Favelas na periferia

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Teresa Cristina de Almeida Faria

Favelas na periferia: (re)produção ou mudança nas formas de produção e acesso à terra e moradia pelos pobres na cidade do Rio de Janeiro nos anos 90

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requesitos necessários à obtenção do grau de doutora em Planejamento Urbano e Regional. Orientadora: Profª Luciana Corrêa do Lago Doutora em Arquitetura e Urbanismo/ USP

Rio de Janeiro 2004


Agradecimentos

Essa tese é resultado de um trabalho construído ao longo de um tempo, com a colaboração inestimável de colegas, companheiros e amigos. Agradeço a cada um deles pelo apoio, críticas, contribuições, palavras de incentivo e amizade. Em especial, agradeço à minha orientadora, Luciana Lago, que por muito tempo tem sido minha verdadeira mestra, além da paciência que vem me dedicando e amizade. Á equipe de bolsistas do Observatório de Políticas Públicas do IPPUR, que me apoiaram com maior dedicação no trabalho de campo. Em especial agradeço ao Victor, Peterson, Paulo Renato, Ana Cristina, e Alexandre. À minha amiga querida, Talita Barreto, que me ajudou nas tabulações dos questionários, edições de fotos e da capa da tese, além das palavras de incentivo nos momentos mais difíceis. À amiga Fernanda Furtado, pelos livros, textos e incentivo. Aos professores e colegas do IPPUR, que contribuíram com minha formação acadêmica através dos ricos debates em sala de aula. Á Capes e CNPq, pela concessão de bolsa de doutorado através do IPPUR/UFRJ. Ao Adauto, Ana Lúcia, Fernanda e Laisinha, pela leitura criteriosa da tese. Aos moradores das Favelas Asa Branca e Verde é Vida, pela paciência, disponibilidade e boa vontade ao responderem aos nossos questionamentos.

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SUMÁRIO

Lista das Tabelas.....................................................................................................................

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Lista dos Gráficos....................................................................................................................

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Resumo.....................................................................................................................................

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Abstract....................................................................................................................................

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Apresentação...........................................................................................................................

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Capítulo 1 – Acesso ao Solo e à Moradia pelos Pobres Urbanos........................................

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1. Introdução............................................................................................................................. 2. Urbanização na América Latina........................................................................................... 3. Produção da Moradia e as Condições Habitacionais dos Pobres Urbanos........................... 4. Irregularidade/Ilegalidade no Acesso ao Solo e à Moradia................................................... 5. Políticas Habitacionais.......................................................................................................... 5.1. As políticas para as favelas no Rio de Janeiro............................................................... 6. Condições de Acesso: redes sociais e mercado imobiliário.................................................. 6.1. O migrante na cidade..................................................................................................... 6.2. Mobilidade residencial da população de baixa renda..................................................... 6.3. Exclusão e segregação residencial.................................................................................

18 19 22 27 32 36 41 42 50 57

Capítulo 2 – O Processo de Estruturação Intra-Urbana e a Formação de Favelas no Rio de Janeiro..........................................................................................................................

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1. Dinâmica Populacional e Urbana.......................................................................................... 1.1. A expansão periférica do Rio de Janeiro........................................................................ 1.2. A Região Administrativa de Jacarepaguá...................................................................... 1.3. A Região Administrativa de Bangu...............................................................................

65 68 71 75

2. Evolução das Favelas na Cidade........................................................................................... 2.1. A expansão das favelas até a década de 80.................................................................... 2.2. O crescimento das favelas a partir da década de 80.......................................................

78 78 84

Capítulo 3 – O Espaço da Favela: dois estudos de caso.......................................................

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1. Introdução............................................................................................................................. 2. Pobreza Urbana: desigualdade e informalidade................................................................... 2.1. Aspectos demográficos.................................................................................................

93 99 105

3


2.2. Mercado de trabalho e Informalidade............................................................................ 2.3. Impacto das transformações do trabalho na estrutura sócio-espacial............................

111 118

3. Formas de produção do Espaço............................................................................................ 3.1. O processo de ocupação das favelas a partir dos anos 80.............................................. 3.2. Evolução da estrutura interna.........................................................................................

124 124 133

4. Requalificação da Favela: uma revisão dos conceitos.......................................................... 4.1. Similaridades e diferenças entre as favelas: os casos de Asa Branca e Verde é Verde. 4.2. Favelas dos anos 90: permanências e superações..........................................................

145 145 151

Considerações Finais...............................................................................................................

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Referências Bibliográficas......................................................................................................

167

Anexo I – Mapas...................................................................................................................... 1. Figura 01 – Regiões Administrativas do município do Rio de Janeiro........................... 2. Figura 02 – Situação – Favelas e Loteamentos (década 70/80)...................................... 3. Figura 03 – Situação – Favelas (década 90).................................................................... 4. Figura 04 – Localização da favela Asa Branca............................................................... 5. Figura 05 – Foto Aérea da favela Asa Branca................................................................ 6. Figura 06 – Localização da favela Verde é Vida............................................................

176 177 178 179 180 181 182

Anexo II – Fotos...................................................................................................................... 7. Figura 07 – Rua da favela Verde é Vida......................................................................... 8. Figura 08 – Rua da favela Asa Branca............................................................................ 9. Figura 09 – Rua da favela Verde é Vida......................................................................... 10. Figura 10 – Rua principal da favela Asa Branca............................................................. 11. Figura 11 – Padrão Habitacional da favela Verde é Vida............................................... 12. Figura 12 – Padrão Habitacional da favela Asa Branca – “Quinto dos Infernos”.......... 13. Figura 13 – Padrão Habitacional da favela Verde é Vida............................................... 14. Figura 14 – Padrão Habitacional da favela Asa Branca.................................................. 15. Figura 15 – Becos e moradias da favela Verde é Vida................................................... 16. Figura 16 – Becos e moradias da favela Asa Branca...................................................... 17. Figura 17 – Comércio na favela Asa Branca.................................................................. 18. Figura 18 – Comércio na favela Asa Branca.................................................................. 19. Figura 19 – Esgotamento Sanitário em Asa Branca........................................................ 20. Figura 20 – Esgotamento Sanitário em Verde é Vida.....................................................

183 184 184 185 185 186 186 187 187 188 188 189 189 190 190

Apêndice...................................................................................................................................

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RESUMO

O número de favelas e sua população aumentaram em toda a cidade a partir dos anos 80, intensificando-se no início da década de 90. A Zona Oeste da cidade, a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, foram as áreas de maior crescimento. Esse fato chama a atenção por serem áreas, com exceção da Barra da Tijuca, onde a forma principal de assentamento popular, até os anos 80, era o loteamento (irregular e clandestino), e não a favelização. Essa tese tem como foco, as mudanças na forma de produção e acesso à terra urbana e moradia, diante: i- as mudanças na estruturação interna das favelas consolidadas, através da valorização imobiliária e da constituição de mercado imobiliário seletivo, que denominamos “desfavelização” da favela; ii – mudanças nas formas de ocupação e produção das favelas recentes, que vem alterando o padrão de estruturação do espaço periférico, que até os anos 80 era constituído pelo binômio loteamento-autoconstrução, nos levando a retomar o tema das invasões organizadas e coletivas iniciado na década de 80. A favelização da Zona Oeste nos anos 90, entendida como um mecanismo específico de acesso à moradia pela população de baixa renda, tem como hipótese explicativa, a desfavelização das favelas consolidadas, o empobrecimento da classe média baixa, e a conseqüente mobilidade espacial da população que já residia na cidade, seja em outra favela, seja no mercado formal. A análise e interpretação do fenômeno foram realizadas através de dois estudos de caso: Asa Branca, localizada em Jacarepaguá; e Verde é Vida, localizada em Senador Camará.

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ABSTRACT

The number of slums and your population increased in the whole city starting from the eighties, intensifying in the beginning of the decade of 90. The Zona Oeste of the city, Barra of Tijuca and Jacarepaguá, were the areas of larger growth. That fact gets the attention for they be areas, except for Barra of Tijuca, where the main form of popular establishment, until the eighties, was the division into lots (irregular and secret), and not the favelização. That thesis has as focus, the changes in the production form and access to the urban earth and home, before: i - the changes in the structuring intern of the consolidated slums, through the real estate valorization and of the constitution of selective real estate market, that denominated " desfavelização " of the slum; ii - changes in the occupation forms and production of the recent slums, that is altering the pattern of structuring of the outlying space, that until the eighties it was constituted by the binomial division into lotsautoconstrução, taking us to retake the theme of the organized and collective invasions initiate in the decade of 80. Zona West's favelização in the nineties, understood as a specific mechanism of access to the home for the population of low income, has as explanatory hypothesis, the desfavelização of the consolidated slums, the impoverishment of the middle class lowers, and the consequent space mobility of the population that already resided in the city, be at another slum, be at the formal market. The analysis and interpretation of the phenomenon were accomplished through two case studies: Asa Branca, located in Jacarepaguá; and Verde é Vida, located in Senator Camará.

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LISTA DAS TABELAS

Tabela 1 – População Residente e Incremento Populacional nas Áreas de Planejamento e no Município – 1980/1991 e 1991/2000................................................................................... Tabela 2 - Produção de Lotes por Tipo de Agente................................................................... Tabela 3 – Número de favelas e População residente – 1980-1991-2000.............................. Tabela 4–População Total, População Residente em Favelas e sua Participação Relativa em relação à População Total nas Áreas de Planejamento – 1991 e 2000................................ Tabela 5 – População Residente em Favelas e Incremento absoluto e relativo nas Áreas de Planejamento e no Município – 1980/1991 e 1991/2000..........................................................

66 69 85 89 90

Tabela 6 - Percentual de Moradores em Favelas selecionadas, por grupos de idade – 2000...............

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Tabela 7 – Distribuição Etária e por Sexo – 1998...................................................................

107

Tabela 8 - Percentual de Moradores por Nível de Escolaridade nas Favelas selecionadas e Região Metropolitana do RJ – 2000................................................................................................................... Tabela 9 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em setores sub-normais, por Anos de Estudo, segundo bairros selecionados – 2000................................................................................... Tabela 10 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em Favelas selecionadas, por Anos de Estudo – 2000....................................................................................................................................

Tabela 11 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em setores sub-normais, por rendimento nominal mensal em salários mínimos*, segundo bairros – 2000.................... Tabela 12 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em Favelas selecionadas, por rendimento nominal mensal em salários mínimos*– 2000................................................ Tabela 13 – Percentual de Chefes de Domicílio por Endereço Anterior ................................ Tabela 14 - Percentual dos Principais Motivos para Mudar para a Favela............................ Tabela 15 – Forma de Construção da Moradia........................................................................ Tabela 16 - Percentual de Domicílios por Tipo de Abastecimento de Água, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros – 2000......................................................................................................... Tabela 17 - Percentual de Domicílios por Tipo de Esgotamento Sanitário, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros – 2000......................................................................................................... Tabela 18 - Percentual de Domicílios por Tipo de Destino do Lixo, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros – 2000......................................................................................................... Tabela 19 - Percentual de Domicílios por Tipo de Abastecimento de Água, em Favelas selecionadas – 2000............................................................................................................................... Tabela 20 - Percentual de Domicílios por Tipo de Esgotamento Sanitário, em Favelas selecionadas – 2000..................................................................................................................................................... Tabela 21 - Percentual de Domicílios por Tipo de Destino do Lixo, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros – 2000..........................................................................................................

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108 108 109

110 110 128 130 135 138 139 139 140 141 141


LISTA DOS GRÁFICOS

Quadro 1 – Tipo Familiar da favela Asa Branca ......................................................................

104

Quadro 2 - Tipo Familiar da favela Verde é Vida ..................................................................

104

Quadro 3 – Benefícios declarados sobre o endereço atual – Asa Branca ................................

132

Quadro 4 – Benefícios declarados sobre o endereço atual – Verde é Vida .............................

132

Quadro 5 – Relações de Vizinhança – Asa Branca .................................................................

136

Quadro 6– Relações de Vizinhança – Verde é Vida ...............................................................

136

Quadro 7 – Padrão Construtivo das moradias em Asa Branca ...............................................

142

Quadro 8 – Padrão Construtivo das Moradias em Verde é Vida............................................

142

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APRESENTAÇÃO Entre as décadas de 40 e 70, a questão da pobreza urbana e das favelas estava relacionada à migração. O pobre urbano era o migrante recém-chegado, que tinha a favela como primeiro lugar de moradia. A favela era o mecanismo de integração na cidade, pois continha toda uma rede de relações sociais que garantiam a sobrevivência dos migrantes pobres recém-chegados, além de se localizar próximo ao mercado de trabalho que os inseria na economia urbana. Essa idéia alimentou todo o debate, nos anos 70, em torno da questão da moradia dos pobres. A partir dos anos 80, configura-se uma nova questão social, com mudanças na esfera do trabalho e da sociabilidade, modificando as formas de inserção dos pobres na cidade. A crise econômica que se instaurou, revelou ao mesmo tempo, um aumento da pobreza urbana e o arrefecimento dos fluxos migratórios, colocando em questão a relação tradicional entre pobreza urbana, migração e favelização. Nessa época, observa-se, na cidade do Rio de Janeiro, o aumento expressivo do número de favelas, que teve como hipóteses explicativas, a retração do padrão periférico de crescimento, caracterizado pela produção de lotes populares, em decorrência da crise econômica dos anos 80 (inflação, achatamento salarial, instabilidade do emprego, encarecimento da terra); o aumento do número de pobres com renda mensal familiar de até dois salários mínimos na metrópole do Rio de Janeiro e o reconhecimento, pelo poder público, das favelas como solução para os problemas habitacionais, através políticas de urbanização e legalização fundiária, reduzindo as incertezas de remoção e criando expectativas de melhoria das condições de vida. O importante a destacar é o surgimento e expansão de novas favelas1 no município do Rio de Janeiro, em particular, nas áreas mais distantes do centro. É evidente que o crescimento da população moradora em favelas não se deu apenas pela emergência de novos assentamentos; as antigas também cresceram, seja pelo adensamento, seja pela verticalização e mesmo pela expansão das que ainda possuíam área. O adensamento pode estar associado ao ciclo de vida familiar, ou fazer parte de uma estratégia de sobrevivência, através da construção de cômodos para alugar e venda de lajes. O processo de adensamento é concomitante ao de valorização do espaço interno, observado no aquecimento do mercado imobiliário nas favelas, cujo corolário é a mobilidade residencial, ou seja, a substituição das famílias nas favelas. 1

Entre 1980 e 2000, surgiram 200 favelas na cidade do Rio de Janeiro, cadastradas pelo IPP – Instituto Pereira Passos, sendo que 136 estão nas AP’s (Áreas de Planejamento) 4 – Barra da Tijuca e Jacarepaguá, e 5 – Zona Oeste.

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Aliado a esse processo e, por hipótese, intrinsecamente relacionado a ele, surgem outras formas de assentamento nos logradouros públicos (viadutos, ao longo das rodovias e canais), constituídos por precários barracos, cuja característica mais peculiar é o perfil da população. Por fim, restam as áreas de expansão na periferia do município, que apresentam, a partir de 80, um grande número de pequenas favelas se constituem de forma autônoma, ou através de invasão coletiva organizada, distinguindo-se do processo de ocupação das favelas tradicionais, que eram ocupadas de forma gradativa. Tal processo aponta para uma alteração na forma de estruturação do espaço periférico, como este era definido nos anos 60 e 70, ou seja, local distante do centro, onde a classe trabalhadora se reproduzia em loteamentos irregulares e clandestinos, precários, sem infraestrutura e equipamentos coletivos. Essa alteração é conseqüência de três processos em curso: i- a retração do padrão de crescimento periférico caracterizado pela produção de lotes populares, ii- a atuação de novos agentes imobiliários para uma população de maior renda, geradora de demanda por serviços; e iii- a valorização dos imóveis nas favelas do núcleo/consolidadas. Frente a esse quadro, na presente tese, propomos o estudo do processo de ocupação e estruturação das favelas recentes, através da análise de dois estudos de caso. Nossa análise fundamenta-se na hipótese de que estamos diante de dois fenômenos: a desfavelização das favelas do núcleo/consolidadas, o que não significa sua erradicação, e sim perda das características que as definiam até o final da década de 70, ou seja, acesso pela ocupação a custo zero de terreno de terceiros, predomínio de habitações rústicas e precárias, ausência de infra-estrutura, traçado urbano desordenado, com população constituída de migrantes pobres de outras regiões do país; e a favelização da periferia. O primeiro processo, a desfavelização, decorre das mudanças na estrutura interna (espacial e socioeconômica) que estão ocorrendo nas favelas devido à mercantilização dos imóveis e do direito de construir, aos programas de urbanização e regularização fundiária, assim como às melhorias habitacionais empreendidas pelos moradores, que acarretam uma valorização dos imóveis e, conseqüentemente, uma mudança no perfil da população moradora em favelas, levando a repensar a noção de favela como espaço de moradia dos pobres. As normas urbanísticas impostas pelos programas, que restringem/coíbem a expansão e verticalização, impedem a principal forma de reprodução das famílias, que é a possibilidade de permanência dos familiares, seus descendentes, e gerações futuras no mesmo lote e/ou residência. É possível que parte da população que compõe as favelas recentes seja a segunda ou terceira geração de migrantes da década de 60 e 70. 12


O segundo processo, a favelização da periferia, é concorrente com o primeiro, mas as mudanças intrínsecas à dinâmica urbana na periferia também contribuem para o aumento no número de favelas na região. A principal delas é a expansão do mercado empresarial e dos serviços para a classe média. Ao longo dos anos 80 e 90, houve poucas alterações nos mecanismos de acesso à moradia, mas os processos apontados acima têm se tornado em fatores de atração e expulsão, implicando em maior mobilidade espacial da população pobre. A mobilidade passa a ter grande importância no processo de inserção dos pobres no meio urbano. As formas de acesso à moradia podem ter se alterado pouco, porque são inerentes aos processos de provisão da habitação; o que talvez tenha mudado são as estratégias de inserção ao urbano pela população pobre, especificamente no que diz respeito a sua localização residencial, devido às mudanças sociais que marcaram a década de 80, relacionadas à inserção no mercado de trabalho, como o crescimento do mercado informal, e a uma maior mobilização social envolvendo a luta pela cidadania. Nos anos 90, outro aspecto deve ser ressaltado nos estudos urbanos, principalmente os relacionados às populações carentes, que é a questão da violência urbana. Essa mudança de estratégia de ocupação do espaço urbano corresponde a dois comportamentos distintos: i- o individual, de famílias que se deslocam seguindo estratégias autônomas e objetivas, que visam atender às necessidades imediatas — local para morar; ii- o coletivo, que poderia ser observado nas invasões, e que correspondem a ações coordenadas, visando determinado fim: ocupar para depois pressionar o Estado para regularizar e/ou urbanizar. Dois pressupostos permeiam o presente trabalho. O primeiro refere-se às formas de assentamento das ocupações recentes, segundo estratégias coletivas e organizadas, diferente do padrão das favelas antigas, ou seja, ocupação individual, gradual, desordenada e caótica, apresentando outras características de desenho urbano. O segundo refere-se aos mecanismos de acesso à terra e à moradia pelos pobres, diante das mudanças no perfil da população e na conjuntura social e econômica, implicando em diferentes formas de inserção no meio urbano. Diante do exposto, podemos considerar que o aumento do número de favelas na periferia do município representa um novo padrão de crescimento periférico, ou novas estratégias de moradia dos pobres? Seria uma reversão do processo anterior, ou seja, a classe média baixa teria a favela (desfavelizada) consolidada como alternativa de acesso à casa própria, e os muito pobres, que não podem competir neste mercado (informal?), reproduziriam o padrão de ocupação ilegal, mas agora na periferia? O que mudou na periferia a partir da 13


década de 80? Melhorou a acessibilidade a outras áreas da cidade? Tornou-se mais diversificada nos arranjos habitacionais para acomodar o aumento da demanda, ou o maior dinamismo urbano (atividades comerciais, industriais e imobiliárias), criou maiores oportunidades de emprego, atraindo uma parte da população muito pobre?2 O aumento do número de favelas nesta área da cidade é resultado de fatores de atração (oferta de emprego) e/ou de expulsão do centro (esgotamento dos espaços de pobreza)? A Zona Oeste estaria se comportando como um “filtro” para os mais pobres? Como espaços de moradia dos pobres, quais as diferenças entre as favelas e os loteamentos irregulares e clandestinos? São os mecanismos de acesso? Quem se muda para as favelas periféricas? Qual é o papel das redes de solidariedade e reciprocidade como mecanismo de acesso à moradia? Para responder a tais perguntas, seguimos a seguinte metodologia: 1. Análise estrutural da dinâmica urbana do Rio de Janeiro, através de abordagem quantitativa, compreendendo o processo de produção do espaço urbano, e as especificidades das favelas nesse processo, identificando mudanças no contexto demográfico (características da população e o papel da migração no crescimento das favelas); na distribuição das favelas pelo município; e nas formas de ocupação do solo (tipologia habitacional, condição de ocupação, etc.), onde foram analisadas as AP’s (Áreas de Planejamento) de maior crescimento

populacional

na

última

década,

concentrando

atenção nas Regiões

Administrativas de Jacarepaguá e Bangu. Foram utilizadas as seguintes fontes secundárias: a) IPP - Instituto Pereira Passos - www.armazemdedados.rio.rj.gov.br., que apresenta um completo Banco de Dados, através do Aplicativo MOREI – Módulo de Recuperação de Informações, com dados sobre domicílios, responsável pelo domicílio, população residente, e instrução dos moradores, tendo como principal referência o Censo 2000/IBGE, das áreas regulares e dos Aglomerados Sub-normais (favelas), por bairros e Regiões Administrativas, que nos possibilitaram traçar um quadro da realidade urbana e demográfica dos bairros e favelas. Foram utilizadas as variáveis relativas ao perfil da população em geral, e dos moradores de favelas das áreas consolidadas e das áreas dos Estudos de Caso, no sentido de avaliar as tendências demográficas da população que compõe os novos assentamentos da Zona Oeste. Neste sentido, foram utilizadas as variáveis renda, escolaridade, ocupação, composição familiar, assim como o endereço anterior para análise do papel da dinâmica

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50,5% das favelas recentes têm 50% ou mais da população na faixa de renda familiar per capita de até ½ salário mínimo; e 90,5% têm mais que. 50% da sua população na faixa de renda até 1 salário mínimo.

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migratória no processo de formação de novos assentamentos, e sua relação com a ocupação de áreas regulares. Os dados relativos aos domicílios particulares permanentes do Censo 2000 foram utilizados na análise da estruturação dos espaços dos Estudos de Caso, confrontando-os com os das favelas tradicionais das áreas consolidadas na cidade, através das variáveis tipo de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo, relativas à infra-estrutura básica dos assentamentos e as da tipologia habitacional. b) Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro – 1998, se constitui em importante documento de consulta, pois consolida todos os dados extraídos dos Censos Demográficos e os produzidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro, referentes à cidade formal e aos assentamentos informais (SABREN – Sistema de Informações de Assentamentos de Baixa). c) Relatório realizado pela AGRAR – Consultoria e Estudos Técnicos S/C Ltda, Produto 1 – Caracterização da Irregularidade Urbanística, Edilícia e Fundiária: subsídios para a regularização na cidade do Rio de Janeiro – maio de 2002, do qual foram utilizados os dados consolidados dos Censos 2000, 1991 e 1980, referentes ao crescimento populacional nas áreas regulares e nas favelas das Áreas de Planejamento e do município nos períodos 1980/1991 e 1991/2000. d) Artigos, textos e relatórios de pesquisa de diversos autores e pesquisadores do IPP que analisaram a dinâmica imobiliária da cidade, no sentido de identificar os vetores de expansão urbana, assim como a consolidação de determinadas áreas da cidade.

2. Qualificação do processo de ocupação e formação das favelas recentes na Zona Oeste, através de estudo amostral e de dois Estudos de Caso, aplicando questionários abertos e fechados às lideranças comunitárias e moradores antigos e recentes das favelas recentes na Zona Oeste, para obter informações sobre suas origens; forma de ocupação (se organizada/coletiva ou individual/autônoma); condições de acesso das famílias (ocupação a custo zero, compra, aluguel); perfil dos moradores; forma de organização do espaço interno (se há controle do uso e ocupação do solo pela Associação de Moradores); situação jurídica do terreno ocupado, para traçar o perfil da forma de estruturação das favelas na Zona Oeste, assim verificando as tendências de mudança nos mecanismos de acesso à moradia pelos pobres nos anos recentes. Dentre as 136 (cento e trinta e seis) favelas que surgiram nas áreas de maior incremento do número de Assentamentos Informais/Favelas na cidade do Rio de Janeiro, selecionamos 9 (nove), uma amostra de 6,6%, para obtermos informações sobre a origem dos 15


moradores; forma de ocupação (organizada/coletiva ou individual/autônoma); condição de acesso das famílias (a custo zero, compra, aluguel, outros); forma de organização do espaço interno (se há controle do uso e ocupação do solo pela associação de moradores); situação jurídica do terreno ocupado. Os critérios de seleção foram: data de ocupação; nível de maior carência (renda per capita variando entre ½ e 1 salário mínimo); e que não fossem objeto de programas de intervenção pública, dos tipos Favela-Bairro, Bairrinho, e outros, para que pudéssemos analisá-las em sua origem, ou seja, na sua forma de ocupação original. Entretanto, quando fomos a campo, algumas favelas selecionadas já estavam em processo de intervenção por esses programas. Estes dados subsidiaram a análise da forma de estruturação das favelas nas áreas de expansão urbana, permitindo verificar as tendências de mudanças nos mecanismos de acesso à moradia pelos pobres nos anos recentes, que poderiam indicar a requalificação da favela como espaço de moradia dos pobres urbanos. A pesquisa de campo partiu da identificação preliminar das favelas que surgiram a partir da década de 80 na região da AP 4 – Barra da Tijuca/Jacarepaguá, e AP 5 – Zona Oeste, por serem áreas que tiveram crescimento mais expressivo no período intercensitário. Essa identificação teve como base empírica, o levantamento realizado pelo IPP – Instituto Pereira Passos, constante no SABREN – Sistema de Assentamentos de Baixa Renda. Dessa amostra selecionamos duas favelas como Estudos de Caso: Asa Branca, localizada em Jacarepaguá; e Verde é Vida, localizada em Senador Camará, nas quais aplicamos um total de 137 questionários (amostra de 20% dos domicílios). Esses casos nos permitiram discutir a forma clássica de formação e acesso à favela, como ocupação individual e/ou coletiva de uma gleba; construção rápida de moradia precária madeira, papelão, material improvisado; longo investimento familiar na melhoria da residência; e desmembramento da unidade residencial em “frações” familiares, diante das tendências de ocupação recente, caracterizada pela ocupação organizada e coletiva; traçado urbano prédefinido em lotes individuais; novo perfil de moradores; entre outros.

A tese se desenvolve de forma a apresentar no Capítulo 1 um painel da problemática de acesso à terra e à moradia pelos pobres urbanos, onde discutimos as características da urbanização dos países em desenvolvimento, focando o Brasil e o Rio de Janeiro em particular, as causas da ilegalidade no acesso ao solo urbano, e o surgimento do mercado imobiliário informal, destacando as principais teorias sobre a formação de favelas nos países da América Latina. 16


No Capítulo 2, procuramos dar uma visão das tendências da estruturação do espaço na cidade do Rio de Janeiro através da produção imobiliária, focando as áreas periféricas. O objetivo desse capítulo é entender a relação entre o processo de estruturação intra-urbana em curso, bem como a formação e crescimento de favelas na periferia da cidade. No capítulo 3, apresentamos o resultado de nossa pesquisa empírica, realizada em duas favelas nas áreas de expansão urbana, focando nossa análise nas formas de produção e acesso às ocupações recentes, sua relação com perfil dos moradores, mudanças nas favelas consolidadas e dinâmica urbana na região de estudo.

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CAPÍTULO 1

ACESSO À TERRA E À MORADIA PELOS POBRES URBANOS

1. Introdução A partir da Lei de Terras (1850), a única forma de se ter a posse legal da terra passou a ser através da compra registrada. Assim, o direito de acesso reconhecido se desvincula da condição efetiva de ocupação e a terra passa para a condição de mercadoria. (Rolnik, 1997 apud Gordilho 2001:86). As formas antigas de acesso à terra, através de concessões e arrendamentos, onde o poder público era o proprietário de grande parte das terras, desaparecem e a terra passa à condição de mercadoria a ser trocada no mercado e seu acesso passa a ser através da compra e venda de glebas e terrenos, dando origem aos loteamentos. O desbloqueio das terras possibilitou o surgimento de um novo segmento da economia urbana – os empreendimentos imobiliários, dinamizando a produção capitalista de moradias. O sistema rentista de produção da habitação é substituído pelo capital imobiliário1. No início do século XX surgem os primeiros planos urbanísticos e o uso e ocupação do solo passam a ser regidos por uma legislação urbanística que impõe limites à proliferação de habitações insalubres, além de delimitarem espacialmente a tipologia habitacional, através de normativas urbanísticas que definem o tipo de uso que deve ocupar cada zona da cidade. Essas normas contribuíram para intensificar o processo de segregação espacial da população pobre, que impedida de se localizar nas áreas valorizadas do núcleo urbano, foi “empurrada” para a periferia. Nas principais cidades brasileiras, a forma de ocupação do solo urbano se deu de forma mais ou menos coincidente, cujos traços mais característicos do surgimento das favelas decorreram da elevação do valor dos aluguéis nos cortiços e casas de cômodo, devido ao aumento da demanda e dos projetos de reforma urbana, com grandes intervenções nos velhos centros urbanos. Com o desenvolvimento urbano-industrial, o valor dos aluguéis se tornou proibitivo para a população pobre. Surgiu, assim, uma crescente oferta de loteamentos populares, seguida pela produção estatal através de conjuntos habitacionais. As possibilidades de acesso 1

Para uma discussão detalhada das formas de produção da habitação, particularmente no município do Rio de Janeiro, ver Ribeiro, L.C.Q. Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de produção da moradia. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1997,352p.

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à casa própria se ampliaram. No entanto, essa expansão se deu, prioritariamente, através de ocupações informais – aumento do número de loteamentos irregulares e clandestinos, iniciativas de empreendedores ilegais e das invasões/favelas, oriundas da iniciativa individual. Ou seja, as primeiras eram soluções oferecidas pelo mercado, enquanto a segunda era solução conquistada pelos pobres. A partir do final da década de 70, a crise econômica mundial se intensificou, trazendo significativas conseqüências para a sociedade brasileira, apesar do desenvolvimento industrial ocorrido nas últimas décadas. A conseqüência mais marcante, foi a baixa absorção do mercado de trabalho formal de grande contingente populacional e a depreciação do salário mínimo2. Esses processos acarretaram o aumento da favelização na cidade, através da intensificação de ocupações coletivas, densificação e verticalização das favelas consolidadas, como alternativas habitacionais para as populações “sem-teto” e “sem-emprego”. No próximo item, apresentaremos o contexto do processo de urbanização desenvolvido na América Latina em geral, focando o Brasil e, particularmente, o município do Rio de Janeiro. Esse processo definiu as formas de acesso à moradia pelos pobres, desencadeando uma série de políticas habitacionais de combate à pobreza.

2. Urbanização na América Latina A urbanização acelerada, devido à industrialização emergente, ocorrida nas principais cidades latino-americanas a partir da década de 50, foi acompanhada de uma série de fenômenos desencadeados pela intensa migração de um contingente populacional com baixa qualificação profissional, que não foi absorvido no mercado de trabalho da cidade. A não integração à cidade através do trabalho, teve conseqüências diretas nas suas condições habitacionais, que se perpetuam até os dias de hoje. Desse modo, na maioria das cidades latino-americanas, o acesso à terra urbana se dá por meio da informalidade fundiária e/ou urbanística, que segundo Abramo (2003), corresponde a três lógicas da ação social: a do Estado, que define quem, como e onde; a de mercado, que submete a oferta à demanda; e a da necessidade, que resulta em invasões de terra ou edifícios. Segundo Cenecorta & Smolka (2000), são as características dos países em desenvolvimento que determinam as formas de acesso à terra e à moradia pelos pobres

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O salário mínimo depreciou 75% em relação à década de 50. Segundo dados do IBGE, no início dos anos 90 55% dos trabalhadores chefes de domicílio ganhavam menos que 2 salários mínimos, e 2,2% ganhavam mais de 20 salários mínimos

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urbanos. Essas características seriam: a ocupação desordenada do solo, desconsiderando o meio ambiente e caracterizada pelo mercado privado (legal e ilegal). O mercado do solo tem sido o responsável pela segregação da população pobre, que não possui recursos e condições para adquirir solo para moradia sob as condições do mercado de terras – características especulativas e baixa intervenção do Estado para regular preços. Para os autores, os preços praticados no mercado de terras são extremamente superiores aos de produção, porque, em primeiro lugar, existe uma sobretaxa ou sobre-lucro extraordinário por parte dos loteadores ilegais, derivado da grande diferença entre o custo original da terra e o preço de venda. Essa sobretaxa se sustenta, porque existe uma oferta limitada em relação à demanda. È praticamente inexistente a oferta de solo legal, competitivo com o ilegal por parte do Estado ou agentes privados ou sociais. Um segundo ponto seria a falta de informação sobre todas as opções de aquisição do solo para moradia pela maioria da demanda, o que torna as ofertas monopolíticas e, neste sentido, onerosas. Por último, a existência de uma “cultura da irregularidade”, ou seja, a crença de que esta é a forma mais comum e normal de acesso à terra. A regra geral, inclusive para o Brasil, é que o desenvolvimento urbano “espontâneo” se realiza duas vezes mais rápido do que o planejado ou regulado. A maior parte das áreas urbanas recém ocupadas é irregular ou ilegal. Como exemplo, nas principais cidades do Peru, as favelas constituíam dois terços do total do crescimento urbano (Turner, 1968). Na verdade, as políticas de desenvolvimento urbano e de habitação de baixo custo dos países da América Latina, África e Ásia, são consideradas, pela literatura, inadequadas e ineficazes. Isto se deve em grande parte à falta de compreensão do processo urbano, e aos interesses políticos e econômicos que definem essas políticas. No Rio de Janeiro, nas décadas de 60 e 70, a expansão econômica foi marcada por um período de expectativas de ascensão social para os segmentos recém chegados. Porém, a crise econômica da década seguinte, levou à redução no volume das migrações3, devido a perda de atratividade das metrópoles; ao fim da expectativa de mobilidade social; e à crise habitacional (diminuição da produção de apartamentos e lotes populares). Entre as décadas de 70 e 80, além dos fatores citados acima, houve desaceleração no ritmo de crescimento da população moradora em favelas, explicado, por um lado, pela política de remoção de favelas; e por outro, pela abertura da periferia metropolitana aos trabalhadores pobres, através da oferta de lotes

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Na década de 50, a cidade do Rio de Janeiro recebeu 714 mil migrantes, em 1960 esse número caiu para 565 mil, na década de 70 o número de migrantes foi de 525 mil pessoas, e na década de 80 caiu para 385.779. Fonte: Lago, 2000.

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urbanos com baixos investimentos em infra-estrutura urbana, reduzindo o seu preço; e a venda à prestação. Se, por um lado, os fluxos inter-regionais diminuíram; por outro, os deslocamentos intrametropolitanos aumentaram, alterando a dinâmica sócio-espacial, marcada pelo empobrecimento da população; pela crise habitacional; e, por uma maior tolerância com as ocupações ilegais pelo poder público. Grosso modo, o crescimento do número de migrantes intrametropolitanos de baixa renda, principalmente na direção núcleo-periferia; o aumento da participação dos muito pobres (renda familiar de até um salário mínimo) no fluxo de expulsão núcleo-periferias; e o arrefecimento dos fluxos de longa distância em direção à Região Metropolitana4, marcaram as tendências gerais da relação dinâmica migratória com a estruturação sócio-espacial metropolitana. No Brasil, até meados da década de 80, o desenvolvimento urbano e a melhoria das condições habitacionais, estavam concentrados em dois pontos: na adoção de regulamentos para planejamento, obras, registros e transferências de propriedade; e a construção de conjuntos habitacionais de baixo custo, com financiamento público. Os primeiros são inacessíveis aos pobres, que não têm condições de arcar com os custos da institucionalização. Por isso, instalam-se e constroem fora dela. Por outro lado, os conjuntos habitacionais são formas diretas de impor padrões e maneiras de viver, além de também ser oneroso para os mais pobres, que não conseguem pagar as prestações. Segundo Valladares (1982), o declínio da taxa de crescimento da população residente em favelas observado na década de 70, sustenta a hipótese de saturação do modelo favela como foi definido por Turner5 (1969), e a ascensão do modelo periferia como foi definido por Bonduki e Rolnik (1979)6 e Santos (1980). A periferia seria a nova territorialidade da pobreza. Sua população passou a ser chamada de “morador da periferia”, e não mais de “favelado”, reconhecido pela Teoria da Marginalidade como o pobre urbano7. O morador da periferia se diferenciava do favelado, não apenas na forma de morar - os loteamentos periféricos são menos densos e distantes do 4

Nos anos 80, a retração dos fluxos chegou a 40% menos que. na década anterior.

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A partir de John Turner, vários autores passaram a caracterizar a favela como solução para os problemas habitacionais da população de baixa renda. 6 Para os autores, periferia é a parcela do território da cidade que tem baixa renda diferencial. Nesse conceito, se vincula a ocupação urbana à estratificação social. O conceito de periferia se refere, assim, mais à carência de infra-estrutura e equipamentos urbanos do que propriamente à localização geográfica. 7 Na década de 70 o conceito de marginalidade urbana, no Brasil, relacionava-se à precariedade habitacional e às condições de vida – baixa renda e nível educacional, subemprego e desemprego, desorganização familiar, anomia, entre outros. A favela era a expressão mais contundente da pobreza urbana.

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centro, do trabalho e dos serviços e equipamentos coletivos, mas também no perfil sócioeconômico, relativamente mais elevado do que o dos moradores das favelas. A periferização refere-se também ao processo de segregação espacial da classe trabalhadora (Valladares, 1991). Na interpretação de cientistas sociais, a periferia seria a forma extrema de segregação urbana, o que propiciou a construção de identidades coletivas e a organização de moradores na luta pelos direitos de cidadania. A explicação para o fenômeno seria uma combinação de fatores, tais como o empobrecimento crescente dos estratos mais baixos; expulsão das áreas centrais através de programas de remoção e renovação urbana, como já comentado acima; e expulsão indireta devido a alterações na legislação urbana, nos impostos e nas leis que regem o mercado de aluguel. Se, até a década de 80, a solução para o problema habitacional da população de baixa renda alimentava os debates em torno da remoção ou urbanização de favelas, hoje esse debate se desenvolve em torno da questão das políticas universais versus políticas setorizadas ou focalizadas, orientadas pelo discurso de acesso à cidade para todos os habitantes, revertendo a situação de injustiça social. Sabe-se que a favela se constitui numa forma "ilegal" de ocupação do solo, mas pouco se sabe sobre as formas de acesso a este solo e dos meios de produção da moradia no ambiente favelado. Além disso, elas eram consideradas uma etapa importante na trajetória residencial das famílias de baixa renda, fazendo parte, segundo Leeds & Leeds (1978), de uma estratégia de vida para essas famílias, pois a opção pela favela não reflete apenas uma opção pelo imóvel/residência em si, mas também situações ligadas às estratégias de sobrevivência familiar, tais como a proximidade ao local de trabalho, ao mercado de trabalho, a parentes e amigos. Os fenômenos decorrentes da urbanização tiveram conseqüências diretas nas condições habitacionais e nas formas de acesso à terra e à moradia pelos pobres urbanos, conforme veremos a seguir.

3. Produção da Moradia e as Condições Habitacionais dos Pobres Urbanos O problema habitacional (escassez e precariedade das moradias), tem sua origem na própria estrutura da sociedade. Com a intensificação da urbanização, acirraram-se as desigualdades sociais características de um processo de crescimento econômico instável, cujas conseqüências mais marcantes são: a distribuição desigual da oferta de serviços urbanos; a

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concentração da pobreza nas favelas, cortiços e periferias das grandes cidades e o processo migratório. No que se refere à habitação popular no Brasil, observamos que ela foi marcada por diferentes momentos. Até os anos 30, grande parte dos trabalhadores residia em Vilas Operárias8, pagando pela moradia (aluguel ou compra) um valor compatível com seu salário. Com o desenvolvimento industrial e o conseqüente aumento do número de trabalhadores e de migrantes que chegam aos grandes centros (principalmente Rio de Janeiro e São Paulo) em busca de emprego, aumentou-se a demanda por habitação. A partir de então, nas décadas de 30 e 40, as indústrias não conseguiram arcar com o ônus da moradia, transferindo-o para o trabalhador, via autoconstrução ou mercado imobiliário e para o Estado, que passa a se responsabilizar pela infra-estrutura e serviços urbanos, como também pela construção de algumas habitações populares através dos IAPI’s - Institutos de Aposentadoria e Pensão, que, segundo Azevedo (1988), atuaram de forma precária e fragmentada em decorrência, principalmente, da incapacidade de controle dos recursos, num contexto inflacionário. No entanto, os investimentos em infra-estrutura e serviços urbanos empreendidos pelo Estado foram mais intensos nas áreas de interesse do capital imobiliário, beneficiando as classes de maior renda. O capital imobiliário tem assim, um papel decisivo na conformação das nossas cidades, pois são os seus interesses que conduzirão a estruturação intra-urbana e a determinação da localização residencial das classes sociais. A sua atuação foi especulativa, retendo áreas centrais a espera de valorização, restando ao pobre a ocupação de áreas mais longínquas, sem qualquer infra-estrutura; alugar um quarto em cortiços; ou a invasão de terrenos alheios nas áreas centrais. No Brasil, a primeira forma de moradia dos pobres nos grandes centros foi o cortiço. Na cidade do Rio de Janeiro, os cortiços surgiram para atender a demanda crescente logo após a abolição da escravatura e o fluxo migratório estrangeiro. Localizando-se no centro da cidade, se caracterizavam pela precariedade; eram casarões deteriorados, subdivididos em casas de cômodo para aluguel, com instalações sanitárias precárias e de uso comum. Na primeira metade do século XIX, reformas urbanas demoliram muitos cortiços do centro, expulsando a população. Esse fato marcou o início da favelização dos morros cariocas e a expulsão dos pobres do centro.

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Numa época de escassez de moradia, as Vilas Operárias eram uma forma de atrair trabalhadores. A moradia, construída pelo empresário, enraizava o trabalhador e reduzia suas possibilidades de lutar por seus interesses. Perder o emprego significava perder a moradia. Para uma discussão mais detalhada ver Blay, 1978 e Ribeiro, 1997.

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As favelas se traduziam em economia do pagamento de aluguel, redução dos gastos com transporte para o trabalho, isenção de impostos e a possibilidade de construir e /ou ampliar sua moradia de forma lenta e gradual (Valladares, op.cit.). Se, por um lado, a expansão das favelas foi atribuída ao fenômeno migratório, por outro, há que se considerar os problemas habitacionais, relacionados às formas de produção da moradia num contexto de crescente valorização do solo urbano, e às políticas habitacionais implantadas nos últimos tempos, declaradamente voltadas para os segmentos de maior renda9. Segundo Ribeiro (1997), existem quatro formas de produção de moradias: i- A produção por encomenda, onde o usuário, para o seu próprio consumo ou para alugar, compra o terreno e contrata o construtor. A característica principal dessa modalidade é que apesar da base de produção se encontrar na relação capital/trabalho assalariado, ela não busca o lucro, portanto, não é de natureza capitalista; ii - Construção promocional privada, onde o incorporador contrata a empresa de construção, caracterizando uma subordinação do capital produtivo ao capital promocional; iii- Autoconstrução. Neste caso o usuário compra o terreno ou invade terreno de terceiros, onde ele mesmo e/ou com a ajuda de vizinhos e parentes constrói sua moradia. Essa é a modalidade mais comum de provisão da moradia entre a população de baixa renda; iv- A produção estatal, onde o Estado assume o papel de promotor e construtor, através da construção de conjuntos habitacionais e outras formas de subsídios. Essa modalidade de provisão da moradia garantiria o seu acesso aos segmentos de baixa renda, mas a trajetória das políticas habitacionais demonstra as limitações e obstáculos enfrentados pela população pobre, que tornam o sonho da casa própria cada vez mais impossível de realizar. Alguns autores têm o déficit habitacional como hipótese para o surgimento de habitações precárias e elevação dos preços da moradia no mercado. Ribeiro e Peckman (1983) discordavam, pois para eles o déficit existe porque grande parte da população está excluída do mercado de produção capitalista de moradias devido a uma distribuição desigual da renda

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O desempenho da política habitacional, notadamente aquela relativa ao SFH/BNH, mostrou-se ineficiente ou insuficiente na solução dos problemas habitacionais dos setores populares, pois apenas 33,3% dos recursos do BNH foram destinados a esses segmentos. O rebatimento acumulativo dessas políticas é o elevado déficit de moradias existentes hoje no país, na ordem de cinco milhões segundo estudo da Fundação João Pinheiro. Como conseqüência desse déficit habitacional, novas formas de morar surgem e ressurgem, tais como cortiços, os loteamentos irregulares periféricos, e o crescimento e adensamento das favelas (Azevedo& Ribeiro, L.C.Q, 1996).

