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Beth Carvalho, sempre de p\u00E9
Madrinha do Samba contorna problemas de saúde ecomemora os 40 anos de um de seus álbuns mais míticos, no qual lançou o Fundo de Quintal; agora, ela planeja um novo trabalho dedicado a sons de todo o Brasil
por_ Kamille Viola ■ do_ Rio
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No fim de agosto, uma notícia comoveu as redes sociais: prestes fazer o show de 40 anos do disco “De Pé no Chão” no Rio, Beth Carvalho se apresentaria deitada ao lado do grupo Fundo de Quintal. Essa foi a solução encontrada pela cantora, que desde 2006 sofre de fortes dores na coluna, para não cancelar a festa. “Foi muito bem recebido, muito bom de público”, conta a sambista, que ainda passou com o espetáculo por São Paulo e Belo Horizonte, sempre se apresentando em uma chaise longue. “Tenho convites para fazer Uruguai depois, mas vamos ver como fica. Agora, está um pouco mais complicado.”
“De Pé no Chão”, que em seu aniversário foi relançado em vinil e nas plataformas digitais, foi um marco em sua carreira e na história do samba: revelou os músicos que logo depois viriam a formar o Fundo de Quintal e lançou oficialmente o pagode no Rio de Janeiro. Beth conhecera os músicos no clube Cacique de Ramos. Ficou encantada com aquele som diferente, com instrumentos até então pouco comuns nas rodas de samba ou tocados de uma nova forma, como o repique de mão, o tantã e o banjo com afinação de cavaquinho. Ao revelá-los, Beth encarnava com naturalidade um papel que exerceu quase espontaneamente ao longo destas décadas: o de descobridora e lançadora de talentos, que lhe rendeu o apelido de Madrinha do Samba.
Nascida numa família da Zona Sul do Rio, onde sempre viveu, Elisabeth Santos Leal de Carvalho cantou pela primeira vez em público com só 6 anos, no programa de rádio “Trem da Alegria”, de Lamartine Babo, Heber de Bôscoli e Yara Salles. No início da carreira, nos anos 1960, foi influenciada pela bossa nova. Sua primeira gravação foi “Por Quem Morreu de Amor”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Ficou conhecida com “Andança”, de Paulinho Tapajós, Danilo Caymmi e Edmundo Souto. Pouco a pouco, o samba pediu passagem. Passou a frequentar o subúrbio, e lá conheceu muitos dos compositores que gravou.
“Já perdi a conta de quantos são os meus afilhados, porque foram muitos (risos). Fico muito feliz, porque são todos muito talentosos e todos deram certo”, alegra-se Beth, que deu um empurrãozinho inicial a craques do gabarito de Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Bezerra da Silva e Luiz Carlos da Vila. Também a ajudou a resgatar Cartola e Nelson Cavaquinho quando os mestres haviam caído no esquecimento.
De Zeca, ela gravou “Camarão Que Dorme a Onda Leva” (dele, de Arlindo Cruz e Beto Sem Braço), no disco “Suor no Rosto”, de 1983. Foi o primeiro registro de uma música do compositor. Em 1972, convidou Nelson Cavaquinho para participar de sua gravação de “Folhas Secas” (dele e de Guilherme Brito). Já em 1975 gravou
“As Rosas Não Falam”, de Cartola, o que gerou uma revalorização do compositor mangueirense.
O repertório do show comemorativo traz as 12 faixas do álbum “De Pé No Chão”, entre elas as clássicas “Vou Festejar” (Jorge Aragão, Dida e Neoci Dias), “Goiabada Cascão” (Wilson Moreira e Nei Lopes), “Agoniza Mas Não Morre” (Nelson Sargento) e “Lenço” (Monarco e Francisco Santana). Além disso, sucessos como “O Show Tem Que Continuar” (Arlindo Cruz, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila), “Caciqueando” (Noca da Portela) e “Coisinha do Pai” (Jorge Aragão, Almir Guineto e Luiz Carlos) marcaram presença.
PARAR, NEM PENSAR.
Aos 72 anos, ela pretende continuar cantando e fazendo shows, apesar dos problemas de saúde. “É a minha vida, né? É o amor à música, ao samba, a mim mesma que me faz seguir em frente. Vou cantar quanto puder”, garante. “Se teve ‘Na Cama com Madonna’, agora tem ‘Na Cama com Beth’”, brinca. “A música cura, é uma bênção, diz ela, que planeja lançar um DVD do show de 40 anos de “Pé no Chão”.
Em seu próximo álbum, ela pretende fazer um passeio por outros estilos musicais. “Brasileiríssima”, o primeiro trabalho de estúdio desde “Nosso Samba Tá na Rua”, de 2011, vai reunir diversos gêneros musicais do país: “É uma ideia que já tenho há um tempo, de cantar as coisas do Brasil: um forró, um frevo, uma música sertaneja — mas sertaneja de verdade —, um marabaixo, que é uma música do Amapá, de mulheres com saias floridas e rosas no cabelo, e são elas que cantam os versos. Pesquiso há um tempo e agora vai encaixar direitinho.”
Beth quer Rildo Hora na produção. A cantora Adelaide Chiozzo já está confirmada no dueto “Beijinho Doce”, de Nhô Pai. “Para o frevo quero o Spok, a orquestra maravilhosa de Recife. Agora está mais fácil, com as tecnologias modernas eu não preciso ir lá nem eles precisam vir aqui. Quero cantar ‘É de Fazer Chorar’, do Luiz Bandeira. Pena que ele não está vivo para ver. Do Rio, uns oito sambas. Não sei se canto algo do Pará ou se, de repente, o Norte fica representado pelo marabaixo. Os sambas vão ser inéditos”, adianta.

Leia mais! Relembre o artigo “Beth Carvalho, meio século de samba”, publicado no site da UBC no ano passado!
ubc.vc/Beth