrestres teu olho Horto das Oliveiras tu Esclerótica, Coroide tu te sendo ao avesso teu olho sério que depois sorri para mim porque pisca ou lacrimeja ou mostra para mim o que olhar porque teu olho antes de olho foi ancestral dedo indicador de Adão e tu Esclerótica, Coroide, Mácula Lútea apontavas para que eu visse cores as cores adensando minha visão a minha mão queixosa e sempre disposta a mais receber do que dar ou a minha mão branca erguida sendo um pedaço de cor para cima depois dizem que cão só vê em preto-e-branco Esclerótica, Coroide, minha Mácula Lútea queria ver que nem cão depois ladrar porque vi ou ladrar porque nunca ladrei chego perto de ti teu cofre ou rio ou planta carnívora está

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está mais perto de mim agora mas não sei embora desconfie que haverá o dia entre todos os dias em que recostarei um dos meus dedos sobre o teu olho ou teu horto e tu Esclerótica, Coroide, Mácula Lútea irá fulgurar todas as espécimes florestais evocando primeiro planta carnívora meu dedo no teu olho fecho teu olho mas fecho o teu olho com o meu dedocadeado dentro e primeiro teu olho que antes de ser olho foi dedo indicador vai engolir meu dedo e vai doer ou eu vou dormir acidentalmente com o dedo no teu olho que antes era dedo indicador e vou dormir o sono que não permite que eu sinta dor um sono entre tantos outros um sono-hanseníase e teu olho que antes era dedo indicador vai absorver cada um dos meus dedos até que resulte em minha mão e minha mão dará lugar à sua grandiosa fome ficarei sem uma das mãos o ato de escrever será mais árduo e escreverei com a boca porque vi outro dia uma mulher que pintava com a boca ou vou encostar o topo de minha cabeça no teu olho Esclerótica, Coroide, Mácula Lútea para que teu olho me degluta inteira em ritual antropofágico teu olho teu dedo indicador teu olho tu Esclerótica, Coroide, Mácula Lútea estrutura de músculo e líquido irá adquirir de mim as particularidades a minha força trapezista em que inscrevo minhas acrobacias lanço-me aérea e compenetrada para de cócoras chorar e chorar depois no camarim era trapezista e esquecida e tinha segredos segredos que coexistem detrás dos teus olhos no teu cofre aquele que desejo ter nas mãos que mais recebem do que dão

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que desejo tatear até compreender as formas exatas de um segredo suas depressões planícies e montanhas e teu olho Esclerótica, Coroide, Mácula Lútea, Nervo Óptico vai sair de órbita vai pular para fora passarei lâmina no teu olho como personagem de Buñuel e Dali para que teu olho cortado e gelatinoso ceda espaço para minha mão inquiridora e preta-ebranca para um cão vou costurar teu olho depois para que ele remende vou deixar um talho no teu olho vou roubar de ti Esclerótica, Coroide, Mácula Lútea, Nervo Óptico, Humor Vítreo o teu cheiro de maresia e teu marulho teu olho oco verá mas não registrará então esquecimento precederá esquecimento teu olho irá se comover mas não chorará vou arrancar teus dutos lacrimais vou te deixar ausente feito um deserto vou tirar de ti as intumescências vou tirar de ti as estruturas delgadas porque Esclerótica, Coroide, Mácula Lútea, Nervo Óptico, Humor Vítreo eu pego nas mãos atiro contra o chão e estilhaço em incontáveis pedaços teu Humor tão fácil de destruir e de refazer em remendo mal feito colhendo os cacos grudando-os com merdas do olho do teu cu ou minha mão mais adepta a receber do que dar pretendia acarinhar teu olho que foi dedo indicador ou osso ou gente mas por fortuito te converteu em deserto Esclerótica, Coroide, Mácula Lútea, Nervo Óptico, Humor Vítreo, etc etc para que a solidão se insinue primeiro e depois o olho

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2ORTECA

Cleyton Cabral É publicitário, ator, escritor e o Wally no carnaval de Olinda, PE. Publicou Tempo nublado no céu da boca e assina o blog Cleytudo.


