Perplexidade na universidade: vivências nos cursos de saúde

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VIVÊNCIAS

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FORMIGA ATÔMICA FELIX ALBERS

U

MA M ANHÃ, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor

Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto”. Gregor sou eu. Acordo de manhã, espicho minhas seis patas, uma a uma, humor de barata, determinação de formiga. Com movimentos sinuosos, minhas antenas ajustam-se ao clima úmido da manhã de mais um dia. Elas captam o desespero que os olhos não vêem. Diante do espelho, abro um sorriso de quelíceras. São tempos difíceis. Há vantagens em pertencer ao mundo dos invertebrados decerebrados. Por exemplo, caminho rapidamente em direção à parada de ônibus, meu casco me protege da chuva e, no caso de uma freada brusca do ônibus para não atropelar o moleque pedinte, seguro-me rapidamente em tudo e em todos. Nada me derruba, afinal, tenho sangue de barata. Sou, como inseto, um ser evoluído em tempos difíceis. É domingo. Chego ao hospital, dia de plantão na Emergência. Dizem que sou bom no que faço, o único problema é que gasto três pares de luvas cada vez que me atraco sobre um politraumatizado, o que eleva os custos hospitalares. São tempos difíceis. Meus colegas de trabalho pertencem cada um a uma família diferente. Tem o burro, o tigre, o tucano, a lesma, o pavão. Eu, ser insignificante, invertebrado e decerebrado, sou mais adequado para o diaa-dia médico, apesar do problema das luvas. Tenho “o perfil”. Sou famoso pela massagem cardíaca mais eficaz do planeta, e ainda pos101


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