Glaucoma - Universo Visual (Edição 99)

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GLAUCOMA SUPLEMENTO INTEGRANTE DA REVISTA UNIVERSO VISUAL EDIÇÃO 99 - MAIO/JUNHO 2017




GLAUCOMA ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DA REVISTA UNIVERSO VISUAL, EDIÇÃO 99 - MAIO/JUNHO 2017

SUMÁRIO

Apresentação

U

m novo suplemento da revista Universo Visual (edição 99) foi produzido para brindar os nossos leitores com informações de interesse para quem atua especialmente com Glaucoma. Abordados com muita propriedade por nossos especialistas desta área da Oftalmologia, os subtemas variaram entre “presente e futuro para os pacientes com glaucoma”, “aspectos diagnósticos”, “tratamento clínico com associação de drogas e monoterapia”, “efetividade e segurança do tratamento clínico”, “cirurgia precoce versus cirurgia tardia” e “revolução na cirurgia do glaucoma com os implantes de tubos longos”. O editor clínico, e também um dos participantes deste suplemento, é o professor titular do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), Paulo Augusto de Arruda Mello. Esperamos, mais uma vez, que gostem do resultado deste trabalho. Boa leitura!

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Presente e futuro para os pacientes com glaucoma

Glaucoma: aspectos diagnósticos

Tratamento clínico do glaucoma: monoterapia

Tratamento clínico com associação de drogas

Tratamento clínico: efetividade e segurança

Flavio Bitelman

Publisher – fbitelman@universovisual.com.br

Expediente

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Publisher e editor Flavio Mendes Bitelman Editora executiva Marina Almeida Repórter Flavia Lo Bello Diretora de arte Ana Luiza Vilela Gerente comercial Jéssica Borges Assistente comercial Cristiana Brito Gerente administrativa Juliana Vasconcelos Impressão Ipsis Gráfica e Editora S.A Circulação Este suplemento é parte integrante da

Revista Universo edição 99. Nenhuma parte desta edição (texto ou imagens) pode ser utilizada ou reproduzida sem autorização prévia e por escrito da Jobson Brasil. Jobson Brasil Rua Cônego Eugênio Leite, 920 - São Paulo/ SP – 05414-001 Tel. 11 3061-9025 marina.almeida@universovisual.com.br www.universovisual.com.br

Cirurgia precoce X cirurgia tardia

Revolução na cirurgia do glaucoma: implantes de tubos longos


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PAULO AUGUSTO DE ARRUDA MELLO

Caros

colegas A

população mundial se tornou mais saudável e mais longeva. Hoje na Europa ocidental estimase que uma criança ao nascer deverá viver aproximadamente 81 anos. Muitos têm ainda uma sobrevida maior. Doenças antes consideradas extremamente letais, como por exemplo sarampo, caxumba, rubéola, varíola, já não representam grande ameaça. Porém, outras se tornaram de alta prevalência nos nossos dias. Assim, o glaucoma é atualmente um grande problema de saúde pública. A doença glaucoma, que parecia ser um simples desequilíbrio entre a produção e a drenagem do humor aquoso, tornou-se agora uma condição muito complexa, graças à acelerada pesquisa moderna. A disfunção vascular é um dos mecanismos sugeridos como causador do dano glaucomatoso. Talvez num futuro próximo os novos topógrafos (OCT angiography) colaborem com nossos conhecimentos sobre a patogênese e a progressão do glaucoma. Há sem dúvida impressionante progresso científico na tentativa de prevenirmos a cegueira pelo glaucoma. Caminhamos muito. Atualmente fazemos diagnósticos mais precoces, bem como controlamos mais apropriadamente a sua evolução. Temos um melhor arsenal clínico e cirúrgico para o seu tratamento. Contudo, muito sobre a doença permanece obscuro.

Glaucoma é ainda um grande desafio! Apesar de tudo, nem sempre é fácil responder quando o paciente questiona: “Doutor o que posso fazer para não ficar cego pelo glaucoma como a mamãe?” Existem inúmeras publicações médicas. Chegamos até ao ponto de encontrar dificuldade para acessar o universo dessas publicações e também dificuldade para selecionarmos aquilo que é aplicável na nossa prática médica. Mesmo com o advento das novas modalidades de publicações, as revistas médicas continuam tendo a maior relevância no cenário geral da comunicação. Elas devem gerar importantes informações para o seu público-alvo, onde o editor ou corpo editorial têm a responsabilidade de preservar a qualidade de cada edição. Com a intenção de trazer à comunidade oftalmológica resumos práticos de problemas atuais na condução de casos de glaucoma, a Revista Universo Visual criou o presente suplemento. Foram convidados colegas voluntários, que sem “anedotismo e/ou achismo” trouxeram as melhores condutas para os brasileiros portadores dessa doença. Boa leitura! Prof. Dr. Paulo Augusto de Arruda Mello Professor Titular do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina/ Universidade Federal de São Paulo


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VITAL PAULINO COSTA

Presente e futuro para

os pacientes com glaucoma S

egundo o professor associado de Oftalmologia da Unicamp e professor livre-docente pela USP, Vital Paulino Costa, membro do Comitê de Conhecimento Básico em Glaucoma da Academia Americana de Oftalmologia e membro do Comitê Científico do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, os dados sobre prevalência de glaucoma no país são escassos. “Existe um estudo populacional bem-feito pelo Dr. Sakata, que mostrou uma prevalência de 2,4% de glaucoma de ângulo aberto e 0,7% de glaucoma de ângulo fechado numa população acima dos 40 anos no Paraná”, comenta. Quanto à cegueira causada pela doença, o médico diz que os estudos

sugerem que é elevada a incidência de cegueira no país. “Muitos anos atrás, realizamos um estudo na Unicamp que revelava que 52% dos pacientes que chegavam pela primeira vez ao Ambulatório de Glaucoma já estavam cegos de pelo menos um olho e que 33% apresentavam cegueira bilateral.” Na opinião do especialista, esse é um dado extremamente preocupante e sugere que o diagnóstico de glaucoma no Brasil é tardio, o que é consequência de alguns fatores, como o fato de a doença ser assintomática até seus estágios finais. “Além disso, o acesso da população ao atendimento primário ainda é difícil, há várias cidades no inte-


