Edição 20

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REVISTA CULTURAL

EDIÇÃO

20

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

NOVEMBRO/2017

Cruz da Praia de Fora

Um símbolo de tradição e devoção


editorial Expediente:

Prefeitura Municipal de Bombinhas Fundação Municipal de Cultura de Bombinhas Rua Parati, 319, Centro, Bombinhas/SC – Brasil CEP: 88215-000 Fone: (47) 3264-7478 Blog: www.culturabombinhas.com. br Obs: todas as edições da revista encontram-se no blog. E-mail: cultura@bombinhas.sc.gov.br Projeto: Fabiana Kretzer e Fernanda Nadir da Silva Projeto Gráfico: Gráfica Costa Esmeralda/Adaptado por Telma Mafra Arte final: José Augusto Martini Boeckmann Jornalista responsável: Márcia Cristina Ferreira MTB 6092/SC Impressão: Gráfica Impressul Revisão: professora Maristela Della Rocca Medeiros Fotografia da capa: Dieter Hans Bruno Kohl Ilustrações: Tábata Torres Colaboradores dessa edição Marcos Aurino Pinheiro Alcides Mafra

Revista Tu Visse?! Editorial - Edição nº20

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final do ano é especial para as nossas reservas históricas. Nele redescobrimos ano a ano a cantoria do Terno de Reis, do Boi de Mamão. Rendemos nossas graças aos nossos antepassados, e nas noites que antecedem o natal, boa parte da comunidade bombinense se encontra em suas tradições cristãs. Em breve veremos as portas do Engenho do Miminho novamente abertas, agora reinstalado em seu novo ambiente, apadrinhado pela Fundação de Cultura. Nossos artistas deleitam-se em suas apresentações culturais, nos encerramentos das oficinas, que hoje atendem centenas de pessoas em nossa cidade. Também é por agora, no último bimestre do ano, que a cultura se debruça no colo do turismo, com os espetáculos do “Cultura na Rua” e do “Teatro Bom Demais”. A literatura tem em Bombinhas um novo ambiente, com o nascimento da Academia Bombinense de Letras Mestre Atílio Antão, e que, mal chegou, mas já vem fazendo história com a sua primeira apresentação ao ar livre... E é assim, dia a dia, que a nossa pequenina Bombinhas tem se tornado grande e vigorosa. Com a mistura de pensamentos, de sentimentos, de emoções. Com o entendimento de que as conquistas brotam do trabalho solidário e coletivo, apoiado pelo Poder Público, sim, mas complementado pelas instituições culturais privadas, e por todos os amantes da causa cultural. Fazer cultura nos permite curar as feridas da alma, abrandar a dor, e achar o sorriso arrancado no meio dos desafios da vida. É por essa simples razão que não se pode abdicar de olhar com carinho para as políticas públicas complementares. Somos feitos de carne, mas temos em nós um espírito a espera de ser encantado. E é aqui, no seio das expressões culturais, que alcançamos essas realizações. Neste editorial quero, por fim, manifestar meu contentamento por ser colega de trabalho de uma equipe tão maravilhosa como é esta, que hoje dirige a nossa Fundação de Cultura. Envolvo todos os nossos colaboradores em um abraço forte e fraterno, nomeando cada um na pessoa da nossa Presidente Nívea, pelo seu profissionalismo ímpar. Agradeço também a cada uma das instituições parceiras, e a cada aluno que nos presenteia com a descoberta de seus talentos. Essa nova “Tu Visse” chega em meio a tantos sobressaltos, sobrevivendo, porque pessoas especiais reconhecem nela a sua importância para a preservação do vasto e inebriante patrimônio cultural de Bombinhas. E é por isso que ela chega mais uma vez toda linda, repleta de causos e histórias dos nossos mestres, e de momentos únicos da nossa história. Boa leitura, meus queridos e queridas! Que Deus os abençoe grandemente nesse fim de ano. Com amor, Prefeita Paulinha Ana Paula da Silva Prefeita Municipal de Bombinhas

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Cruz da Praia de Fora: um

símbolo de tradição e devoção Márcia Cristina Ferreira

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ano de 2017 começou com a informação que a Cruz da Praia de Fora tinha caído. Em decorrência das fortes chuvas, a madeira já bastante envelhecida não resistiu. A comunidade se articulou em torno do assunto e a Fundação Municipal de Cultura tomou a inciativa de recolocar a Cruz em seu devido lugar, conjuntamente aos pescadores da Praia de Fora, que orientaram de que forma deveria ser realizado o processo. Ajudados pelos servidores da Secretaria Obras, na manhã de 23 de janeiro, o símbolo de fartura da pesca da tainha ganhava outra vez o horizonte, o seu devido lugar. Essa Cruz está na praia há, aproximadamente, 193 anos, a data certinho não se sabe, porque não há registro escrito em lugar algum sobre sua origem. Mas a pessoa mais velha a vê-la de pé e repassar essa história, que vem sendo contada de geração à geração, foi Armândio Firmino, conhecido como Armândio Capote, membro de um dos quatro troncos familiares que moravam na Praia de Fora na época, sendo os outros Pinheiro, Espírito Santo e os Correia que eram de Florianópolis e a família composta por casal e quatro filhos mudou-se para a Praia de Fora.

Cruz da Praia de Fora 1985. Foto Dieter Hans Bruno Kohl.

lho cidadão das praias de Bombinhas e Quatro Ilhas, seu Naro, Carlos Adrião Pinheiro, hoje aos 92 anos, ouviu a história da cruz. Ela provinha de um veleiro que deu na praia e foi encontrada e colocada próximo a pedra da Florinda, os nomes de quem a encontrou e teve a ideia de montá-la se perdeu no tempo. É certo que aquele ano foi de grande fartura na pesca como um todo e a partir de então todos os anos a comunidade pesqueira, mais precisamente mães, esposas e filhas de pescadores no dia de “Vera Cruz”, que em Bombinhas acabou sendo chamado de dia de “Bela Cruz”, em 3 de maio, ela é adornada com flores e velas para que seja uma temporada de tainhas abundante. Existe uma lenda de que houve um ano que a cruz caiu e não foi recolocada e devido a isso foi um ano trágico e de pouca pescaria, mas entre os mais velhos, que ouviram a história de seus pais, e estes por sua vez, também, de seus pais, essa narrativa não se confirma.

Fato é que, desde sua colocação, diversas trocas foram executadas, levando em conta que segundo Jandir Coelho, artesão que esculpiu a Cruz, ela deve ter uma expectativa de vida de 30 anos, é provável que esta seja a sétima vez que Armândio Capote nasceu em 1824 na a troca é executada. Em uma das ocaPraia de Fora, e morreu em 1934 aos siões, em meados dos anos 80, foi rea110 anos, é de sua boca que o mais ve- proveitada uma cruz de concreto, que

foi construída para a igreja de Bombas, mas como ficou pesada demais não pode ser utilizada. De qualquer forma essa cruz também não durou, todas as outras foram de madeira. Com o passar dos anos o local da Cruz foi alterado para facilitar se chegar a ela. É importante lembrar que havia um barranco alto de areia e a lagoa, e, por causa da geografia, para facilitar o acesso, foi modificado o local original. Mas é sabido que no local onde está agora já se encontra por volta de 100 anos. Atualmente o rito no dia 3 de maio continua. As irmãs Graça, Maristela e Anjinha filhas de dona Dalva e seu Iéi Pinheiro aprenderam com a mãe a tradição e todos os anos repetem o gesto. Outra que também mantém a função é Delci, filha de dona Belmira, que da mesma forma traz esta herança da mãe. Delci é sempre a primeira a ornamentar a Cruz, por volta das cinco da manhã, gosta de colocar suas flores no meio da Cruz, onde os braços se encontram, e enquanto tiver forças cumprirá o ritual. Quanto ao futuro do legado, acredita que na família da cunhada Graça haverá o repasse. “Como é uma tradição mantida pelas mulheres, esposas, filhas e netas dos pescadores da Praia de Fora, acho que na família da Graça vai perdurar porque ela tem bastante netas”, conclui Delci. 03