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Apto 302 Começou a organizar os livros na estante: os mortos, os vivos, os mortos-vivos. Alejandra Pizarnik e Ana Cristina Cesar numa prateleira só para elas. Hilda Hilst como se estivesse num anúncio de empreendimento de frente para o mar, visão privilegiada para quem entrasse: um quarto (1 suíte). Perto de tudo. Caio Fernando Abreu ganhou nova vizinha parede com parede: Clarice Lispector. Se é verdade que as paredes têm ouvidos, um vai ouvir os murmúrios do outro nos dias frios, principalmente aos domingos. Lygia Fangundes Telles no andar de cima, passeia sorrateiramente pelos corredores, entre extintores e avencas. Nelson Rodrigues divide uma quitinete com Marcelino Freire. No térreo, uma bodega. Na varanda da frente: Machado de Assis, João Antônio, Ingo Schulze. Alan Pauls vive por ali. Mario Bellatin alegra o jardim. Inquilinos fiéis: Fernando Pessoa, Cortázar, Kafka, Tchekhov, Guy de Maupassant. Luis Fernando Veríssimo dá o ar da sua graça e não para quieto. Foi dormir entre aspas.

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REN HANG

Ex

A questão.

Almoço

Comeu um executivo.

Tapa Depois da bundinha, deu a cara.

Desapego

O músico declarou-se um doador de órgãos.

Furo Depois dos tiros, o repórter cobriu o morto.

Lua de mel pela internet Amor, vamos para a cam?

Apagão Deus disse: "Faça-se a luz!" E todos entraram no Facebook.

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Quadrilha digital

João curtia Teresa que cutucava Raimundo que mandava mensagem in box para Maria que compartilhava com Lili que não bloqueava ninguém.

400 metros rasos Ele, nada demais.

No domingo,

derramou as lágrimas em potinhos de gelo transformou a dor em estado sólido e bebeu com uísque.

Sim

Eu, Tanásia, prometo amar e respeitar na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte nos separe.

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GARY WILLIAMS

Francisco Pedrosa Petrolina, nó, mãe, História, no, cor, eu, Recife, em, dezenove, dislexia, nasceu, vê, estuda, anos, mora, voz, só: costuma cultivar poemas. Está nas coletâneas Sub21 e Capibaribe vivo.


2ORTECA

Vigésimo andar Os paus de concreto Em orgasmo Ejaculam homens Para as nuvens

Susto Um passarinho na minha frente Tão existente quanto eu Nesse momento não mais importa Os cânticos da literatura pagã O sexo científico com camisinha Os fuzis enrugados da revolução Não há espaço para heroísmos: Tem um passarinho na minha frente Tão morto quanto eu

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RYAN MCGINLEY

Do querer Queria do teu mamilo A hora Para contrair o espaรงo No agora Queria da tua cocha O mito Para transfigurar segundo Em infinito Queria da tua buceta O migrante Para cortar a fronteira Do instante Queria do teu gozo O verso Para pintar de tempo O universo

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JOAN MARRERO

Deseja colaborar? Envia, em até oito páginas, teu(s): Artigo com abordagem em cultura; Conto(s) sem necessitar erotismo; Poema(s) de estrutura livre; Romance (trecho) até no prelo; ou tua Crônica de tipo atemporal. Inclui tua minibio de três linhas na fonte Arial 12 e umas fotos para

vidasecretacontato@gmail.com


JEFF HAHN

Noemi Jaffe Escritora, professora e crítica literária do jornal A Folha de S. Paulo, publicou, entre outros, A verdadeira história do alfabeto e O que os cegos estão sonhando. É corintiana roxa.


2ORTECA

Sarah pense numa combinação absurda: uma pessoa que, por gostar de caravelas brasileiras, vai estudar literatura portuguesa em glasgow, a cidade europeia que tem a maior tradição na construção de navios de grande porte. ela se apaixona tanto pelas caravelas e pelo português, que vai morar nos açores, para aprender a língua. de lá, ela vem para o brasil. mas, uma vez aqui, não quer visitar são paulo, o rio de janeiro, nada. só abrolhos e itacaré. ela fica em itacaré, onde abre um sebo e faz traduções. ela gosta de barcos, literatura brasileira e de surf. e tem mais uma coisa: ela existe e se chama sarah. faz poesia em português e nós duas, no porto de salvador, vimos um navio vindo de hamburgo com grandes contêineres que pareciam livros numa biblioteca gigante. eles carregavam carros ou creme hidratante ou lentes de aumento ou panoramas da literatura brasileira. não sabemos. mas um desses contêineres iria cair no mar e, daqui a cem mil anos, um pesquisador vai encontrar esses panoramas da literatura brasileira e só ele saberá, inutilmente, que ela estava prestes a salvar o mundo, mas que o mundo não quis ser salvo.