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Esperamos que, ao aumentar o conhecimento sobre o glaucoma, as pessoas tenderiam a procurar o oftalmologista, permitindo um diagnóstico precoce

rior do Brasil sem oftalmologistas, impedindo que os casos sejam diagnosticados a tempo. Também podemos atribuir isso à educação insuficiente da população a respeito do glaucoma”, destaca, declarando que em recente iniciativa da Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG) durante sua gestão (2011-2013), deu-se início à campanha “Cuidado com o Glaucoma”, que visava conscientizar a população sobre a doença, apresentando seus fatores de risco, suas consequências e a necessidade de um diagnóstico precoce. O médico conta que a campanha foi um sucesso (atingiu mais de 10 milhões de pessoas) e se iniciou com uma pesquisa do Ibope, que revelou uma ignorância enorme da população sobre o tema: 46% dos 2.000 entrevistados acreditavam que glaucoma tinha cura e 41% pensavam que a cegueira induzida pelo glaucoma era reversível. “Esperamos que, ao aumentar o conhecimento sobre o glaucoma, as pessoas tenderiam a procurar o oftalmologista, permitindo um diagnóstico precoce. Poderíamos supor, finalmente, que o tratamento do glaucoma, uma vez diagnosticado, não vinha sendo realizado da maneira ideal pelos nossos oftalmologistas”, avalia. Ele declara que, das explicações sugeridas, talvez essa seja a menos importante, especialmente porque a Sociedade Brasileira de Glaucoma tem se empenhado há décadas no sentido de educar os oftalmologistas gerais a respeito das técnicas de diagnóstico e estratégias de tratamento da doença. “Conforme dito anteriormente, acredito que os oftalmologistas brasileiros estão cada vez mais orientados a respeito de como diagnosticar o glaucoma precocemente e como instituir uma estratégia de tratamento eficaz”, enfatiza o especialista. Ele reitera que alguns conceitos, como pressão intraocular-alvo e a necessidade de estimá-la de acordo com a gravidade do glaucoma e a expectativa de vida, vêm sendo discutidos há bastante tempo nos simpósios organizados pela SBG e em outros simpósios ao redor do país. “O problema principal em relação ao tra-

tamento da nossa população é o custo das medicações, que muitas vezes consomem uma fatia grande do salário familiar. Nesses casos, é fundamental estar atento e indicar precocemente a realização de procedimentos cirúrgicos ou a laser para reduzir a pressão intraocular”, orienta o oftalmologista. Principais avanços recentes

Para Paulino, os maiores avanços recentes na área do glaucoma ocorreram no diagnóstico e acompanhamento da doença. “Especificamente me refiro ao desenvolvimento do OCT, que permite medir objetivamente a espessura da camada de fibras nervosas da retina. Trata-se de um método que veio complementar as informações obtidas no exame clínico do disco óptico e na perimetria computadorizada”, esclarece, apontando que no seu Consenso mais recente, a Associação Mundial de Glaucoma já inclui o OCT como um instrumento fundamental no diagnóstico e acompanhamento do glaucoma. “É uma pena que a ANS ainda não tenha incluído esta tecnologia no rol de exames cobertos pelos planos de saúde, mas espero que isso ocorra rapidamente”, lamenta. Na área do tratamento do glaucoma, ele afirma que o que se tem visto é uma tentativa de combinar medicações já existentes no sentido de melhorar a aderência ao tratamento e a eficácia hipotensora. “Também há uma preocupação em reduzir a exposição a conservantes (especialmente o cloreto de benzalcônio), cujos efeitos tóxicos resultam em doença da superfície ocular”, revela. No tratamento a laser, surgiu recentemente uma nova forma de atuar sobre o corpo ciliar, reduzindo a produção do humor aquoso. “Trata-se de um laser micropulso (MP3), que logo estará disponível no Brasil e que é bem menos agressivo que a ciclofotocoagulação transescleral e bem menos invasivo que a endociclofotocoagulação, mantendo a eficácia de ambos”, acrescenta.


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A longo prazo, as terapias neurorregenerativas e neuroprotetoras poderão ajudar a recuperar neurônios perdidos ou melhorar as condições de sobrevivência dos neurônios remanescentes nos olhos com glaucoma

A respeito do tratamento cirúrgico, o médico revela ser de conhecimento de todos que novas estratégias vêm sendo lançadas para reduzir a pressão intraocular, utilizando vários implantes ou procedimentos, genericamente denominados MIGS (minimally invasive glaucoma surgery). “Todos se baseiam na possibilidade de obter redução da pressão de maneira minimamente invasiva, facilitando o acesso do humor aquoso ao canal de Schlemm (iStent, Kahook dual blade, Trabectome), criando uma comunicação com o espaço subconjuntival ab interno (Xen) ou ab externo (In Focus), ou estabelecendo uma comunicação com o espaço supraciliar (Cypass, iStent supra)”, explica. O especialista enfatiza que com esses novos aparatos, alguns deles já aprovados no Brasil, aumenta significativamente o armamentário cirúrgico, customizando a abordagem de cada paciente. Perspectivas futuras

Em relação às perspectivas futuras com relação ao diagnóstico, acompanhamento e tratamento do glaucoma, o especialista enfatiza que as perspectivas estão em tornar esses processos mais objetivos, integrando dados estruturais, funcionais e fatores de risco. “Hoje, integramos esses dados de maneira intuitiva, relativamente grosseira. Uma abordagem objetiva facilitará a decisão diagnóstica e o desenvolvimento da estratégia de tratamento. Em relação a isso, há projetos que colocam e correlacionam em um mesmo impresso dados estruturais e funcionais (Forum da Zeiss e Cluster Trend Analysis do Octopus)”, destaca. Por outro lado, ele diz que há outra maneira de encarar a mesma questão, a qual envolve a criação de índices (como o CSFI, desenvolvido pelo Dr. Felipe Medeiros), fórmulas e sistemas de aprendizagem de máquinas que empregam inteligência artificial (sendo investigados na Unicamp), que permitem calcular o risco de desenvolvimento/progressão do glaucoma baseado em dados estruturais e funcionais. “Também na área de diagnóstico, creio que cada vez mais investigaremos na prática os genes

associados ao glaucoma e suas mutações, ajudando familiares a conhecer o risco de desenvolvimento da doença”, complementa. Já em relação ao acompanhamento e monitorização do glaucoma, o médico acredita que em breve os especialistas terão à disposição recursos que permitirão medir a pressão intraocular em tempo real durante as 24 horas do dia, o que deverá mudar o paradigma em relação ao diagnóstico e tratamento do glaucoma. “Com isso, teremos que nos habituar a manipular um volume de informações muito maior do que o atual”, prevê. Ele crê, ainda, que outros fatores de risco investigados há muito tempo (como os fatores vasculares ou mesmo a pressão intracraniana) poderão fornecer informações complementares que afetarão o modo pelo qual se trata o glaucoma. “Hoje as informações de que dispomos nos permitem intuir que esses mecanismos possam participar da fisiopatogenia da doença, mas não há comprovação de que atuar sobre esses parâmetros melhore o prognóstico dos nossos pacientes”, esclarece. Quanto ao tratamento clínico, o oftalmologista diz esperar ansiosamente o desenvolvimento de novas drogas mais eficazes e com menos efeitos colaterais que as atuais. “Esse passo pode incluir a utilização de nanotecnologia, ou a utilização de novos meios de delivery (plugs, injeções intracamerais ou intravítreas), alguns já em estudo.” Ele afirma que num futuro mais distante a terapia gênica poderá ser incorporada, destinada a evitar a ação dos genes mutantes associados à doença, impedindo o surgimento do glaucoma. “E, finalmente, a longo prazo, as terapias neurorregenerativas e neuroprotetoras poderão ajudar a recuperar neurônios perdidos ou melhorar as condições de sobrevivência dos neurônios remanescentes nos olhos com glaucoma”, informa. Para ele, o futuro do tratamento cirúrgico inclui a busca por um procedimento eficaz, previsível, de baixo custo e com um excelente perfil de segurança. “Se isso for atingido, é possível que a sequência clássica de tratamento clínico-laser-cirurgia possa ser modificada”, conclui Paulino. l



