DEPOIMENTO WILSON FIGUEIREDO
esquerda, nem de direita. Não havia debate político. Não havia Câmara, nem Senado, pô! O que houve na época foi uma mobilização estudantil para criar uma opinião favorável à entrada do Brasil na Guerra, quando começaram a ocorrer os afundamentos de navios. E o Brasil não reagia! Eu militei ativamente neste período. Participei de três Congressos da Une – realizados em 1944, 1945 e 1946. Houve, então, uma mobilização, um esclarecimento popular sobre essa questão. Entramos na Guerra. E quando ela já se aproximava do fim, todos já admitiam a idéia de que o Brasil se tornaria uma democracia em pouco tempo. O fim da Segunda Guerra foi bom, sobretudo, porque ninguém ousou pensar em outra coisa que não fosse criar um Estado de legalidade neste País. Essa foi a grandeza daquele momento. O Partido Comunista voltou à legalidade, os partidos de oposição começaram a aparecer... E eu participei de tudo isso, como prioridade pessoal na minha vida. Jornal da ABI – Pois é, Wilson. Você está falando de memória. Eu vou chamar isso de trajetória. Você, em quase sete décadas de atividade, atuou como repórter, redator, editor, colunista, cronista e editorialista. Cobriu o fim do Estado Novo, a Constituinte de 1946, o suicídio de Vargas, os anos JK e as loucuras de Jânio Quadros, chegando a prever, com dias de antecedência, a sua renúncia. Atuou, ainda, nos anos da ditadura, nas Diretas Já e chegou à redemocratização, com a saída de Collor, os tempos de instabilidade política com FHC e Lula. Não lhe parecia um pecado – no mínimo um desperdício – deixar tamanha experiência sem um registro documental, isto é, restrita apenas às suas lembranças? Wilson Figueiredo – Então, um belo dia o Francisco Soares Brandão, sóciofundador aqui da FSB, me chamou e disse: 'Eu tive uma idéia! Publicar um livro sobre a sua vida!". E eu respondi: "Ah, essa não! Não há hipótese, Chiquinho!". Sou arredio, não gosto desta exposição. Na verdade, sou tímido. Eu gosto é de conversar com os amigos. Até que reelaborei a proposta. "Façamos o seguinte. Vamos tratar da minha vida profissional, mas falando das coisas do meu tempo, passando pelos fatos que vi e vivi. Eu colaboro e coisa e tal". Pronto! Ele logo contratou uma empresa para editar o tal livro! Eu fiz algumas exigências. Algumas delas foram cumpridas, outras não... (risos) Jornal da ABI – Como assim? Wilson Figueiredo – Ah, pedi que eu tivesse a última palavra sobre tudo! Mas, claro, eles acabaram fazendo, meio que à revelia, uma espécie de roteiro, uma marcação do tempo, um negócio pequenininho assim bem do
16
JORNAL DA ABI 387 • FEVEREIRO DE 2013
“Jornal ocupa a cabeça e a vida pessoal. É pior que paixão!” lado da página, onde foi construída uma cronologia da minha vida. Jornal da ABI – Ah, entendi... Acabaram entrando no livro mais coisas pessoais do que você gostaria... Wilson Figueiredo – É, mas nada que comprometesse. Acabei gostando. Acho apenas que o lado pessoal não tinha que entrar na minha biografia, pois ele não tem peso. Se eu tivesse um êxito social extraordinário... Mas eu sou uma pessoa comum. Minha família delirou. Pois os familiares, você sabe, acham que a gente deve se expor. Eu acho justamente o contrário! Mas tudo bem... Jornal da ABI – O jornalista Moacyr Andrade foi o organizador do texto. Você, com suas exigências, deu muito trabalho pra ele? Wilson Figueiredo – Acho que sim... (risos) Se bem que ele não é muito de reclamar, nem de falar. Agora, no dia de lançamento do livro, na Travessa do Leblon, ocorreu algo de curioso. Eu fiquei em pé por quase seis horas, sem sair do lugar, num espaço de dois metros quadrados, cercado de gente por todo o lugar. E o Chiquinho falou: "Não, você não vai dar autógrafos. Isso a gente combina com a pessoa, que ela receberá em casa, depois...". Na verdade, eu teria vergonha de fazer uma dedicatória padrão pra todo mundo: 'Para fulano de tal, com a admiração e o abraço do Wilson Figueiredo'. Não! Para cada um eu teria que escrever algo particular. Sou assim... Sei é que eu quase fui ao inferno no mês de dezembro de 2011, de tanto livro que assinei, com as tais de-
dicatórias personalizadas... Eu quase não me lembro de mais nada daquele período. (risos) Parece que nem vivi... Em janeiro do ano passado minha mulher, Lourdes, tinha que fazer uma operação cardíaca. Teve que adiar para fevereiro, ficou para 2 de março. Ela morreu logo depois, no dia 4. E eu com problemas de coluna! Foi um horror, era o fim da picada! Mas, é o que eu disse: os relatos pessoais não devem pautar a minha vida... Posso até falar aqui, nesta entrevista, mas não há por que isso estar num livro...
