E-DESIGNE

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Com fabricação caseira, a cachaça Amigos do Bode tem como elemento principal o bode.

Cachaça, um rótulo brasileiro por Bia Castro Bia Castro é designer formada pela UniverCidade. Vencedora do Premio Max Feffer 2007, na categoria estudante.

ESTE ARTIGO TEM COMO OBJETIVO O RESGATE DA CULTURA POPULAR BRASILEIRA ENCONTRADA NOS RÓTULOS DE CACHAÇA. ATRAVÉS DA ARTE GRÁFICA USADA NOS RÓTULOS DAS GARRAFAS, É POSSÍVEL IDENTIFICAR UM DESIGN GENUÍNO E MARCANTE.

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O rótulo da cachaça Guaiamú é um exemplo das muitas marcas que tem um crustáceo como representação da bebida

O rótulo conta com uma ilustração gráfica bem marcante, as cores vermelha e amarela anunciam o crepúsculo matutino

( bia castro

A caninha 3X ilustra e representa a plantação de cana moída 3X, tipo especial de cultivo da cana de açúcar

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cachaça, um rótulo brasileiro

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A importância da cachaça como produto de identidade cultural do povo brasileiro quase sempre foi relegada a um segundo plano por grande parte dos formadores de opinião que compõem nossa elite, influenciada pelas expressões e modismos estrangeiros, vindos da Europa e América do Norte. A cachaça sempre foi tida como uma bebida popular, consumida pela população de baixa renda e de paladar rude. É fato que a simplicidade de seu processo de destilação e produção fez com que a bebida fosse produzida em série por todo o país, sem os cuidados e critérios qualitativos da maioria dos destilados notórios. Segundo Cascudo (1968), essa nacionalização exigiria algum tempo para tornar-se efetiva, atendendo a extensão territorial e precariedade da circulação. A cachaça conquistou níveis de ascensão em passagens de nacionalismo aflorado, como o período da Independência, quando se tornou ato patriótico não beber produtos das vinhas portuguesas. Os diversos nomes que a cachaça adquiria ao longo de sua evolução (cana, caninha, cachaça, pinga, aguardente da terra e do reino, jeribite, jiribita, garapa, azeda destilada, bagaceira, piripita) não prejudicaram sua divulgação. Era simplesmente uma diferença de regiões e costumes, afirma Cascudo (1986), que também discorre sobre o aspecto social da bebida como a droga dos excluídos, a fuga à realidade opressiva do eterno desajustado, hóspede de todas as culturas.

Produzida em Paraty, um dos pólos da produção da cachaça artesanal. O rótulo da Labareda traz a imagem da mulher quase como uma “pinup” do canavial. Produzida em offset em papel autoadesivo, conta com recursos de degradê, que nos rótulos mais antigos ainda não existia 3


A partir de 1850, o declínio do trabalho escravo e a adesão das elites cafeicultoras aos modismos europeus em detrimento da cultura nacional em formação fizeram com que a cachaça sofresse preconceito por parte dos brancos, como uma bebida de negros e marginalizados. Porém, em oposição a essas idéias discriminatórias e elitistas, formou-se o movimento de intelectuais, artistas e literários conhecidos como modernistas. A Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, iniciou o processo de redescobrimento da brasilidade, criticando com ironia e inteligência a tentativa de importação de modelos europeus de cultura e comportamento. Com características do cotidiano do povo brasileiro, assim como seus hábitos e cultura, as ilustrações e imagens usadas nos rótulos são inspiradas em temas musicais, personagens populares, nomes de famílias tradicionais, folclore, alusões às mulheres e aos homens etc. Existem mais de cinco mil marcas de cachaças registradas legalmente no Brasil. As marcas, na maioria das vezes, são criadas levando em consideração o local da produção, suas referências e características. A estética do design brasileiro aparece pura e simples nos rótulos de cachaça. O apelo erótico, as mulheres, os patriarcas, as regiões de cultivo da cana-de-açúcar, os animais regionais, entre outros, são figuras ilustrativas encontradas nos rótulos, com o objetivo de identificar as características do povo brasileiro, quase sempre de maneira ingênua e bastante popular.

A cachaça “ De cabeça para baixo” não é mais produzida nem vendida , mas seu rótulo conta com uma peculiaridade. Ao virá-lo de cabeça para baixo, a sua ilustração toma um outro sentido.