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CHRISTIANE ROLIM DE MOURA

Glaucoma: aspectos

diagnósticos

A

oftalmologista Christiane Rolim de Moura, professora afiliada de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM), explica que a maior parte dos pacientes portadores de glaucoma não está ciente de seu diagnóstico e, uma vez que o emprego de métodos de triagens populacionais não se mostra custo-efetivo para combater a cegueira pelo glaucoma, é no exame oftalmológico de rotina que o paciente terá a chance de receber o diagnóstico, o tratamento e alertar parentes para também procurarem atendimento. “É fato que o atendimento deve ter início com a anamnese, porém os exames oftalmológicos buscam os sinais da doença”, relata a médica. “Certamente a análise biomicroscópica do disco óptico, preferencialmente sob midríase, é o exame básico mais relevante para o diagnóstico de glaucoma”, continua a especialista, esclarecendo que este exame deve ser, na consulta oftalmológica, associado à medida da pressão intraocular e à análise biomicroscópica da câmara anterior, na qual se avaliará o aspecto da íris, córnea, cristalino e profundidade da periferia (por meio da técnica de van Herick), complementada pela gonioscopia. Entre os exames complementares para diagnóstico do glaucoma, a oftalmologista enfatiza que a campimetria é primordial. “Ela fornece o diagnóstico e também o estadiamento da doença”, revela, esclarecendo que a paquimetria, para avaliar a espessura central da córnea, também é de extrema importância na estimativa da pressão intraocular, desde que estudos relevantes já destacaram a necessidade de

uma correlação clínica deste dado com os valores obtidos com diversos tonômetros. “A tomografia de coerência óptica da camada de fibras da retina peripapilar e da mácula tem sido cada vez mais empregada no nosso meio. É bastante interessante para colaborar com o diagnóstico precoce e já há certa evidência sugerindo a possibilidade de ser usada para seguimento”, informa. Na opinião da médica, para realizar um bom diagnóstico é imprescindível que os especialistas tenham tempo para um exame sistemático, buscando os sinais previamente conhecidos, que é a forma mais eficiente de ter sensibilidade na suspeição diagnóstica. Quanto às perspectivas futuras em relação ao aprimoramento no diagnóstico do glaucoma, a professora afirma que há uma grande expectativa em relação aos dispositivos de aferição da pressão intraocular, de modo mais preciso, que sofra menos influência da biomecânica corneana e que permita um monitoramento em horários extracomerciais. Para ela, no entanto, os dispositivos disponíveis ainda parecem necessitar de aperfeiçoamento e redução de custo. “Em relação a outras tecnologias, acredito que, tendo os tomógrafos de coerência óptica passado por uma evolução muito acentuada nos últimos anos, as maiores mudanças devem acontecer no campo dos testes psicofísicos”, prevê a oftalmologista, destacando que novos testes, nos quais a subjetividade do examinado parece ser menos relevante, têm sido estudados. “Esperamos que venham para a prática num futuro breve”, finaliza Christiane. l



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CRISTIANO CAIXETA UMBELINO

Tratamento clínico

do glaucoma: monoterapia N

a opinião do oftalmologista Cristiano Caixeta Umbelino, médico assistente do Departamento de Glaucoma da Santa Casa de São Paulo, SP, e membro da Diretoria do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), a terapêutica clínica deve ser instituída em todos os pacientes com diagnóstico de glaucoma. “É importante que tenhamos consciência de que a instituição de um modelo de tratamento pode não ser definitiva. Temos que avaliar sempre os resultados alcançados e adequá-los às nossas expectativas de sucesso, através dos exames e consultas periódicos. Caso nossa meta não seja atingida, temos a obrigação de mudar a estratégia adotada”, enfatiza o médico.

O tratamento clínico, de acordo com o especialista, é realizado através da utilização de colírios que buscam a redução da pressão intraocular. “Segundo o Consenso da Sociedade Brasileira de Glaucoma, iniciamos o tratamento do paciente glaucomatoso através da instituição de uma monoterapia, ou seja, uma única droga”, destaca, alertando que não se deve confundir e iniciar o tratamento com associação fixa de drogas, que são medicamentos compostos por duas ou mais drogas em um mesmo frasco de colírio. “Ao utilizarmos as drogas de forma separada, teremos condição de avaliar qual a eficácia de uma determinada medicação no paciente em questão”, analisa. Caixeta salienta, ainda, que a utilização do mesmo me-


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Segundo o Consenso da Sociedade Brasileira de Glaucoma, iniciamos o tratamento do paciente glaucomatoso através da instituição de uma monoterapia, ou seja, uma única droga

dicamento em indivíduos diferentes apresenta resultados de eficácia diferentes. “Após iniciarmos a monoterapia, avaliamos o resultado obtido e decidimos se mantemos o tratamento ou se existe a necessidade de substituição do primeiro medicamento escolhido”, explica, acrescentando: “Ou, quem sabe, decidimos por mantê-lo e associamos outro medicamento para potencializar a redução da pressão intraocular.” Para ele, é fundamental entender que não existe uma receita padrão para todos os pacientes. “O tratamento clínico tem que ser individualizado e personalizado para cada paciente”, recomenda o especialista. Avanços da terapêutica medicamentosa