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Fila se tem uma frase horrível, é essa "a fila anda", como quando alguém critica uma pessoa lenta, um namoro que não atinge o índice esperado de produtividade, coisas assim. a fila não anda, não. e nem deve andar. ela para, ela empaca, ela nem existe. não tem fila nos relacionamentos, no trabalho, nos encontros. só tem no banco, no cinema, no sus e ela é ruim.

Pio tem o que parece vindo da água. o outro é rápido. um é longo e imprevisível. tem um que muda a cada vez. outros aparecem só uma vez por ano. com esse um, agora, a gata se assustou. ouvi-los me acalma sem que eu saiba. se eles param, é como se algo, que não sei o que é, mudasse. eles existirem, estarem aqui, sem saberem de mim e eu pouco deles, não dá sentido, mas é como um sopro na vida.

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Polícia polícia vem de pólis, cidade. militar, de milícia, ligado à guerra. polícia militar é como guerra da, guerra na cidade. é um paradoxo, mas nunca foi tão real. a polícia, que deveria preservar a pólis, ser da pólis, é contra ela. declarou guerra. Os cidadãos, citadinos, se tornaram reféns. quem, quando, como, onde salvará a polícia de si?

Espera waiter é garçom em inglês. se traduzirmos literalmente, waiter seria um esperador. por que esperador? porque o garçom "waits on" people, cuja tradução é atender. atender é falso cognato de "attendre" que, em francês, é esperar, como a tradução de wait para o português. ou seja, esperar e atender são a mesma coisa. acabo de entender um pouco sobre mim mesma.

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GARY WILLIAMS

Inversões o futebol é um esporte que quando a bola começa a rolar, as pessoas chutam ela. o lixo é um lugar que é muito útil para quando as coisas ficam inúteis. a cama é um lugar para a gente acordar bem disposto. o telefone é um aparelho que quando as pessoas falam, ele deixa elas mais longe umas das outras. namorar é uma coisa que quando a gente abraça e beija, a gente fica gostando da outra pessoa. o elefante é um bicho que quando puseram tromba e orelhas nele, ele cresceu muito. a formiga é um bicho que tiraram a tromba e as orelhas dela. a tristeza é uma coisa que quando a gente chora ela vem.

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Ovo na porta do prédio da antiga rua correa dos santos, por volta de mil novecentos e setenta e dois, então com dez anos, li as primeiras frases de demian, de herman hesse, num livro provavelmente emprestado de minhas irmãs bem mais velhas: o pássaro quebra a casca; o ovo é o mundo; quem quiser nascer tem de quebrar o mundo. lembro de estacar muda, por alguns minutos. era uma revelação. quantas cascas quebrei, quantos mundos, quantas vezes parei muda nas calçadas e só hoje, quarenta anos mais tarde, sei que ainda estou dentro do ovo.

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2ORTECA

Vó minha vó, czarna, trazia, todas as sextasfeiras, saquinhos de papel cheios de chocolate para cada uma de nós três. na embalagem ela escrevia, a lápis: stelinhu, janynhu, noeminhu. o chocolate tinha um formato todo desengonçado. eu dizia: vó, me dá cocô. ela ria. tinha vergonha de sentar porque descobririam que ela tinha bunda. tomava banho de anágua, porque tinha vergonha do próprio corpo. fazia um furo no lençol para a hora do sexo. coletava roupas, andando pelas lojas do bom retiro, que depois vendia numa feira do brás, para onde ela só ia de ônibus. esse dinheiro ela doava para os judeus pobres e doentes. o dinheiro que ela recebia da alemanha, guardava numa caixa de sapatos, embaixo do armário. corre uma lenda que o seu marido, com quem ela se casou depois dos setenta anos, teria se apropriado da famosa caixa. uma vez, em santos, depois de se engasgar com um osso de galinha e em desespero para ir ao hospital, chamou um táxi. o marido disse: de táxi, não. é muito caro. e foram de ônibus com o osso entalado.