Na madrugada, almas na rua “Não é todo mundo que vê a procissão das almas” Alcides Mafra

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uando comecei a pesquisar para o livro-reportagem que seria o meu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, no já longínquo ano de 2005, caminhava por um terreno de temas incertos. Na época, pensava em escrever sobre as diversas denominações religiosas que havia em Porto Belo (cheguei a assistir a um culto da Igreja Quadrangular do meu bairro para entrar no clima).

ra da Univali em 2006. Permaneci, no entanto, fiel ao tema que me conduziu ao livro. Por isso, no ano seguinte, quando voltei a escrever para uma reedição do Antigos (que permanece na gaveta), dediquei um capítulo à procissão das almas – negligenciada na primeira edição. Recuperei de meus cadernos de notas o que me falou dona Herôndina Teotônia Pinheiro, a Prima Ronda e fiz, num esforço de jornalismo gonzo, uma incursão até o cemitério ao lado da capela à meia-noite antecedente ao Finados. Não havia procissão na encruzilhada, evidentemente.

Foi quando uma conversa à mesa do almoço, na casa de minha mãe, dona Jucélia, legítima filha de Bombinhas, mudou tudo. Minha tia, Jucelina, não lembro por que, contou de um antigo mito da região: a “procissão das almas”. Mesmo assim, escrevi: Não era uma história que eu não coDizem que essa romaria espectral nhecesse, pois, quando garotos, meus aparece após a meia-noite e percorirmãos e eu ficávamos fascinados com re encruzilhadas em longa fila, cada o que diziam os mais velhos, sobre ropenitente trazendo um círio nas marias de defuntos que se via nos “enmãos. Sob a luz das velas que carcruzos” da madrugada de Finados. regam, os mortos da comunidade seguem lentamente, em oração, até Era um período de leituras de Gabriel a igreja local. García Márquez e de outros autores do realismo mágico latino-americano e Dona Ronda nunca viu tal coisa. intuí que tinha em mãos material mais Mas, numa noite em que conversainteressante para pesquisar. Por alguma va com Agenor, muito tempo atrás, razão, o trabalho se desviou para um viu que o moço arregalava os olhos terreno um pouco menos fantasioso – para algo que acontecia adiante: mas não menos fascinante – e meu livro acabou tratando da Capela da Imacula– Olha o que vai lá no morro! É a da, que havia ressurgido feito uma fênix procissão das almas! de alvenaria no alto do morro do Ribeiro, em 2004. Resultado do que colhi, [...] Não foram a primeira nem a seContam os antigos... História e Lendas gunda vez que a antiga moradora de Bombinhas foi publicado pela editosoube da procissão das almas. Seu 04

avô já contava de um homem em Porto Belo, morador das cercanias da igreja matriz. Da janela de casa, espiou certa vez a estranha aparição. – Ah, vão rezando! Vai saindo a procissão, eles vão rezando – observou. Segundo este relato, a esposa do tal homem, apurando o ouvido, pôde constatar: – Eu escutei bem a voz da Maria Madalena, do “Saco” (a Enseada Encantada). Ao ter seu nome mencionado, a alma penada lançou pela janela a vela que carregava. Ao examinar o objeto, o casal, estarrecido, verificou se tratar de um osso humano. Ou, como foi dito a dona Ronda, uma canela de defunto. Se ouvida por pessoa de outra região, essa narrativa talvez soasse familiar. De fato, a história está embutida no folclore brasileiro. Segundo escreveu o jornalista e historiador Aberlado Duarte, no Boletim Alagoano de Folclore, reproduzido no site Jangada Brasil1, a raiz do mito está na tradição portuguesa. Duarte lista uma versão proveniente da região do Algarve, inserida nos Contos tradicionais do povo português, de Teófilo Braga, sob o título de “A mulher curiosa”, e outra nas Lendas da Península, de Barros Ferreira, cujo


Foto Alcides Mafra, acervo pessoal *Alcides Mafra é jornalista, escritor, pesquisador e fotógrafo, autor do livro “Contam os antigos” e trabalha no projeto Retratos de Porto Belo, junto aos amigos Thiago Furtado e Isadora Manerich.

título é “O fêmur do defunto”. Cita ainda Lindolfo Gomes, que recolheu uma versão em São João del Rei, Minas Gerais. “Leio, porém, em Contos tradicionais do Brasil, de Luís da Câmara Cascudo, que a ‘tradição é comum a Portugal e Espanha, onde os episódios são incontáveis’. O insigne mestre professor Aurélio Espinosa possui duas versões recolhidas em terras de Espanha – ‘La calle de la pierna’ (em Córdoba) e ‘La averiguarana’ (em Ciudad Real)”, escreve o historiador alagoano.

Que caminho tomou a lenda para chegar ao ouvido dos antigos moradores da península é difícil dizer. Mas é fácil supor que ela ganhou lugar no imaginário local e proporcionou noites intranquilas. Passadas uma ou duas gerações, desbotou a ponto de permanecer apenas uma referência à presença de espíritos nos “encruzos” após a meia-noite que antecede ao Finados. Coisa de vinte anos atrás era comum ainda que se espiasse, de janelas entreabertas, as esquinas empoeiradas e

silenciosas na madrugada, em busca de algum vestígio que comprovasse as advertências das mães. Atualmente, nem isso resta do antigo mito. Seu atrativo residia no medo, sentimento que a procissão das almas dificilmente inspiraria em tempos de internet, com suas aparições de palhaços na floresta para promover filme (não deixo de pensar em Surpresa na estrada, obra genial de Boris Kossoy), “homens compridos” e clubes online de suicídio juvenil. A infância já foi mais romântica...

1. http://www.jangadabrasil.com.br/abril32/im32040a.htm, acessado em 22 de agosto de 2007.

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A rendeira Piana e seus amores: um homem chamado Pedro, os filhos e o crivo Márcia Cristina Ferreira Dona Piana. Acervo Fundação Muncipal de Cultura de Bombinhas

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ipriana Paulina da Silva, a Piana, nasceu no costão do Mar de Dentro, no moro da Ponga, filha de Paulina Margarida de Jesus e Geraldo Venâncio da Silva, e junto aos irmãos Manoel, José, Domingos, Rosa e Teonina, foram criados no trabalho da roça, no cultivo de café, mandioca, milho e batata-doce. Tinham umas vaquinhas para o leite e o engenho de farinha de mandioca. Também possuíam engenhos nas redondezas seu Zé Chico, dona Rosa e a família do seu Janguinha. Com o tempo, desceram, construíram uma casinha próximo onde hoje é a residência de dona Ivanilde, ali tinham o rancho da canoa e a casa na beira da praia, o engenho continuou lá em cima. E foi nesta morada que por volta de 1948, apareceu uma senhora dos Ganchos que era criveira, e levou Piana e Rosa consigo para que aprendessem a tecer a delicada renda. Não somente aprenderam, como ensinaram algumas moças do lugar e produziram muitos trabalhos que eram vendidos em Florianópolis. Com esse trabalho, inclusive, melhoraram a condição de vida da família. E dessa forma Piana se tornou a Piana do Crivo. Uma noite perdida, já no final do ano de 1953, os vizinhos e amigos de infância Piana e Pedro José da Silva, cruzaram os olhares de forma diferente. Ele já 06