O médico diz que os avanços na terapia clínica no tratamento do glaucoma estão relacionados com os lançamentos de novas drogas, novos dispositivos e novas associações de drogas. “A melhora da eficácia dos medicamentos postergou a indicação da cirurgia para o tratamento do glaucoma, tornando-a uma opção válida apenas nos casos em que, por algum motivo, o tratamento clínico não atingiu o objetivo determinado ou quando não podemos utilizá-lo, devido alguma condição clínica do paciente”, aponta. Para ele, o grande avanço nesta modalidade ocorreu com o lançamento dos análogos de prostaglandinas e prostamidas. “Lançada em meados da década de 1990 e início da década de 2000, esta classe de drogas apresentou bons resultados no controle pressórico dos pacientes”, comenta. O oftalmologista esclarece que no Brasil não houve novos lançamentos de classes terapêuticas nos últimos anos, porém existem alguns estudos sendo conduzidos em busca de novas drogas, com novos mecanismos de ação e novos métodos de disponibilização das drogas. “Estes novos modelos de disponibilização das drogas visam uma maior comodidade posológica, o que, sem

dúvida, favorecerá o comprometimento do paciente com o tratamento, melhorando, assim, os resultados”, prevê Caixeta, comentando que no Japão uma nova classe de medicamentos, os inibidores da Rho quinase, vem sendo utilizada como uma ferramenta a mais no arsenal terapêutico e, de acordo com os estudos, apresentando resultados satisfatórios. “É muito difícil eleger uma droga ideal. Acredito que para ser considerada uma droga ideal alguns pontos deveriam ser considerados, entre os quais eficácia, ausência de efeitos colaterais, comodidade posológica e custo”, relata o médico, afirmando que até o momento não há nenhum medicamento que cumpra todos estes quesitos. “Temos excelentes medicamentos, com boa eficácia; contudo, ainda apresentam efeitos colaterais indesejáveis e custo elevado”, destaca, salientando que nos dias de hoje as drogas consideradas de primeira escolha no início do tratamento são os análogos de prostaglandinas. Para ele, sem dúvida, as novas associações fixas de medicamentos vêm acrescentar opções no raciocínio clínico de como conduzir o paciente com glaucoma. “Na minha prática diária, as associações fixas têm espaço nos pacientes em que a monoterapia obteve um bom resultado, entretanto não atingiu a pressão-alvo desejada, necessitando de uma potência adicional”, explica. Ele revela que com os novos lançamentos de associações fixas com duas e até três drogas em um mesmo frasco, começa-se a discutir sobre os conceitos de terapia máxima tolerada antes da indicação de cirurgias. Ele diz que, certamente, a comodidade posológica será um benefício e, consequentemente, trará uma melhor fidelidade do paciente ao tratamento, melhorando os resultados. “Além disso, teremos um menor número de gotas sendo instiladas nos olhos dos pacientes, o que representará uma menor exposição a agentes nocivos à superfície ocular”, finaliza Caixeta. l




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ROBERTO MURAD VESSANI

Tratamento clínico com

associação de drogas N

a opinião do médico oftalmologista Roberto Murad Vessani, chefe de Ambulatório do Setor de Glaucoma/Departamento de Oftalmologia da EPM/Unifesp e pós-doutorando no Departamento de Oftalmologia da EPM/Unifesp, houve um importante avanço, sem dúvida nenhuma, no tratamento clínico do glaucoma nos últimos 20 anos. “Diferentes classes terapêuticas de medicamentos com mecanismos de ação complementares foram introduzidas, permitindo o alcance de pressões intraoculares mais baixas quando necessário”, comenta. Paralelamente, ele revela que associações fixas foram desenvolvidas e lançadas no mercado, facilitando a posologia para o paciente. O especialista diz que novas associações de medicamentos estão programadas para serem lançadas muito em breve no Brasil, fornecendo mais opções ao oftalmologista

no planejamento terapêutico. “A disponibilidade de diferentes drogas, aliada à possibilidade de diversas combinações medicamentosas, permitiu o controle clínico de um número maior de indivíduos com glaucoma e a redução de indicações cirúrgicas em comparação ao passado”, enfatiza, salientando, por outro, que a multiplicação das opções de medicamentos foi acompanhada por dificuldades na adesão e manutenção da terapia clínica a longo prazo por boa parte dos pacientes. “Esse é um problema que está, em parte, relacionado às dificuldades na posologia e efeitos colaterais”, avalia. Ele destaca que existe uma grande expectativa por novas vias de tratamento clínico local no glaucoma além dos colírios. Sistemas de liberação lenta de drogas em dispositivos intracamerais injetáveis, plugs de ponto lacrimal e lentes de contato vêm sendo estudados para facilitar o


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tratamento, que é muitas vezes para a vida inteira quando não há indicação cirúrgica. “Considerando o rápido avanço tecnológico, é possível que em um futuro não muito distante, a forma como realizamos a terapia clínica em nossos pacientes mude radicalmente”, afirma o médico. Para o oftalmologista, atualmente o tratamento clínico dos pacientes com glaucoma deve ser feito através de colírios hipotensores que podem ou não ser combinados de acordo com a pressão intraocular que se quer alcançar. “A terapêutica clínica está indicada para os pacientes que apresentam risco para comprometimento da função visual de forma a comprometer sua qualidade de vida”, aponta. Nesse grupo, segundo o especialista, incluem-se pacientes glaucomatosos com risco de progressão e longa expectativa de vida, indivíduos com hipertensão ocular e diversos fatores de risco associados à conversão para glaucoma (pressões intraoculares mais altas, córneas mais finas, entre outros). “Cada olho do paciente deve ser avaliado de forma individual quanto ao risco relacionado à doença e planejamento terapêutico”, orienta. Protocolo de medicações antiglaucomatosas

PIO-alvo programada para o paciente”, orienta o médico. Quanto aos efeitos colaterais relacionados às drogas antiglaucomatosas, Vessani declara que as medicações tópicas comercialmente disponíveis podem apresentar algum tipo de efeito colateral local e/ou sistêmico. “Entre os efeitos sistêmicos ao utilizar o maleato de timolol, o oftalmologista deve estar atento ao risco de descompensação em pacientes com doenças pulmonares e/ou arritmias cardíacas clinicamente significativas”, alerta. Já sobre as prostaglandinas, que são frequentemente utilizadas como medicação de primeira escolha, ele afirma que é importante avaliar e discutir com o paciente o risco de efeitos colaterais importantes, como pigmentação da pele ao redor da pálpebra, alteração da coloração da íris (que é definitiva), aumento de espessura e comprimento dos cílios e até mesmo atrofia de gordura periorbitária e enoftalmo leve. Segundo o especialista, outra parte dos efeitos colaterais locais, como as doenças de superfície ocular, está relacionada à toxicidade do conservante. “A terapia clínica antiglaucomatosa a longo prazo pode causar e/ou exacerbar doenças de superfície ocular, como olho seco, disfunção de glândula meibomiana (DGM) e alergia crônica, as quais têm uma prevalência muito maior em indivíduos glauco-