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Neste rótulo, a imagem da camponesa aparece místificada, com a intenção de mexer com o inconsciente dos homens que consomem a cachaça. A tipografia cursiva usada no nome da cachaça é bem marcante

O rótulo da cachaça Bagacinho, fabricada em Pernambuco, associa a imagem da mulher bebendo a cachaça, que também pode ser chamada de Bagaceira. O estilo gráfico é bem ingênuo


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( bia castro n

cachaça, um rótulo brasileiro

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5 Representada no mesmo estilo “pinup” do canavial, Caipirense tem uma ilustração bem “romântica” da colheita da cana de açúcar.


As marcas e os rótulos criados para representar esse produto conseguem passar toda a importância da cachaça como produto de identidade cultural do povo brasileiro, através de seu design gráfico.

A Praieira é uma cachaça composta com côco. Desta maneira, a praia é ilustrada ao fundo e o côco aparece em primeiro plano. A ilustração tem um traço rude, e o rótulo foi reproduzido através da litografia

O rótulo da Arara de Ouro tem um estilo muito clássico com uma ilustração cuidadosa e elegante representando a arara

Seguindo a tradição de homenagens, o rótulo Tocoiós representa a figura do índio no canavial

O rótulo conta com uma bela ilustração do pássaro que dá nome à cachaça

A ilustração do rótulo da cachaça Mugiana chama atenção para a cana que está sendo transportada até o alambique. Reproduzido pelo método da litografia, é um rótulo que tem caracteristicas ingênuas

Seguindo a mesma característica ingênua do rótulo da cachaça Mugiana, Sai da Frente representa na sua ilustração a distribuição da cachaça com humor. Também é um rótulo reproduzido através da litografia


TIPÓDROMO É A SEÇÃO DA REVISTA DESIGNE DEDICADA AO DESENHO E ESTUDO DAS LETRAS. SE VOCÊ CRIA TIPOS OU É AFICCIONADO PELA TIPOLOGIA, PASSE NO IAV INSTITUTO DE ARTES VISUAIS, NA AV. EPITÁCIO PESSOA, 1664, OITAVO ANDAR, OU MANDE UM E-MAIL PARA IAV@UNIVERCIDADE.BR: INSCREVA-SE NO NÚCLEO DE TIPOLOGIA DA UNIVERCIDADE TIPÓDROMO E PARTICIPE DE NOSSAS ATIVIDADES. A REVISTA DESIGNE TAMBÉM ESTÁ ABERTA A COLABORADORES DE TODAS AS PRAIAS E ETNIAS. ENTRE EM CONTATO. APRESENTAMOS A SEGUIR ALFABETOS CRIADOS PELOS ALUNOS DA DISCIPLINA TIPOLOGIA 2.

Grapixo, de Marcos Murity

Grand Font, de Rômulo Passos

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Domino type, de Bruno Chefer

Novo Oriente, de Ivens Guida

Unilex, de Eduardo Sayรฃo

Mondrian , de Marcella Real

Joanita, de Clรกudia Sassaki


Coluna T, de Octavio Peixoto

Mecenas, de AndrĂŠa Lima

Alegra, de LĂ­via Bandeira

Nuvem, de Danielle Joanes

Arabesc, de Luciana Lassance

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Cascuda, Renato de O. Pereira

Kappoff deco, de Igor BrandĂŁo

Shona, de Mariana Calvette

Graf Shaolin, de Rafael Vianna

DemonĂ­aca, Roberta Correia Pauletitch

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Contemporânea , de Maria Lynch

Glorfindel , de Guilherme de Paiva

Egipta, de André de Souza

Tipo Nyemeier, de Luis Saguar

Sea Urchin, de Luís Alfredo Fedoca

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Design Universal na Internet por Edson Rufino de Souza Mestrando em Design pela ESDI / UERJ e Especialista em Design de Interfaces pela Unicarioca. Designer responsável pela acessibilidade dos produtos web da Multirio - Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio de Janeiro.