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gerada na economia, e às condições que regem esta produção. Esta seria uma explicação para o surgimento das favelas e dos loteamentos irregulares e clandestinos. Com o desenvolvimento industrial, cresce a necessidade de adaptação do espaço urbano às exigências econômicas e políticas do capital. A grande concentração de operários no centro das cidades, em habitações precárias e anti-higiênicas denominadas cortiços foi combatida com sua remoção. Segundo Ribeiro, L.C.Q (1997), este foi o início da primeira crise (déficit) de moradias, pois cada vez mais aumentava o número de trabalhadores e de migrantes que se dirigiam aos grandes centros em busca de trabalho. Nas décadas de 40 e 50 ocorreu o processo denominado de periferização da pobreza, caracterizado pela autoconstrução em loteamentos periféricos irregulares. Como ressaltou Azevedo (1981), a autoconstrução é uma estratégia de sobrevivência das famílias de baixa renda. O autor cita Pradilla (1977) como um dos maiores críticos a Turner e Vernez (1976), autores que viam a autoconstrução como uma solução para o problema habitacional dos mais pobres. As pesquisas de Turner (1968) nas favelas de Lima confirmaram o que ele acreditava ser regra geral: a casa autoconstruída, mesmo quando o proprietário contrata mão-de-obra e ele mesmo não participa da construção, custa a metade do preço daquela construída pelo governo. Para Pradilla apud Azevedo (op. cit.), o acesso à habitação adequada era um direito e parte do preço da força de trabalho. Assim, os loteamentos clandestinos e irregulares se constituem em mais uma opção de moradia dos pobres urbanos; caracterizam-se pela divisão irregular da terra em precárias condições de infra-estrutura urbana e em muitos, os loteadores não fornecem título legal de propriedade; os projetos não obedecem às exigências legais; e no caso dos clandestinos, desenvolvem-se em áreas de propriedade contestada. Segundo Cenecorta & Smolka (op.cit.), a condição ilegal dos assentamentos de baixa renda deve-se, em grande parte, às normas e regulações urbanas impostas pelo Estado, que implicam em dificuldades na aprovação de projetos e licenciamento, constituindo-se em importantes obstáculos à acessibilidade e disponibilidade de terra urbanizada aos segmentos de baixa renda. Grosso modo, as condições habitacionais dos pobres urbanos devem ser avaliadas sob os aspectos cultural, social e ambiental. Essas diferenças são função dos diferentes níveis de renda per capita, da distribuição da riqueza, da taxa de crescimento urbano e da forma de organização da sociedade, mas também refletem diferenças na forma de reação dos pobres em cada cidade. Essas reações variam com as expectativas individuais de melhoria das suas condições de vida e do grau de organização comunitária.

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Pode-se dizer que existe uma racionalidade dos pobres no que se refere às suas condições habitacionais. Gilbert (1991) chama atenção, de que muitos critérios com os quais julgamos as condições habitacionais nos países pobres são subjetivos e etnocêntricos. As necessidades são vistas diferentemente pelas famílias. Para muitos pobres do Terceiro Mundo, os padrões de vida do Primeiro Mundo são irrelevantes diante de suas necessidades mais urgentes. Para muitas famílias, comida é mais importante que abrigo, por exemplo. A importância dessas advertências torna-se clara quando discutimos normas arquitetônicas e provisão de habitação social. Mas as necessidades dos pobres ou o ordenamento de suas prioridades são, freqüentemente, mal interpretadas pelos profissionais. A racionalidade dos pobres com respeito a sua situação habitacional, teve grande importância nos estudos de Mangin (1967) e Turner (1967,1969). Em seus trabalhos no Peru, eles demonstraram que a cabana (barraco), considerada como o extremo em termos de condições habitacionais degradadas, foi freqüentemente a base de um abrigo adequado. Ela é a forma pela qual os pobres buscam um meio de sair da pobreza através da construção, por etapas, dos cômodos. Os autores mostraram que a consolidação das moradias somente é alcançada através de trabalhos extras dos membros das famílias pobres, e que a reação dos pobres à pobreza é racional, pois as famílias reconhecem os melhores caminhos para melhorarem suas condições habitacionais. O argumento de Turner e Mangin é oposto ao apresentado por Oscar Lewis (1966), que através do conceito de “cultura da pobreza”, acreditava que os pobres eram incapazes de sair da condição de pobreza por esta ser inevitável no ambiente social em que viviam. Tuner e Mangin, ao contrário, demonstraram como os pobres respondem sensivelmente e racionalmente às preferências e oportunidades abertas em suas situações habitacionais. A rejeição de mitos como os da “cultura da pobreza” levou a importantes mudanças na política habitacional da América Latina. Se os pobres eram considerados incapazes de se auto-ajudarem, então eles deveriam ser ajudados. No contexto habitacional isso significava que somente o Estado era capaz de prover moradia para os pobres. Em contraste, a principal política recomendada no trabalho de Turner era que o governo deveria ajudar os pobres a se auto-ajudarem. Segundo o autor, as diferentes classes de renda realizavam trade-off entre três necessidades: segurança da titularidade, identidade e oportunidade. No contexto da habitação, os pobres valorizavam mais a proximidade às oportunidades de trabalho do que a propriedade (seguridade), ou qualidade/padrão da moradia (identidade), diferente das famílias de renda média que davam maior prioridade à qualidade/padrão da moradia. 26


Em muitas circunstâncias, as escolhas feitas são limitadas; por exemplo: uma família faz sua escolha entre uma casa alugada perto do trabalho e construir sua própria moradia na periferia – localização consolidada. Para muitos pobres o trade-off não existe, porque ele é determinado pelo nível de renda e a natureza do mercado habitacional de sua cidade. Para Gilbert (1991), o mais importante a considerar são as condições estruturais, que limitam as escolhas. A facilidade de cada família acessar a terra, o custo dos materiais de construção, o tamanho da cidade e problemas com transporte envolvendo acesso ao trabalho, são fatores determinados pela organização da sociedade e não da família em si. Por outro lado, de acordo com Cenecorta (1984) apud Cenecorta & Smolka (2000), existe um ciclo vicioso quando o Estado regulariza assentamentos e provê serviços básicos: os preços da terra e as taxas que incidem sobre a infra-estrutura implantada aumentam. Surge, desse modo uma pressão por mudanças no perfil dos moradores, provocando a migração dos mais pobres, que tendem a invadir ou adquirir um lote ilegal em outros locais, dando lugar ao processo cumulativo circular de segregação social. Outras soluções habitacionais dos pobres são o aluguel e a moradia compartilhada. Esse é o caso comum daqueles que não podem obter de forma alguma, por estarem desempregados, ou por serem recém chegados e estarem à procura de trabalho. Parece haver uma relação inversa entre migração e propriedade.

4. Irregularidade/ilegalidade no acesso à terra e à moradia Observam-se várias mudanças na estrutura da posse da terra na maioria das cidades do Terceiro Mundo. A principal delas é a mudança na condição de inquilino a proprietário, que tem sido possível graças à autoconstrução e viabilizado pela melhoria no sistema de transportes, dos serviços e da infra-estrutura urbana. Apesar da autoconstrução ser um caminho para a propriedade, as dificuldades de acesso ao solo aumentaram. Praticamente não existe mais aquisição informal a custo zero

(Durand-Lasserve 1990:50 apud Gilbert

1998:27). A questão colocada pelo autor diante das similaridades nos processos de acesso à terra e à moradia pelos pobres dos países do Terceiro Mundo, é se este seria um processo universal, que vem aumentando de intensidade, ou seria um processo que surge e flui de acordo com as circunstâncias econômicas e políticas locais?

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Turner (1968) apontava como barreiras ao desenvolvimento habitacional nos países em desenvolvimento, as políticas e projetos oficiais que requerem padrões estruturais e instalações prévias, inaplicáveis nas condições existentes nestes países. Os padrões exigidos pelos governos conflitavam com as demandas daqueles que precisavam fixar-se no meio urbano. Segundo o autor, o princípio de padrões modernos mínimos estaria baseado em três pressupostos dos países desenvolvidos: a) Os padrões estruturais e os equipamentos devem preceder a construção da moradia; b) À medida que o status da família sobe, ela pode e deve se mudar para uma moradia maior; c) A função da casa é proporcionar abrigo higiênico e confortável. O argumento de Turner era que nos países em desenvolvimento a garantia da posse da terra seria muito mais importante do que uma casa moderna, pois a maior parte das famílias vive em uma economia informal, com salário incerto, assim teriam na propriedade a sua segurança. Passados

três

décadas

dos

estudos

de

John

Turner,

o

tema

da

irregularidade/informalidade na ocupação do solo continua em pauta, e apesar do avanço na compreensão do fenômeno, avançamos pouco na sua solução. Para Castañeda (1994), as causas que dão origem ao mercado ilegal do solo e as condições propícias para sua existência são a incapacidade econômica de acesso à moradia por grande parte da população urbana; a inexistência de mecanismos de controle público sobre o mercado de terras e, ao mesmo tempo, a tolerância ou fomento oficial da especulação da terra; e a debilidade econômica e política da estrutura agrária diante da urbanização acelerada. Para o autor, o uso de poderes políticos e econômicos no âmbito municipal são os dois eixos de sustentação da urbanização periférica ilegal. A dotação de serviços urbanos e outras formas de ajuda aos assentamentos recentes, se constitui em importante aparato corporativo e de clientelismo político e eleitoral. A questão da informalidade na ocupação do solo remete a outra questão, que é a da desigualdade sócio-econômica presente nos países latino americanos, onde a favela, barriada e outras denominações que possamos dar, é seu exemplo mais contundente. Nesse contexto, a relação entre posse e propriedade tornou-se a tônica dos debates em torno da questão da distribuição e desconcentração de renda e da terra no meio jurídico10. Para Leitão e Lacerda (2003), a origem da irregularidade na ocupação do solo está na Lei de Terras. A partir dela, o acesso legal à terra passou a ser apenas através de uma

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O tema é brilhantemente discutido por vários autores no livro A Lei e a Ilegalidade na Produção do Espaço Urbano, Ed. Del Rey e Lincoln Institute – BH – 2003, que tem Edésio Fernandes e Betânia Alfonsin como coordenadores e co-autores.

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contrapartida monetária. Aquele que não podia comprá-la, ocupava-a de forma ilegal. Ou seja, as ocupações, do ponto de vista legal, configuravam-se como uma transgressão ao direito de propriedade. A propriedade de terras deixa de exercer sua função de produção de riqueza e espaço de habitação, para se constituir em símbolo de poder econômico, de status social e poder político. Aliado a isso, com a instabilidade da economia nacional, a terra adquiriu característica de reserva de valor. A terra urbana ficou retida a poucos, que supostamente, tentando garantir seus direitos, acabaram gerando distorções urbanísticas, como os vazios urbanos. Segundo Mares Guia (2003), as favelas seriam “uma reação à concentração de propriedade no Brasil”. Diante da necessidade de morar dos indivíduos, as favelas seriam uma solução e alternativa aos aluguéis altos da cidade legal. Para Osório (2003), o padrão ilegal de crescimento urbano é conseqüência da forma como o Estado implementou políticas públicas e o planejamento das cidades. Até 1988, a legislação urbanística brasileira se mostrou fragmentada e incompleta quanto ao processo geral de urbanização. Além disso, sua aplicabilidade foi prejudicada pelas interpretações conflituosas quanto à competência legislativa e eficácia dos instrumentos. Por isto, a importância de se compreender a ilegalidade urbana também a partir do sistema jurídico, particularmente no que se refere à definição dos direitos de propriedade imobiliária urbana, e não apenas sob a ótica dos mercados de terra. Fernandes (2003), aponta como causas do crescimento das favelas e loteamentos periféricos, a falta de uma política habitacional e ausência de opções acessíveis no mercado imobiliário. Por outro lado, o autor alerta que se deve destacar o papel da legislação, particularmente a natureza excludente da ordem jurídica em vigor (especificamente no que se refere aos direitos de propriedade), na produção da ilegalidade urbana. Outro aspecto importante destacado por Fernandes (op. cit.) na produção da ilegalidade, são as dificuldades em atender aos padrões técnicos e urbanísticos exigidos pela lei, o que resulta na reserva de áreas nobres e providas de infra-estrutura para o mercado imobiliário voltado para as classes alta e média, desconsiderando as necessidades dos mais pobres11. Confirmando as conclusões de Fernandes, Smolka (2003) revela que a literatura12 e documentos oficiais têm apontado a informalidade no acesso ao solo urbano na América Latina como conseqüência da pobreza, pois os pobres não podem competir no mercado formal devido ao alto preço do solo urbanizado. Para o autor, mesmo na periferia das cidades

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Para uma discussão mais detalhada ver Rolnik (1997) e Maricato (1996). Para Durand-Lasserve (1990), a retração no mercado de solo formal para os pobres no início dos anos 80, deve-se à contradição entre um rápido aumento de preço do solo e a baixa nos salários nas cidades.

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o preço tende a ser elevado. Nas cidades latino-americanas estes variam entre US$ 55/m2 e US$ 70/m2. Somado a isso, temos os altos custos com transporte e dos gêneros de primeira necessidade. No entanto, os preços também são altos no mercado informal. Segundo Smolka (op. cit.), o preço do m² do lote irregular13 na zona oeste do Rio de Janeiro varia entre US$ 27 e US$ 40. O autor ressalta que não apenas a pobreza é a explicação para a ilegalidade, mas também a ausência de programas habitacionais, de investimentos em equipamentos e serviços urbanos e de um planejamento urbano14. Outro aspecto importante a ser considerado como barreira ao acesso dos pobres a um lote formal, são os custos com licenças, escrituras e certidões, que são bastante elevados. Soma-se a isso a falta de qualificação para a compra devido a sua inserção informal no mercado de trabalho, impedindo-os de terem acesso a crédito bancário. Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), desde 1990, 85% de todos os novos empregos na América Latina e Caribe foram criados no setor informal. Para de Soto (2001), nos países em desenvolvimento faltam instituições que integrem os migrantes pobres nos setores formais, de forma que gerem capital no mercado legal. Para o autor, é preciso perceber a potencialidade no setor informal. Não deveríamos ver nos trabalhadores informais apenas ameaças de doenças e crimes; o problema não são os pobres, o crescimento urbano e populacional, e sim um sistema legal de propriedade ultrapassado. “Os pobres não têm outra alternativa a não ser viver fora da lei”, pois a legalidade tem um custo maior do que a ilegalidade. De Soto percebeu a potencialidade das atividades informais, contrastando as estatísticas oficiais, baseadas nos registros legais, com a realidade do crescimento das cidades, e cita Donald Stewart, em referência ao Brasil, para demonstrar sua crença de que os assentamentos informais são o único caminho dos países em desenvolvimento para o investimento e formação de capital. As pessoas não têm consciência do volume de atividade econômica que existe em uma favela. Essas economias informais nasceram do espírito empreendedor dos camponeses do Nordeste do Brasil atraídos aos centros urbanos. Eles operam por fora da altamente regulamentada economia e funcionam de acordo com a oferta e procura. A despeito da aparente falta de recursos, essa economia informal funciona eficientemente. (Soto, H., 2001: 104). 13

Neste caso é irregular porque o loteamento não está aprovado e o lote é menor do que o estabelecido pelas normas urbanísticas. 14 No Brasil, há trinta anos, mais de 2/3 das construções para moradia eram de aluguel. Na década de 90, apenas 3% da construção brasileira se dedica a esta categoria. A maior parte desse mercado migrou para a informalidade das favelas. (De Soto,2001:103)

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Esse aspecto foi comentado por Perlman (1977) em sua pesquisa em favelas do Rio de Janeiro. A autora observou como era vantajoso para o sistema econômico, a utilização de mão-de-obra em “situação marginalizada”. O trabalho executado por eles na forma de serviços, possibilitaria a redução dos custos de reprodução de todos os setores econômicos. Perlman percebeu, tal como De Soto, e contestando algumas premissas da Teoria da Marginalidade15, a potencialidade econômica que existe no mundo informal, seja através da oferta de mão-de-obra, que funciona como força de reserva; seja através do consumo, na medida em que adquirem bens e serviços que a sociedade rejeita, como roupas e móveis de segunda mão, fazendo com que sua utilidade seja prolongada. Em sua pesquisa, Perlman pode comprovar que entre 50 e 60% dos favelados construíram ou reformaram suas moradias; 10% construíram tendinhas, lojas ou botequins, que contribuíram com impostos municipais, além deles mesmos terem executado as obras de infra-estrutura. Outro aspecto absorvido pela sociedade é o cultural. A cultura, inerente ao mundo informal das favelas (música e dança), é absorvida pela classe média, desempenhando papel importante na reprodução do sistema econômico, sócio-cultural e político. Para de Soto e o ILD (Instituto Liberdad Y Democracia), o reconhecimento da posse e a propriedade das construções, permite que os proprietários tenham maiores facilidades para obter crédito, viabilizado por meio de hipoteca, o que possibilitará investimentos em suas moradias, negócios, etc, gerando maior atividade econômica. Para Riofrío (1991), a hipoteca não seria o melhor modo de apoiar a construção de moradias populares, além de ser um risco muito grande para os pobres. As propostas neoliberais de regularização fundiária de de Soto, têm sido criticada por diversos analistas, que questionam a excessiva simplificação da complexidade dos mercados de terra informais e formais. Existem evidências que, no Peru, essas propostas não foram bem sucedidas, pois o número de pobres que efetivamente tiveram acesso a crédito oficial sistemático, em seguida a um programa de regularização, foi insignificante (Fernandes, 2002). Outros autores questionam o interesse dos pobres em obter crédito, diante das implicações financeiras e fiscais. A partir da perspectiva apresentada, em que se destacam os fenômenos decorrentes do processo de urbanização na América Latina em geral, e no Brasil em particular, caracterizado pela irregularidade/ilegalidade na ocupação do solo e péssimas condições habitacionais dos

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A Teoria da Marginalidade sustentava que os moradores de favela não contribuíam para a economia, por não serem mão de obra qualificada e consumidores.

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pobres urbanos, analisaremos, a seguir, a posição do poder público no enfrentamento desses problemas.

5. Políticas Habitacionais A importância deste item temático é discutir o papel do Estado na provisão de moradia para a população pobre, principalmente nas cidades dos países em desenvolvimento. O crescimento urbano não planejado, com escassa participação do Estado e forte participação do mercado que atua com excessiva liberdade, tem provocado a desordem na ocupação do solo, carências e ausência de projetos a longo prazo. O crescimento demográfico acelerado e a falta de oportunidades econômicas para gerar emprego suficiente, estão agravando a problemática metropolitana. Segundo Cenecorta & Smolka (op.cit.), a solução estaria em uma série de propostas estratégicas, a saber: • Políticas metropolitanas envolvendo ações conjuntas dos governos federal, estadual e municipal, visando a melhoria das condições de vida da população de baixa renda; • Políticas de geração de emprego, aumento da produtividade e a criação de infraestrutura que impulsione as atividades produtivas. Devido as características da PEA, o enfoque principal poderia ser para a micro empresa, com ênfase na indústria e serviços; • Políticas que visem a integração do desenvolvimento econômico e social com a sustentabilidade do meio ambiente e o ordenamento territorial. A política de aquisição e controle do solo deve ser considerada como um fator estratégico de desenvolvimento metropolitano. A aquisição ou garantia de utilização de grandes reservas de solo deverão ser marco obrigatório da estratégia, pois é fundamental que o Estado ou os proprietários, investidores e promotores associados, adquiram e/ou reservem grandes extensões de solo, necessários para reordenar, criar infra-estrutura ou novos espaços urbanos e, sobretudo, para garantir que não ocorram conurbações, e se mantenha o equilíbrio ambiental. A política de solo deverá prevenir a especulação imobiliária. A aquisição ou incorporação de grandes áreas, permitirá o acesso ao solo a baixo custo, em localizações carentes de vantagens e facilidades, porém consideradas estratégicas para o ordenamento metropolitano. Os objetivos de uma política do solo deverão contemplar o reordenamento e acondicionamento do território para dar suporte à população, de forma que se mitiguem os problemas vigentes, assim como reverter o atraso existente em infra-estrutura e serviços 32


básicos. Além disso, ela deverá combater a pobreza urbana, criando condições para gerar um mercado de solo legal, destinado a população de baixa renda, aproveitando as mais-valias que o próprio mercado gera. Isso impõe, pelo lado da demanda, dar solvência econômica aos estratos de menor renda, para que possam adquirir legalmente um lote. Pelo lado da oferta, facilitar as ações de investidores para que supram as necessidades da demanda. Outro objetivo importante seria reforçar a capacidade dos municípios para prestar serviços básicos, através do aumento da arrecadação dos impostos prediais e territoriais e de serviços, e criação de instrumentos para a captura das mais-valias imobiliárias em benefício de projetos de infra-estrutura e oferta de solo urbanizado para a população pobre. Por último, incentivar a participação comunitária, estabelecendo mecanismos que garantam informação ampla sobre os problemas urbanos. A partir das experiências no Oeste e Leste da Europa e na Ásia, Renard, V.(2000) discute os princípios básicos da definição e do direito de propriedade, a regulamentação e planificação e instrumentos financeiros para a gestão do solo urbano. Segundo o autor, a gestão do solo é uma política intermediária, cujos objetivos não são definidos por si mesmos. O êxito de uma política de solo urbano dependerá de outras políticas, como a de habitação social, do meio ambiente e equipamentos públicos. Renard (op. Cit.) concorda com Cenecorta & Smolka (op. Cit.) quanto ao papel do Estado na definição dos princípios de funcionamento do mercado e acrescenta que o problema do solo não está bem resolvido em nenhum país do mundo. As pautas mais comuns na problemática de acesso ao solo pela população de baixa renda são: a perda do poder de compra; a dualização, principalmente nos EUA e no Oeste Europeu - diferenciação entre as áreas na cidade segundo o preço dos terrenos; os preços dos lotes subiram mais em relação aos salários e ao PIB; e a complexidade das leis e decretos, dificultando suas aplicações. Até os anos 60, a pobreza urbana era interpretada como expressão da falta de modernização, assim só poderia ser erradicada através do crescimento econômico. Em pleno período de políticas de industrialização de substituição de importações, a construção civil tornou-se uma alavanca para o crescimento com a construção de conjuntos habitacionais para os pobres, gerando empregos e estimulando a economia (Fiori, Riley & Ramiréz, 2000). Em 1946, o governo federal criou a Fundação da Casa Popular (FCP), que seria a primeira agência nacional voltada para a construção de casas populares, além de atuar na provisão de serviços de infra-estrutura urbana e saneamento básico. O desempenho insatisfatório da Fundação Casa Popular (FCP), principalmente quantitativamente, favoreceu o surgimento de relações clientelistas movidas por interesses pessoais de autoridades do 33


governo federal, transformando o órgão em um mecanismo de sustentação da política populista da época. Com a chegada do governo militar em 1964, a FCP foi extinta e em seu lugar criado o Banco Nacional de Habitação (BNH), com o objetivo de conquistar a adesão das massas populares ao novo regime implantado. “Nesse projeto, igualmente encontrava-se implícita a idéia de que a casa própria poderia desempenhar um papel ideológico importante, transformando o trabalhador de contestador em ‘aliado da ordem” (Azevedo, 1988 -p. 109). Além do aspecto político-ideológico, a criação do BNH implementava uma política “em moldes empresariais” para os setores de baixa renda, o que traria efeitos positivos na economia. Funcionando como um banco para reduzir o ônus sobre os recursos nacionais, criou-se o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), cujas fontes de recursos eram a poupança compulsória, através do FGTS, e a voluntária, através das cadernetas de poupança e letras de câmbio. A aplicação das políticas do BNH ficou a cargo das diversas agências públicas e privadas implantadas, que funcionavam sob sua supervisão. Cada uma dessas agências atuava num setor do mercado imobiliário, estratificado em popular, econômico e médio, segundo a renda do mutuário. Aos poucos, o Banco começou a administrar serviços anteriormente administrados pelos governos locais, tais como saneamento básico, abastecimento de água, e a cobrar tarifas para gerar recursos, conferindo a sua atuação um caráter empresarial. Para os setores populares foi adotada uma política de subsídios diretos e indiretos, para viabilizar o seu acesso ao mercado habitacional. Para isso foram criadas as companhias habitacionais (COHAB’s), empresas mistas compostas pelos governos estaduais e/ou municipais, que detinham o controle acionário. As COHAB’s desempenhavam um papel análogo aos incorporadores imobiliários dos setores de alta renda. Elas coordenavam o trabalho das empresas construtoras das casas populares, porém sem obterem o lucro da incorporação, o que contribuía para a redução dos preços das unidades construídas. Os recursos provenientes para a produção das moradias populares, eram do FGTS e os da poupança voluntária, ou seja, os subsídios para os mutuários de baixa renda eram advindos dos assalariados de alta renda. Entre 1969 e 1974, a produção de unidades habitacionais para os setores de baixa 16

renda

foi insignificante. A política de “arrocho salarial” implantada pelo regime militar,

acarretou uma queda progressiva nos salários das camadas de baixa renda. Como

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A prioridade do banco era atender a famílias de renda mensal média entre um e três salários mínimos.

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conseqüência, o número de inadimplência aumentou, colocando as cohabs em séria crise financeira. A partir do agravamento do quadro financeiro das cohabs, reduziram-se os investimentos em habitações populares, que foram direcionados para o mercado de classe média e alta, que atingidas pelo comportamento especulativo do mercado imobiliário, começaram a considerar os conjuntos habitacionais como opção de moradia. A constatação, pelos organismos internacionais, da ineficácia dos programas tradicionais para os setores mais pobres da sociedade, impulsionou a implementação de políticas públicas que apoiassem a autoconstrução (Azevedo, 1981). Nos documentos do Banco Mundial do final da década de 70, há referência à falta de condições da maioria das famílias urbanas do Terceiro Mundo para adquirirem as casas mais baratas dos programas de habitação popular (Azevedo, op. cit.). A conseqüência disso é que mais de um terço da população urbana vive atualmente em favelas. Em 1986, entre outros fatores, a ausência de uma proposta eficaz de controle da crise do SFH levou o novo regime a decretar a extinção do BNH e a incorporação de suas atividades à Caixa Econômica Federal, sem que fossem tomadas quaisquer iniciativas de solução dos problemas. A solução, diante deste quadro, estaria no apoio aos programas alternativos, como a autoconstrução, financiamento de materiais de construção e urbanização de favelas. O problema desses programas é que eles foram criados com a condição de serem autosustentáveis e para isso a população envolvida deveria arcar com pelo menos parte dos investimentos. Desse modo, o resultado foi a exclusão de grande parte das famílias de baixa renda, que não tinham condições de arcar com os custos. Os anos 80 foram marcados pela desregulamentação e privatização do financiamento habitacional, e a política habitacional passou a contar cada vez menos com a participação do Estado. A redução dos investimentos em políticas habitacionais voltadas para a população de baixa renda, agravou ainda mais as condições de moradia dos pobres urbanos, chamando a atenção dos organismos internacionais (Banco Mundial, BIRD, PNUD), que passaram a desenvolver programas de ajuda financeira aos países em desenvolvimento, voltados à capacitação para a solução dos problemas relacionados à gerência dos mercados de terras, infra-estrutura e planejamento. Durante muito tempo, os problemas habitacionais no Brasil ocuparam a agenda de debates entre acadêmicos, políticos e instituições públicas, principalmente durante o período de atuação do BNH. Os estudos voltavam-se para a análise das intervenções nas áreas de habitação popular e desenvolvimento urbano. Após 1986, com a extinção do BNH e a 35


transferência de suas atribuições para a Caixa Econômica Federal, o tema ganhou o reforço dos movimentos sociais e apoio de Organizações Não-governamentais, diante da quase inexistência de políticas sociais voltadas para atender o problema da moradia, entendido como déficit habitacional. No final da década de 80, diante do agravamento da situação de acesso à moradia pela população de baixa renda, reforça-se a idéia de que a propriedade fundiária deveria exercer sua função social, através da subordinação do direito de propriedade ao de moradia (Fernandes, 2003). Nos anos 90, a questão habitacional não foi tratada de forma independente; os governos perceberam a necessidade de integração de programas habitacionais para os pobres, com programas de geração de emprego e renda, saúde, educação e meio ambiente. Segundo Fiori e Ramirez, 1992 apud Fiori; Riley e Ramirez, 2000:17, até a metade da década de 90 a trajetória da política habitacional considerou as seguintes questões na definição de paradigmas: significado e causas da pobreza; natureza dos processos de urbanização; relação com políticas setoriais; articulação de processos de desenvolvimento habitacionais e urbanos; o significado e importância da participação do usuário na habitação; e o lugar do projeto na política habitacional. A partir da segunda metade da década de 90, surge uma nova geração de políticas habitacionais que concentrou a atenção na redução e erradicação da pobreza através da abordagem habitacional participativa e a revalorização do projeto físico na política habitacional.

5.1. As Políticas para as Favelas no Rio de Janeiro O Código de Obras de 1937 marcou a primeira intervenção pública nas favelas do Rio de Janeiro. Segundo Burgos (1998), ele propunha a eliminação das favelas, proibia a construção de novas moradias, assim como a melhoria das existentes. O Código de Obras também fazia referência à construção dos Parques Proletários, efetivada no início dos anos 40, como solução de moradia para os pobres e para o problema de insalubridade no centro da cidade. Entre 1941 e 1943 foram construídos três Parques Proletários: na Gávea, no Leblon e no Caju, para onde foram transferidos quatro mil favelados. Mais tarde foram expulsos pela valorização imobiliária dos dois primeiros bairros. Um efeito não esperado da experiência dos Parques foi por em contato os favelados/moradores e o Estado, o que suscitou o processo de

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organização dos moradores de favela, que não se sentiam atraídos pela idéia17. Com a intenção de coibir a organização dos moradores, foi criada pela prefeitura e a Arquidiocese do Rio de Janeiro, em 1946, a Fundação Leão XIII, com uma proposta de atuação junto aos moradores de favelas, alternativa a do populismo do Estado Novo. Entre 1947 e 1954, a Fundação atuou em trinta e quatro favelas, implantando serviços básicos como água, luz e esgoto, redes viárias e centros sociais. A partir de 1950, observou-se maior articulação entre a favela e a política-partidária. O capital cultural da favela começou a ser valorizado, sendo freqüentada por intelectuais, artistas e outros segmentos médios. Assim, no campo cultural, as favelas ganharam uma identidade positiva e uma maior relação com a cidade. Temerosos dessa politização da favela, Igreja e Poder Público, criaram, em 1955, a Cruzada São Sebastião, que empreendeu melhorias urbanas em doze favelas e construiu um conjunto habitacional para a população removida da Favela do Pinto, no Leblon, primeira experiência de relocação de população removida, próximo ao local da moradia anterior. Em 1956, o Governo Municipal de Negrão de Lima, criou o SERFHA – Serviço Especial de Recuperação das favelas e Habitações Anti-higiênicas. Ambas iniciativas reduziram o problema “favela” à carência de infra-estrutura. Em 1957, os moradores das favelas criaram a Coligação dos Trabalhadores favelados do Distrito Federal, entidade autônoma, com objetivo de lutar por melhores condições de vida, através do trabalho comunitário. A favela ganhou uma identidade coletiva, o que representa uma requalificação do termo favela em relação às políticas anteriores. Em 1960, com a criação do Estado da Guanabara, O SERFHA passou a fazer parte da Coordenação de Serviços Sociais do Estado, incentivando a formação de Associações de Moradores, para exercer maior controle sobre a população moradora em favelas. O SERFHA é extinto em 1961 e então é criada a Companhia de Habitação Popular (COHAB), que deveria realizar uma nova política habitacional. As lideranças dos moradores de favelas continuaram fortalecendo sua estrutura organizativa, e em 1963 fundaram a FAFEG- Federação da Associação de Favelas do Estado da Guanabara. A FAFEG foi criada para resistir à política de remoções e lutar pela implementação de serviços públicos. Neste mesmo ano, a Fundação Leão XIII passou de órgão vinculado à Igreja, à autarquia do Estado.

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Em 1945, foram criadas comissões de moradores nas favelas Pavão-Pavãozinho, Cantagalo e Babilônia.

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Entre 1962 e 1965, o governo federal construiu, com financiamento do USAID, a Cidade de Deus e as Vilas Kennedy, Aliança e Esperança, seguindo uma política de remoção de favelas. Essas remoções não foram bem aceitas pela população, pois implicavam em deslocamentos para áreas distantes dos locais de trabalho, com oferta deficiente de transporte, além da ruptura dos laços de sociabilidade (Perlman, 1977). A FAFERJ, antes FAFEG, veio reforçar a organização dos favelados. Porém, sua atuação foi fraca e incapaz de evitar algumas remoções. O enfraquecimento e retrocesso das ações remocionistas foi também creditado à dificuldade de financiamento para construção dos conjuntos habitacionais. Em 1965, no Governo Negrão de Lima, ocorreu maior controle das Associações de Moradores, vinculando-as ao Estado através da Secretaria de Serviços Sociais. Em 1968, o governo criou a Companhia de Desenvolvimento de Comunidades – CODESCO, sob a pressão de jovens arquitetos, planejadores, economistas e sociólogos, que prestavam assessoria à FAFEG. A filosofia do grupo era enfatizar a importância da posse legal da terra, e valorizar a participação dos favelados na melhoria dos serviços públicos comunitários. O projeto-piloto da CODESCO foi implantado nas Favelas de Brás de Pina, Morro União e Mata Machado. Simultaneamente à CODESCO, a política remocionista voltou com a criação da CHISAM – Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio. Enquanto a primeira apostava na capacidade organizadora e participativa dos moradores das favelas, a segunda as considerava um espaço deformado, habitado por população que precisava ser reabilitada social, moral, sanitária e economicamente. O objetivo da CHISAM era erradicar as favelas, chegando a remover 100 mil pessoas de 60 favelas. Entre 1968 e 1975 foram removidas mais de 60 favelas e cerca de 100.000 moradores foram deslocados. No entanto, o plano de erradicação enfrentou forte reação dos moradores, perdendo força a partir de 1975, auxiliados pela mudança na política habitacional, que teve seu alvo deslocado para os Conjuntos habitacionais do BNH, que passou a utilizar parte do dinheiro destinado às remoções das favelas, para o financiamento de projetos habitacionais para as classes média e alta. Entre 1975 e 1982, o clima entre moradores de favelas e conjuntos habitacionais era de ressentimento pelas remoções, gerando apatia e enfraquecimento da luta pelos direitos de cidadania. A remoção desarticulou a estrutura política dos favelados. A população teve dificuldades de adaptação à nova forma de viver, que trouxe prejuízos financeiros com os gastos com transporte até o trabalho, além dos custos com a prestação da casa, impostos,

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taxas, etc. Esse período foi caracterizado pela falta de políticas públicas mais amplas, voltadas para as favelas. No final da década de 70 ocorreu um intenso processo de auto-urbanização nas favelas. Em 1979, o governo federal incluiu as favelas em programas desenvolvidos por dois Ministérios – Minas e Energia e Interior – e pela Prefeitura, reflexo dos tempos de abertura política. Nesta ocasião, são lançados o PROMORAR a ser implementado pelo BNH; o Programa de Eletrificação por Interesse Social, a ser implementado pela Light; e é criada a SMDS – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, atuando na urbanização de favelas (Carvalho, 1996). O início da década de 80 marcou ainda, no âmbito político, a reestruturação do Movimento de Favelas, através da FAPERJ. Assim, a década de 80 foi marcada pela mobilização política e social, a institucionalização das relações em favelas e a valorização interna pelo processo de desfavelização, ou seja, a melhoria da infra-estrutura básica e do padrão habitacional, através dos investimentos na moradia, instalação de equipamentos urbanos, entre outros. A mobilização social assumiria diversas formas: manifestações coletivas, contatos políticos e embates com a polícia, com o intuito de pressionar o Estado para a regularização da posse. Na década de 80 a favela recebeu intervenções de três órgãos públicos simultaneamente – BNH, SMDS e LIGHT. O IPLANRIO iniciou o Cadastro de Favelas, traduzindo a intenção do poder municipal de atuar nas favelas. De acordo com esse cadastro, até 1980 existiam 364 favelas. A partir de 1982, no governo de Leonel Brizola, desenvolve-se uma agenda social voltada para as favelas. Entre 1983 e 1985, o PROFACE – Programa de Favelas da Cedae – implanta sistemas de água e esgoto em 60 favelas. Diversos órgãos entram nas favelas, como a Comlurb, com coleta de lixo, a Light com Programa de Iluminação pública, e a Secretaria de Estado do Trabalho e da Habitação, com o Programa Cada Família um Lote. Até a primeira metade da década de 90, a trajetória da política habitacional no Brasil considerou as seguintes questões na definição de paradigmas: significado e causas da pobreza; natureza dos processos de urbanização; relação com políticas setoriais; articulação de processos de desenvolvimento habitacional e urbano; e o significado e importância da participação do usuário na habitação. A partir da segunda metade da década de 90, surge uma nova geração de políticas habitacionais, que concentrou a atenção nas seguintes questões: redução e erradicação da pobreza através da abordagem habitacional participativa e revalorização do projeto físico. A 39


questão que se coloca é se essas políticas incentivaram ou não o surgimento de novas favelas, sob novas características sócio-espaciais. Em 1993, o Prefeito César Maia criou o GEAP – Grupo Executivo de Assentamentos Populares, que propôs seis programas habitacionais, entre eles o Favela-Bairro, que surgiu para suprir o déficit dos direitos sociais dos excluídos, propondo a integração pela urbanização, sob a ideologia de criar uma nova identidade para as favelas – a de bairros populares. Segundo o GEAP, O Favela-Bairro teria por objetivo, “construir ou complementar a estrutura urbana principal (saneamento e democratização de acessos) e oferecer condições ambientais de leitura da favela como bairro da cidade” (Alvito, 1998). Assim, nota-se que o programa tinha como princípio, intervir pouco no domicílio. Em 1995, a Prefeitura do Rio de Janeiro assinou contrato com o BID (Banco Interamericano de desenvolvimento), constituindo o PROAP – Programa de Urbanização e Assentamentos Populares, com o objetivo de urbanizar favelas, regularizar loteamentos, e monitorar a educação ambiental e sanitária e promover o desenvolvimento institucional. O Programa Favela-Bairro deu uma nova direção à política habitacional até então desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro, caracterizada pela promoção de melhorias físicas. Surge uma preocupação em promover a integração do morador à cidade, implementando-se programas de inclusão social: educação sanitária e ambiental; geração de trabalho e renda; e regularização fundiária. Segundo Pandolfi & Grynszpan (2002), embora ainda hoje as favelas sejam percebidas como um problema, as soluções propostas não mais enfatizam sua erradicação, e sim sua consolidação. Isso significa urbaniza-las, dota-las de serviços públicos e infra-estrutura. A entrada do Estado nas favelas, não para remove-las, e sim para consolida-las, possibilitou a entrada de um novo ator, as Organizações Não-Governamentais (ONG’s), cuja atuação se intensificou a partir dos anos 90, com a inclusão das favelas em projetos que buscam sua inserção social, resgate da cidadania, combate à violência e redução da pobreza. Junto com o Poder Público, esses projetos contribuiram para alterar o perfil das favelas. Por outro lado, a maior presença do Estado e a realização crescente de ações sociais pelas ONG’s, vêm coincidindo com o esvaziamento das Associações de Moradores. Isso é um paradoxo, pois as Associações de Moradores são responsáveis pela maioria das mudanças que vêm sendo observadas nas favelas, principalmente a partir dos anos 80. De acordo com Azevedo (op. cit.), as vantagens desse tipo de política em relação às outras, é que como não é preciso remover a população, não provoca impacto nas relações sociais com os vizinhos e na relação local de moradia-trabalho, além do aspecto econômico que a seguridade da posse da 40


terra pode prover, com a valorização do imóvel. Por outro lado, o alcance destas políticas é baixo, devido aos elevados recursos necessários à sua implementação. As últimas décadas marcaram o afastamento do Estado no processo de construção habitacional na América Latina. Houve uma redefinição das formas de intervenção estatal, concomitante com o papel do setor privado, da sociedade civil e dos próprios usuários nos processos de produção e fornecimento de moradias. Houve uma passagem de uma política convencional, onde o Estado era o único responsável pela provisão e distribuição da moradia, para uma política não convencional, caracterizada pela intervenção parcial do Estado, através do apoio aos agentes privados e ao usuário na produção (Fiori & Ramirez (1992) apud Fiori; Riley & Ramirez, 2000:17). Analisando as políticas habitacionais no Brasil, observa-se a inadaptação dos mercados convencionais privados e públicos à demanda popular. É necessário questionar as modalidades não convencionais que se desenvolvem como respostas a estas inadaptações. Comprovada a incapacidade das políticas vigentes em atender a demanda crescente de população pobre, deve-se interpretar o “porque” e o “como” dessa modalidade de acesso à moradia, a favela. Esta interpretação do papel da favela como forma de acesso à moradia por grande parte da população de baixa renda, passa pelo estudo das características do mercado de solo.

6. Condições de Acesso: redes sociais e mercado imobiliário Existe um grande debate em torno do conceito de estruturação intra-urbana. De modo geral, poderíamos inferir que estruturação intra-urbana é o resultado das formas de produção e uso do solo, que incidem no padrão de expansão e ocupação urbana, e na localização espacial das atividades produtivas e de serviços, e de moradia da população. Essa estruturação é alterada quando mudam as relações entre os agentes que interagem no espaço. Segundo Abreu (1987), a estrutura espacial de uma cidade capitalista está associada às práticas sociais e aos conflitos entre as classes. A luta de classes reflete-se na luta pelo domínio do espaço, marcando a forma de ocupação do solo urbano. No entanto, a recíproca também é verdadeira: a forma de organização do espaço tende a assegurar a concentração de renda, realimentando os conflitos. Neste sentido, destaca-se o papel da dinâmica do mercado imobiliário através de seu corolário, a mobilidade residencial, na estruturação do espaço intraurbano.

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Os approaches teóricos para o estudo da mobilidade residencial da população de favelas, consideraram três elementos determinantes: a origem da população e local de destino; a migração como um processo que engloba os motivos, o tempo, o reflexo da mobilidade espacial na estrutura social; e a seletividade, ou seja quem se move? (M¢ller, V.& Storpfort,P., 1980). Assim, consideramos importantes os estudos desenvolvidos pela Escola de Chicago, sobre uma cidade que teve um rápido crescimento devido à massiva migração, gerando transformações na estrutura urbana, devido à heterogeneidade étnica da população migrante. A importância da Escola de Chicago, consiste na análise das relações sociais correlacionadas à estrutura espacial. Os estudos desta escola de sociologia consideram as relações das funções bióticas e econômicas no ordenamento da cidade. Esta seria formada por “áreas naturais” distintas, que se diferenciam quanto ao tipo de população, densidade, padrão habitacional, propriedade da moradia e tipo de organização comunitária. Nesse item, buscamos resgatar a abordagem ecológica focando a análise da mobilidade, da segregação e suas relações com a estruturação urbana.

6.1. O Migrante na Cidade A migração gerou um rápido crescimento da cidade de Chicago nos Estados Unidos, nos anos 20, implicando em transformações devido à heterogeneidade étnica da população migrante. Os problemas sociais gerados nesse período foram objeto de investigação sociológica, dando origem à escola de sociologia conhecida como “Ecologia Humana”, que em síntese, significava um conjunto de pressupostos sobre a natureza da realidade social, desenvolvidos por Park, Burgess e Mackenzie.

A Escola de Chicago e Definição de Ecologia Urbana O início de Escola de Chicago de Sociologia Urbana foi marcado por uma série de textos clássicos, escritos entre 1915 e 1930, inscritos num período de graves problemas raciais e étnicos, devido à imigração massiva e conseqüente crescimento urbano, que vinha ocorrendo em várias cidades americanas, principalmente em Nova York e Chicago. Na Escola de Chicago articularam-se duas tradições: na primeira, anterior à segunda guerra mundial, os fatores behavioristas ou sóciobiogênicos explicavam os padrões espaciais; na segunda, pós-guerra, enfatizavam-se as influências de forças sociais, como a competição econômica no meio ambiente (Gottdiener, 1993).

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Park, Burguess e Mackenzie se inscrevem na abordagem ecológica da primeira Escola de Chicago, cujo aporte teórico era que os padrões urbanos deveriam ser explicados pela natureza humana, concebida pela relação entre dois anseios distintos: o biótico e o cultural. Segundo Park (1916), a cidade seria produto da natureza e, particularmente, da natureza humana, portanto, produto dos costumes, tradições e sentimentos inerentes a cada grupo da sociedade. O estudo das influências desses fatores sobre a organização social e física da cidade é chamado de Ecologia Urbana. Em outras palavras, a ecologia urbana é o estudo dos movimentos e da fixação da população, afetados pelo ambiente natural, social e cultural. Para os ecologistas humanos, a forma física da cidade estaria associada aos hábitos e costumes das pessoas que a habitam e, neste sentido, fatores econômicos e interesses pessoais, levariam, naturalmente, à segregação e à distribuição da população na cidade. Esta distribuição daria origem a uma forma de organização social chamada vizinhança, que pelo seu caráter segregacionista (agrupamentos de indivíduos de mesma raça, profissão, status econômico, etc.), garantiria a predominância dos laços de solidariedade e intimidade entre os seus habitantes. Segundo a tradição da Escola de Chicago, vários segmentos da população urbana competem por determinado espaço, ocupado por um grupo dominante. Este espaço é invadido por grupos concorrentes, que sucedem os “naturais”, passam a dominar, reiniciando o processo de competição, dominação, invasão e sucessão. A tendência seria as pessoas se acomodarem a determinada área do espaço urbano, onde há uma certa homogeneidade de classes sociais e características de vizinhança, compatíveis com suas preferências e seu status social. Os debates da Escola de Chicago se inserem em dois campos científicos: o da ecologia humana e o da sociologia urbana, pois se trata da instauração da cidade como objeto de estudo, onde autores como Park, Simmel e Wirth se referiam ao mundo urbano construído pela sociedade, com os novos conflitos, a nova realidade e a segregação. Esta nova realidade é predominantemente fruto da imigração, que introduz na cidade a questão da interação de culturas. Assim, para os autores, esse mundo urbano definia disposições e comportamentos, que seriam adotados pelos habitantes da cidade como forma de preservação da própria identidade.