Vessani diz que o tratamento clínico hoje de pacientes com glaucoma, segundo o consenso da Sociedade Brasileira de Glaucoma e de outras entidades internacionais, deve ser iniciado, preferencialmente, atraA associação fixa de medicações vés de monoterapia. “Se a terapia inicial não for efetiva - redução da antiglaucomatosas apresenta algumas PIO menor do que 10% ou valores vantagens, tais como posologia mais fácil, absolutos suficientemente elevados para trazer risco ao paciente -, faz-se diminuição da exposição dos olhos aos a substituição da droga inicial por conservantes e seus efeitos colaterais outra”, revela, esclarecendo que se houver resposta terapêutica maior do que 10%, mas inferior à faixa de valores pressóricos matosos do que na população geral”, observa o médico. Ele planejada para um determinado paciente (pressão in- relata que o conservante cloreto de benzalcônio, presente traocular-alvo), faz-se adição de uma segunda medica- em grande parte dos medicamentos antiglaucomatosos, é ção pertencente à classe terapêutica distinta e que tenha um dos principais responsáveis por esses efeitos colaterais. “Entretanto, a suspensão dos colírios antiglaucomatoefeito sinérgico à primeira droga. Essa adição, de acordo com o especialista, pode ser sos geralmente é suficiente para reversão da maior parrealizada através de associação fixa de drogas ou não. “A te dos efeitos colaterais, quando os mesmos se tornam associação fixa de medicações antiglaucomatosas apre- intoleráveis pelo paciente”, aponta o médico, destacando senta algumas vantagens, tais como posologia mais fácil, que o uso de corticoide milesimal por um período de diminuição da exposição dos olhos aos conservantes e tempo curto associado a lubrificantes sem conservantes seus efeitos colaterais”, comenta, informando que todas as pode auxiliar na recuperação das alterações relacionaassociações fixas atualmente disponíveis no Brasil contêm das à superfície ocular. “A utilização de lubrificantes sem maleato de timolol e, portanto, deve-se avaliar em cada conservantes também deve ser considerada em pacientes caso se há contraindicação para essa droga. “No tratamen- sob terapia clínica tolerável, mas com presença de sinais to com associação de drogas, deve-se buscar a utilização de olho seco, visando melhorar o conforto do paciente”, da menor quantidade de medicamentos para atingir a conclui Vessani. l


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WILMA LELIS BARBOZA

Tratamento clínico:

efetividade e segurança S

egundo a oftalmologista Wilma Lelis Barboza, professora de Oftalmologia da Universidade de Taubaté (SP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Glaucoma, o tratamento do glaucoma com o uso de colírios hipotensores é o utilizado pela maioria dos portadores dessa doença. “O objetivo do tratamento é ser eficiente, ou seja, além de reduzir a pressão intraocular, deve ser bem tolerado pelos pacientes. Isso significa menor número de doses possível, menor número de frascos a serem usados, não causar desconfortos a curto e longo prazo e também ter um custo que possibilite a manutenção do tratamento”, explica a médica. Para ela, é de fundamental importância que o paciente compreenda que o glaucoma é uma doença assintomática

e que, a despeito disso, ele precisa fazer uso crônico de medicações. “É extremamente relevante que qualquer intolerância à medicação inicialmente prescrita seja comunicada ao médico e prontamente solucionada, para que não haja abandono do tratamento”, alerta a especialista. Ela diz que as drogas disponíveis no mercado atualmente são muito eficazes, conseguindo manter a doença sem progressão na maioria dos casos. “A combinação de diferentes drogas pode chegar a reduções de cerca de 35%-40% da pressão intraocular inicial”, completa. Em relação aos avanços do tratamento clínico para o glaucoma, Wilma enfatiza que ao longo dos anos observou-se que o surgimento dos análogos de prostaglandinas foi revolucionário. “Como são muito eficazes na redução da pressão intraocular e são muito bem


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tolerados, tornaram-se a primeira droga de escolha na terapia”, destaca, salientando que as combinações fixas de drogas representaram um avanço significativo no auxílio à fidelização do paciente ao tratamento. “Agora vamos entrar em uma fase de lançamento de combinações fixas de drogas sem maleato de timolol e de até três drogas num mesmo frasco. Será um recurso muito útil no nosso armamentário terapêutico”, avalia a professora. Na opinião da médica, a possibilidade de usar drogas sem conservantes é muito útil para os pacientes que fazem uso crônico de medicações e que podem levar a doenças da superfície ocular. “Tanto as drogas quanto os conservantes podem ‘agredir’ a superfície do olho; entretanto, se temos a opção de usar apenas a medicação (sem o conservante), isso se torna um benefício”, avalia. Por fim, ela revela que mais próximo da nossa realidade está a possibilidade de utilizar as medicações na forma injetável para liberação lenta. “Em breve, devemos ter mais resultados dos estudos que culminarão com o lançamento comercial desses produtos”, prevê a especialista. Acompanhamento seguro dos pacientes

Conforme explica Wilma, o acompanhamento do glaucoma tem como objetivo verificar, periodicamente, se a doença esta estável ou não. “Deve-se pensar: ‘as pressões que esse paciente tem estão adequadas para ele ou estão levando à piora da doença?’, questiona a oftalmologista, esclarecendo que para responder essa questão, pode-se ter várias medidas da pressão intraocular (especialmente nos casos de glaucoma secundário e de ângulo fechado, nos quais pode-se ter mais flutuação da pressão). “Mas o fundamental é saber se a estrutura do nervo óptico e sua função estão ou não inalteradas. Mantê-las estáveis é o objetivo do tratamento”, orienta a médica. De acordo com a professora, para avaliar a parte estrutural dos nervos é importante usar métodos qualitativos e/ou quantitativos, que são a retinografia e a tomografia de coerência óptica (OCT). “Para avaliar a parte funcional é preciso usar a campimetria. Quando os exames complementares são realizados regularmente fica fácil identificar a progressão ou não da doença e, assim, prevenir a perda visual”, assegura. Quanto ao tratamento, ela recomenda que em toda consulta seja discutido com o paciente como ele está se sentindo com o uso dos colírios. “É preciso verificar se há alguma mudança em seu tratamento sistêmico de outra doença para raciocinarmos se há interação medicamentosa, efeitos colaterais etc., que podem indicar a necessidade de mudança terapêutica”, aponta. Quanto aos efeitos colaterais relacionados às medicações utilizadas no tratamento do glaucoma, a oftal-

mologista informa que existe, potencialmente, o risco de efeitos colaterais oculares e sistêmicos. “Os efeitos oculares mais frequentes são a vermelhidão, sensação de areia e escurecimento palpebral, que incomodam com intensidade muito distinta os pacientes. Se forem toleráveis e o tratamento for eficiente, pode-se manter, mas há efeitos que impõem a interrupção da medicação”, avisa a especialista. Conforme esclarece a professora, o efeito colateral mais frequente é a alergia ocular e o menos frequente, porém mais grave, é o edema cistoide da mácula. “Em todos esses casos, a interrupção do tratamento resolve o problema”, analisa. Dos efeitos sistêmicos, a médica revela que os mais frequentes são gosto amargo na boca e boca seca; contudo, os mais relevantes são os relacionados à dificuldade respiratória (em geral por betabloqueadores) e depressão do sistema nervoso central (por alfa-agonistas) em pacientes mais idosos. “A retirada da medicação leva à resolução dos sinais e sintomas”, diz. Tratamento cirúrgico e campanhas de conscientização