O ACESSO À INTERNET DEFINITIVAMENTE DEIXOU DE SER ALGO SUPÉRFLUO. COM O CRESCIMENTO VERTIGINOSO DA GRANDE REDE NOS DIAS DE HOJE, CRESCE A GAMA DE SERVIÇOS DISPONÍVEIS NA INTERNET E QUE TORNAM A VIDA DAS PESSOAS MAIS FÁCIL. A REDE É CANAL DE NEGÓCIOS, OPORTUNIDADES, TRABALHO, RELACIONAMENTOS E, ATÉ MESMO, ENTRETENIMENTO PARA MILHÕES DE PESSOAS NO MUNDO INTEIRO. AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, DEVIDO À FALTA DE ADAPTABILIDADE DOS AMBIENTES URBANOS ÀS SUAS NECESSIDADES, PODERIAM SE BENEFICIAR DO GRANDE NÚMERO DE VANTAGENS OFERECIDAS PELA INTERNET. CONTUDO, PARA QUE ISSO ACONTECESSE, SERIA NECESSÁRIA A CONSIDERAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ACESSIBILIDADE.

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design universal na internet

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“O design tem a possibilidade de ser uma ferramenta de transformação social, ao contribuir na construção de um mundo mais inclusivo e com menos desigualdades entre as pessoas.”

( edson rufino

A acessibilidade para a web tem como objetivo fazer com que os websites tenham suas funcionalidades e conteúdo passíveis de ser utilizados plenamente por qualquer pessoa, independentemente de terem ou não alguma deficiência. Os sites devem poder também ser acessados por dispositivos e navegadores alternativos (ou mais antigos). O World Wide Web Consortium (W3C), órgão não-governamental que regulamenta as tecnologias e práticas utilizadas na internet, destaca-se na defesa da acessibilidade na web e propõe recomendações para facilitar a construção de websites acessíveis. Além do trabalho do W3C, várias iniciativas ao redor do mundo têm buscado fazer da internet um lugar cada vez menos excludente. Buscando o cumprimento do decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que trata da promoção da acessibilidade às pessoas que possuem algum tipo de deficiência, o governo federal brasileiro estabeleceu recomendações locais para a acessibilidade de conteúdo web, (o eMAG), com foco nos web sites governamentais da administração direta e indireta. Além disso, o governo estabeleceu como meta que todos esses sites seriam plenamente acessíveis, até o fim do ano de 2006. De maneira geral, as listas de recomendações além de orientarem o desenvolvimento de páginas acessíveis oferecem critérios para a avaliação da acessibilidade de um site. Neste sentido, são importantes auxílios às ferramentas de validação automática, como o Watchfire, WebXACT (antigo Bobby) e o brasileiro DaSilva. Ambos são sistemas que encontram problemas de acessibilidade a partir dos itens contidos nas recomendações de conteúdo web do W3C. No caso do DaSilva, há a possibilidade de buscar problemas com base no e-MAG. É importante destacar, no processo de avaliação de acessibilidade, a participação indispensável do usuário com deficiência. Por maior que seja a experiência do especialista, as pessoas com deficiência sempre conseguem perceber problemas de interação e sugerir melhorias que passariam despercebidas para os usuários sem problemas perceptivos ou motores. Percebe-se que o panorama na internet pode ser mudado drasticamente, a partir da adoção da postura do Design Universal. Esta postura, longe de propor soluções únicas e absolutas em projetos de Design, busca atender ao maior número possível de pessoas. Quando se atende bem às pessoas com dificuldade, também são beneficiados aqueles que não possuem dificuldades. Desta forma, o Design tem a possibilidade de ser uma ferramenta de transformação social, ao contribuir na construção de um mundo mais inclusivo e com menos desigualdades entre as pessoas.

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ESTE ARTIGO PRETENDE RELACIONAR O SURGIMENTO DA ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL DE DESENHISTAS INDUSTRIAIS DE NÍVEL SUPERIOR APDINS-RJ, COM O CENÁRIO DE SINDICALIZAÇÃO DO FINAL DOS ANOS 1970. A ORGANIZAÇÃO DE DESIGNERS SE INICIOU COM A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESENHO INDUSTRIAL – ABDI, EM 1963. A ABDI FOI CONSTITUÍDA POR PIONEIROS, QUE ATUAVAM NO CAMPO DO DESENHO INDUSTRIAL NOS ANOS 1950 E 1960, E POR ALGUNS INDUSTRIAIS.

Design e Politização nos Anos 70 Marcos Braga Designer, mestre em Antropologia e doutor em História Social. É membro do corpo editorial da Revista Estudos em Design.