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A cidade como objeto de estudo Segundo Burguess, os ecologistas urbanos queriam mostrar que a cidade constituía um objeto de estudo particular, pois ela insere formas de sociabilidade próprias. O homem da cidade, o metropolita, tem comportamentos e disposições mentais particulares a um universo ecologicamente específico. Nos estudos da organização espacial da cidade, destacaram-se duas abordagens: a que ressaltou os processos espaciais das relações entre áreas em transformação, identificando a dinâmica espacial e fornecendo uma análise interpretativa de áreas e comunidades urbanas, que seria a linha que caracteriza as obras de Park; e a que ressaltou os aspectos da estrutura espacial, configurando áreas diferenciadas na cidade (Eufrázio, M. 1999). Essa linha caracteriza os trabalhos de Hoyt e Burguess. Para Park (1916), a cidade possuía uma organização física e uma ordem moral, que interagiam mutuamente e se modificavam. A organização física seria expressão da natureza humana e tal como a ordem moral, passaria por mudanças impostas pelo caráter institucional da cidade. A característica da civilização moderna é o crescimento das cidades. Isso caracteriza o modo de vida do homem moderno: viver em grandes aglomerações (Wirth, 1938). O que chama a atenção do sociólogo, são as mudanças que ocorreram neste crescimento e seus impactos no modo de vida das pessoas. A questão que Wirth colocou referia-se às características que distinguiam a vida urbana. As respostas serão diversas do ponto de vista das diferentes disciplinas. Entretanto, uma definição sociológica da cidade, deverá considerar as interações existentes entre as diferentes abordagens. Ou seja, deverá procurar conter os elementos do urbanismo que a distinguirão como um modo distinto de vida das aglomerações urbanas. A urbanização remete à acentuação das características que distinguem o modo de vida associado ao crescimento das cidades, às próprias mudanças de sentido do modo de vida urbano. Assim, uma definição de urbanismo deve considerar as diferenças entre as cidades: tamanho, localização, função, etc. Os grandes números acarretam a impessoalidade, o enfraquecimento das relações interpessoais, que são de modo geral, anônimas, superficiais e transitórias. A densidade envolve diversificação e especialização, contrastes entre o aumento do contato físico estreito e relações sociais distantes, o que possibilita um maior controle social. A heterogeneidade instaura insegurança e instabilidade pela quebra de estruturas sociais rígidas, possibilitando aos indivíduos, o contato através da maior mobilidade, com uma variedade de grupos sociais. 44


O importante a destacar, nesse eixo analítico, são as formas de organização comunitária, que parecem ter ampliado sua atuação, restrita, na maioria dos casos, às soluções de problemas comuns a todos, ou seja, relacionados ao meio ambiente físico (uso e ocupação do solo e à infra-estrutura das favelas), e ao papel que representam as redes de solidariedade/sobrevivência, na decisão de localização dos pobres urbanos. Observa-se nas abordagens sociológicas, a utilização de inúmeros termos para definir rede social, tais como: solidariedade, sociabilidade, sobrevivência e reciprocidade, tornandose essencial para o entendimento de nossa realidade, a definição de tais categorias de análise, tendo em vista que a rede social é utilizada, pela antropologia social, como instrumento de análise das interações sociais entre indivíduos do mesmo grupo, e de grupos distintos. Para discutir as diferenças entre a vida tradicional rural e a moderna da cidade, vários estudos utilizaram os conceitos desenvolvidos por Durkheim, de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. A primeira é encontrada em comunidades tradicionais, onde cada indivíduo adquire o conhecimento e aptidões dos outros e compartilham da mesma forma de comportamento e personalidade básica. A segunda é encontrada em sociedades modernas/complexas, onde cada indivíduo se especializa e complementa a especialização do outro, criando uma interdependência mútua. A explicação para as mudanças na distribuição da população, que transformam hábitos e sentimentos, é o fato de que o crescimento das cidades, creditado à imigração, altera os tipos de relações, que antes eram diretas (face a face) e passam a ser indiretas. O contato direto é a base para a mais elementar inter-relação humana. Essa interação instintiva, não reflexiva, dá lugar ao controle social que surge de forma natural. Para Park (1925), a melhor maneira de conceber a sociedade é considera-la como produto de interações entre componentes individuais, que são controladas por um corpo de tradições e normas, que configuram esses processos de interação. É nesta perspectiva, que o conceito de rede social ganhou importância entre os estudiosos de migração. As observações sobre as formas de integração do migrante, passaram a privilegiar sua capacidade de inserção em redes formais ou informais de conterrâneos (Ramella, 1995). O processo migratório deixou de ser visto como uma ruptura brusca dos que emigram com seus conterrâneos e passou a ser uma eleição realizada por indivíduos mobilizados por estratégias de superação social. Geralmente, a decisão de migrar apóia-se no fato de existir alguém de suas relações pessoais ou familiares. Para Gonçalves (1992), o morador de favela valoriza mais a vizinhança do que a casa. O contrário é observado nas classes de maior renda, pois sua sobrevivência independe da ajuda mútua diária dos vizinhos. Nas favelas, a rede de solidariedade é importante nas estratégias de 45


sobrevivência das famílias, na medida em que podem contar com parentes e vizinhos no cuidado de crianças e idosos enquanto estiverem no trabalho. O “morar” é segundo Gonçalves (op.cit.), a conjunção de pelo menos três componentes básicos: casa, vizinhança e rede de sobrevivência. A casa é o espaço físico, interno da família; a vizinhança se estende para além dos limites da casa, e é delimitada pelo maior ou menor grau de amizade interpessoal ou interfamiliar. Não existem limites geográficos, e sim dependem da esfera relacional que engloba os laços familiares de parentesco e compadrio, que se estendem para além casa. Mas a vizinhança pode estender-se à inserção/participação nos movimentos reivindicatórios, em comunidades religiosas, nas organizações de base e lutas populares. As redes de sobrevivência referem-se basicamente às relações criadas para a sobrevivência da família, especificamente no que se refere ao reforço da renda familiar. Karl Polanyi (1968) distinguiu três modos de integração econômica ou mecanismos de coordenação: reciprocidade, redistribuição e mercado, que podem estar associados a três modos de organização social – igualitário, ordenado e estratificado. Para Harvey (1980), os modos de integração econômica e de organização social não são perfeitos, nem exclusivos em relação aos outros. Porém, os conceitos de reciprocidade, redistribuição e mercado de troca, oferecem instrumentos para se analisar as relações entre as sociedades e as formas urbanas. A reciprocidade envolve a transferência de bens, favores e serviços entre indivíduos de um mesmo grupo, ela compõe a sociedade igualitária, pois há sempre um movimento de cooperação para tender ao equilíbrio. As sociedades dominadas por essa forma de organização social são caracterizadas pela estabilização social. O modo redistributivo de integração econômica caracteriza as sociedades ordenadas, envolvendo fluxo de bens. A redistribuição é sustentada através do estabelecimento de direitos sobre os resultados ou sobre os meios de produção (Harvey, 1980:180). Nesse caso, as sociedades redistributivas seriam também estratificadas. No mercado de trocas, a integração econômica ocorre somente quando os mercados de preço fixo operam para coordenar atividade. Ele pode funcionar como uma troca de um produto entre pessoas; de um produto a um preço determinado e troca através de operação de mercados de preços fixos. Segundo Harvey, a natureza da justiça social baseia-se na distribuição da produção, e eficiência é eqüidade na distribuição. Estudando as formas de organização social da população moradora de favelas, Zaluar (1985) observou, que diante da instabilidade no emprego e na própria ocupação, o local de moradia é importante na construção de identidades e organização social. O espaço da favela seria onde se forma a coletividade. É na vizinhança que se pratica a solidariedade, pois se os 46


pobres são heterogêneos no que diz respeito a sua inserção no processo produtivo, a preferências religiosas e tradições regionais, são homogêneos nas condições de vida, na pobreza e exclusão. Nos estudos da década de 60, especificamente referindo-se à Eunice Durham em seu clássico A Caminho da Cidade, a família era considerada como o centro para a reestruturação das experiências e construção de projetos de vida, centrado principalmente na aquisição da casa própria. Para a autora, a família ajudava na recuperação das normas e valores comunitários. Na América Latina, o estudo em uma favela no México realizado por Lomnitz (1975), revelou que as redes de solidariedade existentes nas favelas são consideradas como o elemento significativo da estrutura social. Essas redes de solidariedade permitem explicar o processo de migração, os padrões de assentamentos, a mobilidade residencial. Uma das formas mais significativas do funcionamento dessas redes é a autoconstrução, onde o proprietário constrói sua moradia com a ajuda de amigos e familiares. A mão de obra remunerada é pouco utilizada, a não ser em trabalhos mais específicos, que exigem uma certa especialização. Em geral, a casa autoconstruída é considerada como um bem necessário à reprodução da família, e a sua mercantilização só é considerada em áreas urbanizadas ou com alguma melhoria em sua infra-estrutura (Lima, 1979). Blank (1979) observou na favela de Brás de Pina, que as melhorias no local empreendidas pela sua urbanização, incentivaram as famílias a melhorarem e conservarem suas casas, para quando fosse necessário, vendê-la a um bom preço. Esse aspecto é interpretado por Santos (1979), como parte da existência de uma grande complexidade ideológica e cultural nas populações pobres, onde para eles (os pobres), o esforço na construção pode ser considerado um tipo de acumulação, que transforma a casa num bem que pode ser trocado no mercado. Os pobres estão atentos aos jogos dos quais participam, e nem sempre representam o papel de contendor que sempre é derrotado. Sabem que as cidades são usadas como objeto de especulação e especulam com o que podem. (Santos, 1979. p.38)

Cabe destacar também o papel das Associações de Moradores na produção e organização do espaço e na contribuição das melhorias internas das favelas, no que se refere ao estabelecimento e controle das práticas sociais e econômicas. Passaram a atuar como 47


“prefeituras locais” e cartórios, estabelecendo um sistema de controle do uso e ocupação do solo. Às associações cabia promover e fiscalizar, através de mutirão, pequenas obras de infraestrutura, intermediar conflitos entre os moradores, controlar as transações de compra, venda e aluguel de imóveis, promover atividades culturais, sociais, entre outros.

A cidade do estrangeiro e a construção da identidade urbana Simmel (1902) em sua obra, preocupou-se em investigar quais eram os significados e conteúdos da vida moderna e como a personalidade dos indivíduos respondia aos estímulos de tais conteúdos. Para ele, a mente humana seria estimulada pelas diferenciações de momentos, que na metrópole, essas diferenciações intensificam os estímulos nervosos, devido à intensidade e multiplicidade de impressões, do ritmo da vida econômica, ocupacional e social. Park também definiu a cidade como o lugar das diferenças, seria nela que as especificidades de cada indivíduo surgiam como conseqüência da competição na divisão do trabalho. O foco das análises sociológicas de Simmel era o indivíduo, no comportamento do indivíduo e como ele se relacionava com os outros em um contexto urbano que não era determinado por ele. Para Simmel, o século XVIII exigiu a especialização do homem e do seu trabalho, que o tornou incomparável ao outro, ao mesmo tempo em que dependia do outro. Essa seria a gênese dos problemas mais graves da vida moderna: a reinvidicação do indivíduo em preservar sua autonomia e individualidade, face às forças sociais, à cultura externa e ao nivelamento imposto pelo dinheiro. Devido ao ritmo da vida metropolitana, o indivíduo desenvolveu uma subjetividade pessoal – a atitude blasé – que consistia no enfraquecimento do poder de discriminação. Ela seria uma acomodação ou autopreservação ao conteúdo da vida metropolitana; de certa forma, uma reserva em relação ao outro. A atitude blasé seria algo mais que a indiferença, ela seria um mecanismo de defesa, onde a reserva seria uma resistência à multiplicidade de sentidos. Para o autor, a metrópole era um mundo heterogêneo, que estimulava os sentidos. Ademir Pacelli (1999) realizou interessante análise sobre os efeitos da migração sobre o sujeito (o indivíduo), a partir de casos de surto psicótico em migrantes nordestinos. Os efeitos mais diretos, como a aculturação ou assimilação, teriam como conseqüência o recalcamento da cultura migrante, o que levaria à alienação e a despersonalização do sujeito. Através das noções de identificação e estranheza, recalcamento e retorno do recalcado, repetição, desejo e investimento imaginário, o autor analisou a experiência do migrante no campo da relação euoutro e em relação ao espaço e ao tempo. “A estranheza é efeito do confronto de registros e do

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apagamento das representações; e o estranhamento é resultante da fusão do imaginário com a realidade” (p. 146). O migrante surge como o estrangeiro, o que habita “fora dos muros da cidade”, onde as representações de convivência ou de interações humanas são excluídas. O fenômeno migratório, ao possibilitar a circulação e convivência de estrangeiros na cidade moderna, fez com que esta encarnasse a própria universalidade e reforçasse a idéia de homogeneidade urbana, idéia esta conflituosa ao atribuirmos ao migrante a qualidade do outro. Segundo Joseph, I. (1999), a questão central na Escola de Chicago não era a integração e sim a condição de estrangeiro; o migrante é o estrangeiro, é o outro, o exótico, é nele que se deve pensar, pois é ele quem se move. A mobilidade é limitada pela segregação, instaurando a dialética da oposição entre uma cidade vista a partir do estrangeiro e a cidade que se funda na comunidade dos iguais. Para os sociólogos de Chicago, a mobilidade do indivíduo, que o colocaria numa intensa interação social com vários tipos de personalidade, geraria instabilidade e insegurança, que na cidade tenderia a se naturalizar e se constituir como norma geral. O homem cosmopolita integra diferentes grupos e através da mobilidade social, ele pode passar de um grupo a outro, incidindo no processo de despersonalização ou nivelamento. A diversidade aumenta a complexidade da estrutura social. Como pensar hoje esta interação, diante das dificuldades de ascensão social impostas pelas políticas neoliberais? Ao contrário, o isolamento social se impõe, eliminando a possibilidade de identificação positiva de vizinhança. Romperam-se os códigos e normas que regiam a vida comunitária com a retirada das instituições e do Estado, que auxiliavam na socialização dos grupos de baixa renda. Atualmente, a sociologia americana baseia-se em dois novos modelos para explicar o modo de vida das comunidades minoritárias nas grandes cidades: o do underclass e o modelo dos “enclaves étnicos”. Os teóricos da primeira Escola de Chicago não reconheciam o importante papel dos valores culturais na determinação das decisões de localização. Park, Burguess e Mackenzie acreditavam que o padrão espacial se desenvolvia a partir das decisões individuais independentes, tomadas seguindo as considerações morais, políticas, ecológicas e econômicas.

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6.2. Mobilidade Residencial da População de Baixa Renda Vimos que a industrialização contribuiu para a urbanização e a crescente concentração da população nos grandes centros urbanos da América Latina. O empobrecimento do campo explicou, até a década de 80, a migração para as cidades, no entanto a deterioração das condições de vida da população urbana, tem sido tanto ou maior do que no campo. O número de estudos sobre migração interna tem aumentado na América Latina, concentrando-se nas origens regionais, redes de migração, seletividade de migrantes, aspectos da assimilação do migrante no meio urbano social, econômico e político, e o caráter e natureza do assentamento inicial (Conway y Brown, 1980). A decisão de se mudar pode ser analisada sob diferentes perspectivas. Para os economistas ela estaria associada á satisfação das necessidades familiares; já os ecologistas humanos tratam o fenômeno como parte do processo de expansão das cidades, que insere crescimento e sucessão. Em geral, as pesquisas não exploravam completamente as dimensões sociais e espaciais do processo pelo qual os migrantes selecionam a localização da residência inicial, e subseqüente relocação. Os estudos que exploraram esse tema são os de Brown (1972), Cornelius (1975), Davies e Blood (1994), Vaughn e Feinght (1973) e Ward (1976). A troca de endereço é definida, segundo Rossi (1980), como um movimento envolvendo troca de localização no espaço. O autor distinguiu migração de mobilidade, onde a primeira significaria mudança de endereço envolvendo localidades diferentes; e a segunda, mudança de endereço no interior da mesma localidade. Nessa definição podemos interpretar localidade, como sendo a cidade. A localização no espaço residencial estaria associada a outras atividades, como o emprego, o consumo de serviços, com antagonismos étnicos e raciais. O foco do estudo de Rossi (op.cit.) era ressaltar a mobilidade como um fato isolado; ele não relacionou o fenômeno com outros como mudanças no comportamento humano, que envolvem mudanças no consumo de bens e serviços, nas relações interpessoais, etc. No entanto, a pesquisa de Rossi apontou uma relação direta entre a mobilidade residencial e o funcionamento do mercado habitacional, devido à relação com as necessidades habitacionais, relacionadas ao ciclo de vida das famílias e as mudanças na estrutura intra-urbana tais como valorização da terra. Simmons (1968), ao sistematizar os resultados de estudos realizados por diversos autores sobre o tema, concluiu que a intensidade dos deslocamentos residenciais intra-urbanos varia com a posição do indivíduo na sociedade em relação aos atributos renda, faixa etária e as suas percepções/preferências quanto ao tipo e local de residência, levando-os a uma 50


avaliação das diferentes áreas da cidade. Os três fatores em conjunto, aliados à mobilidade social, ou seja, alteração na posição social, implicariam em uma diferenciação entre o indivíduo e seus vizinhos, resultando em deslocamentos residenciais. No entanto, se observa na maioria das pesquisas, uma maior relação entre a mobilidade social e a residencial entre as famílias das camadas média e alta de rendimento, levando a concluir que os comportamentos respondem a uma certa regularidade em relação aos grupos sociais. Ou seja, grupos de renda semelhante, tendem a tomar decisões semelhantes quanto aos deslocamentos residenciais. Este é um aspecto bastante observado nos estudos em cidades americanas, onde 80% dos movimentos intra-urbanos acontecem nas áreas de mesma classe social. O status econômico da vizinhança muda com a relocalização de outra classe social. Fenômeno semelhante foi observado por Smolka (1992) e Faria (1997) para a cidade do Rio de Janeiro. Outra hipótese corrente é a de que os deslocamentos seriam respostas às estratégias dos agentes que interagem no espaço: incorporadores, proprietários e o Estado, através de políticas de Intervenção Urbana (desapropriação, Projetos de Renovação Urbana). As formas de atuação dos diferentes agentes na transformação do uso do solo têm papel importante para a compreensão da estruturação do espaço intra-urbano e na mobilidade residencial. As estratégias de atuação dos capitalistas imobiliários, por exemplo, através de inovações da moradia, “criando” novas necessidades habitacionais, ou readequando as habitações às mudanças na estrutura familiar, implicam no deslocamento de demanda solvável (classe de renda alta). Outro aspecto é a atração e expulsão que certas áreas impõem às famílias por suas características físicas, culturais, etc. Em geral, o movimento das famílias é concomitante com a melhoria da quantidade e qualidade dos atributos residenciais, levando-as a preferirem/valorizarem certas áreas em conseqüência de suas insatisfações em relação a outras. Esse aspecto tem estreita relação com os anteriores, pois os investimentos dos capitalistas imobiliários na cidade, desempenham papel importante na estruturação intraurbana, pois alterando o uso do solo, alteram também a composição social e o ambiente físico da área, transformando bairros devido à conseqüente troca de moradores. Segundo Harvey (1980), a mudança de localização de emprego e moradia, produz efeitos redistributivos. À medida que a cidade cresce, há uma reorganização na localização e distribuição de algumas atividades no sistema urbano, e isso contribui para produzir várias formas de redistribuição de renda. Uma mudança de localização de atividade econômica na cidade, implicaria em mudança de localização de oportunidades de emprego; assim como uma 51


mudança de localização da atividade imobiliária, implicaria em mudança de localização de oportunidades de moradia. O autor também destaca, que a localização residencial das famílias de alta renda redireciona as ofertas de trabalho. Para Simmons, apesar dos determinantes e processos de decisão variarem em função dos tipos de família, das características locais e, principalmente, das condições do mercado habitacional18, há uma certa regularidade nos deslocamentos. A mais forte é a tendência ao deslocamento de curta distância, que declina em todas as direções à medida que se afasta do ponto de origem. O deslocamento para longe do ponto de origem, deve-se à expansão da cidade e às novas alternativas habitacionais ofertadas, aliada ao aumento dos custos residenciais no núcleo da cidade. Além do aspecto de ordem econômica, os vínculos familiares, sociais com o lugar da moradia, assim como o desejo de conviver com pessoas de mesmo status social, mesma raça, etc., limita a direção dos fluxos. A análise dos critérios de localização dos diferentes segmentos que se apresentam no mercado é necessária para entendermos seus itinerários residenciais, identificando similaridades e diferenças que possam sinalizar a existência ou não de relação entre as decisões familiares com suas respectivas posições sociais. Os motivos declarados pelo migrante, têm relação direta com sua posição sócio-econômica e sua condição ocupacional no imóvel que ocupava. A escolha da vizinhança para determinado grupo social, poderá ter maior importância do que as características do imóvel em si e envolverá atenção particular no tipo de pessoas que a compõe, juntamente com determinados critérios de análise, que ajudarão a construir um modelo de satisfação residencial. A tese do modelo de assentamentos urbanos de migrantes de baixa renda que mais tem aceitação entre urbanistas latino-americanos foi a proposta por John Turner. Baseado em trabalho realizado no Peru, Turner sugeriu a existência de dois estágios no processo de assentamento do imigrante de baixa renda: a área central é a “porta de entrada”, onde pagam aluguel ou compartilham a residência com parentes ou amigos, para em seguida se deslocar para as áreas periféricas, onde compram um lote, como conseqüência do processo de integração econômica na cidade. Discute-se que as áreas periféricas não são receptoras de imigrantes rurais, mas sim de moradores da cidade (urbanitas) (Mangin & Turner, 1968; Turner, 1968,1969).

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As condições do mercado habitacional refere-se, em linhas gerais, à oferta da residência apropriada, em local preferido pela família, a um custo acessível, além da disponibilidade de financiamento.

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No modelo de Turner, o itinerário intra-urbano considerava três prioridades: 1) Acessibilidade – a prioridade do migrante é a viabilidade econômica ao acesso ao meio urbano. 2) Segurança da titulação – que representa a consolidação de sua posição no meio urbano, transformando uma segurança econômica frágil, em um modo de vida mais sólido e flexível. 3) Amenidades sociais e físicas – os melhoramentos no ambiente urbano servem de incentivo para os melhoramentos nas residências. O modelo propunha que se analisasse a mobilidade residencial dos pobres em função de quatro variáveis articuladas entre si: espacial – do centro para a periferia; a condição de ocupação – de inquilino a proprietário; ciclo de vida – de família recém formada a consolidada; e renda. Entretanto, recentes análises da localização inicial de imigrantes nas cidades mexicanas de Monterrey e Guadalajara, encontraram considerável dispersão espacial entre as escolhas das primeiras residências (Davies&Blood, 1974). Brown & Conway (1972); Cornelius (1975) e Ward (1976) contestaram a tese de Turner, e propuseram um modelo alternativo de itinerários intra-urbano dos imigrantes de baixa renda. O constructor se adapta aos constrangimentos socioeconômicos e institucionais, que influenciam os deslocamentos, as trajetórias no sistema urbano, ou seja, os fluxos entre casa-trabalho; casa-lazer e casa-serviços. O modelo proposto era evolutivo, ou seja, era representado por um conjunto de mudanças nas relações entre relocação intra-urbana de migrantes de baixa renda e estrutura intra-urbana. Encontrando apoio nas avaliações críticas da tese de Turner, os autores propuseram um modelo alternativo de itinerário dos migrantes intra-urbanos. O modelo enfatizava a relação entre o comportamento do migrante e a estrutura intra-urbana. A construção era baseada nas características do processo de decisão dos migrantes, levando em consideração suas aspirações e seus grupos identitários. O constructor baseia-se na influência de constrangimentos sociais, econômicos e institucionais, que influenciam as trajetórias residenciais desses grupos, relacionando a evolução da urbanização e conseqüente alteração da estrutura urbana, com a relocalização do migrante de baixa renda. No modelo de Turner, o imigrante ao chegar na cidade, se localiza nas favelas ou cortiços das áreas centrais, devido à proximidade do mercado de trabalho. Após sua adaptação inicial e adquirir relativa estabilidade financeira, se deslocam para a periferia, seguindo o critério da segurança da titularidade. Na tese de Conway & Brown, com a continuidade da urbanização, as áreas centrais deixam de ser as principais áreas de recepção de imigrantes de baixa renda. Novos 53


assentamentos de baixa renda continuam a crescer rápido nas periferias das cidades. Invasões organizadas de favelados, marca característica da fase inicial, decrescem em importância diante dos especuladores, que subdividem a terra. Os fluxos para a periferia são realizados por ocupantes dos cortiços, que estão sendo forçados a se deslocarem sob a ameaça da renovação urbana das áreas centrais. A explicação para a ocupação das áreas periféricas, está no fato de que com o avanço da urbanização, a acessibilidade para outras áreas da cidade melhorou. Além disso, a periferia tornou-se mais diversificada nos arranjos habitacionais para acomodar o aumento da demanda. Proprietários alugam quartos ou subdividem seus lotes, e a periferia pode, eventualmente, tornar-se a principal área de recepção. Atividades comerciais e industriais desenvolvidas na periferia, provê oportunidades de emprego para os recém-chegados. A periferia tornou-se a opção de moradia dos migrantes recém-chegados e ex-migrantes, que convivem relacionados por experiências comuns e redes/laços comunitários. A análise do trabalho de Conway e Brown sobre o processo de mobilidade intraurbana nas cidades de Porto de Espanha, Trinidad e Cidade do México, durante as últimas fases de urbanização, tinha basicamente dois objetivos: 1) Identificar a evolução da estrutura intra-urbana e seus impactos no redirecionamento da localização inicial; 2) Analisar o papel do grupo e laços de parentesco, na ajuda do processo de relocação e na substituição da primeira localização. Os autores trabalharam com três hipóteses. A primeira considerava que com a urbanização são desenvolvidas três áreas distintas de residência da população de baixa renda: favelas da área central, cortiços e assentamentos periféricos da baixa renda. A segunda hipótese era que com a expansão urbana, os assentamentos regulares de baixa renda tornaramse, a principio, área de recepção de migrantes recém-chegados. A última hipótese considerava que a família e os laços de parentesco são importantes fatores que impulsionam a localização e relocação. Para Carrion, F. (1995), a estratégia de localização na periferia, estaria apoiada nos baixos custos residenciais, em relação às áreas centrais, por serem áreas precárias, com má qualidade dos serviços e equipamentos coletivos. É uma estratégia de reprodução que se insere nas relações estabelecidas entre a centralidade urbana e sua periferia. Os habitantes desenvolvem no centro as suas atividades produtivas, e na periferia, as reprodutivas.

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Para os moradores a propriedade do imóvel serve mais como poupança do que de meio de produção ou incremento da renda. Isso é explicado pelo sentimento de insegurança e vulnerabilidade que existe, inclusive, devido a sua própria localização. No Brasil, nos anos 50 e 60, início do processo de intensificação da migração para os grandes centros, a migração em si era vista como uma forma de mobilidade social, oferecida pela industrialização e urbanização. No final dos anos 60, essa visão otimista é substituída pela pessimista, constituída com a Teoria da Marginalidade. O fenômeno da migração é sinônimo de desenraizamento, marginalização e exclusão. Em seus relatos em vários estudos, os migrantes revelaram a angústia de viverem em um lugar com regras e cultura tão diferentes da sua origem. Revelaram também, a nostalgia da perda de relações pessoais e comunitárias, “onde se reconheciam e eram reconhecidos”. Aliado a esses sentimentos, tinham a frustração de não conseguirem alcançar a melhoria das condições de vida, principal motivo para migrarem, devido à desqualificação, para assumirem os postos de trabalho da moderna indústria. Quando se fala no tema mudança de residência, duas posições antagônicas são observadas na narrativa dos pobres. Uma se refere ao lugar, que remete à vizinhança e à rede de sobrevivência; a outra se refere à casa como bem material e local de abrigo e segurança. O sonho da casa própria é inquestionável, todos querem, o problema é a mudança para outra localidade, que poderá significar o rompimento da rede de sociabilidade. A sobrevivência dos pobres, depende da relação com os vizinhos (Gonçalves,1992). Diante desse quadro, destacamos a importância da favela como alternativa habitacional dos pobres urbanos. Na literatura latino-americana é consenso que a favela é uma modalidade de acesso ao solo e à moradia para a parcela da população excluída dos mercados convencionais público e privado. A especificidade deste modo de acesso está na produção da moradia, de forma lenta e gradual, em áreas de propriedade alheia. De acordo com Silva (1999), o que define a favela em relação a outros assentamentos de baixa renda é a forma de ocupação, que se dá a partir da invasão de terrenos públicos ou privados. Entretanto, com a consolidação da ocupação, seu acesso passa a ser através da compra ou aluguel; e assim, a localização na favela passa a constituir-se num bem de troca para as famílias que já estão instaladas e a ter um preço para aqueles que pretendem entrar. Fernandes (1996) reforça o argumento ao afirmar que o que as distingue das outras formas de ocupação precária do solo, como os loteamentos irregulares ou clandestinos, é o fato dos moradores da favela não possuírem nenhuma forma de propriedade ou título. Isso, no entanto, não impediu o desenvolvimento de um mercado imobiliário nas favelas a partir da escassez de 55


espaços livres e pela pressão da demanda por moradia nestes assentamentos. Essa demanda aumenta à medida que melhoram a acessibilidade do bairro, a infra-estrutura e o padrão das construções, incidindo no preço das moradias que atua como mecanismo seletivo de acesso. Alguns autores, preocupados com as causas do crescimento das favelas no Rio de Janeiro a partir da década de 80, chamaram a atenção para as especificidades na forma de ocupação e produção do espaço das favelas mais recentes; é o caso dos estudos de Santos (1993), e de Carvalho (1996). Carvalho (op.cit.), através de dois estudos de caso na cidade do Rio de Janeiro, constatou que a ocupação foi fruto de ação organizada, seguindo um desenho prévio, e que 82,0% dos moradores pagaram pelo “lote”, o que sugere uma mudança no conceito de “Favela”, ou de como era entendida até os anos 80, ou seja, ocupação gradual, sem nenhum planejamento prévio ou traçado urbanístico. Nas últimas décadas, as favelas não só cresceram e se expandiram como também passaram por um processo de transformação interna imposto pela auto-urbanização, pela melhoria de suas construções e mais recentemente por políticas de intervenção municipal, através dos Programas Favela-Bairro, Bairrinho e outros. Essa transformação gerou uma valorização do espaço, promovendo disputas pela aquisição de um imóvel nessas comunidades.

A favela consolidada, então, deixa de ser alternativa para os problemas

habitacionais das famílias de baixa renda, para se tornar, assim como na cidade "legal", num lugar de mercado, que expulsa quem não mais pode arcar com o ônus de sua valorização interna, e atrai população de maior renda vinda de outras favelas, ou até mesmo da cidade formal, excluída do mercado (Smolka, 1992). A valorização dos imóveis não determina necessariamente a expulsão dos moradores mais pobres, entretanto, estabelece um patamar de preços para novos moradores. Nas últimas três décadas, o acesso à moradia nas favelas vem se alterando de forma substantiva. Atualmente, a principal forma de acesso à moradia nas favelas da cidade do Rio de Janeiro é através do mercado de compra e venda de lotes, imóveis e lajes, que funciona de forma informal, devido a sua condição fundiária e urbanística irregular. Em pesquisa realizada nas favelas do Rio de Janeiro, Abramo (2003) observou que os preços praticados nessas transações informais são extremamente altos comparando-os com imóveis regulares em algumas áreas da cidade. Nas favelas pesquisadas, o valor médio de um imóvel de dois quartos foi em torno de R$ 11,5 mil. Esse valor não tem qualquer relação com os preços dos imóveis regularizados nos bairros próximos, o que significa que a formação de preços nas favelas segue critérios próprios (Abramo, 2002). Quais seriam os motivos para uma família optar por morar na favela apesar dos preços altos, já que ela teria outra opção 56


fora da favela? Em geral, a literatura aponta como critério de localização residencial das famílias pobres, a proximidade ao mercado de trabalho e os fatores de vizinhança – proximidade de amigos e parentes, que garantem as estratégias de sobrevivência da população de baixa renda. No entanto, a pesquisa de Abramo identificou mudanças nessas estratégias, pela segunda geração de moradores de favelas na cidade do Rio de Janeiro. A proximidade ao mercado de trabalho perde importância como critério de localização, à medida que consideram as oportunidades geradas pela rede de relações sociais. Outra explicação possível seria as dificuldades de adquirir imóvel legal por aqueles que estão informalmente inseridos no mercado de trabalho. As mudanças no mercado de trabalho e imobiliário implicaram em mudanças nas trajetórias residenciais dos pobres (Abramo, 2003). Programas de urbanização de favelas e políticas focalizadas para superação da pobreza, que promovem melhorias na infra-estrutura e na qualidade de vida do morador da favela, podem estar contribuindo para construção de uma imagem positiva da favela, transformando-a em opção de moradia para segmentos da classe média empobrecida. Segundo Abramo (op. cit.), “O ambiente construído da favela e suas externalidades, se transformam ao longo do tempo a partir das transformações na favela propriamente dita, mas também como reflexo das transformações ocorridas em seu entorno formal” (pp.200201).

6.3. Exclusão e Segregação Residencial Analisando a literatura sobre segregação nas cidades americanas, J. Logan, R.D. Alba e T. L. McNulty (1996), destacaram duas posições antagônicas para explicar o fenômeno. A primeira destaca as características pessoais associadas à raça, em que as diferenças residenciais são marcadas pelas desigualdades socioeconômicas e culturais. No entanto, a segregação pela raça ou etnia é compreendida como um fenômeno temporário, onde as diferenças grupais referentes à localização podem ser explicadas por diferenças de status socioeconômico e da assimilação à cultura norte-americana; à medida que as pessoas são assimiladas, pela mobilidade educacional ou ocupacional, a tendência é se redistribuírem pela cidade. Nesta corrente destaca-se o modelo dos “underclass”de Wilson (1987) sobre o gueto negro. O autor aponta estreita relação entre as transformações no mercado de trabalho (desemprego crescente) e de habitação (degradação dos bairros devido à deficiência dos recursos comunitários). A segunda perspectiva, apresentada nos trabalhos de Alba & Logan

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(1991) e Mollenkoff & Castells (1991), enfatiza o papel das barreiras institucionais que restringem a mobilidade habitacional das minorias. As análises dos processos de segregação põem em evidência três campos de investigação: o das políticas públicas, do mercado de moradia, e o das práticas das famílias. No campo do mercado imobiliário, privilegiada nos modelos clássicos de análise da divisão social do espaço residencial pela Escola de Chicago, a segregação é explicada pela hierarquização do preço do solo e moradia em função da localização mais agradável – acessibilidade e amenidades físicas e sociais. Neste caso, a estrutura espacial reflete a divisão social em classes. As desigualdades de renda das famílias são determinadas pela estrutura do mercado de trabalho. No modelo de segregação de Schelling os determinantes são as decisões individuais de famílias que se mudam, orientadas por suas preferências, em busca de uma maior homogeneidade social ou étnica do ambiente residencial. Para Preteceille esse modelo tem exemplos bastante limitados. As preferências individuais são mais ou menos determinantes, dependendo dos constrangimentos impostos pelas estruturas econômicas e sociais. A autosegregação, observada hoje, pelas classes de maior renda, é conseqüência da violência urbana (M. Davis, 1990; R. Lopez, 1996 e T. Caldeira, 1996). A autosegregação das classes populares e de grupos étnicos dominados, é explicada pela versão clássica – naturalcomunitarista, como o estreitamento dos laços sociais, de auxílio mútuo e conservação da cultura. A versão atual é a do enclave econômico étnico (Portes, 1980, 1985): o agrupamento espacial permite constituir um espaço econômico dominado pelo grupo minoritário, onde as relações salariais e mercantis, apoiadas nas relações de pertencimento à mesma comunidade, dão às empresas vantagens de competitividade, e asseguram acesso ao mercado de trabalho e de mobilidade profissional, que seriam difíceis na economia geral. A versão clássica é utilizada para explicar os guetos negros nos EUA. No entanto, o trabalho de W.J. Wilson (1987), mostrou que a degradação interna dos guetos negros é conseqüência da partida dos que conseguiram ascender à classe média. Na França, esta dinâmica da solidariedade comunitária só dura o tempo em que o imigrante é inserido na sociedade francesa, pois a concentração inicial de imigrantes é diluída com a chegada de novos imigrantes. Segundo as pesquisas, a maior parte dos imigrantes deseja se localizar em bairros onde possam conviver com os franceses e outros estrangeiros, ou seja, não desejam morar em guetos. Na segunda versão, temos o exemplo dos cubanos de Miami, estudados por Portes (op.cit), em que os membros da comunidade estão em posição dominante entre os empregadores e os empregados do “enclave econômico”. 58


Além dessas explicações sobre o processo de autosegregação, correspondentes a situações urbanas de agrupamento “comunitário”, existem outros processos que desencadeiam efeitos segregativos, que estão relacionados às preferências individuais nas escolhas de localização residencial. O primeiro é o das escolhas do modo de vida, ligadas às diferentes situações urbanas (acessibilidade a serviços e consumo x amenidades ambientais). O segundo são as preferências individuais, que produzem diferenciações espaciais. A escolha é condicionada à educação – qualidade dos estabelecimentos de ensino – afastamento crescente da classe média dos subúrbios mais populares e sua relativa aproximação das categorias superiores. A capacidade de escolher a localização residencial é tanto maior quanto mais elevada for a renda das famílias (...). Os critérios de escolha (...) dependem fortemente da situação social dos indivíduos e das famílias. Há, portanto, sólidas interdependências entre os processos estruturais, e as escolhas individuais na produção das divisões sociais do espaço (p. 32).

No contexto latino americano, as teses dos enclaves étnicos perdem força, destacando-se os modelos de segregação marcados pelos antagonismos de classe social, envolvendo a relação entre estrutura social e estruturação urbana, tendo como grande vilão o mercado imobiliário. Para Carrion (1995), a segregação urbana seria a confluência de três formas: i-oposição entre o centro, onde o preço da terra é alto, e a periferia, onde esse preço cai; ii-separação crescente entre as áreas residenciais da classe alta e de moradia popular; e iii-fragmentação das funções urbanas, determinadas pelo zoneamento e constituindo zonas geográficas distintas e especializadas. Para Schapira (1999) o aumento da pobreza e da violência na América Latina, leva a novas formas de segregação. Essas novas formas de segregação se caracterizam pela maior proximidade física entre ricos e pobres, com o surgimento de condomínios fechados, novos subcentros de elite, em áreas predominantemente pobres. É o que Caldeira (2000) chama de “enclaves fortificados” para qualificar o surgimento de condomínios em São Paulo. A autora justifica o novo modelo de segregação residencial à combinação de crise econômica, consolidação democrática, reestruturação produtiva e aumento da violência urbana. A recrudescência da pobreza e da informalidade, que não serão vencidas pela reestruturação econômica, coloca um fim à crença de uma integração possível através do

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assalariamento. O efeito da crise se estende às classes médias, se manifesta pelo enfraquecimento da coesão social, e rebate sobre o espaço privado. A diluição da pobreza modifica as práticas e os usos da cidade, onde a espacialização não pode ser pensada apenas em termos de enclaves (favelas e condomínios), mas também como um fenômeno que atinge grande parte do território, e que representa as diferenças entre bairros, traçando novas fronteiras entre ricos e pobres, entre os mais pobres e os menos pobres. Essas diferenças provocam maior mobilidade espacial da população, o que na perspectiva da ecologia urbana, garantiria novos contatos e uma reconfiguração sócio-espacial; e a segregação, definida como distância física, corresponde à distância social (Park, 1925). A segregação urbana seria, então, uma tendência à organização do espaço em áreas de forte homogeneidade social interna, e intensa disparidade social entre elas. Segundo Castells (1983), essa tendência por si só não explica a composição do espaço residencial, e nem o que ele possui de significativo, pois existem combinações particulares na distribuição das atividades e do status no espaço, ou seja, a composição social do espaço depende do estágio do processo de urbanização. Na determinação da localização residencial deve-se também considerar a distribuição diferencial da renda que determina a acessibilidade ao espaço residencial desejado. Segundo Mammarella e Martins (1997), no Brasil, as condições de vida dos pobres tradicionais agravaram-se frente ao desemprego, mudanças no mercado de trabalho, tais como terceirização e perda da capacidade de geração de empregos pelas industrias; flexibilização das relações de trabalho e crescimento das relações de trabalho precário e informal. O que é novo, é o processo de perda da qualidade de vida que vem afetando a classe média, principalmente nos anos 90, destacando-se as dificuldades de acesso a emprego bem remunerado, a serviços de saúde e educação, ao consumo e lazer. O surgimento dos novos pobres é observado no crescimento do número dos sem-teto, no crescimento das favelas, além do agravamento das condições de pobreza, da discriminação social e racial, da estigmatização. Para Villaça (1998), a segregação seria a tendência à concentração de uma determinada classe social no espaço. No caso do Brasil, o autor conclui que o padrão de segregação é caracterizado pela oposição centro – dotado de infra-estrutura e serviços públicos, e periferia – sub-equipada, lugar dos excluídos. O autor expõe ainda, que apesar da classe de alta renda estar migrando para áreas periféricas, ocupadas predominantemente pelos mais pobres, não significa que a segregação não exista. Portes (1989), buscando compreender as alterações sócio-econômicas nos anos de crise, a partir da análise das Metrópoles de Bogotá, Santiago e Montevidéu, conclui que o deslocamento

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da população do centro para o subúrbio deve-se, no caso dos ricos, à melhoria da acessibilidade; no caso dos pobres, ao esgotamento das ofertas no centro, tanto pela escassez, quanto pelo valor. Nos estudos de segregação urbana nos anos 70 e 80, predominavam a perspectiva dual, marcada pela concentração das atividades econômicas e da infra-estrutura básica nos núcleos urbanos e pelo padrão de localização dos diferentes segmentos sociais. Segundo Lago (2000), esse modelo deve ser revisto em função das transformações sociais e espaciais que ocorreram nos anos 80, já comentadas anteriormente. O impacto espacial da tendência à dualização da estrutura social, seria a apropriação cada vez mais exclusiva dos espaços mais valorizados pelas funções ligadas ao consumo e moradias de luxo, e conformação dos espaços exclusivos da pobreza. É o que Sassen, S. (1991) e Castells (1992) chamaram de “cidade dual” e “espaço fragmentado”: o espaço deixaria de se caracterizar pela dicotomia núcleo x periferia, ou seja, pelas macro diferenças, para se caracterizar pelas micro diferenças, os espaços fractais, que se traduzem em aumento da homogeneidade intra-espacial, e agravamento das desigualdades entre os espaços, que seria a fragmentação (Mollenkoff e Castells, 1991). A dualidade, como efeito da reestruturação econômica e das políticas neoliberais, teria como resultado uma maior desigualdade de renda e a emergência da exclusão social. Para Sassen (1993), a tese da cidade global/dualidade social teria como conseqüência a alteração do mercado de trabalho, com aumento da distância entre uma camada superior, situada no topo, caracterizada por profissionais altamente qualificados, e uma camada inferior, situada na base, caracterizada por empregos formais e informais de baixa remuneração. Espacialmente, a dualização da estrutura social configuraria espaços diferenciados, valorizados e demarcados, ocupados pelas camadas superiores, mas próximas de áreas de concentração da pobreza (enclaves). Fainstein, Gordon e Haloe (1992), Silver (1993) criticaram a tese da dualização social. Para os autores, a questão vai além da globalização da economia, remete à atuação excludente do setor imobiliário no espaço urbano, e às políticas voltadas à acumulação do capital imobiliário. Ribeiro, L.C.Q (2000), observou que a tese da cidade dual não se confirma no Rio de Janeiro; seu estudo não identificou uma dualização/ polarização social. Segundo o autor, o espaço se organiza por oposição de classe e não por oposição entre ricos e pobres, ou excluídos e incluídos. A exclusão urbana é produto das práticas de auto-segregação das elites dirigente e intelectual, e a classe média ocupa todo o espaço da metrópole, inclusive os espaços tradicionais operários e populares. Segundo Ribeiro (op. cit.) o principal traço da organização territorial da cidade é a combinação entre distância social, expressa nas diferenças da estrutura social e das condições 61


urbanas, e a forte proximidade física entre as favelas e os bairros das classes de alta renda. Assim, “a principal particularidade do modelo de segregação carioca é a convivência entre os mundos sociais do morro e do asfalto, que obrigados a compartilharem o espaço da cidade, vivenciam a solidariedade, a compaixão e a simpatia” (p.950-51). Quando se relaciona periferia e centro para explicar a segregação, Lago (2000), observou para a Metrópole do Rio de Janeiro nos anos 80, a consolidação da estrutura sócio-espacial centrada nas desigualdades características da clivagem centro-periferia. O trabalho de Pereira (2002), assume que a segregação estaria relacionada ao grau de homogeneidade social de determinada área espacial. Poderíamos afirmar que no Rio de Janeiro, a segregação espacial se caracteriza pela concentração dos investimentos públicos no espaço urbano, gerando desigualdades. No início da urbanização, os migrantes vindos do campo para a cidade eram considerados, pela literatura, como incapazes de se integrarem no mercado de trabalho e de moradia formal, e assim, seriam responsáveis pela própria pobreza, destacando-se nessa corrente, o trabalho de Oscar Lewis. As favelas eram vistas pelo senso comum e por uma corrente de pensamento, como anomalias urbanas que deveriam ser excluídas da cidade, orientando a política urbana de remoção de favelas, que marcou o Rio de janeiro nos anos 60 e 70. Apesar das remoções, as favelas continuaram a crescer e surgirem novos assentamentos nas áreas vazias. Vimos que as causas para esse processo de crescimento e proliferação, estariam relacionadas às estratégias de sobrevivência das classes de baixa renda, que vêem a favela não apenas como alternativa de moradia dentro de suas possibilidades econômicas, mas como solução para a redução dos gastos com transporte, localizando-se próximos ao local de trabalho. Essa ideologia foi contestada por diversos analistas da problemática das favelas, destacando-se John Turner, que através de pesquisas empíricas em cidades latino-americanas, demonstraram a racionalidade dos pobres nas suas decisões de localização e na construção da moradia, concluindo que a favela seria uma solução para seus problemas habitacionais, através da autoconstrução. Vimos que no caso do Rio de Janeiro, esse pensamento abriu caminho para a proposição de políticas de auto-urbanização das favelas, contribuindo para sua consolidação como espaço de moradia dos pobres urbanos. Um segundo ponto a destacar, referente à autoconstrução, seria também considera-la como uma estratégia de acesso à moradia em loteamentos irregulares ou clandestinos, nas periferias das cidades latino-americanas. Apesar da autoconstrução ser uma forma dos pobres

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acessarem à casa própria, existe a barreira do acesso formal ao solo, levando à irregularidade/ilegalidade fundiária. Para autores como Smolka, Cenecorta, Durand-Lasserve e Castañeda, essas barreiras seriam, principalmente, as normas e regulações impostas pelo Estado, que dificultam a aprovação de projetos e licenciamentos e o preço elevado de solo urbanizado, economicamente inviável para os pobres. Complementando os autores, Fernandes (op.cit) alerta para a inexistência de mecanismos de controle sobre o mercado de terras, implicando na especulação e a inserção informal dos pobres no mercado de trabalho, impedindo-os de ter acesso a crédito bancário. Para Turner, que também considerava as proposições dos autores mencionados acima, a ausência de política habitacional voltada para a população de baixa renda, representava a principal causa da existência da irregularidade no acesso à terra e à moradia. Nesse sentido, reafirma-se a necessidade de uma política habitacional atrelada à uma política fundiária voltada para a promoção do acesso ao solo urbano. Nos anos 80, a abertura política suscitou debates em torno da questão da desigualdade social, da exclusão e segregação espacial. Nesse contexto, a política para favelas é marcada pela mobilização de concessionários urbanos em torno da melhoria da infra-estrutura básica, no sentido de diminuir as desigualdades através do acesso aos serviços urbanos. Nos anos 90, a questão habitacional é tratada de forma integrada com programas de geração de emprego e renda, saúde, educação e meio ambiente. A partir da segunda metade da década de 90, surge uma nova geração de políticas habitacionais que concentra a atenção na redução e erradicação da pobreza através da abordagem habitacional participativa e a revalorização do projeto físico na política habitacional. No próximo capítulo iremos avaliar o rebatimento da problemática de acesso ao solo na estruturação do espaço carioca, em geral, e o processo de favelização do município do Rio de Janeiro, em particular, relacionando-o à dinâmica urbana ocorrida na cidade a partir dos anos 80. Os dados utilizados nessa análise são de fontes secundárias, extraídos das análises realizadas pelo IPP – Instituto Pereira Passos, dos resultados preliminares do Censo 2000; as tabulações especiais dos Censos de 1980 e 1991, realizadas pelo Observatório de Políticas Públicas do IPPUR; e os dados do Censo 2000.