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Todavia odeio pernilongo odeio maionese odeio gente que se acha odeio falta de educação odeio quem não odeia nada odeio sirene odeio uma pessoa que uma vez me disse que odeia gente gorda odeio gente que fala que toda arte contemporânea é igual e que é tudo coisa de quem não tem o que fazer e que o filho faria igual odeio a palavra todavia, principalmente em literatura, mas também em textos acadêmicos odeio ser obrigada a usar conforme, de acordo com e segundo tal autor, mas não tenho como evitar, odeio banho gelado, mesmo depois de uma sauna odeio quem promete que vai fazer uma coisa, não faz e depois fica dizendo o quê? mas eu nunca prometi odeio gente que tem certezas absolutas incontestáveis odeio uma pessoa que eu não vou falar porque pegaria mal, mas ele só fala as coisas para criar polêmica odeio maionese odeio maionese.

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GARY WILLIAMS

Teodoro Balaven Passou a maior parte da vida em caminhões de mudanças. Diz/eram ser arquiteto. Participa.ções: revista Sexus, Como enganar o Google, entre outras. Edita, sem semiótica, o asfodelos.com/ com seus escritos. Diz/se que simpatizou com você.


2ORTECA

Asfódelos , na porta automática de vidro transparente adesivos identificam o lugar; abre-se permitindo o acesso a uma grande sala de recepção de formato retangular e paredes em tom acanhado que sustentam paisagens bucólicas; a luz branca vinda do forro branco da sala de recepção em contraste com iluminação amarela e insuficiente da rua disputa o espaço das sombras formadas pelas cadeiras; trinta e duas cadeiras vazias, organizadas em oito retas linhas de quatro cadeiras cada; cadeiras de ferro negro e assentos de forro azul; ao fundo da sala e de frente para o conjunto de cadeiras está um balcão construído com tijolos de vidro translúcidos, os tijolos sustentam, preguiçosos, uma bancada de granito cinza escuro; sobre o balcão, papéis perfeitamente organizados, formulários, canetas e lápis; uma máquina de onde retiramse

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se senhas está coberta por uma capa apropriada ao seu tamanho; por trás do balcão duas cadeiras dispostas aleatórias; em uma das paredes o relógio marca três e cinquenta da madrugada; o painel de senhas pisca, vermelho e lento, três zeros; nas laterais do balcão, esquerda e direita, vê-se corredores largos e longos; mas apenas um destes permite acesso; o chão ladrilhado leva por dezenas de portas fechadas; quartos; portas de madeira maciça e pintadas de branco; tudo é branco no corredor; portas numeradas em ordem crescente conforme se avança pelo corredor; ao lado de cada porta uma caixa de acrílico, em cada caixa uma ficha de papel, em cada ficha um nome; a última porta está entreaberta, permite entreaberta, permite entrada no quarto ocupado apenas pela mobília e pelos equipamentos médicos; camas tubulares e enferrujadas e cinzas com cabeceiras encostadas na parede de azulejos; as

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camas levam até uma janela não subtraída pela persiana; em todos os leitos os cobertores estão simetricamente dobrados e deixados sobre os colchões forrados com lençóis verdes; exceto um, onde os lençóis estão amarrotados e o cobertor dependurado e o travesseiro com depressões gravadas na espuma; no criado mudo um copo quebrado, uma prancheta e um cartão de papel pardo; no papel, nome, diagnóstico, tratamento prescrito, estranhas palavras traçadas com letras rápidas e uma ziguezagueante linha preta que mostrava a febre ascendente anotada e acompanhada até duas e trinta e quatro da madrugada; uma corrente de ar fria e forte jogou subitamente o cartão de papel pardo sobre as pétalas dos asfódelos espalhadas pelo chão ao redor da cama.

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2ORTECA

Marcelino Freire Publicou, entre outros, Contos negreiros e, recentemente, Nossos ossos. Organizou Os cem menores contos brasileiros do sĂŠculo. Criador da Balada LiterĂĄria, que acontece em SP, onde reside.