homem-feito, pescador, trabalhava embarcado em Santos e calhou o destino de estar em terra naquela domingueira e Piana recém tinha terminado um noivado de três anos com um rapaz de Porto Belo. Seis meses depois fugiram, dia 29 de maio, foram morar no terreno onde hoje é a casa da família. A morada de madeira, pequena, era a que seu Brás e dona Ema tinham residido, mas como o casal foi viver em Bombinhas, Pedro e Piana ficaram com a casa. No dia de São Pedro, 29 de junho, oficializaram o matrimônio. Discretos, tanto um como o outro, contaram muito pouco aos filhos sobre o namoro. Assim formaram a prole de nove filhos: Lucimar, Pedro, Denilza (Deni), Anízio (morreu com dois anos de sarampo), Maria Cipriana (morreu ao nascer), Maria Lúcia, José Carlos, Márcio e Rosiléia. Dona Piana, sem tempo, largou o crivo. Antes do casamento saia cantar Terno de Reis e Boi de Pau, junto com o irmão Domingos, depois de casada cessaram as visitações. Mas a cantoria permaneceu em sua vida cotidiana, fazia todo o trabalho de casa cantarolando, tirando versos. Vivia para casa, o marido e os filhos. Seu Pedro passava muito tempo fora trabalhando, a maior parte do ano era pelas redondezas mesmo, tinha uma baleeirazinha junto com seu pai, mas quando a coisa apertava rumava para Santos.

Dona Piana viu Deni, mal completar 12 anos, buscar novos ventos na cidade de Curitiba, foi trabalhar na casa dos grandes amigos da família dona Biba e seu Mauro, lá ficou por 10 anos, só voltou para casar com Osnildo. Ainda menino o Carlinho teve um problema no fêmur e a mãe correu com o filho pra Itajaí e Florianópolis, e nada. Dona Biba disse que levaria Carlinho para fazer tratamento em Curitiba, e lá o menino tornou-se homem, casou, teve uma filha e somente retornou pra casa anos depois. Não demorou muito e seguiram o mesmo caminho Lúcia e Márcio. Dona Biba ajudava muito a família Silva, e tinha os meninos como seus filhos, trazia presentes e como tinha uns sete ou oito filhos, Luci não se lembra ao certo, as roupas que os dela perdiam, trazia aos filhos dos amigos Piana e Pedro, e de contrapartida levavam peixes para o ano todo. Aos poucos os Silva retornaram para casa, Carlinho foi o último em 16 de março de 2007. Todos criados, casados, por volta de 1989, a Tânia da Epagri procurou a Célia e juntas foram de casa em casa para reascender a chama do grupo da Terceira Idade no Canto Grande. No passado tinha existido um, mas já estava parado há alguns anos, e dessa forma, retomaram os encontros. Incentivada


por Tânia dona Piana voltou ao crivo, e as demais mulheres outras artes, assim, cada uma levava o seu saber e trabalhavam juntas. Tânia ainda conseguiu um curso de tear e sete delas concluíram o aprendizado. Célia nessa época trabalhava como merendeira na Escola Estadual Moacir Brás da Silva, antiga Escola Isolada, era ela quem abria a sala para o encontro do grupo e esperava Tânia chegar para retornar ao trabalho. Era voluntária no grupo, pois não tinha idade para integrar, e observava os trabalhos das mais velhas, um deles de forma encantada: o crivo.

polis, na Marejada em Itajaí, entre outros. E também para autoridades, como no palácio do governo. “Eu sei muita coisa graças a ela, aprendi a cantar e a tirar verso com a madrinha”, fala dona Idalete, hoje aos 70 anos.

Os filhos não podiam ficar o tempo todo, mas em horário de visita chegavam a discutir para ver quem entraria primeiro. O xodó mesmo era o Marcinho, conta a filha mais velha Luci, sem um pingo de ciúmes. Tanto que no sábado foram visitá-la no período da tarde Luci, seu Pedro e a Lúcia, ela nem cumprimentou o trio e já perguntou pelo Marcinho que somente iria depois da missa, pois, ele e a irmã Leia eram membros do Ministério de Música e tocavam naquela noite na missa, ela ficou tranquila, não queria que os filhos deixassem de servir na igreja de jeito nenhum.

Em 2004 a dor bateu forte em dois lares no tronco familiar Silva: na casa da matriarca, dona Piana, e na casa do genro Osnildo. A filha Deni foi diagnosticada com câncer e nem sequer teve tempo de fazer o tratamento, em questão de dois messes faleceu, em 14 de dezembro. A cantoria cessou. Dona Piana se abalou muito, caiu em depressão, fez tratamenO primeiro trabalho de dona Piana foi to em Curitiba, e vagarosamente foi feas mangas e os bolsos de um guarda-pó chando a cicatriz da angústia e da tris- O trio retornou a Bombinhas e mal de Tânia, o qual ela guarda carinhosa- teza, mas jamais foi a mesma. pisaram em seu chão, o telefone tocou mente até os dias atuais. Por esta ocachamando toda a família, o tic e tac do sião dona Piana disse a Célia: “vocês me Um ano se passou e chegou o sete de relógio marcava 20 horas. Foram todos acordaram, eu tinha adormecido há 40 setembro de 2005, e dona Piana, res- para o hospital. Lá chegando souberam anos. Por Deus, que ela disse que des- peitosa, saudava a bandeira todos os que a mãe tinha falecido, por volta das de que a filha mais velha nasceu, a Luci, anos, como aprendera em sua infância, 19 horas. Sábado, 22 de julho marca a não tinha mais feito crivo”, conta dona e acontece que algumas integrantes do perda da matriarca, dona Cipriana Paugrupo fizeram escárnio dela. Arrenega- lina da Silva, a dona Piana do Crivo. Célia. da, rumou pra casa e disse que lá não Em uma das tardes com as senhoras voltava mais. A afilhada, dona Idalete, Seu Pedro foi viver com a filha Luci, no grupo, Célia ouviu dona Lena dizer foi até a senhora para tentar levá-la de mas passava os verões em sua casa, com “deixa dois e tira quatro”. Chegou em volta ao grupo, ao que ela respondeu: a filha Lúcia. Nunca reclamou de saucasa e iniciou a tentativa em tecer a ren- “mas eu tenho um bucado de coisa ain- dade, era uma pessoa simples de agrada numa pequena toalha, tirou quatro da pra ensinar pra ti, vamos lá em casa. dar, tudo estava bom, não tinha boca fios e deixou dois, ficou um buracão, Aí Marcinha, sem mais nem menos, ela pra nada. Em novembro de 2012 foi mas ela ficou toda feliz com o resultado. ficou doente e morreu”, conta dona Ida- internado por 15 dias no hospital Ruth Foi atrás de dona Rosa e a encontrou na lete. Cardoso, mas o dr. Lago deu alta dizencasa de dona Lena, dona Rosa sempre do que o tempo ao seu lado era incerto, Era quarta-feira, dia 19 de julho de foi muito debochada, risonha, e deu então que a família aproveitasse. 2006, as canoas e redes de tainha já tiuma gargalhada ao ver o trabalho da mais nova, perguntou o que faria com nham ganho o aconchego do ranchos Seu Pedro sempre gostou muito do feso buraco, se poria lá, e corrigiu o feitio: e garagens, e a coberta das lonas, pra tejo de São Sebastião, e com a entrada deixa quatro fios e tira dois. Depois dis- somente ganharem o mar outra vez em do novo ano só falava na festa do santo so Célia procurou dona Piana, que dis- 2007. O vento frio soprava e anuncia- padroeiro do bairro. Quando finalmense: “eu vou te ensinar minha filha”, e as- va que o mar estava para anchova. No te chegou o 20 de janeiro, foi à missa, sim o fez. Célia Escolástica Vieira hoje Canto Grande, naquele pedaço do Mar compraram o almoço e foram pra casa, tem 63 anos, e é uma exímia criveira, de Fora, as folhas varriam o chão e bem pois ele estava fadigado, se cansava faali na esquina, entre as ruas Jacarandá e cilmente por aqueles dias, mas estava discípula de dona Piana do Crivo. Flamboyant, na casinha creme, cor pre- feliz de participar da Festa de São SeOutra aprendiz da Mestre é dona Ida- ferida de sua dona, a criveira e exímia bastião. As seis da manhã, antes de ir lete, dessa vez na música, ela é afilhada versadora, precisou ser levada a Clínica trabalhar, Lúcia deu o remédio para o de crisma e casamento religioso e civil Santa Catarina, foi andando e falante pai pela última vez, quando seu maride dona Piana. A madrinha ensinou a como sempre. No dia seguinte, dona do acordou às 9 horas para dar o café afilhada a arte de versar e cantar. Tanto Piana necessitou da transferência para da manhã ao sogro, ele já estava morto. que gravaram um CD em 2005, o grupo o hospital Santa Inês, na sexta-feira Seu Pedro tinha uma frase contumaz “Mulheres Cantadoras do Canto Gran- os médicos avisaram que precisava de “está tudo na santa paz”, e foi assim que de” é formado por dona Piana, dona uma cirurgia para pôr o marca-passo, partiu ao encontro de sua amada no dia Idalete, dona Iza, dona Ivanilde e dona mas teria uma espera de 38 horas para 21 de janeiro de 2013: na santa paz. A Lena. E cantaram em festejos famosos ver a evolução da paciente. estirpe de seu Pedro e dona Piana soma: na região: na Fenarreco, em Florianóseis filhos, 12 netos e dois bisnetos. 07