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CAPÍTULO 2

O PROCESSO DE ESTRUTURAÇÃO INTRA-URBANA E A FORMAÇÃO DE FAVELAS NO RIO DE JANEIRO

Neste eixo temático pretende-se entender o processo de crescimento da periferia do município do Rio de Janeiro, através do aumento do número de favelas, considerando periferização um termo que designa uma forma específica de estruturação do espaço urbano, que tem como características a segregação e condições precárias de moradia e acesso a serviços (Bonduki. N, & Rolnik, R. 1979). Até os anos 80, o padrão de segregação era definido pela moderna produção residencial no núcleo, e expulsão das camadas populares para a periferia. A partir da metade da década de 80, esse padrão se altera em função da crise da produção empresarial; queda do nível salarial das camadas médias; e, fim do Sistema Financeiro de Habitação, levando os segmentos médios a buscarem alternativas habitacionais nas áreas mais distantes do núcleo, onde o preço baixo da terra permite o acesso à casa própria. Essa pode ser uma das razões para o aumento do número de favelas na Zona Oeste da cidade, observado a partir dos anos 80, tendo como elemento estruturador do espaço, a relação entre localização da classe média e alta, e o surgimento de assentamentos pobres devido à emergência de um mercado de trabalho. Essa hipótese será desenvolvida no Capítulo 3, onde apresentaremos dois Estudos de Caso de favelas recentes na periferia do município do Rio de Janeiro. Para análise da dinâmica urbana na cidade, utilizamos como fonte de informação, os dados relativos ao crescimento populacional das Áreas de Planejamento e suas respectivas Regiões Administrativas, constantes no Anuário Estatístico da Cidade-1998; nas Notas Técnicas dos estudos realizados pelo IPP – Instituto Pereira Passos; no Relatório da empresa AGRAR – Consultoria e Estudos Técnicos, sobre loteamentos irregulares e clandestinos, realizado em 2000, no âmbito do PROAP – Programa de Regularização de Loteamentos, da Secretaria Municipal de Habitação; e outros estudos que têm como referência os Censos Demográficos do IBGE.

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1. Dinâmica Populacional e Urbana O município do Rio de Janeiro está dividido, administrativamente, em cinco áreas de planejamento – AP’s, que encerram as RA’s – Regiões Administrativas. O centro da cidade e seu entorno imediato, pertencem a AP 1, que apresenta desde 1980, perda de população residente. Segundo o Censo 2000, a região concentra cerca de 269 mil habitantes, equivalendo a menos de 5% da população total da cidade. A AP 2 é formada pelas RA’s que contém os bairros das Zonas Sul e Norte, reunindo quase um milhão de habitantes em 2000. Nestas áreas, reside a população de maior nível de renda e escolaridade da cidade. A AP 3 é a região com maior número de moradores, cerca de 2.400 mil distribuídos nas Regiões Administrativas que formam o subúrbio carioca1, segundo o último Censo Demográfico, representando 40% da população total da cidade. Caracterizando-se pela concentração de indústrias, compõe-se de moradores das classes média e popular. A Barra da Tijuca e a baixada de Jacarepaguá compõem a AP 4, vetor de expansão urbana a partir da Zona Sul. Na AP 4 residem 682 mil pessoas, cerca de 11% da população total, segundo o Censo 2000. A AP 5 é formada pelos bairros que compõem a Zona Oeste, segunda área com maior número de habitantes. Nela concentram-se 1.556 mil pessoas, representando 27% da população total da cidade. Desde a década de 80, o Rio de Janeiro vem apresentando desaceleração no crescimento demográfico. As RA’s (Regiões Administrativas) que apresentaram perda populacional mais expressiva são as da Zona Sul, na Área de Planejamento (AP) 2; do Centro e adjacências (AP 1), enquanto a RA 24 - Barra da Tijuca e RA 16 – Jacarepaguá (AP 4) e as da Zona Oeste2 (AP 5), apresentam índices de crescimento, desde de 1980, de 8% a.a, em média., revelando-se como as principais frentes de expansão urbana do município. Ao analisarmos a contribuição relativa de cada Área de Planejamento no incremento populacional do município, observa-se que na década de 90 as AP’s 4 e 5 foram as áreas da cidade, que desde a década anterior vêm crescendo significativamente. A AP 1 contribuiu com – 10,29% no período 1980/1991 e com – 11,66% no período 1991/2000; a AP 2 que em 1

As RA’s que compõem o subúrbio são XIII-Méier; XII-Inhaúma; XXVIII-Jacarezinho; XXIX-Complexo do Alemão; X-Ramos; XI-Penha; XX-Ilha do Governador; XXX-Maré; XIV-Irajá; XV-Madureira; XXII-Anchieta; XXV-Pavuna.

2

As RA’s que compõem a Zona Oeste são a RA XVII – Bangu; RA XVIII – Campo Grande; RA XIX – Santa Cruz; RA XXVI – Guaratiba; e RA XXXIII – Realengo.

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1980/1991 apresentou uma participação de – 8,45%, em 1991/2000 caiu para – 3,59%. As AP 4 e AP 5 apresentaram incremento médio nas décadas de 1980 e 1990, de 47,69% e 27,23%, e em 1991/2000 de 20,59% e 20,46%, respectivamente, constituindo-se em vetores importantes de crescimento da cidade.

Tabela 1 – População Residente e Incremento Populacional nas Áreas de Planejamento e no Município – 1980/1991 e 1991/2000 Áreas de População População Planejamento Residente Residente 1991 1980 338.531 303.695 AP 1

População Residente 2000 268.280

Increm. Absoluto

- 34.836

Increm. Relativo (%) - 10,29

- 35.415

Increm. Relativo (%) - 11, 66

Increm. Absoluto

AP 2

1.130.135

1.034.612

- 95.523

- 8,45

997.478

- 37.134

- 3,59

AP 3

2.250.180

2.323.990

73.810

3,28

2.353.590

29.600

1,27

AP 4

356.349

526.302

169.953

47,69

682.051

155.749

29,59

AP 5

1.015.595

1.292.179

276.584

27,23

1.556.505

264.326

20,46

Total

5.090.790

5.480.778

389.988

7,67

5.857.904

377.126

6,88

Fonte: Relatório da AGRAR-Consultoria e Estudos Técnicos; Censos Demográficos - IBGE 1980,1991, 2000.

Manteve-se, na década de 90, as tendências observadas nos anos 80; ou seja, as AP’s 1 e 2 apresentaram perda populacional, enquanto as AP’s 3, 4 e 5 continuaram apresentando índices de crescimento positivos. A AP 3, conformada pelos bairros dos subúrbios, vinha apresentando queda no crescimento demográfico nas últimas décadas. O Censo 2000, segundo análise do IPP, indica uma reversão dessa tendência, só se mantendo em queda os bairros onde o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – é mais elevado, ou seja, nos bairros de Lins de Vasconcelos, Sampaio, Vila da Penha e Vaz Lobo. As RA’s da AP 3 que apresentaram maior crescimento demográfico na última década foram as da Ilha do Governador (RA XX), com 6% de aumento, e a RA XII – Penha, que cresceu 4,7% no período intercensitário. Um dos componentes mais significativos do crescimento populacional é o movimento migratório. Desde os anos 80, o saldo migratório no município do Rio de Janeiro tem sido negativo. Segundo o IPP, estima-se que entre 1980 e 1991, a cidade perdeu aproximadamente 400 mil pessoas, sendo que a maioria dirigiu-se para municípios da própria Região Metropolitana. Do total dos 225.495 migrantes observados no Censo 2000, 31.475 (13,9%) são originários da Região Metropolitana do Rio de Janeiro; 26.760 (12%) vieram de outros municípios do Estado do Rio; e 167.260 (74,2%) são provenientes do restante do país. 66


Analisando os fluxos para nossas áreas de interesse, as RA’s de Jacarepaguá e Bangu, observamos que do total de migrantes do município, 23. 288 (10,3%) foram para a RA de Jacarepaguá e 8.012 (3,5%) se dirigiram para a RA de Bangu. (Ver quadro no anexo I) A distribuição da população na cidade está, intrinsecamente, relacionada ao nível de rendimento e à concentração das atividades econômicas, principalmente a imobiliária. O crescimento econômico e o SFH – Sistema Financeiro de Habitação, proporcionaram, na década de 70, a expansão dos investimentos imobiliários, voltados, preponderantemente, ao atendimento da classe média. Assim, os bairros localizados na Zona Sul, Barra da Tijuca, Zona Norte e Centro, que nos anos 80 concentraram em torno de 73% dos lançamentos imobiliários da cidade (em área), nos anos 90 essa concentração aumentou, principalmente na Barra da Tijuca, onde foram lançados 50% dos empreendimentos imobiliários (IPP, 2002). A crise econômica iniciada na década de 80 só atingiu o mercado imobiliário em 1984, se recuperando em 86 devido ao Plano Cruzado, que aumentou o poder de compra da classe média. O mercado manteve-se estável até 1990, quando é novamente atingido pela crise econômica, e só em 1992 ele volta a crescer. Nos momentos de crise, o mercado é afetado pela restrição do crédito, deixando a atividade imobiliária na dependência da capacidade de poupança dos compradores (Cardoso, 2000). Cardoso (op.cit.), analisando o comportamento do mercado imobiliário entre 1979 e 1993, a partir dos dados da ADEMI, nos revela que a maioria dos lançamentos ocorreu nas AP 2 – Zona Sul (30,5%) e Norte; AP 3 – Subúrbios (24,6%); e AP 4 – Barra da Tijuca e Jacarepaguá (36,2%), sendo esta última a mais expressiva. A AP 5 – Zona Oeste, caracterizada como fronteira de expansão da pobreza na cidade, concentrou 7% das unidades lançadas. Desagregando a análise por RA – Região Administrativa, a RA XXIV – Barra da Tijuca concentrou mais de 23% das unidades lançadas, seguida pelas RA’s XIII – Méier e XVI – Jacarepaguá (12% cada). Na AP 5, destacam-se as RA’s XVIII– Campo Grande e XVII – Bangu. Como vimos no capítulo anterior, as alternativas mais comuns de moradia dos pobres na cidade são as invasões de terrenos, formando favelas, ou os loteamentos periféricos através da compra de lote e autoconstrução. A estratégia de localização na periferia estaria baseada nos baixos custos residenciais em relação a outras áreas. Por outro lado, são grandes os custos sociais, devido à precariedade dos equipamentos e serviços coletivos, que são compensados pela propriedade do imóvel, gerando um sentimento de segurança. O processo de loteamento se intensificou a partir dos anos 50, caracterizado pela informalidade nas relações entre compradores, corretores e loteadores, o que permitia baixar 67


os custos e abrir o mercado para a população de baixa renda. O conceito de periferia trabalhado na literatura, passa a idéia de espaço homogêneo, onde a força de trabalho se reproduz sob péssimas condições, e o padrão de produção do espaço é fundamentado no binômio loteamento-autoconstrução. Até 80, no Rio de Janeiro, o padrão de produção do espaço periférico era caracterizado pela produção imobiliária não capitalista e estatal (Cehab). Entretanto, a partir de 80, surge uma nova forma de produção fundiária, associada à incorporação imobiliária - regular, seguindo as normativas estipuladas pela Lei 6766/79. Neste momento, a renda média do público alvo muda, dando origem a um processo que Britto (1990) identificou de “desperiferização” da Zona Oeste3, pela mudança no perfil social da população que para lá se deslocava. Diante disso, é preciso desenvolver novos modelos explicativos da dinâmica urbana na periferia (no caso da Zona Oeste: loteamentos - propriedade do solo e moradia X favelização invasão do solo/propriedade só da moradia), e repensar a dinâmica centro-periferia, diante do processo de favelização em curso. Este processo é identificado por Carvalho (1996), como conseqüência das obras públicas, que viabilizaram o acesso às áreas de expansão e à expansão urbana natural. Minha questão é menos por que as favelas cresceram a partir de 80, e mais como elas surgiram e se desenvolveram, ou seja, seu processo de ocupação e organização interna.

1.1. A Expansão Periférica do Rio de Janeiro A Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro corresponde à Área de Planejamento (AP) 5, formada pelas RA’s de Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, Realengo e Guaratiba. A região ocupa 48% do território municipal, concentrando 25% da população da cidade. A Zona Oeste era considerada uma área isolada do restante da cidade. Os moradores realizavam grandes deslocamentos utilizando pelo menos dois meios de transporte: o trem e o ônibus. As estações de trem polarizam os meios de transporte, constituindo-se em pequenos centros rodoviários (Britto, 1990). A abertura da periferia à expansão urbana foi viabilizada por obras públicas nas décadas de 30 e 40, como o saneamento dos rios Acari e Meriti; eletrificação da Rede Ferroviária Central do Brasil e a instituição da tarifa ferroviária única, assim como o início da construção da Avenida Brasil. Na década de 50, a região tornou-se um dos vetores de expansão urbana da cidade, devido à produção de lotes populares. Nos anos 70, a implantação 3

A Zona Oeste da cidade é caracterizada como periferia. Segundo Maricato (1982), periferia urbana é “o espaço de residência da classe trabalhadora ou das camadas populares”.

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de conjuntos habitacionais, devido à política de remoção de favelas, contribuiu ainda mais para a consolidação urbana da região. Os principais fatores que apontaram para o processo de periferização, foram as condições salariais, os programas de remoção de favelas e renovação urbana. A periferia atraía a população de baixa renda pelos baixos custos, devido à informalidade nas relações entre compradores, corretores e loteadores. A periferia sempre foi conhecida como o lócus da população de baixa renda; dessa forma, ela passa a imagem de local homogêneo e com padrão de produção do espaço, fundamentado no binômio loteamento – autoconstrução. Mas foi a partir da década de 80 que a Zona Oeste expressou maior crescimento populacional, em torno de 27,2% em relação à década anterior. Segundo dados do IPP (1998), até 1987 existiam 492 loteamentos irregulares. Eles surgiram a partir dos anos 40, se intensificando nas décadas de 60 e 70. Em relação à infra-estrutura, esses assentamentos se assemelhavam às favelas tradicionais localizadas no núcleo. O quadro abaixo apresenta a evolução da produção de lotes na Zona Oeste:

Tabela 2 - Produção de Lotes por Tipo de Agente Década de 40

Década de 50

Década de 60

Década de 70

Década de 80

Agente

%

%

%

%

%

Loteador

6.788

58.8

36.661

53.6

18.379

52.4

11.688

46.1

880

8.2

Empresa

4.749

41.2

31.578

46.4

16.645

47.6

13.637

53.9

9.823

91.8

Total

11.537

100.0

68.189

100.0

35.024

100.0

25.325

100.0

10.703

100.0

Fonte: Ribeiro, L.C.Q et. Alii, 1998

Observa-se, que a partir da década de 60, a produção, via loteador, começa a cair, chegando na década de 80 com uma queda de aproximadamente 84% na produção, enquanto subia a produção empresarial voltada para os segmentos de renda média. A década de 80 apresentou uma peculiaridade em relação às outras, no que se refere ao agente produtor. Contrariando a tendência observada nas décadas anteriores, onde o loteador descapitalizado e as empresas loteadoras dividiam a produção; na década de 80, o primeiro, praticamente, desaparece de cena. O Estado direcionou boa parte dos investimentos na Zona Oeste para o desenvolvimento do setor industrial, através do Plano de Distritos Industriais, de Campo Grande; Paciência; Palmares; Santa Cruz; o Pólo Industrial de Sepetiba e do Plano de Integração do Pólo Petroquímico de Itaguaí. No entanto, o processo de urbanização não se 69


articulou a esta industrialização. As indústrias que se instalaram (Michelin, Vale Sul, Consigua, Casa da Moeda), são tecnologicamente modernas e não absorveram a mão de obra local (Britto, op.cit.). Apesar do loteamento ser a forma predominante de produção do espaço, outras formas compõem o espaço periférico, como os conjuntos habitacionais, condomínios de residências unifamiliares e pequenos edifícios residenciais (Britto, 1990). No entanto, é a única área da cidade onde ainda existem grandes glebas e estoque de terras a baixo custo, tornando-a área de fronteira para o capital imobiliário. Pereira (2002), observou que nas últimas duas décadas, a Zona Oeste vem aumentando significativamente o número de empreendimentos imobiliários. Na primeira metade da década de 90, a produção empresarial de moradias na AP 4, passou de 36% para 78%; e na AP 5 os investimentos imobiliários aumentaram de 4% para 7% em relação à década anterior. Apesar de em menor número, as favelas também já faziam parte do cenário da Zona Oeste da cidade. As favelas existentes têm características bastante distintas das tradicionais, a maior parte delas, apresenta baixa densidade, são localizadas em áreas planas, com casas isoladas com quintal, assemelhando-se aos loteamentos. De modo geral, as favelas desenvolvem um ciclo que começa com a invasão, a maior parte das vezes isoladas, passam por um processo de adensamento e auto-urbanização, de organização dos moradores para pressionar o Estado para garantia do direito de posse e melhorias urbanas. Esse ciclo se fecha com a regularização. Segundo Britto (op. Cit.), as primeiras invasões na Zona Oeste foram feitas por uma ou mais famílias, ou agentes que se apropriaram de áreas privadas abandonadas ou públicas, loteando-as, para depois cede-las ou vende-las, com a evolução das favelas na cidade.(ver Figuras 1 e 2 no Anexo I). Na figura 2, as setas indicam que, a partir de 80, ocorreu o crescimento do número de favelas na região, preponderantemente, creditado à migração intraurbana. Cabe ressaltar, que o padrão periférico de ocupação, caracterizado pela autoconstrução em loteamentos populares, vem sofrendo alterações, principalmente devido à produção de loteamentos regulares, voltados para uma população de maior renda. Como conseqüência deste processo de elitização de algumas áreas da Zona Oeste, observa-se a expansão significativa das favelas, ou seja, com a crise na produção extensiva de loteamentos irregulares, a população pobre tende a se fixar em áreas invadidas, formando favelas. No entanto, essas favelas se distinguem das tradicionais quanto á forma de ocupação e estruturação do espaço, se assemelhando aos loteamentos ilegais existentes na região. 70


1.2. A Região Administrativa de Jacarepaguá A Região de Jacarepaguá está limitada pelo Maciço da Pedra Branca ao sudeste, pelo Maciço da Tijuca a sudoeste e ao sul, pelas Lagoas de Jacarepaguá, Camorim e Tijuca. A RA VI – Jacarepaguá é formada pelos bairros de Anil, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Gardênia Azul, Jacarepaguá, Pechincha, Praça Seca, Tanque, Taquara e Vila Valqueire. A região possui uma área de 12.771 ha, que abriga uma população de 507.698 habitantes, segundo o Censo 2000.

Apresentaremos, a seguir, um retrato da região a partir do pré-diagnóstico realizado pelo Plano Estratégico da Cidade, em que foram analisados os dados extraídos de fontes oficiais, de reuniões regionais e da Pesquisa de Percepção da População. Apesar da estabilidade no crescimento populacional da AP 4 na década de 90 em relação à década de 80, a RA de Jacarepaguá apresentou queda no percentual do incremento populacional, passando de 35,63% no período 1980/1991, para 16,0% no período 1991/2000. Os bairros que mais cresceram em termos populacionais foram Gardênia Azul (27%), Jacarepaguá (17%) e Tanque (11%), creditado ao fluxo migratório para a região. Os estudos 71


realizados pelo Plano Estratégico estimaram uma taxa migratória de 8%, equivalendo a 39 mil imigrantes. O quadro abaixo mostra a evolução do crescimento populacional nos bairros da região na década de 90.

Em relação à atividade econômica na região, 88% dos 7.900 estabelecimentos são dos setores de comércio e serviços. Atualmente é caracterizada por ser a terceira maior região empregadora do município, ocupando a sétima posição no critério do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), classificada como de médio-alto índice (IDH=0,800). Apesar disso, a renda média da população, de 5 salários mínimos, está abaixo da média da cidade, que é de 6 salários mínimos, com exceção dos bairros da Freguesia e do Anil, cujos moradores possuem renda média de 8 salários mínimos, e de Vila Valqueire e Pechincha, com cerca de 7 salários mínimos de renda média. O quadro abaixo apresenta a renda média dos moradores em cada bairro.

72


Quadro – Renda Média da RA XVI – Jacarepaguá

Em relação à educação, a taxa de alfabetização equivale à média da cidade (92,6%), e o índice de escolaridade superior é de 16%, abaixo da média da cidade (18,2%). O quadro abaixo mostra que os bairros de Jacarepaguá e Cidade de Deus possuem a menor taxa de alfabetização da RA, enquanto os bairros da Pechincha e Vila Valqueire têm a taxa mais elevada, correspondendo às áreas de maior renda da população.

73


Quadro – Taxa de Alfabetização da RA XVI - Jacarepaguá

A partir de dados oficiais e da pesquisa de percepção realizada pelo Plano Estratégico do município, identificaram-se os principais problemas do bairro, assim como suas potencialidades. Dentre os problemas apontados pelos dados oficiais, destacam-se a alta densidade domiciliar; alta mortalidade infantil (principalmente nos bairros de Jacarepaguá e Cidade de Deus); baixa oferta de trabalho; e renda média baixa. A pesquisa de percepção destacou como pontos negativos, a violência; sistema de transportes deficiente; carência de unidades de saúde e falta de opções de lazer. Além disso, os serviços urbanos como infra-estrutura básica; manutenção dos equipamentos urbanos; e oferta de creches e escolas de primeiro e segundo grau, foram considerados pelos moradores como bastante deficitários. Nos aspectos positivos, a população apontou a boa oferta de rede bancária, de comércio e de serviços, além dos aspectos culturais e ecológicos. Já os dados oficiais indicam

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como potencialidades da região, a oferta de imóveis territoriais e as boas condições para o desenvolvimento infantil.

1.3. A Região Administrativa de Bangu A RA XVII – Bangu é formada pelos bairros Bangu, Senador Camará e Padre Miguel. A região cobre uma área de 67,81 Km², abrigando uma população de 420.503 habitantes, sendo que destes, 74.925 (17.8%) residem em favelas, segundo o Censo 2000.

Quadro – Bairros que compõem a RA XVIII - Bangu

A RA de Bangu possui um total de 125.821 domicílios, sendo que 20.842 (16.6%) estão em favelas. Os domicílios, em geral, são bem atendidos no que se refere ao abastecimento de água e coleta de lixo, porém apenas 60% têm esgotamento sanitário ligado à rede oficial. A renda média da população é em torno de 4 (quatro) salários mínimos, bem abaixo da média da cidade (seis salários mínimos). 75


Em relação à educação, a taxa de alfabetização está abaixo da média da cidade (84,0%), assim como o índice de escolaridade superior (1,8%), bem abaixo da média da cidade (18,2%). O quadro abaixo mostra que o bairro de Senador Camará possui a menor taxa de alfabetização da RA (86%), enquanto que nos bairros de Bangu e Padre Miguel, a taxa varia entre 89% e 93%.

Quadro – Taxa de Alfabetização da RA XVII - Bangu

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Quadro – População com Nível Superior

Os dados oficiais e da pesquisa de percepção realizada pelo Plano Estratégico do município, identificou os principais problemas dos bairros da região de Bangu como um todo, assim como suas potencialidade. Dentre os principais problemas, destacam-se a pouca oferta de serviços de saúde, na área cultural e problemas ambientais ligados, principalmente, à poluição visual e drenagem. Os dados oficiais chamam a atenção para a alta mortalidade infantil, o baixo índice das condições de vida (ICV=0,767), e renda média baixa. Nos aspectos positivos, a população apontou a boa oferta de rede bancária, de escolas de primeiro grau e pré-escolar, e bom atendimento dos serviços urbanos de infra-estrutura básica.

77


2. Evolução das Favelas na Cidade do Rio de Janeiro Segundo Taschner (2003), apesar da população brasileira, entre 1991 e 2000, ter crescido pouco (1,63% ao ano), resultado da queda da fecundidade, em 2000 registrou-se aumento de 717 favelas em todo o país, cerca de 22,5% em relação ao Censo de 91, totalizando 3.905 favelas. De acordo com a autora, as possíveis causas para a existência de favelas nos grandes centros urbanos, seriam o estágio do desenvolvimento econômico; a atuação do poder Público Local; e a estrutura da propriedade da terra urbana. No Estado do Rio de Janeiro registrou-se, em 2000, 811 favelas, sendo que 513 delas encontram-se no município do Rio de Janeiro. Como as favelas cresceram no município do Rio de Janeiro? •

Adensamento das favelas – número de domicílios cresceu mais em relação à população;

O crescimento da população foi mais expressivo nas áreas de maior taxa de expansão urbana;

Possível relação entre o crescimento do número de favelas e expansão das existentes, com a valorização proveniente da ação do poder público em urbanização;

Relação entre a urbanização interna e sua taxa de expansão, assim como a melhoria do padrão habitacional e maior mobilidade intra e inter favelas. Nos próximos itens avaliaremos a evolução das favelas na cidade do Rio de Janeiro,

procurando estabelecer relações com a dinâmica urbana, com a conjuntura econômica, e com as políticas recentes, que tal como ocorre no Peru, vêm contribuindo para mudar a imagem da favela, tornando-a, pressupostamente, atrativa para aqueles que não têm acesso ao mercado formal. Apresentaremos um quadro geral da evolução da expansão das favelas na cidade, que servirão de referência aos estudos de caso apresentados no próximo capítulo. 2. 1. A Evolução das Favelas até a década de 80. A primeira favela no Rio de Janeiro surgiu no final do século XIX, com a ocupação do Morro da Providência por sobreviventes da Guerra dos Canudos. A denominação “favela” se refere a uma planta típica da caatinga nordestina, encontrada no sertão de Canudos. A favela aos poucos foi se tornando forma de moradia daqueles diretamente afetados pelas transformações desencadeadas pela transição de uma economia mercantil-exportadora, para a capitalista-industrial, que provocou grande impacto na organização do espaço urbano, principalmente em conseqüência do aumento populacional provocado pelas migrações internas e estrangeiras. 78


Em 1903, a cidade do Rio de Janeiro passou por programas de reforma urbana, com o objetivo de higienizar a cidade, promovidos pelo Prefeito Pereira Passos, desencadeando grandes demolições dos cortiços nas áreas centrais. Com a demolição de grande parte das habitações precárias no centro, a população pobre foi obrigada a deslocar-se para os subúrbios ou ocupar os morros da cidade, principalmente os do centro, pela proximidade ao local de trabalho, já que os meios de transporte da época, além de serem estratificados, eram ineficientes no atendimento à demanda. Segundo descreveu Bonilla (s/d: 74), “As favelas se arrastam desordenadamente morro acima, dividida por labirintos e valas que servem como canos de esgoto” . O autor, que estudou as favelas do Rio de Janeiro na década de 60, considerava que a sua formação devia-se, em parte, à migração dos moradores dos cortiços removidos das áreas centrais. Para Bonilla (op. cit.), o crescimento da favela estava relacionado também ao fluxo migratório campo-cidade, ao crescimento demográfico, à excessiva concentração da indústria e comércio em poucas cidades e, finalmente, à absoluta ausência de controle sobre o processo de expansão urbana, que não considerava as necessidades habitacionais da população de baixa renda, permitindo a especulação imobiliária. Novos locais de ocupação começaram a surgir no início da década de 20 – os subúrbios passaram a ser ocupados devido à presença das indústrias, assim como também a Zona Sul, pelo desenvolvimento de moradias de alto padrão. A necessidade de controlar o crescimento urbano na Zona Sul foi um dos fatores que incentivou o surgimento do Plano Agache, no governo de Prado Júnior em 1927. O Plano tinha como premissas, a ordenação e embelezamento da cidade, seguindo critérios funcionais e de embelezamento (Abreu, 1997:86 apud Vial, 2001:10). Assim, o Plano propunha a erradicação das favelas, para desocupar áreas nobres da cidade, evitando a “mistura” de classes, pois eram consideradas anti-higiênicas e ameaçavam a paisagem urbana, impondo externalidades negativas às classes de alta renda. A favela foi pela primeira vez tratada como um problema urbano pelo Plano Agache, que creditou seu crescimento à falta de opção de moradia próxima ao local de trabalho para os operários pobres, e às dificuldades em se obter licenças para construir, devido à burocracia e taxas altas (Abreu, 1997). Entre os anos 30 e 64, a cidade consolidou o processo de estratificação social: a classe alta ocupou a Zona Sul, a média passou a ocupar a Zona Norte, e os pobres foram “empurrados” para os subúrbios e periferias. O mapa a seguir mostra a evolução das favelas na cidade, até os anos 30.

79


FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATÉ 1930

Legenda Favelas surgidas entre 1900 e 1930 Favelas surgidas até 1900

Fonte: Vial, 2002

69


O processo de crescimento demográfico e industrial se intensificou a partir de 1930. As indústrias se deslocaram da área central em direção aos subúrbios, incentivadas pelos investimentos públicos nas ferrovias (Leopoldina, Rio D’Ouro e Auxiliar), e pela definição, pelo Estado, de uma zona industrial na cidade, fora das áreas centrais e sul; e mais tarde, em 1946, com a abertura da Av. Brasil. As zonas suburbanas eram divididas em Zona Suburbana I, formada pelos bairros Engenho Novo, Méier, Inhaúma, Piedade, Irajá, Madureira, Penha e Jacarepaguá, e Zona Suburbana II, formada pelos bairros da Pavuna, Anchieta e Realengo. A evolução da forma urbana da cidade, no período entre 1930 e 1950, foi marcada pela expansão das favelas. A década de 40 foi o período de maior proliferação das favelas, inclusive ao longo da Av. Brasil, pela proximidade das indústrias, seguindo a trajetória de ocupação da cidade, e incentivada ainda pela abertura da Av. Presidente Vargas, que expulsou a população pobre do centro da cidade, definitivamente. No início dos anos 40, a abertura da Av. Rio Branco, o desmonte do Morro do Castelo e a abertura da Av. Presidente Vargas, não somente requereu a demolição dos cortiços e cabeças de porco, mas também impulsionou o aumento do valor da terra nas áreas centrais. Grande parte dessa população removida, aliado ao crescente fluxo migratório, promoveu o surgimento e crescimento das favelas ao longo de rios e linhas de trem. Em 1948 já existiam 105 favelas na cidade, com uma população de 138.837 hab., correspondendo a 7% da população do Distrito Federal. Essas favelas concentravam-se na área suburbana (44% das favelas e 43% dos moradores), na zona sul (24% e 21%, respectivamente) e na zona norte (22% das favelas e 30% dos moradores). A partir dos anos 40, a favela passa a ser considerada como uma questão habitacional a ser controlada e regulada. Nessa época, a importância da localização próxima ao trabalho, explicava a concentração das favelas nas principais áreas geradoras de emprego – subúrbios e centro – devido às indústrias, e zona sul, devido à construção civil e serviços domésticos. No período entre 1950 e 1964, vários fatores incentivaram a ocupação dos subúrbios e da periferia do município, dentre eles a ausência de política urbana voltada para suprir o déficit habitacional decorrente das ações passadas, crise econômica, valorização do solo nas áreas centrais, mas, principalmente, a redução do valor dos transportes coletivos. (Vial, 2001) A Política Habitacional deste período voltava-se, exclusivamente, à construção de conjuntos habitacionais, financiados pela Caixa Econômica e Institutos de Previdência. Para as classes de maior renda, grandes empreendimentos imobiliários foram incentivados, através

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FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATÉ 1930

Legenda Favelas surgidas entre 1900 e 1930 Favelas surgidas até 1900

Fonte: Vial, 2002

69


de provisão de infra-estrutura urbana, principalmente na zona sul, incluindo a erradicação de algumas favelas localizadas em áreas de interesse imobiliário. A partir de 1964, a cidade cresce em direção a São Conrado e Barra da Tijuca. A oferta de emprego na construção dos prédios luxuosos atrai imigrantes recém-chegados das áreas mais pobres do país, principalmente do nordeste, embora a taxa de migração tenha sofrido uma queda comparada à década anterior, dando início à formação de favelas nas encostas íngremes da região. Podemos ver no próximo mapa, o avanço das favelas em todo o município até 1964.

82


FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATÉ 1964

Legenda Favelas surgidas entre 1931 e 1964 Favelas surgidas entre

1900

Favelas surgidas até 1900

Fonte: Vial, 2002

83


2.2. O Crescimento das Favelas a Partir da Década de 80 A partir da década de 80, devido à política de urbanização de favelas, desencadeada pela pressão dos movimentos sociais e à falência do SFH – Sistema Financeiro de Habitação, observa-se

maior

crescimento

dos

assentamentos

informais.

O

processo

de

transformação/evolução do espaço interno das favelas, desencadeado por essas políticas, possibilitou que estas se expandissem sob características peculiares: a partir dos anos 80, começaram a surgir uma série de ocupações caracterizadas por traçados regulares e planejados, semelhantes aos loteamentos. O objetivo dos invasores é a reivindicação futura da regularização da ocupação. Após a invasão, os organizadores procuram formas de obterem a regularização da posse, através da compra da gleba. Essa é uma estratégia de organização do espaço diferente das favelas tradicionais das décadas anteriores. A ocupação, em geral, é organizada coletivamente, seguindo estratégia de obtenção de informações sobre a situação jurídica das glebas4 e busca de apoio das ONG’s (Organizações Não-Governamentais), igrejas e políticos locais. A maior parte dos invasores já possui experiência urbana, ou seja, já residem na cidade. Ao falarem da área ocupada, não a definem como favela, talvez como forma de facilitar a regularização ao se considerarem parte da cidade, integrados ao entorno. Esta é uma hipótese que pretendemos comprovar, e que se encontra diretamente relacionado ao que Santos (1993) já havia apontado, sobre a influência das transformações dos fatores políticos e sociais na estrutura urbana, e como eles têm relação com os comportamentos individuais dos agentes, ou seja, os espaços da cidade são ocupados/apropriados seguindo as especificidades dos contextos econômicos, políticos e sociais. Santos (op.cit.). Segundo este autor, as principais tendências identificadas foram os adensamentos das favelas consolidadas, as ocupações coletivas de áreas vazias e as favelas dos logradouros públicos (sob viadutos, ao longo dos canais e vias férreas), constituindo tipologias habitacionais distintas em função da forma de ocupação. No contexto intra-urbano, nos anos 80, a população favelada do município do Rio de Janeiro cresceu a uma taxa de 2,6% ao ano, enquanto a população em geral crescia a uma taxa de 0,6% ao ano. Neste período surgiram 200 favelas, implicando em uma maior participação da população favelada nas diferentes regiões da cidade. Dos 240 mil novos favelados do período 80-91, apenas 30% eram migrantes de longa distância (17% nordestinos, 7% do interior do Estado do Rio e 6% de outras regiões do país). A população que já residia no 4

Observa-se tendência de ocuparem áreas privadas abandonadas, em geral, de pouco valor comercial (inundáveis, com restrições urbanísticas, etc.)

84


município do Rio de Janeiro em 1980 foi responsável por 70% do incremento populacional nas favelas no período 1980-91. Na década de 90, esse processo se intensifica diante da crise do Estado e sua incapacidade de promover uma política habitacional que atenda à população mais pobre. Observa-se a retomada dos movimentos sociais urbanos, aliado à intervenção dos organismos internacionais multilaterais – Banco Mundial (BIRD) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – com ênfase na participação comunitária, mutirões e iniciativas cooperativistas. O IPP (Instituto Pereira Passos) revelou em estudo recente, baseado nos dados do Censo-IBGE 2000, que enquanto a população da cidade entre 1991 e 2000 cresceu 3,6%, a população residente em favelas cresceu 23,9%. Esse crescimento aconteceu principalmente na Zona Oeste e Baixada de Jacarepaguá. A AP 4 teve um crescimento de 8,0% a . a , e a AP 5 cresceu a uma taxa de 4,8% a . a na última década. Das 200 favelas que surgiram a partir de 80 até 1996, 136 delas estão localizadas nas AP’s 4 e 5. É importante destacar que metade destas, são setores censitários com concentração de 50% ou mais da população com renda familiar per capita de até ½ s.m. A tabela abaixo mostra a evolução das favelas na cidade por Área de Planejamento.

Tabela 3 – Número de favelas e População residente – 1980-1991-2000 Áreas de Planejamento

População residente em setor Número de Favelas subnormal 1980 1991 2000 1980 1991 1996

Incr.Pop. Incr.pop. 80/91 (%) 91/00%)

AP 1-Centro

92.119

85.588

77.245

45

42

58

-7,1

-9,7

AP 2-Sul/Norte

114.638

127.561

146.380

48

47

53

11,3

14,7

AP 3-Suburbio

417.268

479.661

545.011

196

184

242

14,9

13,6

AP 4-Barra/Jacarep. 26.548

72.182

144.298

39

86

113

171,9

100,0

AP 5-Oeste

70.644

117.491

179.849

46

81

108

66,3

53,1

MRJ

721.217

882.483

1092.783

374

440

574

22,4

23,8

Fontes: Anuário Estatístico do Rio de Janeiro-98 e IPP-2001

O surgimento de novas favelas, predominantemente nas regiões periféricas do município, aponta para uma alteração na forma de estruturação do espaço periférico, como este era definido nos anos 60 e 70, ou seja, local distante do centro, onde a classe trabalhadora se reproduz em loteamentos irregulares e/ou clandestinos, precários, sem infra-estrutura e equipamentos coletivos. Essa alteração é conseqüência de três processos em curso: i-a retração 85


do padrão de crescimento periférico caracterizado pela produção de lotes populares, ii-atuação de novos agentes imobiliários atuando para uma demanda de maior renda, geradora de demanda por serviços; e iii-a valorização dos imóveis nas favelas do núcleo/consolidadas. Até o início da década de 80 a Zona Oeste, a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, tinham pouca oferta de domicílios em favelas. As favelas da primeira geração de migrantes abriam mão da aquisição de terreno na periferia para poder desfrutar do “morar perto”, localizando-se nas áreas centrais e subúrbio. O crescimento da população residente em favelas nessas regiões pode ser explicado, entre outros fatores, pela inexistência de oferta no mercado oficial para população de baixa renda, e pela saturação da oferta nas favelas consolidadas/centrais, e ao valor do “morar perto”, que vem se tornando cada vez mais alto. O mapa a seguir mostra o crescimento das favelas até a década de 90.

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FAVELAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATÉ 1995

Legenda Favelas surgidas entre 1965e1995 Favelas surgidas entre 1931e1964 Favelas surgidas entre 1900e 1930 Favelas surgidas até 1900

Fonte: Vial, 2002

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Conforme Guimarães (2000), em Belo Horizonte as favelas resistem como forma de estratégia de sobrevivência e de moradia, e são expressão do aumento da desigualdade social, no processo de produção e apropriação do espaço urbano. O aumento do número de invasões demonstra a dificuldade de acesso à moradia pela população de baixa renda, devido, como já mencionamos, à ausência de uma política habitacional e à piora das condições de vida da população. O crescimento das favelas não é provocado apenas pela migração interna em busca de melhores condições de vida, mas principalmente por famílias que já se encontram na cidade, e que se mudam para acessarem a casa própria. Para Carvalho (op.cit.), esse

é um processo inerente às mudanças no modo de

produção capitalista – flexibilização da economia, trazendo impactos no processo de urbanização, ou seja, a reestruturação econômica equivaleria a uma reestruturação urbana. Além dos aspectos espaciais, houve acréscimo do nível de empobrecimento da população e expansão da informalidade na economia. A autora considera a expansão das favelas um fenômeno decorrente do conflito entre necessidades de reprodução da força de trabalho e condições da estruturação da cidade. O conflito reflete o jogo de forças entre as necessidades de reprodução do capital e de reprodução da força de trabalho. A expansão das favelas seria resultado do acirramento do empobrecimento da população, decorrente das transformações econômicas e sociais, e da expansão da informalidade na economia. Outro fator apontado para o crescimento das favelas nesse período, é o aumento do valor dos aluguéis. No entanto, Carvalho (op. cit.) argumenta que concomitante à queda dos salários, caiu também o valor dos aluguéis na década de 80. Baseado nos dados do Cadastro de Favelas do IPP, observou-se que o nº de domicílios cresceu mais em relação à população entre 1980 e 1991, demonstrando um processo de adensamento. Segundo Carvalho (op. cit.), a expansão de favelas na AP 5 estaria associada à existência de vazios urbanos. A AP 5 dispõe de 57,2% do total de lotes existentes em todo o município. As principais causas para o crescimento das favelas na década de 80, apontadas pela autora, foram maior mobilidade residencial inter favela e bairro – favela; o morador construiu mais um ou dois pavimentos ou subdividiu seu lote para vender ou alugar como fonte de renda; crescimento vegetativo da população; e mudanças no ciclo de vida familiar.

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De modo geral, o crescimento das favelas ocorreu de três formas: •

Adensamento - que se caracteriza pelo crescimento de unidades residenciais por ocupação de áreas livres, por subdivisão de lotes ou mudanças de uso de áreas internas à favela, ou por verticalização, não ocorrendo mudança nos limites da favela;

Expansão – Há aumento da área ocupada, modificando os limites territoriais da favela;

Surgimento de novas.

Na década de 80, a maior parte (80%) das favelas consolidadas cresceu por adensamento. As principais causas foram, por um lado, o empobrecimento da população, que passou a incluir a favela em sua trajetória residencial5; e por outro, a necessidade de aumentar a renda familiar, levando os moradores a construírem um ou mais pavimentos para alugar ou vender. Outra justificativa para o adensamento foi o crescimento vegetativo, e mudanças no ciclo de vida familiar. Apesar da desaceleração no crescimento populacional nas últimas duas décadas, observa-se que em relação à população residente em favelas, o índice de crescimento aumentou. A tabela abaixo mostra que todas as áreas apresentaram incremento relativo da população residente em favelas. Cabe destacar o aumento expressivo da participação da AP 4 e 5, e a concentração de 50,0% da população residente em favelas na AP 3, que deve o incremento populacional ao adensamento e expansão das favelas existentes.

Tabela 4 – População Total, População Residente em Favelas e sua Participação Relativa em relação à População Total nas Áreas de Planejamento – 1991 e 2000 Áreas de Planejamento

População Total

Pop. Resid. em Favelas

Participação Relativa (%)

População Total

Pop. Resid. em Favelas

1991 2000 303.695 79.233 26,09 268.280 77.245 AP 1 1.034.612 136.894 13,23 997.478 146.380 AP 2 2.323.990 473.673 20,38 2.353.590 545.011 AP 3 526.302 73.875 14,04 682.051 144.298 AP 4 1.292.179 118.992 9,21 1.556.505 179.849 AP 5 5.480.778 882.667 16,10 5.857.904 1.092.783 Total Fonte: Relatório da Agrar – Maio/2002 e Censos Demográficos IBGE 1991 e 2000.

