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Coletivo Político Quem

Heleny Guariba: Considerações sobre um Teatro Estético-Político

as relações de produção na montagem da peça. Não se trata aqui de afirmar que, em tal montagem, Francisco de Assis estivesse buscando algo como um processo colaborativo avant la lettre, mas de evidenciar que, na sua direção, ocorreu um esforço no sentido de colocar em questão a rígida hierarquização que caracterizava a produção teatral, em que o diretor ocupava o lugar daquele que, com o texto em mãos, era capaz de determinar todo o trabalho de montagem, inclusive em seus pormenores. Contra isso, Francisco de Assis tentou introduzir o público no processo de direção, a quem foi permitido assistir aos ensaios, assim como comentar e discutir as opções cênicas da montagem. Por fim, a vinculação com outras instituições (como a une) permitiu à peça sair de um circuito teatral restrito e atingir públicos cada vez mais amplos. Esta confluência de fatores, implicando numa coletivização da produção – relegando ao passado a ideia romântica do dramaturgo genial, do diretor autoritário, da companhia fechada –, seria o núcleo do cpc, primeira experiência de agitprop brasileira. Talvez se possa mesmo dizer que, com A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, apesar de todos seus problemas (e não eram poucos), o teatro finalmente havia esboçado uma resposta às perguntas de Boal colocadas no inicio deste texto, a partir de uma completa politização da arte, inclusive no que diz respeito às forças produtivas envolvidas. A breve experiência teatral de Heleny Guariba deve ser compreendida na esteira desse projeto e dessa tentativa de ampliação do público teatral para além do eixo artístico paulistano, ambos prematuramente abortados após o golpe contrarrevolucionário de 1964. A criação do Teatro da Cidade de Santo André é, nesse sentido, um índice claro da maneira como Heleny entendia a função política do teatro. Influenciada pela experiência do Théatre de la Cité, que Planchon construíra na zona industrial de Lyon, Heleny pretendia reproduzir em Santo André, também uma cidade cuja população era composta por empregados da indústria e seus familiares, o mesmo projeto de circulação de ideias políticas que ocorrera no teatro de Planchon. Além disso, seguindo um caminho já traçado por Vianninha, com base nas experiências precedentes de Antoine, Planchon e outros, Heleny vinculou o grupo a uma instituição mais ampla (curiosamente, o próprio Estado, na forma da prefeitura de Santo André), ainda que preservando sua independência. Essa vinculação era necessária, pois, como já demonstrara a experiência do Arena, sem este vínculo tornava-se extremamente difícil realizar um teatro de qualidade dirigido a um público mais amplo, dados os escassos recursos da classe teatral (por exemplo, o baixo preço dos ingressos, necessário para atrair um público de baixo poder aquisitivo, seria de difícil manutenção sem alguma forma de subsídio). No que diz respeito à maneira como ela se inscreve no programa de formação da consciência da classe proletária, é preciso voltar a insistir na


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