Álbum de Família

1ª Comunhão da Lúcia, década de 70

1ª Comunhão do Marcinho

1º Comunhão da Deni

Dona Piana com a neta Maria Gabriela com dois meses

Dona Piana com a neta Pauline

Bodas de ouro de seu Pedro e dona Piana, em 2003

Lancha de seu Pedro (de camiseta regata), tendo ao lado o Xavier e o Relmo de Blumenau. A criança loira à esquerda é o Carlinho

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Dona Piana com a Lea no colo, 1973

Deni em maio de 1975

Boi de Pau na casa de dona Piana, seu Domingos tirando verso, Sena no cavalinho, atrás da caixa Leco

Dona Piana e seu Pedro

Dona Piana em sua casa

Em pé Preta e Deni, sentadas Daca e Margarete


Um amigo e seu Pedro em sua primeira viagem a Santos, em 1957

Lea, Marcinho, Carlinho e Lúcia

Luci aos 17 anos, Ivanete, Valter, Neli e Iza

Luci, Pedrinho e Deni

Seu Pedro aos 20 anos

O casal com amigos

Nilson, Ilna e dona Ilê de daminha

Seu Pedro consertando rede em sua casa

Lúcia aos 18 anos

Seu Pedro, dona Piana e o neto Fino (Jader Osnildo da Silva)

Pedrinho e Luci

Seu Pedro e dona Piana em Iguape, em 1987

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Márcia Cristina Ferreira

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entadas lado a lado as famílias da Praia Grande, hoje Bombas e as de Bombas, hoje Bombinhas, deixaram as desavenças internas e não ditas em público, por algum tempo. Assim, uniram-se para conseguir um bem comum às duas praias: uma igreja, somados a esse desejo, a fé que já era imensa, juntos puseram literalmente a mão na massa para a construção do espaço sagrado. Dona Maria de Minigida, esposa de seu Amaro França, doou o terreno de 900 m² em 1913. Então, reunidos talvez no que seja o primeiro trabalho

Rebelo doou o sino da igreja. E finalmente em 1928, diante da comunidade a Capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição foi inaugurada com uma missa e o sacramento do batismo. A criança batizada nessa ocasião é dona Santa (Maria Egídia Mafra), que nasceu A água era carregada do peral na desci- em 1º de novembro de 1926, e faleceu da do morro para Bombinhas, do lado recentemente, em 10 de junho de 2015. esquerdo, de Bombas para Bombinhas, Da mesma forma o cemitério também onde hoje está a Pousada George Villa- foi inaugurado conjuntamente à igreja. ge. Deste esforço até a construção pro- Todavia, somente em 18 de dezembro priamente dita da igreja foram quase de 1935 foi enterrada a primeira faleci10 anos. Em 1923 seu Amâncio Vieira da, dona Olívia Carolina da Silva, primeira esposa de seu Cirilio. em comum pela futura cidade de Bombinhas, empenharam-se de sol a sol no feitio dos tijolos numa improvisada olaria, construída nas terras de Nelo – Manoel João de Melo, atual bairro José Amândio.

Maio de 1972. Acervo Biblioteca Pública Cruz e Sousa

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Década de 80. Acervo Biblioteca Pública Cruz e Sousa

Capelinha de Nossa Sra. da Imaculada Conceição, religiosidade e unificação

A imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição colocada no altar pertencia a dona Zefa Pinheiro, esposa de seu Antônio Pinheiro, e era com essa imagem que a comunidade fazia as orações antes da construção da Capela. A imagem veio de Portugal quando o patriarca Pinheiro aqui chegou, era a santa de devoção de sua família. Aconteceu que por volta de 1968 a santinha foi roubada. Foi retirada de dentro da igreja, pois acreditava-se que dentro dela havia ouro. Seu Naro (Carlos Adrião Pinheiro) neto de dona Zefa e de seu Antônio, conta que de fato havia uma pitadinha de ouro muito irrisória na imagem, apenas para dar equilíbrio,


Foto Mauro Vieira

forte que chegou a destruir a cruz de ferro. Dessa forma, sucede-se a primeira reforma. Duas décadas depois, em 1952, novamente a capela precisou de reparos, haja vista que a força do tempo atingiu o santuário e este não resistiu. Naquele tempo havia uma comissão responsável pela manutenção da igreja que entrou em ação, e o povo todo Outro episódio narrado por seu Naro é ajudou. Então, chegou o ano de 1968, que certa vez houve uma procura inten- e uma vez mais a tempestade varreu o sa na Capelinha, tanto dentro, quanto chão bombinense, escureceu o céu, e no seu entorno, pelo ouro enterrado o inusitado aconteceu. Novamente um quando de sua construção. O que acon- raio atingiu a torre da Capelinha, desteceu na realidade, é que Lavínio Ma- truiu a cruz, e desta vez nem a imagem tias pôs uma moeda de 40 reis dentro da Virgem Maria foi poupada. de uma garrafa, a enrolou com papel pardo e a colocou na base da igrejinha, Aos poucos a capelinha transformou-se na época da construção. “Eu não vi isso, em ruínas, segundo alguns relatos, inmas os antigos contavam, e decerto o clusive encontrado no livro “Porto Belo povo esqueceu esse fato e de tanto con- sua história sua gente”, de Dieter Hans tar de um para o outro, ficou a crença Bruno Kohl, se propagou entre os moda existência de ouro”, conta seu Naro. radores que os excessivos números de danificações era sinal de mau presságio Em 1930 durante uma tempestade, um e, dessa forma, ela foi abandonada. O raio atingiu a torre da igrejinha e foi tão já que na época que foi esculpida o ouro brasileiro era abundante em Portugal. Essa imagem jamais foi encontrada. Algum tempo depois foi encontrada uma imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, por duas moças de Bombas, na Pedra Descansa Defunto, mas não era a mesma.