Participação Relativa (%) 28,79 14,68 23,16 21,16 11,55 18,65

5

Carvalho (1996) identificou que 57,0% dos moradores que ocupavam a área de expansão da Favela Morro da Fé, vieram de bairros de melhor condição urbanística e ocupavam moradias de qualidade inferior à de origem.

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A Área de Planejamento (AP) que possui maior número de população morando em favelas, em relação à população total da cidade é a AP 1 – Centro, cuja participação relativa em relação à população total em 2000, foi de 28,79%. No entanto, foram as AP 4 – Barra da Tijuca e Jacarepaguá, e AP 5 – Zona Oeste, que apresentaram maior crescimento absoluto e relativo da população residente em favelas. A AP 4 aumentou sua participação relativa em 50,7%, e a AP 5 aumentou em 25,0%, enquanto nas outras áreas o aumentou variou entre 10,0 % e 13,0%. Analisando a década anterior, observa-se que no período 1991/2000, o crescimento da população residente em favelas continuou superior ao da população como um todo. Na década de 80, a população total do município cresceu 7,67%, enquanto a população residente em favela cresceu 23,09%. Na década de 90, enquanto o índice da população total caiu para 6,88%, o da população favelada cresceu para 23,80%, conforme apresentado na tabela abaixo.

Tabela 5 – População Residente em Favelas e Incremento absoluto e relativo nas Áreas de Planejamento e no Município – 1980/1991 e 1991/2000 Áreas de 1980 1991 Incremento Incremento 2000 Incremento Incremento Planejamento Absoluto Relativo Absoluto Relativo 92.119 79.233 - 12.886 - 13,99 77.245 - 1.988 - 2,51 AP 1 114.638 136.894 22.256 19,41 146.380 9.486 6,93 AP 2 416.307 473.673 57.366 13,78 45.011 71.338 15,06 AP 3 26.985 73.875 46.890 173,76 144.298 70.423 95,33 AP 4 67.017 118.992 51.975 77,55 179.849 60.857 51,14 AP 5 717.066 882.667 165.601 23,09 1.092.783 210.116 23,80 Total Fonte: Relatório da Agrar – Maio/2002 e Censos Demográficos IBGE 1980, 1991 e 2000

Chama a atenção a perda populacional nas favelas da AP 1 na década de 80, com menos 12.886 habitantes. Na década de 90 a área continua perdendo população, mas ela é bem menos expressiva que a da década anterior, contabilizando-se menos 1.988 moradores. A AP 2, que na década de 80 teve um incremento absoluto de 22.256 moradores em favelas, na década de 90 esse incremento foi reduzido para 9.486 habitantes. Esse fato, comparando-se com a AP 3, que apresentou aumento nos incrementos absoluto e relativo, e com as AP’s 4 e 5, que apresentaram aumento no incremento absoluto, pode indicar que a área tradicional na preferência de localização da população favelada, está em processo de saturação de sua ocupação, restringindo tanto sua ocupação horizontal quanto vertical, seja por falta de espaço físico, seja pela valorização imobiliária dessas favelas com as obras de melhorias urbanas 90


empreendidas pelos programas de urbanização e legalização de favelas, que impedem seu acesso à população mais pobre. Apesar da queda no incremento relativo entre as duas décadas nas AP’s 4 e 5, essas áreas ainda se mantêm como vetores de crescimento tanto da população como um todo, quanto da população residente em favelas.

De modo geral, até a década de 80, podemos citar como principais causas tanto do crescimento do número de assentamentos habitacionais, denominados favela, como do adensamento das existentes, os seguintes fatos: •

A abolição da escravatura, que gerou grande demanda de desempregados

e

desabrigados; •

Colapso econômico das áreas rurais, aliada à atração de oferta de trabalho urbano no início da industrialização, gerando um crescente êxodo rural até o final da década de 70;

Implantação da Reforma Passos6, desabrigando grande parte da população pobre que habitava os cortiços7 das áreas centrais, demolidos com a reforma (Vial, 2001).

A partir de 80, os principais aspectos da evolução das favelas seriam: •

Mudanças na dinâmica do crescimento metropolitano, principalmente o colapso na produção de lotes devido ao encarecimento da terra e perda da capacidade de endividamento dos trabalhadores.

Políticas de reconhecimento das favelas e dos loteamentos irregulares e clandestinos como solução dos problemas habitacionais desenvolvidos desde o final da década de 70 e intensificados a partir do governo Brizola, que propunham a legalização da posse da terra e a urbanização das favelas, reduzindo as incertezas de remoção e criando expectativas de melhoria das condições de vida.

As favelas também voltam a crescer por razões relacionadas ao mercado de trabalho e imobiliário. A precarização do trabalho gera instabilidade da renda, impedindo o acesso ao loteamento periférico e à autoconstrução da moradia, além dos altos custos de deslocamento com a mudança para a periferia da Região Metropolitana. A localização nas favelas centrais permite a inserção no mercado de trabalho.

6

As intervenções da Reforma Passos, iniciada em 1903, visavam promover o progresso e o embelezamento da cidade. 7 Os cortiços e as Vilas Operárias eram, até o início do séc. XIX, a principal forma de moradia dos pobres urbanos na cidade do Rio de Janeiro. Para uma discussão mais detalhada ver Ribeiro (1986).

91


A cidade do Rio de Janeiro se caracteriza pela combinação de dois padrões de estruturação do espaço. De um lado, o padrão centro-periferia, amplamente discutido pela literatura dos anos 70 e 80, marcado por um centro (rico), provido de serviços e infra-estrutura e a carência da periferia (pobre). De outro lado, a existência de favelas nas áreas centrais, que rompe com a distância física entre ricos e pobres. No entanto, nas décadas de 70 e 80, ao morador pobre da periferia era garantido a propriedade de um lote, que embora em muitos casos irregular (clandestino), não lhe conferia o estigma de invasor, produtor da ilegalidade, tal qual se atribui aos moradores de favela da cidade. Essa era, basicamente, a principal diferença entre os pobres urbanos, moradores de favela e de loteamentos periféricos8. A partir dos anos 80, a retração da produção de loteamentos na periferia do município para a população de baixa renda, a crise econômica e a valorização de algumas áreas da periferia pela expansão das atividades imobiliárias na região, foram o ponto de partida para as mudanças, em curso, nas formas de acesso à moradia para os segmentos de baixa renda, e conseqüentemente, na estruturação do espaço periférico, o que nos leva a repensar a clivagem entre favelas e loteamentos periféricos, que apresentam sinais de que essa distinção não se sustenta atualmente, que paradoxalmente, são explicados por processos de empobrecimento da população e melhoria das condições habitacionais na cidade como um todo. Considerando o quadro apresentado das condições de estruturação do espaço urbano carioca, em geral, e da periferia do município, em particular, cabe questionar a importância das ocupações recentes na Zona Oeste da cidade, como elemento estruturador do espaço periférico, e como estratégia definitiva de acesso à moradia pelos pobres urbanos nas duas últimas décadas. O próximo capítulo apresenta o resultado da pesquisa em duas favelas recentes da Zona Oeste do Rio de Janeiro, que qualifica esse processo.

8

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, os espaços periféricos metropolitanos foram tratados como áreas habitadas pela população operária, com inserção precária na estrutura de renda e trabalho, localizados em loteamentos clandestinos/irregulares, em casas auto-construídas e acesso precário a equipamentos e serviços urbanos. Essas condições seriam responsáveis pelas precárias condições de vida nas periferias metropolitanas.

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CAPÍTULO 3 O ESPAÇO DA FAVELA: DOIS ESTUDOS DE CASO

1. Introdução Neste capítulo abordaremos a temática central da tese: o processo de produção e apropriação das favelas na cidade do Rio de Janeiro, através de dois Estudos de Caso, que expressam a favelização periférica ao longo dos anos 80 e 90. Os Casos localizam-se em áreas que tiveram aumento expressivo do número de favelas no período 80-91, mas com características sociais e urbanas diferentes: Jacarepaguá – área de expansão urbana, predominantemente ocupada pela classe média; e Senador Camará – área predominantemente ocupada pela classe de baixa renda. Os Estudos de Caso que serão apresentados a seguir, foram selecionados após intenso trabalho de campo, que se iniciou com base na identificação das favelas que surgiram a partir da década de 80. Essa identificação teve como base empírica, o levantamento realizado pelo IPP – Instituto Pereira Passos, constante no SABREN – Sistema de Assentamentos de Baixa Renda, disponível no aplicativo MOREI – Módulo de Recuperação de Informações. O SABREN reúne os dados relativos à localização, histórico de ocupação, dados demográficos e da infra-estrutura, dos assentamentos de baixa renda cadastrados pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Das 200 favelas que surgiram na cidade a partir de 1980, selecionamos 9 (nove) na região do estudo – Barra da Tijuca/Jacarepaguá e Bangu. O critério de seleção baseou-se no ano da ocupação, nas mais carentes (renda per capita da população variando entre ½ e 1 salário mínimo), e de preferência, que não tenha sido ou estivesse sendo objeto de programas de intervenção pública, como por exemplo: Favela-Bairro, Bairrinho, e outros. Dessa amostra, selecionamos, para estudo de caso, as favelas de Asa Branca, em Jacarepaguá, e Verde é Vida, em Senador Camará, pois estes bairros estão entre os sete mais informais da cidade. Em Jacarepaguá, 77,9% dos imóveis não estão na base cadastral tributária da prefeitura; em Senador Camará, esse percentual é de 71,5%. O resultado detalhado dessa pré-seleção dos estudos de caso, se encontra no Apêndice Metodológico. Nas duas favelas aplicamos um total de 137 questionários, que continham questões fechadas para análise quantitativa dos temas sócio-demográficos e espaciais, assim como 93


questões abertas para análise qualitativa do processo de ocupação e estruturação dos assentamentos informais recentes. Em Asa Branca foram aplicados 87 questionários, que representa 15% dos domicílios, e em Verde é Vida aplicamos 50 questionários, referentes a 41% dos domicílios. A maior representatividade de Verde é Vida deve-se ao fato das dificuldades encontradas em campo, destacando-se a resistência dos moradores em responder às perguntas. Buscou-se entrevistar os moradores mais antigos, de preferência que tivessem participado do início da ocupação, os mais recentes e as lideranças locais. O perfil sócio – demográfico dos moradores das favelas estudadas, será analisado comparativamente ao perfil dos moradores de setores sub-normais1 (favelas) dos bairros em que os Casos estão localizados, e também, de moradores de favelas localizadas em Copacabana, por ser um bairro de classe média e possuir favelas consolidadas. Para confrontarmos os dados, escolhemos uma favela consolidada, com configuração espacial tradicionalmente correspondente às definições oficiais de favela, localizada em cada bairro analisado. Assim, em Copacabana elegemos Pavão-Pavãozinho; em Jacarepaguá elegemos Rio das Pedras; e em Senador Camará, elegemos a Favela Morro do Sossego. O objetivo era relacionar o perfil dos moradores das favelas, com a estrutura sócio-espacial do bairro em que está inserida. A figura 3, no Anexo I, mostra a localização das favelas objeto de Estudo de Caso na cidade.

Breve histórico da ocupação das Favelas de Asa Branca e Verde é Vida Na favela Asa Branca, encontramos 4 (quatro) etapas de ocupação. A área ocupada pela favela, localizada na Av. Salvador Alende, em Jacarepaguá, pertencia a uma herdeira, mas era administrada por outra pessoa. A propriedade nunca foi confirmada e a primeira ocupação ocorreu em 1981, na área lindeira ao canal do Rio Pavuninha. A maioria das pessoas que participou da primeira etapa da invasão (aproximadamente sete casas de alvenaria), ainda reside no local. A segunda etapa ocorreu em 1991, pela segunda geração dos primeiros ocupantes. Invadiram a área em direção à atual Rua Asa Branca, com a intenção de vender os lotes. A propriedade da área foi reivindicada pela Srª Sodósia, conhecida por marroquina, mas os 1

Setor ou Aglomerado sub-normal é um termo utilizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para definir, para fins de pesquisa censitária, o conjunto (favelas e assemelhados) constituído por unidades habitacionais (barracos, casas, etc.), ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais.

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invasores resistiram, e como a propriedade não foi confirmada, eles permaneceram. Observase o planejamento da ocupação no traçado das ruas e delimitação de quadras, que se estendeu até a área que corresponde às ruas A, B e C, ocupadas em 1996, em uma terceira etapa, conforme mostra a figuras 4 e 5 (Anexo I). A quarta ocupação ocorreu em outubro de 2001, dois meses antes de nossa visita à favela. Ocuparam a área contígua a da primeira ocupação, à beira do canal do Rio Pavuninha; área alagadiça que recebeu aterro de entulhos das obras do Condomínio Rio 2, que faz limite com a favela.

Quinto dos Infernos – 4ª etapa de ocupação da Favela Asa Branca

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Quinto dos Infernos – 4ª etapa de ocupação da Favela Asa Branca

Na ocasião de nossa visita à Favela, em 21 de Dezembro de 2001, havia 60 barracos de madeira, localizados em lotes de 8x15 m. Quando retornamos, um ano depois, já havia algumas casas de alvenaria substituindo os barracos de madeira, conseqüência da diminuição da ameaça de remoção. A última ocupação foi organizada pela Associação de Moradores de Asa Branca, com a participação dos moradores, mas fica claro, no discurso da liderança local, a influência política no processo de ocupação, através de intermediação entre advogados que defendem os interesses dos supostos proprietários, a prefeitura e a polícia. O objetivo da ocupação era atender aos que moravam de aluguel na própria favela e aos descendentes dos primeiros moradores, que já na fase adulta, estavam constituindo suas próprias famílias. Para se ter uma idéia da expansão da favela, em 1991 ela ocupava uma área de 27.946 m² e em 1999 a favela passou a ocupar uma área de 70.526 m², segundo Sabren -IPP.

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Entrada da Favela Asa Branca

No caso de Verde é Vida, não conseguimos resgatar o histórico da ocupação, pois dos cinqüenta entrevistados, apenas vinte e um responderam as questões referentes ao processo de ocupação e destes, apenas seis haviam participado do início da invasão. A favela está localizada no Morro da Fazenda do Viegas, com acesso pela Av. Carlos Sampaio Corrêa. A figura 6 apresenta a localização da favela no bairro (Anexo I). Segundo o IPP, a invasão iniciou-se em 1990 de forma desordenada. O vice-presidente da Associação dos Moradores nos informou que a ocupação foi organizada por famílias que residiam em um conjunto habitacional da COHAB, próximo ao local, impossibilitadas de continuarem pagando as prestações. Ele informou, que quando chegou ao local, em 1998, teve que pagar pelo lote, mas atualmente, a Associação de Moradores tem doado barracos a muitas famílias em condições de pobreza extrema (sem emprego e condições mínimas de sobrevivência).

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Favela Verde é Vida

Favela Verde é Vida

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No próximo item, abordaremos o contexto da pobreza urbana . A relação entre pobreza urbana e moradia é objeto de estudo desde a década de 70, quando a pobreza urbana era associada à marginalidade, intrinsecamente relacionada ao habitat do pobre, sendo a favela a expressão mais contundente dessa pobreza. Nos anos 80, o paradigma das necessidades básicas e das teorias da redistribuição de renda, surge, rompendo com as teorias da modernização. A pobreza deixa de ser associada à marginalidade, e passa a ser observada pela perspectiva da informalidade, se referindo às características de uma inserção econômico-ocupacional. Nos anos 90, a adoção de políticas urbanas focalizadas e compensatórias, que impliquem em aumento da produtividade da cidade, é indicada, pelos organismos internacionais, como único caminho para se enfrentar a pobreza urbana. No contexto atual é importante identificar o perfil dos pobres urbanos, diante das mudanças nas favelas consolidadas e as novas configurações espaciais das favelas recentes.

2. Pobreza urbana: desigualdade e informalidade Neste item analítico pretende-se avaliar as mudanças no perfil dos pobres urbanos e contextualizar suas condições de moradia. A partir da complexidade existente nas definições de pobreza urbana e de quem é o pobre urbano, é importante considerar as definições multidimensionais, que incorporam as condições culturais, locais e sociais. A literatura abordada, que reflete sobre o tema da pobreza, demonstra a multiplicidade dos discursos. A produção sociológica e a econômica abordam o processo de urbanização, focando as transformações que ocorreram no mercado de trabalho, devido à industrialização e terceirização. Os discursos se superpõem ao longo do tempo, determinando fases/períodos que correspondem a uma concepção particular e distinta da pobreza urbana. Para Valladares (1991), a evolução da concepção de pobreza e pobre tem relação com a trajetória do processo de urbanização; com as transformações no mercado de trabalho urbano; com a inserção espacial/residencial da população pobre nas cidades; e com o papel de ator social e político que vem sendo atribuído às camadas populares ao longo do tempo. Na verdade, todos esses pontos não são isolados e sim relacionados com o primeiro: a evolução da industrialização nos grandes centros urbanos. Transformações no mercado de trabalho, na inserção dos pobres na cidade e seu papel como ator político e social, são resultado e determinantes do processo de urbanização.

99


Todas as definições de pobreza estão relacionadas a determinadas formas de inserção dos pobres no meio urbano. Na virada do século, o discurso sobre a pobreza baseava-se na oposição entre trabalhadores e vadios, onde a moradia desses últimos era o cortiço. A noção de pobreza nesse período estava associada ao não-trabalho. O pobre era o não trabalhador do mercado formal, aquele que não era assalariado. Aliada à ociosidade, a pobreza era creditada ao indivíduo que se recusava a vender sua força de trabalho no mercado capitalista, ou seja, não era trabalhador porque não queria se submeter ao regime de fábrica. Assim, se consolidou uma visão dual/polarizada da sociedade urbana: fábrica/mundo do trabalho e da ordem, constituído por imigrantes brancos versus a rua e cortiço/ mundo do não trabalho e da desordem, constituído pelos negros libertos e mestiços (Valladares, op.cit.). A partir dos anos 30 até os anos 40, outra expressão espacial da pobreza urbana se junta ao cortiço – a favela. Esta se desenvolve e se impõe na paisagem carioca devido, principalmente, ao desenvolvimento acelerado da urbanização. A pobreza passou a ser mais visível, já que boa parte dos cortiços foi demolida com a Reforma Passos no início do século XX. Nesse período surge uma série de mudanças na forma de inserção do indivíduo no mundo do trabalho, que incluía desde conquistas trabalhistas que garantiam proteção ao trabalhador, até a instituição de um salário mínimo que atendesse às necessidades básicas de reprodução social. Essas medidas marcaram diferenças, e reafirmaram a clivagem entre assalariados e não-assalariados. Entre as décadas de 50 e 60, a pobreza era focada pela relação da população marginal/subempregada com a população de baixa renda, que tinha a favela como local de moradia. Marginalidade – segundo a DESAL (Centro para o Desenvolvimento Econômico e Social da América Latina), era uma forma específica de estar fora do funcionamento padrão da sociedade e estava relacionada à falta de integração e de participação política das classes populares. A questão central debatida, nos anos 50, era se o sistema seria capaz de absorver os indivíduos como força de trabalho. Nos anos 60, a pobreza passou a ser considerada como um fenômeno estrutural, que pensava a “população marginal” – excluída do mercado de trabalho formal – como inerente e essencial ao processo de acumulação capitalista (Oliveira, 1975). O subemprego surge como categoria definidora da pobreza nas décadas de 50 e 60. Na visão dos economistas dos anos 60, a figura típica do subemprego era o biscateiro. Este período foi marcado por uma mudança no conceito de pobreza, passando de determinantes individuais para os externos ao indivíduo. A responsabilidade passa a ser da sociedade. Rompe-se com a idéia difundida na virada do século, que associava a pobreza à recusa de se integrarem ao mercado de trabalho. Com os 100


crescentes fluxos migratórios, demonstrava-se a vontade dos indivíduos em se inserir no processo produtivo. Com a migração, acreditava-se na possibilidade de mobilidade ocupacional pelo acesso às atividades urbanas vinculadas aos setores secundário ou terciário (Duran, E. 1984). Os pobres não são mais considerados como ociosos e vadios, mas como excluídos, marginalizados. A expressão espacial da marginalidade era a favela, vista como síntese da não integração de amplos os setores da sociedade urbana. Favelado passa a ser sinônimo de pobre. O marginal não seria apenas a população que ocupa as faixas mais baixas da escala social, mas também os que estão fora dessas faixas, não ocupam posição alguma no sistema econômico. Segundo a DESAL, as conseqüências da marginalidade seriam a segregação residencial; apatia; incapacidade de absorver a cultura dominante, aliada à desintegração de sua cultura tradicional; desqualificação profissional; falta de integração na vida política. Para Kowarick (1983), era toda e qualquer forma de exclusão dos benefícios inerentes à sociedade urbano-industrial. No Brasil, assim como em toda a América Latina, o conceito de marginalidade urbana estava relacionado à precariedade habitacional - onde a favela era a expressão mais contundente da pobreza urbana – e às condições de vida (principalmente dos migrantes) – baixa renda e nível educacional, subemprego/desemprego, desorganização familiar, anomia e falta de participação social. A Teoria da Marginalidade, na década de 60,

foi construída a partir de quatro

dimensões: cultural, econômica, social e política. Na dimensão social, as favelas eram consideradas como o lócus da desorganização social. Seus moradores não eram integrados ao meio urbano, vivendo isolados e sem acesso aos serviços urbanos. No entanto, a presença de redes de organização sócio-políticas nas favelas, constitui-se em evidência de um sistema político interno. Culturalmente, a favela era vista como um enclave do paroquialismo rural e a falta de integração à vida urbana, propiciava a perpetuação da cultura da pobreza. Na dimensão econômica, os favelados não contribuíam para a economia urbana. Politicamente eram apáticos, mas com forte tendência ao radicalismo de esquerda, devido às frustrações, desorganização social e anomia. A marginalidade era associada à posição econômicaocupacional – desempregados ou subempregados, os que possuíam ocupação precária no mercado de trabalho. Nessa dimensão, a favela seria irrelevante na definição de marginal; a característica determinante seria de ordem econômica-ocupacional e não sua localização.

101


Segundo Perlman (1977), a marginalidade poderia ser analisada a partir de diferentes definições, sendo que algumas foram criticadas pela autora, após estudo realizado em favelas localizadas em três áreas distintas do Rio de Janeiro : a) Relacionada ao habitat do pobre, que tem a favela como o lugar dos marginais: favela seria a ocupação ilegal da terra, lugar de construções de baixo padrão, de alta densidade física e populacional e sem infra-estrutura básica; b) Relacionada à posição econômico-ocupacional: os “marginais” seriam os que têm participação precária no mercado de trabalho; c) Relacionada à condição de recém-chegados à cidade e sua transição da vida rural para a urbana; d) Relacionada à condição de minoria racial ou étnica; e) Os transviados, que são tipos patológicos, não conformistas, etc. Para a autora, os favelados do Rio de Janeiro corresponderiam à quatro categorias de marginalidade: morador de favela, migrante, minoria racial, trabalhador com instabilidade e má remuneração. No entanto, nem todos os favelados são migrantes. Em sua pesquisa, 18% dos moradores das favelas nasceram no Rio de Janeiro. A partir dos anos 60, os pobres passaram a ser denominados de população de baixa renda. O termo tem origem na tecnocracia oficial importada do Banco Mundial e outros organismos internacionais, que exportam políticas sociais nas áreas de educação, saúde e habitação. A partir daí, a variável renda entra na definição de pobreza. A nova forma de definir a pobreza usava o salário mínimo como parâmetro e a pobreza passa a ser compreendida como um fenômeno de insuficiência de renda, delimitada pelo critério de linhas de pobreza. O indivíduo é mais ou menos pobre dependendo de sua posição (acima ou abaixo) na linha da pobreza. A partir daí a variável renda orientou a definição das políticas públicas. O exemplo mais claro foi a criação, em 1964, do BNH, que apresentou programas habitacionais para uma população de renda familiar até três salários mínimos. No Brasil, até os anos 70, acreditava-se que o crescimento econômico reduziria a pobreza, através da redistribuição de renda, e assim, se reduziriam as desigualdades sociais. Até os anos 80, havia uma inserção maior da mão-de-obra no mercado de trabalho; a expansão econômica gerou empregos que contrabalançou a queda nos níveis de remuneração. Até os anos 70, o crescimento econômico tinha um caráter distributivo, reduzindo a pobreza (Buarque, 2000). Segundo a Escola Cepalina (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), o tipo de modelo de desenvolvimento econômico implantado no Brasil e demais países da América Latina, naquele período, constituiu um mercado de trabalho dual, integrado 102


por dois setores autônomos e independentes. De um lado estaria um setor moderno, vinculado à indústria, dependente de mão-de-obra qualificada; e de outro, um setor chamado tradicional, envolvendo atividades artesanais, ligadas ao pequeno comércio e serviços pessoais, que absorve mão-de-obra de baixa qualificação. A partir dos anos 70 o país passa por importantes mudanças estruturais, destacando-se, economicamente, a participação da indústria manufatureira na dinâmica do desenvolvimento, instituindo um novo padrão de industrialização baseado na grande empresa; no oligopólio de mercado; na estrutura da PEA; na maior participação, entre 1960 e 1980, do setor secundário e terciário e queda do primário (Faria, 1983). Nos anos 80, a noção de marginalidade foi substituída pela de informalidade. Ou seja, ficou restrita à caracterização de uma inserção econômico-ocupacional. Após 80, essa inserção diminuiu, e o grau de pauperização se acentuou pela falta de emprego. Neste período, cresce a taxa de subemprego diante da perda de oportunidade de um trabalho permanente e regular. O início da década de 90 é marcado por uma nova crise recessiva, decorrente da liberalização da economia e pela reestruturação industrial. Apesar disso, entre 1993 e 1997, observa-se queda da incidência de pobres no país, em função do Plano Real, implementado em 1994, que possibilitou a queda da inflação. A proporção de pobres, nesse período, caiu 31,3% e o número de pobres, 26,6%. No Sudeste, a queda relativa foi de 29,7%. Em 1997, o Sudeste do País tinha 11 milhões de pobres (34,6% do total nacional). A menor queda foi no Norte-Nordeste; só o NE detinha em 1997, 43,9% do total nacional, ou seja, 13,9 milhões de pessoas, sendo que destes, 6,1 milhões são pobres urbanos (Rocha, 2003). A partir de 1996, o número de pobres voltou a crescer nas regiões metropolitanas. Segundo Rocha (op. Cit.), a maioria dos pobres urbanos não passa fome, tem televisão em cores e geladeira, embora lhes falte esgoto. Desse modo, fica claro que as características do pobre2 brasileiro vêm se modificando, comparando-os com os dos anos 70, pois hoje eles são essencialmente urbanos e metropolitanos. Na década de 70, os pobres residentes na área rural correspondiam a mais da metade dos pobres existentes no país. Com a urbanização acelerada, em 2001, eles representavam 18% dos pobres brasileiros. Nos anos 80 e 90, observa-se o contrário do esperado, uma maior concentração de renda, configurando uma situação de extrema desigualdade e aumento da pobreza.

2

Segundo Rocha (2003), 35% da população brasileira é pobre, de acordo com o Censo/IBGE 2000.

103


Em relação à moradia, a análise dos indicadores demográficos e sócio-econômicos, revelam modificações nas características da população moradora em favelas nos anos 90. Entre as mais significativas, estão a passagem de uma composição demográfica homogênea (até os anos 80 o perfil da população residente em favelas era, predominantemente, de migrantes rurais), para uma composição heterogênea (2ª geração de migrantes – naturais do Rio de Janeiro, classe média baixa empobrecida); e a degradação do nível de vida dos setores populares. Na década de 90, o processo de democratização introduz novos temas, como a cidadania e a participação social, nos debates sobre a pobreza urbana. Passa-se a discutir cidadania, sub-cidadania e exclusão social ligados ao processo político e que se manifestam na irregularidade, ilegalidade ou clandestinidade tanto do trabalho quanto da moradia. A condição de sub-cidadania conduz ao diagnóstico feito pela sociedade, de que o morador do cortiço, da favela, do loteamento clandestino, é o marginal ou bandido (Kowarick, 2000). Tal condição é promovida por uma série de processos, tais como: a discriminação, segregação e o controle social. Segundo Ribeiro e Lago, a condição de pobre depende de um conjunto de fatores: instrução (escolaridade); qualificação profissional; renda e posição sócioocupacional. Esses fatores, ligados à condição material de vida, estão diretamente relacionados a outros fatores, tais como o fator biológico (condição de gênero e idade); de caráter histórico; e conjuntural (dinâmica econômica – expansão e recessão). Para Zaluar (1985), pobres são os que ganham de 3 (três) a 5 (cinco) salários mínimos. Entre eles estão os operários e assalariados do setor terciário semi ou não qualificado e que recebem baixos salários devido à política salarial vigente. Estão também incluídos nessa descrição, os trabalhadores por conta própria, pouco ou não especializados. Trabalhador pobre é uma categoria de auto-identificação, que pressupõe uma certa homogeneidade nas condições de vida. Os que se reconhecem como tal entre vizinhos, parentes, colegas, têm como referência a semelhança na renda, nas tradições e opções culturais, surgidas na convivência nos bairros. A condição de excluídos do campo educacional e político, faz com que compartilhem de práticas culturais, religiosas e políticas alternativas, que os unificam e homogeneízam (Zaluar, op. Cit.). Segundo a autora, os trabalhadores pobres, como objeto de reflexão das teorias sociais, não eram considerados, pela Teoria da Marginalidade, como os sujeitos da mudança ou renovação, pela incapacidade de se organizarem e agirem coletivamente. Zaluar critica essa visão, pois considera que a pobreza é um conceito comparativo relacional em torno da desigualdade social. Não se é pobre devido à cultura, mas

104


como resultado de políticas públicas que provocaram a exclusão de parcela expressiva da população, nos campos ocupacional, educacional e político. Segundo Oliveira (1999) apud Oliveira et all (2003:239-40), a compreensão da pobreza deve inserir uma definição dinâmica e multidimensional, em contraposição à leitura estática que relacionou pobreza com o socialmente necessário à vida. Os pobres devem ser diferenciados a partir das capacidades e dotações individuais, para alcançar ou inventar oportunidades no mercado de trabalho. A definição de pobreza, deve, então, considerar as práticas culturais, sociais e políticas dos pobres, para que se possa entender a pobreza além dos atributos que reforçam a representação social pela falta, pela carência. É nesse sentido que serão analisados os dois Casos aqui propostos.

2.1. Aspectos demográficos e sócio-econômicos dos moradores de favelas Em sua pesquisa, Perlman (1977) não comprovou as premissas da Teoria da Marginalidade de dissolução familiar, desorganização social, criminalidade, falta de interesse pelo trabalho e não inserção na economia urbana entre a população residente em favelas. A autora constatou, que 90% das famílias eram nucleares, sendo que 80% tinham o homem como chefe de domicílio. Segundo o Censo 2000, 66,1% dos chefes de domicílio em favelas do Rio de Janeiro são homens, e observamos um aumento considerável dos domicílios chefiados por mulheres (33,9%). Os quadros abaixo mostram o tipo familiar encontrado pela presente pesquisa:

Quadro 1 - Tipo Familiar da Favela Asa Branca Tipo Familiar 1% 17%

1% 1% 2% 1% 2%3% 9%

13%

50% Unipessoal Casal sem filhos Casal com filhos casal com filhos e com parentes Mulher-chefe-sem cônjuge com filhos Mulher-chefe-sem cônjuge sem filhos e com parentes Mulher-chefe-sem cônjuge com filhos e com parentes Homem-chefe-sem cônjuge com filhos Homem-chefe-sem cônjuge sem filhos e com parentes Conjunto de até 5 pessoas residindo juntas,sem laços de parentesco e/ou dependência Não Respondeu

105


Observa-se que 50% dos domicílios pesquisados são de famílias nucleares, ou seja, casal com filhos. O percentual de domicílios chefiados por mulheres é de 20%, e 13% dos domicílios são formados pelo casal com filhos e parentes.

Quadro 2 -Tipo Familiar – Favela Verde é Vida

Tipo Familiar 12%

4%

10%

12% 8%

8% 46%

Unipessoal Casal sem filhos Casal com filhos casal com filhos e com parentes Mulher-chefe-sem cônjuge com filhos Mulher-chefe-sem cônjuge sem filhos e com parentes Mulher-chefe-sem cônjuge com filhos e com parentes

Em Verde é Vida, encontramos um percentual maior de domicílios chefiados por mulheres (26%), e quase a metade dos domicílios pesquisados (46%) formado por famílias nucleares. Analisando a evolução da demanda por moradia em favelas, desde a década de 70, observam-se duas tendências: 1. Modificação no contexto demográfico - o crescimento da população das favelas foi maior do que a população como um todo. O fluxo migratório diminuiu a partir da segunda metade da década de 70. Transição de uma homogeneidade demográfica (migrantes da década de 60), para uma heterogeneidade produzida pela emergência da 2ª geração de migrantes, que alcançaram a idade adulta e formaram outra família. 2. Nas favelas recentes observa-se maior concentração dos mais jovens (até 10 anos), diminuição na faixa entre 10 e 29 anos, e estabilidade na faixa entre 30 e 49 anos. As variações na idade permitem identificar a evolução das estruturas familiares e distinguir a origem da nova população. Os moradores das favelas recentes são famílias jovens com filhos pequenos.

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Tabela 6 - Percentual de Moradores em Favelas selecionadas, por grupos de idade - 2000 Favela Morro do Sossego Pavão-Pavãozinho Rio das Pedras

Total

Até 9 anos

396 4256 17228 2032 438

26,8 21,5 18,3 22,9 32,4

De 10 a De 20 a De 30 a De 40 a De 50 a De 60 a De 70 a 80 anos Total 19 anos 29 anos 39 anos 49 anos 59 anos 69 anos 79 anos e mais

20,9 18,9 16,7 18,3 15,5

20,9 24,5 28,9 18,6 19,4

15,1 17,7 17,7 19,0 14,6

8,6 9,9 10,3 11,8 10,3

4,5 4,2 4,9 5,6 3,4

Asa Branca Verde é Vida Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

2,3 2,1 2,1 2,5 3,2

0,5 1,0 0,7 1,1 0,9

0,2 0,1 0,3 0,1 0,2

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Nas favelas consolidadas há maior concentração na faixa de 20 a 29 anos, com exceção de Morro do Sossego, que possui maior percentual de moradores na faixa de 0 a 9 anos de idade. Nas favelas recentes, observamos maior concentração de moradores na faixa de 0 a 9 anos. Oliveira et alli (2003), em análise realizada a partir da Pesquisa Socioeconômica em Comunidades de Baixa Renda (PCBR)3, apresentam a seguinte distribuição etária e por sexo das principais favelas cariocas (40 ao todo), e da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Tabela 7 – Distribuição Etária e por Sexo – 1998 Faixa Etária

Favelas

RMRJ

Sexo Masculino

48%

48%

Feminino

52%

52%

0 – 9 anos

21,1%

13,3%

10 – 14 anos

17,9%

16,0%

15 –19 anos

10,6%

10,3%

20 – 24 anos

9,3%

8,8%

> 60 anos

7,4%

10,9%

Fonte: PCBR-PMRJ/ENCE-2000

Em termos de gênero, favelas e Região Metropolitana apresentam a mesma composição demográfica. Quanto à distribuição etária, observa-se que nas favelas a presença de crianças até 9 anos de idade é bem maior do que a população como um todo da RMRJ. Por outro lado, na RMRJ concentra-se uma população acima de 60 anos maior do que nas favelas. 3

Essa pesquisa foi realizada pela ENCE em convênio com a Secretaria Municipal do Trabalho do Rio de Janeiro, em 50 favelas do município.

107


Comparando Asa Branca e Verde é Vida com favelas mais antigas, consolidadas, observa-se que é alto o percentual de moradores até 9 anos de idade, e grande concentração nas faixas até 39 anos. Três constatações nos levam à indicação de uma nova demanda heterogênea nas favelas: 1. O nível educacional – as diferenças no nível de educação podem significar diferenças nas oportunidades de emprego e renda, e portanto, nas possibilidades de eleição da moradia. Oliveira et all (op. cit.), chegou ao seguinte resultado, apresentado na tabela abaixo, comparado à Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Tabela 8 - Percentual de Moradores por Nível de Escolaridade nas Favelas selecionadas e Região Metropolitana do RJ - 2000 Escolaridade

Favelas

RMRJ

Analfabetos

10,8

4,2

Até 4 anos de estudo

47,3

31,8

Mais de 12 anos de estudo

0,4

11,1

Fonte: PCBR-PMRJ/ENCE-2000

Observa-se que a incidência de analfabetos é maior nas favelas. Quanto maior a escolaridade, menor a possibilidade de ser morador de favela. A tabela abaixo apresenta dados de escolaridade de chefes de domicílio em favelas de três bairros da cidade com diferentes perfis de moradores, dinâmica imobiliária e tempo de ocupação/formação das favelas.

Tabela 9 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em setores sub-normais, por Anos de Estudo, segundo bairros selecionados – 2000 Bairro

S/Instr

Copacabana

Total (abs.) 2380

15,5

C/ 1 ano 5,7

De 2 a 5 anos 42,9

De 6 a 9 anos 17,1

Jacarepaguá S. Camará

De 10 a De 13 a Anos 12 anos 17 anos Indeter. 12,0 2,3 0,2

18467

15,3

6,3

44,3

23,3

9,3

1,3

0,1

9547

11,7

4,8

43,2

26,6

12,4

1,2

0,1

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

Observa-se, para os três bairros, maior concentração na faixa de 2 a 5 anos de estudo. Interessante o fato de Senador Camará apresentar o menor índice de responsáveis pelos domicílios sem instrução, porém, comparado aos setores sub-normais localizados em áreas

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que concentram chefes de domicílio com maior renda média, apresenta maior índice nas faixas de 6 a 9 anos (26,6%), e de 10 a 12 anos de estudo (12,4%). Observa-se que nas favelas mais recentes, Asa Branca e Verde é Vida, o percentual de responsáveis pelos domicílios sem instrução é menor, comparado às outras favelas mais antigas, com exceção de Morro do Sossego. Nos casos, chama a atenção o percentual elevado na faixa entre 10 e 12 anos de estudo, comparado às outras favelas. Asa Branca apresenta um percentual de 18,3% e Verde é Vida, de 12,4%, onde a média nessa faixa nas outras favelas analisadas (Pavão-Pavãozinho, Rio das Pedras e Morro do Sossego), é de 4,3%, conforme mostra a tabela abaixo.

Tabela 10 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em Favelas selecionadas, por Anos de Estudo – 2000 Favela Morro doSossego Pavão-Pavãozinho Rio das Pedras Asa Branca Verde é Vida

Total

113 1273 5444 567 121

S/Instr 1,8

C/ 1 ano 3,5

De 2 a 5 De 6 a 9 De 10 a anos anos 12 anos 47,8 40,7 5,3

18,8

6,4

52,2

18,8

15,2

7,3

45,7

23,1

7,2

7,4

42,8

22,0

9,1

4,1

49,6

24,0

12,4

De 13 a Anos 17 anos Indeter. 0 0

0,1

2,5

0,3

7,6

0,9

0,1

18,3

2,1

0

0,8

0

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

2. O tamanho das famílias – a diminuição do tamanho das famílias constitui um novo fator na determinação da evolução da demanda por moradia nos anos recentes. Segundo IBGE-Censo 2000, o número médio de pessoas por domicílio nas Favelas de Asa Branca está entre 3 e 4 pessoas; em Verde é Vida está entre 3 e 5 pessoas, muito baixo se tratando de favelas, tradicionalmente caracterizada pela alta densidade populacional. Como a população favelada tem crescido mais do que a população como um todo, isso significa um aumento de demanda por moradia em favelas.

3. Queda no nível de vida, apesar de melhora nos níveis de escolaridade e diminuição do número de moradores por domicílio. Os anos 80 caracterizam-se pelo crescimento do subemprego e aumento da informalidade. A tabela abaixo mostra a renda média nas favelas dos bairros selecionados:

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Tabela 11 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em setores sub-normais, por rendimento nominal mensal em salários mínimos*, segundo bairros – 2000

Bairro Copacabana

Total (abs.) 2380

Até ½ sm 0,6

De ½ a 1 sm 12,3

De 1 a 2 sm 28,5

De 2 a 3 sm 19,8

De 3 a 5 sm 18,4

De 5 a 10 sm 10,8

De 10 a 15 sm 1,0

De 15 a 20 sm e 20 sm mais 0,5 0,3

Jacarepaguá

18467

0,4

11,8

29,0

19,2

17,0

8,1

0,8

0,3

S. Camará

9547

1,2

17,8

24,9

17,1

16,3

8,0

0,8

0,2

S/ renda 7,7

Total 100,0

0,1

13,0

100,0

0,1

13,5

100,0

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

* Salário Mínimo de referência=R$151,00

A maior concentração, para os três bairros, está na faixa de 1 a 2 salários mínimos, sendo que Senador Camará apresenta os níveis mais baixos de renda (19,0% até 1 salário mínimo), comparados aos de Jacarepaguá (12,2% até 1 salário mínimo) e Copacabana (12,9% até 1 salário mínimo). Analisando o rendimento nominal mensal do total dos responsáveis pelo domicílio nas favelas selecionadas por bairro e nas dos estudos de caso, temos que as favelas localizadas em Senador Camará, Morro do Sossego e Verde é Vida, são as que apresentam percentuais altos de chefes de domicílio com menor renda e sem rendimento (35,4% em Morro do Sossego e 40,5% em Verde é Vida). Em Morro do Sossego, 41,6% dos responsáveis pelo domicílio percebem de 1 a 2 salários mínimos; em Verde é Vida, 21,5% dos chefes de domicílio ganham até 1 salário mínimo. Em Pavão-Pavãozinho, observa-se maior inserção dos responsáveis no mercado de trabalho, pois apenas 9,0% não têm renda. Esse percentual também é baixo em Rio das Pedras (11,6%); já em Asa Branca, 18,5% dos responsáveis pelo domicílio não têm rendimento algum; em Verde é Vida esse percentual chega a 40% dos chefes de domicílio!!!!!

Tabela 12 - Percentual de Pessoas Responsáveis pelo Domicílio em Favelas selecionadas, por rendimento nominal mensal em salários mínimos*– 2000

Favela Morro doSossego Pavão-Pavãozinho Rio das Pedras Asa Branca Verde é Vida

Total

Até ½ sm

De ½ a 1 sm

De 1 a 2 sm

De 2 a 3 sm

De 3 a 5 sm

De 5 a 10 sm

De 10 a 15 sm

De 15 a 20 sm

20 sm e mais

S/renda

Total

113 1273 5444 567 121

0

4,4

41,6

15,0

3,5

0

0

0

0

35,4

100,0

0,9

7,6

31,8

22,1

18,2

9,6

0,5

0,1

0,1

9,0

100,0

0,3

10,1

28,4

21,8

17,7

8,5

1,0

0,4

0,1

11,6

100,0

0,2

10,0

21,0

16,9

19,7

11,5

1,0

0,9

0,2

18,5

100,0

3,3

18,2

19,0

7,4

7,4

4,1

0

0

0

40,5

100,0

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

* Salário Mínimo de referência=R$151,00

110


Apesar da diferença de renda observada entre Asa Branca e Verde é Vida – na primeira 10,2% dos chefes de domicílio percebem até 1 (um) salário mínimo, enquanto em Verde é Vida esse percentual é de 21,5% - as duas comunidades têm acesso a bens de consumo durável, como televisores, geladeiras e telefones celulares, muito embora 57,0% dos entrevistados em Asa Branca possuíssem linha telefônica e em Verde e Vida, apenas 8%. Apesar do baixo nível de renda, o acesso ao crédito possibilitou a aquisição de bens duráveis. O acesso a esses bens também é viabilizado por outras estratégias nos gastos essenciais, como a alimentação no local de trabalho e obtenção de cestas básicas. O aumento da precariedade do emprego, significa uma degradação das condições econômicas dos setores populares. Atualmente observa-se uma outra tendência, que caracteriza a demanda por moradias em favela: o progresso do setor de trabalho informal urbano. Segundo Driant (1991), a relação entre o crescimento do setor informal, a degradação das condições de vida e o aumento da precariedade do emprego é complexa. O autor observou em estudo de caso, que a principal conseqüência da informalidade no trabalho são as dificuldades de acesso aos programas e linhas de crédito do Estado para acesso à moradia, porque não contribuem com os fundos públicos destinados a apoiar os programas habitacionais e coloca uma questão importante em relação às novas formas de desenvolvimento das favelas em Lima, que pode ser aplicada aos nossos estudos de caso.