A oftalmologista explica que há formas de apresentação do glaucoma em que o tratamento cirúrgico é a primeira escolha, como por exemplo no glaucoma congênito. “No glaucoma de ângulo fechado, o tratamento inicial sempre é feito com laser, a iridectomia”, afirma, salientando que deve fazer parte do raciocínio do tratamento do glaucoma a importância de estabilizar a doença com qualquer tratamento disponível, seja medicamentoso, a laser ou com cirurgias fistulizantes. “Não há gravidade que impeça o tratamento cirúrgico do glaucoma, ao contrário, esse pode ser o procedimento crucial para manter a visão do paciente”, enfatiza. Para ela, é bastante pertinente discutir com os pacientes, no momento do diagnóstico, qual será o tratamento inicial, se colírios hipotensores ou uma trabeculoplastia a laser. “O custo-benefício dessa modalidade terapêutica tem se mostrado muito adequado no nosso meio”, destaca a especialista, ressaltando, ainda, que as campanhas de conscientização sobre o glaucoma são fundamentais e que há fatores de risco que podem ser tratados para evitar a doença. “Também é muito importante que a doença seja diagnosticada precocemente para não levar à perda visual”, alerta a professora, afirmando que no nosso meio é comum as pessoas se preocuparem com diabetes ou hipertensão. “A divulgação de conhecimento precisa acontecer para que se dê a devida importância ao glaucoma. É papel de todos nós disseminarmos essas informações regularmente”, conclui Wilma. l


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PAULO AUGUSTO DE ARRUDA MELLO

Cirurgia precoce

X cirurgia tardia O

médico oftalmologista Paulo Augusto de Arruda Mello, professor titular do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/ EPM), relata que há uma série de evidências médicas demonstrando que indivíduos com glaucoma avançado têm uma qualidade de vida pior em comparação aos indivíduos com glaucoma inicial. “Não só a qualidade de vida é pior, mas o risco de se envolver em acidentes, tanto automobilísticos quanto acidentes profissionais e domésticos, é muito maior nos portadores de glaucoma avançado; dessa maneira, o ideal é que tratemos o glaucoma sempre na sua fase inicial”, destaca. Outro aspecto importante, de acordo com o especialista, é que o tratamento inicial do glaucoma custa menos que o tratamento avançado, fato este também observado em diversos trabalhos.

O tratamento ainda hoje mais eficiente para o glaucoma, segundo o professor, é a redução do valor da pressão intraocular, o que pode ser feito através do uso de medicamentos tópicos e/ou sistêmicos, ou seja, tratamento clínico, havendo também a possibilidade de tratamento com laser ou mesmo cirúrgico. “O tratamento clínico precisa ser eficiente e seguro, ele tem que reduzir eficientemente a pressão intraocular e dar segurança ao paciente, para não acarretar efeitos colaterais indesejáveis. E, além disso, há necessidade que o paciente tenha uma grande fidelidade ao tratamento (compliance)”, acrescenta o cirurgião. A fidelidade ao tratamento, conforme salienta Arruda, não é somente ao uso da medicação, mas também em relação aos retornos necessários para verificar se realmente aquele valor da pressão intraocular, atingido com o tratamento clínico, é eficiente para manter a pressão do


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indivíduo em um nível normal para aquele paciente, estabilizando, assim, o glaucoma. “Sendo assim, é imprescindível que o paciente utilize a medicação e faça as consultas e exames periodicamente”, enfatiza o médico. A laserterapia, na opinião do oftalmologista, muitas vezes consegue controlar o valor da pressão intraocular do paciente sem que haja necessidade do uso de colírios. “Quando o tratamento clínico não resolve, alguns casos podem ser tratados com total efetividade através da laserterapia”, assegura o especialista. O professor explica que o tratamento a laser teve um desenvolvimento muito grande nas últimas décadas, sendo que, atualmente, há modernos lasers que possuem uma eficiência muito grande. “E esse é um tratamento que pode ser refeito, como por exemplo a Trabeculoplastia Seletiva a Laser (SLT)”, comenta. Análise dos riscos e benefícios

mento e a segurança do paciente é, na realidade, o fator preponderante na decisão entre a cirurgia precoce versus a cirurgia tardia. Ele ressalta que vários consensos (nacionais e internacionais) já abordaram a questão da cirurgia precoce do glaucoma e nenhum deles chegou a uma conclusão e, por esse motivo, não há ainda um protocolo no Brasil ou em outros países para essa questão. “É difícil, dessa forma, afirmarmos que a cirurgia precoce do glaucoma é o procedimento ideal para todos os pacientes; teoricamente ela pode ser um benefício, mas a análise apropriada dos riscos tem que ser muito bem-feita”, avalia. Por todos esses fatores, o professor afirma que a cirurgia precoce não é condenável, mas tem que ser criteriosamente indicada. “Uma questão é o colírio causar efeitos colaterais e quando suspendemos o seu uso, o paciente melhora; outra situação é uma cirurgia acarretar alguma complicação. Resolver uma complicação cirúrgica é muito diferente de suspender uma medicação”, aponta o oftalmologista, esclarecendo que as complicações da cirurgia do glaucoma podem ser desde uma infecção, como uma endoftalmite, até o insucesso da cirurgia, passando por atalamias e também o desenvolvimento de catarata ou sinéquias.

Em relação ao tratamento cirúrgico, Arruda diz que é preciso mensurar muito bem em uma balança todos os riscos e benefícios do procedimento. “São vários os fatores que determinam isso, por exemplo a qualificação do cirurgião, o local onde esse cirurgião trabalha, as condições de manobras pós-operatórias, muitas vezes necessárias após uma cirurgia, porque no aparecimento de qualquer complicação o paciente necessita de um Vários consensos já abordaram a questão local adequado para se tratar”, alerta, salientando que o paciente precisará da cirurgia precoce do glaucoma e nenhum ter alguns cuidados pós-operatórios, deles chegou a uma conclusão e, por esse como não fazer muito esforço e fimotivo, não há ainda um protocolo no Brasil car atento a infecções pós-cirurgia. “Sempre queremos tratar o glaucoma ou em outros países para essa questão da forma mais precoce e mais eficiente possível, porque a abordagem dos Conforme explica o especialista, a cirurgia do glauglaucomas avançados é mais difícil; no entanto, analisar a qualidade da cirurgia e as condições do pós-operatório coma pode ter sucesso absoluto - quando o paciente não precisa mais usar os colírios -, pode ter sucesso parcial é essencial para o sucesso do tratamento”, revela. Outro fator a ser considerado é a cirurgia precoce - quando a cirurgia associada ao colírio controla o glauversus a cirurgia tardia. “Essa é uma decisão importante, coma - ou insucesso. Os insucessos, relata o médico, poporque inicialmente podemos pensar em fazer a cirurgia dem ocorrer em casos nos quais os pacientes, mesmo com precoce em todos os pacientes, mas não podemos esque- uso coadjuvante de colírios, continuam perdendo a visão. cer que há os riscos dessa cirurgia e uma série de fatores “Também pode haver insucessos ainda mais graves, como pós-operatórios que devem ser levados em conta”, pon- por exemplo uma endoftalmite pós-operatória, promodera o oftalmologista. Ele esclarece também que avaliar vendo a cegueira”, afirma o cirurgião. Ele destaca que a os custos do tratamento é importante na hora de decidir grande vantagem da cirurgia precoce é que o paciente por uma cirurgia mais precoce ou não. “E os custos de um fica livre do tratamento clínico. “Importante lembrar que tratamento cirúrgico englobam não só os insumos hos- mesmo os pacientes operados com sucesso não estão curapitalares, mas também outros gastos, como por exemplo dos, precisam fazer retornos periódicos, porque a cirurgia os vários retornos que o paciente terá, por quanto tempo pode falhar ao longo do tempo, embora hoje a cirurgia ele utilizará a medicação no pós-operatório, etc.”, aponta. do glaucoma seja considerada um procedimento muito Para o médico, a balança entre a eficiência do trata- seguro”, finaliza Arruda. l