último casamento realizado na Capelinha foi de Zoraide Pinheiro, filha de dona Inzinha, em 17 de dezembro de 1966. Entre 1970 e 1999, os representantes da igreja venderam o terreno a um investidor local, que o repassou a outro do Rio de Janeiro. No ano de 2000 o complexo turístico Vila do Farol adquiriu o terreno, e iniciou a empreitada para reconstruí-la. Entre pesquisas, projeto, autorização de construção e aquisição de móveis foram cinco anos. No dia 8 de dezembro de 2005, dia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, a Capela foi reinaugurada. Atualmente, mesmo sendo um espaço privado, é aberto à visitação diariamente e inclusive, também é de uso frequente da comunidade. Integra o Roteiro Cultural Regional, feito pela Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí – Amfri, e é um atrativo turístico reconhecido pela população e visitantes. 11


Mestres

Márcia Cristina Ferreira

Mestre Doro

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lias Manoel da Silva, popularmente conhecido como seu Doro, é filho de Manoel Paulo da Silva e Felisbina Maria da Silva. Aos 13 anos o pai faleceu e um ano depois sua família se mudou para a localidade onde, ainda, vive nos dias atuais, na Avenida Professor João José da Cruz. Seu Doro 12

herdou as ferramentas e a profissão do laide soma: cinco filhos, 12 netos e seis pai. Sem nunca ter recebido uma aula bisnetos. sequer na arte da construção, se tornou 04 de julho de 1930: Nasce Ponta do construtor de embarcações e casas. Zimbros perto da Praia da Tainha, Canto Grande, Elias Manoel da Silva, Fugiu com Maria Adelaide em 1953, o seu Doro, filho de Manoel Paulo da dois anos depois oficializou o matrimôSilva e Felisbina Maria da Silva. nio. Maria era quatro anos mais nova que Doro, o casal teve cinco filhos: 1943: Falece o pai, Seu Manoel Paulo Rosevete (que faleceu com seis meses), da Silva. Eramita (morreu aos 39 anos), Emarita 1944: Se muda com a mãe e os irmãos (Preta), Ezarita e o Zelias. para um terreno na Avenida Professor João José da Cruz. Iniciou o trabalho na construção naval na década de 60, quando seu cunha1953: Foge com Maria Adelaide Vedo, Lauro Silvério da Silva, incentivou ras. para iniciarem juntos a construção de 20 de setembro de1955: Oficialização uma baleeira. Seu Doro relembra como o matrimônio. se fosse ontem, dizendo que ficou pes1962: Inicia a construção de casas de simista, já que nunca tinha feito uma alvenaria. embarcação, mas aceitou a empreitada. Foi, também, a convite do cunhado que 1964: Inicia o trabalho na construção começou a construir casas de alvenaria, naval. sendo a primeira a de seu Lauro. “Eu fiz 1971: Assume a presidência da Capela a baleeira, ficou forte, boa, o caldeirão de São Sebastião (Comissão de constodo de peroba. Primeiro passei óleo, trução e manutenção). depois a tinta. Foi a primeira e acho que foi a melhor de todas. Ficou boa pra via2001: Aposenta-se. jar, pra trabalhar, pra tudo”. 2002: Morre dona Maria, de uma mistura de depressão, insanidade e Homem de fé, participou ativamente na amnésia. construção da capela de São Sebastião, em seu bairro. Seu Dóro construiu de14 de novembro de 2014: É Intitulado zenas de casas em toda a península, e de Mestre da Cultura Tradicional de mais outras dezenas de embarcações. A Bombinhas, na categoria construção estirpe de seu Doro e dona Maria Adenaval.


Mestre Vardinho

lho de 2017 falece, vítima de embolia pulmonar, aos 84 anos. Seu Vardinho e dona Zulma têm oito filhos: Ericleia (Queia), Edinho, Edvaldo, Eliane, Erico, Maria Zulma, Elisa e um falecido, 19 netos, nove bisnetos e oito trinetos. 16 de julho de 1932: Nasce na Praia do Embrulho Osvaldo Reinaldo de Melo, seu Vardinho, primeiro filho de Reinaldo Luiz de Melo e Maria Bernardina (da Silva) de Melo. 1942: Inicia a atividade na pesca artesanal da tainha. 1948: Compra a canoa “Luz do dia”. 1949: Inicia a vida profissional na pesca, em Santos.

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svaldo Reinaldo de Melo, filho de Reinaldo Luiz de Melo e Maria Bernardina (da Silva) de Melo, nasceu e foi criado na praia do Embrulho, junto a mais seis irmãos. Iniciou na atividade profissional da pesca em 1949, aos 16 anos, na embarcação do mestre João Dias, em Santos, mas desde menino trabalhou junto ao pai e os camaradas na pesca artesanal. Foi aos 10 anos que, em parceria com o amigo Gualberto, iniciou na pesca artesanal da tainha, no rancho de seu pai, recebiam 2x1, os dois valiam um quinhão. O Rancho na praia do Retiro dos Padres, sempre esteve nas mãos de sua família, explica que o avô Luiz contava ao seu pai Reinaldo, que o bisavô de seu Vardinho, seu Tomé Cruz, já possuía o rancho. É proprietário de duas canoas de um pau só, o Rancho em parceria com o amigo Vavá ainda abriga mais duas canoas, uma do amigo Vavá e uma de sociedade de seu filho Edvaldo com o filho do Vavá, o Diego.

sua avó, mas foi registrado oficialmente em 4 de janeiro de 1926. Aos 11 anos iniciou a lida na pesca artesanal com seu pai, sempre pescou com direito a um quinhão inteiro. Também aos 11 anos, adquiriu sua primeira canoa de um pau só, comprada em Tijucas e vendida em 1956. “Comprei com o dinheiro do meu trabalho, o dinheiro que juntava não tinha onde gastar mesmo, então a gente guardava”. Começou na pesca industrial em 1954 no barco do irmão Pinguim. Nunca alterou sua carteira de pescador nas funções a bordo, passou direto para proprietário em 1972.

Começou a namorar a jovem Lira, Maria Ídia (Mafra) Pinheiro em maio de 1949, em 18 de janeiro de 1950 oficializa o matrimônio. O casal tem sete filhos: Clemildes (Quidinha), Cleria, Claudete, 4 de fevereiro de 1955: Casa-se no reli- Cleusa, Claudir (Cadi), Claudeci, Claugioso com dona Zulma Rita da Mata. dionor (Canô). Seus dois filhos homens 12 de abril de 1955: Oficializa o ma- trabalham na pesca artesanal da tainha pelo fator da tradição e assim consetrimônio no cartório. guem manter. De seus 20 netos, somen1975: Torna-se Mestre de embarcação te no ano de 2016 é que dois deles se inprofissional. teressaram na continuidade: Carlinhos 1980: Realiza a melhoria de carteira e Leandro. “Meus netos se dedicam a que lhe dá o direito de pescar em toda outras profissões, acredito que o Carlinho até vai continuar, ele tem gosto pela a costa brasileira de norte a sul. tradição, o Leo também, mas é muito 1983: Aposenta-se. ocupado trabalha muito nesse negócio 1986: Compra a canoa “Artista”. de internet, informática”. 1950: Tira a primeira carteira profissional de pesca com direito a exercer a atividade de Ubatuba/SP a Laguna/ SC.

14 de novembro de 2014: É intitulaSeu Naro possui seis canoas de um pau do Mestre da Cultura Tradicional de Bombinhas na categoria pesca artesanal. 4 de julho de 2017: Falece aos 84 anos, vítima de embolia pulmonar, no hospital Ruth Cardoso em Camboriú.