2.2. Mercado de Trabalho e informalidade O início da industrialização foi marcado por debates em torno do pauperismo, que se tornou uma questão social devido ao perfil do operariado da época, da sua condição de vida miserável. Com o tempo, esse proletariado passou a ser uma classe operária relativamente integrada. Atualmente, esta integração parece estar em "xeque" em decorrência da desestabilização do trabalho e do sistema de proteções e garantias conquistadas pelos trabalhadores. A nova questão social parece ser a permanência desta função integradora do trabalho na sociedade. Com a consolidação dos novos padrões produtivos, se intensificaram o abandono e redução das políticas sociais, dentre elas a do pleno emprego. A partir dos anos 70, as mudanças tecnológica, de administração e ordenação de mercados, inauguraram um novo tipo de divisão do trabalho, com conseqüências na forma de organização dos trabalhadores, incidindo no enfraquecimento do sindicalismo. A reação imediata dos

111


capitalistas e dos governos foi a redução nos custos sociais do trabalho (benefícios previdenciários e assistenciais). No contexto contemporâneo, a tecnologia da informatização está no centro das transformações que as cidades e sociedades experimentam. Nesta nova realidade, o processo de globalização da economia e a comunicação, têm mudado as formas de produzir, consumir, gerir, informar e pensar, afetando as cidades e os cidadãos. Para Borja et al (1998), constituiuse um novo paradigma, o paradigma informacional, cujos efeitos redundaram em uma profunda modificação das relações de trabalho e da estrutura de emprego em todas as sociedades, com a individualização das tarefas e a fragmentação do processo de trabalho. Nos países de capitalismo avançado, a transformação no trabalho é marcada pela formação de redes de produção industrial e serviços avançados, sem a estabilidade e controle social do modelo anterior, e pela expansão do trabalho informal nos núcleos urbanos. De modo geral, compreende-se como globalização o processo de mundialização dos mercados, das finanças, da informação, da comunicação, dos valores culturais, que estabelece um sistema de intercâmbio entre diferentes países. Segundo Wanderley (1997), o conceito de globalização apresenta um conteúdo com duas dimensões interligadas: a de um novo mito de caráter ideológico, e de uma tendência historicamente objetiva. Na primeira dimensão, a idéia de um estado único, de interdependência e igualdade de oportunidades, seduz. As novas relações estariam esboçando uma sociedade global, onde são destacadas múltiplas conseqüências, como as disparidades de renda, as fissuras nas relações internacionais geradas pelos novos modelos tecnológicos, que as políticas dos principais países ricos (protecionismos, taxas de juros sobre a dívida externa, barreiras aos movimentos migratórios, etc) e dos organismos internacionais (políticas de desregulamentação do estado, privatizações, combate aos déficits públicos), impõem aos menos ricos para se integrarem nas regras do jogo (deles). Na segunda dimensão, a globalização seria a passagem do regime de acumulação fordista para a flexível; a supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo, a aceitação do neoliberalismo como pensamento único, a crise dos paradigmas ocidentais e novas dimensões da exclusão social. Nesse quadro, caberia a cada Estado-nação encontrar a melhor maneira de gerir o processo. Grosso modo, os analistas apontam como objetivo central da globalização, a predominância de um único modelo de desenvolvimento baseado no capital e no mercado, em todas as regiões do mundo. Entretanto, conforme Gallardo (apud Wanderley, op. cit.), a globalização é subordinada e assimétrica em relação a grupos e setores sociais. Ela não se 112


traduz como uma nova ordem mundial, e sim como um sistema de ordem/desordem, matriz de novos conflitos, que se tornam alvos de políticas, sob a ótica neoliberal, de organismos internacionais. Até o início do século XX, o trabalho assalariado foi uma condição do trabalhador, e de modo geral, uma condição miserável e indigna, da qual se procurava sair o quanto antes, almejando trabalhar por conta própria. O assalariado era, antes de tudo, alguém que não tem nada, não tem propriedade, apenas a sua força de trabalho para vender. Com o desenvolvimento da industrialização, da urbanização, o salariado se consolida, podendo-se então falar de uma sociedade salarial, definida como sendo aquela onde a maioria da população é assalariada, e que têm sua inserção social relacionada ao lugar que ocupam no salariado, não apenas em relação a quanto ganham, mas em relação ao seu status, sua identidade. A insegurança e desamparo, característicos da sociedade anterior, é substituída por garantias e proteções trabalhistas. O novo status do trabalho nasceu desta situação do trabalho sem proteção. O direito do trabalho, seguridade social, surgiu primeiramente no trabalho salariado e depois se difundiu no conjunto da estrutura social. Porém, a extensão dessa nova forma de seguridade, não extinguiu as injustiças, as desigualdades, a exploração. A sociedade salarial é fortemente hierarquizada, não é uma sociedade de igualdades, é uma sociedade de conflitos, na qual os diferentes grupos são concorrentes, porém, cada indivíduo desfruta de um mínimo de garantias e direitos. Robert Castel coloca as seguintes questões: diante da internacionalização do trabalho, da mundialização, das exigências crescentes da concorrência e da competitividade, onde o preço da força de trabalho é reduzido enquanto sua eficácia produtiva deve ser aumentada, como está condicionada a sociedade salarial? Quais são os impactos da globalização nos processos de direito do trabalho e seguridade social? São questões pertinentes diante da perda das conquistas sociais obtidas no decorrer de algum tempo e que fizeram com que o trabalho não fosse apenas a retribuição de uma tarefa, mas que a ele fossem vinculados direitos. A perda gradativa desses direitos, como a estabilidade do emprego, leva ao que se chama hoje de precarização e fragmentação do trabalho, e afeta principalmente os trabalhadores menos qualificados. Neste sentido, algumas características marcam a cristalização da questão social nos países de capitalismo avançado. No caso da França, Castel (1997), assinala algumas evidências:

113


•A

desestabilização dos estáveis. São trabalhadores que ocupavam posição sólida na

divisão do trabalho, foram demitidos devido à idade, e estão sem perspectiva de se inserirem novamente no mercado de trabalho; • Precarização

do trabalho, que atinge principalmente os jovens, que vivem períodos de

alternância de atividades em empregos temporários, em tempo parcial e desemprego; • Os

sobrantes (supra-numerários), pessoas que não têm lugar na sociedade, não são

integrados4 , tornaram-se sem valor pela nova conjuntura econômica e social. No Brasil, o mercado de trabalho seguiu, ao longo dos anos 80, a flutuação da economia, melhorando nos períodos de crescimento e piorando nos períodos recessivos. (Sabóia, op. cit.). Durante a última década, o desemprego aumentou em todas as regiões metropolitanas, com crescimento do desemprego de longa duração. Os diferentes enfoques das formas de absorção dos segmentos mais pobres da população no mercado de trabalho, privilegiam as mudanças na estrutura produtiva, na estrutura ocupacional e, conseqüentemente, na estrutura de poder e das relações sociais. Segundo Chávez (1990), para se compreender o funcionamento do mercado de trabalho é necessário considerar a influência da mão-de-obra marginal sobre as condições de emprego; a proporção dessa mão-de-obra na força de trabalho; e aqueles que são potencialmente marginais, ou seja, considerar os que têm menores oportunidades de inserção na estrutura de empregos.

As mudanças nas formas de organização da produção e do trabalho, determinam mudanças no mercado de trabalho que se caracterizaram, na década de 80, pela queda do salário médio dos trabalhadores assalariados; pelo crescimento do subemprego; pelo crescimento acelerado da oferta da Força de Trabalho, especialmente mulheres e jovens que se incorporaram ao setor informal; e pelo crescimento da PEA (População Economicamente Ativa) ocupada no setor informal. O debate sobre o tema da informalidade tem abordado as seguintes questões:

4

A existência de dois setores claramente definidos;

Os critérios que definem a heterogeneidade do setor;

A existência de capacidade de acumulação; e

Os níveis de articulação entre os setores formal e informal.

No sentido Durkheimiano, estar integrado é estar inserido em relações de utilidade social.

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O enfoque da OIT (Organização Internacional do Trabalho), relaciona a informalidade à incapacidade de absorção da força de trabalho no processo produtivo moderno. Assim, o setor informal urbano seria o conjunto de postos de trabalho auto-gerados pela Força de Trabalho excluída do setor moderno da economia (Chávez, 1990). Segundo Chávez (op.cit.), “O subemprego da mão-de-obra deixa de ser concebido como atributo de pessoas e famílias, para ser substituído pelo excedente de mão-de-obra, que autogera seus postos de trabalho e as fontes de renda familiar”. (p. 92) O conceito de informalidade está associado à unidade de produção e não ao posto ou ao trabalhador. Chávez (op. cit.) aponta, assim, quatro categorias ocupacionais no SIU – sistema informal urbano: os assalariados da microempresa; os autônomos; os patrões de microempresas; e aqueles que trabalham para parentes e não recebem remuneração. Em relação à constituição de uma definição para a informalidade, Belaúnde (1990) destaca a importância do componente institucional, do ponto de vista jurídico-político de uma determinada formação social. O ponto de partida teórico consiste em considerar a informalidade como o não cumprimento à ordem jurídica vigente. O autor destaca que a informalidade é um fenômeno e não uma condição natural de agentes econômicos. Não existem agentes econômicos “formais” diferentes dos “informais”. O que existe é um universo de agentes econômicos que desenvolvem suas atividades com maior ou menor submissão ao ordenamento jurídico vigente. O conceito é formulado substanciado em definições de Hernando de Soto5. Para Belaúnde (op.cit.), o não cumprimento do ordenamento jurídico pela maior parte da população, deve-se ao seu mal funcionamento. Atividades informais devem ser observadas como sintoma de problemas institucionais, que afetam as relações entre o Estado e a sociedade civil. A informalidade e as externalidades negativas, tenderão a reduzir-se mediante reformas institucionais básicas, conformando um Estado aberto à participação econômica de todos e disposto a facilitar o desenvolvimento do mercado. De acordo com as teses tradicionais6 o fenômeno da informalidade estaria desarticulado da conjuntura social e do sistema jurídico-político. As teses tradicionais também dão um significado especial ao economicismo. Os autores complementam a definição de trabalho informal, baseada nas teorias de analistas que o consideram um fenômeno estrutural 5

Alguns autores consideram que a tese de De Soto consiste em propagar a informalidade global da sociedade, por meio de reformas legais que simplifiquem a administração e eliminem barreiras legais ao exercício de algumas ocupações. 6 A origem do conceito de informalidade encontra-se no fenômeno da migração rural-urbana. Pela Teoria da Marginalidade, o informal é o excluído do setor moderno da economia.

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no modo de produção capitalista, onde os trabalhadores informais seriam a parcela ativa do exército industrial constituída pelos sem-trabalho7. Assim, trabalho informal poderia ser definido também como “desemprego disfarçado”, “trabalho clandestino”, “subemprego”, entre outros, mas que vem a se constituir em alternativa ou única saída para o desemprego. Desse modo, é lícito relacionar o desemprego crescente no mercado formal, com o crescimento da informalidade8. A expressão “trabalho informal” foi utilizada pela primeira vez pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). De acordo com Souza e Silva & Barbosa (2001), ele se caracteriza pela produção em pequena escala, pela baixa aplicação de técnicas e pela quase inexistente separação entre capital e trabalho, por sua baixa capacidade de acumulação de capital e instabilidade dos empregos e rendas. Outra característica atribuída ao trabalho informal é a ausência de relações contratuais, implicando em salários baixos, longas jornadas de trabalho e falta de direitos sociais para os trabalhadores. Baseando-se em dados de pesquisas anteriores e comparando com os de sua pesquisa, Perlman (op. cit.) constatou que entre 1959 e 1969, a percentagem de trabalhadores com empregos não qualificados aumentou, decorrente, possivelmente, de mudanças estruturais nas oportunidades de trabalho para os que possuíam baixa qualificação. Em 1959, pesquisadores encontraram um percentual de 10% de desempregados nas favelas, contra 29% encontrados na pesquisa de Perlman, realizada em 1969. No entanto, em 69 o percentual daqueles que nunca haviam trabalhado diminuiu em relação ao período anterior, passando de 32% em 1959, para 13% em 1969. A queda do nível de vida e o aumento da informalidade demonstram que a diversificação demográfica não é o único fator na evolução da demanda por moradia em favelas. Os anos 80 caracterizam-se pelo crescimento do subemprego, que impede o acesso à moradia através dos programas governamentais e pela iniciativa privada. Em nossa pesquisa, dos 137 chefes de domicílio (87 em Asa Branca e 50 em Verde é Vida) , 65 (47,4%) estavam desempregados, sendo 39 (46%) dos entrevistados, moradores da Favela Asa Branca, e 26 (53%) moradores da Favela Verde é Vida. Dos 39 (46%) desempregados em Asa Branca, 34 (87,2%) sobrevivem de biscates, e dos que declararam estar empregados, apenas 19 (59,4%) têm carteira assinada e 13 (40,6%) não tem, ou seja, 7

No Brasil, segundo o IBGE (Ecinf de 1997), a maior parte destes trabalhadores é jovem, entre 18 e 39 anos (67%) e com baixa escolaridade (45% não tinham o primeiro grau completo), 67% exerciam atividades por conta-própria, 12% eram empregadores. 8 O IBGE realizou pesquisa em 1997 sobre a Economia Informal Urbana (Ecinf), em que se identificou 25% dos trabalhadores brasileiros no setor informal.

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somados aos 34 que sobrevivem de biscates, temos que em Asa Branca, 47 (54,0%) dos chefes de domicílio, pertencem ao setor informal de trabalho. Em Verde é Vida, 26 (53%) dos entrevistados se declararam desempregados e 23 deles não foram muito claros ao informarem como sobrevivem sem emprego. Dos que se declararam empregados, 21 (43%), apenas 9 (42,8%) tinham carteira assinada. Em Verde é Vida não podemos afirmar que seus moradores encontram-se no setor informal, o que se observa é um estado de desemprego total, e a sobrevivência das famílias é garantida com a ajuda de vizinhos e da Associação de Moradores, segundo afirmou seu vice-presidente. Em relação à inserção econômica, observa-se nas favelas maior participação econômica entre as faixas etárias de 15 – 24 anos e menor participação entre as faixas de 25 – 49 anos. A participação das mulheres da favela é de 39,1% contra 43,7% na RMRJ. A explicação possível para as moradoras da favela, possuírem um percentual de participação na inserção econômica abaixo das mulheres da região metropolitana como um todo, é o fato de que pela sua baixa escolaridade, elas têm pouca opção no mercado de trabalho, ficando limitadas ao emprego doméstico, que pelas restrições econômicas da classe média, principal empregadora dessa categoria profissional, não conseguem emprego. Outra explicação é o exercício de atividade produtiva no próprio domicílio, ou em estabelecimentos de parentes. As taxas de desemprego são maiores nas favelas (12,3%) do que na RMRJ (5,4%).

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2.3. Impacto das transformações do trabalho na estrutura sócio-espacial Para Wacquant (1995), um novo cenário de desordem pública, tensões etno-raciais e o ressurgimento da desigualdade e da marginalidade nas metrópoles, surgiu na última década nos países do Primeiro Mundo. O pano de fundo desse cenário é a interseção do desemprego, da privação social e dos conflitos étnico-raciais com a pobreza, a imigração e a decadência urbana, que servem de "pilar de sustentação" para o surgimento, nos Estados Unidos, de uma "subclasse" negra , confinada em áreas decadentes e isoladas; e na Europa Ocidental, o aumento da "nova pobreza" confinada nos guetos americanos e banlieues franceses de imigrantes. Embora nas duas partes do mundo esses fenômenos se assemelhem, denotando, segundo o autor, um padrão de marginalidade urbana, eles são produzidos por lógicas diferentes, com heranças urbanas diferentes. A exclusão sócio-espacial do Black Belt americano segue a lógica racial, onde a raça significa a oposição negro/branco; no Red Belt francês, esses fenômenos associam-se às diferenças de classe, agravadas pela condição de imigrante das pessoas. Wacquant destaca ainda algumas particularidades dessas novas formas de exclusão social e marginalização - "a marginalidade avançada" - que se distinguem da pobreza urbana do período de crescimento fordista: •A

dissocialização do trabalho- perda da proteção trabalhista decorrente de uma maior

flexibilização do trabalho assalariado, transformando-o de solução contra a marginalidade urbana, em instável e heterogêneo; •A

marginalidade avançada tende a se concentrar em territórios definidos, não se

difunde por todas as áreas de concentração da classe trabalhadora, criando assim um estigma referente ao lugar, que se sobrepõe aos estigmas da pobreza e da raça já existentes. Esse estigma gera um sentimento de recusa à integração social com os vizinhos, e de vergonha de morar num local decadente. O processo de estigmatização territorial leva à dissolução do lugar enquanto local de identidade social e de experiências compartilhadas e de reciprocidade. Embora as relações sociais nos guetos e nos banlieues não tenham sido muito harmoniosas, a situação atual é mais opressiva. O gueto, até os anos 60, era um refúgio dos negros contra os brancos, atualmente é um espaço de disputa interna, um território perigoso de onde todos querem sair. Antes da reestruturação econômica, a maioria dos moradores do gueto era assalariada e podiam oferecer ajuda aos desempregados. Atualmente, a maioria dos residentes está desempregada, e a rede de amparo informal desapareceu; 118


• Outra

diferença da marginalidade avançada em relação às outras formas de

marginalidade, é a decomposição de classe, que surge como a desproletarização. Para Mingione, a polarização e a fragmentação são os principais instrumentos para interpretar as tendências contemporâneas de estratificação social. Nos países capitalistas avançados, a principal questão em relação à transformação contemporânea na estrutura de estratificação de classe1, é o impacto causado pela diminuição do número de trabalhadores assalariados na indústria, ao mesmo tempo em que aumenta os trabalhadores de "colarinho branco" e do setor de serviços, porém extremamente diversificados em termos de remuneração e condições de trabalho; e o crescimento de empregos temporários, ocasionais ou de tempo parcial. Desse modo, as estruturas sociais contemporâneas estão se diversificando, e concentrando as micro-tipologias sociais em dois pólos. Segundo Mingione, a questão central do debate não seria a composição da classe operária ou a presença de lealdades de classe, e sim o equilíbrio entre os segmentos do "núcleo" da classe operária que está decrescendo, sendo mais difícil de mobilizar e de organizar, e um setor diversificado, o da classe operária periférica, que se soma a uma população excedente numerosa e renovada. De modo geral, duas questões devem ser consideradas em relação ao problema da estratificação social: • Identificar

os trabalhadores ocasionais, temporários e mal pagos. Geralmente são

trabalhos realizados por mulheres casadas ou pensionistas, donas de casa, e que precisam complementar a renda, pois não apenas devem ser consideradas as mudanças na estrutura ocupacional, mas também as condições sócio-econômicas que se refletem nas condições de vida, como o aumento do custo de vida e da moradia; •A

fragmentação e a polarização devem ser consideradas além das condições de

emprego. O exército dos novos trabalhadores não está apenas polarizado, mas também diversificado internamente. De acordo com Preteceille, as variáveis descritivas da estrutura social, passam por transformações que colocam as classes sociais como ineficazes para explicar as evoluções sociais – diminuição do operariado, progressão das categorias médias e superiores assalariadas e do proletariado terciário. Essas mudanças colocam em “xeque” a posição das classes sociais como categorias analíticas para o fenômeno da segregação.

1

O sentido de estratificação social dado por Marx e Weber, não deriva de uma classificação dos indivíduos de acordo com sua posição baseada na renda e oportunidades disponíveis, e sim das relações sociais de propriedade e trabalho. Neste sentido, o conceito de classe social deriva do emprego e da distribuição de propriedade, como relações sociais que geram interesses diversos.

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Segundo o autor, atualmente existem duas posições teóricas opostas sobre a hipótese marxista do efeito estruturante da divisão do trabalho e das relações de produção, na definição das clivagens sociais. Na primeira, a economia ocupa uma posição menos importante na estratificação social, ou seja, as identidades sociais também são definidas pelos aspectos não econômicos. Os teóricos dessa posição são os neoweberianos como P. Saunders (1986), que defende a tese de que os elementos determinantes do status social são os modos de consumo e a propriedade da moradia. Para Pierre Bourdieu os elementos determinantes estão no “capital simbólico” e no “capital escolar”; e para R. Castel (1995), a crise da sociedade do trabalho excluiu parte da população do mundo do trabalho, tornando-os desafiliados. Na segunda, ressalta-se a importância dos fenômenos econômicos, como a crise do fordismo, a progressão do neoliberalismo, e a globalização. A posição no mercado de trabalho é uma variável fundamental na composição da estrutura social. Nesse sentido, o trabalho é o elemento de estruturação e funcionamento da sociedade. A estrutura social é compreendida como um espaço de posições sociais e um espaço de indivíduos dotados de atributos sociais desigualmente distribuídos (Desroisiéres, Goy e Thévenot, 1983 apud Ribeiro e Lago, 2000:175). Desse modo, a renda e a escolaridade do indivíduo se constituem em atributos fundamentais para sua inserção na hierarquia social. As mudanças econômicas, organizacionais e técnicas das condições de trabalho, abalam a estrutura cultural e política de uma identidade coletiva centrada no trabalho (Offe, 1989). Para Randolph e Lima (2000), “A exclusão social seria um conjunto de processos que afetam segmentos sociais,

impossibilitados de conseguir um lugar estável nas formas

dominantes de organização do trabalho e nos modos reconhecidos de pertencimento comunitário” (p.283). As tendências em curso, indicam clivagens e fragmentação dos trabalhadores. A crise na sociedade do trabalho tem como efeito direto a exclusão social, pois existe uma relação de causalidade entre ela e a perda de identidade social. Para Kowarick (2000), o modelo de crescimento econômico implantado no Brasil foi contraditório e excludente. As conseqüências sociais são a diminuição do consumo, a desorganização familiar e a violência urbana. Para compreender as comunidades minoritárias nas grandes cidades, Wilson (1987) desenvolveu a noção do “underclass”2 aplicado ao gueto negro americano. Segundo o autor, alguns bairros do centro das cidades sofreram a convergência de dois processos: o desemprego crescente devido à desindustrialização regional; e a deficiência de recursos 2

Termo utilizado para definir aqueles que se encontram em crônica e irreversível pobreza, com conduta e atitude resignada e falta de mobilização política e social.

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comunitários. Os guetos seriam bairros decadentes, que abrigam um bolsão residencial de negros que têm o mais baixo nível de renda, e as menores perspectivas de ascensão social. As características da população incluem a dependência da assistência previdenciária, os filhos ilegítimos e as gangues de rua. Para Wilson, os “underclass” seriam conseqüência da combinação da marginalização na Força de Trabalho, com a segregação da classe média negra, que deixa o gueto, privando as áreas centrais da diversidade das classes e das instituições sociais negras, que sustentavam a vida nos guetos. Outro “modelo” de segregação espacial é o dos enclaves étnicos, baseado na experiência dos imigrantes urbanos. A concentração dos imigrantes em bairros do centro das cidades é entendida como um recurso econômico, constituindo-se em fonte de mão-de-obra barata para os empresários étnicos, e um mercado para seus produtos (Wilson e Martim, 1992 apud Logan; Alba & Nulty, 1996). Nesse sentido, devemos refletir a partir dos seguintes contextos: 1. A polarização e a marginalização significam o desaparecimento de grupos de renda média? É uma interpretação construída a partir da evidência de mudança na economia dos Estados Unidos, mas extensiva a outros países pós-fordistas, que decorre da diminuição de parte dos empregos que geraram um nível de vida de classe média, com a passagem da manufatura tradicional para as indústrias de alta tecnologia e serviços. A economia industrial emprega grande número de trabalhadores bem pagos, mas a variedade de prestadores de serviços tende a baixar os salários. A desindustrialização, a reestruturação industrial e a reorganização de programas de bem-estar, produzem o declínio de trabalhos que oferecem salários que representam renda média ou acima da média. Na economia de serviços, a estrutura de emprego é muito polarizada, onde de um lado se encontram os empregos de alta remuneração, e de outro, várias formas de emprego mal remunerados, ocasionais, informais, temporários ou de tempo parcial. A tendência à polarização pode ser interpretada como conseqüência de uma transformação sócio-econômica, apoiada por políticas neoconservadoras de privatização, eliminação de programas de bem-estar, políticas anti-sindicais, etc. 2. A polarização social como oposição entre uma classe média próspera e um grupo marginalizado empobrecido. Basicamente, considera-se que a renda familiar contribui para melhorar as condições de vida de uma família, se contrapondo a famílias cujos membros estão sem emprego ou só um membro está empregado. Esta interpretação está apoiada em evidências como o aumento do pluriemprego, tanto por parte dos profissionais, como dos

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trabalhadores especializados e não especializados; a difusão do trabalho informal e o autoabastecimento, intensificado pelo desmantelamento dos programas de bem-estar social. A interpretação da polarização social sob a ótica ocupacional implica em conseqüências radicais em relação à ação sócio-política coletiva. A classe operária tradicional está dividida em dois setores que têm interesses diferentes. De um lado estão as famílias melhor estabelecidas, que possuem emprego fixo, propriedades e investimentos. Essas famílias não dependem da política pública de bem-estar social, pois possuem recursos para procurarem os serviços privatizados. De outro lado, estão as famílias desfavorecidas, que se encontram cada vez mais marginalizadas e politicamente isoladas. Não têm poder de reivindicação, pois se encontram dispersas e em situações variadas, não constituem um bloco coeso. Algumas transformações sociais, entretanto, não conduzem à polarização. É o caso do modelo da Terceira Itália, na região da Emília Romagna, e do Japão, onde existe uma melhor redistribuição de renda e de oportunidades, decorrente do aumento de atividades por conta própria, estruturadas sob a base da cooperação, o que minimiza as tendências polarizadoras (Mingione, op. cit.). No Japão e na Terceira Itália, a industrialização é caracterizada pela reciprocidade. No caso da Terceira Itália, a quantidade e qualidade dos novos empregos no setor de serviços, sejam eles independentes, assalariados ou em regime de sub-contratação, contribuem para uma estratificação social relativamente equilibrada e menos polarizada, pela importância da solidariedade nas relações. No caso do Japão, a reciprocidade se caracteriza ao nível do sistema econômico, da grande empresa ao papel da família, e a importância da lealdade em todas as relações econômico-sociais. No caso da América Latina, a introdução de novas formas de produção baseadas na flexibilização da economia e na terceirização da empresa, inseriu-a na economia globalizada. Essa reestruturação produziu impactos sociais e espaciais, traduzidos na emergência de novos padrões de segregação espacial (Lago, 2000). Para Lago (op. cit.), os novos padrões de segregação sócio-espacial podem ser analisados a partir da crise econômica e social dos anos 80. A autora destaca duas mudanças na conjuntura econômica brasileira, que tiveram efeito na configuração sócio-espacial das metrópoles brasileiras. A primeira foi a substituição das importações pelo investimento no setor exportador, dinamizando as cidades de médio porte, acarretando na perda da primazia das grandes metrópoles. A segunda foi o aumento da participação do setor financeiro da economia no investimento imobiliário, desencadeando a construção de shopping centers e edifícios de escritório. 122


No próximo item analisaremos o processo de formação das favelas, diante das transformações nas condições de acesso à moradia pelos pobres, e mudanças nas condições de trabalho. Na análise da evolução do estado de segmentação do espaço metropolitano do Rio de Janeiro, com base nos dados do Censo 1991, a partir da análise das diferenças dos perfis sócio-ocupacionais, Ribeiro & Lago (2000) observaram que o espaço é fortemente estruturado segundo a hierarquia sócio-ocupacional: forte relação entre estrutura social e divisão espacial. A noção de espaço encerra a idéia de diferença, de separação. O espaço é o conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras. Assim, Ribeiro & Lago (op. Cit) analisam a composição da estrutura social do conjunto das metrópoles, através de variáveis relativas à natureza e posição no mercado de trabalho. Os dois atributos fundamentais que determinam as chances de inserção dos indivíduos na hierarquia social são a renda (capital econômico) e educação (capital escolar). A organização da metrópole decorre das distâncias presentes na estrutura produtiva e no mercado de trabalho. A estrutura social segue as distâncias físicas: classes de alta renda concentradas nas áreas centrais, bem servidas de equipamentos e serviços urbanos, e as de menor renda nas áreas periféricas. No entanto, observa-se a presença de espaços médiosuperiores e médios em áreas periféricas, lócus da pobreza urbana. A presença de favelas nos espaços superiores centrais demonstra o modelo característico de segregação da cidade do Rio de Janeiro, que combina distância social com proximidade física, pois a relação entre as categorias populares e as superiores é de trabalho e não de vizinhança. Na análise da evolução da divisão social, Ribeiro (2001) observou que a estrutura sócio-espacial não apresenta traços de dualização; os espaços superiores aumentaram entre 1980 e 1991 em área e população. A população residente em espaços do tipo médiosuperiores também aumentou. Em geral, a literatura tem apontado a favela como o último elo da cadeia migratória dos pobres das cidades latino-americanas, iniciada nos cortiços; no caso do Rio de Janeiro, esse último elo seria o loteamento periférico. Se a nova categoria populacional, a segunda geração de migrantes, constitui uma demanda potencial de moradia (temos que verificar), pode-se concluir que a favela já não seria apenas a última etapa da trajetória residencial dos migrantes da década de 60, mas também a primeira etapa da trajetória de seus filhos. Os dados demonstram novas tendências no crescimento das favelas, creditado até a década de 70 à migração e passando a um crescimento natural nos anos recentes, formado-se uma nova

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demanda por moradias, que surge das favelas existentes. Estudo recente3, baseado nos dados do Censo IBGE – 2000, demonstra que as favelas cresceram entre 1991 e 2000, muito mais pelo crescimento vegetativo do que por migração.

3. As formas de Produção do Espaço e o Processo de Favelização Na cidade, coexistem várias formas de provisão da moradia: as que seguem a lógica do mercado (produção empresarial, autoprodução); e as formas híbridas, que correspondem à produção por encomenda, autoprodução parcial e para aluguel. As formas de produção constituem submercados distribuídos na cidade de forma hierarquizada segundo as condições, preços, qualidade habitacional e demanda4. Na cidade do Rio de Janeiro, Ribeiro (2001) identificou três submercados: a) Infranormal, caracterizado por se organizar em função da escassez absoluta de solo urbano e crédito. Seriam os loteamentos irregulares e clandestinos e as favelas; b) Normal, que corresponde a maior parte do que é ofertado. Prevalecem as formas híbridas de produção: por encomenda, para aluguel. A demanda é formada pelos segmentos médios da estrutura social. Espacialmente são as áreas intermediárias entre as periferias urbana e metropolitana e as áreas centrais; c) Superior, que corresponde à forma de produção empresarial. Espacialmente refere-se às áreas da Zona Sul e Barra da Tijuca. São áreas privilegiadas em termos de quantidade e qualidade do solo urbano, com acesso privilegiado às amenidades naturais.

3.1. O Processo de Ocupação a partir dos anos 80. Nesta abordagem, destacaremos a importância dos diferentes mecanismos de acesso ao solo e à moradia (invasão a custo zero, mercado imobiliário, mercado de alugueis, compartilho, entre outros) no processo atual de estruturação dos espaços de moradia e do crescimento do número de favelas nas áreas de expansão da cidade. A autoconstrução é a modalidade mais comum de provisão da moradia da população de baixa renda. Neste caso, o usuário compra o terreno ou invade terreno de terceiros, onde ele mesmo e/ou com a ajuda de vizinhos e parentes, constrói sua moradia. No entanto, essa forma de acesso à moradia tem encontrado barreiras que poderão retardar o processo de propriedade da moradia através da autoconstrução nas cidades do terceiro mundo. Para 3

Camarano A.,et. Allli (2004) In: Besserman & Cavallieri (2004) – “Nota Técnica sobre o Crescimento da População Favelada entre 1991 e 2000 na Cidade do Rio de Janeiro”. 4 Para uma discussão detalhada sobre as formas de produção de moradia, especificamente em referência à cidade do Rio de Janeiro, ver Ribeiro, L.C.Q., 1997.

124


Gilbert, A.(1998), a principal barreira diz respeito ao acesso ao solo pelos pobres, considerando que o processo de aquisição informal a custo zero está terminando, devido ao aumento da comercialização e do maior controle do Estado no mercado de terras.

Na

América Latina, os pobres obtinham terra através de invasões organizadas, ou pela compra de terra barata nos loteamentos clandestinos. Estes processos estão menos generalizados, predominando a comercialização ou mercantilização da moradia. Segundo Durand-Lasserve (1990), os mercados ilegais estão se expandindo: o crescimento deste submercado oferece um mecanismo de acesso ao solo e à moradia aos pobres, mais seguro e tolerado pelo poder público, porém para os mais pobres, praticamente não existe mais o acesso gratuito à terra. Tradicionalmente, as favelas ocupavam as áreas gradativamente, em um processo de crescimento em etapas. A característica freqüente era o traçado irregular das vias de acesso e distribuição dos lotes. A subdivisão de lotes configura o processo de adensamento, fazendo com que o acesso à favela seja através de becos e vielas tortuosas.

Rocinha – Vila Cruzeiro

125


Rocinha – Vila Cruzeiro

No Brasil as invasões coletivas organizadas surgem a partir dos anos 80. Essa mudança na forma de ocupação, e portanto, de estruturação do espaço favelado, é atribuída por alguns autores, segundo Valladares (1983), à política de abertura política e às conquistas dos movimentos sociais e de partidos políticos como o PDT e PT, a partir da década de 80. Para Coutinho (1997), o processo de ocupação na periferia metropolitana no final da década de 80 e início de 90, desencadeado pelos movimentos sociais, com apoio de políticos locais e da Igreja Católica, impulsionou uma mudança na configuração espacial dos assentamentos informais. Analisando o Projeto de Urbanização da Favela Vila Nova (Favela do Lixão) e a invasão conhecida como Ocupação São Bento, ambas no município de Duque de Caxias, a autora observou que a ocupação difere das favelas tradicionais em sua estrutura social e na organização do espaço. Em geral, são ocupados terrenos públicos, sem qualquer infra-estrutura, seguindo projeto que apresenta ruas com 10 a 12 m de largura e lotes de 200 m², ou seja, dentro das normas urbanísticas. Assim como ocorreu no Peru, com a Lei nº 13517/61, que reconheceu as favelas e criava favelas oficiais, observa-se no Rio de Janeiro, a partir da década de 80, a ocupação de terrenos de melhor qualidade, planos, mais fáceis de urbanizar, mais amplos e com boa 126


acessibilidade. Em Lima, as favelas planejadas surgiram quando algumas famílias invadiram terrenos reservados a equipamentos coletivos. Foram invasões organizadas e assessoradas por dirigentes, que fizeram o reconhecimento do local, verificaram o estatuto legal, reuniram as famílias interessadas, adquiriram material de construção, fixaram data e hora da ocupação. No entanto, o número de famílias foi bem maior do que o esperado. A solução para as famílias excedentes foi a relocação, pelo governo, em terreno a 29 km de Lima. A operação do governo consistiu na delimitação dos lotes, seguindo traçado regular e hierarquizado. A dotação de serviços urbanos só foi implantada anos mais tarde. No caso da cidade do Rio de Janeiro, Carvalho (1996) observou que na Favela Morro da Fé, localizada no bairro de Vila da Penha, no subúrbio carioca, a partir de 82 surgiu um novo setor, que foi ocupado de forma individual, com as famílias demarcando seus lotes. No entanto, havia também os que demarcavam vários lotes com intuito especulativo, apesar do controle feito pela Associação de Moradores em relação à entrada de novos moradores. O importante a destacar é que no novo setor, o padrão urbanístico diferia do restante da favela, com predominância de quadras e lotes retangulares, bem diferentes da parte mais antiga da favela – caótica e desordenada. A ocupação foi organizada por várias famílias, seguindo desenho prévio, formando quadras. Esse procedimento tinha a intenção de facilitar futuras intervenções públicas na infra-estrutura local. A parte recente da ocupação, neste caso, era homogênea quanto ao padrão de urbanização e habitacional. Em geral, a ocupação consiste em três etapas, segundo Carvalho (op. cit.): 1. Convocação – o movimento de bairro, composto por líderes comunitários e políticos locais, chama para o cadastramento; 2. Cadastramento – são cadastradas famílias que moram de aluguel em favelas ou cortiços; 3. Ocupação – é feita com respeito às regras do movimento de bairro e compromisso de não vender os lotes, que são distribuídos por sorteio. A problemática das favelas a partir dos anos 80 não se encerra no processo de consolidação. O período é marcado pelo aumento do número de invasões de terrenos, que apresentam novas características, mas que estão relacionadas à mesma problemática das favelas consolidadas. Ou seja, as invasões recentes têm estreita relação com a forma como as favelas antigas vêm se estruturando. Em relação à origem da população invasora, a pesquisa de Carvalho (op. cit.) revelou que a maior parte da população é de migrantes intra-urbanos (98,0%), sendo que 45% tinham como endereço anterior a própria favela, demonstrando que a expansão das favelas na década de 80 era um movimento intra-urbano e não de migração. 127


A autora também pesquisou a Favela Nova Aguiar, que surgiu em 1985, no bairro de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, fruto de invasão coletiva. Nessa ocupação, 43% são naturais da cidade. Em relação à moradia anterior, 20% vieram do mesmo bairro; 50% de outro bairro da mesma RA; 17% da RMRJ; 3% da mesma favela; 3% de bairros distantes e 7% de outras favelas, demonstrando que a maior parte dos moradores veio do mercado formal, seja da cidade do Rio de Janeiro, seja de outras cidades da região metropolitana. O principal motivo era a aquisição da casa própria, seja porque pagavam aluguel (44%), seja porque moravam com parentes (33%). O

resultado

encontrado

por

Carvalho (op. cit.) é confirmado pela nossa pesquisa. A tabela abaixo mostra a procedência dos moradores entrevistados:

Tabela 13 – Percentual de Chefes de Domicílio por Endereço Anterior

Favela

Mesmo Bairro

Mesma RA

RA RA próxima distante

Asa Branca

14,9

32,2

18,4

Verde é Vida

52,0

10,0

10,0

Mesma favela

RMRJ

Outras cidades do RJ

Outro estado

Não Resp.

Total

9,2

9,2

4,6

2,3

5,7

3,5

100,0

10,0

8,0

4,0

-

4,0

2,0

100,0

Observa-se que no caso de Asa Branca, 83,9% dos entrevistados são procedentes da cidade do Rio de Janeiro. Esse percentual sobe para 90,0% no caso de Verde é Vida. Em relação ao local de nascimento dos moradores dos casos pesquisados, encontramos em Asa Branca, 42,5% (37) naturais da cidade do Rio de Janeiro; 27,6% (24) naturais do interior do Estado do Rio; e 26,4% (23) que nasceram na Região Nordeste do país. A população entrevistada de Verde é Vida também possui maioria carioca (52,0%) (26); 26,0% (13) são nordestinos; e 20,0% (10) são naturais do interior do Estado do Rio, e 2,0% (1) da Região Norte. O importante a ressaltar é que 42,5% dos entrevistados em Asa Branca e 36,0% em Verde é Vida são provenientes de outras favelas da cidade, sendo que destes, aproximadamente 9,0% são provenientes da própria favela, demonstrando uma considerável mobilidade residencial inter e intra-favelas. Em Lima, Peru, também se observa a tendência das favelas recentes serem ocupadas por migrantes intra-urbanos. Na pesquisa de Arnillas (1983) apud Driant (1991), das 149 famílias pesquisadas, 53.7% são naturais de Lima e 78,5% moravam em outras favelas da cidade. 128


As pesquisas apontam que a maior parte das novas favelas é formada por moradores provenientes de outras favelas. A absorção dessa demanda se produz através da densificação das favelas antigas e invasão de terrenos precários. A reprodução se faz pela entrada dos membros da segunda geração no mercado de moradias. No Peru, os estudos sobre o desenvolvimento de favelas mostraram que as grandes favelas formadas nos anos 60 entravam em uma nova etapa de seu ciclo com o surgimento de novos mecanismos de acesso. Observamos em nossa pesquisa, diferenças no processo de ocupação das favelas objeto de estudo. A maioria dos entrevistados não soube responder como foi organizada a invasão nem quem a organizou (35,6% em Asa Branca e 62,0% em Verde é Vida). Dos que responderam em Asa Branca (56), 76,8% (43) disseram que a invasão foi coletiva, inclusive os doze entrevistados da invasão recente “Quinto dos Infernos”, organizada por pessoas conhecidas que moravam próximo ao local. No caso de Verde é Vida (19), 52,6% (10) responderam que a invasão foi individual/autônoma, o restante respondeu que ela foi organizada, também por pessoas que moravam próximo. Quanto aos que participaram da organização, encontramos apenas 21,8% dos nossos entrevistados em Asa Branca, e 12,0% em Verde é Vida. A maioria soube através de parentes e amigos. Diante da valorização das favelas consolidadas e da falta de programas habitacionais que garantam acesso à moradia à população de baixa renda, os segmentos mais pobres só teriam a opção de invadir terrenos para construção de um abrigo. Dos entrevistados em Asa Branca (87), 55 (63,2%) pagaram, 22 (25,3%) invadiram, 7 (8%) moravam em imóvel alugado e 2 (2,3%) em imóvel cedido. Em Verde é Vida, do total dos entrevistados (50), 28 (56,0%) pagaram pelo acesso a terra ou moradia; 20 (40,0%) ocuparam ou ganharam o lote ou moradia, 1 ganhou de herança do avô e 10 não responderam. Dos motivos para a ocupação, 49,6% citaram o acesso à moradia própria, ou porque moravam de aluguel, ou porque viviam com parentes ou em imóveis cedidos por parentes ou amigos. O que chama a atenção é que semelhante à Favela Morro da Fé citada na pesquisa de Carvalho (op. cit.), a maior parte (76%) veio de bairros com melhores condições urbanas. O quadro abaixo mostra os principais motivos para mudar para a favela:

129


Tabela 14 - Percentual dos Principais Motivos para Mudar para a Favela

FAVELA MOTIVOS

Asa Branca

Verde é Vida

Sair do Aluguel

26,4

48,0

Ciclo de Vida: casamento, separação,etc.

21,8

14,0

Morava em imóvel cedido

18,4

10,0

Fugir da Violência

8,0

4,0

Ficar próximo dos parentes

5,7

0

Acessibilidade ao local de trabalho

2,3

0

0

2,0

Acessibilidade ao mercado de trabalho

Como já mencionado, o principal motivo para terem mudado para a favela pesquisada, declarado pelos entrevistados, foi a possibilidade de aquisição da casa própria. Esse motivo foi mais valorizado pelos moradores da favela Verde é Vida (48,0%) do que pelos moradores da Favela Asa Branca (26,4%), que também destacou o ciclo de vida (2º motivo declarado nas duas favelas) como determinante na mudança de endereço (21,8%), indicando que a hipótese de desdobramento familiar na explicação para o surgimento de novas favelas, pode ser confirmada. Favela não é apenas função da crise de moradia (déficit habitacional), mas também função do processo de espoliação urbana, que impede o acesso à moradia pelos segmentos de baixa renda. Se somarmos os percentuais dos motivos apontados “sair do aluguel” e “morava em imóvel cedido”, em Asa Branca totalizaria 44,8% e em Verde é Vida, totalizaria 58,0%, temos que a grande maioria optou pela favela para ter acesso a uma moradia própria, seja ela em que condições for. A favela é uma etapa importante na trajetória residencial das famílias de baixa renda, fazendo parte, segundo Leeds & Leeds (1978), de uma estratégia de vida para as famílias, pois a opção pela favela não reflete apenas uma opção pelo imóvel/residência em si, mas também situações ligadas às estratégias de sobrevivência familiar, tais como a proximidade ao local de trabalho, ao mercado de trabalho, a parentes e amigos. Pois o “morar”, é segundo Gonçalves (1992), a conjunção de pelo menos três componentes básicos: casa, vizinhança e rede de sobrevivência. A casa é o espaço físico, interno da família; a vizinhança se estende para além dos limites da casa, e é delimitada pelo maior ou menor grau de amizade interpessoal ou inter-familiar. Os limites geográficos dependem da esfera relacional que 130


engloba os laços familiares de parentesco e compadrio, que se estendem para além casa. Mas a vizinhança pode estender-se à inserção/participação nos movimentos reivindicatórios, em comunidades religiosas, nas organizações de base e lutas populares. As redes de sobrevivência referem-se basicamente às relações criadas para a sobrevivência da família, especificamente no que se refere ao reforço da renda familiar. Para Carvalho (op. cit.), os pobres têm na favela a possibilidade de adquirir moradia com baixos investimentos em mão de obra e material de construção, próxima ao mercado de trabalho, incidindo em menores gastos com transporte. No entanto, verificamos que a acessibilidade ao trabalho teve peso menor que o esperado nas decisões dos entrevistados, apenas 2,3% em Asa Branca e 0% em Verde é Vida. Isso pode ser explicado pelo endereço anterior dos moradores. Em Asa Branca, 65,5% dos entrevistados moravam próximo à favela; em Verde é Vida esse número sobe para 72,0% dos casos, conforme pudemos observar na tabela 14. Para Turner (1968), as necessidades e prioridades dos pobres em relação à habitação variam de acordo com as situações e expectativas sociais. O problema habitacional não pode ser interpretado como déficit de moradias e localizações adequadas. O autor justifica a assertiva citando o exemplo do biscateiro e do assalariado mais ou menos estável. No primeiro caso, precisa morar próximo ao mercado de trabalho, pois como sua renda é muito baixa e irregular, não poderia perder tempo e dinheiro em deslocamentos casa-trabalho. No segundo caso, apesar da renda também ser baixa, possui um nível acima do biscateiro, e assim, tem mais alternativas de acesso, podendo gastar mais com transporte ou adquirir terrenos baratos para construir a casa, ou até mesmo pagar aluguel mais alto por moradia melhor. A localização é mais importante para o biscateiro do que para o assalariado, no entanto, para a família deste, a localização pode ser valorizada pelo acesso aos serviços públicos e equipamentos urbanos. A instabilidade no emprego faz com que a posse da moradia garanta maior segurança social, pois garante a redução das despesas familiares, mesmo que seja um barraco localizado em lote não urbanizado. Para Turner (1968), o setor mais pobre tem como prioridade a localização, enquanto que para os menos pobres, a maior prioridade é a segurança da posse com acesso aos equipamentos comunitários básicos. As favelas ao se desenvolverem progressivamente, constituem-se em forma de integração econômica. A verdadeira demanda das famílias de baixa renda é a terra e o equipamento comunitário. (Turner e Margin, 1968).

131


Os quadros abaixo revelam que a relação casa – equipamentos e serviços públicos não é desprezível na decisão de localização dos pobres.

Quadro 3 – Benefícios declarados sobre o endereço atual – Asa Branca 17%

18%

2% 12% 23%

4%

1% 23%

0%

Hospitais e/ou Postos de saúde Escolas públicas de nível fundamental e/ou creches Escolas públicas de nível secundário e/ou cursos técnicos Universidades e/ou faculdades Supermercados e comércio Áreas de lazer Igrejas e/ou Templos Outros Não informado

Observa-se que a proximidade à escolas públicas de nível fundamental e/ou creches (23%); à supermercados e comércio (23%); e à hospitais e/ou postos de saúde (18%), são os benefícios mais importantes declarados, quanto a atual localização residencial.