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REMO SUSANNA JR.

Revolução na cirurgia do glaucoma:

implantes de tubos longos O

professor titular da Clínica Oftalmológica da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Remo Susanna Jr., ex-presidente da Associação Mundial de Glaucoma (2010-2012) e fundador e ex-presidente da Sociedade Latino-Americana de Glaucoma (2004-2012), conta que em 1906 surgiram os primeiros implantes feitos de crina de cavalos que, obviamente, não tiveram sucesso e, em contrapartida, tiveram enormes complicações. “Várias outras tentativas foram feitas sem sucesso, até que em 1969 Molteno idealizou o primeiro implante para glaucoma cujos princípios são válidos até hoje. A partir deste, surgiram vários outros implantes que

utilizaram os mesmos princípios, porém fabricados com diferentes materiais e formatos”, comenta o especialista. Ele esclarece que todos esses implantes consistem de um longo tubo de silicone que comunica a câmara anterior (ou, em casos específicos, cavidade vítrea após vitrectomia), com um prato distal que se encontra fixado no equador do olho (figura 1). “Com isto, o humor aquoso é drenado da câmara anterior ou vítrea para esta região do globo ocular, onde é absorvido”, afirma, ressaltando que, com o surgimento destes implantes, criou-se uma nova oportunidade terapêutica para os chamados glaucomas refratários, ou seja, nos que a trabeculectomia havia falhado


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Figura 1: Posição do tubo e prato do implante no olho.

Figura 2: Implante de Susanna.

Figura 3: Implante de Ahmed FP.

Figura 4: Implante de Baerveldt.

- ou quando a mesma não tinha indicação de ser realizada devido à elevada taxa de insucesso em alguns tipos de glaucoma. Ele diz que antes da cirurgia com implantes a opção era realizar processos ciclodestrutivos (na época ciclocriocoagulação), com alta taxa de complicações e baixa eficiência. “Atualmente existe uma tendência nos Estados Unidos de usá-los como primeira opção no tratamento cirúrgico do glaucoma, graças aos aperfeiçoamentos dos implantes e da técnica cirúrgica”, revela. O médico enfatiza que essa tendência resulta em um menor número de complicações precoces, uma cirurgia tecnicamente mais fácil e com resultado pressórico seme-

lhante ao da trabeculectomia (embora este conceito ainda seja fruto de debates), bem como menor necessidade de intervenção e vigilância no pós-operatório imediato.1-4 “Deve-se, contudo, levar em consideração que após a falha de uma trabeculectomia, ainda é possível realizar a cirurgia com implante e que, frequentemente, não é possível realizar uma trabeculectomia após a falha de uma cirurgia com implante, devido ao comprometimento conjuntival que esta cirurgia ocasiona”, informa o cirurgião, salientando que, em consequência, no caso de insucesso com a cirurgia com implante, geralmente há a necessidade de se colocar outro implante ou recorrer-se a procedimentos ciclodestrutivos.


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As características dos implantes podem ser vistas na tabela abaixo

área (mm2)

espessura

diâmetro externo do tubo

diâmetro interno do tubo

Ahmed FP

180

0,9mm

630μ

300μ

Baerveldt

350

0,84mm

630μ

300μ

Susanna UF

200

0,5mm

530μ

230μ

Técnica cirúrgica

Conforme explica Susanna, todos os implantes devem ser inspecionados antes de implantados. O dispositivo de drenagem de Ahmed deve ter a válvula aberta através da canalização do tubo com cânula apropriada (28G ou 30G) e irrigação forçada de BSS (prime). “A mesma técnica deve ser realizada em implantes não valvulados, com o intuito de verificar se o lúmen dos mesmos não apresenta oclusões”, relata, afirmando que o prato do implante é fixado à esclera através de orifícios próprios do implante com fio inabsorvível (seda 8-0 ou nylon 9-0), localizados a aproximadamente 5 mm a 6 mm do limbo, no caso do implante de Susanna (por apresentar "pés" para fixação que avançam 4 mm anteriormente à placa (figura 2), e fixação a 8-10 mm do limbo, no caso dos implantes de Ahmed (figura 3) e Baerveldt (figura 4). “Assim, o corpo do implante vai se situar entre 8 mm e 10 mm do limbo”, declara. O especialista revela que o tubo é cortado de forma biselada, de maneira que 2 mm a 3 mm do mesmo fiquem dentro da câmara anterior. “O bisel deve ficar voltado anteriormente, com ângulo aproximado de 30 graus. É feito um túnel escleral de aproximadamente 1,5 mm a 3 mm com uma agulha 26,5G, no caso do implante de Susanna (por ter um tubo mais fino), ou com agulha 23G nos demais modelos”, aponta. Esta tunelização, de acordo com o oftalmologista, deve ser feita com a penetração da agulha paralela e mais próxima à íris. O tubo será inserido na câmara anterior através deste túnel escleral. Nos casos dos implantes Ahmed ou Baerveldt, que têm um tubo com maior diâmetro (com consequente maior saída de líquido da câmara anterior), há necessidade de preenchimento da câmara com ar, BSS ou substância viscoelástica. No caso do implante de Susanna, este procedimento não é necessário. “Recomenda-se que o tubo seja recoberto com manchão de esclera ou córnea