Mestre Naro

Foi o primeiro pescador da praia de Bombinhas a trabalhar na pesca do caarlos Adrião Pinheiro, filho de marão. Seu Vardinho fugiu em 15 de Adrião Antônio Pinheiro e Cajaneiro de 1955 com a filha mais velha tarina Paulina de Jesus, nasceu de dona Inzinha, a Zulma Rita da Mata. na Lagoinha em 4 de dezembro de 1925, Em 4 de fevereiro casou-se no religio- as duas da tarde em casa paterna, pelas so, e ainda no mesmo ano, oficializou mãos da parteira dona Zefa Pinheiro, no civil, no dia 12 de abril. Em 4 de ju-

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só. A “Aventureira”, canoa de aproximadamente 250 anos de canela guarapuvu, herdou de seu Adrião, que faleceu 1964. Aos poucos adquiriu mais cinco canoas. Seu Naro e dona Lira têm 20 netos e 21 bisnetos. 04 de dezembro de 1925: Nasce o primeiro filho do casal Adrião Antônio Pinheiro e Catarina Paulina de Jesus, na praia da Lagoinha. Temporada de tainha de 1936: Começa a trabalhar na pesca artesanal. Ainda neste ano compra sua primeira canoa de um pau só, vendida em 1956.

aprendeu com a avó Amália a arte da culinária: bolachas, broas, a Consertada e pratos típicos com galinha, porco, peixes e frutos do mar, além do famoso aparadinho (café tomado direto na xícara em que será ingerido), sempre oferecido em sua aconchegante cozinha. Além da gastronomia tradicional, ela gosta de criar pratos e não há frutinho do mato, desconhecidos pela maioria, que ela não transforma em geleias e sorvetes. Salete é uma grande repassadora do conhecimento, mesmo as receitas consideradas de família, ela não se acanha em transmitir.

Em 1973 casou-se com Ruben Amaro 1945: Compra a canoa “´Pequena”. Pereira, neste mesmo ano nasceu a úni18 de janeiro de 1950: Casa-se com ca filha Janaína Pereira, que também dona Lira, Maria Ídia (Mafra) Pi- lhe deu sua única neta Marina. Em 1982 nheiro. separou-se e nunca mais quis saber de matrimônio. Em 2007 inicia sua traje1954 – Inicia na pesca industrial. tória junto ao grupo Mixtura, a princí1964: Herda a canoa “A Aventureira”, pio acompanhando a neta Marina, com com a morte de seu pai. o tempo tornou-se integrante e é dela a Consertada que o grupo serve em suas 1968: Compra a canoa “Tetei”. apresentações. Nos últimos anos esta1971: Compra a canoa “Tati”. va na tocata, da qual fez uma pausa em 1972: Torna-se proprietário de barco 2016 para o tratamento de câncer, que de camarão. desbancou com a mesma garra de toda a sua vida, e aos poucos retoma suas ati1984: Compra a canoa “Netinha”. vidades junto ao grupo. 1991: Aposenta-se. Outra habilidade da senhora de 71 anos 1998: Compra a canoa “Prosinha”. é a oralidade, é uma grande contadora 14 de novembro de 2014: É intitula- de histórias e dona de uma memória indo Mestre da Cultura Tradicional de vejável, e por isso mesmo, tem suas narBombinhas, na categoria pesca arte- rativas em diversas teses de conclusão sanal e memória, junto a mais 19 de- de curso, quer sejam graduação, mestentores dos saberes e fazeres locais. trado ou doutorado, e Salete também tem sua história de vida contada nos

Mestra Salete

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alete Maria Pinheiro Pereira, nasceu na Praia Grande no dia 1º de julho de 1946, é a terceira filha de Manoel Laurentino Pinheiro e Maria Margarida da Costa Pinheiro, que ainda tinham mais sete filhos: Selma Maria (falecida), Salma Maria, Sílvia Maria (falecida), Suraia Maria (morreu com um ano), Silvio Manoel (seu Zico), Suel Manoel e Manoel Filho. Ainda menina 14

dois livros bombinenses: “A eira, a roda e o tempo: um retrato de Bombinhas a partir do olhar de seus moradores”, de Márcia Cristina Ferreira e “Histórias de Pescadores: causos das crianças de antigamente” de Jamila Delavy e Marília Dias, ambos publicados em 2016. 1º de julho de 1946: Nasce Salete Maria Pinheiro Pereira, na Praia Grande, a terceira filha de Manoel Laurentino Pinheiro e Maria Margarida da Costa Pinheiro. 1º de janeiro de 1973: Foge com Rubens Amaro Pereira. 9 de janeiro de 1973: Oficializa o matrimônio. 12 de novembro de: Nasce a única filha, Janaína Pereira. 1982: Separa-se. 2 de junho de 1997: Nasce a única neta, Marina. De 2007 a 2015: Participa do Grupo Folclórico Alegria. 2007: Inicia sua trajetória no Grupo Folclórico Mixtura. 2013: Participa d o projeto Vô Sabe, Vô Ensina da FMC, ministrando oficinas de culinária típica. 14 de novembro de 2014: É Intitulada Mestra da Cultura Tradicional de Bombinhas, na categoria gastronomia típica. 2017: Participa da segunda edição do projeto Vô Sabe, Vô Ensina da FMC, ministrando oficinas de culinária típica. 31 de outubro de 2017: Recebe na cidade de Palhoça, do Núcleo de Estudos Açorianos – Nea da Ufsc, o Troféu Ilha do Pico, que premia a categoria Mestre do Saber e Fazer

Mestre Suel

S

uel Gonzaga de Melo nasceu em 23 de abril de 1938, filho de Gonzaga Luiz de Melo e Maria José de Melo. Iniciou aos oito anos a labuta no engenho da avó dona Bilica, que ficava


1964: Se torna mestre de pesca. Agosto de 1965: Oficializa o casamento. 2000: Compra um engenho de farinha de mandioca

a usufruto até sua morte. Não permaneceu muito tempo na casa onde achava que passaria o resto de sua vida, pois a solidão falou mais alto e foi morar nas terras de sua filha Áurea e do genro Dé.

De seus 12 filhos que vingaram, pois cinco faleceram ainda pequenos, duas filhas seguiram seus passos na agri1984: Aposenta-se. cultura: Ana e Áurea, a última era que 14 de novembro de 2014: É intitula- lidava com o pai no dia a dia na roça. do Mestre da Cultura Tradicional de Sua herança cultural da agricultura faBombinhas, na categoria engenho de miliar permanece nas duas filhas, e nos farinha de mandioca, junto a mais 19 netos Leno e Lenício, filhos de Áurea, detentores dos saberes e fazeres locais. que também são dois apaixonados pelo engenho de farinha de mandioca. 2001: Começa a fornear em seu próprio engenho, já elétrico.

na altura onde hoje é o Banco Itaú, no lado de cima. Aos 15 iniciou a vida na pesca industrial e largou a lida na roça e engenhos, mas quando estava de férias costumava ajudar a esposa dona Tibúrcia, que sempre trabalhou na roça e no engenho do sogro, seu Mané Chica. Iniciou o namoro com dona Tibúrcia em uma domingueira no bairro de Zimbros, a fuga aconteceu em 20 de janeiro de 1964, e em agosto do ano seguinte casou-se na igreja e no cartório. Em novembro de 1964 nasceu o primeiro filho do casal, o Almir, em seguida vieram: Alzir, Aldir e Maria José. Quando se aposentou em 1984 retomou sua antiga paixão pelo engenho. Primeiramente trabalhou em parceria com o amigo Zequinha do Amaro, mas não se deu com o genro do amigo e resolveu adquirir seu próprio engenho. “Eu acho que os engenhos de farinha daqui de Bombas vão se acabar, o motivo é a lenha, porque o Ibama não deixa cortar a lenha mais, aí não tem condição de tocar né?” A estirpe de seu Suel e dona Tibúrcia soma: quatro filhos e nove netos. 23 de abril de 1938: Nasce Suel Gonzaga de Melo, filho de Gonzaga Luiz de Melo e Maria José de Melo. 1946: Começa a trabalhar no engenho de farinha de mandioca da avó dona Bilica. 1953: Inicia o trabalho na pesca industrial. 20 de janeiro de 1964: Foge com Tibúrcia Maria da Silva Melo.