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Poeminha de amor concreto da mesma forma que você dá o pão à mesa dá a mão um abraço da mesma forma que você dá um aviso um acorde dá um choque um chute um salto da mesma forma que você dá uma carona um passo dá uma força um recado da mesma forma que você dá uma bronca um tapa dá um duro uma gravata da mesma forma que você dá a luz uma ideia dá um gole uma festa da mesma forma que você dá uma rosa um beijo dá uma bala uma moeda da mesma forma que você dá boa tarde boa noite boas-vindas dá uma desculpa um tempo da mesma forma que você dá de cara dá de frente dá de ombros de bandinha da mesma forma que você não me dá a mínima não me dá ouvidos não me dá bola da mesma forma que você não dá o melhor de si eu dou o cu meu amor e daí.

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2ORTECA

Pagando para escrever Se fosse cobrada uma taxa por palavra usada. E por pontuação também fosse cobrado um tanto. O escritor pensaria mil vezes antes de escrever. Muita gente ficaria com saldo devedor no mercado. Eta danado! Por exemplo: pelo uso de exclamação. Cada vez que um autor dissesse “que dia lindo!!!!!!” ou “o que você está fazendo aqui?!!!!!!”, pagaria pelo excesso. Interrogação idem. Tem quem ache que a pergunta já não foi feita e haja abusar. Tem lógica uma coisa dessas????? Reticências, principalmente usadas em poemas, teriam uma taxa extra. Melhor seria não vacilar… Pela utilização da expressão “um misto de”, o pagamento deveria ser em dólar. “Sorriso” custaria o olho da cara. Por falar em “olho”, toda vez em que aparecessem “olho”, “olhar” e derivados, a conta do escritor iria para o alto. “Naquela tarde” e “naquela noite” inviabilizariam a publicação de um livro. O “que” também. Aqui, confesso, nesse caso, eu mesmo pediria falência. Conjunções em demasia (“pois” é a mais cotada), taxas e taxas. Advérbios, como o “lentamente” e o “suavemente”, poderiam ser vendidos separadamente. Em pacotes promocionais. “Um dia”, “foi então” e “quando”, o autor teria de renegociar a dívida. O “pensamento” está proibido. O verbo “sentir”, nem pensar. Ave nossa! Ao final do balanço, creio, a saída seria, feito Guimarães Rosa, inventar uma língua só sua. Ou, digamos, pegar tudo o que está aí e reciclar. Melhor maneira não há para economizar.

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O trabalho do escritor Como eu faço para publicar o meu livro? E para sair no jornal, como é que é? Para conseguir uma resenha? Você tem como me passar os contatos? E como entro para o grupo de vocês? Vocês ainda se reúnem na Vila Madalena? Você acha que vale a pena contratar um assessor de imprensa? Você me ajuda nesta? E as festas literárias, como participar? Você, por acaso, tem uma lista de feiras? Contatos no interior? Vejo que você viaja muito. Pelo Brasil e pelo exterior. Tem como, assim, indicar o meu trabalho? Eu gosto de falar. E contar umas piadas. Juro que não irei decepcionar. Posso até pagar os custos da viagem. E, olha, estou aqui para o que você precisar. Sem favorecimento. Nem camaradagem. Tem como você me convidar para o evento que você, todo ano, organiza? Só o fato de estar lá ajudará a espalhar a minha literatura. Você leu o que te mandei, não leu? O que achou? Eu gostaria de uma orelha sua. Pode ser? Um nome ajuda na hora de os jornalistas receberem a obra na redação. E os prêmios literários? Fala. Como eu faço para ganhar um? Você já foi premiado, não foi? Merecido, com certeza. Ainda não li o que você escreve. Mas juro que eu lerei um dia. Admiro sua prosa, sua poesia. Hoje, dia primeiro de maio, Dia do Trabalhador, me lembrei de você. E falei assim para mim: vou escrever um e-mail para ele. Quem sabe ele não me tira deste marasmo? Desta preguiça. Todo escritor é mesmo desse jeito, é ou não é? Estou no caminho certo, não estou? Só preciso de sua força. E um pouco do seu suor. No aguardo de sua resposta. E com o abraço do seu eterno admirador.