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O Estatuto da ABDI definia a Associação como “sem fins econômicos” e “de caráter cultural”. Por ser a única associação, cobria tanto as atividades culturais quanto as atividades para atuação profissional. A distinção entre entidades de caráter cultural e de caráter pré-sindical iniciou-se em 1977, quando os cariocas manifestaram a intenção de mudar a ABDI para uma associação de classe, fundando a APDINS-RJ. A presença de empresários no quadro da ABDI foi um dos motivos que levou os cariocas a fundarem outra entidade, pois viam nessa presença muitas injunções. Em fins dos anos 1970, com mais de 20 escolas de Desenho Industrial implantadas no país e com a organização de um encontro nacional (o 1º ENDI), os desenhistas industriais consideraram que havia chegado a hora de conseguir sua reserva de mercado. A APDINS-RJ objetivava o encaminhamento da regulamentação profissional,

a realização de estudos sobre mercado de trabalho, o aprimoramento profissional, um código de ética e a discussão sobre o ensino. Estas ações atendiam às preocupações dos jovens profissionais de se inserir no mercado de trabalho. A APDINS-RJ foi fundada em 1978 em meio a um contexto nacional de distensão política e de crescimento da oposição à ditadura militar. Apesar de haver um sentimento generalizado de pertencimento ideológico à esfera da esquerda, apenas alguns daqueles designers eram filiados a partidos. As posições políticas que a APDINSRJ expressou, tanto em relação ao desenho industrial, e seu papel na sociedade, quanto ao contexto político nacional, deviam-se ao fato de a maioria de seus fundadores serem pessoas politizadas e que participavam de uma política de oposição à ditadura. Essa politização, para muitos, teria se iniciado no movimento estudantil.


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( marcos braga n

politização e designers nos anos 70

Capas do Jornal da Apdins/RJ (198384). Abaixo: informe ABDI-RJ (1976)

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É razoável supor que muitos dos jovens profissionais, que lideraram as reuniões e assembléias, agiram segundo experiências vividas nessa mobilização estudantil. Apesar de encontrarmos, em 1976, alguns dos primeiros formandos da UFRJ e da PUC-RJ, participando do movimento de designers, a maioria da liderança do movimento era oriunda da ESDI. O papel político da APDINS-RJ fica mais claro quando encontramos moções aprovadas que recomendavam apoio à anistia e aos movimentos reivindicatórios das diversas categorias profissionais, repudiando a intervenção governamental nessas entidades. Essas idéias norteavam o posicionamento político das lideranças, mas foram aprovadas na assembléia do 1º ENDI, evento que contou com a participação de cerca de 300 pessoas de diversos estados. A APDINS pré-sindical surge na mesma época em que despontava o “novo sindicalismo” no cenário nacional. Acreditava-se que este modelo associativo seria adequado a uma entidade que pudesse liderar uma postura política da categoria profissional para defender o projeto nacional de Design e, além disso, possibilitasse trabalhar no (e sobre) mercado. Baseado em: BRAGA, Marcos da Costa. Organização profissional dos designers no Brasil: APDINS-RJ, a luta pela hegemonia no campo profissional. Tese de Doutorado em História Social – PPGH/Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ

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Créditos

DESIGNE é uma publicação concebida e produzida pelo IAV – Instituto de Artes Visuais da UniverCidade e sua equipe: Carlos M. Horcades (diretor), Isabel Thees (coordenadora), Aldemar d´Abreu Pereira, Bruno Porto, Henrique Pires, Karen Cesar do Visconti, Luiz Agner (pr ofessor es pesquisador es), com a particiCesar,, Leonar Leonardo (professor ofessores pesquisadores), pação dos estagiários Mar cos Maurity oshida TTostes ostes Marcos Maurity,, Alyne YYoshida ostes,, Rafael Januzzi, Daniel Carvalho, Manoela Borghi e Elisa Ferreira. DESIGNE está aberta a colaboradores e sugestões pelo e-mail: iav@univercidade.edu ou por carta para IAV – Instituto de Artes Visuais da UniverCidade: Av essoa, 1664 8º andar 1-000, Rio de Av.. Epitácio PPessoa, andar,, Lagoa CEP 2247 22471-000, Janeiro RJ, Brasil. Não é permitida a reprodução do conteúdo desta revista sem autorização expressa e por escrito dos editores. As opiniões, informações e conceitos emitidos são de absoluta responsabilidade dos autores. Os títulos deste número foram compostos no tipo WhyNot? de Henrique Pires. Projeto Gráfico: Ricardo Leite e Isabel Thees Capa: Isabel Thees

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