preservada ao longo de todo o seu trajeto”, orienta. Segundo o médico, nos implantes não valvulados o fluxo do aquoso através do tubo deve ser inicialmente restrito através de uma oclusão completa do tubo, feita com uma sutura com fio absorvível (Vicryl 7-0) próximo à borda anterior do prato. É feita em seguida uma fenestração anterior a esta sutura com a agulha do fio de nylon 10-0 ou do próprio Vicryl 7-0, para permitir saída do humor aquoso até que ocorra a absorção do Vicryl e consequente abertura do tubo. “Esta sutura deve ser posicionada de forma a ficar visível para eventual tentativa de lise de sutura com laser de argônio ao longo do acompanhamento pós-operatório”, destaca, ressaltando que após fixação do tubo e cobertura do manchão de esclera, a conjuntiva e Tenon são reposicionados e suturados no limbo de forma a cobrir todo o implante de drenagem. Susanna diz que, em média, a pressão ocular fica abaixo de 21 mmHg em, aproximadamente, 85% dos casos com o uso de medicamentos hipotensores, visto que 1/3 a 2/3 das cirurgias com implante necessitam do uso destas medicações, preferencialmente drogas que inibem a produção de humor aquoso. “Há uma perda de controle da pressão ocular de aproximadamente 10% ao ano. Estes dados, contudo, dependem do tipo de glaucoma, sendo piores nos glaucomas neovasculares”, avalia o especialista. Ele enfatiza que as complicações sérias ocorrem em 29% com o implante de Ahmed e 34% com o de Baerveldt.5 “Neste aspecto, o implante de Susanna mostrou um número bastante inferior de complicações (6,88%), devendo considerar-se, contudo, que o período de seguimento neste último foi menor”,6 completa. Indicações e comercialização dos implantes

As indicações clássicas para o uso dos implantes, de


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acordo com o oftalmologista, são: trabeculectomia que falhou, a despeito do uso de mitomicina; fibrose conjuntival superior extensa; glaucoma neovascular; e situações nas quais o cirurgião considera que a trabeculectomia tem grande chance de falência. “Conforme dito anteriormente, com base em estudos recentes, a indicação do uso dos implantes tem mudado, principalmente nos Estados Unidos, onde seu uso como opção cirúrgica primária tem aumentado, sob a justificativa de menor frequência de complicações precoces, pós-operatório imediato menos trabalhoso, maior facilidade técnica e menor número de intervenções no pós-operatório do que a trabeculectomia”, destaca. Para o médico, tendo em vista que existem três implantes comercializados no Brasil, seria interessante uma descrição sobre os mesmos, com suas vantagens e desvantagens. Dessa maneira, os implantes podem ser classificados em valvulados e não valvulados. Os implantes valvulados (Ahmed FP-7, de silicone, e Ahmed S2, de polipropileno) permitem filtração imediata para o espaço subconjuntival, com imediata redução da pressão intraocular (PIO), “ao contrário dos não valvulados, que necessitam de sutura para restrição ao fluxo - o que aparentemente seria uma desvantagem, como veremos na sequência, na realidade pode ser uma vantagem”, avisa. Susanna esclarece que as desvantagens do modelo valvulado incluem: mau funcionamento da válvula, ora causando hipotonia, ora não abrindo-a suficientemente, com consequente manutenção de pressões elevadas; fusão tardia das lâminas que compõem a válvula e consequente comprometimento da filtração; prato mais espesso e com irregularidades em sua superfície, o que dificulta a colocação em olhos com pouca conjuntiva disponível e excessiva tensão conjuntival com maior risco de extrusão do implante; espessamento da cápsula ao redor do implante, com consequente redução da filtração, em decorrência da passagem de elevados níveis de TGβ e PGE2, substâncias pró-inflamatórias, para o prato.7 O cirurgião revela que os implantes não valvulados evitam que elevados níveis de TGβ e PGE2, encontradas durante a hipertensão ocular nestes olhos, atinjam a placa precocemente, devido à restrição do fluxo inicial para a placa. “A PIO, no entanto, tende a permanecer elevada até a absorção deste fio, o que pode ser minimizado através de uma fenestração do tubo com a agulha do fio de nylon 10-0 ou Vicryl 7-0, anterior à sutura, propiciando escoamento do aquoso até que o fio seja absorvido (ao redor de cinco semanas) e o fluxo de aquoso atinja a placa”, complementa, salientando que a despeito de diferentes critérios de sucesso e tempo de seguimento, as taxas de sucesso descritas na literatura são semelhantes para os três dispositivos (ao redor de 85%).

Já as potenciais vantagens do implante de Susanna sobre os dispositivos de Ahmed e Baerveldt incluem: sendo feito com silicone muito flexível, o implante de Susanna pode ser posicionado dobrado, através de menor abertura conjuntival e, com os movimentos oculares, ocasiona menos trauma às estruturas adjacentes, minimizando a inflamação e consequente fibrose da cápsula, uma das principais causas da falência do implante; menor trauma peroperatório resulta em menor intensidade de inflamação dos tecidos ao redor do implante e encapsulamento do prato; fixação a 5-6 mm do limbo e, consequentemente, menor risco de complicações cirúrgicas iatrogênicas e maior facilidade de implantação; túnel escleral pode ser confeccionado com agulha mais delicada (26,5G), tornando mais fácil a sua confecção. Ainda, menor probabilidade de extrusão do tubo e placa (tubo com 530 micra de diâmetro e prato com 0,5 mm de espessura); tubo mais fino com menor possibilidade de toque no endotélio, íris e cristalino e ficando mais longe do endotélio minimiza a perda endotelial crônica; pode ser customizado (cortado) de acordo com o espaço subconjuntival disponível; pode ser usado em pacientes com explantes esclerais (pós-cirurgia de descolamento de retina) e conjuntivas fibróticas (0,5 mm de espessura e moldável e flexível). “Por fim, não necessita preenchimento da câmara anterior com substâncias viscoelásticas ou mesmo ar”, conclui Susanna. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Desai MA, Gedde SJ, Feuer WJ et al. Practice preferences for glaucoma surgery: a survey of the American Glaucoma Society in 2008. Ophthalmic Surg Lasers Imaging 2011;42:202-208. 2. Gedde SJ, Schiffman JC, Feuer WJ et al. Treatment outcomes in the tube versus trabeculectomy (TVT) study after five years of follow-up. Am J Ophthalmol 2012;153:789-803 e782. 3. Gedde SJ, Herndon LW, Brandt JD et al. Postoperative complications in the tube versus trabeculectomy (TVT) study during five years of follow-up. Am J Ophthalmol 2012;153(5):804-814 e801. 4. Vass C, Hirn C, Sycha T et al. Medical interventions for primary open angle glaucoma and ocular hypertension. Cochrane Database Syst Rev 2007:CD003167. 5. Budenz DL et al. Treatment outcomes in the Ahmed Baerveldt (350 mm2). Comparison study after 1 year of follow-up. Ophthalmology 2011;118:443-52. 6. Biteli LG, Prata TS, Gracitelli CP et al. Evaluation of the efficacy and safety of the new Susanna glaucoma drainage device in refractory glaucomas: short-term results. J Glaucoma 2017 Apr;26(4):356-360. 7. Friedman J. What is new after 40 years of glaucoma implants. J Glaucoma 2010;19:504-8. l




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