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Enganando Google Escritor de verdade engana o Google. Explico: escritor que é bom o Google não consegue pegar. Nada saberá sobre ele. O verdadeiro escritor deixa o Google perdido, entende? Explico de novo: quando você escreve uma frase, antes de terminar a busca, o Google tem a mania de querer completar a frase por você. O que eu chamo, tal fenômeno, de uma nova “escrita automática”. Já notou? Os celulares também querem escrever por você. Você começa a digitar um nome, o celular quer pegar a sua palavra no ar. O mesmo acontece no Word. A eficiência com que ele quer completar as suas linhas. Vôte! E eficiência, meu caro, nunca foi qualidade literária. Saca? Se o Google for capaz de completar uma frase sua, uma metáfora, um verso, você não está com nada. Escritor que se preze, hoje, tem de despistar o Google, o celular, o Word… Ninguém pode escrever por você. E nem pensar. É. Também querem pensar pelo nosso pensamento. Falo, agora, do Facebook. Um pôste sobre ele, esse vampiro, prometo escrever mais à frente, enfim. Isso, é claro, se o Google não escrever por mim.

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Meu casamento gay Não preciso dessa igreja para casar. Desse altar de ignorância não preciso. Digo isso a Murilo, meu marido. Meu bem. Disseram que o novo Papa, o Francisco, é contra o casamento gay. Eu também. Digo: contra esse tipo de casamento eu sou. Dentro dessa doutrina retrógada não estou. Tô fora. Não é o Papa quem vai afirmar que a nossa união é legítima. Pobre deste Francisco que não crê na nossa palavra salvadora. Murilo, meu anjo. Eu me lembro. Do dia em que a gente se encontrou. No mundo. Aconteceu um milagre, de repente. Àquele momento eu fui feliz para todo o sempre. Eu já sabia. Desde aquele dia em que fomos escolhidos. Um para o outro. O futuro que construímos a partir dali. Meu tesouro! Não é o Papa e nem ninguém que vai destruir. Evangélicos maquiavélicos também não conseguirão pôr abaixo a fortaleza deste nosso sentimento. Meu querido Murilo. É isto o que estou te dizendo. Não liga. Não fica chateado. Não espera da igreja a bênção que, todo dia, eu te dou. Ao teu lado, até que a morte nos separe, meu amor.

147 JEFF HAHN


2ORTECA

1. Cama redonda. Casal quadrado.

2. O pau era grande. A cabe莽a, pequena.

3. Subia pelas paredes a aranha.

5. X么, xota!

4. P么s o pau para fora e dentro.

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6. Escolhesse então. Um pé na bunda. Ou uma mão.

7. Limparam tudo. E puseram a culpa no faxineiro.

8. Dinheiro suado é o mais limpo.

9. De que adiantava falar tantas línguas se não ouvia ninguém?

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CLEMENT BAVALOINE

Agradecemos a você, leitor, por ter chegado até aqui, mesmo que folheando todas as páginas para ler depois. Mais ainda, se você já leu a edição antes do seu renascimento, de sua nova capa, e por isso pedimos que você compartilhe, faça se tornar público até chegar a quem não conhece Vida Secreta, sobretudo reeditada. Uma seguinte edição já se encontra na íntegra, pode também ser lida gratuitamente, que contém a mesma força e novas ideias sem vez nessa primeira. Não é que negamos nossos passos, queremos pisar com mais força, deixar nossa pegada na sua imaginação, participar de suas leituras, e por isso nossa seleção é tão espaçosa e lógica na baliza editorial de quem procura por uma ficção alternativa. Até a próxima.

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SYLVAIN NORGET

Vida

secreta REVISTA DE LITERATURA E IDEIAS

nossa capa censurada pelo pudor em pleno século XXI

1ª = Marcelino Freire, Micheliny Verunschk, Noemi Jaffe e muito +


Vida Secreta

é uma publicação literária online sem fins lucrativos. Nossa proposta, desde essa primeira edição, é difundir a literatura, ajudando a criar um imaginário da palavra em resposta ao nosso tempo. Todas as imagens que colorem as páginas da revista são reproduções da internet. Nosso esforço em tentar dar os créditos foi abrangedor mas nem sempre foi possível. Então solicitamos aos detentores que nos procurem, caso queiram a remoção ou pôr os devidos créditos. Ficaremos vibrantes se toda a estética aqui construída venha agregar a todos justamente.

MAIO/2015: VIDASECRETA.WEEBLY.COM

Leia a 2ª ed. espalhe nosso segredo


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