Mestre Cantalício

O Mestre Cantalício constituiu uma família extensa, 17 filhos, sendo que cinco faleceram ou muito pequenos ou recém-nascidos: Doralice (falecida bebê), Isaias (falecido pequeno), Ana, Erenor (falecido em agosto de 2010), Áurea, Maria, Pauli, Valézia, Sadi, Marlene, Luiza (falecida com 1 ano e meio), Gerci, Zeli, Tereza, Valdi (falecida bebê) e Maria (falecida bebê). Sua estirpe soma 39 netos, 47 bisnetos e duas trinetas. 12 de fevereiro de 1930: Nasce seu Cantalício Calixo da Rocha em Tijucas, filho de Calixto Manoel Rocha e Ana Carolina dos Santos.

Foto acervo família Rocha e Mendes

S

eu Cantalício Calixo da Rocha nasceu em 12 de fevereiro de 1930 em Tijucas, e lá viveu sua infância, mocidade e início da vida adulta. Era o terceiro filho, de um total de sete, do casal Calixto Manoel Rocha e Ana Carolina dos Santos. Cresceu dentro de um engenho de farinha de mandioca e na roça. Casou-se antes de completar 18 anos com Maria Alzira da Silva. O casal teve 17 filhos, em Itinga nasceram 12 filhos, os outros cinco já nasceram em Bombinhas após 1964, quando aconteceu a mudança. Comprou uma propriedade grande, na atual Rua Abacate no Sertãozinho, e ali colocou seu engenho de farinha de mandioca. Quando a esposa faleceu em 1994, vendeu suas terras e o engenho para o Valtinho do cartório, mas com direito

1943: Aos 13 anos já trabalha feito homem adulto com o carro de boi, tanto na agricultura quanto no engenho de farinha de mandioca. 1947: Casa-se com dona Maria Alzira da Silva. 1964: Muda-se com a família para Bombinhas, para a propriedade adquirida na atual Rua Abacate no Sertãozinho, ali colocou seu engenho de farinha de mandioca. 1983: Recebe a medalha Produtor Modelo, do extinto Incra do Ministério da Agricultura. 13 de agosto de 1994: Falece dona Maria Alzira. 1998: Vai morar com a filha Áurea e o genro Dé (José Horácio Mendes). 14 de novembro de 2014: É intitulado Mestre da Cultura Tradicional de Bombinhas, na categoria engenho de farinha de mandioca, junto a mais 19 15


detentores dos saberes e fazeres locais.

se desfez das terras. Na noite de 10 de 25 de maio de 2016: Falece o Mestre março de 1957 fugiu com a Maria Alcina quarta-feira 25 de junho, aos 86 des Mafra. Se encontraram em dezemanos, por volta das 10 horas no hospi- bro de 1956 num dos bailes típicos da época. Três meses depois fugiram. Há tal Marieta Konder, de infarto. uma curiosidade quanto a oficialização do casamento de seu Vital e dona Bia, pois, foi o primeiro realizado no cartório do Nomi. Tiveram sete filhos, quatro homens e três mulheres: o primogênito, Manoel, nasceu morto, Valdemir (Vardo), Marilda, Valdenir (Miza), Valcedir (Valsa),Maurília (Preta), Valdinei e Juliana, a sobrinha adotada aos sete meses. Os filhos homens seguiram os passos do pai e tornaram-se pescadores, passo também de alguns netos. Quando a mãe de dona Bia faleceu em 1969, coube a ela assumir a criação dos irmãos, dois deles ainda muito pequenos, e a seu Vital assumir a paternidade, desta forma criaram: Eduardo (falecido), Abdon, Ailton, Ariadenes (Denis) e Arno.

Foto acervo família Miguel

Mestre Vital

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ital Januário Miguel nasceu em 11 de junho de 1933, filho de Francisco Januário Miguel, o Chico Januário, e Carolina Flávia Miguel, a dona Carola. É o primogênito de 13 filhos. Foi criado na labuta da roça e na pesca, já menino pescava na Praia de Fora, no porto de seu Vidinha e do Pai Nilo, junto ao irmão Torninho no 2X1, os dois valiam um quinhão. E quando ganhou a maioridade, também ganhou o mundo do mar e tornou-se pescador profissional, o destino foram os portos do Rio Grande do Sul, onde trabalhou por três anos. Vivenciou os afazeres no engenho, pois, em frente a sua morada de hoje, na rua Surubim, era o local onde ficava o engenho da família. E nesse mesmo engenho trabalhou até quando o patriarca 16

Mafra, mãe de dona Bia, deixando os filhos Eduardo, Abdon, Ailton, Ariadenes (Denes) e Arno que foram criados como filhos pelo casal. 1970: Compra o porto de tainha na Praia de Fora, onde ainda hoje encontra-se seu rancho. 1980: Aposenta-se 14 de novembro de 2014: Recebe a Intitulação de Mestre da Cultura Tradicional de Bombinhas, na categoria de pesca e contação de histórias, junto a mais 19 detentores dos saberes e fazeres locais. 29 de julho de 2017: Falece dona Bia, aos 79 anos, vítima de câncer.

Na década de 70 comprou uma faixa de terra na beira da Praia de Fora, onde hoje é seu porto e rancho, que pertencia a seu Tarcílio, foi dona Idalina que ao enviuvar vendeu o porto com canoa e rede ao amigo Vital. Em 1980 aposentou-se. “Hoje em dia quem me acompanha na pesca é meu filho, meu neto e às vezes meu bisneto, também, nos acompanha para botar rede”. 11 de junho de 1933: Nasce Vital Januário Miguel, primogênito de Francisco Januário Miguel, o Chico Januário, e Carolina Flávia Miguel, a dona Carola. 1935: Inicia na pesca artesanal no 2X1, junto ao irmão Torninho, os dois valiam um quinhão. 1951: Inicia a labuta na pesca profissional.

Mestre Pepedro

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edro Airozo da Natividade nasceu em 22 de fevereiro de 1945 no bairro de Zimbros, filho de Agus9 de novembro de 1957: Oficializa o tinho Nestor Airozo e Lúcia Antônia da Natividade, tem seis irmãos, todos canmatrimônio com dona Bia. tadores de Reis e de Boi de Pau. 1961: Nasce o primeiro filho Manoel (faleceu ao nascer), um ano e sete me- Assim que pôde andar por conta próses depois, nasce Vardo. pria sem o apoio da mãe, já acompa14 de maio de 1969: Falece dona Al- nhava o pai nas andanças. Pepedro cides (dona Cici) Teotônia Pinheiro lembra da primeira vez que tirou verso, 10 de março de 1957: Fugiu com Maria Alcides Mafra, a dona Bia.


tinha uns seis ou sete anos e foi com seu pai numa casa na praia de Bombinhas, hoje bairro Centro, e ali diante dos velhos Dinizarte e Mané Guimara na casa do nortista Russo, o menino fez sua estreia na arte. “Tirar verso de improviso é de família, é nosso destino, eu, meu pai, meus irmãos e irmãs, todos nós sempre cantamos terno de reis e boi de mamão”.

2017: Participa do Grupo de Boi de Mamão Eira meu Boi da Fundação Municipal de Cultura de Bombinhas, como versador, numa apresentação no Balaio Cultural.