Quadro 4 – Benefícios declarados sobre o endereço atual – Verde é Vida

3%

9% 26%

9% 2%

28%

18% 2%

3%

Hospitais e/ou Postos de saúde Escolas públicas de nível fundamental e/ou creches Escolas públicas de nível secundário e/ou cursos técnicos Universidades e/ou faculdades Supermercados e comércio Áreas de lazer Igrejas e/ou Templos Outros Não informado

132


Em Verde é Vida, a proximidade a supermercados e comércio (28%) e a hospitais e/ou postos de saúde (26%), são mais valorizados, seguidos de escolas públicas de nível fundamental e/ou creches (18%). Segundo Harvey (1980), os efeitos redistributivos da mudança de localização de emprego e habitação dependem da relação entre acessibilidade e custo de proximidade. “A acessibilidade a oportunidades de emprego, recursos e serviços de bem-estar pode ser obtida somente por um preço, e esse preço é, geralmente, igualado ao custo de superar distâncias, de usar o tempo, etc.” (p. 45). Em função do crescimento das cidades, a forma espacial tende a mudar para atender a reorganização de localização de atividades. A ocorrência de inflexibilidade da forma espacial, gera desequilíbrio no sistema urbano. Por exemplo, a descentralização de oferta de emprego não é acompanhada pela oferta de moradias. Assim, o critério de localização mais importante para os pobres – a proximidade entre moradia e trabalho para minimizar custos de deslocamento – passa a não ter efeito. Essa é uma das possíveis explicações para o aumento do número de favelas/ocupações nas áreas de expansão urbana da cidade. Devido à inflexibilidade locacional na oferta de moradias para a população de baixa renda, esse segmento tem pouca oportunidade de acesso nas áreas de expansão urbana, mercado em ascensão para as camadas média e alta, ao mesmo tempo em que as opções nas áreas centrais e subúrbio estão cada vez mais restritas devido aos altos preços, inclusive nas favelas. Em nossa pesquisa, 49,0% dos chefes de família entrevistados, empregados, em Asa Branca, trabalham no mesmo bairro ou em bairro próximo à favela, sendo que destes 51,2% trabalham no mesmo bairro. Em Verde é Vida a relação casa-trabalho também se confirma, pois 50% dos chefes de família empregados, trabalham próximo à favela. No entanto, devemos considerar que a maior parte dos moradores das favelas estudadas, já residia anteriormente, próximo ao endereço atual.

3.2. Evolução da Estrutura Interna: consolidação e reprodução O processo de transformação/evolução do espaço interno das favelas possibilitou, a partir da década de 80, que estas se expandissem sob características peculiares, ou seja, seguindo um planejamento, com desenho pré-definido dos lotes. Esta é uma hipótese que pretendemos comprovar, e que se encontra diretamente relacionada ao que Santos (1993) já havia apontado, sobre a influência das transformações dos fatores políticos e sociais na estrutura urbana, e como eles têm relação com os comportamentos individuais dos agentes, ou seja, os espaços da cidade são ocupados/apropriados seguindo as especificidades dos 133


contextos econômicos, políticos e sociais. Santos (1993:34). Segundo este autor, as principais tendências identificadas nos últimos anos, foram os adensamentos das favelas consolidadas, as ocupações coletivas de áreas vazias e as favelas dos logradouros públicos (sob viadutos, ao longo dos canais e vias férreas), constituindo tipologias habitacionais distintas em função da forma de ocupação. O conceito de consolidação será trabalhado a partir dos trabalhos de Riofrío,G. (1987) e Driant, J-C (1991) sobre favelas em Lima, no Peru, que analisam o fenômeno através da densificação, ligada aos desdobramentos familiares; sua reprodução, com o surgimento de novas favelas; e a um conjunto de mudanças de interesse individual (regularização da propriedade, melhorias nas habitações, etc.), e de interesse coletivo (urbanização, surgimento de comércio, dotação de serviços). Em algumas favelas do Rio de Janeiro, observa-se também, a expansão em áreas nonaedificantis, mas com características de ocupação diferentes às da favela “original”, ou seja, seguindo os mesmos parâmetros das novas invasões. A consolidação implica em mudanças, que geram a heterogeneidade interna, pois as favelas passam de uma situação precária a uma maior estabilidade. Driant (op. Cit.), no entanto, não considera que essas mudanças produzam um sobre-valor no entorno e nas moradias, ou seja, elas não implicariam em valorização do espaço. Nossa tese é oposta a do autor, pois creditamos o aumento do número de favelas na periferia do município, justamente ao processo de consolidação observado em algumas favelas, significando um esgotamento das possibilidades de acesso a essa forma de moradia pelas camadas mais empobrecidas nas áreas centrais e nos subúrbios da cidade. Embora não tenha sido a maioria, boa parte dos entrevistados (46,7%), vieram de outras favelas. Analisando o caso de São Paulo, Taschner (1995) identificou que os motivos do crescimento repentino das favelas foram a necessidade de sair do aluguel, face à redução da renda real e o aumento do desemprego; o crescimento vegetativo e formação de novas famílias; e a imagem atual da favela, beneficiada pelas melhorias na oferta de serviços públicos, atraindo maior demanda. Para a autora, existem algumas mudanças na formação das favelas nos últimos anos. A principal delas está na forma de ocupação, antes caracterizada pelas invasões, e que no final da década de 80 observa-se a tendência ao mercado, ou seja, as famílias têm que pagar pelo “lote”. As características da moradia também evoluíram. Em São Paulo, entre 1980 e 1987, o percentual de moradias em alvenaria subiu de 2,4% para 50,5%, e em 1993 sobe para 74,2%, o que significa conquista de maior segurança quanto à permanência na favela, devido às 134


mudanças nas políticas habitacionais. Observa-se também um aumento na utilização de lajes, que passam de 7,0% em 1987, para 24,5% em 1993, aumentando a possibilidade de verticalização. O processo de autoconstrução é lento e descontínuo, devido ao alto custo da construção para famílias com recursos tão escassos. Muitas vezes, saem dos imóveis alugados com o intuito de empregar o dinheiro do aluguel na construção. Assim, substituem a casa alugada por um cômodo na casa de parentes. Além disso, reúnem outros recursos como o FGTS, o 13º salário, venda de férias, biscates. A mão de obra remunerada, através de contratação, só é utilizada nas etapas mais específicas, que exijam especialização, como a fundação, colocação de laje, instalações elétrica e hidráulica. Em nossa pesquisa, observamos a continuidade dessa tendência, tanto na Favela de Asa Branca, quanto em Verde é Vida, apresentados em 77,4% dos casos (22,6% não responderam), conforme tabela abaixo:

Tabela 15 – Forma de Construção da Moradia Autoconstrução

Autoc. C/ ajuda de familiares e/ou amigos

Contratou mão-de obra

Contratação Parcial

Outro

Total

Asa Branca

55,1% (38)

29,0% (20)

10,1% (7)

2,5% (2)

2,9% (2)

79,3% (69)

Verde é Vida

51,3% (19)

8,1% (3)

32,4% (12)

8,1% (3)

-

74,0% (37)

Total

41,6% (57)

16,8% (23)

13,9% (19)

3,6% (5)

1,4% (2)

77,4% (106)

Favela

A autoconstrução é a forma de construção mais importante, seja sozinho ou com ajuda de parentes e/ou amigos, em Asa Branca ela soma 84,1% da modalidade de construção da moradia dos entrevistados. Em Verde é Vida destaca-se a autoconstrução sem ajuda e também a contratação de mão-de-obra. O resultado encontrado em Verde é Vida surpreende, já que na avaliação do tipo de relação de vizinhança existente nas favelas pesquisadas, esta revelou um percentual no mutirão para construção de moradias superior à primeira, conforme observaremos mais adiante. No caso pesquisado por Beozzo de Lima (1979), os trabalhadores remunerados eram pessoas que também estavam construindo, geralmente desempregados, que aproveitavam a oportunidade para ganhar algum dinheiro. Mas na maioria dos casos, eram trabalhadores que faziam parte de alguma rede de solidariedade organizada, formada por parentes e amigos que estavam dispostos a ajudar, contando com ajuda recíproca no futuro. Os quadros abaixo revelam o tipo de cooperação entre os vizinhos: 135


Quadro 5– Relações de Vizinhança – Favela Asa Branca

Qual o tipo de cooperação entre os seus vizinhos atuais? 8%

18% 8%

37%

11%

9% 9% Ajuda através de mães-crecheiras Mutirão nos serviços de infra-estrutura Mutirão na construção de moradias Ajuda no sustento dos mais carentes Todos os itens anteriores Outro Não informado

Em Asa Branca, o mutirão nos serviços de infra-estrutura é o mais recorrente. Observamos que a maioria das ruas da favela é pavimentada e possuem canalização de esgoto, executados pelos moradores.

Quadro 6 - Relações de Vizinhança – Favela Verde é Vida

Qual o tipo de cooperação entre os seus vizinhos atuais? 8% 6%

11%

5%

50% 20% Ajuda através de mães-crecheiras Mutirão nos serviços de infra-estrutura Mutirão na construção de moradias Ajuda no sustento dos mais carentes Outro Não informado

136


Em Verde é Vida, o mutirão nos serviços de infra-estrutura também foi muito citado, no entanto, observaremos mais adiante, que toda a favela é carente desse tipo de serviço. Ao serem questionados sobre o relacionamento com os vizinhos, 83,0% em Asa Branca e 56,0% em Verde é Vida, declararam ter relações de amizade e solidariedade. A maior parte dos amigos no bairro, surgiu de relações de vizinhança, 85,0% em Asa Branca e 67,0% em Verde é Vida. Com a mobilização interna para as obras de melhoria, houve necessidade de organização dos trabalhos e das relações sociais, através de normas que permitissem o controle das práticas sociais e econômicas que ocorriam no interior da favela. Criou-se um sistema de controle do uso e ocupação do solo, e do crescente mercado imobiliário informal, através das Associações de Moradores, que passaram a atuar como “prefeituras” locais e cartórios. Cabia às associações promover e fiscalizar pequenas obras de infra-estrutura, providenciar médicos para atendimento em sua sede, resolver conflitos entre moradores e realizar transações imobiliárias de compra, venda, doações, aluguel, partilhas de imóveis, cessão e venda de lajes e cômodos, incluindo licenças para ampliações e reformas. (Carvalho, 1996). O enfoque da habitação como elemento fundamental da reprodução da força de trabalho, permite vincular o processo de expansão da metrópole à dinâmica de reprodução do capital. (Bonduki,1979). A poupança necessária para a construção e/ou compra do terreno ou moradia, advém, principalmente, da extensão da jornada de trabalho, do uso da poupança compulsória do FGTS, e da inserção de vários membros da família no mercado de trabalho. Nas favelas de Asa Branca e Verde é Vida constatamos que a maior parte dos que adquiriram o imóvel através da compra, o fizeram à vista (79,4% dos casos, sendo que destes, 78,0% em Asa Branca e 82,6% em Verde é Vida). O restante foi através de financiamento feito pela Associação de Moradores, troca ou herança. Na maior parte das vezes, o trabalhador “provoca” sua própria demissão, para poder construir sua casa. Isso cria uma situação de instabilidade, devido à alta rotatividade no trabalho. Ao invés de utilizar o FGTS como garantia de sobrevivência em períodos de desemprego, o trabalhador o inclui no seu cotidiano custo de reprodução. (Bonduki & Rolnik, 1979). A importância da rede de solidariedade foi observada em Perlman (1977), onde quase 2/3 dos migrantes que foram morar em favelas, conseguiram seu primeiro emprego através da ajuda de amigos ou parentes. A maioria se empregou como empregado não qualificado e doméstica. 137


A valorização do espaço estaria associada à duas tendências: uma de ordem mais geral conferida pela sua localização no núcleo urbano e, assim, sujeita ao processo de disputa e conseqüente valorização das áreas centrais da cidade, privilegiada em comparação às alternativas habitacionais da periferia; outra associada às melhorias realizadas pelos moradores que transformaram o local e a moradia. A valorização da moradia decorrente das melhorias empreendidas pela população e pelo poder público, se manifesta tanto em função do que a moradia representa para a reprodução da família, quanto em função de sua transformação em ativo monetário. (Oliveira, 1985). As transformações no ambiente construído das favelas, tais como, a melhoria do padrão dos imóveis, desenvolvimento de comércio e serviços e urbanização, colocam em questão a representação tradicional da favela como o lócus da pobreza. Um dos componentes da consolidação das favelas é a dotação de serviços. Analisando os domicílios em favelas, quanto à infra-estrutura básica, nos três bairros distintos, segundo o critério de favelas em área consolidada de classe media alta (Copacabana); favelas em área de expansão urbana (Jacarepaguá); e, favelas em área não consolidada e de favelização recente (Senador Camará), observamos três situações distintas no que se refere a abastecimento de água, esgotamento sanitário e destino do lixo, para as três áreas, conforme mostram as tabelas abaixo:

Tabela 16 - Percentual de Domicílios por Tipo de Abastecimento de Água, em setores subnormais (favelas), segundo bairros - 2000 Bairro

Total (abs.)

Copacabana

2380 18467 9547

Jacarepaguá S. Camará

Rede Can. Rede Can. Poço Can. Poço Can. Poço nãoDom. Terreno Dom. Terreno Canaliz.

97,4 91,2 84,7

1,5 3,8 4,5

0 1,1 0,1

0 0,1 0

0 0,2 0,1

Outra Forma

Total

1,0 3,6 10,5

100,0 100,0 100,0

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

Em relação ao abastecimento de água, as favelas em Jacarepaguá e Copacabana, embora inseridas em bairros diferentes na sua forma de estruturação urbana e composição demográfica, apresentam equilíbrio no atendimento desse serviço. Quanto ao tipo de esgotamento sanitário, encontramos grande desequilíbrio entre as áreas. As favelas localizadas em Jacarepaguá e Senador Camará apresentam grandes deficiências no atendimento desse serviço, conforme demonstra a tabela abaixo:

138


Tabela 17 - Percentual de Domicílios por Tipo de Esgotamento Sanitário, em setores subnormais (favelas), segundo bairros - 2000 Bairro

Total (abs.)

Rede Geral

Fossa Séptica

Fossa Rudim.

Vala

Rio/Lago Mar

Copacabana

2380 18467 9547

96,6 38,0 51,1

0,5 13,0 33,5

0 8,4 1,7

1,2 20,7 10,7

0 18,5 1,7

Jacarepaguá S. Camará

Outro Escoad.

Sem Esgotam.

Total

1,5 1,2 1,1

100,0 100,0 100,0

0,1 0,2 0,2

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

Como já era previsto, Senador Camará apresenta certa precariedade no atendimento desse serviço nas favelas do bairro. Por outro lado, elas são bem atendidas quanto à coleta de lixo, em relação às outras áreas, conforme mostra a tabela abaixo:

Tabela 18 - Percentual de Domicílios por Tipo de Destino do Lixo, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros - 2000 Bairro

Copacabana Jacarepaguá S. Camará

Total (abs.)

2380 18467 9547

Coletado Coletado Porta/porta Caçamba

18,4 52,9 91,1

81,0 45,0 6,4

Queimado

Enterrado

Jogado Terreno

0 0,4 0,7

0 0 0

Jogado Rio/lago Mar

Outro Destino

Total

0 0,6 0,1

0 0 0,1

100,0 100,0 100,0

0,6 1,1 1,5

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

Em Copacabana, a maior parte do lixo é coletada em caçamba, pois são favelas formadas por becos e vielas, localizadas em áreas íngremes, de difícil acesso aos caminhões da Comlurb - Companhia Municipal de Limpeza Urbana. Nessas comunidades, a coleta é feita através de caçambas, colocadas em locais estratégicos para posterior recolhimento pela Comlurb. Em Jacarepaguá também é alto o índice de lixo coletado em caçamba nas favelas do bairro. No entanto, observamos que essa é uma modalidade utilizada no bairro em geral, segundo dados da prefeitura, apenas 63,9% do lixo domiciliar do bairro é coletado pelo serviço de limpeza; 33,6% é coletado em caçamba; 0,98% é queimado; 0,04% é enterrado; 1,08% é jogado em terreno baldio; e 0,37% é jogado em rio, lago ou mar. O alto índice de coleta de lixo porta a porta apresentado em Senador Câmara, pode ser explicado pelo fato de que as favelas são localizadas em local de fácil acesso, e o bairro como um todo ser bem atendido nesse serviço, pois 91,94% dos domicílios são atendidos pela coleta do serviço de limpeza urbana. 139


Para Preteceille e Valladares (2000), essas transformações também servem de parâmetros indicativos da diversidade das favelas. Os autores analisaram os 1.117 setores censitários de favelas, constatando as diversidades existentes, principalmente em relação à dotação de infra-estrutura básica e à composição social. As tabelas abaixo comparam favelas consolidadas5 nos bairros acima analisados, com as do nosso estudo de caso, em relação à infra-estrutura básica.

Tabela 19 - Percentual de Domicílios por Tipo de Abastecimento de Água, em Favelas selecionadas - 2000 Favela

Total (abs.)

Morro do Sossego

113 1273 5444 567 121

Pavão-Pavãozinho Rio das Pedras Asa Branca Verde é Vida

Rede Can. Rede Can. Poço Can. Poço Can. Poço nãoDom. Terreno Dom. Terreno Canaliz.

78,8 96,1 92,8 97,5 37,2

0 2,7 6,3 1,9 19,8

0 0 0,1 0,2 0

0 0 0,1 0 0

0 0 0 0 0,8

Outra Forma

Total

21,2 1,1 0,7 0,3 42,1

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

Em relação ao abastecimento de água, Asa Branca apresenta o mesmo resultado das favelas consolidadas – Pavão-Pavãozinho e Rio das Pedras, ou seja, a maior parte dos domicílios é atendida

por rede canalizada. Esse fato tem relação com a localização

privilegiada das comunidades, totalmente inseridas na malha urbana; por serem, no caso de Asa Branca e Rio das Pedras, favelas planas; e também pode ter relação com o grau de mobilização da comunidade, no sentido de reivindicarem o serviço junto aos Órgãos Públicos e/ou o implantarem através de mutirão comunitário. As favelas Morro do Sossego e Verde é Vida, localizadas em Senador Camará, apresentam menor taxa de domicílios com rede canalizada, devido a sua topografia íngreme, exigindo instalação de bombas de recalque. A implantação do sistema de bombeamento é oneroso para essas comunidades, de perfil demográfico bastante carente. A tabela abaixo apresenta o percentual de domicílios por tipo de esgotamento sanitário, nas favelas selecionadas e nas dos estudos de caso.

5

Foi selecionada 1(uma) favela de cada bairro objeto da pesquisa , e aleatóriamente, 1 (uma) favela consolidada de um bairro consolidado da cidade.

140


Tabela 20 - Percentual de Domicílios por Tipo de Esgotamento Sanitário, em Favelas selecionadas - 2000 Favela

Total (abs.)

Rede Geral

Fossa Séptica

Fossa Rudim.

Vala

Rio/Lago Mar

Morro do Sossego

113 1273 5444 567 121

92,0 96,0 53,4 40,7 77,7

1,8 0,5 0,9 54,8 8,3

0 0 14,0 0,2 0

0,9 1,4 25,8 2 0,8

0,9 0 6,6 2,3 0

Pavão-Pavãozinho Rio das Pedras Asa Branca Verde é Vida

Outro Escoad.

Sem Esgotam.

Total

3,5 2,0 0,4 1,4 9,9

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

0,9 0 0 0,5 3,3

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

Observa-se que Morro do Sossego e Pavão-Pavãozinho são as que apresentam maior percentual nas ligações à rede geral. Em relação à segunda favela, isso deve-se ao fato de ser uma favela atendida pelo Programa Favela-Bairro, que supriu a deficiência da comunidade no atendimento desse serviço. No caso de Morro do Sossego, provavelmente, sua localização deve ser bem atendida nesse serviço, já que Verde é Vida, localizada em área contígua à favela, também apresenta um percentual comparativamente maior em relação à Asa Branca e Rio das Pedras. Esta última, apesar de também estar sendo objeto de intervenção do Programa Favela-Bairro, apresenta baixo atendimento aos domicílios no esgotamento sanitário ligados à rede geral. A explicação pode estar no fato de que o bairro de Jacarepaguá, onde localiza-se a favela e também Asa Branca, apresenta deficiências no atendimento desse serviço de forma geral. No bairro, apenas 44,8% dos domicílios estão ligados à rede geral; 15,9% são atendidos por fossas sépticas; 6,2%, por fossa rudimentar; 16,2% dos domicílios lançam o esgoto em rio, lago ou mar; e 2,4% o fazem por outro escoamento ou não possuem esgotamento algum. Em relação ao destino do lixo, observa-se que as favelas recentes têm melhor atendimento do que as consolidadas.

Tabela 21 - Percentual de Domicílios por Tipo de Destino do Lixo, em setores sub-normais (favelas), segundo bairros - 2000 Favela

Morro do Sossego Pavão-Pavãozinho Rio das Pedras Asa Branca Verde é Vida

Total (abs.)

Coletado Porta/porta

Coletado Caçamba

Queimado

113 1273 5444 567 121

30,1 5,9 51,3 99,6 100,0

69,9 92,8 47,7 0,4 0

0 0,1 0 0 0

Enterrado

Jogado Terreno

0 0 0 0 0

0 1,2 0,9 0 0

Jogado Rio/lago Mar

0 0 0 0 0

Outro Destino

Total

0 0 0 0 0

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos/PMRJ / IBGE – Censo Demográfico 2000

141


O fato de Asa Branca e Verde é Vida apresentarem os maiores índices de recolhimento de lixo porta à porta, deve-se à facilidade de acesso em relação às vias de tráfego, e também contam com os serviços de garis comunitários. Pavão-Pavãozinho e Morro do Sossego, pela topografia íngreme, dificulta o acesso dos caminhões da Comlurb. Rio das Pedras, apesar de plana, é uma comunidade muito grande, que ainda tenta se adaptar às intervenções do FavelaBairro, com a implantação dos garis comunitários. No processo de valorização do espaço interno da favela, os setores da classe média baixa passaram a ter acesso à favela por “filtragem descendente”, ou seja, a perda do poder aquisitivo e a instabilidade da renda desse segmento social o levam a encontrar na favela a possibilidade de adquirir imóveis sem as restrições legais impostas pelo mercado formal. Outra conseqüência da valorização interna da favela é o aumento no valor dos aluguéis. (Carvalho, 1996). A pesquisa realizada na Favela do Jacarezinho por Souto de Oliveira (op. cit.), revela a evolução dos preços dos imóveis ao longo do tempo, em função das melhorias do padrão habitacional, destacando a diferenciação existente intra-favela devido à localização do imóvel em relação ao comércio local, acessibilidade ao bairro, etc.

Quadro 7 - Padrão Construtivo das Moradias em Asa Branca Alvenaria com laje

Padrão Construtivo

Alvenaria sem laje

10%

Barraco de Madeira

1%

Barraco de Taipa

9%

80%

Quadro 8 - Padrão Construtivo das Moradias em Verde é Vida Alvenaria com laje

Padrão Construtivo

Alvenaria sem laje Barraco de Madeira

18%

4%

Misto

38%

40%

142


Uma conseqüência do processo de valorização dos imóveis é a concorrência entre a população pela posse dos barracos e casas. Assim, as favelas, principalmente as melhores localizadas, deixam de ser opção de moradia para determinado segmento da população. O trabalho de Riofrío e outros autores se dedicou à análise do processo de reprodução das favelas na América Latina, basicamente decorrente do desdobramento familiar. O processo de formação das favelas obedeceria quatro etapas: 1. A que precede a formação – iniciativa e organização da ocupação do terreno, que pode ser resultado da organização de famílias, da iniciativa do poder público, de políticos locais, ou a conjunção de todos eles. 2. A ocupação do terreno de forma violenta e ilegal, ou ordenada e organizada pelo estado ou associações. 3. Edificação da moradia, iniciada de forma precária e provisória e termina com a regularização. 4. Consolidação, que significa a evolução da favela, tanto física, demográfica e administrativamente. Tomando essa periodização como referência, algumas mudanças podem ser evidenciadas, a partir da década de 80, em relação à estruturação do espaço favelado, no Brasil (Taschner, 2003): •

O padrão de moradias – de madeira e sem serviços, para alvenaria e dotadas de água, luz, esgoto e coleta de lixo;

Acesso à moradia – do acesso à custo zero, a residência tinha apenas valor de uso, para crescente mercantilização e a residência passou a ter também valor de troca;

Políticas de intervenção – da remoção/erradicação para urbanização e regularização;

Desenho urbano – as favelas vêm se verticalizando e apresentando traçado regular dos lotes;

Diferenciação sócio-espacial intra-favela – a heterogeneidade nas grandes favelas;

Narcotráfico – implicou em mudanças na estrutura social da favela, com a imposição de poder paralelo, do medo e do retorno da figura do marginal associada ao morador;

Tempo de moradia – a favela deixa de ser local de passagem e passa a ser parte integrante e estrutural da cidade brasileira.

143


Os novos fenômenos (densificação e formação) são produto da dinâmica demográfica, social, política e espacial, cujo ponto de partida coincide com a aceleração do crescimento urbano. È preciso compreender essa dinâmica, para se entender os novos fenômenos de continuidade na formação de favelas na cidade.

144


4. Requalificação da Favela: uma revisão dos conceitos Nesse item discutiremos, em primeiro lugar, as diferenças e similaridades entre os dois Estudos de Caso – favelas de Asa Branca e Verde é Vida, para avaliarmos em que medida houve ou não alterações na configuração espacial e forma de acesso às favelas a partir dos anos 80, e se essas alterações, caso tenham ocorrido, podem ser consideradas hegemônicas, ou seja, ocorreram de forma dominante em todas as áreas da periferia do Rio de Janeiro. Em seguida, apresentaremos um resumo da evolução da noção de favela, desenvolvida, ao longo do tempo, por órgãos oficiais de estudo e pesquisa e de políticas públicas e pesquisadores acadêmicos, com o objetivo de confronta-las com a realidade atual. Acrescentaremos à abordagem brasileira, uma breve comparação com estudos desenvolvidos em algumas cidades latino-americanas, com o intuito de identificar similaridades e diferenças. Na maioria das cidades latino-americanas, o acesso à terra urbana pelos pobres se dá através da informalidade fundiária e urbanística. No caso argentino, por exemplo, os novos “assentamentos” ou invasões de terra urbana que surgiram nos anos 80 e 90, se distinguem dos antigos pelo traçado urbano regular e planejado, tais como os dos loteamentos regulares. As ocupações são decididas e organizadas coletivamente e objetivam a regularização futura. Nesse sentido, se assemelham às tendências recentes observadas na cidade do Rio de Janeiro. No Peru, desde a década de 60, as favelas foram interpretadas como uma forma de crescimento da cidade, buscando-se conhecer a dinâmica de seu crescimento. Ao contrário do Brasil, nas décadas de 60 e 70, elas eram reconhecidas pelo governo e dotadas de infraestrutura. O interesse na abordagem da forma de ocupação e estruturação desses assentamentos nos dias de hoje, comparando-os com o Brasil, está centrado nas peculiaridades em relação à postura do governo frente ao surgimento e expansão dessa forma de acesso à terra e moradia pelos pobres urbanos.

4.1. Similaridades e diferenças entre as favelas: os casos de Asa Branca e Verde é Vida A literatura tem apontado que a noção de favela está relacionada a sua imagem externa. Essa imagem, geralmente interpreta a favela como lugar homogêneo, solução habitacional dos pobres e expressão das contradições urbanas e de articulação da força de trabalho na produção capitalista. Estudos de Valladares e Preteceille (1999), baseados nos setores censitários da cidade do Rio de Janeiro, revelaram a existência de grande heterogeneidade social nos assentamentos

145


ilegais ou irregulares, e identificaram características semelhantes aos demais assentamentos populares no que se refere à concentração da pobreza e qualidade da urbanização. O processo de diferenciação inter e intrafavelas é determinado por duas dinâmicas. A primeira diz respeito à valorização imobiliária de favelas localizadas em áreas da cidade que receberam investimentos públicos; e a segunda decorre dos investimentos realizados na favela, seja pelos programas governamentais, seja pelas melhorias realizadas pela própria comunidade. Os principais elementos indicativos de sua diversidade são a localização na cidade, relevo do terreno, grau de consolidação, verticalização, nível dos equipamentos urbanos e serviços, etc. Essas diferenças são identificadas no discurso do morador. Em Asa Branca, 67,8% (59) do total dos entrevistados (87), definem o lugar onde moram como comunidade, e apenas 10,3% (9), o definem como favela. Já em Verde é Vida, a maioria (52,0%), que corresponde a 26 moradores do total de 50 entrevistados, consideram seu lugar de moradia como favela, contra 36,0% (18) que o consideram comunidade. Ao serem questionados sobre o significado de favela, observamos no discurso dos moradores das duas áreas, tanto os que se referiram a seu lugar de moradia como favela , quanto aos que se referiram a ele como comunidade, muita semelhança na definição. Basicamente sobressaem expressões como lugar desordenado, com alta densidade, formado por vielas e becos, que tornam impossível a passagem de carro. Em referência ao lugar, também é constante a palavra violência, lugar da violência, do tráfico de drogas, da boca de fumo. À semelhança das definições presentes na Teoria da Marginalidade da década de 60, muitos moradores definiram favela como lugar de moradia de bandidos, vagabundos, gente promíscua e ignorante, para qualificar também a sua própria favela. Em Asa Branca, não existe tráfico de drogas. O controle da violência é feito por um “matador” que não é o líder da comunidade, mas uma espécie de segurança e mantenedor da paz local; já em Verde é Vida, a presença do tráfico impõe restrições às melhorias internas na favela, pois a Associação de Moradores fica enfraquecida, à mercê do domínio dos bandidos. Na definição também é recorrente a referência ao padrão habitacional, ao relacionarem favela a existência de barracos de madeira. O que chama a atenção, é que este discurso também pertence aos que moram em Verde é Vida, ocupação que difere de Asa Branca pelo traçado irregular, seus becos e barracos de madeira, justificando o reconhecimento do lugar como favela, pela maioria dos entrevistados. Observamos desse modo, que a imagem que os “de fora” têm da favela, e que

146


até então contribuiu para a construção de conceitos, também é compartilhada pelos moradores da Favela Verde é Vida. O olhar da cidade pelo morador da favela, ultrapassa a fronteira favela/centro, e percebe-se a sua experiência urbana e sua interação com a cidade, sua forma de apropriação da cidade. Os moradores da favela ao falarem do seu cotidiano, tentam desmistificar a imagem que os de fora têm da favela: lugar da violência, da criminalidade, dos pobres (Silva & Souza, 2001). Segundo Silva e Souza (op.cit.), “Falar do seu lugar é uma forma do pobre construir a sua imagem, o seu referencial, na desconstrução de um discurso oficial”(p. 976). “A favela traz toda a problemática da construção da cidade moderna, mas a desconstrução da imagem oficial é no sentido de marcar que ela não é o problema da modernidade, mas é também fruto de sua contradição. Assim, a favela é parte dessa construção urbana não compatibilizada” (p. 975-976). Em Asa Branca, ao desmistificarem o olhar externo, definem a sua imagem, constroem sua identidade, constroem a favela para além das representações externas. Ao falarem do seu lugar, os pobres desconstroem o discurso oficial. Em Verde é Vida não, eles reproduzem a visão externa, se identificam com ela. No caso de Asa Branca, os moradores vêem a favela no outro; no caso de Verde é Vida, reconhecem que o lugar onde moram é o lugar descrito na definição, ou seja, é favela. As favelas sempre foram vistas, pelo senso comum e pela Teoria da Marginalidade, como “imundas e insalubres”, lugar da desordem social, da desintegração familiar, da anomia, do crime, da violência, da promiscuidade. Hoje essa imagem ainda persiste, principalmente pela presença do tráfico de drogas. No entanto, olhando nossos resultados e estudos precedentes e em curso, devemos reconhecer que há um esforço, tanto dos moradores, quanto do Poder Público, através de Programas de Intervenção como o Favela-Bairro, Bairrinho, Grandes Favelas, etc., em superar essa imagem. Identificaremos agora as diferenças e semelhanças entre as duas favelas estudadas, a partir de dois eixos paradigmáticos para análise das características desses assentamentos habitacionais: os aspectos sócio-econômicos e demográficos e a estruturação espacial.

1. Aspectos Sócio-econômicos e demográficos No que se refere à composição domiciliar, encontramos similaridade entre as favelas estudadas. Tanto em Asa Branca, quanto em Verde é Vida, predominam o tipo familiar casal com filhos (50,0% dos casos). O segundo tipo familiar mais encontrado é o de mulher chefe – sem cônjuge – com filhos. Em Asa Branca, esse tipo familiar soma 17,0% e em Verde é Vida, 147


12,0%. Essa última possui um diferencial em relação à primeira, no que se refere à família unipessoal. Em Verde é Vida, elas somam 12,0%, enquanto em Asa Branca, não chegam a 3,0%. No total, o percentual de domicílios chefiados por mulheres é maior em Verde é Vida (26%); em Asa Branca eles estão em torno de 20%. Em relação à composição etária dos moradores, Verde é Vida concentra um número maior de crianças de até 9 anos de idade do que Asa Branca. Nas faixas entre 10 e 19 anos e entre 20 e 29 anos, apresentam equilíbrio, demonstrando que a composição das favelas recentes é de famílias jovens, com filhos pequenos, de certo modo confirmando a tese da segunda geração de moradores de favelas, já que encontramos em Asa Branca (42,5%) e em Verde é Vida (36,0%), moradores provenientes de outras favelas da cidade, com histórias de vida semelhantes em relação à origem de seus familiares. Quanto à escolaridade, observa-se equilíbrio entre os dois casos. Tanto Asa Branca, quanto Verde é Vida concentram chefes de domicílio com nível de escolaridade entre 2 e 5 anos de estudo, correspondendo a mesma faixa de escolaridade encontrada nos responsáveis pelo domicílio de todas as favelas localizadas nos bairros de Jacarepaguá e Senador Camará, respectivamente. Apesar do equilíbrio no nível de escolaridade entre as favelas estudadas, há bastante diversidade no nível de renda dos responsáveis pelos domicílios. No caso de Asa Branca, o rendimento nominal dos chefes de domicílio é muito superior aos da Favela Verde é Vida, que apresenta alto percentual de chefes de domicílio sem rendimento. Isso se deve, em primeiro lugar, ao fato da taxa de desemprego em Asa Branca ser menor (46%) do que em Verde é Vida (53%); e também porque encontramos um número maior de responsáveis pelos domicílios no mercado de trabalho informal em Asa Branca. Em segundo lugar, o nível de renda dos chefes de domicílio de todas as favelas localizadas no bairro de Senador Camará, onde se localiza Verde é Vida, é menor em relação aos chefes de domicílio de todas as favelas localizadas em Jacarepaguá. Por fim, há que se considerar o índice de desemprego em Verde é Vida, mais expressivo do na favela de Jacarepaguá. Quanto à origem dos moradores das favelas estudadas, observa-se similaridade, pois aproximadamente 50% dos entrevistados são naturais da cidade do Rio de Janeiro, mais uma vez confirmando a tese de que as favelas recentes são, em grande medida, formadas por pessoas que já residiam na cidade.

148


2. Estruturação Espacial No processo de ocupação, observamos diferenças entre os dois casos. A tese de que as favelas recentes, formadas a partir de 80, principalmente no final dos anos 80 e início dos anos 90, se constituíram, a partir de invasões coletivas organizadas, por lideranças comunitárias, com ajuda da Igreja Católica e políticos locais, se confirma para Asa Branca; para o caso de Verde é Vida, não. Em Asa Branca, nas quatro etapas de invasão, mencionadas anteriormente, e principalmente na última invasão, chamada de “Quinto dos Infernos”, encontramos características de invasão coletiva, seja pelo traçado dos “lotes”, seja pela forma como os moradores vêm se organizando para permanecerem no local, exercendo uma “administração” compartilhada. Dos entrevistados na pesquisa, 49,4% responderam que a forma de ocupação foi coletiva, e 21,9% deles participaram da invasão. Em Verde é Vida, apesar de, a princípio, ter sido organizada por moradores do Conjunto Habitacional da COHAB, localizado próximo à área ocupada, que decidiram ocupar a área para deixarem de pagar aluguel e/ou prestação da unidade residencial no conjunto, não houve preocupação, na época da invasão, em se formar uma comunidade organizada para reivindicarem melhorias e regularização. A maior parte dos primeiros ocupantes, não morava em favelas, como já mencionamos, vieram do conjunto habitacional. Os subseqüentes vieram aos poucos, configurando um processo de ocupação semelhante ao encontrado nas primeiras favelas da cidade. Isso é percebido quando identificamos que em Asa Branca, 51,7% dos entrevistados afirmaram conhecer as pessoas que participaram da invasão; em Verde é Vida, apenas 40% disseram conhecer os primeiros ocupantes, não porque participaram do processo, mas sim ficaram sabendo da possibilidade de acesso àquela área, por parentes e amigos. Embora diferentes na forma de organização da ocupação, os dois casos são semelhantes na forma de acesso ao lote e/ou moradia na favela. A maior parte dos entrevistados teve que pagar pelo acesso; 63% em Asa Branca e 56% em Verde é Vida. Ou seja, as favelas recentes, podem apresentar diferenças/mudanças na forma de ocupação em relação às favelas formadas até os anos 80, porém, tão logo passe a primeira fase, quando os primeiros ocupantes chegam ao local e “demarcam” seu lote, passa-se a se constituir um mercado imobiliário informal. Alguns invadem apenas para garantir alguns lotes e depois vende-los. Com a evolução da ocupação da favela, esta entra em processo de consolidação com o aumento das unidades habitacionais, através da verticalização e adensamento (subdivisão dos lotes); surgimento de comércio e serviços, ela passa a apresentar as mesmas

149


características das favelas antigas. Ou seja, o acesso à moradia passa a ser via mercado (compra e venda ou aluguel de imóveis). No caso de Asa Branca, a princípio fomos informados por um dos organizadores da última invasão, “Quinto dos Infernos”, que o acesso teria sido a custo zero. No entanto, encontramos uma situação bem diferente. A área foi ocupada pelos organizadores da invasão, subdividida em lotes de 8 x 15 m, que foram vendidos em 10 (dez) parcelas de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais). Para se entender o processo de formação de favelas é preciso que se coloquem duas questões: o endereço anterior do morador, e os motivos para a mudança para a área ocupada. Tanto em Asa Branca (44,8%), quanto em Verde é Vida (58%), o principal motivo declarado foi morar em seu próprio imóvel; e o segundo motivo, está relacionado ao ciclo de vida, principalmente à formação de novas famílias, confirmando a hipótese da segunda geração de migrantes na formação de novas favelas. A hipótese tradicional trabalhada nos estudos de localização residencial, destaca a proximidade ao local de trabalho como principal motivo para a mobilidade residencial dos pobres. Nos nossos casos, esse motivo não foi valorizado. Podemos interpretar isso, em primeiro lugar, pelo fato da maioria dos entrevistados ter endereço anterior em local próximo ao atual. Essa variável, portanto, não foi afetada, pois a maior parte declarou trabalhar em local próximo da área ocupada. Em segundo lugar, as duas áreas são bem atendidas em transporte coletivo, garantindo acesso fácil e relativamente rápido a outras áreas da cidade. O terceiro motivo mais declarado pelos moradores entrevistados nas duas favelas, foi fugir da violência do endereço anterior. Em muitas favelas da cidade, a situação chega a um ponto que inviabiliza a permanência. Em alguns casos, a família é expulsa pelos criminosos que dominam o lugar. Quanto à forma de construção, a autoconstrução é a forma tradicional de construção de moradias em favelas. Objeto de polêmicas discussões entre os que a consideram como “alternativa altamente espoliativa”, na medida em que se constitui em sobre-trabalho gratuito e que priva o trabalhador do seu tempo de descanso e laser (Kowarick, 2000); e os que a consideram solução para os pobres buscarem sua casa própria, que passa a ter um valor de troca (venda ou aluguel) (Bonduki, N & Rolnik, R., 1979). Encontramos em Asa Branca 84% dos casos de produção de moradia por autoconstrução, sendo que 55,1% sem ajuda de parentes ou amigos. Já em Verde é Vida, 59% dos moradores construíram sua própria moradia, sendo que apenas 8% receberam ajuda alheia. Nos surpreendeu o alto índice de contratação de mão-de-obra (32%), em uma favela tão carente! 150


Em relação às relações de vizinhança, Asa Branca apresentou laços de amizade e solidariedade mais fortes do que Verde é Vida, 85% e 67%, respectivamente. A principal cooperação entre os vizinhos, declarada nas duas favelas, é o mutirão nos serviços de infraestrutura. No entanto, observamos uma situação diferente em Verde é Vida; as obras em infraestrutura são inexistentes. Percebemos que o tipo de solidariedade existente nesta favela, está na ajuda com os filhos pequenos e no sustento dos mais carentes. Talvez os informantes se sentissem constrangidos em declarar o tipo de auxílio recebido. Essa informação nos foi dada pelo vice- presidente da Associação de Moradores. Em relação à estruturação do espaço, os aspectos que mais as diferenciam são o desenho urbano, a infra-estrutura básica e o padrão construtivo. No Anexo II apresentamos fotos das principais diferenças entre as favelas Asa Branca e Verde é Vida.

4.2. Favelas dos anos 90: permanências e superações Nesse item discutiremos, a partir da análise da formação, composição demográfica, e padrão habitacional das favelas Asa Branca e Verde é Vida, se houve ou não mudanças no processo de estruturação das favelas recentes, em relação às favelas formadas até o final da década de 70, que coloquem em cheque a noção de favela tradicionalmente utilizada pelos pesquisadores e Órgãos de Políticas Públicas. A distinção clássica entre favela e outras formas de assentamento de baixa renda é a ocupação ilegal da terra. Perlman (1977), identificou três definições de favela construídas a partir do ponto de vista de arquitetos, urbanistas e planejadores, estudiosos do tema, reunidos em uma conferência realizada no Rio de Janeiro em Janeiro de 1969: 1. Favela como Aglomeração Patológica – seriam espaços ocupados desordenadamente e sem infra-estrutura, por vagabundos, desempregados, bêbados e prostitutas, ou seja, pelos marginais, que seriam parasitas da sociedade. Sob esse ponto de vista, a favela era considerada como um mal a ser erradicado, pois impedia a ocupação ordenada em áreas valorizadas e desvalorizavam áreas vizinhas, causando impacto negativo na paisagem urbana. 2. Favela como comunidade em busca de superação – essa é a antítese do primeiro ponto de vista, constituindo-se numa visão positiva da favela. Os moradores seriam trabalhadores e honestos, que contribuíam para a economia também como consumidores. A integração com a cidade viria gradativamente através dos investimentos na infra-estrutura e melhoria de suas casas, como também pela 151


capacidade de organização interna da comunidade. Essa visão suscitaria outras diretrizes de intervenção política; não mais se removeriam as favelas, mas sim se adotariam políticas de urbanização e legalização. 3. Favelas como calamidade inevitável – seria conseqüência do crescimento urbano, que surge diante do grande fluxo migratório versus a impossibilidade do mercado absorver todo o contingente. Os que viam a favela sob esse ponto de vista, consideravam o favelado como “pobres coitados” que necessitavam de ajuda, desencadeando em uma série de políticas paternalistas como distribuição de alimentos, roupas, entre outras.

No caso do Rio de Janeiro, devido ao esgotamento de áreas nas favelas consolidadas, as novas favelas se formam nas áreas de expansão urbana do município, ou no leito dos rios e ao longo das vias férreas. A escassez de áreas próximas ao centro é a característica que marca os anos 90. A disputa por terrenos adquire outra dimensão, já não consiste mais na disputa por melhores áreas, e sim pelas únicas. O que vem ocorrendo nas favelas consolidadas é um processo de desfavelização, ou seja, perda das características que definiam a favela até o final da década de 70, tais como o predomínio de habitações rústicas, ausência de infra-estrutura, desalinhamento do traçado urbano, etc. Segundo Perlman (op. Cit.), a favela era vista como o gueto onde todos que nela moram são marginais, no sentido de quem está fora é integrado, quem está dentro é excluído. A definição de marginalidade parte do habitat dos pobres. A favela é a ocupação ilegal da terra, lugar de construções de baixo padrão, de alta densidade e sem infra-estrutura básica. Essa forma de ver a favela e seus moradores predominou até o final da década de 70 e orientou a pesquisa de estudiosos nacionais e estrangeiros. Estudos clássicos enfocaram as favelas sob diferentes abordagens, que vão da referência espacial e jurídica à composição sócio-demográfica de seus habitantes. A seguir, confrontaremos alguns conceitos que orientaram pesquisas em favelas do Brasil e de outros países da América Latina, destacando-se o caso do Peru.

Conceitos de favelas por pesquisadores nacionais Nos anos 60, os estudos de Parisse relacionavam a favela às condições habitacionais dos pobres. Para o autor, favela seria “habitação pobre, precária, agrupada no mínimo em 20 unidades, instaladas em terreno não utilizado pela construção organizada, isto é, fora da especulação imobiliária” (Parisse, 1969:25).

