A saúde nas palavras e nos gestos. 2 edição

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— ou um sinal dos tempos. Entretanto, uns poucos intelectuais férteis e produtivos são hoje o farol para onde se voltam os anseios de estudantes de pós-graduação, de alguns gestores, e, em menor medida, dos profissionais da ponta. Diante de um regime generalizado de produção de pequenos saberes, fatiados e fúteis, o surgimento de “boas novas”, ideias interessantes e atraentes, produzidas por pessoas coerentes e carismáticas, são rapidamente — na velocidade pausada da história, quer dizer lustros ou décadas — absorvidas e digeridas. As nossas pós-graduações de saúde coletiva quase não produzem mais pensamento crítico, limitando-se ao basal, à repetição mal mastigada e mais mal digerida dos pensadores da moda. Alguns autores ou discussões são considerados ultrapassados ao passo que outros se tornam de uso obrigatório, e seu uso é marcado por abordagens de superfície. Em dimensões como, por exemplo, a metodologia da pesquisa chamada qualitativa, tema sobre o qual dou aulas, a superficialidade é gritante; é claro que com exceções honrosas e heroicas que confirmam a regra. O mercado das ideias da saúde coletiva é estreito e paranóico: poucas revistas, pouco tempo de estudo, pouca exigência de reflexão e esforço, estudantes e orientadores mergulhados no “faz de conta” e ausência de um projeto social mínimo sobre o tipo de pesquisador ou docente em produção ou em desejo de produção. Muitos estudam tão somente para ganhar mais prestígio, poder, ou aumentar o salário. A pressão social e funcional para fazer um mestrado ou doutorado é enorme. O como, o que, o para quê e a qualidade são menos importantes. O quanto sim, é fundamental. E o onde também, mesmo que esse onde tenha mínima penetração social. Pareceria que, ao querer se engraçar com os órgãos de fomento que definem o que é o “melhor”, os programas e grupos sacrificam o que historicamente tiveram de melhor: a reflexão profunda, pausada, cuidadosa; a relação apaixonada com os saberes e seus produtores; o conhecer, o dialogar, o problematizar como aventuras criativas. Hoje, quase não existe o cuidado tradicional que se tinha 243


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