Aos 17 anos casa-se com José Amândio da Silva Júnior e tem 16 filhos, todos nascidos em casa. Dona Dulce trabalhou muito no cultivo da agricultura familiar, de subsistência, nos engenhos de farinha de mandioca e cachaça da família, e criou seus filhos todos na roça. Além de sábia benzedeira e agricultora, dona Dulce é uma hábil versadora, tanto no Pão-por-Deus, quanto nas cantorias de Terno de Reis e Boi de Mamão.

Iniciou o namoro com a jovem Marisinha, dona Maria Lindomar da Natividade, do Canto Grande numa domingueira na costeira do Zimbros, duas semanas depois fugiram, em 5 de junho de 1965. Moram até hoje na casa de nascimento de Pepedro. Pepedro é um dos grandes mestres de boi de pau da cidade, mesmo antes da intitulação era considerado um grande conhecedor da tradição, tanto pela comunidade, quanto por agentes culturais. Tem uma memória invejável, jamais escreveu uma única linha de suas composições, pois apenas escreve seu nome.

bicheira, vermes, rasgado, entre outros. E aprendeu o mais importante: a força da fé. Somados aos ensinamentos com dona Flor tinha o fato de ter visto em toda a sua infância a mãe exercendo essa função, e, somente em observar, aprendeu.

Mestra Dulce

O casal tem cinco filhos Vera Lúcia, Valdemir (Mico), Veroni, Vailton e Vânia Maria, nove netos e dois bisnetos. Seus herdeiros, ainda, não aprenderam ulce Maria (Pinheiro) da Silva a tirar verso de improviso, cantam o lenasceu no dia 16 de outubro de reu, terno de reis e boi de mamão, no 1931, pelas mãos da parteira Tientanto alguns netos seguem seus pas- béria, na Praia Grande, atual bairro de sos na tradição. Bombas, filha da benzedeira Maria Rita Flor e José Laurentino Pinheiro, que 22 de fevereiro de 1945: Nasce Pedro além de dona Dulce tiveram mais cinco Airozo da Natividade no bairro de filhos. Na infância permaneceu por três Zimbros, filho de Agustinho Nestor anos seguidos na primeira série do anAirozo e Lúcia Antônia da Natividatigo primário, não porquê fosse reprode. vada, mas, por não haver mais séries. 1951: Tira verso pela primeira vez aos Por estar à frente dos estudos ajudava seis anos. a professora a ensinar outras crianças. 5 de junho de 1965: Foge com Marisi- Aos 12 anos fez sua primeira viagem de nha, dona Maria Lindomar da Nati- “lancha” para a casa de sua madrinha em Ilhota, devido ao mau tempo o leme vidade. da lancha se partiu e tiveram que fazer 16 de março de 1966: Nasce a primei- uma parada em Balneário Camboriú, ra filha, a Vera. no dia seguinte seguiram até Ilhota. Ali dona Dulce permaneceu por dois meses 2000: Aposenta-se. e a empregada de sua madrinha, a dona 14 de novembro de 2014 foi intitulaFlor repassou a enteada seus saberes do Mestre da Cultura Tradicional de de benzimentos, que ela anotava num Bombinhas, na categoria boi de macaderninho: zipra, quebrante, zipelão, mão, junto a mais 19 detentores dos insolação, mal olhado, dor de dente, cosaberes e fazeres locais. breiro, dor nos olhos, campainha caída,

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Em 1988 devido a um desentendimento quanto a moradia separou-se de seu Zé Amândio pela quarta e definitiva vez, sem nunca mais trocar conversa com o esposo, mas sempre se consideraram cônjuges, inclusive sentando-se lado a lado nas festas familiares. Seu Zé Amândio faleceu em 31 de janeiro de 2014. A estirpe de dona Dulce e seu Zé Amândio soma: 16 filhos, 36 netos, 28 bisnetos e 1 trineta. 16 de outubro de 1931: Nasce Dulce Maria (Pinheiro) da Silva, filha de Maria Rita Flor e José Laurentino Pinheiro. 1943: Torna-se aprendiz de benzimentos com dona Flor, empregada de sua madrinha. 25 de dezembro de 1949: Foge com José Amândio da Silva Júnior 22 de fevereiro de 1959: Nasce a primeira dos 16 filhos: Alcires. 24 de dezembro de 1970: Oficializa o matrimônio. 1988: Se desentende com o esposo e separam-se oficialmente de corpo, jamais se divorciaram. 31 de janeiro de 2014: Morre seu José Amândio da Silva Júnior. 14 de novembro de 2014: É intitulada Mestra da Cultura Tradicional de Bombinhas, na categoria benzimentos e agricultura familiar, junto a mais 19 detentores dos saberes e fazeres locais. 17


Nem tudo que reluz é ouro Marcos Aurino Pinheiro – Marquinhos Naquela manhã despertaram eles, ávidos por saber o que havia ocorrido realmente. Seu Nilo Pinheiro partiu cedo ainda com o cantar dos galos. O vento brando trazia o perfume da primavera, e os ipês coloriam as morrarias em intervalo com as roças de milho, feijão e aipins. As águas claras da prainha pareciam convidá-los à aventura. Era mês de outubro de 1957, e um grande navio holandês havia naufragado a oeste da ilha das Galés. Os rumores alcançaram os ouvidos de nossos velhos homens do mar. Seu Reinaldo, em acordo com Venino, partiu pra assegurar seu quinhão, seguido pela lancha de seu Adrião. Lá, viram a alaúza que havia se formado na flor das águas. O cargueiro Lili estava assegurado em nove milhões de cruzeiros e por toda parte, fundeados ou mesmo boiados, os produtos convidavam ao saque. A neblina já havia se espargido, e enquanto a lancha fisgava na superfície os sacos de linhagens, um tecido de juta, seu Venino mergulhou nos mistérios do mar. Perfumes, louças, vidrarias contendo azeitonas, ameixas, azeite de oliva e muitas outras especiarias. Muitas e muitas viagens fizeram, e por dias levaram tudo o que puderam. As crianças da comunidade esperavam afoitas a chegada das lanchas, ao saírem da escola. Fardos de papéis eram postos nos cômoros pra secar. Foram tempos de luxo, por assim dizer, e seu Reinaldo levava suas conquistas pra secarem no pasto do velho engenho de seu Pedro Ricardo. Um dia no mês de novembro, a fiscalização da marinha por ali bateu, e apurou-os a esconder tudo nas fornalhas do engenho. Os sacos de linhagens viraram colchões de palha de milho, um conforto raro para a época em que se vivia. Os papéis viraram cadernos para as crianças e para as notas das vendas improvisadas nas casas de seu Adrião, de seu Reinaldo, e de alguns outros donos de embarcações a motor, onde os comércios dos artigos importados se desenvolveram. Ah! Minha gente querida, de anseios e feridas, em que na mente despertam as imagens de outrora. Salve Senhores e Senhoras! Somos aquilo que não esquecemos. 18


Arrenegado – irritado, chateado Bobiça – besteiras Cagaço – susto Corinho corinho – nu, nua Camaçada de pau – surra Essezinho – este aqui Imbucicado – nervoso Manjuva – peixe Nata – nativo Noite coberta – noite sem lua Pexada – colisão, batida de carros Pomboca – lamparina, luz para pesca noturna Peixe de lixa – cação Rapazi – rapaz, rapazes Rebôjo – mar agitado Sussueste – vento sudeste Tribuzana – vento forte sem direção definida Uso campeão – usocapeão Varar – passar Vissi – expressão do verbo ver “viste” Terralera – vento terral, oeste Ti cala – calar-se Tresnoitado – sem dormir (três noites) Pesquisa: Deise Cristina de Melo e Souza, Márcia Cristina Ferreira e Tais Maria de Campos. Fonte: Biblioteca Pública Municipal Cruz e Sousa.

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