tipo de coisa toda. Essa minha experiência é anterior! Quando cheguei à capital mineira, em 1943, tinha 18 anos. Não conhecia ninguém! Fui fazer o científico e caí num colégio chatíssimo. Ia estudar Medicina. No meio do ano, já não agüentava mais. Aí conheci o Sábato Magaldi, o Autran Dourado... E foi assim que passei a viver a literatura. Em 1944 eu conheci o Mário de Andrade, e como eu morava em pensão de estudante fiquei companheiro dele nas saídas noturnas em Minas... E como ele gostava! Falava de samba à beça. Noel Rosa... E eu sabia tudo! Mas quando comecei a trabalhar em jornal, aconteceu o inevitável: o dinheiro me mudou a cabeça. Aí comecei a redesenhar minha vida.
Jornal da ABI – Com o perdão do trocadilho, tamanha dedicação na escrita das dedicatórias parece mesmo coisa de poeta... Wilson Figueiredo – Antes de ser jornalista, fazia versos, queria ser escritor, como todo jovem. Editei dois livros. Depois me arrependi. E jurei que não faria mais. Tinha sido bem acolhido pela crítica. Criei expectativa de que seria escritor. Mas, logo depois, queria sair. A rotina de jornalista era exigente, mas estimulante. Jornal ocupa a cabeça e a vida pessoal. É pior que paixão! Meu primeiro emprego foi na Agência Meridional, dos Diários Associados, na Redação do Estado de Minas, em Belo Horizonte, em 1944. A mudança de rumo profissional se deu também a partir desse emprego que Castellinho me arrumou. No mercado de jornais, tinha um escalonamento. Existia uma categoria que desapareceu, que era o noticiarista, profissional que reescrevia a notícia. Havia o repórter e o redator, que era o mais qualificado. Entrei como noticiarista, e quando recebi o primeiro salário me senti rico, aos 20 anos de idade. Isso foi determinante não para eu mudar da literatura para o jornalismo e, sim, para alterar minha vida. Eu já lia, fazia literatura, já tinha feito revistas, esse
Jornal da ABI – O livro trata do seu talento literário e de sua relação de amizade com quatro grandes escritores, todos mineiros. Nos seus tempos de poeta, você andou na turma de Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. Em que medida a convivência com eles definiu sua trajetória profissional? Havia, por exemplo, alguma espécie de pressão para que você se dedicasse apenas à literatura? Wilson Figueiredo – Eu me preparava para o vestibular de Medicina por uma escolha tácita de família, pois nenhum dos quatro filhos homens de meu pai quis seguir a sua profissão. Quando fui morar na tal pensão de estudantes, logo me enturmei com o pessoal da literatura. Esses quatro já marcavam presença nos suplementos literários. Bom, o Otto era mais velho e já trabalhava com jornalismo quando vim para o Rio. O Sabino também já escrevia para jornais. E isso tudo era muito novo, porque o jornalismo antigo era feito por outro tipo de gente. O jornalismo é um exercício literário, também. Não parece, mas é. Eles me estimulavam, mas não tentavam exatamente me fazer apenas um es-
critor, até pelo fato de todos eles, com maior ou menor intensidade, também se dedicarem ao jornalismo. Jornal da ABI – A seu respeito, o polêmico Nelson Rodrigues escreveu: "Geralmente, nós, jornalistas modernos, temos a mania da objetividade, por isso, não enxergamos nada, somos cegos para as evidências mais ululantes. O Wilson, não. É poeta e, como tal, está sempre a um milímetro do delírio". Como recebeu estas palavras? Wilson Figueiredo – Nelson tinha mania de fazer dos amigos, personagens. Fomos ficando amigos. E ele me tornou 'profeta do Fluminense'. Escrevia dizendo que eu garantia a vitória do Flu no domingo toda vez que a anunciava. Só que o Fluminense sempre perdia... (risos) Ele achava que o texto devia ser pessoal. Mas o jornalismo moderno, além de apressado, é impessoal. Você lê uma notícia e não sabe quem a escreveu. Tem um padrão, tem um método técnico. Nelson gostava quando o autor aparecia por trás da matéria. A formação jornalística dele é anterior à guerra. O jornalismo americano, que é o modelo que seguimos atualmente, chegou ao Brasil depois da guerra, no fim dos anos 1950. Em Nelson, tudo se resumia à maneira pessoal de dizer as coisas. Ele era personalíssimo, inconfundível e chegava a ser repetitivo. Era um catador de adjetivos de precisão anormal. Jornal da ABI – Como ocorreu sua formação jornalística? Wilson Figueiredo – No meu tempo, jornalista não tinha diploma, não havia curso específico. Era na faculdade de Filosofia que havia um curso de jornalismo. Como você sabe, eu desisti da Medicina e fui fazer jornalismo. No que comecei a entrar nisso, fui aprendendo. Eu trabalhava com Carlos Castello Branco, trabalhava ao lado dele. É preciso lembrar que no fim da Guerra não existia notícia política no Brasil. E havia