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No final dos anos 60, surge outra corrente de reflexão que interpretava a favela como um processo, baseado no modo de ocupação do espaço. A favela era concebida como um modo de urbanização, analisado no contexto global da cidade e das relações sociais que nela se desenvolvem. O estudo de Alexandrina Moura (1982) sobre as invasões em Recife fez uma distinção entre os termos “ocupação” e “invasão”. O primeiro seria a apropriação coletiva de áreas públicas, privadas ou mistas, que se dá de forma gradual e não conflitiva, contando, em geral, com o consentimento dos proprietários. A “invasão” seria a apropriação coletiva de áreas públicas, privadas ou mistas, que se dá de forma repentina e conflitiva. Elas podem ser classificadas em invasões primárias, que são apropriações feitas de uma só vez em áreas onde não existem outras invasões, e invasões secundárias, que são feitas em áreas onde já existem ocupações ou invasões primárias. No caso do Rio de Janeiro, o início dos anos 80 é marcado por uma série de invasões. Valladares (1983) apontou as invasões como uma nova tendência do processo de favelização do Rio de Janeiro a partir da década de 80. De acordo com a autora,

“Contrariamente à favela, que já tem tradição, a invasão organizada se constitui em um fato relativamente novo no contexto carioca, aparecendo pela primeira vez em fins de 1981, quando se registram duas ocupações de terrenos em Jacarepaguá” (p.1).

Em seu estudo, Valladares parte do pressuposto que invasão e favela têm significados diferentes, pois se referem a situações distintas. A principal oposição entre uma e outra estaria no tempo de ocupação. Enquanto a favela define-se por uma “área mais antiga, já consolidada, integrada por moradias predominantemente em alvenaria e dotadas de um mínimo de serviços de infra-estrutura e equipamentos urbanos” (Valladares,1983:3), a invasão é “provisória e efêmera”. Neste caso, uma invasão pode tornar-se uma favela com o decorrer do tempo, apesar da autora afirmar que o processo mais freqüente de formação de favelas não passa pela invasão. Segundo a autora, invasão tem caráter temporário, surge do dia para a noite, “resumindo-se a sua existência a lotes marcados com piquetes, cordão e corda que logo são demarcados”; e caráter precário, por se constituir de casebres construídos com materiais descartáveis como papelão, tábuas, etc., em área sem nenhuma infra-estrutura urbana. Gordilho, concorda com a autora:

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“Uma área originada por invasão coletiva, geralmente constitui uma favela, mas não necessariamente uma favela origina-se por invasão coletiva, podendo ter havido permissão de uso, como no caso das pioneiras no Rio de Janeiro. O conceito de favela é áreas precárias de ocupação ilegal, no entanto, existem situações diversas e complexas abrangendo outras formas de ocupação habitacional informais, que também poderiam ser consideradas favelas”. (Gordilho, 2000:100)

De modo geral, a invasão poderia ser definida como uma forma de apropriação coletiva de um terreno, previamente planejada entre um grupo de famílias e contando com o apoio de segmentos organizados ou grupos políticos, que demarcam e distribuem os lotes. Para Valladares (op. Cit.), a origem da favela difere da invasão, pois sua formação decorre de um ato individual e gradativo. Do ponto de vista jurídico, de acordo com o Código Civil, favela e invasão diferem. A diferença está no período de ocupação. Na invasão, este não passa de um ano e um dia; a área invadida passa a ser considerada favela se a ocupação ultrapassar um ano (Valladares, op. cit.). No caso da invasão ocorrer em terra pública, os invasores podem ser expulsos em 24 horas, mediante uma ordem administrativa; em terras privadas, a expulsão ocorre de ordem judicial mediante pedido de reintegração de posse feito pelo proprietário do terreno. No caso de favela, os ocupantes podem recorrer judicialmente quando ameaçados de expulsão. A partir dos anos 80, surge outro enfoque nos estudos de favelas, destacando-se o caráter jurídico dessa forma de assentamento humano. Os estudos passam a discutir a questão da informalidade/ilegalidade da ocupação. Segundo Lins (2003), o significado de ilegalidade varia de acordo com os diferentes interesses e identifica quatro grupos: os proprietários; outros cidadãos; os gestores do espaço urbano e a justiça, ressaltando a importância do entendimento dos mecanismos usados pelas classes de renda média e alta na produção de seus espaços habitacionais. Até que ponto são diferentes dos da pobreza? Para Davidovich (2001), o pensamento dominante sobre o espaço favela, é que ela é o lugar da pobreza. Em geral as visões sobre a favela são dicotômicas: lugar exótico ou marginal à cidade versus lugar definido ou limitado por imposições externas; espaço homogêneo versus heterogêneo; e, solucionado politicamente pela remoção versus urbanização. No campo das representações, temos o trabalho de Souza e Silva (2001)1 que analisa os pressupostos que sustentaram as representações em relação às favelas e aos seus moradores. Segundo o autor, novas representações e práticas sociais estão sendo produzidas 1

Souza e Silva,J. “Um Espaço em Busca de seu Lugar: As Favelas para Além de seus Esteriótipos”. OSF

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nas favelas e outros espaços da cidade. As representações tradicionais dificultam a compreensão ampliada do fenômeno da favelização, e o encaminhamento de formas de tratar a questão. Sua pesquisa abordou diferentes grupos sociais em torno do conceito de favela, revelando uma homogeneidade de opiniões. “O eixo paradigmático de representação desse espaço popular é a noção de ausência” (p.4). A definição de favela é construída em função do que ela não é, ou do que ela não tem. Outro elemento de representação é sua homogeneidade, apesar da existência de diversas tipologias habitacionais (casas, apartamentos, acabadas, precárias, inacabadas, etc.), em diferentes topografias e forma de ocupação do espaço (densidade), e diferente perfil populacional. A definição da favela como espaço homogêneo assenta-se na preservação de valores comuns e relações interpessoais, garantidos por um relativo isolamento geográfico. Hoje, essa imagem não se mantém totalmente, porém interesses políticos ainda se apropriam dela. A percepção da favela pelos diferentes grupos sociais foi também ampliada aos conjuntos habitacionais. Esse é o caso principalmente de construção, pelo poder público através de políticas habitacionais, de edificações dentro das favelas para abrigar famílias que moravam em área de risco, como é o exemplo do Complexo da Maré, que removeu as famílias que ocupavam as palafitas.

Conceitos de favelas por pesquisadores estrangeiros Os Leeds (1969) consideravam as favelas brasileiras como categorias residenciais, cuja única característica constante é sua origem ilegal e desordenada. Matos Mar (1961), em seus estudos, também descrevia as favelas de Lima a partir da ocupação ilegal do solo, mas atribuía certa organização das famílias nessas ocupações. Na primeira metade dos anos 60 iniciam-se vários estudos sobre favela no Peru, destacando-se os trabalhos de John Turner (1963, 1965, 1967 e 1968). Nesse período, a favela era interpretada em termos de carências, pressupondo que a supressão destas elevaria a favela à condição de bairro popular legal, e, portanto, à solução do problema.

“... los barrios formados sobre tierras invadidas, y que no se conforman a un plan trazado preconcebido o que lo tiene muy rudimentario, carecen de los servicios públicos y sociales más elementales y en ellos se dan las condiciones de la insalubridad ambiental más deplorable” (Driant, 1991:17)

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Para Frank Bonilla e Richard Morse (1965) apud Perlman (1977), as favelas eram cinturões de miséria, lugar subhumano, foco de enfermidade, crime e desorganização social. Apesar desse quadro, elas representam novas oportunidades para os migrantes rurais, de reconstrução social com base na comunidade de vizinhos e parentesco, onde a coesão social representa novas formas de solidariedade e inserção social e política. Turner e Mangin (s/d) discordavam das idéias de desorganização social, delinqüência e ruptura familiar. Para os autores, as favelas eram formadas por famílias pobres, unidas por fortes laços, que trabalhavam para progredir. Além disso, para os autores, elas eram a solução para o problema habitacional dos pobres. No final dos anos 60, surge, no Peru, outra corrente de reflexão que interpretava a favela como um processo, baseado no modo de ocupação do espaço. A favela passa a ser concebida como um modo de urbanização, analisado no contexto global da cidade e das relações sociais que nela se desenvolvem. A partir de 1961, com a Lei Nº 13517 (Lei Orgânica dos Barrios Marginales y Urbanizacion populares), surge a primeira definição oficial, que supera a anterior, por mencionar de forma mais precisa, a questão da irregularidade fundiária e especificar a carência em relação aos serviços urbanos.

“Barrio Marginal o Barriada la zona de terreno de propiedad fiscal, municipal, comunal o privada (...) em las que, por invasión y al margen de disposiciones legales sobre propiedad, con autorización municipal o si ella, sobre lotes distribuidos sin planes de trazado oficialmente aprobados se hayan constituido agrupamientos de viviendas de cualquier estructura, careciendo dicha zona en conjunto de uno o más de los siguientes servicios: agua potable, desagüe, alumbrado, veredas, vías de tránsito vehicular, etc. (Driant, 1991:17)

Estas definições mantiveram-se como paradigmas das pesquisas sobre as questões habitacionais no Peru até 1969, destacando-se os trabalhos de John Turner, que durante algum tempo orientou as políticas públicas no Peru. A partir de 69 surge uma nova corrente de investigação, com os estudos de Alfredo Rodriguez, que não mais destaca a carência na definição da favela, mas sim o processo de ocupação pela necessidade de moradia, como uma solução para a falta de moradia dos pobres urbanos: 1. Desenvolvimento de zonas residenciais, com o desenvolvimento da urbanização, loteamentos e dotação de serviços, antes da instalação das famílias; 156


2. Crescimento de zonas antigas da cidade por densificação: construção em vazios urbanos, subdivisão de lotes, demolição e reconstrução; 3. A favela surge com a chegada de famílias organizadas em grupos, que ocupam um lote e iniciam a construção, à princípio provisória/improvisada e quando obtêm alguma segurança de permanecerem no local, constroem a definitiva. Este seria um procedimento inverso ao que é considerado normal na cidade legal. Nesta definição, a seqüência de desenvolvimento da favela ocorre com a organização prévia das famílias; a ocupação do terreno e construção de moradia provisória; regularização da propriedade; e construção da moradia definitiva. Ou seja, favela é uma iniciativa de um grupo organizado, que ocupa um terreno antes de ser urbanizado. Até um dado momento, a favela era caracterizada pela falta de serviços públicos; com a mudança na forma de ocupação da área, ela passa a ser definida pela forma como as famílias ocupam o lugar e não a dotação de equipamento urbano. Para Max Menezes e Nonato Núnez (1975) apud Driant (1991:19), favelas seriam grupamentos de moradias que formam um assentamento humano não regular, carentes de todos os serviços básicos localizados na periferia ou no centro das cidades, que surgem por ocupação violenta ou progressiva de terrenos geralmente de propriedade do Estado, raramente em área privada. Para os autores, esses assentamentos estariam em processo de integração à cidade legalmente constituída. Os elementos novos nesta definição seriam a forma de ocupação, que poderia ser violenta ou progressiva; os terrenos pertencerem ao Estado; e o processo de integração a cidade, destacando o papel da população. Outro termo utilizado na literatura latino-americana para se referir à favela é o de Assentamento Espontâneo. Segundo Gilbert (1982), a definição de favela como habitação espontânea pela literatura, tem obedecido a alguns critérios ou categorias de análise, tais como: autoconstrução, ilegalidade, ausência de serviços e infra-estrutura urbana, lugar de moradia dos pobres. Para o autor, Assentamento Espontâneo é um termo enganador, no sentido que muitos são desenvolvidos de forma organizada para se protegerem de desapropriações e expulsões. Os trabalhos de Arnillas (1987) e Riofrío (1987) apontavam que as novas favelas eram formadas por famílias provenientes de outras favelas e analisam sua consolidação através do processo de densificação ligado aos desdobramentos familiares. Esta nova corrente de investigação contribuiu para aprofundar as críticas às apreciações positivas sobre as favelas – as que as consideram como solução duradoura para o problema da moradia popular.

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Para Driant (1991), a favela seria uma modalidade de acesso ao solo e moradia para a população excluída dos mercados convencionais públicos e privados. A especificidade deste modo de acesso estaria na produção lenta da moradia. No Peru a definição de favela seguiu as seguintes etapas: a) São bairros formados em terras invadidas, sem um plano de assentamento, carentes de serviços públicos e sociais e em condições ambientais deploráveis; b) A Lei orgânica dos bairros marginais e urbanizações populares, definiu favelas como grupamentos de moradias em lotes irregulares (não aprovados oficialmente), sem infraestrutura básica, em áreas invadidas e à margem das disposições legais. Essa Lei define a favela enfatizando a modalidade de acesso ao solo e não apenas o caráter sub-equipado e insalubre do bairro (Driant, 1991). Para Gustavo Riofrío, a favela é definida pelo processo de ocupação e de consolidação. A descrição das carências é substituída, em seus estudos, pela de um processo de dotação, integrando a construção da moradia definitiva com a chegada dos serviços e dos equipamentos públicos. Driant (op.cit.), a partir das definições citadas e baseando-se nas observações de campo, avançou em uma definição, considerando a favela como um processo, e assim incorporando à definição, as fases posteriores á ocupação, que inclui a dotação de serviços e a construção da moradia:

“La barriada es um conjunto de viviendas formado a partir de la ocupación de um terreno por parte de familias, por iniciativa propia o por la de los poderes públicos. El terreno no goza, al momento de su ocupación, de ninguna habilitación urbana con la excepción, en ciertos casos, de un simple trazo de lotización. La adjudicación, la dotación de servicios y equipamientos públicos y la construcción de la vivienda, se llevan a cabo posteriormente a la ocupación del solo, en un proceso lento, diferente de una barriada a otra, y cuya iniciativa, e incluso realización, generalmente corre a cargo de la población, en el marco de la familia o de la organización de los pobladores” (Driant, 1991: 20)

Mais recentemente, Cravino (2003) nos mostra que o processo de formação das favelas em Buenos Aires tem similaridades com o Rio de Janeiro. A política econômica de substituição das importações provocou a chegada, na cidade, de uma massa populacional a procura de trabalho, cuja única opção de moradia foi a favela. Essa parece ser a história de formação das favelas nas grandes cidades latino-americanas. As características mais comuns que expressam o significado da favela na Argentina são: 1. Lugar com traçado irregular, com vielas, que, em geral, não passam veículos; 158


2. A estruturação do espaço é decorrente de práticas individuais, com ocupação fragmentada no tempo, sem nenhum planejamento; 3. As moradias são construídas com materiais residuais e aos poucos são substituídas por alvenaria; 4. Alta densidade populacional; 5. Localização estratégica em relação aos centros de produção e consumo; 6. Os moradores são trabalhadores pouco qualificados, informais ou desempregados.

Nos anos 90, os moradores das favelas mostram a heterogeneidade da pobreza, que, segundo Cravino, mistura antigos favelados, novos migrantes, setores pauperizados e novas gerações de favelados.

Conceitos utilizados pelos Órgãos Nacionais de Políticas Públicas Em 1950, o IBGE incluiu pela primeira vez as favelas na contagem de população (Guimarães (1953) apud Taschner, 2001:14). No conceito de favela utilizado pelos órgãos oficiais, predominam a relação com o estatuto jurídico, a tipologia habitacional e as condições de urbanização. O conceito oficial de favela considerava as seguintes características: 1. Agrupamentos residenciais com número superior a 50 domicílios; 2. Predominância de casebres ou barracões rústicos, construídos principalmente com folha de flandres, chapas zincadas ou similares; 3. Construções sem licenciamento e sem fiscalização em terreno de terceiros ou de propriedade desconhecida; 4. Ausência de rede sanitária, luz, telefone e água encanada; 5. Área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento.

O conceito adotado pelo IBGE nos Censos 80, 91 e Contagem de 96, favela seria “um setor especial do aglomerado urbano, formado por pelo menos 50 domicílios, na sua maioria carentes de infra-estrutura e localizados em terrenos não pertencentes aos moradores” (p.16). No Censo 2000, algumas alterações foram consideradas na definição de favela, como a não identificação/referência ao material de construção da moradia, tornando impossível a quantificação dos domicílios rústicos.

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Para Souza e Silva (2001), a diferença básica do último Censo, foi identificar a favela como subconjunto de um Aglomerado Subnormal, cuja definição é um “Conjunto (favelas e assemelhados) constituído por unidades habitacionais (barracos, casas, etc...), ocupando ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria3, de serviços públicos essenciais”. Para o IBGE, favela e aglomerado subnormal têm o mesmo significado; dos domicílios em favela, 98% são contabilizados como aglomerado subnormal, e 90% dos domicílios em aglomerado subnormal são contabilizados em favelas. Para o Òrgão, aglomerados subnormais seriam áreas dos Assentamentos Humanos4 com baixa qualidade de urbanização e habitação, e baixa disponibilidade de serviços. O nível de equipamento urbano descrito nas variáveis do IBGE, corresponde ao nível de acesso à infra-estrutura básica (água, esgoto, coleta de lixo), e ao número de cômodos e banheiros por domicílio.

Para um

Assentamento Humano ser caracterizado como Aglomerado Subnormal, ele deverá apresentar pelo menos uma das seguintes características: •

A maior parte das unidades habitacionais não possuir título de propriedade, ou possuir a partir de 1980;

Possuir sistema de circulação viária estreito e irregular, lotes não padronizados e construções não regularizadas pelos órgãos públicos;

A maior parte das unidades habitacionais não é servida por rede oficial de energia elétrica, água e esgoto, além de não disporem de canalização interna.

Já a Prefeitura Municipal de São Paulo, define favela como “todo o conjunto de unidades domiciliares construídas em madeira, zinco, lata, papelão ou alvenaria, em geral, distribuídas desorganizadamente, em terrenos cuja propriedade individual do lote não é legalizada para aqueles que o ocupam” (p.16). Nessa definição a Prefeitura delimita as condições habitacionais, restringindo os assentamentos que podem ser denominados favela. No caso do Rio de Janeiro, o IPLANRIO, hoje IPP – Instituto Pereira Passos – iniciou em 1983 um Cadastro de Favelas a partir da definição de que esta seria uma área predominantemente habitacional, invadida, cujo uso e ocupação do solo não obedece às normas urbanísticas, e de onde se verifica precariedade na prestação de serviços públicos. 3

Grifo nosso. Os Assentamentos Humanos que se enquadram na categoria de aglomerados subnormais são invasão, loteamento irregular e/ou clandestino.

4

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Esta definição difere da até então utilizada pela SMDS – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – que atuou em favelas de 1979 a 1993. Para a SMDS, favelas seriam áreas em condições precárias (insalubres, de risco e sem infra-estrutura), que necessitavam de intervenção do poder público. A maior discordância entre a SMDS e o Iplanrio, era que a primeira não considerava como favela os espaços habitacionais em áreas non aedificandi (viadutos, beira de rios e estradas de ferro). O Plano Diretor Urbano de 1992 conceitua favela como a “área predominantemente habitacional, caracterizada por ocupação da terra por população de baixa renda, precariedade da infra-estrutura e de serviços públicos, vias estreitas e de alinhamento irregular, lotes de forma e tamanho irregular, e construções não licenciadas, em desconformidade com padrões legais ...” (art. 147). Para a CEDAE, favelas são núcleos com precariedade na dotação de serviços públicos de infra-estrutura, com ocupação desordenada, e em áreas invadidas. O Órgão não leva seus serviços a assentamentos em áreas non aedificandi , nem considera o número mínimo de domicílios. A representação tradicional da favela como o lugar da pobreza, é questionada, diante das transformações e evoluções do ambiente construído, que são as melhorias das construções, desenvolvimento de comércio e serviços. Além das transformações físicas, temos as sociais, com mudanças no perfil dos moradores. Essas mudanças estão relacionadas a outros fatores de ordem econômica e estrutural, como a queda da taxa migratória interregional e o aumento da migração intra-urbana e intrametropolitana, que implicam em uma redefinição da noção de favela, tradicionalmente conhecida. As diversas intervenções do poder público e da própria comunidade nas favelas, geraram alterações na estrutura do espaço interno, descaracterizando as favelas da sua definição original. A produção científica sobre movimentos sociais enfatiza a formação da ação coletiva e a dinâmica das relações sociais (Silva, 2002). No momento atual, Silva (op. cit) coloca como questão as práticas coletivas dos favelados em torno da questão fundiária e da apropriação da cidade, como forma de integração social. Para o autor, o livro de Alba Zaluar e Marcos Alvito, Um Século de Favela, é uma tentativa de superar as teses que definem as favelas e seus moradores pelas carências materiais, simbólicas e políticas. Para Silva, “a favela venceu” sim, mas e seus moradores? Conseguiram se integrar? Para o autor os favelados sempre foram e continuam sendo “criaturas da reprodução da desigualdade fundamental da sociedade brasileira”, expressão de uma sociedade sem cidadania. A favela venceu, mas o padrão de

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sociabilidade urbana e estratificação social, pouco se alterou, principalmente em relação à produção e acesso à moradia - fortemente segmentados. A face do problema favela pode ser vista pelas políticas públicas, que passaram por várias fases (solução, controle, redução e regulação dos conflitos); e pelo movimento dos favelados5. Na gênese da construção social da favela, seu significado referia-se à dimensão físico-espacial e não social. Quanto aos moradores, sua identidade estava referenciada pela condição de moradia, definida a partir de critérios jurídicos (clandestinidade, ilegalidade, ...) e morais, e não pela pobreza, ou formas de inserção no trabalho. No que se refere à dotação de infra-estrutura básica, de acordo com o Censo 2000, nas três maiores favelas da cidade – Complexo da Maré, Rocinha e Complexo do Alemão – apresentam 99,9% dos domicílios atendidos.6 Considerando as favelas tomadas como referência nas análises dos nossos Estudos de Caso – Pavão-Pavãozinho, Rio das Pedras e até Morro do Sossego, localizada em Senador Camará – observa-se que são atendidas pelos serviços urbanos, principalmente, abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo. Observando as definições oficiais – Prefeitura do Rio de Janeiro e São Paulo, IBGE, e até mesmo a definição de pesquisadores sobre o tema - podemos considerá-las como expressão da realidade das “favelas” cariocas? Se analisarmos ao pé da letra, verificamos que as variáveis utilizadas para definir a favela, encontrarão identidade em apenas alguns casos. A caracterização da favela pela ausência, pode ser aplicada apenas em algumas áreas das favelas consolidadas (expansão), e em algumas favelas recentes da Zona Oeste. Desse modo, seja pela mobilização interna através de mutirões comunitários, seja pelas obras realizadas pelos programas oficiais, algumas favelas conseguiram obter uma oferta razoável de serviços e equipamentos urbanos, não mais se justificando a denominação de favela.

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Silva (2002) coloca como marco para a fase de controle e regulamentação da favela, o Código de Obras de 1937, que proibia a formação de favelas e a ampliação e/ou melhoria das existentes; e a Lei do Inquilinato, em 1950, que incentivou a consolidação da favela como forma de acesso à moradia pelos pobres. 6 Folha de São Paulo, 21/12/2001.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aumento do número de favelas na periferia do município, deve ser interpretado não apenas em relação ao processo de consolidação observado em algumas favelas, significando um esgotamento das possibilidades de acesso a essa forma de moradia pelas camadas mais empobrecidas nas áreas centrais e nos subúrbios da cidade, como também à instabilidade econômica da população, devido às mudanças na forma de inserção no mercado de trabalho, observadas a partir da década de 80. Para Wacquant, estamos diante de uma nova marginalidade, um novo tipo de pobreza, diferente daquela da fase de crescimento industrial do fordismo. Atualmente, a pobreza é fruto não da falta de emprego, mas do surgimento do trabalho ocasional, que gera instabilidade e baixa remuneração. Na verdade, a situação de exclusão dos pobres urbanos vem se agravando desde o final da década de 70. Esta situação gerou comportamentos próprios em relação à organização social, à ocupação do solo urbano, à construção de moradias, e à gestão de serviços urbanos. Nas últimas décadas os segmentos de baixa renda conseguiram avançar no alcance de seus objetivos, segundo seu poder de organização e consciência de seus direitos. A partir dos anos 80, se conforma uma nova forma de ocupação ilegal da terra urbana, organizada por pessoas com maior grau de consciência das implicações políticas de seus atos, e do que podem alcançar junto ao poder público. Quanto mais organizados e conscientes de seus direitos, mais facilmente conseguem obter resultados em suas reivindicações. É o caso de Asa Branca, que tem maior poder de mobilização da comunidade, desenvolvendo atividades de melhoria na infra-estrutura básica, e assistencialistas (distribuição de cestas básicas), educacionais e culturais. Em Verde é Vida, a configuração da favela e o padrão habitacional espelham o tipo de relação entre a comunidade e sua liderança. Apesar de haver atendimento aos mais carentes (que são muitos) e cooperação entre os vizinhos, a Associação de Moradores é controlada pelo tráfico de drogas, impedindo-a de ter atuação mais efetiva na melhoria das condições de vida comunidade. Analisando a evolução da demanda por moradia em favelas, através dos estudos de caso, observamos que em relação às favelas mais antigas, podemos destacar as seguintes alterações no contexto sócio-demográfico:

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1. Transição de uma homogeneidade demográfica: migrantes da década de 60, para uma heterogeneidade produzida pela segunda geração de migrantes e pela presença de pessoas que não moravam anteriormente em favela; 2. Nas favelas recentes há maior concentração de jovens até 10 anos, em contraposição às favelas antigas, que possuem maior concentração de moradores na faixa de 20 a 29 anos; 3. O nível educacional dos moradores das favelas recentes é maior do que os das antigas; 4. O tamanho das famílias diminuiu, significando menos moradores por domicílio, constituindo um novo fator na determinação da demanda por moradia nos anos recentes; 5. Queda no nível de vida pelo aumento do subemprego e da informalidade. Vale lembrar que 54% dos entrevistados em Asa Branca estavam no mercado informal de trabalho, e que 57% dos entrevistados em Verde é Vida estavam desempregados na época da pesquisa.

A literatura tem apontado, que a noção de favela está relacionada a sua imagem externa. Essa imagem, geralmente interpreta a favela como lugar homogêneo, solução habitacional dos pobres e expressão das contradições urbanas e de articulação da força de trabalho na produção capitalista. A representação tradicional da favela como o lugar da pobreza é questionada, diante das transformações e evoluções do ambiente construído, com as melhorias das construções, desenvolvimento de comércio e serviços. Além das transformações físicas, temos as sociais, com mudanças no perfil dos moradores. Essas mudanças estão relacionadas a outros fatores de ordem econômica e estrutural, como a queda da taxa migratória inter-regional e o aumento da migração intra-urbana e intra-metropolitana, que implicam em uma redefinição da noção de favela, tradicionalmente conhecida. As diversas intervenções do poder público e da própria comunidade nas favelas, geraram alterações na estrutura do espaço interno, descaracterizando as favelas da sua definição original.

No

entanto, identificamos em um dos nossos casos, Verde é Vida, a permanência e reprodução da maior parte das variáveis que definem ou representam a noção de favela. Diante desse quadro, podemos inferir que o processo de diferenciação inter e intrafavelas é determinado por duas dinâmicas. A primeira diz respeito à valorização imobiliária de favelas localizadas em áreas da cidade que receberam investimentos públicos; e a segunda decorre dos investimentos realizados na favela, seja pelos programas governamentais, seja pelas melhorias realizadas pela própria comunidade. 164


Como mencionamos, seja pela mobilização interna através de mutirões comunitários, seja pelas obras realizadas pelos programas oficiais, algumas favelas conseguiram obter uma oferta razoável de serviços e equipamentos urbanos, não mais se justificando a denominação de favela. Não se trata de excluir a variável da definição, pois favela é isto, é um “Conjunto (favelas e assemelhados) constituído por unidades habitacionais (barracos, casas, etc...), ocupando ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais”. Não é a definição que tem que mudar, as “favelas”, assim denominadas é que se transformaram ao longo do tempo, seja em 20, 30, 40 ou mais anos, ou no caso de uma mais recente (4ª invasão em Asa Branca), que em apenas um ano transformou seus barracos de madeira em alvenaria, implicando na necessidade de uma redefinição desses espaços habitacionais. Bairros Populares; Comunidades; Assentamentos Humanos de Baixa Renda, etc..., eles poderiam ser definidos por qualquer uma dessas categorias, menos favela. Mas ainda existe um impedimento: “ocupando ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular)....”. A ausência do título de propriedade é um argumento forte para continuarmos definindo algumas “favelas” como favelas. Mas não são apenas as favelas que ocupam irregularmente a terra urbana. Vários prédios nos bairros da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes são exemplos da irregularidade dos “assentamentos de alta renda”. Além disso, a Prefeitura do Rio de Janeiro tem desenvolvido programas de regularização fundiária em favelas1. Na verdade, devemos avaliar com muito cuidado as características de cada “favela”, pois como revela Preteceille e Valladares (2001), existem favelas e favelas, se referindo à grande diversidade existente entre elas e no seu interior, configurando, o que Alvito (2001) chamou de micro-áreas dentro de Acari. É o caso de Asa Branca. As quatro etapas de sua ocupação delimitam espacialmente as fases de consolidação, tanto física como social, pois as ocupações foram realizadas por pessoas conhecidas, pertencentes à mesma comunidade, sendo muitos parentes, que conformaram um espaço próprio, homogêneo nas suas característica sócio-culturais. A última ocupação – “Quinto dos Infernos” – é estigmatizada pelos moradores mais antigos, que a rejeitam como parte integrante da mesma comunidade. Por que? Não é porque se abrigam em casebres improvisados, e sim porque, para os mais antigos, os novos moradores fazem parte de outro grupo, o qual um dia eles mesmos já pertenceram. Os novos

1

Em áreas urbanizadas pelo Favela-Bairro, a Secretaria Municipal de Habitação está cadastrando imóveis para emissão de habite-se e cadastro no IPTU. A Quinta do Caju já foi beneficiada pela urbanização e transformada em uma área regularizada.

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moradores são os estrangeiros, os favelados que um dia os antigos já foram, mas que hoje já não se consideram mais. A tendência é que , com o tempo e consolidação da recente área ocupada, eles se integrem ao restante da “favela”. No caso de Verde é Vida é diferente. Ela possui as características do que se entende por favela, possuindo quase todas as variáveis contidas nas definições. No entanto, não se trata de um espaço fragmentado, como verificamos na maioria das “favelas” consolidadas e como acabamos de relatar em Asa Branca. Verde é Vida é coesa, é homogênea, na sua miséria, na sua carência, no desemprego massivo, nas dificuldades de mobilização e organização dos moradores, no medo da violência. Verde é Vida é favela. Definir favela não é difícil; difícil é definir o que ela se tornou ao longo do tempo, diante das transformações internas, das inovações na forma de produção e organização do espaço, e das mudanças no perfil dos moradores. Não podemos entender a especificidade e dinâmica da formação de novas favelas na cidade, sem relaciona-las com o conjunto da dinâmica urbana, pois esses assentamentos são parte da dinâmica da cidade, e reflexo das decisões dos atores que a produzem. A partir dos anos 80, a estruturação do espaço periférico é explicada pela retração da produção de loteamentos, crise econômica e valorização de algumas áreas pela expansão das atividades imobiliárias, implicando em mudanças nas formas de acesso à moradia para os segmentos de baixa renda, e conseqüentemente, nos levando a repensar que as diferenças entre favelas e loteamentos periféricos não se sustentam atualmente. Cabe ainda destacar, para futuras investigações, a relação inversa entre o aumento do nível educacional dos moradores das favelas recentes e o aumento da sua inserção na informalidade do mercado de trabalho, impedindo-os de adquirir estabilidade econômica, que aliada à falta de políticas habitacionais voltadas aos segmentos de baixa renda, inviabiliza seu acesso à moradia no mercado formal de imóveis.

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FIGURA 01 – MAPA DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos 177


FIGURA 04 – MAPA DE LOCALIZAÇÃO FAVELA ASA BRANCA

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos / Levantamento Aerofotogramétrico, 2000

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FIGURA 05 – FOTO AÉREA FAVELA ASA BRANCA

Fonte: Sistema Informações Geográficas INFRAERO / Levantamento Aerofotogramétrico, 2002 179


FIGURA 06 – MAPA DE LOCALIZAÇÃO FAVELA VERDE É VIDA

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos / Levantamento Aerofotogramétrico, 2000 180


FIGURA 02 – MAPA DE SITUAÇÃO - FAVELAS E LOTEAMENTOS DÉCADA 70 / 80

Fonte: IPP – Anuário Estatístico da cidade do Rio de Janeiro - 1998 181


FIGURA 03 – MAPA DE SITUAÇÃO - FAVELAS DÉCADA DE 90

Fonte: IPP –Anuário Estatístico da cidade do Rio de Janeiro - 1998 Faria, T.C-2000 182


FIGURA 07 – RUA DA FAVELA VERDE É VIDA

FIGURA 08 – RUA SEM ASFALTO DA FAVELA ASA BRANCA

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FIGURA 09 – RUA LIMÍTROFE DA FAVELA VERDE É VIDA

FIGURA 10 – RUA PRINCIPAL DA FAVELA ASA BRANCA

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FIGURA 11 – PADRÃO HABITACIONAL DA FAVELA VERDE É VIDA

FIGURA 12 – PADRÃO HABITACIONAL DA FAVELA ASA BRANCA – QUINTO DOS INFERNOS

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FIGURA 13 – PADRÃO HABITACIONAL DA FAVELA VERDE É VIDA

FIGURA 14 – PADRÃO HABITACIONAL DA FAVELA ASA BRANCA

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FIGURA 15– BECO E MORADIAS DA FAVELA VERDE É VIDA

FIGURA 16 – BECOS E MORADIAS DA FAVELA ASA BRANCA – QUINTO DOS INFERNOS

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FIGURA 17 – COMÉRCIOS NA FAVELA ASA BRANCA

FIGURA 18 – COMÉRCIOS NA FAVELA ASA BRANCA

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FIGURA 19 – ESGOTAMENTO SANITÁRIO – FAVELA ASA BRANCA

FIGURA 20 -ABASTECIMENTO DE ÁGUA – FAVELA VERDE É VIDA

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APÊNDICE

A pesquisa de campo partiu da identificação preliminar das favelas que surgiram a partir da década de 80 na região da AP 4 – Barra da Tijuca/Jacarepaguá, e AP 5 – Zona Oeste, por serem áreas que tiveram crescimento mais expressivo no período intercensitário. Essa identificação teve como base empírica, o levantamento realizado pelo IPP – Instituto Pereira Passos, constante no SABREN – Sistema de Assentamentos de Baixa Renda. Das 136 favelas que surgiram em toda a cidade a partir a década de 80, selecionamos 10 (dez) favelas na região de estudo. O critério de seleção baseou-se na data de ocupação; nas mais carentes (renda per capita variando entre ½ e 1 salário mínimo); e que não fossem objeto de programas de intervenção publica, dos tipos Favela-Bairro, Bairrinho, e outros, para que pudéssemos analisa-las em sua origem, ou seja, na sua forma de ocupação original. Desse modo, foram selecionadas as seguintes favelas para avaliação preliminar no processo de eleição dos estudos de caso: I – NA REGIÃO DA BARRA DA TIJUCA E JACAREPAGUÁ 1. Favela Cambalacho – localizada na Barra da Tijuca, possui 1007 habitantes e 312 domicílios, teve início em 1989. A favela, que aparecia nos registros do SABREN como uma nova favela, é na verdade, uma expansão da antiga Favela Muzema. Segundo nosso informante, a favela ou expansão da Muzema foi formada por moradores da parte antiga, de forma organizada, pela Associação de Moradores da Muzema. A princípio a ocupação foi a custo zero, mas atualmente, a forma de acesso é através da compra de lotes ou moradia. 2. Favela Asa Branca – o início de sua ocupação data de 1986. Localizada em Jacarepaguá, possui 567 domicílios e 2032 habitantes, segundo o CENSO 2000. Na ocasião de nossa primeira visita, em novembro de 2001, o Vice-presidente da Associação de Moradores nos relatou um pouco da história de ocupação da área, apresentada no capítulo 3, destacando a forma de organização da comunidade para realização de obras de melhoria da infra-estrutura básica. Segundo ele, a associação de moradores descentralizou a administração, criando comitês de obra por áreas da favela. Cada área possuía um diretor de rua, que se responsabilizava em recolher verba dos moradores para execução das obras, assim como na coordenação do mutirão.

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Também nos foi apresentado os projetos sociais e culturais, desenvolvidos pela associação de moradores, com a ajuda de ONG’s. Esses projetos e a forma como a comunidade se organiza na busca de soluções para seus problemas, nos chamou a atenção após compararmos Asa Branca com as demais favelas recentes visitadas, nos levando a elege-la como um dos estudos de caso. 3. Favela Estrada do Quitite – possui 215 domicílios e 714 moradores. Foi ocupada em 1986, em Jacarepaguá, de forma gradual e individual, por pessoas do próprio bairro e de outras favelas próximas. Segundo nossa informante, no início não se pagava, mas com a consolidação, o acesso é através da compra de casa. A associação de Moradores controla o adensamento da favela, não permitindo subdivisões de lote e moradia. A maior parte dos moradores trabalha próximo à favela, mas é alto o índice de desemprego.

II – NA REGIÃO DE BANGÚ 4. Favela Vila Moreti – foi ocupada em 1989. Segundo o CENSO 2000, a favela possui 474 domicílios e 1813 moradores. A invasão foi organizada com ajuda de um vereador, com mais ou menos 20 pessoas. Os invasores eram de locais próximos ao terreno, mas a informante era de Mesquita na Baixada Fluminense, e soube da invasão por uma colega de trabalho. Com ela foram todos os irmãos que também moravam em Mesquita. A ocupação foi a custo zero, e conheciam o dono da terra, Sr. Moreti, que também devia impostos à Prefeitura. Já conheciam o local e a possibilidade de obter a casa própria. O fator proximidade do local de trabalho não teve muita importância na decisão, pois segundo a informante, a maioria dos moradores trabalha na área central do Rio, inclusive ela. Segundo D. Ivete, a explicação está nos baixos salários pagos na Zona Oeste, “aqui se paga muito pouco”. Ela também considera que em Bangu a acessibilidade é boa em relação aos transportes e a hospitais e comércio. Perguntei porque ela não escolheu uma favela próxima ao seu local de trabalho (trabalhava como faxineira em vários locais da zona sul), e ela me respondeu que tinha medo de morar nas favelas tradicionais por causa da violência. Mais da metade dos moradores na época de nossa visita eram recentes; ela não soube dizer porque e para onde foram os que venderam suas casas. A origem é variada, muitos vieram de favelas do núcleo do município (centro, Penha e Ramos) e da baixada fluminense, mas também tem muitos nordestinos. A informação sobre o imóvel é sempre obtida por amigos (ou colegas de trabalho) ou parentes que já moram no local.

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As casas e as condições de saneamento são piores. Não observamos muitas pessoas nas ruas, o que pode indicar que a taxa de desemprego seja baixa. A informante classificou a comunidade de tranqüila, e em relação ao tráfico não negou sua existência, mas que a convivência com a comunidade é pacífica e que eles só interferem no caso de conflitos que possam prejudicar a paz do local. Realmente não observamos qualquer movimento que indicasse a presença do tráfico ou qualquer facção criminosa. D.Ivete, ao defender o lugar disse que poderíamos caminhar pelas ruas sozinhos sem qualquer perigo, a não ser à noite, que é a hora do movimento. 5. Favela Vila João Lopes – localizada em Bangu, possui 1350 domicílios e 4879 habitantes, segundo CENSO 2000. A invasão, segundo o presidente da Associação dos moradores e líder dos invasores, foi violenta, com confrontos diários com a polícia, mas de forma organizada e planejada, com a ajuda de um integrante da CUT e do atual vereador Pedro Porfírio, com delimitação do terreno em lotes de 8x6 m. A ocupação foi organizada por um grupo de 8 pessoas, que imediatamente fundaram a Associação, mas contou com a participação de mais 300 pessoas. Os ocupantes moravam na mesma rua onde se localiza a favela – Rua Manuel Nogueira de Sá. Os primeiros invasores não pagaram pelo lote, mas a Associação cobrou uma taxa (não revelada), pela ocupação, para pagamentos dos impostos atrasados para ajudar na Ação Judicial contra o dono do terreno pela posse da terra. Eles foram beneficiados pelo Estatuto da Terra, ganhando o direito de permanecerem no local. No entanto, os impostos desde a ocupação não foram mais pagos. O terreno pertencia à Vacaria Pratini – criação de carneiros, vacas, cabritos, etc. A partir de 1992, a maior parte dos primeiros invasores vendeu seus imóveis, e pode-se dizer que atualmente a maioria da comunidade é formada por novos moradores. Os antigos saíram para um lugar melhor à medida que melhoravam de vida. O preço das casas varia de R$ 15.000,00 ( boa casa, com três pavimentos) à R$ 2.000,00. A favela conta com Projeto Mutirão e em Janeiro começa as obras do Favela-Bairro. Impressões sobre o local: Mais de 50% da população moradora da Vila João Lopes têm renda familiar per capita de até ½ salário mínimo. A maior parte das casas é precária, porém em alvenaria. A comunidade já possui algumas ruas pavimentadas, pelo projeto Mutirão, mas o esgoto ainda corre a céu aberto, e o lixo é jogado nas ruas, apesar de haver coleta na rua de principal acesso à favela.

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A comunidade é tranqüila, e realmente não percebi a presença do tráfico, como este é observado nas favelas tradicionais: rapazes sentados na entrada da favela, ou até mesmo armados, observando os estranhos que entram. Havia muitos homens na rua, mais do que mulheres, mas eram aposentados bebendo na birosca ou desempregados “jogando conversa fora”, e crianças brincando na rua. 6. Bairro Santo André – a área que constava como ocupada em 1986, era na verdade uma expansão do Bairro Santo André, consolidado, totalmente urbanizado, com casas de boa qualidade, localizado em Senador Camará. A expansão é uma área precária, em um morro, que foi ocupado graças à doação de lotes e material de construção, pelo Deputado André Luis, a famílias carentes. 7. Parque Nossa Senhora de Fátima – localizada em Bangu. Trata-se de ocupação em Uma parte da encosta do maciço da Pedra Branca, iniciada em 1995, em terreno pertencente à Fabrica Bangu. Possui poucas casas, sendo que algumas estão em área de risco. Não conseguimos obter mais informações. 8. Vila São Bento – trata-se também de extensão de favela antiga. A parte recente é composta de aproximadamente 150 domicílios. Fomos informados que a população invasora, são originárias de outras favelas próximas, e também do próprio bairro, que ocuparam a área remanescente da parte antiga, sem nenhuma organização prévia, de forma desordenada. Não houve cobrança pela ocupação. 9. Favela Verde é Vida – localizada em Senador Camará, possui 121 domicílio e 438 moradores. Essa favela nos chamou a atenção pela diversidade em relação às outras recentes, principalmente em relação à Asa Branca, nos levando a elege-la como o segundo estudo de caso, pela possibilidade de comparação entre favelas recentes em áreas diversas. A ocupação iniciou em 1990 por famílias do próprio bairro e de outras favelas próximas. A situação dos moradores é muito precária, com alto índice de desemprego, de jovens envolvidos com o tráfico de drogas. Segundo o presidente da Associação de Moradores, a comunidade receberá ajuda do Deputado estadual André Luiz e da Vereadora Eliane Ribeiro para obras de saneamento.

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ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ABERTAS 1. MOBILIDADE RESIDENCIAL • Explique os motivos que te levaram a mudar de endereço – Fatores de expulsão: Foi uma decisão espontânea? Se pudesse não se mudaria? Todos os membros da família ficaram satisfeitos com a mudança?Quais foram os principais fatores que determinaram a mudança? • Explique os fatores que te levaram a se mudar para o endereço atual – Fatores de atração: Melhorar as condições de vida? Proximidade do local de trabalho? Proximidade dos parentes? Como estratégia de sobrevivência devido à utilização de redes de solidariedade? • Compare seu endereço anterior com o atual; destaque os pontos positivos e negativos dos dois em relação à qualidade da moradia, à acessibilidade, e portanto à localização, à vizinhança. 2. PROCESSO DA INVASÃO • Como soube da invasão? Participou da organização? • Como foi sua chegada: Onde foi morar? Já tinha lote marcado? Foi morar com parentes? Ganhou o lote ou teve que pagar por ele? Se pagou, quanto pagou e para quem?Como os lotes eram distribuídos? • Já conhecia as pessoas que participaram da invasão? Algum parente seu participou ou veio morar depois na comunidade? • Houve ameaça de remoção?Por parte de quem?Como os moradores resistiram?Quem ajudou vocês a se fixarem? • Atualmente as pessoas que participaram da invasão ainda moram aqui?Os seus vizinhos são os mesmos de quando você se mudou, ou estes já saíram da comunidade? 3. ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO INTERNO • A delimitação dos lotes tem sido respeitada? • Ainda existem lotes a serem ocupados? • Como foi feito o parcelamento do terreno? • Existe uma preocupação em não ocupar áreas de preservação ambiental? • Existe uma preocupação em preservar a baixa densidade e não invadir áreas de uso comum, como as vias públicas? • Compare o atual local com o da moradia anterior 4. RELAÇÕES DE VIZINHANÇA – REDES • Quais são os Projetos sociais/comunitários que existem na sua comunidade? Você ou alguém da sua família participa de algum?Como?Por que? • Qual a importância da Associação de Moradores na promoção da qualidade de vida dos moradores?O que sua atuação traz de benefícios para as crianças, os jovens, as mulheres e os idosos da comunidade?

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• • • • • • •

Existe algum projeto de geração de trabalho e renda?Na área de esporte, cultura e educação? Qual é o grau de participação dos moradores na vida comunitária? Defina/descreva seus vizinhos. Os moradores participam da construção de infra-estrutura e/ou das moradias? De que forma: mutirão solidário, mutirão remunerado? Você gostaria que seus parentes viessem morar na comunidade? Por que? No seu endereço anterior você deixou parentes ou amigos? Com a mudança romperam-se os laços de amizade/cooperação mútua? Compare com o endereço anterior

5. EXPECTATIVAS • Em relação à melhoria das condições habitacionais • Em relação ao acesso à equipamentos e serviços urbanos • Em relação à vida comunitária

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