Revista Raízes Jurídicas

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ainda se passa com o fenômeno sindicalista e com a formação de verdadeiros monopólios à margem do Estado, pretendendo partilhar soberania do Estado”47. Embora Reale tenha abordado uma noção apenas horizontal de compartilhamento de poder, deu-nos a chave para enquadrar com precisão a transcendência vertical de poder constituída no estamento brasileiro. Essas breves observações revelam na gradação de positividade um pensamento que permite superar o formalismo kelseniano não apenas em sua legitimação exclusivamente procedimental, mas em sua unicidade das fontes de poder. A difusão de diversos centros de positividade permite enxergar o estamento brasileiro não apenas como uma estrutura de permanente dominação, mas, sobretudo, como reveladora de um conceito de poder desprendido do ordenamento jurídico.

Para superar a aporia entre a universalidade do conceito e da ideia e a particularidade contingente dos fatos, Miguel Reale defende que somente uma apreciação dialética da experiência jurídica pode superar o apontado antagonismo48. A genialidade dessa afirmação demonstra o avanço do pensamento de Reale quanto à necessidade desse movimento incessante, dessa crise, dessa tensão, para enxergar o Estado e, mais precisamente, o Estado brasileiro. A dinâmica de interação entre fato, valor e norma, contrapõe-se à estática da perenidade do grupo que se apropria do Estado, e se legitima pela racionalidade burocrática. A ideia das diversas positividades do direito permite iluminar com maior precisão esse grupo, tentando descolá-lo do Estado, a fim de não mais enxergá-lo com naturalidade. A principal consequência de sua manutenção, é a também manutenção das desigualdades sociais, combustível não apenas de enriquecimento dessa elite mas, sobretudo, de sua legitimação. Não apenas a dialética é favorável a esse entendimento, como o vazio de síntese ainda é visto por alguns como principal instrumento de continuidade do movimento, como é o caso de Antonio Negri: “Se na história da de-

mocracia e das constituições democráticas a tensão entre poder constituinte e poder constituído nunca atingiu uma síntese, devemos nos concentrar precisamente nesta negatividade e neste vazio de síntese para tentar compreender o poder constituinte”49. Vê-se, portanto, que a filosofia de Miguel Reale traz instrumentos preciosos para a compreensão desse fenômeno tão brasileiro de dominação e 47 48 49

REALE, Miguel. Teoria do direito e Estado. Op. cit., p. 320. Grifos no original. REALE, Miguel. Ensaios de filosofia e de ciência do direito. Op. cit., p. 38. NEGRI, Antonio. Op. cit., p. 23. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010

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